Último Sacríficio - 1º Capítulo

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Último Sacrifício



Último Sacrifício Richelle Mead

Tradução Dênia Sad


Título original: Last Sacrifice Copyright © 2010 by Richelle Mead Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Agir, selo da Editora Nova Fronteira Participações S.A., empresa do Grupo Ediouro Publicações. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copirraite. Editora Nova Fronteira Participações S.A. Rua Nova Jerusalém, 345 – Bonsucesso – 21042-235 Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-8200 – Fax: (21) 3882-8212/8313 www.ediouro.com.br

CIP-Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ M431u Mead, Richelle, 1976Último sacrifício / Richelle Mead ; tradução Dênia Sad. – 1. ed – Rio de Janeiro : Agir, 2013. 23 cm. (Academia de vampiros; 6) Tradução de: Last sacrifice Sequência de: Laços do espírito ISBN 978-85-220-1293-0 1. Vampiros - Ficção. 2. Ficção americana. I. Sad, Dênia. II.Título. III. Série. 13-01193

CDD: 813 CDU: 821.111(73)-3


Dedicado a Rich Bailey e Alan Doty, os professores que mais influenciaram a minha escrita, e a todos os meus amigos professores por aí que estão ajudando jovens escritores neste momento. Continuem na luta, todos vocês.



Um

Não gosto de jaulas. Também não gosto de ir a jardins zoológicos. Na primeira vez que fui a um, quase tive um ataque de claustrofobia só de olhar para os pobres animais. Não conseguia imaginar nenhuma criatura vivendo daquele jeito. Às vezes, até me sentia meio mal pelos criminosos condenados a passar a vida inteira presos. Com toda certeza, nunca esperei passar minha vida em uma cela. Nos últimos tempos, porém, a vida parecia me bombardear com muitas coisas que nunca esperei, porque ali estava eu, trancafiada. — Ei! — gritei, agarrando as grades de aço que me isolavam do mundo. — Por quanto tempo vou ficar aqui? Quando é o meu julgamento? Vocês não podem me manter nesta masmorra para sempre! Está certo, não era exatamente uma masmorra sombria com correntes enferrujadas. Eu estava numa cela pequena com paredes sem graça, um chão sem graça, enfim... Tudo sem graça. Imaculada. Árida. Fria. Na verdade, era mais deprimente do que uma masmorra qualquer com cheiro de mofo. Eu sentia na pele aquelas grades geladas, duras, inflexíveis. A luz fluorescente fazia o metal brilhar, o que era bem desconfortável e irritava os meus olhos. Avistei o ombro de um homem parado de pé, rígido, ao lado da entrada da cela, e imaginei


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haver mais quatro guardiões no corredor, fora do meu campo de visão. Sabia que nenhum deles me responderia, mas isso não me impedia de exigir respostas constantemente nos últimos dois dias. Quando aquele silêncio de sempre chegou, suspirei e me joguei na cama, no canto da cela. Como todo o resto no meu novo lar, a cama era sem cor e dura. É. Eu começava mesmo a desejar estar numa masmorra de verdade. Pelo menos teria ratos e teias de aranha para observar. Ergui a cabeça e de imediato tive a sensação perturbadora que sempre tinha ali: a de que o teto e as paredes se fechavam à minha volta. Como se eu não pudesse respirar. Como se as laterais da cela estivessem vindo na minha direção até não sobrar espaço algum, expulsando dali todo o ar... Com um movimento brusco, sentei-me, ofegante. Não encare as paredes e o teto, Rose, me censurei. Então, olhei para baixo, para minhas mãos entrelaçadas, tentando compreender como tinha me metido naquela confusão. A primeira resposta que me veio era óbvia: alguém tinha tramado para que eu fosse culpada de um crime que não cometi. Não de um crime qualquer. De um assassinato. Tiveram a audácia de me acusar do pior crime que um Moroi ou um dampiro poderia cometer. É claro que isso não quer dizer que eu não tenha matado antes. Já matei. Também já desrespeitei uma boa quantidade de regras (e até mesmo a lei). Um assassinato a sangue frio, porém, não fazia parte do meu repertório. Muito menos o assassinato de uma rainha. É verdade que a rainha Tatiana não era minha amiga. Ela havia sido a governante fria e calculista dos Moroi — uma raça de vampiros vivos, usuários de magia, que bebem o sangue de suas vítimas, mas não o suficiente para matá-las. Tatiana e eu tivemos uma relação conturbada por inúmeras razões. Uma delas era o fato de eu namorar seu sobrinho-neto, Adrian. Outra era o quanto eu desaprovava suas políticas sobre como combater os Strigoi — os cruéis vampiros mortos-vivos que perseguiam todos nós. Várias vezes me enganei com relação à Tatiana, mas nunca desejei sua morte. No entanto, ao que parece, alguém 8


