SeLecT nº 11

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ARTE

DESIGN

C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A

T E C N O LO G I A

ABR/MAI 2013 ANO 03 EDIÇÃO 11 R$ 14,90

9

ABR / MAI 2013 FUTEBOL ARTE

´

EM CAMPO

Artistas criam obras inspiradas pela cultura do jogo ITAQUERÃO

WWW.SELECT.ART.BR

11

7 7 2 2 3 6

I S SN

2 2 3 6 - 3 9 3 9

Marina Abramovic, por Marco Anelli

3 9 3 0 0 3

1

LEDA CATUNDA LOURIVAL CUQUINHA JANE DE ALMEIDA PABLO LOBATO ADRIANO COSTA

Zona leste é emblema do crescimento econômico das periferias e dá a pauta do próximo Arte/Cidade TÉCNICOS POR UM DIA

Sete célebres boleiros mudam as regras do futebol

EXCLUSIVO

Neymar fala de arte, cultura, educação,´ inclusão social, cinema e games

FUTEBOL ARTE






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bompratodos.com.br Central de Atendimento BB 4004 0001 ou 0800 729 0001 6$& 0800 729 0722 Ouvidoria BB 0800 729 5678 'H¿ FLHQWH $XGLWLYR RX GH )DOD 0800 729 0088


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index 8

42

jogos esteticos

O s c ru za mentos e ntre o fute b ol e a arte d ime n s io n a m a influê ncia d o esp orte na cultura conte mp orânea

36 TERRITÓRIO

Estádios

Arquitetura espetacular revela as ambivalências da Copa do Mundo

FOTO: GABRIEL OROZCO

58 COM P ORTAM E N TO

Show de bola

O lado pop dos jogadores-celebridade dentro e fora de campo

32 COLUNA MÓVEL

90 MUNDO CÃO

106 VERNISSAGE

GAY

Goleiro Bruno

Muitos homossexuais são fãs de futebol e amantes do esporte

A triste história do jogador que poderia ser o goleiro da Copa

Lourival Cuquinha Artista ironiza o mercado de arte em exposição em São Paulo


02.04 > 11.05.2013

02.04 > 01.06.2013

avenida europa 655 s達o paulo sp brasil t 55 (11) 3063 2344 info@nararoesler.com.br


index 10

68 ESTILO

Modelo Timão

Torcedores apaixonados e corinthianos roxos

64

DESIGN

96 48

PORTFÓLIO

Fashionismo

Leda Catunda

Jogadores e indústria relativizam os limites entre design e moda

Artista põe em campo série de obras inspiradas pela cultura do jogo

80 AUDIOVISUAL

Imagem

Fotógrafos, cineastas e videoartistas propõem novas perspectivas para desenquadrar o olhar

SEÇÕES 13 EDITORIAL | 14 CARTAS | 16 NAVEGAÇÃO | 34 MUNDO CODIFICADO 98 REVIEWS | 30 COLUNAS MÓVEIS | 114 SELECTS | 112 DELETE | 113 OBITUÁRIO


Tonico Lemos Auad Carrancas (Figa), 2011


expediente

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EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY EDITORA-CHEFE: GISELLE BEIGUELMAN DIREÇÃO DE ARTE : RICARDO VAN STEEN EDITOR-ADJUNTO: MARCOS DIEGO NOGUEIRA REPÓRTERES: NINA GAZIRE E JOÃO PAULO QUINTELLA REPÓRTER ONLINE: MARIEL ZASSO COLABORADORES

Allan Rabelo, Ana Maria Maia, André Barcinski, André Fischer, Antônio Carlos Prado, Cia de Foto, Fernanda Lopes, Francisco Hurtz, Jurandy Valença, Lara Gerin, Luciana Fernandes, Maria Clara Vergueiro, Paulo Borgia, Raul Aguiar, Renato De Cara

PROJETO GRÁFICO DESIGNER SECRETÁRIA DE REDACÃO

Ricardo van Steen e Cassio Leitão Michel Spitale Roseli Romagnoli

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA

Leticia Palaria

COPY-DESK E REVISÃO

Hassan Ayoub

PRÉ-IMPRESSÃO

Retrato Falado

CONTATO SERVIÇOS GRÁFICOS MERCADO LEITOR ASSINATURAS

faleconosco@select.art.br GERENTE INDUSTRIAL: Fernando Rodrigues COORDENADORA GRÁFICA: Ivanete Gomes DIRETOR: Edgardo A. Zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: Wanderlei Quirino SUPERVISORA DE VENDAS: Rosana Paal DIRETOR DE TELEMARKETING: Anderson Lima GERENTE DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: Elaine Basílio GERENTE DE TRADE MARKETING: Jake Neto GERENTE GERAL DE PLANEJAMENTO E OPERAÇÕES: Reginaldo Marques GERENTE DE OPERAÇÕES E ASSINATURAS: Carlos Eduardo Panhoni GERENTE DE TELEMARKETING: Renata Andrea GERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen GERENTE DE VENDA AVULSA: Luciano Sinhorino

VENDA AVULSA OPERAÇÕES

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OUTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEMAIS LOCALIDADES: 0800-7750098, 0800-8882111 COORDENADOR:Jorge Bugatti ANALISTAS: Pablo Barreto, Thiago Macedo, Ricardo Cruz e Fabio Rodrigo SHOPPING 3: Dayane Aguiar DIRETOR: Gregorio França. SECRETÁRIA ASSISTENTE: Yezenia Palma. SUPERVISOR: Renan Balieiro. COORDENADOR DE PROCESSOS GRÁFICOS: Marcelo Buzzo. ANALISTA: Luiz Massa. ASSISTENTE: Daniel Asselta. AUXILIAR: Aline Lima. COORDENADORAS DE LOGÍSTICA E DISTRIBUIÇÃO DE ASSINATURAS: Karina Pereira e Regina Maria. ANALISTA JR.: Denys Ferreira. OPERAÇÕES LAPA: Paulo Henrique Paulino.

MARKETING PUBLICIDADE

DIRETOR: Rui Miguel GERENTES: Débora Huzian e Wanderly Klinger REDATOR: Marcelo Almeida DIRETOR DE ARTE: Thiago Parejo ASSISTENTE DE MARKETING: Marciana Martins e Thaisa Ribeiro DIRETOR NACIONAL: José Bello Souza Francisco GERENTE: Ana Lúcia Geraldi SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADM. DE PUBLICIDADE: Maria da Silva GERENTE DE COORDENAÇÃO: Alda Maria Reis COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho e Rose Dias AUXILIAR: Marília Gambaro CONTATO: publicidade@select.art.br RIO DE JANEIRO-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito Grossi GERENTES EXECUTIVAS: Adriana Bouchardet, Arminda Barone e Silvia Maria Costa COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 SP/CAMPINAS: Mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de Mkt e Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (19) 3579-6800 SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 MG/BELO HORIZONTE: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 PR/CURITIBA: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 RS/PORTO ALEGRE: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/RECIFE: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./Fax: (81) 3227-3433 BA/SALVADOR: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & Marketing Ltda.; Tel./Fax: (71) 3347-2032 SC/FLORIANÓPOLIS: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./Fax: (48)3224-0044 ES/ VILA VELHA: Didimo Benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./Fax (27)3229-1986 SE/ARACAJU: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales: GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: gilmargsf@uol.com.br MARKETING PUBLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli GERENTE: Maria Bernadete Machado COORDENADORA: Simone F. Gadini ASSISTENTES: Ariadne Pereira, Regiane Valente e Marília Trindade 3PRO DIRETOR DE ARTE: Victor S. Forjaz REDATOR: Bruno Módolo

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA BRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / Fax: (11) 3618-4100. COMERCIALIZAÇÃO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS PARA TODO O BRASIL: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000 IMPRESSÃO: Log & Print Gráfica e Logística S.A.: Rua Joana Foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000

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editorial

Buzz O fato de o Brasil ser o anfitrião da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014 contou pontos. Mas muito antes disso o futebol é pauta onipresente por aqui. Digamos que uma redação que funciona nos arredores do Estádio do Pacaembu, em São Paulo, e que nas noites de quarta-feira de fechamento é embalada pelo mantra das torcidas nas arquibancadas – e que, ainda por cima, divide generosamente suas vagas de estacionamento na rua com os torcedores – conquistou tal familiaridade com o tema, que só poderia se traduzir em uma edição especial. Estávamos ao redor da mesa de reunião de pauta, quando Felipão estreou como técnico da Seleção Brasileira, em fevereiro. No calor do debate gerado na ocasião e na nostalgia de um futebol atrevido, imprevisível, criativo, ficou claro por que, mais do que nunca, é hora de evocar o futebol arte. A escolha da pauta foi imediatamente aprovada por nossos leitores, que alegremente congestionaram o Facebook da revista, participando do campeonato seLect Futebol Clube que criamos nas redes sociais. Foram 60 mil pessoas mobilizadas ao redor dos 17 times de seis estados, escalados pela comissão técnica de seLecT. Formados por artistas visuais, atores, estrelas pop e intelectuais, os times levantaram poeira. Costuma-se dizer que vivemos em um país de alguns milhões de técnicos de futebol. Por conta disso, no meio do processo, chegamos a ter 13 mil pessoas falando simultaneamente sobre os times, fazendo comentários e dando sugestões de escalação. Um verdadeiro buzz. A repercussão confirmou o feeling. Afinal, se futebol é arte e cultura, uma revista que tem como projeto editorial a ampliação da noção tradicional de cultura deve, definitivamente, se jogar no tema. E, para celebrar esse acontecimento, fomos coroados com a adesão do craque Neymar, que, contra qualquer previsibilidade, dá o ar de sua graça, na capa de uma revista de cultura.

13 Paula Alzugaray

Ricardo van Steen

Giselle Beiguelman

Nina Gazire

Hassan Ayoub

Michel Spitale

Roseli Romagnoli

Paula Alzugaray Diretora de Redação Marcos Diego Nogueira

Mariel Zasso

ILUSTRAÇÕES: RICARDO VAN STEEN, A PARTIR DO APLICATIVO FACE YOUR MANGÁ


cartas

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Parabéns a todos pelas excelentes pautas e abordagens da revista. Precisaria de vários cérebros para poder arquivar e analisar tantos assuntos que vão se multiplicando e se relacionando de maneira assustadoramente curiosa, divertida e alarmante. seLecT está numa nuvem de possibilidades só comprovada pela ilusão das artes e uma paralela observação dos fatos.

Melhor revista no momento, que abrange tudo sobre arte em geral. Igor Bahia, via Twitter

Rodolfo Vanni, fotógrafo

Amo essa revista. Ana Paula Rocha, aka Polaca, produtora cultural.

e diretor de arte Melhor revista de cultura/arte do País atualmente. Pitty Leone, cantora, via Twitter A seLecT está INCRÍVEL! A melhor revista de todas, dá gosto de ler, guardar, devorar tudo. Parabéns! Erika Palomino, jornalista e consultora de moda

Texto bacana de Giselle Beiguelman sobre a retromania e os processos de curadoria e memória da cultura atual. A seLecT está sempre de parabéns. Adriana Amaral, blogueira e professora da Unisinos Excelente e necessária. Sonia Andrade, artista.

Cada novo número da revista me surpreende positivamente. Já disse e reafirmo: para mim, é a melhor publicação de cultura em circulação no Brasil hoje. Gabriela Almeida, jornalista e doutoranda em Comunicação pela UFRGS

FOI MAL Na página 22 (seção Fogo Cruzado) da seLecT 10, as respostas de Gustavo Rezende e XICLET para a pergunta Para Que Serve o Curador? foram suprimidas. Aqui vão suas respostas e nossas sinceras desculpas Gustavo Rezende, artista e professor Acho que o curador atua em diversas frentes e funciona ao mesmo tempo como um radar, ligado à produção dos artistas, possibilitando uma visibilidade para essa produção. Pode atuar junto a instituições, feiras etc., pode ter um olhar mais ou menos conservador sobre essa mesma produção, assim como abrir espaços de discussão. É lógico que, ao mesmo tempo que inclui, pode excluir. Também pode ser uma figura com um olhar especializado, ou muito imperativo, querendo ser artista ou defendendo que não há diferença entre uma coisa e outra, ou ainda um ativista. Os curadores, quanto mais diversificados e autônomos forem, melhor, porque isso democratiza; e são importantes dentro do sistema da arte, o que inclui o próprio mercado.

Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

revistaselect revistaselect www.select.art.br faleconosco@select.art.br

XICLET, artista e diretora de galeria independente Curador serve para organizar o que já está organizado na cabeça dele. Organizar o que já está organizado é fácil; quero ver desorganizar o que está organizado. Queria muito ver alguns curadores se organizarem assim, de supetão criarem um percurso dentro daquilo que surge (sem regras, sem limites). Eles, ao contrário, criam um viés e depois vão escolhendo obras e artistas de acordo com seus temas. Eu não (até dou o tema, mas ninguém precisa seguir). Se o curador é um organizador, minha mãe (Iodália Matos Duarte) também é curadora, pois organiza e administra a casa dela muito melhor do que já vi muitos curadores por aí fazerem. Nosso colaborador Carlos Alberto Dória não ganhou o devido crédito por sua coluna móvel de gastronomia Manjares dos Deuses (seLecT 10, pág. 28) Dória é Doutor em Sociologia pelo IFCH-Unicamp, autor de vários livros sobre cultura culinária. Mantém o blog www.ebocalivre.blogspot.com


colaboradores

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ANA MARIA MAIA Jornalista e mestre em História da Arte. Curadora assistente do Panorama de Arte Brasileira 2013 do MAM-SP e integrante do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake. – VERNISSAGE P 106

ANDRÉ BARCINSKY

SILENE ZEPTER Modelo nos anos 1990, hoje se dedica a ilustração, fazendo trabalhos para a estilista Carina Duek. Publica suas criações no blog silenezepter.wordpress.com – COLUNAS MÓVEIS P 30

FERNANDA LOPES

CIA DE FOTO

ANDRÉ FISCHER

É, nesta edição, um coletivo constituído para fotografar Neymar. E contou com a força criativa de Carol, Rafael, Paula Alzugaray, Van Steen, Pio, João, Flá e Gi Beiguelman. 8 contra 1. Quem ganhou foi a CIA, que a cada fotografia conquista novos parceiros. – CAPA P 54

Criador do MixBrasil, um dos principais portais de informações e cultura popular englobando os diversos setores que formam a comunidade GLBTT do Brasil. – COLUNAS MÓVEIS P 32

Editora do site Artinfo Brasil. Ganhadora da Bolsa de Estímulo à Produção Crítica (MinC/Funarte) em 2012, foi curadora da sala sobre o grupo Rex na 29.a Bienal de São Paulo. – REVIEWS P98

FRANCISCO HURTZ

RENATO DE CARA

JURANDY VALENÇA

Crítico da Folha e torcedor do Fluminense. Vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance, em 2001, pelo documentário Maldito. – DELETE P 114

Artista visual cuja pesquisa é centrada na relação entre imagem e corpo. Participou de exposições no Carreau du Temple, em Paris, e na École Supérieure de Beaux-Arts d’Aix-en-Provence. – COLUNAS MÓVEIS P 32

Jornalista, fotógrafo, diretor e curador da Galeria Mezanino. – ESTILO P 68

Artista plástico, curador independente e jornalista. É diretor de projetos do Instituto Hilda Hilst. – NAVEGAÇÃO P 16

MARIA CLARA VERGUEIRO

ALLAN RABELO

ANTÔNIO CARLOS PRADO

PAULO BORGIA

Carioca, designer gráfico pela PUC-Rio, com mestrado em artes digitais pela Universidade Pompeu Fabra de Barcelona. Trabalha como artista gráfico freelancer. – SELECT FUTEBOL CLUBE P 86

Editor-executivo da revista IstoÉ. Aos 4 anos viu na televisão o filme Eu Quero Viver, sobre a história real de Barbara Graham, executada em San Quentin. Formou uma inabalável convicção contra a pena de morte, ainda mais inabalável atualmente. – CRIME E CASTIGO P 90

Jornalista, escreveu o livro Demotape, sobre bandas independentes de São Paulo. Faz parte do coletivo de fotógrafos We Shot Them. – DESIGN/HISTÓRIA P94

RAUL AGUIAR

Cientista social e repórter da revista Go Outside. Foi apresentadora do canal SporTV e fez o primeiro projeto editorial do site de boas notícias asboasnovas.com – DESIGN E MODA P 64

Designer gráfico e ilustrador. Autor de editoriais e infográficos para revistas e jornais, como Fast Company, Folha de S.Paulo e Época Negócios. –Fogo Cruzado P 26


NOTÍCIAS + TENDÊNCIAS + TRANSCENDÊNCIAS

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O B R A YO U R U N C E RTA I N S H A D O W ( 2 0 1 0 ) , D E O L A F U R E L I A S S O N

ARTES VISUAIS

OBRA EXPANDIDA Olafur Eliasson tem exposição dupla a partir de abril, em parceria inédita entre as galerias Fortes Vilaça e Luisa Strina

Artista da imensidão e do efeito, o dinamarquês Olafur Eliasson tem sua primeira exposição em galerias brasileiras. Fazendo jus à dimensão de suas obras e à sua proeminência no cenário da arte contemporânea, o artista ocupa não um, mas dois espaços em São Paulo. A parceria entre as galerias Fortes Vilaça e Luisa Strina trará tanto as famosas instalações sensoriais quanto as “máquinas experimentais”, gerando um panorama completo da produção do artista dinamarquês. O Galpão da Fortes Vilaça é o responsável por abrigar os trabalhos de maior escala. Duas instalações materializam as investigações conceituais sobre como o corpo opera em situações de turbulência dos sentidos e de distorções de duração e temporalidade. Já a Luisa Strina recebe as manipulações de objetos e funcionalidades que geram máquinas esculturais com as quais o espectador é convidado a se engajar. JPQ FOTOS: DIVULGAÇÃO

Your Orbit Perspective, de 3 de abril a 25 de maio, Galpão Fortes Vilaça, Rua James Holland, 71, São Paulo-SP, www. fortesvilaca.com.br, e Galeria Luisa Strina, Rua Padre João Manuel, 755, São Paulo-SP, www.galerialuisastrina.com.br



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I M AG E M D O V I D E O L I M B O ( 2 0 1 1 ) , D E CAO G U I M A R Ã E S

AUDIOVISUAL

FÁBULAS DO OLHAR Em exposição, experiências e visualidades múltiplas na obra de Cao Guimarães

Cao Guimarães é um artista que explora o campo imagético em suas infinitas variações. A exposição Ver É Uma Fábula apresenta, já em seu título, as fabulações possíveis em torno da prática multifacetada do artista. Vídeo, fotografia, cinema e instalação são diferentes modalidades incorporadas em sua produção. De fato, Cao Guimarães nos mostra que os filmes e as possibilidades de se fazer um filme estão em todos os lugares. O artista parece atento a todas as formas de expressividade que cruzam seu caminho. Essa pluralidade de poéticas é costurada por uma sensibilidade latente e por um senso de sinceridade que move seus trabalhos. Com curadoria de Moacir dos Anjos, curador-chefe da 29ª Bienal de São Paulo, a exposição apresenta uma visão amVer É Uma Fábula, até 2 de pla e articulada do resultado de duas décadas de intensa julho, Itaú Cultural, Av. Paulisprodução. A ocupação de três andares do Itaú Cultural ta 149, São Paulo-SP foi concebida pela arquiteta Marta Bogéa, que também participou de duas edições da Bienal. A ideia foi criar um espaço fluido, sem grandes divisas, respeitando o fluxo do processo do próprio artista. Em seus trabalhos, o transitar pelo mundo é o processo de construção fílmica. Não existem temáticas impossíveis. A realidade que o cerca é sempre um objeto em potencial. JPQ FOTOS: DIVULGAÇÃO


MÚSICA

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A CUMBIA ELECTRO DE CHOLITA SOUND Artista visual, Caterina Purdy exibe suas músicas feitas a partir de um sintetizador Roland

A chilena Caterina Purdy leva suas credenciais de artista visual e produtora para a sonoridade de seu projeto musical. Ela que, sob a alcunha Purdy Rocks, já criou polêmica ao usar animais mortos em uma de suas obras e cultivou uma horta “ultraorgânica” como ação artística, coloca seu sintetizador Roland debaixo do braço e toca e canta composições próprias sob o pseudônimo Cholita Sound – e vem agradando aos ouvidos sedentos por diversão. Com uma sonoridade única e caricata que mistura batida eletrônica com ritmos latinos atuais (como a cumbia e a música andina), ela denomina suas canções, gravadas desde 2004 e com títulos como Hermana Bolivariana e Perreo Mistico, como sendo do gênero Electro Cumbia. Seus shows carregados de dramaticidade e os videoclipes extravagantes chamaram a atenção de Iván Navarro, artista visual radicado nos EUA e proprietário da Hueso Records, no Brooklyn nova-iorquino, por onde seu disco Ponte Free foi lançado. Caterina Purdy se apresenta no Brasil no dia 6 de abril como parte da festa da seLect + Galeria Baró na SP-Arte. MDN

ARTES VISUAIS

COLEÇÃO COMO OBRA Trabalhos de Francis Alÿs alteram as funções de colecionador e artista

Na exposição Fabíola, Francis Alÿs exibe mais de 400 imagens de Santa Fabíola, falecida em 399, tendo fundado em Roma o primeiro hospital cristão, público e gratuito em todo o Ocidente. Reunido durante mais de uma década e de naturezas completamente distintas, esse conjunto de imagens desloca a prática artística para o campo do colecionismo e aponta para uma investigação estética e histórica por parte do artista. Os trabalhos do artista belga, radicado no México, operam com certa recorrência sobre a dualidade conceito/ação. Em Fabíola, as noções de reprodução, autoria, iconografia e originalidade são questionadas pelo gesto do colecionador, transformando a própria construção de uma coleção em obra. JPQ

Francis Alÿs, Fabíola, até 7 de julho, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Praça da Luz, 2, SP www.pinacoteca.org.br


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IMAGEM DE NAIR BENEDICTO, FOTÓGRAFA QUE INTEGRA O PROJETO

FOTOGRAFIA

AS DONAS DA BOLA Exposição e livro reúnem ensaios de 11 fotógrafas brasileiras em torno do tema futebol e mulheres

