Brincos de ouro e sentimentos pingentes

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Copyright © Luiz Antonio Aguiar Capa Casa Rex Projeto Gráfico Casa Rex Ilustrações Gustavo Piqueira e Samia Jacintho Revisão Waltair Martão Coordenação Editorial Editora Biruta 2ª edição – 2011 Edição em conformidade com o acordo ortográfico da língua portuguesa. Todos os direitos desta edição reservados à Editora Biruta Ltda. Rua Coronel José Eusébio, 95, Vila - Casa 100-5 Higienópolis - CEP: 01239-030 São Paulo / SP - Brasil Telefones: (11) 3081-5739 e (11) 3081-5741 biruta@editorabiruta.com.br www.editorabiruta.com.br A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal, e configura uma apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Aguiar, Luiz Antonio Brincos de ouro e sentimentos pingentes / Luiz Antonio Aguiar ; ilustração Gustavo Piqueira. -- São Paulo : Biruta, 2008. ISBN 978-85-88159-92-1 1. Literatura juvenil I. Piqueira, Gustavo. II. Título. 08-00088

CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura juvenil 028.5


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“O que é isso, garota? Borrar o rímel já saindo pra festa é sabotagem com você mesma, pô!” Só que não deu pra segurar. No que eu tirei o brinco da caixinha de joias... (Se fosse pra ser absolutamente sincera, seria melhor falar caixinha de joia, já que, fora o brinco, todo o resto é bugiganga de camelô.) ... já começou. Primeiro os meus olhos ficaram brilhantes. Lindos. Pareciam dois diamantes cor de terra. Duas poças de água depois da chuva. Mas, logo a seguir, o brilho foi se desmanchando. E escorrendo. E pronto: os dez minutos que gastei passando o rímel foram por água abaixo. “E já estou atrasadíssima. O Bebeto deve estar numa ansiedade de louco. Mas não vai brigar comigo.” (risadinha eu comigo mesma) “Legal eu ter um namorado pra minha festa de 16 anos. Ainda mais um namorado gostosinho que nem o Bebeto.


E mais, mais ainda, um namorado que não briga por eu deixá-lo de molho na sala, aguentando meu atraso pra me vestir. Não sei por que inventei de usar esta droga de brinco. Não, mentira de novo: eu tinha de usar este brinco, hoje. Já sei o que minha mãe vai dizer, encantada, quando me vir: Que lindo! Você vai usar os brincos da sua avó na sua festa de aniversário! Ela não sabe, ninguém sabe, que estes brincos, pra mim, não têm nada a ver com minha avó. Eu nem conheci minha avó. Se fossem os brincos da minha avó, eu não tinha borrado meu rímel. Pedro Cláudio, seu cretino! Você me aprontou mais essa. Tomara que você… se dane!” 15


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Eu estava me acabando de chorar. E me achando uma bobona. Mais ainda porque ninguém estava dando a mínima pra minha choradeira. Ninguém queria saber se eu estava supernervosa – lábios tremendo, começando a suar debaixo dos braços que era um nojo! Acabando com meu figurino! — porque, bem na hora de sair pra minha apresentação de final de ano na escola de dança, a porcaria do brinco que eu queria usar tinha arrebentado. O pingente tinha se soltado. Era o brinco da minha avó. Ou, melhor, era meu, minha mãe tinha me dado, iam passar a ser meus brincos naquele dia. Daí, meu pai estava preocupado porque ainda tinha de parar no posto e botar gasolina no carro, no caminho da escola de dança. Minha mãe estava fazendo sala pra uma amiga que não resolvia ir embora — se bem que eu não sabia mais se quem estava esticando a conversa era a tal amiga ou minha mãe.


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E não tinha ninguém prestando atenção em mim, que era quem tinha de subir lá naquele palco, com um brinco com pingente e outro sem, e bem no dia da minha primeira apresentação da escola de dança. A primeira de toda a minha vida. Que foi também a última! Mas, como é que eu ia saber disso, lá na hora da tragédia? Eu achava que ia começar ali a dançar, a dançar… e não ia parar nunca mais. Mas, no que corri pra minha mãe e disse que meu brinco havia quebrado, ela disse: — Ah, foi? Que pena, Manuela, você queria tanto usar esses brincos, não é? Não têm outros? Daí, ficou me olhando um segundo, depois se voltou pra bruaca da amiga e retomou a conversa chata que estavam tendo. Então, fui até o meu pai, que estava no quarto, terminando de se vestir ­— sentado na borda da cama, brigando com a barriga pra calçar as meias —, mas, antes que eu pudesse falar no brinco, ele perguntou: — O filho dela já chegou? — Filho de quem? ­— estranhei. — Da Dorothy! O filho é que vinha pegá-la, de carro, senão vou acabar tendo de dar carona e deixar essa amiga da sua mãe em casa. Que hora pra uma visita de surpresa! Por que sua mãe não diz logo que a gente tem compromisso e que tem de sair? E ainda preciso passar no posto de gasolina! E tomara que não tenha de calibrar o pneu também. Não andei no carro a semana inteira, sabe? Sua mãe já está pronta, pelo menos? Por que me põem de chofer da família se ninguém colabora? Ele não calava mais a boca, reclamação em cima de reclamação. E o nome da tal amiga era Dorothy!