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desejou, e deixou um rastro de provas que apontava para mim. A pior delas eram as minhas impressões digitais por toda a estaca de prata que matara a rainha. É claro, era a minha estaca. Portanto, obviamente tinha as minhas impressões digitais. Ninguém parecia pensar que isso fosse relevante. Suspirei de novo e tirei um pedaço de papel minúsculo e amassado do bolso. A única coisa que eu tinha para ler. Apertei o papel, sem precisar olhar para as palavras. Já fazia tempo que as havia decorado. O conteúdo do bilhete me fazia questionar o que sabia sobre Tatiana. E sobre muitas outras coisas. Frustrada com aquela situação, tentei esquecer e resolvi pensar em outra pessoa: minha melhor amiga, Lissa. Ela era uma Moroi, e compartilhávamos um elo psíquico, o qual me permitia entrar na sua mente e ver o mundo por meio de seus olhos. Todos os Moroi manejavam algum tipo de magia elementar. A de Lissa era o espírito, um elemento ligado a poderes psíquicos e curativos. Era raro entre os Moroi, que normalmente usavam elementos mais físicos, e mal compreendíamos suas habilidades — que eram incríveis. Ela havia usado o espírito para me trazer de volta dos mortos alguns anos antes e foi isso o que criou nosso laço. Estar na mente de Lissa me libertava da cela, mas não ajudava muito a resolver meu problema. Ela vinha dando duro para provar minha inocência, desde a audiência que expusera todas as provas contra mim. Minha estaca ter sido usada no assassinato era apenas o começo. Meus oponentes haviam sido rápidos, lembrando a todos de meu antagonismo com relação à rainha, e também tinham arranjado uma testemunha para depor sobre meu paradeiro durante o assassinato, o que me deixou sem álibi. O Conselho concluiu que existiam provas suficientes para me mandar para um julgamento pleno, em que eu receberia o veredicto. Lissa vinha tentando desesperadamente conseguir a atenção das pessoas e convencê-las de que haviam tramado contra mim. No entanto, andava tendo problemas para encontrar alguém que a ouvisse, pois 9


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todos na Corte Real dos Moroi estavam ocupados com os preparativos para o pomposo funeral de Tatiana. A morte de um monarca era um evento importante. Moroi e dampiros — meio-vampiros, como eu — viriam do mundo todo para ver o espetáculo. Comida, flores, decoração e até mesmo músicos... A cerimônia completa. Se Tatiana tivesse se casado, duvido que o evento fosse tão elaborado. Com tanta atividade e agitação, ninguém se importava comigo naquele momento. Para a maior parte das pessoas, eu estava trancafiada, impossibilitada de matar de novo. O assassino de Tatiana havia sido descoberto. A justiça tinha sido feita. Caso encerrado. Antes que eu conseguisse uma imagem mental clara dos arredores de Lissa, um movimento repentino me puxou de volta para a cadeia. Alguém havia entrado ali e conversava com os guardas, pedindo para me ver. Era minha primeira visita em dias. Meu coração disparou e fui correndo para as grades, na esperança de ser alguém que me dissesse que tudo aquilo tinha sido um grande engano. Meu visitante não era bem quem eu esperava. — Velho — disse eu, chateada. — O que está fazendo aqui? Abe Mazur estava diante de mim. E, como sempre, era uma visão a ser contemplada. O clima quente e úmido que fazia na zona rural da Pensilvânia em meados do verão não o impediu de vestir um terno completo. Era um terno brilhante, bem-cortado, complementado por uma gravata de seda roxa também brilhante e um cachecol combinando, o que parecia simplesmente um exagero. Joias de ouro reluziam em contraste com sua pele parda, e ele parecia ter aparado a barba rente e preta nos últimos dias. Abe era um Moroi e, embora não fosse da realeza, era bastante influente. Por coincidência, ele também era meu pai. — Sou seu advogado — disse ele, animado. — Estou aqui para lhe dar aconselhamento jurídico, é claro. — Você não é advogado — lembrei a ele. — E o seu último conselho não deu muito certo. — Foi mesquinho dizer isso. Abe, apesar de não ter nenhuma prática jurídica, tinha me defendido na audiência. 10