Em 2014, um time formado por 11 mulheres, todas fotógrafas, sairá em campo pelo Brasil para realizar um projeto que resultará em uma exposição e um livro. A Bola da Vez, com curadoria de Diógenes Moura, reúne Marlene Bergamo, Nair Benedicto, Bel Pedrosa, Luludi Melo, Mônica Zarattini, Ana Carolina Fernandes, Luciana Whitaker, Eliária Andrade, Marcia Zoet, Evelyn Ruman e Ana Araújo para tratar da mulher e de suas relações com a cultura do futebol no País. Tanto a exposição quanto o lançamento do livro estão previstos para acontecer entre maio e setembro do próximo ano. As fotografias, todas inéditas, apresentarão o universo feminino em um ambiente predominantemente masculino. Historicamente, as mulheres sempre tiveram dificuldade de se impor principalmente no futebol. Para se ter uma ideia, até 1975, as mulheres eram proibidas da prática, como comprova o FOTOS: DIVULGAÇÃO

Decreto-Lei 3.199, de 1941. Hoje a presença de mulheres nos estádios é cada vez maior. “Espero que essa iniciativa dê um cartão vermelho para o machismo que ainda existe no futebol brasileiro”, diz Ricardo Lima, que coordena o projeto com Frâncio de Holanda. Alguns dos ensaios reunirão fotografias das mulheres da zona portuária do Rio de Janeiro, prostitutas que estão se preparando para a Copa; outro ensaio vai registrar um jogo de futebol só de freiras; e Nair Benedicto vai a Mato Grosso registrar uma tribo na qual as índias jogam futebol. “O projeto não é só interessante por acontecer no ano da Copa do Mundo, mas porque reúne mulheres com carreiras e trajetórias independentes, vindas do fotojornalismo, da fotografia documental, mas todas profissionais com características autorais, o que torna um desafio harmonizar esses 11 olhares”, diz o curador Diógenes Moura. Jurandy Valença


ARTES VISUAIS

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ENTRE O ASFALTO E A FAVELA Segunda edição do projeto Travessias leva arte contemporânea para espaço cultural na Favela da Maré

Com cerca de 130 mil habitantes, a Favela da Maré, atualmente, é uma das maiores do Rio de Janeiro. Desde 2012, a comunidade abriga o Travessias, projeto de intervenções artísticas que leva para a favela o que há de mais atual e relevante em arte contemporânea brasileira. Este ano, a curadoria do artista carioca Raul Mourão e do crítico Felipe Scovino selecionou dez artistas. Entre as obras expostas, a instalação Partitura, de Cadu, que esteve na 30ª Bienal de São Paulo, e a videoinstalação Especulação, de Lucas Bambozzi. Para mostrar o trabalho, que registra a demolição de casas em São Paulo por conta da especulação imobiliária, o artista realizará uma intervenção na parede interna do Galpão, escavando um buraco onde o vídeo será projetado. “A intenção é dialogar com a crescente gentrificação que o Rio de Janeiro vem sofrendo. Será que a Maré ainda vai passar por isso?”, questiona Bambozzi, cuja obra também aponta para as dicotomias entre o morro e a cidade. NG

V I D E O I N STA L A Ç Ã O E S P E C U L A Ç Ã O ( 2 0 1 3 ) , D E LU C A S B A M B OZ Z I

Travessias 2013 - Arte Contemporânea na Maré, de 14 de abril a 23 de junho, Galpão Bela Maré, Rua Bittencourt Sampaio, 169, Maré, Rio de Janeiro

CULTURA DIGITAL

SUPERARTE Agência de criação e tecnologia cria espaço dedicado à arte multimídia

Inaugurado em 12 de fevereiro, o SuperLab é um projeto da agência criativa, laboratório de tecnologia e estúdio de arquitetura, SuperUber. Voltado para a vertente artística da empresa, o SuperLab foi criado com o intuito de estreitar ainda mais a convivência entre arte e tecnologia como modelo de produção. Funcionando na nova instalação da agência, na Gamboa, no centro do Rio, o SuperLab já promove residências de artistas, eventos e encontros sempre voltados para o território da arte multimídia. Atualmente, três projetos estão em curso. Partindo da pesquisa e experiência com softwares, o primeiro grupo de estudos pretende gerar trabalhos envolvendo dança, redes sociais e arte generativa. SuperUber, SuperLab e GaAo fim de cada ciclo, os resultados serão puleria 78, Rua Silvino Monteneblicados de forma open source no site http:// gro, 78, Gamboa, Rio de Janeiro superlab.superuber.com. O novo espaço da SuperUber conta ainda com a Galeria 78, que abriga a produção da casa e de artistas convidados. Com a revitalização da região portuária, a nova sede promete impulsionar o cenário da arte digital no Rio de Janeiro e no Brasil. JPQ


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DESIGN

ESTILO PROVENÇAL Inspirada na sofisticação do esporte, coleção 2013 da Hermès lança jogos de mesa e dos campos da Provence

Natural da Provence, o petanque é um jogo clássico das areias do sul da França, do Sudeste Asiático, dos gramados da Inglaterra e do Canadá. Chega ao Brasil num set de jogos lançados pela Hermès, como parte da coleção Chic Le Sport. O objeto de desejo é composto de três esferas de aço armazenadas em um estojo de couro. Integram também a coleção um jogo de gamão em jacarandá e couro, um baralho e um jogo da memória. PA

FOTOS: DIVULGAÇÃO


FOTOGRAFIA

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O TAMANHO DA PAIXÃO Em trabalho para a Fifa, artista gaúcha brinca com o espaço ocupado pelo futebol na vida dos brasileiros

A cada Copa do Mundo, a Fifa escolhe artistas do país-sede ou arredores para confeccionar uma coleção de pôsteres que tenham como referência o maior evento futebolístico do mundo. Para a Edição de Arte Impressa Oficial da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014, um dos grandes nomes é o da artista gaúcha Rochelle Costi, convidada pela Arte Edições para participar ao lado de colegas também de peso, como Vik Muniz, Nelson Leirner e Nunca. Exibindo na fotografia Bigger Than uma bola de futebol que preenche todo um cômodo, ela altera a percepção de tamanho e espaço, questionando as reais dimensões ocupadas pelo futebol na vida dos brasileiros. Tanto o cômodo quanto a bola foram feitos de madeira e encontrados Edição de Arte Impressa por Costi em lojas de artesãos. “A bola Oficial da Copa do Mundo eu encontrei em uma vitrine do Brás”, da Fifa Brasil 2014, Bigger diz, citando o tradicional bairro paulisThan, Rochelle Costi. Preço tano onde seu projeto, enfim, tomou de cada pôster: US$ 200 forma. “Meu trabalho é muito assim. www.artbrasil2014.com Tudo o que eu quero já existe. Nunca desenho um projeto, sempre vou atrás do que se encaixa em meu pensamento. Eu procuro acasos”, diz. MDN

ARTES VISUAIS

ELAS=ARTISTAS Coleção de obras de artistas mulheres do Centre Pompidou chega ao Brasil para contar uma nova História da Arte

Em maio de 2009, o museu francês Centre Pompidou abriu para o público a mostra Elles@Pompidou, que reunia o trabalho de mais de 200 mulheres artistas do século 20. A exposição, que traz um dos mais valiosos acervos dedicados à produção feminina, ficou em cartaz até 2010 e, posteriormente, seguiu para diferentes instituições do mundo. Recentemente, um recorte da curadoria esteve em cartaz no Seattle Art Museum, nos EUA, e chega ao Brasil em 13 de maio. Sonia Delaunay, Frida Kahlo, Dora Maar, Diane Arbus, Marina Abramović, Louise Bourgeois, Atsuko Tanaka, Cindy Sherman, Sophie Calle, Hannah Wilke e Nan Goldin são algumas das 75 artistas que o público brasileiro poderá conhecer por meio de 130 obras que fazem parte da coleção. Depois a exposição vai para São Paulo e Brasília. NG

Elles@Pompidou, de 14 de maio a 7 de julho, Centro Cultural Banco do Brasil, Rua 1º de Março, 66, Rio de Janeiro


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MERCADO 24

A GLOBALIZAÇÃO DO IBIRAPUERA SP-Arte 2013 consolida sua internacionalização com 41 galerias estrangeiras e 81 nacionais

Havana tem um significado especial no universo da arte contemporânea. Há quase três décadas, a capital cubana hospeda uma Bienal que abre o país para uma produção artística “não ocidental”, focada em regiões de conflitos e precárias condições de desenvolvimento. Mas muito pouco sabemos sobre as estratégias de mercado promovidas nesse que é um dos últimos redutos antiglobalização. Sabíamos. Durante cinco dias, um exemplar do nascente mercado de arte cubano se desloca para o Ibirapuera, onde acontece a nona edição da SP-Arte. Da pequena galeria cubana La Casona às gigantes Gagosian e White Cube são muitos os acentos, os idiomas e as nacionalidades distribuídas nos 17 mil metros quadrados do Pavilhão da Bienal. Este ano, a SP-Arte recebe 122 galerias de 15 países – 41 delas estrangeiras. Estarão pela primeira vez em São Paulo galerias de grande prestígio internacional, como a Lisson Gallery, do Reino Unido, a David Zwirner, de Nova York, a Thaddaeus Ropac, da Áustria, e a italiana Galleria Continua, sediada em San Gimignano. A chegada em peso é efeito da batalha que tem sido travada para diminuir os impostos do setor que vende arte no Brasil – marcadamente superiores aos de países europeus e dos EUA. Desde o ano passado, a isenção da cobrança de 18% de ICMS é uma medida que, teoricamente, recai sobre qualquer obra comercializada durante a feira. Em-

A Galeria Laura Marsiaj, pioneira do Rio na participação em feiras internacionais, participa da SP-Arte desde 2006 e este ano traz os artistas internacionais Oleg Dou, Isaque Pinheiro e Clemens Kraus. Entre os brasileiros, a galeria aposta no pernambucano Paulo Meira, que exibe seu novo curta-metragem Épico Culinário (acima). A prestigiada White Cube londrina, agora com sede também em São Paulo e Hong Kong, participa da SP-Arte pela segunda vez, e traz 18 artistas internacionais, entre eles Anthony Gormley, Tracey Emin, Andreas Gursky e Gary Hume, com a obra Neptune (2012), acima. A Silvia Cintra + Box 4 vende na SPArte obras de Lucia Koch, Rodrigo Matheus e os trabalhos de Laercio Redondo que estão atualmente em cartaz na Casa França Brasil, no Rio, além dos big hits Miguel Rio Branco, Nelson Leirner (acima).

A Fortes Vilaça tem um stand de 120 metros quadrados, com obras do peruano Armando Andrade Tudela, esculturas de Erika Verzutti, colagens de José Damasceno e a instalação A Uma Certa Distância, de Rivane Neunschwander (acima), além de artistas convidados, como a britânica Sarah Morris, entre outros.

Projetado pela designer Claudia Moreira Salles, o stand da Gagosian Gallery tem trabalhos de figurões da arte contemporânea, como Urs Fischer, Damien Hisrt, Richard Prince, Gerhard Richter, Thomas Ruff, Rachel Whiteread e Jeff Koons (acima), e mestres do modernismo, como Willen de Kooning e Alexander Calder.

bora seja recebida com otimismo – principalmente pelos compradores –, a medida é considerada uma faca de dois gumes, pois acaba por beneficiar as galerias estrangeiras, devido ao modelo de empresa adotado pela maioria das brasileiras não habilitá-las ao benefício. O resultado é uma condição de igualdade entre galerias estrangeiras e brasileiras. Isso se traduz na internacionalização da feira. “Decidimos participar da SP-Arte porque Brasil tem uma economia em rápido crescimento, produzindo colecionadores significantes que conhecemos em feiras internacionais. Muitos já se tornaram clientes”, afirma Arne Glimcher, diretor da Pace Gallery (leia a entrevista em select.art.br). Além da evidente globalização do território do Ibirapuera, a diretora Fernanda Feitosa ressalta o papel aglutinador da SP-Arte “A feira atinge seu projeto quando contempla todos os agentes do sistema da arte, já que as ações da SP-Arte envolvem não só galerias, instituições, curadores, artistas e mídia”, diz ela. Além de um braço educacional, que se efetiva em um Laboratório Curatorial sob a direção de Adriano Pedrosa, uma nova parceria com o Instituto de Cultura Contemporânea (ICCo) traz a grande novidade para os artistas: as bolsas ICCo/SP-Arte de Residência Artística 2013, que beneficiam dois vencedores com temporadas na Residency Unlimited, em Nova York, e na Esthia, em Roma. Fato é que, para enfrentar a acirrada competição dos três andares de pavilhão, as galerias comparecem com armações pesadas. Nestas páginas, alguns destaques da edição que acontece de 3 a 7 de abril. PA

FOTOS: CORTESIA LAURA MARSIAJ; GARY HUME/BEN WESTOBY/CORTESIA WHITECUBE; MARCO ANELLI/CORTESIA LUCIANA BRITO GALERIA; CORTESIA GAGOSIAN GALLERY, CORTESIA FORTES VILAÇA



fogo cruzado

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O QUE VOCÊ MUDARIA NO FUTEBOL? EM UM PAÍS ONDE TODOS SÃO TÉCNICOS, NADA MAIS JUSTO QUE OFERECER ÀS MASSAS O QUE É DELAS POR DIREITO: DAR AS REGRAS DA PARTIDA. AQUI, SETE BOLEIROS, EX-BOLEIROS, ADMIRADORES PLATÔNICOS OU DESAPAIXONADOS REVELAM SEUS SONHOS PARA O FUTURO DO MAIS POPULAR DOS ESPORTES PA U L A A L Z U G A R AY I L U S T R A Ç Õ E S R A U L AG U I A R

UGO GIORGETTI CINEASTA

O que eu mudaria no futebol não posso mudar, pois teria de mudar a mim mesmo. Eu me mudaria imediatamente no garoto que fui lá pelos anos 50, que jogava futebol como um possesso. Se pudesse mudaria isso. Em vez do circunspecto senhor que assiste futebol sentado, enquanto outros jogam, eu daria tudo para estar no campo outra vez. Qualquer campo. Campos bem cuidados, malcuidados, terrenos baldios, ruas sem calçamento. A recordação de certas tardes em que o jogo só terminava quando não se podia mais ver a bola é uma experiência que insiste em reaparecer como um velho e doce fantasma. FOTOS: ALEXANDRE WAGNER DE FARIAS E DIVULGAÇÃO


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MARINA PERSON JORNALISTA

Eu mudaria os uniformes. Quando vejo aqueles VTs antigos, do futebol das décadas de 50, 60 e 70, eu acho tão elegante! Primeiro, aqueles shortinhos curtos, e não esses calções enormes que os jogadores usam hoje em dia, que mal deixam ver as pernas. As camisas, então, sem comentários, eram de algodão com o emblema do time, apenas, lindas! Hoje as camisas são desse material sintético, que dizem ser melhor para a respiração da pele, mas parecem um varejão de marcas e logos dos patrocinadores. Eu acho uma cafonice essa mania de colocar nome da empresa em tudo que é lugar.

NUNO RAMOS

ARTISTA VISUAL E ESCRITOR

A coisa anda tão maluca que tenho de frisar que desejo é só desejo, e o que vou dizer, é claro, não é uma sugestão concreta. Não quero tirar o emprego de ninguém, mas realmente fico exausto com os comentaristas de jogos. Gostaria de um sursis que obrigasse as transmissões a não terem nenhum comentarista por um período x. Tenho uma saudade danada de quando era menino, nos anos 70, e via os jogos pela tevê, o locutor apenas enumerando o nome dos jogadores. O futebol precisa de um minuto de silêncio.


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MOACIR DOS ANJOS CURADOR E CRITI CO DE ARTE

Faz quase 25 anos que não piso em um estádio de futebol. Desisti talvez por tédio ou por não tolerar a intolerância das torcidas (organizadas ou não, seja de que time forem), que com frequência descambam para a violência absurda. Nesse exercício de imaginação desmedida, mandaria os cartolas para a cadeia e os que ainda fossem inocentes para o chuveiro. Jogador algum ganharia mais que professor, mas professor ganharia bem mais que hoje em dia. Seguindo a opinião de minha filha Helena (que, a despeito de meu exemplo, gosta de futebol), acabaria com a lei do impedimento. Se futebol é mesmo arte, impedir pra quê?

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES JORNALISTA

Gostaria de ser teletransportado para o gramado do Estádio Sarriá, na Espanha, no dia 5 de julho de 1982, e gritar para o Júnior se adiantar e deixar o ataque italiano em impedimento, no fatídico lance do terceiro gol de Paolo Rossi. Daria, assim, uma nova chance para aquele time cumprir seu verdadeiro destino, que era ser campeão do mundo. FOTOS: LEONARDO WEN/FOLHA IMAGEM. DIVULGAÇÃO. RUI MENDES. ARQUVO PESSOAL


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MARCELO RUBENS PAIVA ESCRITOR

Eu faria como no futebol americano, cada time tem direito a duas revisões de decisões do árbitro, podendo até consultar a tevê. Como tudo hoje em dia: hiperconectividade.

PATRÍCIA CANETTI DIRETORA DO CANAL CONTEMPORÂNEO

Eu aplicaria a dinâmica de rodízio do voleibol, aquele mais radical, em que todos os jogadores passam por todas as posições, mas sem aguardar pela marcação de um ponto, no caso, um gol. De forma aleatória, um sinal tocaria e seria a deixa para cada jogador avançar uma posição e passar a atuar nela. Isso exigiria outros talentos dos jogadores e tornaria o jogo mais criativo e divertido. Uma maneira de resgatar a alegria da pelada.


colunas móveis / política

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ROMÁRIO OS ELEFANTES BRANCOS DE 2014 Em conversa por e-mail, o deputado federal pelo Rio de Janeiro e o terceiro maior artilheiro da história da Seleção Brasileira opina sobre os riscos da Copa 2014 MARCOS DIEGO NOGUEIRA

Como seria a Copa de 2014 perfeita para Romário? Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa 2014, fiquei muito feliz e entusiasmado. Mas, analisando os gastos com as obras e a forma como elas estão sendo executadas, percebi que o sonho da Copa está longe de ser perfeito. O ideal, para mim, seria que todas as obras saíssem dentro do prazo, sendo gasto somente o dinheiro necessário, sem desperdício de recursos públicos. Também gostaria que as obras de mobilidade urbana saíssem do papel, deixando um legado real para o povo brasileiro. Para consagrar tudo isso, obviamente, seria maravilhoso que a nossa Seleção levantasse a taça. Mas, infelizmente, hoje não acredito em nada disso. Pelé disse que o Brasil é favorito para vencer em 2014. Isso é um mau sinal? Não vejo o Brasil como favorito, mas também não acho que essa declaração do Pelé seja um mau sinal. Tenho minhas diferenças com ele, mas respeito suas opiniões. Qual será o real legado positivo (se haverá algum) deixado pela Copa de 2014 para o povo brasileiro? Haverá, sem dúvida, um avanço em infraestrutura, mesmo que muito longe do ideal, e a divulgação do País no exterior, fato que vai gerar um aumento significativo no fluxo de turistas.

ILUSTRAÇÃO: SILENE ZEPTER

Sabemos que a Copa do Mundo de 2014 vai deixar alguns elefantes brancos para o povo brasileiro. Quais seriam os principais? Algumas cidades-sede não têm, historicamente, tradição no futebol e estão construindo arenas com capacidade para grandes públicos. Manaus, Natal, Brasília e Cuiabá são os exemplos mais claros de possíveis elefantes brancos. Poderiam ser feitas arenas modestas nessas localidades, embora Brasília seja um pouco complicado, porque é a capital do País. Mas, já que o projeto é outro, a ideia é que, após 2014, esses locais sejam transformados em arenas multiuso para a realização de shows e congressos, por exemplo. Agora, para que isso dê certo, será preciso uma gestão profissional. Existem muitas arenas mundo afora que não dão prejuízo. É só pegar um pouco desses exemplos que teremos resultados positivos.


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sem título, 2013 / óleo sobre tela / 190X190cm

fábio magalhães | retratos íntimos 16 abr > 23 mai

rua teixeira de melo 31c ipanema 22410-010 rio de janeiro brasil [ 55 21 ] 2513 2074 www.lauramarsiaj.com.br


colunas móveis / gls

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ANDRÉ FISCHER ESTRELA SOLITÁRIA Ao contrário do que muitos podem pensar, há muitos gays que são fãs de futebol e seguem com interesse o Brasileirão

Ninguém se surpreende com o interesse das lésbicas por futebol, até espera que elas batam um bolão. No entanto, sofremos um leve preconceito, vindo principalmente de outros gays, que transparece em forma de surpresa dos que veem incompatibilidade entre orientação sexual e o nobre esporte bretão. Não me venham com a bizarrice de que o motivo seria atração ou fetiche pelos jogadores. Ainda que os cortes de cabelo tenham melhorado, os brasileiros estão muito longe do padrão Beckham/Cristiano Ronaldo. E não conheço ninguém que por causa disso torça pelo Paris Saint-Germain ou Real Madrid. Seria muita viadagem. Gosto de futebol tanto quanto um office-boy corintiano. Acredito que a diferença esteja na abordagem. O sentimento que os héteros têm por seus times talvez esteja mais próximo de uma paixão irracional, enquanto para a maioria dos homo surja mais associada a um culto pela mística da equipe. Para mim, pelo menos funciona assim. Ter um time de futebol próprio era uma questão de identidade pessoal na minha casa. Nasci botafoguense, filho de pai flamenguista e mãe tricolor. Minha irmã, claro, é vascaína. A estrela solitária preto e branca me hipnoti-

zou desde que me entendo por gente e me identifico profundamente com seu significado literal. Para coroar a mitologia pessoal alvinegra, a primeira vez que fui ao Maracanã foi justamente na histórica vitória do Fogão sobre o Flamengo por 6 a 0. Meu pai, em vez de ficar aborrecido com a derrota fragorosa do seu time, festejou a vitória do meu. Hoje entendo que já estavam ali os sinais do que aconteceria 15 anos depois. Quando me assumi e apresentei meu namorado cruzeirense, ele nos presenteou com um fim de semana em um resort de Búzios. Na infância e adolescência, eu era um perna de pau, estava sempre entre os últimos a serem escolhidos na divisão dos times. Sofri um certo bullying por ser pereba, não percebo homofobia nesses abusos. Meu forte aparecia nas mesas de futebol de botão, o que de certa forma me redimia. No ano em que o Glorioso caiu para a Segunda Divisão, fiz uma tatuagem com o escudo do Botafogo em chamas no braço esquerdo como forma de apoio ao time e manifesto estético. Torcer pelo Botafogo morando em São Paulo ainda renova o status de minoria, que é um componente fundamental da minha persona. Futebolística e mais além disso.