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Tinha de ser, não é? Algo assim. E ela devia é se apresentar pra todo mundo dizendo: Olá, meu nome é Dorothy, e sou uma falsa loura! Tá, pra quem acredita em premonição, então foi por isso que não gostei dela logo de cara. E não só porque o louro dos cabelos dela era absolutamente impossível de ser de verdade e só uma idiota poderia pensar que enganava alguém. Não respondi à pergunta do meu pai. Ele não reparou que eu não havia respondido. Nem que eu estava chorando. Não reparou nisso também, apesar de eu ser o compromisso dele e da minha mãe. Continuou lá em sua briga pra calçar as meias, o rosto muito vermelho, bufando. E eu, com os brincos na mão, um deles com o pingente solto. Foi nessa hora que o Pedro Cláudio chegou. O filho da Dorothy. Eu já estava pensando em medidas de desespero: tentar consertar o brinco com cola, arrancar o pingente do outro brinco, ir sem brincos. Então, bateram na porta do meu quarto. Era o Pedro Cláudio. Eu nunca o tinha visto. E, na hora em que o vi, devo ter ficado com uma tremenda cara de babaca. Ele era lindo. É lindo. Ele disse: — Minha mãe me contou que você está com um probleminha, com os seus brincos… No que botou os olhos em mim, o Pedro Cláudio soltou uma risadinha, e aquilo doeu. Fiquei morrendo de vergonha dos meus olhos inchados, das minhas bochechas molhadas, do meu jeito ali, todo criancinha… Foi isso e muito isso que ele deve ter pensado de mim: criancinha!


Eu disse: — NéNadaNão! — Se não é nada, por que você está chorando? Odiei a banca de maduro dele. — NãoTôChorandoNada! — Certo, sem discussão. Deixa ver seu brinco? Sou muito bom pra consertar coisas. Eu estava com as duas partes do brinco apertadas na mão. Daí, foi só abrir os dedos. Ele pegou, os dedos dele tocaram na palma da minha mão, eu me arrepiei, ele examinou o brinco e disse: — Vê se o seu pai tem um alicate de ponta fina e um pedaço de arame bem fino também. Ele falou como se estivesse dando ordens a uma pirralha, dessas que a gente mais velha usa como faz-tudo, e a idiotinha ou o idiotinha fica todo alegre de ser útil, pensando que assim o gente grande a ama mais. Nem pensei em ir pedir ao meu pai coisa nenhuma. Se ainda fosse fazer pedidos, ia ser outra seção de bufadas e reclamações. Sabia que ele guardava a caixa de ferramentas no quarto dos fundos. Fui lá e trouxe. Era pesada, bem pesada. Pedro Cláudio a abriu, procurou entre as ferramentas e pescou de lá de dentro o alicate que queria. Achou um rolinho de arame também. Nessa altura, estava sentado na penteadeira e eu, na borda da cama, observando. — Vou fazer um conserto — ele disse, olho pregado na ponta dos dedos, que reviravam o brinco — que vai resolver a emergência. O elo se partiu e aqui não tenho ferramenta pra soldar. Você vai ter de mandar o brinco pra um ourives pro conserto definitivo, certo, menina? Mas, não deixe de fazer isso. É uma joia muito antiga, da sua avó, né? E acho que só o pingente é caríssimo. Assenti de cabeça.

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(Depois ia morrer de raiva por aquele tom de voz de mais velho ensinando coisas indispensáveis à pirralha histérica; mas, ali, em cima do lance...) Fiquei admirando aqueles dedos dele — mais tarde, só mais tarde, soube que tocava piano — se mexendo com uma precisão total, lidando com o alicate, um pedacinho de nada de arame, o pingente, a base do brinco. Fazendo aquele remendo tão firme e caprichado, que só quem olhava de perto poderia perceber. E o rosto dele, concentrado, e ao mesmo tempo tão tranquilo. Tão bonito. Estava de perfil pra mim. E juro que senti vontade, ali na hora, de beijar a ponta da orelha dele. Ou de morder. Ou seria de sugar? Só a ponta da orelha dele. Tá, eu sei… Meio que tara, essa história da ponta da orelha. Fazer o quê? Nunca tinha sentido isso, tá? Ou, então, os dedos dele… Juro que tive vontade ali que ele passasse as pontas dos dedos no meu rosto. E que ficasse olhando pra mim, não pro brinco. Que se danasse o brinco! Já não estava mais aflita, nem com pressa de ir pra escola de dança. Já não queria que a louríssima Dorothy — com os cabelos dela, ressecados de camadas e camadas de tintura, acumulando-se desde os tempos da brilhantina — e minha mãe terminassem de fofocar. Já não queria mais nada a não ser… me deu uma vontade mais doida ainda do que a história da orelha… me deu vontade de… dançar pra ele. — Pronto! ­— ele disse. E me entregou o brinco, olhando pra mim, finalmente. Fiquei boba, sem palavras. — Experimenta — ele disse. Bem devagar, eu afastei o cabelo da orelha. Depois pus o brinco, desci a mão pro meu colo, juntei com a outra que já estava lá, em pose de espera, e sorri pra ele.


Pedro Cláudio ficou um instante olhando, calado, depois disse: — Você está muito bonita... — Obrigada — respondi, acho que agradecendo ao mesmo tempo o conserto do brinco e o cumprimento. Ele me deu tchau, levantou-se e saiu do meu quarto. E foi só então, ainda bem, que eu lembrei de ficar com as bochechas ardendo, vermelhas de vergonha.

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