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Obviamente, como eu estava presa e aguardando o julgamento, o desfecho dela não havia sido tão bom. Mas, em meio a tanta solidão, cheguei a me dar conta de que ele tinha razão numa coisa: nenhum advogado, não importava o quanto fosse competente, poderia ter me salvado na audiência. Eu precisava lhe dar crédito por ter abraçado uma causa perdida, embora, levando-se em conta nosso relacionamento superficial, ainda não soubesse ao certo por quê. Minhas teorias mais concretas eram as de que ele não confiava na realeza e de que sentiu que era seu dever de pai fazer isso. Nessa ordem. — Meu desempenho foi perfeito — argumentou ele. — E seu discurso persuasivo, dizendo “se eu fosse o assassino”, não nos ajudou em nada. Pôr essa imagem na cabeça do juiz não foi muito esperto. Ignorei o comentário e cruzei os braços. — E então, o que você está fazendo aqui? Sei que não é só uma visita de pai. Você nunca faz nada sem um motivo. — É claro que não. Por que fazer alguma coisa sem um motivo? — Não comece com sua lógica circular. Ele pestanejou. — Não precisa ficar com inveja. Se der duro e voltar sua mente para isso, pode herdar minhas brilhantes habilidades lógicas um dia. — Abe! — exclamei. — Ande logo com isso. — Está bem, está bem — disse ele. — Vim lhe dizer que seu julgamento pode ser remarcado. — O-o quê? Isso é ótimo! — Ao menos, eu achava que era. A expressão no seu rosto dizia o contrário. Pelas últimas notícias que tive, meu julgamento poderia levar meses para acontecer. Só de pensar naquilo... em passar tanto tempo na cela... eu me sentia claustrofóbica de novo. — Rose, você sabe que seu julgamento será quase idêntico a sua audiência, não sabe? As mesmas provas e um veredicto de culpada. — É, mas deve ter alguma coisa que possamos fazer até lá, não acha? Encontrar alguma prova para me inocentar? — De repente, vi com clareza qual era o problema. — Quando você diz “remarcado”, de quanto tempo está falando? 11


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— Para eles, o ideal é fazer isso depois da coroação de uma nova rainha ou um novo rei. Como parte das festividades pós-coroação. Seu tom era um pouco irônico, mas, ao fitar seus olhos obscuros, percebi o que tudo aquilo significava. Números se agitavam na minha mente. — O enterro é nesta semana e as eleições são logo depois... Você está dizendo que posso ir a julgamento e ser condenada em cerca de duas semanas? Abe fez que sim com a cabeça. Voei na direção das grades de novo com o coração disparado — Duas semanas? Está falando sério? Quando ele disse que o julgamento havia sido remarcado, imaginei que talvez fosse dali a um mês. Eu teria tempo o suficiente para encontrar novas provas. Como conseguiria fazer isso agora? Não tinha a menor ideia. Agora o tempo corria contra mim. Duas semanas não bastavam, ainda mais com tantas atividades na Corte. Momentos antes, lamentei o longo período que teria de enfrentar. Agora ele era curto demais, e a resposta para minha pergunta seguinte poderia piorar as coisas. — Quanto tempo? — perguntei, tentando controlar o tremor na minha voz. — Quanto tempo leva depois do veredicto até... cumprirem a sentença? Eu ainda não sabia ao certo tudo o que havia herdado de Abe, mas estava claro que nós dois compartilhávamos uma característica: a capacidade inabalável de dar más notícias. — É provável que seja imediatamente. — Imediatamente... — Recuei e, quando estava a ponto de me sentar na cama, senti uma nova onda de adrenalina. — Imediatamente? Então. Duas semanas. Em duas semanas posso estar… morta. Porque era isso — era isso o que martelava minha cabeça desde o instante em que se tornou óbvio que alguém havia plantado provas para me incriminar. Quem matava rainhas não era mandado para a prisão. Era executado. Poucos crimes entre os Moroi e os dampiros eram punidos dessa forma. Tentávamos ser civilizados na nossa 12