QUASEBARREIRA II (2012), NANQUIM S O B R E PA P E L , DE FRANCISCO HURTZ

CORTESIA GALERIA MEZANINO


ANÚNCIO BARO


mundo codificado

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GLOSSARIO futebol arte O futebol está na arte e a arte no futebol. Inúmeros cruzamentos cortam os dois campos. Nessa grande área, o passe é traço e o gol é certo. A partir de conceitos da ecologia midiática redesenhamos as linhas do jogo

ANONIMATO Somos muitos nomes. Q u ando som os u m s ó, somos anônimos, somos u m a to rci da.

J O Ã O PA U L O Q U I N T E L A

Fontes: Carolin Wiedemann & Soenke Zehle. Depletion Design: A Glossary of Network Ecologies. 2013 http://bit.ly/10hQmI3

RECUO O jogo é se m pre u m a q u estão de pe rspe cti va. D e lo nge não ve m os nada, d e p e r to p e rd e m os t u d o.

DESORGANIZAcao S em reg ra s nã o há j ogo o u j oga do r. D eso rga n i za r a d isc ip lina e a fo r m a é a reg ra da gen i a l i da de de alguns jogadores como Garrincha.

SOUL WORK É da i m previ si b i l i dade da a l m a q u e o of í c i o v i ra a r te, q u e o traj eto vi ra gol , q u e a pai x ão vi ra gri to.

FOTOS: AFP PHOTO/ JAVIER SORIANO/GETTY IMAGES; MARTIN MEISSNER / AP PHOTO / GLOW IMAGES; AFP PHOTO / CESAR MANSO; ALEXANDRE VIDAL-FLA IMAGEM; AFP PHOTO; GLOW IMAGES; JUCA RODRIGUES/AG. ISTOÉ


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TENSao N a a r te h o j e ve m os o q u e n ã o vemos, sentimos o que não sentimos, pensamos o que não pensamos. É tenso.

Fratura A f ratu ra é o er ro no dri b le, n a ginga, no jogo, no corpo. S e as per nas movem o compasso, e ntão o desenho é liso e o gol i n evitável.

VITALIDADE É a vita lid a d e q ue t ra n sfo rma o está tico e m m ov im e n to e o movim e nto e m fluxo. D epe n de n do da dose, marcação é blitz e salto é vo o.

CRISE Cri se é te m a e form a d a a r te co n te m p o r â n ea e notí ci a f l u tu ante no m u ndo do f u te b o l .

PERSISTeNCIA N a a r te d o j ogo p e rs i st i r é a reg ra , m a s e n t re i n s i st i r e i n s i st i r, n a a r te o j ogo é ce r to e n o j ogo a a r te i n ce r t a .

TERMINALIDADE O tubarão no tanque de fo rm o l é tão ater ror izante q u anto o apito final.


território / estádios

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O R O C K STA D I U M , D O E ST Ú D I O M Z A R C H I T E CTS PA R A O S E M I R A D O S Á R A B E S , PA R E C E C E N Á R I O D E F I L M E D E F I C Ç AO C I E N T Í F I CA

FOTO: MZ ARCHITECTS


Shopping Ball Center Os estádios, cada vez mais exemplares de uma arquitetura espetacular, são o território ambivalente onde o público projeta paixões e as corporações novos negócios

GISELLE BEIGUELMAN

O FUTEBOL É O MAIOR SHOW DA TERRA E O ESPETÁCULO TEM ENDEREÇO CERTO: O ESTÁDIO. ESPECIALMENTE NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, QUANDO A ARQUITETURA DOS ESTÁDIOS VEM, ELA MESMA, SE CONSTITUINDO UM ESPETÁCULO À PARTE. O ÚLTIMO PROJETO ANUNCIADO NA ÁREA É O ROCK STADIUM, que o escritório MZ Architects projetou para os Emirados Árabes. Se alguém duvidava que dava para fazer algo mais radical do que o já feito no Japão, em Munique e Pequim, vai ter de colocar as barbas de molho. Trata-se de um estádio de 200 mil metros quadrados, para 40 mil torcedores, plantado e camuflado no meio do deserto. Parece um tesouro encravado nas profundezas da areia, da qual emerge como em um filme de ficção científica. A magia do estádio não é difícil de compreender. Basicamente, é o lugar onde dezenas de milhares, quando não centenas, de pessoas se reúnem para celebrar seu amor à camisa de seus times. Quem nunca se comoveu com a foto de um estádio lotado, com as arquibancadas pintadas com as cores do seu time? Quem nunca sorriu ou chorou com um gol cavado, roubado ou dado à sua seleção? Quem nunca pensou no que sente o goleiro diante do pênalti? Ninguém. Futebol é a alegria do povo e, duela a quién duela, povo somos todos nós. Não à toa estádios, sejam olímpicos, desportivos ou apenas futebolísticos, marcaram momentos importantes nas trajetórias de governos ditatoriais no auge do totalitarismo. Hitler, Mussolini e Getúlio Vargas são exemplos que confirmam qualquer tese sobre essa relação. Mas estádios

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território / estádios

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não servem apenas para as encenações de poderes ditatoriais. São, cada vez mais, elementos fundamentais nos processos de transformação do esporte em máquinas complexas que envolvem inúmeras indústrias e setores econômicos. Do circuito da moda às empreiteiras, passando pela especulação imobiliária e as empresas de comunicação e marketing, difícil encontrar um nicho que não seja agregável à bola de neve do esporte contemporâneo. As Olimpíadas de Barcelona (1992) são o marco dessa história e se converteram em referência para todas as candidaturas que lhe seguiram, com exceção de Atlanta, em 1996. Passados mais de dez anos, o “modelo Barcelona” tem sido alvo de uma série de estudos apontando seus erros – a falta de investimento em moradias populares, o vazio de vida na área da Vila Olímpica, a subordinação da política urbana à indústria do turismo e às empresas – e acertos, como sua renovação arquitetônica, o planejamento integrado e a reurbanização do seu litoral.

Olimpíadas e Copas do Mundo, por todos esses ingredientes, são eventos cobiçados, disputados por potenciais países-sede e acompanhados com atenção por Estados e corporações, tendo a arquitetura e o urbanismo como catalisadores de todo o sistema. É emblemático nesse sentido o caso de Pequim, que, do anúncio, em 2001, de que seria a cidade-sede da Olimpíada em 2008 em diante, virou palco de uma revolução arquitetônica, com projetos que se tornaram ícones de sua nova paisagem urbana. A torre da China Central Television, de Rem Koolhaas, o terminal aeroportuário, de Norman Forster, e o Estádio Nacional, de Herzog e De Meuron, mais conhecido como Ninho de

A B A I XO, O E ST Á D I O N I N H O D E P Á S SA R O, D O S A R Q U I T E TO S H E R ZO G E D E M E U R O N , E M P E Q U I M , E M B L E M A DA C O N V E RS Ã O D O S E S PA Ç O S E S P O RT I VO S E M E S PA Ç O S D E C O N S U M O

FOTOS: AP IMAGES/GLOW IMAGES. NA PÁGINA AO LADO, TOMÁS FAQUINI


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Megaeventos esportivos legitimam projetos arquitetônicos e urbanísticos que têm o “modelo Barcelona” como referência AC I M A , O E ST Á D I O N AC I O N A L M A N É G A R R I N C H A , E M C O N ST R U Ç Ã O, E M B R A S Í L I A , Q U E S E D I A R Á O P R I M E I R O J O G O DA C O PA DA S C O N F E D E R A Ç Õ E S


território / estádios

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Pássaro, entre outros não menos impactantes, são fruto dessa explosão construtiva. Todas essas obras mostravam ao mundo a força de uma China moderna e poderosa que rompia com seu passado arcaico e estagnado. Evidenciavam uma nova era de poder, transformando Pequim em um statement sobre as ambivalências do capital simbólico investido nessas obras. Ao mesmo tempo que essa “cirurgia plástica” na capital chinesa mostrava sua eficiência, atraindo novos players (de turistas a empresários) e mudava a imagem do Estado diante do mundo todo, desencadeava uma série de protestos que potencializavam discursos críticos sobre o país. Um dos mais famosos foi o de Ai Weiwei. O artista, mundialmente conhecido e que esteve recentemente em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, participou ativamente do projeto do Estádio Olímpico de Herzog e De Meuron. Contudo, arrependeu-se e decidiu boicotar a abertura dos jogos. Argumentava, conforme escreveu no jornal britânico The Guardian, em 7 de agosto de 2008, que o Ninho de Pássaro simbolizava “o espírito olím-

FOTOS: TANIA REGO/ AGÊNCIA BRASIL

pico da concorrência leal, mostrando às pessoas que a liberdade é possível, mas demanda justiça, coragem e força”. Para Weiwei, “a liberdade de escolha é a base da concorrência leal”. Como a China mantinha seu controle sobre a mídia, não fazia sentido para o artista participar da cerimônia. Além dos protestos de Weiwei, que correram o mundo, os projetos de reurbanização provocaram uma série de debates sobre a demolição de lugares tradicionais, os custos das obras e o processo de privatização do espaço público, suscitando “diversas formas de contestação popular aos discursos hegemônicos”, conforme assinalou Anne-Marie Broudehoux, da Universidade de Quebec, em artigo traduzido no Brasil pela revista Novos Estudos (nº 89, 2011).


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Como em Pequim, as obras de estádios brasileiros desencadeiam debates e diversas formas de contestação À E S Q U E R DA E À D I R E I TA , C E N A S D O C O N F R O N TO E N T R E M E M B R O S A P O I A D O R E S DA A L D E I A M A R ACA N Ã E O E STA D O, D I A N T E DA A M E A Ç A D E D E M O L I Ç Ã O D O ANTIGO MUSEU DO INDIO

Impossível não associar essa reflexão com os protestos em torno da privatização do Maracanã. Recapitulando, a reforma do Maracanã para a Copa previa a demolição do edifício que abrigava o Museu do Índio, construído em 1862, para que lá fosse construído o estacionamento do estádio. Entre liminares, protestos e recursos, que se arrastaram entre novembro último e meados de fevereiro deste ano, ficou decidido que o museu não será derrubado. Contudo, será transformado em Museu Olímpico. O que também deixou os membros da Aldeia Maracanã e seus apoiadores – ativistas, acadêmicos, pesquisadores e estudantes, entre outros setores da sociedade civil – nada satisfeitos.

Pequim é aqui O imóvel, desde que o Museu foi transferido para Botafogo, há seis anos, foi ocupado por índios de diferentes tribos que constituem a Aldeia Maracanã. Segundo algumas fontes, 150 pessoas provenientes de 20 distintas tribos vivem ali. O dado é polêmico e há também quem afirme que esse número foi fermentado pela notícia da demolição. Se havia apenas meia dúzia de pessoas ou não no local, hoje isso é o tópico menos relevante. O fato é que o lugar se constituiu numa lente de aumento sobre as contradições que acompanham os processos de reurbanização correlatos à Copa do Mundo. Como na China, aqui também a Copa é um momento estratégico para o Brasil confirmar sua imagem mundial de modernidade, arrojo e pujança econômica, distanciando-se do estereótipo de país do Carnaval, Cacau e Suor. Assim como na China, esse processo implica desapropriações, redesenho urbano e ressignificação do espaço. O que institui os conflitos. Moradores da região do Maracanã são contrários à demolição de

uma escola pública que existe nas adjacências, a Escola Municipal Friedenreich, considerada uma escola-modelo. Serão demolidos também o Parque Aquático Julio Delamare e o Estádio de Atletismo Célio de Barros, considerados patrimônios da cidade. A justificativa para essas obras são as novas necessidades de circulação no estádio, espaço para os novos estacionamentos e para os investimentos comerciais da futura concessionária (bares, lojas, restaurantes etc.). Em outras palavras, o lado shopping center do estádio passa a ser tão relevante quanto o campo. Praças de alimentação, restaurantes de diferentes portes e estacionamentos garantem. Mas nem só de entretenimento vive a humanidade e todo time que se preze é uma marca, no melhor estilo do que se entende por branding hoje. Uma “experiência”, um “estilo de vida”. E esse “espírito” tem de prevalecer por meio do consumo e da introjeção de seus símbolos. Canecas, camisetas, bonés, bandos de loucos que o digam. Lojonas, lojas e lojinhas entram no jogo. Paixão, lembrancinhas e souvenires. Curioso pensar que os museus atuais seguem a mesma lógica...


Pablo Lobato

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A série de fotografias Um a Zero pode ser entendida dentro do espectro das pesquisas que Pablo Lobato realiza no âmbito do cinema. Com essas imagens, nos remetemos, portanto, aos enquadramentos que determinam nosso olhar sobre o futebol. Mais especificamente o enquadramento das câmeras que fazem do futebol um espetáculo midiático e que determinam o que é capturado e o que é eliminado do campo de visão do espectador (ou da torcida). O que importa aqui é o instante glorioso do gol, capturado e congelado pela fotografia. U M A Z E R O, 2 0 1 2 . F OTO G R A F I A

curadoria

Campos de visAO PA U L A A L Z U G A R AY

Em obras que promovem diálogos entre o campo da arte e o campo de jogo, artistas redesenham as regras do futebol, dimensionando a influência que o esporte tem na cultura contemporânea FOTOS: CORTESIA GALERIA LUCIANA BRITO. NA PÁGINA AO LADO, CORTESIA DA ARTISTA


Priscilla Monge Cancha de Fútbol (2012) é um site specific que foi realizado para a exposição coletiva Fútbol. Arte y Pasión, em cartaz no Museo de Arte Contemporáneo de Monterrey, México (Marco), até o início de março. Nascida na Costa Rica, Priscilla começou sua carreira nos anos 1990, com pinturas que já continham a semente de uma proposta conceitual que hoje está direcionada a ques-

CANCHA DE FÚTBOL , 2012, SITE SPECIFIC

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tões de identidade e comportamento sexual no esporte. Assim como A Grande Área, de Raul Mourão, esta sua instalação envolve a experiência. Além de seu forte apelo estético, é uma obra que pede a participação do espectador, convidando-o a experimentar o esforço físico de um jogo peculiar sobre um campo de irregularidade pronunciada.


curadoria

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Raul Mour São várias as obras de Raul Mourão que discernem sobre as geo-metrias que delimitam os espaços físicos e simbólicos da cidade, mas também do futebol. O jogo de futebol, afinal, como nos lembra o crítico Agnaldo Farias, é uma metáfora da vida social. “Com seus rituais, suas normas rígidas, seus limites e penalidades, com o elenco de gestos que ele propicia e cuja prática continuada termina por ampliar, o jogo de futebol, como outro jogo qualquer, diz da nossa disposição em criar regras e viver por meio delas”, escreveu Farias em texto sobre a obra de Mourão. A Grande Área (2001), apresentada na 3ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, é a mais “monumental” de suas obras dedicadas ao tema. Consiste em uma “grande área” em escala natural, na qual as linhas divisórias são confeccionadas em metal, o mesmo material que estrutura as traves do gol. Com essa obra, na qual as linhas são transformadas em obstáculos, Mourão faz sua homenagem às retrancas! Uma resposta, talvez, ao filme O Medo do Goleiro Diante do Pênalti, de Peter Handke. A GRANDE ÁREA, 2001, INSTALAÇÃO

FOTO: CORTESIA GALERIA NARA ROESLER


Adriano Costa Três grupos sociais pertencem ao universo de trabalho de Adriano Costa: presidiários, faxineiros e a população de rua. Aos primeiros o artista remete-se utilizando todo um arsenal de objetos cortantes e pontiagudos; dos segundos se apropria do material de trabalho – flanelas, panos de chão, esfregões, panos de limpeza, toalhas e toda classe de tecidos –; e com os terceiros compactua um modus operandi construtivo. Com Persian Carpet (2011), ele se aproxima de outro grupo social: as torcidas organizadas. A partir da costura de toalhas de banho com estamparia popular e tecidos baratos para decoração, o artista confecciona um trabalho que brinca com a nobreza da tapeçaria persa e, ao mesmo tempo, reconstrói a ideia de bandeira e de emblema futebolístico. O M I L AG R E , 2 0 1 2 , D E F U T E B O L E N C E R A DA AC I M A , P E R S I A N C A R P E T, 2 0 1 1 , T E C I D O S C O ST U R A D O S

FOTOS: CORTESIA GALERIA MENDES WOOD

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curadoria

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E ST Á D I O F I R U L E T E , 2 0 1 2 - 2 0 1 3 , I N STA L A Ç Ã O

Pablo Reinoso “O Brasil representa o melhor futebol do mundo. Sua recepção para a próxima Copa do Mundo e sua relação com o esporte formam um tema central discutido pelo povo brasileiro e um exemplo para todos.” Com estas palavras o artista argentino Pablo Reinoso justifica o site specific Estádio Firulete, que esteve montado na Baró Galeria até janeiro deste ano. Para conceber a instalação, o artista, que situa sua produção na fronteira entre a arte e o design e possui em Buenos Aires um estúdio de móveis e luminárias, levou em conta as características arquitetônicas da galeria, um hangar de 1.500 metros quadrados, que favorece relações com atividades e instalações esportivas. Com traves e bancos criados em marcenaria, a obra homenageia o futebol brasileiro, mas reitera sua identidade argentina: “Firulete” é uma expressão portenha para designar o gingado de um jogador de futebol ou de um dançarino de tango. FOTO: CORTESIA BARÓ GALERIA


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Gabriel Orozco Com a série Atomistas, pinturas sobre recortes de fotografias de esportes publicadas em jornais, o artista mexicano Gabriel Orozco inicia um raciocínio de rigor geo- métrico que se aplica a toda sua pesquisa de desconstrução cirúrgica de objetos de consumo. Sobre a fotografia do jogador colombiano Faustino Asprilla, que em 1996 jogou no clube inglês Newcastle United, Orozco desenhou um esquema gráfico que responde tanto à tradição construtiva da arte latino-americana quanto aos sistemas gráficos que estruturam o planejamento tático do jogo de futebol.

FOTO: CORTESIA DA ARTISTA


portifólio

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LEDA CATUNDA PADROES EM REDE

A macroeconomia gerada no universo do futebol e de outros esportes é novo campo de investigação da artista

SANTOS, 2012,

ACRÍLICA SOBRE TECIDO, TELA, PLÁSTICO E VELUDO

O bordado artesanal nordestino inspira a trama desta homenagem ao glorioso Alvinegro Praiano, painel de 3 x 4 metros, realizado com produtos comprados na Rua 25 de Março, reduto paulistano do comércio popular FOTO: EDUARDO ORTEGA/CORTESIA GALERIA FORTES VILAÇA


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FLU E OS OUTROS, 2012,

AC R Í L I CA S O B R E T E L A E T E C I D O

Neste painel, a camisa do Tricolor carioca vira uma nuvem de recortes circulares colocada em relação a outros campos de cores feitos de uniformes de variados times

O USO DE ESTAMPAS E IMPRESSOS EM TECIDOS E MATERIAIS DIVERSOS É UMA CARACTERÍSTICA PRESENTE NO PERCURSO DE LEDA CATUNDA DESDE O INÍCIO DOS ANOS 1980, QUANDO COMEÇOU A TRABALHAR COM APROPRIAÇÃO DE IMAGENS. O universo doméstico predominou absoluto até 2009, quando a artista deu nova guinada em direção a temáticas relacionadas ao esporte e à macroeconomia gerada nesse universo. Desde então, sua matéria de trabalho é a parafernália iconográfica estampada em bonés, camisetas, toalhas, tênis e bandeiras, espalhada em canais de tevê, estádios e ruas. Emblemas, nomes de times, números dos jogadores e FOTOS: EDUARDO ORTEGA/CORTESIA GALERIA FORTES VILAÇA

marcas de patrocinadores são elementos apropriados e montados em grandes e sedutores esquemas gráficos. Mesmo que santista desde pequena, Leda Catunda é generosa e inclui em seu panteão as cores dos times de todo o mundo. A obra preferida, no entanto, é a homenagem ao peixe “Foram seis meses agachada no ateliê, maior sacrifício pra fazer essa obra, a princípio invendável (só se um museu muito top quiser)!”, diz Leda a seLecT. As obras estiveram em cartaz na Celma Albuquerque Galeria de Arte, em Belo Horizonte, até 30 de março, e serão expostas na individual da artista no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, a partir de 25 de abril. NG/PA


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G R Ê M I O, 2 0 1 1 ,

AC R Í L I CA S O B R E T E L A E T E C I D O

Montagem cuja composição referencia a tradição da abstração geométrica, feita a partir dos padrões listrados do uniforme do time gaúcho


portifólio

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R O N A L D O, 2 0 1 1 ,

AC R Í L I CA S O B R E T E C I D O, T E L A E V E LU D O

A visualidade cotidiana do futebol é formada aqui por uma rede de logomarcas esportivas ligadas ao número 9, que, por sua vez, é a “marca” do craque Ronaldo Fenômeno FOTOS: EDUARDO ORTEGA/CORTESIA GALERIA FORTES VILAÇA


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NÚMEROS, 2011,

AC R Í L I CA S O B R E T E C I D O S

Este trabalho foi realizado a partir da coleção de camisetas de uma criança. O conjunto coloca lado a lado as camisetas de grandes craques ao lado de jogadores desconhecidos


capa

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FA L A , NEYM ART G I S E L L E B E I G U E L M A N E PA U L A A L Z U G A R AY

Meio moleque, meio homem, o garoto que amava o Mickey e o Cebolinha é apaixonado por cinema e videogame e leva educação muito a sério. Em entrevista a seLecT, o astro Neymar Jr. fala de sua vida cultural e surpreende


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FOTOS: CIA DE FOTO


capa

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MELHOR JOGADOR DAS AMÉRICAS, NA SELEÇÃO DO JORNAL ESPANHOL EL PAÍS, TROFÉU MESA REDONDA DE MELHOR ATACANTE DO CAMPEONATO BRASILEIRO, BOLA DE OURO HORS-CONCOURS, PELO CANAL ESPN E REVISTA PLACAR. Neymar Jr., do “alto” de seus 21 anos recém-completados, acumula prêmios e elogios da mídia, dos canais especializados e do público. Esses que citamos são alguns dos vários de 2012. Mal o ano de 2013 começou e ele já era capa, com rasgados cumprimentos, da revista Time, que o elevou à categoria de símbolo do novo Brasil e um novo Pelé. De bem com a vida, tranquilo, sorriso fácil e meigo, Neymar impressiona pela agilidade na conversa. O garoto que na infância foi fã de Cebolinha, Mickey e Tico e Teco diz que ainda é louco por desenho animado. “Assumo”, diz rindo. Fala de games e de suas preferências no cinema com desenvoltura e alegria. O ar descontraído e brincalhão assume tom quase solene quando fala dos pais, “muito rigorosos com as notas na escola”, e por quem demonstra um profundo respeito e gratidão. Ilumina-se a toda menção ao seu filho e demonstra maturidade ímpar quando o assunto é inclusão social e educação. Recentemente, surpreendeu com mais um ataque inesperado o lançamento do Instituto Neymar Jr., cujas obras devem começar entre abril e junho, devendo ser inaugurado em 2014, e já pode ser considerado um de seus melhores gols, porque tem como alvo a formação de crianças carentes. O espaço prevê um campo profissional, um ginásio e uma piscina. Na conversa com seLecT, queremos saber o que ele privilegiaria, caso pudesse oferecer atividades culturais às crianças de 7 a 14 anos. Cinema, games, música, teatro...? Neymar não se acanha e baixa a bola. Explica que a região do Instituto é muito pobre e que falar em cultura alí passa por

como é, porque vivi isso. Em casa, a gente não tinha nada e na casa dos meus amigos tinha videogame, iam ao cinema... Eu chegava em casa e ficava totalmente triste. Nossa intenção, por isso, é ajudar. E aos poucos vamos nos organizando, mostrando o que existe, como videogames, que toda criança adora. Vamos aprender também, não só eles.”

Ação, comédia e drama A

“Games não atrapalham os estudos. O problema não está no game, mas na educacão que se recebe em casa”

noções de alimentação, de linguagem, e que isso pressupõe uma estratégia clara. “O investimento em cultura está direcionado para os pais, e são basicamente palestras. O que mais queremos atingir são as famílias. Não adianta você levar as crianças, tentar educar – ensinar a comer, a falar – e aí elas chegam em casa e é tudo totalmente diferente. É um bairro onde eu morei e conheço bastante. E é bem pobre mesmo”, diz Neymar. A ação, por isso, tem de ser bem pensada. “O mais legal que queremos fazer é dar muito para eles, mas ao mesmo tempo não iludir. Se você vai para um lugar onde tem acesso a várias coisas, e aí chega em casa e percebe que não tem nada disso... É muito triste. Sei exatamente

Acima de tudo, a motivação de fazer o Instituto é uma visão pragmática e sensível dos processos de inclusão social: “Eu sentia falta, quando era criança, de ter um lugar para brincar, onde meus pais pudessem se envolver mais com tudo”, conta. Tudo mudou muito rápido na vida de Neymar Jr. e hoje ele tem acesso a inúmeras possibilidades de lazer e cultura. Dizemos a ele que gostaríamos de saber suas preferências culturais e ele fala de sua paixão por videogames e cinema. “Estou sempre jogando e ir ao cinema é uma coisa que faço sempre. Adoro. Vou com minha família, com meus amigos. Gosto de ir ao cinema.” Sobretudo se forem filmes estrelados por Will Smith. “Sou muito fã do Will Smith. É um cara que admiro muito. É um ator que faz de tudo, ação, comédia, drama. É um excelente ator. Todo filme em que ele está eu gosto. À Procura da Felicidade, Hancock, Conselheiro Amoroso, enfim, todos. Vejo no cinema e depois assisto em casa. Sempre dou risada e sempre acabo gostando mais.” Tristeza parece ser uma palavra que não faz parte do dicionário de Neymar. A palavra risada pontua toda nossa conversa, verbalizada ou como ação. Ele parece realmente feliz com tudo. O único momento em que faz referência ao tema é na lembrança do roubo do seu X-Box. “Fiquei supertriste. É melhor perder o celular”, diz. Agora está com um Play Station 3 da Sony em casa. Como pai, Neymar diz não acreditar que


games sejam prejudiciais à educação. “Não acredito que games atrapalhem os estudos. O problema não está no game, mas na educação que se recebe em casa. Sempre joguei todos os tipos de jogos – de tiro, avião, futebol, luta etc. – e acho que os games me ajudaram muito. Meus pais nunca me proibiram de jogar. Mas eu tinha regras. Primeiro vem o tempo de estudar, fazer as tarefas da escola, e depois o de lazer, o tempo do videogame”, afirma com a seriedade de um expert e com a serenidade de um paizão. O filho é personagem central de sua história, que ele compartilha com suas legiões de seguidores no Twitter e no Instagram, e já parece dividir alguns gostos com o progenitor, apesar da tenra idade. Precoce, “ele já assistiu à Galinha Pintadinha. E gostou muito. Eu também, admito”, diverte-se. A primeira grande viagem com o pequeno já tem destino certo, a Disney. O craque é fiel a seus antigos ídolos. Indagado sobre seu personagem favorito, responde de imediato. “O Mickey!” Por nenhum motivo especial. “Porque achava ele bonitinho. O Tico e Teco também.” A galeria de Mauricio de Souza não fica de fora. “Gostava... Minha mãe sempre me dava para ler os livrinhos com a Magali, Mônica, Cebolinha, Cascão. Mas o que eu mais gostava era o Cebolinha.”

Bom de história A vida pessoal e profissional parece misturar-se com diversão, mas estudar é fundamental, especialmente a vivência escolar, para ele mais decisiva que o currículo em si. Perguntamos se estudar é importante e ele diz, categórico: “É muito importante. Toda pessoa tem de ter um momento escolar. É um momento em que você está crescendo, descobrindo coisas novas. Você sai da escola e sente falta. Eu sinto falta até hoje. Não diria que sinto falta das matérias, porque estaria mentindo. Nunca fui um excelente aluno, mas nunca dei FOTOS: CIA DE FOTO; ALEXANDRE BATTIBUGLI

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“Se o futebol fosse uma arte, seria uma pintura bem realista. Aliás é o tipo de pintura que eu mais gosto”

trabalho. Meus pais eram muito rigorosos com as notas”, diz ele, assumindo o tom solene e reverente, que lhe muda a voz toda vez que faz menção aos pais. A matéria favorita na escola era, como se pode imaginar, educação física. “Mas eu gostava muito de história. Primeiro, porque eu gostava – e gosto – de escrever e história é uma matéria em que tinha de escrever bastante. Mas também porque tinha essas coisas de você ir até 1900, depois saber e entender que aconteceu uma guerra... Eu gostava de viajar na maionese... Chegava na prova e sempre ia bem. O que menos gostava era álgebra, geometria, matemática. Ish... Era cruel. Número para tudo quanto é lado”. Artista da bola, Neymar não nos dribla –

ainda bem –, mas nos dá um xeque-mate inesperado no fim da entrevista, concedida no Centro de Treinamento Rei Pelé, em Santos. Tanto se fala em futebol arte, expressão que se torna um pleonasmo quando o vemos jogar, que decidimos inverter o jogo. Afinal, se o futebol fosse uma forma de arte, que arte seria? “A pintura. Uma pintura bem realista. Aliás é o tipo de pintura que mais gosto”, revela. E então ele parte para o ataque, disparando a câmera do celular para registrar a entrevista, inclusive a foto feita para a capa de seLecT. Capturada do visor da máquina de nossos fotógrafos, virou sua foto de perfil no Twitter e no Instagram no mesmo dia. Game over e abraço do craque.


comportamento

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FORCA NA PERUCA Carros luxuosos, cabelos estilosos, aventuras musicais, games especiais e séquitos de fãs. A doce vida dos jogadores de futebol quando não estão dentro das quatro linhas

MARCOS DIEGO NOGUEIRA

APÓS CHAMAR A ATENÇÃO NO CENTRO DO RIO DE JANEIRO, AO PASSEAR A PÉ, MANÉ GARRINCHA PEGA SEU FUSCA E VAI AO ENCONTRO DE SUA MULHER E SEUS SETE FILHOS NA SUA CIDADE NATAL, PAU GRANDE, LOCALIZADA NA RAIZ DA SERRA DE PETRÓPOLIS. A cena, em preto e branco, foi filmada 50 anos atrás e pode ser vista no documentário Garrincha, A Alegria do Povo (1962), de Joaquim Pedro de Andrade. O bom estado do veículo mostrado pela película denuncia que sua quilometragem deveria estar próxima do zero. Mesmo assim, a imagem de um jogador de futebol associada a um carro popular se perdeu no tempo tanto quanto, ou até mais, os dribles desferidos pelo próprio Mané pelo lado direito dos gramados. Um exemplo: recentemente, Lúcio, o zagueiro pentacampeão do mundo pela Seleção FOTO: ROSS KINNAIRD/GETTY IMAGES


O AZUL DO C S K A ( R Ú S S I A) N O C A B E LO E N O P E I TO. ATAC A N T E V Á G N E R LOV E H O M E N AG E I A NAS TRANÇAS O C LU B E ONDE JOGA

Brasileira, exigiu do patrocinador – que o trouxe ao Brasil vindo do futebol italiano para jogar no São Paulo – um mimo: uma BMW X6 blindada, avaliada em R$ 500 mil, provando mais uma vez o status de celebridade que hoje têm os jogadores de futebol. Afinal, não é à toa que estrelas de Hollywood como Tom Cruise ou músicos mundialmente famosos como Bono Vox, do U2, se encontrem com Ronaldo Fenômeno quando vêm ao Brasil. E assim como atores ou cantores influenciam a massa, o mesmo acontece com os jogadores de futebol em relação aos torcedores. Não se trata de movimentos políticos, como aconteceu no início dos anos 1980 com a Democracia Corintiana, por exemplo. Trata-se de criar moda e disseminar o gosto em relação à música, aos cortes de cabelo e ao jeito de se vestir. “Quando comecei a jogar com o cabelo solto no Shakhtar

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comportamento

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Atualmente no futebol russo, Willian tem como característica ostentar cortes de cabelo superarrojados – antes do atual black power, ele costumava usar tranças. “Em toda entrevista que dou tenho de falar sobre o meu cabelo”

(Donetsk, clube da Ucrânia), percebi alguns torcedores na arquibancada usando perucas para me imitar”, diz o atacante Willian, contando história semelhante à que aconteceu com o zagueiro David Luiz, no inglês Chelsea. Atualmente no futebol russo defendendo o FC Anzhi, Willian foi revelado no Corinthians e tem como característica, além de ser goleador, ostentar cortes de cabelo superarrojados – antes do atual black power, ele costumava usar tranças. “Em toda entrevista que dou tenho de falar sobre o meu cabelo”, diz ele, que, apesar das mudanças de país por conta do trabalho, não tem um salão de barbeiro de sua preferência. “Vou onde os jogadores mais próximos indicam”, diz ele, que costuma tomar nota também de cremes e xampus recomendados por amigos. Mas no item cabeleira ninguém é celebridade maior do que Wilmer Salles Meireles Moy. Também conhecido como Cosme, ele é o responsável por fazer a cabeça de Neymar. Dono do Geométricos Cabeleireiros e conhecido da família desde que o camisa 11 santista era um minicraque, Cosme foi o escultor do famoso corte moicano, primeiro hit capilar do craque, e é quem coloca em prática e discute com ele as ideias para os novos layouts que Neymar – e, consequentemente, seu séquito de fãs – tem usado mensalmente. O visual é tão ligado ao jogador que Cosme, hoje, é uma estrela muito além do salão: ele segue carreira também como cantor de funk, tendo até uma composição em homenagem ao seu cliente mais famoso, o Príncipe da Vila.

O C R AQ U E G A R R I N C H A AO VO L A N T E D E S E U F U S CA , E M 1 9 6 0 : E P O C A E M Q U E O S J O G A D O R E S D I R I G I A M CA R R O S P O P U L A R E S

O Z AG U E I R O L Ú C I O E A B M W AVA L I A DA E M R $ 5 0 0 M I L Q U E E L E G A N H O U E M S UA VO LTA AO B R A S I L

FOTOS: REPRODUÇÃO E EUROBIKE


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A M I G O DA FA M Í L I A H Á M U I TO T E M P O, C O S M E É O R E S P O N S Á V E L P E LO S C O RT E S E XT R AVAG A N T E S D E N E Y M A R

Escova e dois tipos de gel Se Neymar seguisse os caminhos do padrinho de seu filho e ex-companheiro de clube Paulo Henrique Ganso, e fosse jogar no São Paulo, teria outra opção de barbearia, resquício vindo dos anos 1990. À época, o time era comandado por Telê Santana. Conhecido pelo temperamento severo, o treinador não tolerava que seus jogadores comprassem carrões logo nos primeiros salários como profissionais (o que é hoje uma praxe no mundo futebolístico), colocassem brincos ou tivessem cabelos espalhafatosos. Certa feita, o atacante Macedo apareceu com madeixas novas, resultado de um aplique, e Telê mandou o jogador cortar o cabelo imediatamente – e foi atendido. Desde então, o clube mantém em seu Centro de Treinamento um salão para seus empregados, comandado pelo barbeiro Sergio. Um de FOTO: JOÃO CASTELLANO/AG. ISTO É

seus clientes, Luís Fabiano, opta por um corte mais discreto, quase no estilo de Garrincha, rente ao coro cabeludo. “Mas já vi de tudo por aqui”, conta ele, antes de delatar um ex-companheiro de trabalho. “O Fernandinho é o jogador mais vaidoso com quem já joguei”, diz, em referência ao atacante canhoto hoje jogador do Al-Jazira, dos Emirados Árabes. “Ele levava uma nécessaire com espelho, lápis de maquiagem para contornar o ‘pezinho’ do cabelo, dois tipos de gel, escova, pente, creme, xampu, condicionador e até fazia a sobrancelha”, comenta com uma risada bem-humorada e quase maldosa o centroavante que, na época em que jogava no Sevilha, ia ao “Antonio Cabelo” com os laterais Daniel Alves e Adriano, ambos hoje no Barcelona, por uma razão bem específica: “Esse espanhol costuma cortar cabelo afro, não adianta ir com cabelo playboyzinho”, explica.


comportamento

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“Na concentração, o jogador tem muito tempo disponível. Então você entra na internet e começa a achar vídeos. Se alguma música ou clipe interessar, é um passo para imitar na hora do gol”, diz Luís Fabiano.

DJs de vestiário

CA DA U M AO S E U E ST I LO, M A S C O M A LG O E M C O M U M : JOGADORES COMO GUERRERO E WILLIAN T Ê M S E U S CA B E LO S I M I TA D O S P E L A TO R C I DA . À D I R E I TA , A COREOGRAFIA DOS JOGADORES D O F LU M I N E N S E

Como uma boa fatia dos jogadores, Luís Fabiano frequenta a igreja e dedica parte do seu tempo livre a ouvir música gospel. Mas como ninguém é de ferro, mistura o gosto por cantores do gênero como Lázaro Ramos e o Pregador Luo com o bom e velho pagodinho e o não tão velho sertanejo universitário. Mas engana-se quem acha que as gravadoras têm alguma influência nessa relação entre músicos e boleiros. A amizade entre músicos e jogadores é um clássico. “A gente se encontra em eventos, ou às vezes eles mandam convite para ir aos shows, nos chamam no camarim, vão ao Centro de Treinamento. Eles são torcedores também”, explica Luís Fabiano, amigo de cantores como Thiaguinho, Péricles e Parangolé. “Cada um gostaria de ter a profissão do outro”, diz Willian. Já os goleiros Rogério Ceni (São Paulo) e Cássio (Corinthians) são os representantes do rock-and-roll no futebol paulista. O primeiro é amigo de Nando Reis e costuma ouvir AC/DC quando seu time entra em campo no Morumbi. Essa relação estreita pode significar até o sucesso mundial. Foi assim que Michel Teló tornou seu Ai Se Eu te Pego o sexto single mais vendido no mundo em 2012. E se você é daqueles que torcem o nariz para o hit desse paranaense, saiba que a culpa de todo o sucesso é de Marcelo, lateral-esquerdo da Seleção Brasileira e do Real Madrid. DJ de vestiário, ele viu a música de Teló chamar a atenção do seu companheiro de clube Cristiano Ronaldo, que

FOTOS: VIPCOMM, MOACYR LOPES JUNIOR/FOLHAPRESS, DANIEL AUGUSTO JR/ AG. CORINTHIANS, RICARDO NOGUEIRA/ FOLHAPRESS, GLOW IMAGES


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quis aprender a coreografia e naquela mesma noite a usou na comemoração de um de seus gols. Quase na velocidade do seu chute, o português abriu as portas da Europa para essa espécie de Macarena brasileira. “Os outros jogadores ucranianos até baixaram a música no telefone e escutavam a toda hora. Foi um estouro”, conta Willian, que chamou Léo Santana, do Parangolé, para cantar no seu casamento. “Foi um caso isolado. O Teló deu uma sorte tremenda. Europeu gosta muito de ritmo e o dele pegou, graças também à mídia que o Cristiano Ronaldo tem”, analisa Luís Fabiano. Quem encontrou nas comemorações uma boa forma de incensar seus amigos cantores foi Neymar. O hit do carnaval 2013, Passinho do Volante, de Mc Federado e os Lelek’s, foi dançado por ele, que costuma subir aos palcos de João Lucas e Marcelo (Eu Quero Tchu, Eu Quero Tchá) e participou até do DVD Ousadia e Alegria, de Thiaguinho. “Na concentração, o jogador tem muito tempo disponível. Então você entra na internet e começa a achar vídeos. Se alguma música ou clipe interessar, é um passo para imitar na hora do gol”, diz Fabiano.

Jogar com você mesmo O estilo de vida boêmio de Garrincha pode até ter relação com o de alguns jogadores atuais. Os analistas do esporte bretão defenderiam o anjo das pernas tortas na base do “ele

bebia, mas no dia seguinte jogava e fazia gols”, assim como fizeram craques de um passado não tão distante, como Paulo César Caju e Renato Gaúcho. Atualmente, o atacante Adriano parece o exemplo a não ser seguido. Mas Garrincha e os outros teriam uma boa desculpa para as aventuras da noite que marcaram suas vidas profissionais: nas suas épocas não existia videogame. A diversão eletrônica está empatada com o YouTube nas tarefas favoritas dos profissionais da bola nas concentrações. E o game mais jogado não poderia ser diferente: futebol. Não importa se é o Pro-Evolution ou o Fifa Soccer, as competições costumam ser acirradíssimas. E qual o grande barato nisso tudo pra um craque? Jogar com você mesmo. Sim, os jogadores pensam nos seus avatares feitos para os jogos eletrônicos. “Sempre penso: será que vão me fazer no videogame? E fazem igualzinho. É legal pra caramba”, diz Willian. Já Luís Fabiano tem uma reclamação: “Ano passado até melhorou um pouco, mas nos anos anteriores não simpatizava muito comigo, não. O estilo de jogo eu achava que era um pouco diferente, meio lento. Mas a semelhança física era perfeita”, diz ele, que mesmo assim se diverte com a brincadeira. “É gostoso, porque assim eu posso fazer gol comigo mesmo”, ri. Se Garrincha vivesse hoje em dia, não teria para ninguém. Seja no videogame, na noite ou em campo.


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GALÃ COMO BECKHAM, GOLEADOR COMO PELÉ, BOÊMIO COMO GARRINCHA E POLÊMICO COMO MARADONA, O IRLANDÊS GEORGE B E ST L A N Ç O U UMA MARCA D E R O U PA S MASCULINAS, E M 1 9 6, E VIROU UMA C E L E B R I DA D E D O E ST I LO FOTO: PA ARCHIVE/PRESS ASSOCIATION IMAGES


design

JUNTO E MISTURADO Nas últimas décadas, moda, design e futebol passaram a caminhar nas ruas e em campo de mãos dadas em um jogo de influências recíprocas MARIA CLARA VERGUEIRO

EM 2010, PARA A COPA DO MUNDO DA ÁFRICA DO SUL, A NIKE CRIOU O SEGUINTE CONCEITO PARA SUA CAMPANHA: WRITE THE FUTURE, OU, EM PORTUGUÊS, “ESCREVA O FUTURO”. A IDEIA ERA UNIR TORCEDORES E ESTRELAS COMO CRISTIANO RONALDO E RONALDINHO GAÚCHO NO MESMO SONHO, O DE FAZER E PARTICIPAR DA HISTÓRIA A PARTIR DO FUTEBOL. Patrocinadora oficial de times nacionais, da Seleção Brasileira e de inúmeras outras, a marca norte-americana sabe como vestir os ideais de fanáticos boleiros e seus ídolos. Design, performance e comunicação são transformados em camisetas mais ou menos justas, calções mais ou menos longos, golas careca ou polo, cores fortes ou queimadas. “O desenho dos uniformes busca contribuir ao máximo com o desempenho do atleta dentro do campo”, conta Mario Andrada, diretor de comunicação da marca no Brasil. “Mesmo assim, não existe nenhum detalhe sequer, nem mesmo a etiqueta, que esteja em um uniforme por acaso”, explica. O que se busca é a expressão de conceitos alinhados ao momento que cada clube ou seleção está vivendo. Um bom exemplo é a terceira camisa roxa criada para o Corinthians, talvez a mais famosa da história da Nike, que buscava aproximar a marca da fiel torcida, sob o espírito do “sou corintiano roxo”. Grandes marcas apostam, simultaneamente, nos seus estilistas e designers internos para desenvolver tecnologia, transformar jogadores em heróis dos gra-

mados e em talentos da moda, das artes plásticas e do design para criar coleções especiais, de olho no público mais amplo. Tom Sachs, Jun Takahashi e Andy Caine caíram nas graças da Nike. Caine é um dos diretores criativos mais influentes da marca, responsável pelas chuteiras estilosas e high tech que calçam os maiores nomes desse esporte no mundo. A concorrente Adidas escolheu Stella McCartney para desenvolver os uniformes da delegação inglesa para as Olimpíadas sediadas em Londres, no ano passado. A Puma e a Jamaica escolheram Cedella Marley para fazer o mesmo por seus atletas. Filhas de grandes ídolos da música, (Paul McCartney e Bob Marley), as duas estilistas confirmam a tendência de unir esporte, moda, espetáculo e atitude cool numa mesma peça de roupa. Por aqui, Alexandre Herchcovitch já assinou os uniformes brasileiros para a Olimpikus, nos Jogos Panamericanos de Santo Domingo (2003) e nas Olimpíadas de Atenas (2004), e Oskar Metsavaht, da Osklen, para os jogos de Guadalajara (2011). “A Olimpíada é a maior vitrine do esporte global, portanto, é lá que todas as marcas lançam seus produtos mais inovadores e ousados”, avisa Mario Andrada. Fundador da grife Cavalera, o paulista Alberto Hiar, ou “Turco Loco”, tem uma parceria sólida com a marca Penalty que já rendeu diversos modelos de “terceiras camisas” (comemorativas e mais criativas que o primeiro uniforme dos times) para clubes como Portuguesa (SP), Vasco (RJ), Figueirense (SC), Vitória (BA) e Náutico (PE), misturando as referências históricas dos times ao conceito fashion que aplica nas coleções da Cavalera. “O importante é não perder o propósito da camisa: quem usa são o torcedor e o jogador”, ensina Hiar. A mesma marca também encomendou a outro estilista brasileiro, Gustavo Lins, uma coleção inteira inspirada na Copa de 2014, desfilada no fim do ano passado, em Paris. Assim, a Penalty

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AC I M A , M E S S I V E ST E D O LC E & G A B B A N A PA R A R E C E B E R T R O F É U DA F I FA ; A B A I XO, O T I M E B I K K E M B E R GS F O S S O M B R O N E V E ST E U N I F O R M E C R I A D O P E LO D E S I G N E R P R O P R I E T Á R I O DA E Q U I P E . N A P Á G I N A AO L A D O, O M E T R O S S E X U A L DAV I D B E C K H A M É O M O D E LO DA P R Ó P R I A L I N H A D E C U E C A S , D I ST R I B U Í DA P E L A H & M

FOTOS: PICTURE ALLIANCE/OTHERIMAGES; CAMERA PRESS/OTHERIMAGES

consegue cobrir de estilo dois braços distintos: o popular e o sofisticado, que se encontram na paixão pelo futebol por caminhos distintos. Um dos mais importantes designers da Bélgica, Dirk Bikkembergs, foi o primeiro a promover um evento fashion em um estádio de futebol, criou botas masculinas inspiradas em chuteiras dos anos 1930, depois chuteiras de verdade (as “BIX 6”) e uniformes inteiros para o Milan. Em 2005, Bikkembergs comprou um time amador italiano (logo rebatizado de Bikkembergs Fossombrone) e desenhou cada uma das peças usadas em campo. Tornou-se referência absoluta da mistura de futebol e arte nos gramados e associou, sem medo, seu prestígio de designer ao esporte mais popular do planeta. Embora, geralmente, o grande público não veja a própria imagem refletida na alta-costura, gosta de ver seus ídolos em ternos bem cortados, sapatos caros e joias exclusivas. É o que diz o sociólogo da Universidade de Staffordshire Ellis Cashmore, especialista em esporte e cultura de massa, autor de livros como Beckham, que fala da condição de celebridade do jogador inglês homônimo. Os torcedores, explica Cashmore, não querem as estrelas do futebol vestidas como gente comum e esperam deles postura de astros do cinema. “Hoje, os jogadores querem mostrar sua influência e fazem isso muito através das roupas, visivelmente caras. Os fãs respeitam os jogadores pelas suas fortunas e ficariam extremamente desapontados em vê-los vestidos como


Os torcedores não querem as estrelas do futebol vestidas como gente comum e esperam deles postura de astros do cinema eles”, disse Cashmore a seLecT. O fascínio pela vida de celebridade – tanto por parte dos jogadores quanto pela de seus seguidores – serve bem ao propósito de marcas como Giorgio Armani, Dolce & Gabbana e Hugo Boss, que fecharam contratos com os clubes europeus Chelsea, Milan e Real Madrid, respectivamente, para vestir seus atletas fora do campo, reforçando mutuamente a influência mundial da moda e do esporte.