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justiça, demonstrando sermos melhores do que os Strigoi sanguinários. Determinados crimes, porém, aos olhos da lei, mereciam a morte. Determinadas pessoas — digamos, traidores assassinos — mereciam isso também. Quando o impacto do futuro desabou plenamente sobre mim, senti meu corpo tremer e lágrimas chegarem perigosamente perto de se derramarem. — Isso não está certo! — reclamei com Abe. — Isso não está certo e você sabe disso. — Não importa o que eu acho — disse ele, calmo. — Só estou lhe dando as notícias. — Duas semanas — repeti. — O que podemos fazer em duas semanas? Quero dizer… Você tem uma pista, não tem? Ou… ou… você pode descobrir alguma coisa até lá? Essa é a sua especialidade. — Eu estava enlouquecendo e sabia que soava histérica e desesperada. É claro que isso era porque eu me sentia histérica e desesperada. — Vai ser difícil conseguir muito — explicou ele. — A Corte está preocupada com o enterro e as eleições. As coisas estão desordenadas. O que é bom e ruim ao mesmo tempo. Eu sabia de todos os preparativos através de Lissa. Tinha visto o caos prestes a eclodir. Encontrar qualquer tipo de prova naquela confusão não seria apenas difícil. Poderia muito bem ser impossível. Duas semanas. Duas semanas e eu podia estar morta. — Não posso... — disse a Abe, com a voz falhando. — Não nasci… para morrer desse jeito. — Ah? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Então você sabe como deve morrer? — Numa batalha. — Uma lágrima acabou escapando e a enxuguei depressa. Sempre tive uma imagem de durona. Não queria desabar daquele jeito, não agora que isso era mais importante do que tudo. — Lutando. Defendendo aqueles que amo. Não... Não em uma execução planejada. — Essa é uma luta atípica — refletiu ele. — Só que não é física. Duas semanas ainda são duas semanas. É ruim? É. Mas é melhor do 13


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que uma semana. E nada é impossível. Talvez novas provas apareçam. Você simplesmente tem que esperar para ver. — Detesto esperar. Esta cela... é tão pequena. Não consigo respirar. Isso vai me matar antes de qualquer executor. — Duvido muito. — A expressão no rosto de Abe ainda era fria, sem sinal de compaixão. Amor severo. — Você já lutou sem medo contra grupos de Strigoi e não consegue lidar com uma cela pequena? — É mais do que isso! Agora tenho que passar cada dia neste buraco, sabendo que a minha morte se aproxima e quase não há como impedi-la. — Às vezes, as maiores provas que nossa força enfrenta são as situações que não parecem tão óbvias e perigosas. Às vezes, sobreviver é o mais difícil. — Ah. Não. Não. — Comecei a andar em pequenos círculos, a passos largos, nervosa. — Não comece com essa merda de nobreza. Você está parecendo Dimitri, quando ele resolvia me dar suas profundas lições de vida. — Ele sobreviveu a essa mesma situação. Está sobrevivendo a outras coisas também. Dimitri. Respirei fundo, me acalmando antes de responder. Até essa confusão de assassinato, Dimitri era a maior complicação da minha vida. Um ano antes — apesar de parecer uma eternidade —, ele tinha sido meu instrutor no ensino médio e me treinado para ser um dos dampiros guardiões que protegem os Moroi. Ele conseguiu isso... e muito mais. Nós nos apaixonamos, algo que não era permitido. Tentamos lidar com isso da melhor maneira possível, até que, por fim, encontramos um jeito de ficarmos juntos. Essa esperança desapareceu quando ele foi mordido e se tornou um Strigoi. Para mim, era como viver num pesadelo. Então, por um milagre que ninguém acreditava ser possível, Lissa usou o espírito para transformá-lo de volta num dampiro. Infelizmente, porém, as coisas não voltaram a ser como eram antes do ataque dos Strigoi. 14