Modelo e jogador No último dia 7 de janeiro, o jogador argentino Lionel Messi foi eleito pela Fifa o melhor jogador do ano pela quarta vez. Na hora de receber o prêmio, considerado o Oscar do futebol, o atacante do Barcelona apareceu em um smoking preto de bolinhas brancas, desenhado especialmente para ele pelos estilistas da grife italiana Dolce & Gabbana, e chamou atenção do planeta inteiro com tamanha, digamos, ousadia. Logo começaram a especular se o jogador estaria homenageando seu mestre e conterrâneo Diego Maradona, que em outra ocasião também recebeu um prêmio vestindo um terno muito parecido, mas de gosto ainda mais questionável. Mas o que une, neste caso, os dois argentinos não é a lista de coincidências – ambos são gênios da bola, baixinhos e premiados –, e sim a percepção de si próprios como ícones que não devem passar despercebidos. Quando moda e futebol resolvem se encontrar, atletas viram super stars. A atitude, claro, também ajuda nessa construção: Kaká, o comportado, veste roupas sóbrias e foi adotado por Armani. Tem até relógio da marca assinado por ele. Neymar, o popular, pinta e borda com os cabelos à revelia dos mais conservado-

res e sai na capa da versão italiana da revista Vogue com produção assinada por Rushka Bergman, que já foi estilista de Michael Jackson. David Beckham, o metrossexual, já atingiu um patamar tal como ícone fashion que até ostenta a própria linha de cuecas, distribuída na rede de lojas fast-fashion H&M. Para Ellis Cashmore, “os homens não se contentam mais em competir nos campos de futebol: eles querem ser atraentes e agradáveis aos olhos. Beckham começou isso nos 1990 e, à época, foi considerado afeminado, especialmente depois de ter dito que não se sentia envergonhado com os rumores. Hoje, 90% dos jogadores são metrossexuais e interessados em moda e badalação”, avalia. Muito antes de Beckham, o irlandês George Best, considerado um dos maiores craques da Grã-Bretanha de todos os tempos, mostrou ao mundo que um atleta da bola pode extrapolar os limites do caderno de esportes e ganhar as manchetes de jornais como celebridade. Best, que chegou a abrir a própria loja de roupas masculinas, era galã como Beckham, goleador como Pelé, boêmio como Garrincha, polêmico como Maradona e estiloso como os Beatles. “Best era amigo de estrelas do rock e modelos, transitando suavemente entre o futebol e o show biz. Era o que chamamos em inglês de um ‘one-off’, ou seja, único e insubstituível. Mas viveu um tempo em que a cultura ainda não estava preparada para as celebridades, diferentemente do que aconteceu com Beckham”, analisa o sociólogo. Surpreendentemente, quem menos ganha na união bem-sucedida entre moda e futebol são os clubes, segundo Cashmore, o que talvez faça de Dirk Bikkembergs o único dono de time a entender e estimular os laços entre seus jogadores e o mundo fashion. Os clubes ainda teriam uma visão conservadora e se frustrariam com seus jogadores, que acabam criando um portfólio pessoal e se transformam em commodities. “Eles pagam altos salários e acreditam que os atletas se distraem com outras atividades, como a moda. A maioria dos clubes vê poucos benefícios no fato de seus jogadores atuarem como garotos-propaganda”, conta Cashmore. Nada poderoso o bastante para conter a explosiva combinação que une a mídia do século 21, o esporte de maior projeção do planeta e o mercado fashion, tudo junto e misturado.

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Convidamos o jornalistagalerista-fotógrafo a sair pelas ruas e escolher os looks mais mais das passarelas estadianas. A torcida, uma só: fiel, apaixonada, louca


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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS AO ARTISTA FRANCISCO MARINGELLI, AO PRODUTOR E COMPOSITOR BID, À MODELO E ESCRITORA MICHELLI PROVENSI E À STYLIST LARA GERIN, NOSSOS DESTAQUES


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O terreno instavel da pedra dura Palco da mais intensa transformação em São Paulo hoje, Itaquera é circunscrita pelo filósofo Nelson Brissac como pauta de simpósio preparatório para a quinta edição do projeto Arte/Cidade de intervenções urbanas

PAULA ALZUGARAY FOTOS RICARDO VAN STEEN


PA R T I DA D O LO U C O S E M A LU C O S X TAT U A P É , N O C A M P O D O E .C . U . R .C . A , E M I TAQ U E R A . AO F U N D O, A C O N ST R U Ç Ã O D O I TAQ U E R Ã O

SOBRE UM ANTIGO CONJUNTO GEOLÓGICO DE ROCHAS E GRANITOS SURGIU ITA-AKER, PEDRA DURA EM GUARANI. DE TOPOGRAFIA ACIDENTADA E TENDÊNCIA A EROSÕES E ALAGAMENTOS, BANHADO PELO RIO JACU E POR UMA REDE DE AFLUENTES DO TIETÊ, o bairro de Itaquera é hoje um dos eixos estratégicos no reordenamento da cidade e vive a mais intensa transformação urbana de São Paulo. A região não só tem o maior shopping center da América Latina, a maior unidade do Sesc do Estado de São Paulo (15 mil visitantes/dia) e o McDonald’s mais lotado da cidade, como agora também recebe os holofotes para a construção a toque de caixa do novo estádio do Corinthians, que em 12 de junho de 2014 sediará o jogo de abertura da Copa do Mundo. É sobre essa “paisagem em movimento acelerado” – repleta de campinhos de futebol de várzea que brotam como mato em volta do canteiro de obras do estádio Itaquerão – que um grupo heterogêneo de artistas, arquitetos, gestores públicos, técnicos e es-

pecialistas vai se debruçar durante os próximos três meses. O simpósio ZL Vórtice, organizado pelo filósofo Nelson Brissac, em parceria com o engenheiro Ary Perez, o artista e professor Gilbertto Prado e Ruy Lopes da USP de São Carlos, fará uma pesquisa de campo sobre as mutações topológicas, econômicas, populacionais, urbanas e culturais que a região vem sofrendo nos últimos anos e vai preparar o terreno para a quinta edição do Arte/Cidade, projeto de intervenções urbanas idealizado e realizado por Brissac, em São Paulo, desde 1994. Dez anos depois do Arte/Cidade Zona Leste, que explorou a antiga região industrial da Mooca e do Belenzinho e tinha como característica atuar em um tecido urbano abandonado à decadência, à exclusão e à violência, agora o foco é sobre uma região midiatizada, com tendência à monumentalização. Em conversa com seLecT, Brissac fala do impacto da mudança de paradigma da economia brasileira sobre a zona leste paulistana e afirma: “A grande vantagem é que a dinâmica daquela região não depende do estádio

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nem da Copa do Mundo. A região está sendo modificada em razão das mudanças que estão ocorrendo na economia e na sociedade brasileira como um todo”. Quais as características físicas e históricas do território delimitado pelo projeto? Do ponto de vista geológico, essa região tem dois maciços: uma enorme montanha, onde estão o Sesc e o Parque do Carmo, e um enorme maciço granítico, onde havia a famosa pedreira do Vicente Matheus. Essa pedreira era um gigantesco buraco que forneceu o granito que cobre a maior parte das ruas da cidade de São Paulo e sustentou o Corinthians durante muito tempo. Essa pedreira foi encerrada e coberta por um aterro de resíduos sólidos, há uns três anos. Sobre esse morro estão sendo construídos, de um lado, o estádio do Corinthians e, do outro, um enorme polo administrativo e tecnológico. A área propriamente da pedreira é um terreno instável, que não tem nada construído. Não há metáfora melhor da arte do que um terreno instável. Há instabilidade nos declives. O

terreno é instável, mas também é em declive, portanto, desliza. Tem tudo a ver com as enchentes, os deslizamentos, as avalanches. É tudo fora de equilíbrio. Para todo lado que você olha, vê as coisas no limite do equilíbrio. Então, a gente tem de fazer uma avaliação desses processos construtivos, criados sempre na beira do barranco, que é o grande anátema da edificação popular no Brasil. Os caras são sempre levados a construir em situações críticas e isso conduziu a uma maneira de pensar o terreno. Esse é um desafio interessante. Perto do rio você tem outro ponto de instabilidade: o rio que enche, a várzea... Essa várzea foi historicamente o grande ponto das olarias e das minas de areia. Há vários artistas que lidam não só com o material barro, mas também com a questão do agregado, do que é sólido e do que é aquoso... Como o projeto ZL Vórtice se relaciona com esse contexto? A hipótese é a seguinte: essa é uma das regiões de maior transformação urbana que hoje está aconte-


B R I S SAC E A C O N ST R U Ç Ã O D O E ST Á D I O D O CORINTHIANS

cendo em São Paulo. Ao mesmo tempo, vive também uma das maiores transformações culturais e sociais no Brasil. A emergência do bando de loucos não é um fenômeno só futebolístico. O bando de loucos é a emergência da classe C, a transformação dos hábitos de consumo, a formação de uma nova centralidade. Isso está mudando São Paulo. O pessoal do transporte que vai participar do seminário diz o seguinte: atualmente, a CPTM transporta para o centro 1,5 milhão de pessoas por dia para trabalhar. E traz de volta todo dia. Nenhum sistema de transporte é sustentável se é obrigado a fazer isso. Tem de desenvolver atividades aqui, para essas pessoas todas não precisarem ir trabalhar fora. Estamos acostumados a ver notícias dessa natureza associadas ao Rio de Janeiro: o teleférico, a mudança dos padrões de consumo nas favelas. A notícia de ontem foi de cair de costas. Calculou-se o PIB das favelas brasileiras. A economia das favelas brasileiras já é maior do que a economia da Bolívia inteira. As favelas brasileiras já têm centros de consumo próprio: 81% das pessoas

têm celular. 31% dos domicílios já têm computador em casa. Isso está acontecendo aqui também, com características de periferia. O que impulsiona isso culturalmente é o Corinthians. É o grande emblema disso. Nós nos acostumamos a achar que a periferia é amorfa, parada, sem dinâmica. Mas nossa hipótese é a de que tudo acontece lá. Em cada uma das edições do Arte/Cidade, você se pautou por conceitos específicos para as dinâmicas locais. No AC Zona Leste, você relacionou a ocupação informal da região aos conceitos de máquina de guerra e ciência nômade, de Deleuze e Guattari. E agora, quais são os conceitos movimentados? Você colocou o dedo na ferida. Estou interessado em saber o que aconteceu em dez anos com áreas dessa natureza. O nômade urbano, o catador de papel etc., foi substituído por quem? Será que ele foi substituído pelo empreendedor, pelo comerciante, pelo capitalismo? Ele foi absorvido pela economia capitalista, ele tem cartão de crédito. Ele comprou um carro. Nas pes-

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quisas relacionadas à favela – não à periferia, onde essa tendência deve ser ainda mais forte –, 65% da população já é classe média, segundo os critérios do IBGE. Só 30% é classe baixa, invertendo a proporção que tínhamos anteriormente. Então, quais são os agentes dessa transformação? Quem são os agentes sociais criando novos procedimentos, agenciamentos, dispositivos? A cultura está sendo feita agora por quem? E qual sua relação com o mercado? Será que o mercado capitalista está homogeneizando tudo? Às vezes, pelo que se lê no jornal, parece que a Maré e a Rocinha vão virar Ipanema. Mas não é bem assim. Qual é a diferença? Vamos ter de detectar essas particularidades. Eu acho que aquilo que a gente elaborou no outro Arte/Cidade, as máquinas de guerra, já não vale mais.

“Órgãos como o COI, dos Jogos Olímpicos, e a Fifa estão se transformando em grandes instituições de planejamento urbano. Eles interferem nas metrópoles”

Com a Copa do Mundo, a região ganha holofotes. Como pensar a intervenção dentro desse contexto de um ambiente midiatizado e espetacularizado? Esse aspecto tem de entrar na nossa pauta de discussões. Essa questão se aproxima mais da ideia do papel do esporte na reconfiguração das cidades. Isso está ficando cada vez mais claro: órgãos como o COI, dos Jogos Olímpicos, e a Fifa estão se transformando em grandes instituições de planejamento urbano. Eles interferem no planejamento urbano das grandes metrópoles com um poder inacreditável, às vezes maior do que os órgãos de planejamento locais, determinando a construção de equipamentos, sistemas de transporte, acessibilidade, hotéis. Eles interferem em tudo. A ênfase é mudar o eixo de desenvolvimento urbano para áreas mais pobres. Como aconteceu no leste de Londres. A prefeitura aqui está fazendo grandes desovas de acessibilidade para o estádio: o metrô está fazendo uma alça nova, toda a Radial Leste está sendo reconfigurada com novas pontes. Vale a pena ir lá ver! Parece Londres. Mas a grande questão é a seguinte: essas reconfigurações vão ser capazes de atrair efetivamente mudanças de paradigmas econômicos, criando novas atividades econômicas, desenvolvendo novas tecnologias e formando mão de obra local? Toda a questão do polo de desenvolvimento que o governo está incentivando é para tratar essa questão. Isso vai acontecer mesmo? Ou passada a Copa do Mundo isso regride e as pessoas virão de carro para assistir aos jogos? Isso é uma armadilha, um risco, porque essa monumentalidade pode ser efêmera.

Por isso talvez seja interessante que o Arte/Cidade aconteça só depois da Copa do Mundo? Sim, para se relacionar com esse processo sem se deixar dominar por ele. O espetáculo é uma armadilha poderosíssima, sobretudo para a arte e a arquitetura. O artista e o arquiteto são sempre tentados à monumentalização, essa é uma tendência da arquitetura e da arte pública contemporânea, que confunde tamanho com escala. A tentação de fazer coincidir no tempo o Arte/Cidade com a Copa do Mundo pode acirrar ainda mais essa monumentalização. Isso nós não deveríamos fazer. A sua tese é que essa região representa a fatia de um acontecimento em escala nacional? A região está sendo modificada em razão das mudanças na economia e na sociedade brasileira como um todo, independentemente de futebol, estádio e Copa do Mundo. Não acredito que vá acontecer lá o mesmo que aconteceu na África do Sul. O que ainda não conseguimos caracterizar é quais são as especificidades, os agentes que estão levando isso pra frente. Eles estão se utilizando de quais procedimentos, repertórios e tecnologias? Quais as iniciativas de comércio, o uso intensivo de novos sistemas de comunicação ajustados para hábitos culturais dessa área? Quais as mudanças dos hábitos de consumo e de trabalho aqui? Como isso impacta na vida doméstica, que atividades estão surgindo? Diferentemente da época em que era uma pedreira e obedecia à lei do extrativismo, agora essa é uma área que atrai? Exatamente. Essa era uma área que só provia, era uma área dormitório. No Rio de Janeiro, essas mudanças são bem mais midiatizadas, porque são mais próximas da zona sul, das áreas onde a opinião pública está mais atenta. Nós nunca pensamos essa área paulistana como foco de interesse, capaz de atrair dinâmicas. Mas já já vai ter até galerias de arte lá. Não tenha dúvida! Vai ter tudo.


REGIÃO DE C O N T R A ST E S : I TAQ U E R A É H OJ E E I XO E ST R AT É G I C O N O R E O R D E N A M E N TO DA C I DA D E

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KEITH COLLEA, E ST E R E O G R A F I STA D E AVATA R , D E J A M E S CA M E R O N , PA R T I C I PA D O S P R I M E I R O S T E ST E S D E F I L M AG E M R E L AC I O N A D O S AO P R OJ E TO 2 0 1 4 K , D E J A N E D E A L M E I DA , Q U E E N VO LV E I M AG E N S E M A LT Í S S I M A D E F I N I Ç Ã O, 3D E TRANSMISSÃO O N - L I N E DA C O PA EM SALAS DE CINEMA

FOTO: PROJETO 2014K


NINA GAZIRE

JOGOS DE IMAGENS Do cinema à videoarte, o audiovisual encontra-se com o futebol, revertendo a retórica jornalística da tevê para reescrever a história do olhar

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A PRIMEIRA PARTIDA DE FUTEBOL TRANSMITIDA AO VIVO NA TELEVISÃO FOI DISPUTADA EM 16 DE SETEMBRO DE 1938, EM LONDRES, PELA BBC. A PARTIDA FOI TAMBÉM A PRIMEIRA COBERTURA EM TEMPO REAL DE UM JOGO ENTRE SELEÇÕES INTERNACIONAIS, NO CASO, A SELEÇÃO DA INGLATERRA CONTRA A DA ESCÓCIA. Apesar da inovação, a transmissão ao vivo pelo canal não alcançou um grande público e pouco evoluiu tecnicamente até os anos 1950. Foi o cinema o protagonista que eternizou o futebol em imagens em movimento. O primeiro filme que mostra um jogo de futebol está perdido, mas sabe-se que foi o registro de uma partida do time Newcastle, produzido pelo inventor britânico Robert Paul, em outubro de 1896. Restam à história as imagens realizadas por Alexandre Promio, um dos operadores de câmera dos irmãos Lumière, em Londres, no ano de 1897. Intitulada Futebol, a película mostra duas equipes, sendo uma delas identificada como o Arsenal Football Club. Hoje, um trecho desse filme de apenas 14 segundos está disponível no YouTube, mas durante muito tempo foi na sala escura e na telona que os torcedores viram os heroicos lances futebolísticos que ficariam guardados na memória. No Brasil, apesar de o primeiro jogo de futebol televisionado ter acontecido em 1955, direto da Vila Belmiro, partida entre Santos e Palmeiras com transmissão pela Rede Record, foi também no cinema que as imagens mais importantes desse esporte conquistaram seu espaço. “O futebol sempre esteve ligado ao cinema, apesar de a história do futebol também estar ligada à televisão e ao desenvolvimento de tecnologias de transmissão da imagem”, observa Jane de Almeida, pesquisadora do Departamento de Artes Visuais na Universidade da Califórnia, em San Diego (UCSD), e professora da Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Mackenzie e da PUC-SP. Ela é curadora independente na área de cinema e artes visuais e está envolvida com projetos que podem mudar os rumos da transmissão do futebol e resgatar sua relação com o cinema, um tanto esquecida devido à primazia técnica e à ditadura editorial da cobertura televisiva.