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Encarei Abe, irritada. — Dimitri sobreviveu, mas estava péssimo e deprimido! Ainda está. Por tudo. Todo o peso das atrocidades que Dimitri cometeu como Strigoi o assombravam. Ele não conseguia se perdoar e jurava que agora jamais seria capaz de amar alguém. O fato de eu ter começado a namorar Adrian não ajudava muito. Depois de inúmeros esforços em vão, aceitei que tudo estava acabado entre nós dois. Segui em frente, na esperança de poder ter algo verdadeiro com Adrian. — Está bem — disse Abe, num tom seco. — Ele está deprimido, mas você é uma imagem de felicidade e alegria. Suspirei. — Às vezes conversar com você é como conversar comigo mesma: extremamente irritante. Você tem algum outro motivo para estar aqui? Algum outro motivo que não seja me dar essa notícia horrível? Eu teria sido mais feliz vivendo na ignorância. Não nasci para morrer desse jeito. Não nasci para ver isso chegar. Minha morte não é um compromisso qualquer anotado a lápis numa agenda. Ele deu de ombros. — Eu só queria ver você. E suas instalações. Sim, ele realmente queria me ver, como pude perceber. Os olhos de Abe se voltavam insistentemente para mim enquanto conversávamos. Não restavam dúvidas de que eu prendia sua atenção. Não havia nada no nosso bate-papo que pudesse preocupar os guardas. Às vezes, porém, eu via Abe dar uma olhada ao redor, observando o corredor, minha cela e quaisquer outros detalhes que ele achasse interessante. Abe não havia conquistado sua reputação de Zmey — a serpente — à toa. Estava sempre calculando, sempre procurando uma vantagem. Ao que parecia, minha tendência a planos loucos era de família. — Eu também queria ajudar você a passar o tempo. — Ele sorriu, tirou umas revistas e um livro de debaixo do braço e os entregou para mim, passando-os pelas grades. — Talvez isso melhore as coisas. 15


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Eu duvidava que qualquer distração me ajudasse a lidar melhor com a contagem regressiva de duas semanas para minha morte. As revistas eram sobre moda e penteados. O livro era O conde de Monte Cristo. Eu o ergui, precisando fazer uma piada, precisando fazer qualquer coisa para tornar aquilo menos real. — Vi o filme. Seu simbolismo sutil na verdade não é tão sutil assim. A menos que você tenha escondido uma lima aqui dentro. — O livro é sempre melhor do que o filme. — Ele começou a se virar. — Talvez tenhamos uma discussão literária na próxima vez. — Espere. — Joguei aquilo tudo na cama. — Antes de você ir... Em meio a essa confusão toda, ninguém nunca tocou no assunto de quem realmente a matou. — Como Abe não respondeu logo de cara, lancei-lhe um olhar penetrante. — Você acredita realmente que eu não fiz isso, não é? — Pelo pouco que eu o conhecia, provavelmente ele achava que eu era culpada, mas estava tentando me ajudar mesmo assim. Isso não seria de se estranhar. — Acredito que minha doce filha seja capaz de cometer um assassinato — disse ele, por fim. — Mas não esse. — Então quem foi? — Isso — respondeu ele antes de se afastar — é algo em que estou trabalhando. — Você acabou de falar que nosso tempo está passando! Abe! — Eu não queria que ele fosse embora. Não queria ficar sozinha com meu medo. — Não tem como resolver isso! — Lembre-se do que eu disse na Corte — gritou ele de volta. Abe saiu do meu campo de visão e me sentei novamente na cama, relembrando aquele dia na Corte. No fim da audiência, ele havia me dito — com muita determinação — que eu não seria executada. E que sequer iria a julgamento. Abe Mazur não era do tipo que fazia falsas promessas, mas eu começava a acreditar que até ele tinha limites, ainda mais agora que nossa agenda acabava de ser reajustada.

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Mais uma vez, peguei o pedaço de papel amassado e o desdobrei. Ele me foi entregue disfarçadamente no tribunal por Ambrose — o criado e brinquedinho de Tatiana. Rose, Se você está lendo isto é porque algo horrível aconteceu. Você deve me odiar, e não a culpo por isso. Só posso pedir que você acredite que o que fiz com o decreto da idade era melhor para seu povo do que o que os outros planejam. Há alguns Moroi que pretendem obrigar todos os dampiros a servir, eles querendo ou não, usando compulsão. O decreto da idade acalmou essa facção. No entanto, escrevo para lhe contar um segredo que você deve usar bem; um segredo que deve compartilhar com o mínimo de pessoas possível. Vasilisa precisa assumir seu lugar no Conselho, e isso pode ser feito. Ela não é a última Dragomir. Outro membro da família está vivo: um filho ilegítimo de Eric Dragomir. Não sei mais nada a respeito disso, mas, se você conseguir encontrar o filho ou a filha dele, dará a Vasilisa o poder que ela merece. Não importam seus erros nem seu temperamento perigoso, você é a única a quem sinto que posso confiar essa missão. Não perca tempo para cumpri-la. Tatiana Ivashkov

As palavras não tinham mudado desde as outras centenas de vezes que as li, nem as perguntas que elas sempre desencadeavam. Aquele bilhete era verdadeiro? Será que Tatiana o havia escrito mesmo? Apesar de sua postura aparentemente hostil, ela teria confiado essa informação perigosa a mim? Havia 12 famílias da realeza que tomavam as decisões pelos Moroi, mas, para todos os efeitos, poderia muito bem haver apenas 11. Lissa era a última de sua linhagem e, sem outro membro da família Dragomir, a lei dos Moroi dizia que ela não tinha o poder de se sentar e votar com o Conselho que tomava nossas decisões. Umas leis muito ruins já tinham sido feitas e, se o bilhete fosse verdadeiro, mais viriam.

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Lissa poderia lutar contra essas leis — e algumas pessoas não iriam gostar disso, pessoas que já tinham se mostrado dispostas a matar. Outro Dragomir. Outro Dragomir significava que Lissa poderia votar. Mais um voto no Conselho poderia mudar muita coisa. Poderia mudar o mundo dos Moroi. Poderia mudar meu mundo — ou seja, se eu seria considerada culpada ou não. E com certeza poderia mudar o mundo de Lissa. Ela passou esse tempo todo pensando que estava sozinha. No entanto... Eu me perguntava, inquieta, se ela receberia bem um meio-irmão. Eu aceitava o fato de meu pai ser um canalha, mas Lissa sempre pôs o dela num pedestal, acreditando no melhor sobre ele. Essa notícia seria um choque, e embora eu tivesse passado minha vida inteira treinando para mantê-la a salvo de ameaças físicas, começava a acreditar que existiam outras coisas das quais ela também precisava ser protegida. Primeiro, porém, eu precisava da verdade. Tinha que saber se aquele bilhete era mesmo de Tatiana. Estava certa de que poderia descobrir, mas isso envolvia algo que eu odiava fazer. Bem, por que não? Não que eu tivesse qualquer outra coisa para fazer agora. Levantei da cama, virei de costas para as grades e encarei a parede branca, usando-a como foco. Tratei de me preparar, lembrando que eu era forte o bastante para manter o controle, e me libertei das barreiras subconscientes em torno da minha mente. Senti sair de mim uma grande pressão, como o ar que escapa de um balão. E, de repente, eu estava cercada de fantasmas.

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