Futebol 3D A pesquisa de Jane de Almeida começou em 2010 e tem como objetivo mudar para sempre o futuro da transmissão das Copas do Mundo a partir de 2014. Exibido durante a Copa da África do Sul, em uma sessão especial que contou com a presença da presidente Dilma Rousseff, o filme, FOTO: REPRODUÇÃO. NA PÁGINA AO LADO CORTESIA DOS ARTISTAS


AC I M A , C H I L E VS U R S S 1973 (2008), DE RUNO L AG O M A R S I N O ; E D E E P P L AY ( 2 0 0 5 ) , D E H A R U N FA R O C K I

intitulado Futebol 2014, foi realizado em parceria com o pesquisador Cícero Inácio da Silva – coordenador do grupo Software Studies Brasil e professor e pesquisador em Mídias Digitais da Universidade Federal de São Paulo – e colocou o Brasil no mapa das tecnologias de transmissão e captação de imagens de alta definição. Com apenas 7 minutos de duração, esse foi o primeiro filme da história a usar a câmeras com tecnologia 4k 3D, que permitem a captação de imagens digitais em três dimensões com 8 milhões de pixels por frame. A tecnologia foi usada para gravar uma partida de futebol entre o Internacional e o Grêmio, disputada em 2 de maio de 2010, um mês antes da Copa do Mundo. “A escolha do futebol para um projeto experimental como esse, e que visa o cinema, tem como inspiração a estética do antigo Canal 100”, diz ela. Fundado em 1957 por Carlos Niemeyer, o Canal 100 foi um famoso cinejornal brasileiro dedicado exclusivamente ao futebol e teve suas atividades iniciadas exatamente um ano antes da Copa de 1958, com o intuito de dar aos torcedores uma cobertura cinematográfica do evento que tivesse um cunho mais documental e emocional. Entre as imagens mais antológicas do canal-cinema estão os primeiros registros da atuação de craques brasileiros como Pelé e Garrincha. Futebol 2014 inspirou-se na imagética do Canal 100 ao enfatizar menos os movimentos globais do jogo e focar mais diretamente no pathos da partida de futebol e seus atletas. “Você vê mais a reação dos jogadores, ou aquele momento mais expandido do gol marcado, a reação da torcida. O enfoque não é o detalhamento técnico da partida ou as estratégias de jogo, como é comum em uma cobertura televisiva. O Canal 100 era muito assim, focado em uma experiência mais imersiva da partida”, explica a pesquisadora. Futebol 2014 faz parte de um projeto maior, o 2014K, que pretende realizar a cobertura da Copa de 2014, primeira a acontecer no Brasil desde 1950, usando a tecnologia 4K 3D com transmissão direta e ao vivo para as salas de cinema do País. O alto grau de resolução das imagens resultantes do uso de câmeras 4K 3D só pode acontecer, tecnicamente, em salas de cinema devidamente equipadas com projetores de grande porte. Outro projeto coordenado por Jane de Almeida objetiva resgatar a relação entre o cinema e o futebol, explorando a história do encontro entre a experimentação estética visual com o esporte. O projeto chama-se Filme Futebol e é uma curadoria, ainda em fase de produção, que pretende levar para as grandes telas e para formatos mais artísticos a história audiovisual do futebol em uma exposição a ser realizada em 2014.

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nfase emocional Para a curadoria, Jane de Almeida planeja mostrar em diferentes plataformas, por meio de videoinstalações e telas de grande formatos, trabalhos antológicos do cinema esportivo nacional, como o filme Garrincha, Alegria do Povo (1962), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade. “Eu sempre usei esse filme como referência nas minhas aulas. Para mim, é dos filmes pioneiros da técnica do mash-up e do remix, já que seu diretor realizou colagens do jogador em fotos de jornais, imagens de cinema e outras fontes. É dos grandes trabalhos do cinema experimental brasileiro”, comenta Jane. A curadora e pesquisadora também cita trabalhos mais contemporâneos, como Zidane: Um Retrato do Século 21 (2006), do artista britânico Douglas Gordon e do francês Philippe Parreno, como referência para a interseção entre cinema de arte e futebol. O documentário tem como foco principal a performance do ex-meia Zinedine Zidane, durante uma partida do Real Madrid contra o Villareal, e foi captado com 17 câmeras sincronizadas, que registraram os movimentos do atleta. Os primeiríssimos planos centrados no jogador remetem a obra para sua principal fonte de inspiração, o filme Football as Never Before (Futebol como Nunca Antes, 1970), do cineasta alemão Hellmuth Costard. Nesse filme, durante uma partida do Manchester United, Costard utilizou oito câmeras de 16 mm para acompanhar exclusivamente os movimentos do jogador irlandês George Best, um dos maiores jogadores de todos os tempos. “Costard, com essa estratégia praticamente tirou Best do campo, criando um personagem separado do jogo e o mesmo foi feito no filme sobre Zidane”, analisa ela. Ambos os documentários se apoiaram na tradição cinematográfica, desafiando os tempos em que o futebol possuía presença massiva nos canais de tevê, mesmo que separados por 36 anos de realização. A cobertura do esporte, antes imbuída de uma linguagem experimental com forte ênfase no emocional dos jogadores e das torcidas, foi obliterada pelo padrão asséptico e objetivo da linguagem jornalístico-televisiva, segundo a pesquisadora. Foi pensando nisso que o diretor de fotografia paulistano Gustavo Pellizzon, quando ainda trabalhava como fotojornalista, em 2009, resolveu criar o vídeo Flamengo (2009). Pellizzon escolheu a final do Campeonato Brasileiro para testar uma das recém-lançadas câmeras fotográficas que permitiam filmar em alta definição. “O vídeo é resultado dessa tecnologia, em que pela primeira vez uma câmera portátil me possibilitou filmar com qualidade de dentro da torcida, sem a presença de uma equipe. Lembrei-me do Canal

Artistas criam pontos de vista alternativos aos das coberturas televisivas, revelando nuances dos jogadores e da torcida À D I R E I TA , Z I DA N E : U M R E T R ATO D O S É C U LO 2 1 ( 2 0 0 6 ) , D E D O U G L A S G O R D O N E P H I L I P P E PA R R E N O ; E , A B A I XO, F L A M E N G O ( 2 0 0 9) D E G U STAVO P E L L I Z ZO N


100 e o modo como a cobertura do futebol era feita, quando o público também tinha um papel importante dentro dos filmes”, recorda Pellizzon. O resultado é um filme experimental, cuja primeira plataforma de circulação foi a internet, obtendo mais de 100 mil acessos em seu segundo dia na rede (Assista em http://vimeo.com/8051060). A obra mescla imagens fotográficas às de vídeo, focando torcedores que vão à loucura no jogo em que o Flamengo se sagrou hexacampeão brasileiro. De dentro da torcida, o fotógrafo capturou momentos emocionantes, como a comemoração do atacante Adriano diante da taça, mas também a celebração de casais, famílias e pessoas de diferentes idades e classes sociais. “Hoje, o papel do fotógrafo é o de contar histórias. Eu queria fugir da estética televisiva que é perpetrada atualmente, a qual, apesar de evidenciar os muitos detalhes de uma partida, diferentemente de antigamente, não mostra o ponto de vista da arquibancada, onde, muitas vezes, estão também as grandes imagens do futebol. A televisão mostra o torcedor muito de longe”, desabafa Pellizzon, que já mostrou seu vídeo em diferentes contextos, incluindo exposições de arte.

Espetaculariza O artista argentino Runo Lagomarsino também questiona, em sua videoinstalação Chile vs. URSS, 1973 (2008), a “espetacularização” do futebol pela televisão. Longe de demonizar o alcance que o meio atingiu ao longo do século, questiona o papel sociopolítico que o esporte carrega diante de sua midiatização. O artista conseguiu com um canal de televisão do Chile o trecho de apenas 30 segundos no qual a seleção do país marca um gol, sem ter o adversário em campo, em uma das partidas mais breves da história. No vídeo, apenas um chute contra o gol destituído de goleiro é repetido à exaustão. Pinochet acabara de tomar o poder e o estádio onde acontecia a partida pelas eliminatórias para a Copa de 1974, o Estádio Nacional, havia sido usado como campo de tortura pelas forças da ditadura chilena, e por isso a antiga União Soviética negou-se a jogar a partida ali. “Estou interessado em ver esse lado político da relação entre o futebol e a mídia, como pano de fundo para a história da América Latina. Qual é o sentido de transmitir uma partida de futebol na qual se joga contra ninguém. Por mais que a URSS não estivesse presente, ela estava e a transmissão do jogo mostra isso”, explica Lagomarsino, cuja obra foi exibida na exposição Fútbol: Arte y Pasión, em Monterrey, México, ao lado de filmes como os de Hellmuth Costard, Philippe Parreno e Douglas Gordon.

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redes sociais

select futebol clube Multidão pensante define no Facebook os times campeões COMISSÃO TÉCNICA s e L e cT ILUSTRAÇÃO A L L A N R A B E L O

Comissão: Marcos Diego Nogueira (Técnico), Giselle Beiguelman (Coordenadora), Michel Spitale (Preparador físico), Mariel Zasso (Massagista)


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SA N TO S (c a m p e ã o ) EM PÉ: Mônica Waldvogel (jornalista), Mano Brown (rapper), Sophia Reis (apresentadora de tevê), Geraldo Alckmin (governador de São Paulo), Aloizio Mercadante (ministro da educação), Taciana Barros (cantora), VJ Speto (VJ), Milton Hatoum (escritor), Chorão (músico) - in memoriam, Zeca Baleiro (músico). AGACHADOS: Arnaldo Antunes (músico), João Dória Jr. (empresário), Marcelo Tas (apresentador do CQC), José Miguel Wisnik (músico e professor da USP), Emicida (rapper), Tony Tornado (cantor e ator), Agnaldo Farias (curador e professor da USP), Leda Catunda (artista), Paulo Miklos (músico e ator), Supla (músico), Jair Rodrigues (sambista)


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A COMISSÃO TÉCNICA DA SELECT REUNIU ARTISTAS, PENSADORES, ATORES, MÚSICOS E CELEBRIDADES PARA FORMAR OS ESCRETES MAIS BRILHANTES DO BRASILEIRÃO E PERGUNTOU AOS SEUS LEITORES: No campeonato nacional das cabeças pensantes, quem leva o caneco? A intensa semana de votação no Facebook da seLecT, que contou com um time inteiramente escalado pelos leitores, o Santa Cruz do Recife, consagrou o Santos Futebol Clube de Mano Brown e Milton Hatoum como o grande vencedor, seguido pelo Grêmio de Gisele Bündchen. Completam o G4, o Flamengo de Ruy Castro – que subiu nove posições nos momentos finais da votação – e o Corinthians de Criolo e Marcelo Rubens Paiva. Já as baixas ficaram por conta de Fluminense e Vitória, os últimos colocados na disputa. Aos vencedores, o prêmio vem em forma de arte: as equipes ilustradas por Allan Rabelo.

G R Ê M I O ( v i c e c a m p e ã o) EM PÉ: Fernanda Lima (apresentadora), Sergio Bairon (professor da USP), Gisele Bündchen (modelo), Ana Hickmann (apresentadora), Alexandre Garcia (jornalista), Jorge Gerdau (empresário). AGACHADOS: Sheron Menezes (atriz), Renato Borghetti (músico), Alessandra Ambrósio (modelo), Adriana Amaral (blogueira e professora da Unisinos), Adriana Calcanhoto (cantora)


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F L A M E N G O (3º lugar) EM PÉ: Raul Mourão (artista), Lúcio Mauro Filho (ator), Jorge Ben Jor (músico), Carlinhos de Jesus (bailarino), Jards Macalé (músico).

AGACHADOS: Ruy Castro (escritor), Eduardo Moscovis (ator), Abel Reis (publicitário), Vera Fischer (atriz), Cláudia Abreu (atriz), Marcelo D2 (cantor)

CORINTHIANS (4 º l u g a r ) EM PÉ: Sérgio Amadeu (ativista), Washington Olivetto (publicitário), Rita Lee (cantora), Marcelo Rubens Paiva (jornalista e dramaturgo), Lúcia Santaella (professora da PUC-SP), Criolo (rapper).

AGACHADOS: Juca Kfouri (jornalista), Nelson Leirner (artista), Dora Longo Bahia (artista), Lula (ex-presidente do Brasil), Bia Abramo (jornalista)


crime e castigo

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N O AU G E D E SUA BREVE CARREIRA, BRUNO CHEGOU A S E R C OTA D O PA R A G O L E I R O DA S E L E Ç Ã O BRASILEIRA EM 2014


Breve ensaio sobre um goleiro cuja “trave caiu” A estrela, a sina e o temperamento de Bruno Fernandes das Dores de Souza, o goleiro Bruno. Líder do Flamengo na conquista do hexa, em 2009, o “Paredão Rubro-Negro”, ainda por cima, fazia balançar a rede do adversário HÁ UMA IMENSURÁVEL DISTÂNCIA NO QUESITO FAMA ENTRE JOGAR NOS MAIS DIVERSOS ESTÁDIOS DO MUNDO VESTINDO A CAMISA DA SELEÇÃO BRASILEIRA E ATUAR NO ACANHADO TIME MINEIRO DO BOA ESPORTE. NA MESMA LINHA DE RACIOCÍNIO, É CLARO QUE É MELHOR ESTAR EM UMA EQUIPE, ainda que pequena e sem expressão nacional, do que ser goleiro peladeiro no pátio de uma cadeia. Ocorre, porém, que tanto na Seleção quanto em qualquer outro time – e até mesmo em penitenciárias – dá para jogar o chamado “futebol arte” ou aquele que é denominado “futebol de resultado”. Naldário Ramos saiu neste início de 2013 de um presídio paulista. Jogava futebol três vezes por semana na prisão, isso ao longo de sete anos, e gostava de ser goleiro. “Tem jogo que dá pra caprichar e fazer bonito, tem jogo que só interessa arrancar o resultado”, disse ele a SeLecT. Já que Naldário era goleiro no “xilindró”, vale indagá-lo sobre o goleiro Bruno Fernandes, preso desde 2010 em Minas Gerais, onde nasceu, pelo sequestro, assassinato, vilipêndio e ocultação de cadáver da ex-modelo Eliza Samudio, com quem teve um filho, mas não quis assumir a paternidade – foi condenado em júri popular, no início de março, a 22 FOTOS: ANDRE MOURAO/AGIF /FOLHAPRESS

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A N TO N I O CA R LOS P RA D O

anos e três meses de prisão. Ele passou dois anos negando reiteradamente a participação no crime e só quando percebeu que jamais seria absolvido é que decidiu fazer uma confissão-enrolação em conta-gotas, na esperança de receber homeopaticamente a redução de pena. O truque não funcionou. Perdeu. O ex-detento Naldário anima-se ao responder, sentado juntamente com o repórter da SeLect em um banco do Terminal Rodoviário do Tietê: “Quer saber sobre o goleiro Bruno, né? Olha, a sua absolvição seria igual ao futebol arte, só que no tribunal é jogada pelos advogados, mas eles terem proposto que Bruno ficasse preso em casa se fosse contratado pelo Boa Esporte é apelar demais para conseguir o menos ruim: isso é o futebol de resultado no campo da Justiça”. E como você, Naldário, define o Bruno no futebol? “Ele jogava com arte quando dava, e jogava feio, mas eficiente, quando era preciso. No caso da Eliza, é como se tivesse tentado o futebol de resultado, o futebol força, mas vacilou, né? Perdeu.” Odel Antun é um dos mais conceituados advogados criminais do Brasil e integra, segundo os meios jurídicos, uma das melhores bancas de advocacia da América do Sul, comandada pelo também penalista Roberto Podval – na qual o futebol é assunto do dia a dia. Além do Direito, outra paixão de Odel é a culinária, porque ambos “exigem arte”. O que isso tem a ver com futebol? Explica-se: se um processo nas mãos desse escritório é processo ganho, já houve tempo em que chutes contra as traves guarnecidas por Odel significavam a bola em suas mãos, defendida. Se Odel não fosse advogado, seria goleiro, função que só abandonou devido ao deslocamento que certa vez sofreu no ombro direito – ele chegou a ter contrato assinado com a Portuguesa de Desportos, a Lusa do Canindé. Corintiano 24 horas por dia, e todos os dias, Odel viu algumas vezes Bruno desmanchar os seus sonhos de vitória, como em 2010, em uma histó-


crime e castigo

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rica partida entre o seu Corinthians e o Flamengo. Bruno jogava em sua carreira o “futebol arte” ou o “futebol de resultado”? A resposta vem com a amplitude de um tiro de meta que atravessa o meio do campo: “Bruno não jogou tempo suficiente em alto nível para se dizer se chegaria à solidez” – em outras palavras, se chegaria à Seleção Brasileira. Na verdade, é mais difícil para um goleiro, comparando-se a um atacante, demonstrar a sua arte. Enquanto um jogador de linha pode perder um ou dois gols, e depois marcar numa terceira tentativa, para o goleiro o pressuposto é que ele não deixe “passar” uma única bola. “O atacante pode falhar, a torcida esquece, mas o goleiro, se errar, fica marcado”, diz a palmeirense e administradora de empresas Nandra Macário, fanática por futebol e casada com... adivinhe... um homem que nas horas de divertimento é goleiro. Outra diferença a se levar em conta é que o próprio “futebol arte” foi mudando com o tempo, enquanto a função do goleiro, seja o futebol que for (“futebol força”, “futebol arte”, “futebol de resultado”), é sempre a mesma – cata a bola, meu nego, do jeito que der para catar.

O atacante pode falhar, a torcida esquece. O goleiro, se errar, fica marcado

O “futebol arte” já foi muito mais drible e jogada de efeito do que é atualmente. Por exemplo, nos tempos de Garrincha na ponta- direita zoando os adversários que ele indistintamente chamava de “João” ou nos tempos do centroavante Pagão e seus passes de calcanhar na famosa linha dos “P” do time do Santos (Pagão, Pelé e Pepe), driblava-se ainda mais, bem mais, do que Neymar dribla nos dias de hoje. Não se fala, aqui, da qualidade dos dribles, mas sim da quantidade deles. E mesmo Neymar, se cotejado ao “futebol arte” europeu, joga completamente diferente: tome-se o estilo espanhol como espelho e tem-se o mais puro “futebol arte” de passes, de lances coletivos e de velocidade. Todos têm sua graça, porque o futebol traz graça e alegria em si, e isso se vê até nas transmissões, sobretudo as radiofônicas. Em uma seleção de locutores houve craques que deixaram a sua arte, como Edson Leite (“gol de Friaça, quase vem abaixo o Maracanã”, no fatídico 2 a 1 para o Uruguai em 1950), Geraldo José de Almeida (“mata no peito, baixa na terra, ponta de bota...”), Fiori Giglioti (“balão subindo, descendo, cabeça na bola aliviando...”) e Osmar Santos (“é fogo no boné do guarda, pimba na gorduchinha...”). É impossível não citar o compositor Ary Barroso, ele mesmo, o compositor da clássica Aquarela do Brasil. Foi locutor de futebol e era flamenguista, o mesmo time que Bruno iria defender décadas depois, quando fez sua carreira desabar e foi parar atrás das grades. Pois bem, quando o Flamengo jogava contra o Fluminense (os famosos Fla-Flu de um tempo em que o País era bem mais delicado), Ary Barroso, microfone na mão, virava o rosto para não assistir ao Fluminense atacando, e dizia no ar: “Eu não quero nem ver”. É assim mesmo, como o leitor entendeu: quem estava ouvindo a transmissão de


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B R U N O C O M E Ç O U N O AT L É T I C O M I N E I R O E PA S S O U P E LO C O R I N T H I A N S . B R I G U E N TO E E X P LO S I VO, V I R O U Í D O LO N O F L A M E N G O, M A S O T E R C E I R O T E M P O D E S UA CA R R E I R A C O M E Ç O U AT R Á S DA S G R A D E S

Ary ficava sem a narração dos ataques do Fluminense, só ouvia a das investidas do Flamengo, que era a sua equipe do coração. A arte sempre esteve, assim, dentro e fora do campo, e muda com o tempo e o lugar nos quais se joga futebol. Goleiro tem de ter sorte, certo? Disso ninguém duvida, e Bruno a teve – afinal, poucos favelados, como ele foi na infância e adolescência em Belo Horizonte, chegam à glória e à fama que Bruno chegou. Em 2005, ele estreou pelo Atlético Mineiro somente porque o goleiro titular, Danrlei, estava suspenso e o goleiro reserva, Diego, fora convocado para a Seleção Sub-20. No ano seguinte foi para o Corinthians, mas nem sequer atuou porque brigou com Deus e o mundo – o temperamento explosivo é um de seus traços de personalidade. De novo a sorte lhe foi madrinha quando o Flamengo o contratou e o goleiro titular se contundiu. Bruno então fixou-se na posição e nesse ponto vale destacar seus méri-

tos: reflexo excelente, boa colocação e, acima de tudo, perfeita saída para fazer as defesas, o chamado “tempo da bola” – tanto que uma de suas virtudes era a de ser exímio “pegador de pênaltis”, como diz Nandra. Segundo ela, o “tempo de saída” é o que impede o goleiro de “caçar borboleta”, ou seja, encontrar somente o ar e não a bola com as mãos. “Eu gostava do Bruno, ele tinha o fator sorte e reflexo, sem dúvida alguma era um forte candidato à Seleção Brasileira”, diz ela. Compartilha dessa opinião o jornalista são-paulino João de Andrade Neto, do site “Conversa Fiada”. “Bruno era cogitado para a Seleção”, diz ele. Mais: Bruno, na opinião de João de Andrade, era um legítimo representante do “futebol arte”, definição que “tem como um de seus fundamentos o bom uso dos pés”. Na linhagem de Rogério Ceni na habilidade do chute, o fato é que Bruno também chegou a marcar gols cobrando faltas pelo Flamengo. Nada mal para quem, aos 28 anos e com 1,90 metro de altura, não deixava balançar a sua rede, mas fazia balançar a rede do adversário. Nada mal para quem ganhou o apelido de “Paredão Rubro-Negro”. Agora, no entanto, tudo isso entra em um terceiro tempo e ele terá de arquivar as glórias na própria alma, que se tornou um estádio vazio e sem refletores. E Bruno não terá mais de se preocupar em agarrar bola molhada e escorregadia porque, em dias de chuva, não há “futebol arte” ou “futebol força” em nenhuma cadeia do Brasil.

FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/FOTOARENA/FOLHAPRESS. NA PÁGINA AO LADO, CELSO PUPO/FOTOARENA/FOLHAPRESS.


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DISTINTOS DISTINTIVOS Escudos revelam histórias e delírios dos fundadores dos times de futebol PA U L O B O R G I A

Urso dançarino, figura rupestre, interferência política ou simplesmente brincadeira. As histórias dos distintivos dos clubes de futebol pelo mundo estão recheadas de curiosidades que podem surpreender até o mais fanático torcedor. Veja 16 desses escudos mais curiosos, separados a dedo após um bate-papo com o jornalista Marcelo Duarte, apresentador do canal ESPN Brasil e autor de O Guia dos Curiosos (Cia. das Letras), e José Renato S. Santiago Jr., autor do livro Os Distintivos de Futebol Mais Curiosos do Mundo (Panda Books).

UNIoN DEPORTIVA ALMERiA Espa n ha Se não é comentado, mal se percebe, mas entre as letras U e D há a forma de uma figura humana (de braços e pernas abertas, como as crianças costumam desenhar). Trata-se de um Índalo, pintura rupestre do período Neolítico que foi descoberta em 1868 e fica em uma região próxima à cidade de Almería. Esse símbolo é considerado um amuleto de sorte pelos moradores e, claro, foi incorporado ao clube de futebol também.

ATLANTA SILVERBACKS Estados Unidos Antigamente chamado Atlanta Ruckus, o clube ganhou novo nome e também um grande homenageado, o querido – mas um tanto mal-humorado – gorila Willie B., que aparece no escudo. Tudo bem, para nós, brasileiros, ele não passa de um simpático animal, mas Willie é o gorila que viveu por mais tempo em cativeiro na história dos Estados Unidos e era muito querido pela população que visitava o zoológico local. Para se ter uma ideia da fama, uma estátua de bronze foi criada em sua homenagem após sua morte, em 2000.

FOOTBALL CLUB AVENIR BEGGEN L u xe m b u rgo O Avenir atualmente disputa a Segunda Divisão do campeonato luxemburguês – ou seja, importância próxima de zero. Mas não tem como não simpatizar com a figura do sorridente duende montado em cima de uma bola no escudo do clube. Diz a lenda que o Elfo surgiu após a invasão alemã a Luxemburgo na Primeira Guerra Mundial. O pequeno mascote seria uma forma de trazer motivação, esperança e o espírito de alegria à população.


BANGU ATL TICO CLUBE R i o de Jane i ro, B rasil Futebol também é cultura. A fundação do Bangu é amparada em três pernas: a social, a cultural e a esportiva. Assim, as letras do distintivo representam objetos que remetem a esses setores. O “B”, é um pincenê, óculos sem haste usados entre os séculos 15 e 19, e mostra o lado intelectual. O “A” é um suporte para cavalete de pintura, a ala cultural. O “C” é uma ferradura, para dar sorte nos esportes.

CLUB ATL TICO BOCA JUNIORS Arge nti na É sempre bom lembrar a história das cores do clube: os fundadores decidiram que o time teria as cores do primeiro navio que passasse pelo porto de Buenos Aires. E então surgiu um de bandeira sueca, azul e amarela. O que muitos não sabem é que o distintivo do Boca está sempre em mutação. As estrelas representam todos os grandes títulos conquistados em sua história – por enquanto, 50: seis conquistas nacionais amadoras, 23 títulos nacionais profissionais, 18 títulos internacionais e três copas e títulos oficiais.

ESPORTE CLUBE DE PATOS Paraí ba, B rasi l Os fundadores do clube paraibano queriam homenagear a cidade de Patos com o nome do clube e também no distintivo. Escolheram colocar um pato. Até aí, tudo bem. O problema é que esse pato era o Donald, em desenho fiel ao criado por Walt Disney. O pessoal da Disneylândia não gostou muito da ideia e pediu para o time mudar o símbolo. Primeiro, eles só tiraram a roupa de marinheiro, mas parece que o resultado ainda não agradou. Então, o clube criou um novo pato – que, convenhamos, ainda lembra o Donald.

CLUB SOCIAL Y DEPORTIVO COLO-COLO Chi le Reconhecido no mundo todo por seu nome, o clube garante a fama também pelo escudo singular. O índio representado no emblema é Colo-Colo – Gato das Montanhas –, nome do cacique da tribo Mapuche, morto em 1559 após lutar contra a invasão espanhola no Chile.

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CLUBE ATL TICO JUVENTUS Sã o Pa ulo, B ra sil É quase unanimidade: o distintivo do Juventus da Mooca é um dos mais bonitos do mundo. O clube é cria de italianos que vieram morar em São Paulo, a maioria originária de Turim, cidade-sede dos clubes Juventus e Torino. Assim, a homenagem com o nome do primeiro e a cor grená, que representa o segundo clube. Para os italianos de Turim, essa cor representa o sangue dos soldados da Brigada de Savoia, que expulsaram os franceses da cidade em 1706.

LIVERPOOL FOOTBALL CLUB Inglate r ra A frase acima do brasão, You’ll never walk alone (Vocês nunca caminharão sozinhos) é uma homenagem ao técnico Bill Shankly, que chegou ao clube em 1959 e ficou por 15 anos, período que tirou o Liverpool do anonimato da Segunda Divisão para torná-lo um dos principais times do mundo. A frase vem de um musical da Broadway encenado pela primeira vez em 1945. Em 1963, com a ascensão do time, a banda liverpooliana Gerry and the Pacemakers regravou a música, que virou hino para os torcedores.

CLUB DEPORTIVO PAN DE AZUCAR Pa n a m á Fundada em 1974, você consegue imaginar de onde surgiu o nome e o distintivo desta equipe que atualmente disputa a Segunda Divisão de seu país? Além do Pão de Açúcar como nome e no símbolo, a cidade do Rio de Janeiro ainda é homenageada com outros dois pontos turísticos, o Cristo Redentor e as belas praias.

FC SMORGON Bielorrússia Fundado em 1987, o jovem clube disputa atualmente a Segunda Divisão do campeonato nacional da Bielorrússia. Seu distintivo mostra um urso segurando o brasão de armas da cidade, mas a curiosidade mesmo é uma de suas patas levantadas. A região abrigava no século 18 um centro de adestramento de ursos e, diz a lenda, eles eram colocados em jaulas com carvão quente no chão, para que “dançassem”. Mais um detalhe: a parte vermelha do escudo representa esse chão em brasa.

ARSENAL FOOTBALL CLUB Inglate rra Um verdadeiro time de operários. É isso o que representa não só o nome, mas o distintivo do clube. Fundado no fim do século 19 por funcionários de uma fábrica de armamentos, o canhão sempre esteve presente no emblema do Arsenal. A diferença é que no início apareciam três deles, todos apontados para o alto.


BOTAFOGO DE FUTEBOL E REGATAS R i o de Jane i ro, B rasi l Fusão entre o Club de Regatas Botafogo, que sempre ostentou a estrela branca em um fundo preto, e o Botafogo Football Club, que usava o preto e o branco da Juventus de Turim, em um escudo em formato suíço. A história contada é que a Estrela Solitária representava a estrela D’Alva e foi adotada por ter sido a primeira a aparecer no céu no dia da fundação do clube – porém, o ponto brilhante era o planeta Vênus.

SPORT CLUB CORINTHIANS PAULISTA São Pau lo, B rasi l O atual campeão mundial de clubes foi fundado em 1910, mas seu símbolo como o conhecemos só foi desenhado em 1939, quando foram adicionados os dois remos e a âncora, esportes praticados com maestria pelo clube naquela época, no límpido e belo Rio Tietê. A arte-final foi feita por um craque das telas e que, curiosamente, foi jogador do Timão: Francisco Rebolo.

SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS São Pau lo, B rasi l Inicialmente, o clube usava apenas as iniciais PI, de Palestra Itália. Com a Segunda Guerra Mundial e a pressão nacionalista contra nomes estrangeiros, a equipe mudou de nome para Palmeiras. Essa alteração aconteceu em 1942, com a criação do escudo com a letra P, o nome do clube abaixo e as oito estrelas acima, quatro de cada lado. Enganase quem pensa que elas representam títulos: significam apenas o mês de fundação do clube, em agosto.

FUTBOL CLUB BARCELONA Espanha Um dos maiores clubes do mundo, o todo-poderoso time espanhol também tem um distintivo cheio de curiosidades. A começar pelo seu canto superior esquerdo, com a cruz de São Jorge, padroeiro da Catalunha. A região também é homenageada no lado direito superior, com as listras com as cores da bandeira. Porém, no período de ditadura de Francisco Franco, entre 1939 e 1976, essas listras viraram apenas duas, para representar a bandeira da Espanha. Na parte inferior, as cores da agremiação inspiradas em um clube suíço, o Basel.

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CARIOCAS F OTO G R A FA M A C I DA D E N O MIRANTE, SOB A C O B E RT U R A F LU I DA DO MUSEU DE ARTE DO RIO

INSTITUIÇÃO

COMO UMA ONDA NO MAR Criatividade, bom senso e profissionalismo marcam o projeto do Museu de Arte do Rio Visto a distância, o Museu de Arte do Rio (MAR), inaugurado na região portuária como a primeira realização do projeto Porto Maravilha da prefeiFOTOS: RICARDO VAN STEEN. NA PÁGINA AO LADO, MARIANA MANHÃES.

MAR – Museu de Arte do Rio, de terça a domingo, das 10 às 17h00, Praça Mauá, 5, Centro, Rio de Janeiro

tura do Rio de Janeiro, poderia ser visto como um desafio fitzcarraldiano, um barco reluzente içado Morro da Conceição acima. Porém, uma primeira visita às suas oito galerias distribuídas em quatro pavimentos, que somam nada tímidos 2,4 mil metros quadrados de área expositiva ocupada por mostras temporárias, dissipa qualquer conceito antecipado ou miragem. Sob a direção cultural de Paulo Herkenhoff, o MAR é um projeto pensado para a população do Rio que integra as funções de educação em arte e formação


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ARTES VISUAIS

de coleção, e que corresponde à maturidade e ao brilhantismo de seu diretor. A integração com a cidade, seus habitantes, seus conhecimentos e soluções técnicas começa na estrutura arquitetônica. O projeto consiste em dois edifícios restaurados e adaptados – o museu e a Escola do Olhar, a primeira escola pública de arte do Rio –, unidos por uma cobertura fluida de concreto e Isopor, que foi moldada por uma equipe de profissionais que trabalham em escolas de samba. Se, no ano passado, a grande crítica sobre o projeto era o fato de ter sido pensado como um espaço sem acervo para abrigar coleções privadas, o problema foi resolvido pela equipe de Herkenhoff: o MAR nasce com 3 mil obras de acervo próprio, em formação. Na ocupação de estreia, no entanto, o museu não destaca a própria, mas duas importantes coleções privadas: 250 obras pertencentes ao advogado carioca Sergio Fadel e, com projeto cenográfico questionável, uma mostra de 136 peças do marchand romeno Jean Boghici, radicado no Rio. Mas o verdadeiro presente para o público são as duas curadorias que pensam o passado e a atualidade da cidade. No terceiro andar, depois de vivenciar uma vista arrebatadora de 360 graus da cidade desde o alto do edifício, o público é convidado a mergulhar no Rio oitocentista, pintado pelas escolas francesa, italiana, alemã e holandesa. A exposição Rio de Imagens: Uma Paisagem em Construção transporta delicadamente o visitante ao longo de 200 anos de imagens da Cidade Maravilhosa até desaguar na atualidade dos trabalhos de Marcos Chaves, Ivens Machado, Antonio Dias e Caio Reisewitz. No térreo, a experiência contemporânea se adensa em O Abrigo e o Terreno: Arte e Sociedade no Brasil I. A mostra parte de uma pergunta lançada por Flávio de Carvalho: “Como progredir?” e investiga a cidade como ambiente político e social, a partir das reformas urbanas que hoje transfiguram o Brasil. Ernesto Neto, com seu incrível senso de oportunidade, realiza para a exposição a obra Mar Revolto É Coisa do Passado. PA

Estranhamente Familiar, de 12 de março a 28 de abril, Instituto Tomie Ohtake, Av. Faria Lima, 201 (Entrada pela Rua Coropés, 88), SP http://www.institutotomieohtake.org.br/

ENTÃO (2013), I N STA L A Ç Ã O D E MARIANA MANHÃES, É UM ENORME C O R P O A RT I C U L A D O

PULSÃO DE VIDA NINA GAZIRE

Curadoria de Paulo Miyada transporta para a arte contemporânea conceito lançado por E.T.A Hoffmann e utilizado por Freud No conto fantástico O Homem de Areia, escrito pelo alemão E.T.A Hoffmann em 1815, o jovem Natanael é perturbado por terríveis memórias do passado, que voltam à tona quando conhece um vendedor chamado Copolla. As lembranças remetem-no a um particular medo de infância. Coincidentemente, ou não, o encontro com o homem – familiar e estranho ao mesmo tempo – leva-o a ruína. O conto foi usado por Sigmund Freud como base para um de seus mais famosos textos, Das Unheimliche (1919), cujo título não possui tradução exata para o português. A palavra Unheimliche significa algo próximo da paradoxal expressão “estranhamente familiar”. Uma das explicações para o conceito, segundo Freud, está no fato de que, muitas vezes, os encontros com fatos “estranhos” se relacionam aos nossos próprios cenários íntimos soterrados pelo inconsciente ou por processos traumáticos.


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A exposição Estranhamente Familiar/Unheimliche, com curadoria de Paulo Miyada se apropria do conceito, usado por inúmeras vanguardas em seus processos artísticos, para pensar sua reverberação na arte contemporânea. Com participação de quatro artistas, Thiago Honório, Alice Miceli, Rodrigo Matheus e Mariana Manhães, a mostra faz parte do novo programa do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake, que pretende trazer ao público obras inéditas de artistas cuja produção se encontra em destaque no contexto artístico brasileiro. Tão comum ao processo onírico, feito de montagens associativas, é a obra Anima, de Thiago Honório, em que uma caixa transparente é coberta com uma pele de zebra – encarnando a vida e a morte ao mesmo tempo. A caixa, invólucro que serve de metáfora para a intimidade inescrutável, também aparece na série de pequenos estojos compartimentados parafusados uns aos outros e que recebem o título Prêt-à-Porter. Os trabalhos de Honório, que dialogam com a tradição do objet trouvé surrealista, vão de encontro a obras maquínicas, como a instalação Então, de Mariana Manhães. A instalação se assemelha a uma máquina pneumática feita de sacos preenchidos com ar, por meio de mecanismos ativados automaticamente, em sincronia com um vídeo no qual um vaso de porcelana parece estar vivo. A combinação entre suportes tradicionais com linguagens high tech é acertada na medida em que, mesmo que este não tenha sido o objetivo principal da curadoria, se resgata outra leitura presente no conto de Hoffmann, que é o medo irracional daquilo que chamamos de artificial. No conto, Natanael enlouquece após descobrir que estava apaixonado por uma mulher mecânica, confeccionada por Copolla. E essa pulsão independente e incontrolável que existe dentro de nós – a vida como artifício – é o que há de mais harmonioso em todas as obras escolhidas para a exposição.

FOTOS: WILLIAM KENTRIDGE. NA PÁGINA AO LADO, DIVULGAÇÃO.

O S U L-A F R I CA N O KENTRIDGE E N T R E V I STA A S I MESMO EM UMA D E S UA S O B R A S

ARTES VISUAIS

SUBJETIVIDADE PERMEÁVEL JOÃO PAULO QUINTELLA

William Kentridge: Fortuna. Até 26 de maio, Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre http:// www.iberecamargo.org.br

Entre o acaso e o controle, a Fortuna de William Kentridge A sensação de alumbramento diante dos desenhos e vídeos de William Kentridge deriva, sobretudo, do uso do processo como experiência estética de representação subjetiva. O método de superposição de desenhos em uma mesma folha criado pelo artista opera no limite da noção de processo como resultado final. Não vemos o produto da equação, vemos a equação em si, se desenvolvendo e se perdendo em meio ao processo. Os traços que se superpõem no papel coabitam um mesmo plano, incorporando o processo ao próprio desenho. Quando os desenhos se transformam em animação, a ideia de coexistência se amplifica através da contaminação por outra linguagem, o filme. Kentridge é um aglutinador. A fusão entre meios é uma ferramenta produtiva. O filme, o vídeo, o desenho e a performance se atravessam gerando uma obra que não rejeita a contaminação. A curadoria de Lilian Tone respeita essa característica do trabalho do artista. Lilian optou por evitar divisões e setorizações das obras, criando, através do uso arejado do espaço, uma visitação fluida e imersiva. A abundância de trabalhos reproduz os excessos do estúdio e reforça a noção de permanente mutação inerente ao trabalho do artista. Existe, na obra de Kentridge, uma recusa do previsível. Fortuna, título


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reviews da exposição, aponta para uma engenharia do acaso. Os temas que aparecem em suas animações não são preconcebidos ou hierarquizados. Se a questão política tem, sim, uma forte repercussão na sua produção artística, a solidão, a pose de um gato ou o peso de uma rocha não lhe são menos pertinentes. Trabalhos como Weighing and Waiting (1998), History of the Main Complaint (1996) e Sobriety, Obesity and Growing Old (1991), todos da série Desenhos para Projeção, nos revelam como a subjetividade é permeável. O pensamento na obra de Kentridge é intimamente atrelado ao campo físico, são as estruturas corpóreas que conduzem sua produção intelectual e artística. A presença frequente de Kentridge como personagem de suas animações, como figura de seus desenhos ou como corpo performático de seus vídeos expressa a consciência de arte como integração entre o físico e o mental, entre o processo e o resultado.

LIVROS

TOQUES DE LETRA MARCOS DIEGO NOGUEIRA

Livros homenageiam o esporte bretão ao exaltar uma conquista, um time ou a obra de um cronista A temporada futebolística já começou também nas livrarias. E, desde que os departamentos de marketing dos clubes ou editoras descobriram que os torcedores compram não só camisetas comemorativas, mas também DVDs e livros sobre seu time do coração, as prateleiras nunca estiveram tão cheias de opções. São três tipos básicos de obras baseadas no jogo: aquele que contempla um título importante e histórico do passado – tenha ele acontecido recentemente ou há muito tempo –, o que detalha o momen-

Santos – 100 Anos de Futebol Arte, de Odir Cunha, Ed. Magma, R$ 99,90 1981 – O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, de Mauricio Neves de Jesus, Ed. LivrosdeFutebol. com, R$ 35 Bicampeão do Mundo, de Daniel Augusto Jr., Ed. BB Editora, R$ 60 Barça – Todos os Segredos do Melhor Time do Mundo, de Sandro Mondeo, Ed. QualityMark, R$ 24,90 Sócrates Brasileiro, Ed. Confiança, R$ 19,90

to atual de um clube, e o que é uma compilação de crônicas de alguém renomado relacionado ao esporte. Três livros mais recentes encabeçam a primeira categoria. Santos – 100 Anos de Futebol Arte, de Odir Cunha, comemora o centenário do time da Baixada reunindo fotos e textos sobre as principais conquistas do clube, de Pelé e Pepe, passando por Robinho e Diego, e chegando à geração vencedora mais recente, a de Ganso e Neymar. Já 1981 – O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, de Mauricio Neves de Jesus, conta com exatidão e análise de gente que viveu dentro e fora de campo a conquista do Mundial Interclubes pelo Flamengo de Zico e Júnior. Destaque para as mais de 50 imagens de bastidores que documentam os momentos pré e pós-partida, no vestiário, em aeroportos e no estádio em Tóquio, onde a equipe carioca bateu o Liverpool por 3 a 0. No mesmo formato, mas com o impressionante número de mais de 300 fotos de bastidores, Bicampeão do Mundo, de Daniel Augusto Jr., é a crônica do mesmo torneio, agora vencido pelo Corinthians, no fim de 2012. Se fosse contemplar um título apenas, o jornalista catalão Sandro Modeo teria de lançar uma coleção de enciclopédias a respeito do Barcelo-


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reviews na. Em vez disso, preferiu esmiuçar a estrutura clubística e a filosofia dos seus mandatários para descobrir Todos os Segredos do Melhor Time do Mundo e, montando uma espécie de linha do tempo evolutiva, mostrar que não é à toa que o time de Messi e Iniesta “ganha quando quer”. Por fim, para quem gosta de textos inteligentes e bola na rede sem se prender a um time específico, Sócrates Brasileiro é um prato cheio. A compilação das crônicas e textos escritos pelo Doutor desde 2001 nas páginas da revista CartaCapital mostra que ele não só sabia muito bem tocar de letra dentro dos gramados, mas batia um bolão também fora dele. Sempre relacionando a bola com seu lado político e social, esse mestre falecido em dezembro de 2011 esbanjava narrativas instigantes que mostram o legado que o fez ser respeitado também fora das quatro linhas.

CINEMA

LABORATÓRIO MÁGICO DO SOM MARCOS DIEGO NOGUEIRA

Líder do Foo Fighters filma ode a estúdio onde foram gravados clássicos do rock e aproveita para compor disco com parcerias inusitadas Dave Grohl anunciou que sua banda, o Foo Fighters, está de férias. Isso não significa que ele está descansando em sua bela casa em Encino, na Califórnia. A pausa nos trabalhos de palco fez o guitarrista, cantor e baterista explicitar sua veia de cineasta ao dirigir e lançar Sound City, documentário sobre o lendário estúdio de mesmo nome por onde passaram músicos como Tom Petty, Neil Young, Arctic Monkeys e o próprio Grohl, ao gravar com o Nirvana o disco que mudou sua vida: Nevermind. Uma curiosidade: nesFOTOS: DIVULGAÇÃO. NA PÁGINA AO LADO, SERGIO ARAUJO.

Sound City Dave Grohl US$ 12,99 buy.soundcitymovie.com

se mesmo lugar, nos anos 1990, os brasileiros do Raimundos produziram seu terceiro disco, Lapadas do Povo. A história aqui gira em torno de uma máquina, a enorme mesa de mixagem Neve 8028. Fabricada no fim dos anos 1960, manualmente, pelo gênio da engenharia eletrônica Rupert Neve, ela é um console analógico que capta como poucas a sonoridade dos instrumentos. Não à toa, os donos do estúdio desembolsaram US$ 76 mil na compra da engenhoca, numa época em que um deles comprou sua casa por US$ 38 mil. Afinal, foi ela que, durante décadas, atraiu artistas de diferentes estilos musicais ao galpão escuro e mal limpo com paredes acarpetadas localizado em Van Nuys, próximo a Los Angeles. Grohl pegou a câmera, mas não se esqueceu dos instrumentos. Aproveitou para reunir os entrevistados ao redor da Neve 8028 para, juntos, compor e gravar a trilha sonora do filme. O resultado é um colar de pérolas, em que em cada uma brilha uma personalidade. Destaques para You Can’t Fix This, com Stevie Nicks (Fleetwood Mac) e, principalmente, Cut Me Some Slack – uma jam session épica entre os membros remanescentes do Nirvana e o canhoto Paul McCartney, escolha certa de Grohl para viver esse momento Kurt Cobain. E o melhor: tudo isso já pode ser comprado e visto online pelo site buy.soundcitymovie.com. O respectivo DVD sai em abril.


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ARTES VISUAIS

UMA HISTÓRIA QUE NÃO ANDA EM LINHA RETA FERNANDA LOPES

Em exposição no Rio de Janeiro, Laércio Redondo revela interrogações que incorporam a dimensão coletiva da memória Ao entrar na Casa França-Brasil, o salão central de 200 metros quadrados parece vazio. A construção, de 4 metros de altura e 12 de largura, feita com pequenas ripas de madeira, parece invisível, levando o olhar direto para o fundo do salão. Lá, um pequeno espelho convexo aponta para a entrada da sala e, sob um diferente ponto de vista, conseguimos ler a palavra “Revolver” que as ripas da estrutura de madeira escrevem no espaço. E nos vemos através do reflexo, dentro da obra. Completam a instalação Ponto Cego (2013) alto-falantes nas laterais da sala, através dos quais se ouve um texto escrito pelo próprio artista. “A memória sempre nos acompanha, nos persegue e teima em escorrer feito camadas de tinta pelas paredes”, diz. A obra é parte da exposição Contos sem Rei, que, com curadoria de Frederico Coelho, reafirma a importância da memória para a obra de Laércio Redondo, que vive e trabalha entre Estocolmo, na Suécia, e o Rio de Janeiro desde 2001. Se há pouco mais de dez anos, em seus primeiros trabalhos e exposições, o artista paranaense demonstrava interesse pelas construções e apagamentos de uma memória pessoal, hoje suas investigações e interrogações parecem incorporar a dimensão coletiva da memória. Especificamente em Contos sem Rei, as obras parecem se interessar pelo processo de construção de uma identidade nacional e pela ligação entre história

I N STA L A Ç Ã O S E M T Í T U LO ( 2 0 1 3 ) , D E L A É R C I O R E D O N D O, C O M P O STA D E 7 7 BANCOS, COM PA I SAG E M D E D E B R E T I M P R E S SA E M S I L K-S C R E E N , ESCONDE B I B L I OT E CA D E 7 7 LIVROS SOBRE O RIO

Contos sem Rei, até 5 de maio, Casa França-Brasil, Rua Visconde de Itaboraí, 78, Centro, Rio de Janeiro www.casafrancabrasil. rj.gov.br

e arquitetura da cidade. Personagens que povoam o mito da identidade nacional também estão presentes na exposição. Em uma das salas laterais, Redondo apropriou-se de imagens do livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, do artista Jean-Baptiste Debret (1768-1848), para construir três outros trabalhos interligados – todos inéditos. Em um deles, paisagens de um dos mais importantes membros da Missão Artística Francesa de 1816 foram gravadas no assento de bancos, que, juntos, formam um grande plano horizontal onde as paisagens podem ser vistas. Na parte de baixo de cada um dos 77 bancos está um livro indicado por convidados de diferentes áreas. Redondo disponibiliza para o público uma biblioteca com referências multidisciplinares para a construção da história do Rio de Janeiro. Na outra sala, na instalação Carmen Miranda – Uma Ópera da Imagem (2010), as chamativas bijuterias, flores, frutas, plumas e balangandãs que dançavam seguindo o ritmo da Pequena Notável agora parecem flutuar em delicados móbiles que ocupam toda a sala. Laércio Redondo parece nos lembrar que todos somos partes da história. Todos – o público, a cidade, os personagens históricos, o artista e a história – feitos de partes.


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reviews LIVROS

TRÊS DO RIO Novo livro de Sérgio Sant’Anna marca um golaço ao contar a história de um Adriano da década de 50 “A esfera é a mais perfeita das formas?”, questiona Sérgio Sant’Anna em determinado momento de Páginas sem Glória, novela que encerra e dá nome ao seu livro recém-lançado pela Companhia das Letras. Antes de falar e questionar sobre futebol, porém, Sant’Anna aquece o leitor com dois breves e descontraídos contos sobre outros assuntos, mas que expõem o lado mais ingênuo dos personagens. O primeiro, Entre as Linhas, brinca com a profissão do escritor e as diferentes formas de narrativa. O personagem principal é Fernando, um escritor que pede à amiga que leia sua pequena novela, e o que chega a nós, leitores, são as anotações críticas da moça. Formando um perspicaz conto nascido de outro conto, Sant’Anna nos faz não só imaginar qual seria o enredo verdadeiro, mas também pescar fragmentos de histórias paralelas, tornando a leitura muito envolvente e mostrando a essência do relacionamento entre Fernando e sua revisora. Já em O Milagre de Jesus, o humor vem em forma de crítica às crenças atuais. O mendigo Jesus Curioso, em meio às suas andanças, decide entrar em uma igreja e, por conta das roupas velhas e da barba por fazer, é confundido por uma fiel com o próprio Messias. Sua humildade em negar a identidade atrai ainda mais fieis, que, por ironia, dão a ele o poder de decidir questões importantes de suas vidas, geralmente relacionadas aos tabus do Vaticano, como um aborto em decorrência de estupro. A ironia fica por conta do próprio mendigo, que, após ser enxotado da paróquia, assume uma postura “do bem”, característica de seu homônimo mais famoso. Mas a história que realmente vale a leitura é a final e que, não à toa, dá nome ao livro. Sérgio Sant’Anna dá o pontapé inicial nos assuntos da bola ao contar a história de José Augusto do Prado Almeida Fonseca, o Zé Augusto, ou Conde. Carregada de humor e com FOTOS: DIVULGAÇÃO. NA PÁGINA AO LADO, PAULA ALZUGARAY.

Páginas sem Glória, Companhia das Letras, 178 págs., R$ 29

ritmo de uma partida de alto nível, é um clássico imediato da literatura boleira, baseado nos tantos jogadores que marcaram sua passagem futebolística pelos acontecimentos extracampo. Zé Augusto é um boa-vida descoberto pelo olheiro do Fluminense, Luiz Andrade, em uma pelada na praia. Malandro por natureza, ele é, acima de tudo, um bon vivant, anti-herói do esporte bretão, chegado a escapadas noturnas, festas e mulheres. Por conta de seu comportamento, vai do Fluminense ao Bonsucesso, onde repete sua performance digna de um Adriano dos anos 1950. Um poeta da bola que cativa pela malandragem, mas acaba no ostracismo. Como diz o autor: “Garrincha morreu mal, mas entrou na história. Já o Zé Augusto não se sabe nem se morreu”. MDN

ARTES VISUAIS

BATISMO DE SANGUE Casa Daros inaugura no Rio com exposição da arte produzida durante a guerra civil na Colômbia Conta Juan Manuel Echavarría que há 50 anos a Colômbia vive ciclos contínuos de violência e inócuas tentativas de acordos de paz. “Os políticos nos saturaram com as palavras paz e guerra e elas acabaram perdendo seu significado.” A partir da constatação, Echavarría empenhou-se em ensinar as palavras a dois papagaios, que levaram oito meses para aprender a falar “guerra e pa”, pois um deles comeu o som de “s” de paz. “A partir da mutilação dessa palavra, compreendi que a paz é um conceito incompleto na humanidade. O acidente me ajudou a conceituar a obra”, contou Echavarría diante do vídeo Guerra y Pa (2011), exposto em Cantos Cuentos


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Colombianos, a exposição que marca a abertura da Casa Daros, no Rio de Janeiro. Tomadas literalmente, duas obras poderiam ter nomeado a exposição: a instalação sonora Vesper (2000), de Oswaldo Macià, que reúne 55 narrativas em sete idiomas das lembranças felizes de mulheres caribenhas, e Bocas de Ceniza (2002), de Echevarría, retratos videográficos de narrativas cantadas por sobreviventes de massacres e situações de violência na Colômbia. Mas assim como Echevarría e Macià, a maioria dos artistas de Cantos Cuentos Colombianos constrói suas obras a partir de narrativas e do reprocessamento da vivência da violência. A título de introdução – ou prólogo – da história da guerra civil colombiana que será contada por dez dos mais ativos e politizados artistas do país, Fernando Arias apresenta Caixão de Lego - Homenagem às Crianças da Guerra das Drogas (2000). Entende-se, logo na entrada da exposição, no vasto lobby do impressionante e respeitável edifício, que a Casa Daros opta por

CA I X Ã O D E L E G O - H O M E N AG E M ÀS CRIANÇAS DA G U E R R A DA S D R O G A S ( 2 0 0 0) , D E FERNANDO ARIAS, ABRE A EXPOSIÇÃO

Cantos Cuentos Colombianos, até 8 de setembro, Casa Daros, Rua General Severiano, 159, Rio de Janeiro www.casadaros.net

um batismo de sangue. As obras em exposição, um recorte da totalidade de 1.200 obras de 117 artistas da coleção Daros Latinamerica, foram feitas nos anos 1990, sob a guerra civil na Colômbia, explica o curador Hans-Michael Herzog, diretor artístico da coleção. E essa escolha aponta para a seriedade com que a instituição pretende trabalhar as questões da vida política e social na América Latina. Embora pontual, um pouco de humor também se faz notar. E é muito bem-vindo. Trata-se da série de peças arqueológicas manipuladas de Nadín Ospina, um conjunto de esculturas manufaturadas em cerâmica, pedra e metal banhado em ouro, pelas mãos de um falsificador profissional contratado pelo artista. Só que, em vez da iconografia pré-colombiana, nos deparamos com uma imagética pós-Walt Disney World. Colonialismo, narcotráfico, falsificação, corrupção, morte. Bem-vinda Casa Daros, que nos brinda com informações contundentes sobre os nossos vizinhos. PA


A ARTE DO VIL METAL 106

vernissage

Zeitgest, instalação de Lourival Cuquinha na Baró Galeria, espacializa a complexidade das relações entre arte e mercado ANA MARIA MAIA

A INDIVIDUAL DE LOURIVAL CUQUINHA ADOTA A ESTRATÉGIA DO ACÚMULO PARA FALAR DE EXTINÇÕES. NO GALPÃO DA BARÓ GALERIA, NA BARRA FUNDA, EM SÃO PAULO, ESTÃO REUNIDAS OBRAS REALIZADAS DESDE O INÍCIO DOS ANOS 2000, QUANDO O ARTISTA AINDA MORAVA EM OLINDA, SUA CIDADE NATAL, e participava de coletivos anárquicos como o Molusco Lama e o Telephone Colorido. Hoje, ele vive em São Paulo, tem obras em importantes coleções no Brasil e no exterior e é representado por três galerias comerciais: a Baró, a Gentil Carioca e a Amparo 60, de Recife. Apesar de corresponder a esse percurso de mais de dez anos, a mostra não se comporta exatamente como uma retrospectiva. Sua montagem de intensa contaminação visual, em que trabalhos pontuais são amalgamados em uma única instalação, desfaz a lógica de uma retomada imbuída de situar e por vezes didatizar as etapas de uma trajetória. Em vez disso, Cuquinha parece aproximar seus projetos antigos para experimentar a mistura entre eles e correr os riscos da diluição de todos os referenciais geográficos, econômicos e políticos até então postulados. Todas as obras presentes em Territórios e Capital: Extinções têm a ver com dinheiro, seja porque são feitas com moedas e cédulas ou porque nascem de uma observação sobre as relações de trabalho e a construção de valores simbólicos e monetários no campo da arte. A biografia de Cuquinha costuma ser o ponto de partida para tais observações. UsanFOTO: RICARDO LIMA/CORTESIA BARÓ GALERIA

do registros em foto e vídeo, sua caligrafia e a ironia expressa sempre em primeira pessoa, o artista faz comentários que abrangem desde o subemprego que exerceu como imigrante em Londres até a sua presença no mercado de arte, que, embora provocadora, é crescente. O largo espectro compreendido entre o trabalhador mal remunerado e o autor e acionista de obras postas em leilões internacionais caracteriza, mais do que a biografia de Cuquinha, a própria ambiguidade do lugar social do artista, cercado pela precariedade dos meios e pela contraprodutividade do seu ofício dentro de uma escala industrial e, num outro extremo, pela adequação do que produz (as obras de arte, mesmo as imateriais, das quais muitas vezes só restam vestígios ou histórias) à dinâmica do capital especulativo. O artista contemporâneo transita entre a matéria vulgar e a de alto valor agregado, as rodas de discussão sobre arte e os pregões de comercialização da mesma. Ele viaja o mundo e aguça o seu poder de se adaptar a diferentes contextos, se possível, respondendo a cada um deles com presteza.

Teor subversivo da produção O conjunto de obras da exposição nasce da vivência de Lourival Cuquinha nas cidades onde morou e em outros lugares onde trabalhou em curtas temporadas de passagem, como o Rio de Janeiro e Aix-en-Provence, na França. Olinda e a vizinha Recife suscitaram o seu pensamento sobre a economia


D E TA L H E DA I N STA L A Ç Ã O Z E I TG E ST ( 2 0 1 3 ) , D E LO U R I VA L CUQUINHA


vernissage

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informal e as alternativas de sobrevivência na periferia do circuito brasileiro de arte. Londres, lugar em que viveu entre 2007 e 2011 para acompanhar sua esposa em período de pós-graduação, tornou-0 estrangeiro numa sociedade estratificada, que paga um dos custos de vida mais altos do mundo. São Paulo, para onde se mudou quando da sua volta ao País, aproximou-o de uma infraestrutura de trabalho que, por um lado, dá ritmo e, por outro, testa o teor subversivo da sua produção – afinal, como subverter se não há (ou há pouca) resistência? A obra O Trabalho Gira em Torno (2009) rememora a atividade de Cuquinha como motorista de rickshaw, transporte turístico londrino movido por bicicleta, com capacidade para levar até três passageiros. Na obra que abre a mostra, três desses veículos são conectados entre si, perfilados em um círculo fechado e chumbados no chão. O público é convidado a pedalar para ativar essa engrenagem. Se o faz num primeiro carrinho, aciona a projeção de imagens feitas pelo artista em seu rickshaw pelas ruas de Londres. O movimento do segundo veículo faz soar o áudio desse registro; o terceiro provoca a rotação das imagens pelas paredes da sala, a partir de um eixo central. A instalação demanda seus cúmplices, seu total funcionamento depende de três visitantes, que, como Cuquinha em seu ofício temporário, exercem o trabalho em sua dimensão concreta. Nela, a gratificação equivale à energia física empregada, o excedente da produção nunca ultrapassa o mínimo necessário para continuar. Em 2007, o artista usou dinheiro arrecadado nas corridas de rickshaw para começar o Jack Pound Financial Project. Com 122 cédulas de 5 libras e 39 de 10 libras, costurou uma bandeira do Reino Uni-

OS TRABALHOS EM EXPOSIÇÃO NASCEM DA OBSERVAÇÃO SOBRE AS RELAÇÕES DE TRABALHO E A CONSTRUÇÃO DE VALORES SIMBÓLICOS E MONETÁRIOS NO CAMPO DA ARTE AC I M A E N A P Á G I N A AO L A D O, D E TA L H E S D E D UA S DA S 1 2 B A N D E I R A S Q U E I N T E G R A M A I N STA L A Ç Ã O Z E I TG E ST FOTOS: FABIAN AICRAG/CORTESIA BARÓ GALERIA


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vernissage

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RECIFE E OLINDA, CIDADES ONDE O ARTISTA VIVEU, SUSCITARAM SEU INTERESSE SOBRE A ECONOMIA INFORMAL E AS ALTERNATIVAS DE SOBREVIVÊNCIA NA PERIFERIA DO CIRCUITO DE ARTE

do que totalizava o investimento de mil libras. O artista reconheceu seus clientes e interlocutores como acionistas e incluiu a si próprio nessa lista como sócio majoritário, com 505 libras investidas. Em 2009, a bandeira foi leiloada na Frieze, principal feira de arte de Londres, por 17 mil libras, comprovando a alta rentabilidade do empreendimento. Desde então, Cuquinha continuou dedicado a essa pesquisa, que inclui operações de apropriação de moeda como suporte para interferências artísticas (o que pode ser visto como depredação de patrimônio do Tesouro Nacional), venda de ações e organização de leilões em eventos comerciais de arte contemporânea. Dessa maneira, concretizou 12 bandeiras, ou seja, 12 versões do seu projeto financeiro. Apesar de hoje integrarem coleções de diferentes países, todas elas estão presentes na mostra, como parte de Zeitgeist (2013). Feita de hastes de aço recobertas por moedas de 5 e 10 centavos – milhares delas, que totalizam a quantia de 7 mil reais, a instalação site specific atravessa o vão da galeria de um canto a outro, em diversas direções e alturas. Sua estrutura torna-se display para o conjunto de bandeiras e define a ambiência da exposição, marcada pela beleza plástica das hastes entrecruzadas e por alguns riscos de tropeço do visitante desatento. Fascinante e perigosa, monumental e precária, institucional e em muitos sentidos ilegal ou incorreta, a obra espacializa a complexidade das relações entre arte e mercado e postula a opção de Cuquinha por pensá-las de dentro do sistema, construindo e simultaneamente tentando implodir tudo aquilo que (o) aceita e celebra. FOTO: RICARDO LIMA/CORTESIA BARÓ GALERIA


A I N STA L A Ç Ã O O TRABALHO GIRA E M TO R N O ( 2 0 0 9 ) R E M E M O R A A AT I V I DA D E DE CUQUINHA COMO M OTO R I STA D E R I C KS H AW, T R A N S P O R T E T U R Í ST I C O LO N D R I N O M OV I D O P O R B I C I C L E TA

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CAMPEONATOS ASSOMBRADOS Torneios regionais só servem, hoje, para atrapalhar o cada vez mais apertado calendário do futebol brasileiro JOÃO PAULO QUINTELLA

POUCOS TORCEDORES E MUITOS LUGARES VAZIOS: CENA RECORRENTE NOS ESTADUAIS PELO BRASIL

Foi-se o tempo dos estádios lotados, dos personagens irreverentes, da ansiedade pelo domingo de verão com futebol, dos grandes times pequenos em campo. Foi-se o tempo dos Estaduais. O calendário já não comporta, a torcida não se importa. Os clubes tratam os Campeonatos Estaduais como colônias de férias e ambos são um conceito ultrapassado e sem sentido, hoje. No passado, 100 mil pessoas formavam um clássico no Maracanã. Hoje, o mesmo clássico tem um zero a menos no público, ingressos sempre caros demais e um interesse decrescente a cada ano. Poderíamos sentir falta das rivalidades épicas que se fortalecem na proximidade regional, na coexistência de torcedores rivais em um bairro, em um bar, em uma escola. Mas que rivalidade é essa que é sempre invalidada e desmerecida pela falta de credibilidade e de apego por esses campeonatos? As respostas às provocações são sempre “o que importa é a Libertadores”, ou “quero mesmo é a Copa do Brasil”, anulando a felicidade cruel de quem venceu e o amargor de quem perdeu. No passado, Túlio Maravilha, Renato Gaúcho, Edmundo e Romário eram pavões em campo, chamarizes, ímãs para o olhar e para a bola. Quando terminava o jogo, suas declarações, de bate-pronto, ainda no campo, eram tão geniais, hábeis e velozes quanto o raciocínio implacável durante o jogo. Isso também acabou. O futebol foi adestrado e os jogadores, também. Parece que o que resta nesse tipo de competição é apenas sua história. Os Estaduais já não existem. São seres fantasmagóricos competindo pelo espaço com outras assombrações nas tardes de domingo. É preciso deletar.

O FIGUR M


obituário

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MOTORISTA (1801-2013) Google anuncia a invenção de carro guiado apenas por um sistema de softwares de geolocalização, eliminando a necessidade do motorista NINA GAZIRE

D ES I G N ER D E AUTO MÓVE I S E P I LOTO NAS HORAS VAGAS, O AMERICANO CARROLL SHELBY PROJETOU ÍCONES SOBRE RODAS COMO O SHELBY MUSTANG E O COBRA

Automóveis trazem inscritos no seu próprio nome a utopia de um veículo que se movimenta sem a força física do homem ou do animal. É isso o que indica a etimologia da palavra, fruto junção da palavra grega auto, que significa por si próprio, e do latim mobilis, que diz respeito a um objeto que se move. Nascido no século 17, parido pelo padre belga Ferdinand Verbiest, que concebeu um pequeno carro a vapor para o imperador da China, o automóvel sofreu inúmeras mutações, concentradas no sistema de combustão, e ganhou, ao longo das distintas gerações, mecanismos como o freio de mão e a caixa de cambio. Em poucos séculos, o menino, filho de pai sem mãe, tornava-se um verdadeiro bólido engrenado por pilotos cada vez mais audazes, sem cumprir o destino histórico que se anunciava em seu nome greco-romano. Um parente distante, proveniente da ensolarada Califórnia, reverteria definitivamente essa trajetória em 2011, ano que um grupo de 15 engenheiros do Google, por meio de um lobby pesado, conseguiu a aprovação de uma lei no estado de Nevada que permite a circulação de carros guiados apenas por um sistema de softwares de geolocalização, eliminando a necessidade do motorista. Papel de destaque nessa odisseia coube a Sebastian Thurn, que também é coinventor do Google Street View. Depois de alguns testes em modelos como o Toyota Prius, o Audi TT e o Lexus RX450, com a direção sendo alternada entre motorista e software, em agosto de 2012 a equipe anunciou que o Google Driverless Car completou 500 mil quilômetros sem necessidade de um condutor, em percursos livres de acidentes. Nasce enfim, o verdadeiro “auto-móvel”.


selects / cultura na rede

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André Barcinski GO LS DE CINEMA L an ces que ga n h a ram a p last i c i d ad e da Sétima Arte e se to rn aram m omen tos su bli mes d a h i st ó ri a do fu tebo l

Gol fantástico de Nelinho Copa 1978

h ttp : / / b i t .ly/n el i n h o I m p res s i o n a n t e a c u r va q u e a b o l a fa z n o c h u t e d e N e l i n h o co n t ra a Itália, na Copa de 1978

Denner – gol de pla ca

Golaço de Cruyff (Curva)

I n gla ter ra vs. A rgen tina – Mé xico 8 6

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h ttp : / / b i t .ly/gol -maradona

O s a u d oso D e n e r, d a Po r t u gu es a , f u g i n d o d a s fa l t a s e m a rca n d o u m go l d e p l a ca

N ã o c a n so d e v e r es se go l d e C r u y f f p e lo A j a x , e m 1 9 7 2 . S ã o d o i s t o q u es s i m p l es e l i n d os n a b o l a

N e n h u m a l i s t a d e go l s m a i s b o n i tos es t a r á co m p l e t a se m a p i n t u ra q u e M a ra d o n a fe z co n t ra a I n g la te r ra , n a Copa de 1986

I brahimovic no Aja x

Romá r i o p elo PSV

Bicicleta de Gaúcho

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h tt p : / / b i t .ly/gol -rom a ri o

h ttp : / / b i t .ly/gol -gaucho

O s u e co I b ra h i m o v i c é a lto, m a s te m u m a h a b i l i d a d e q u e i m p res s i o n a . E s se go l , p e l o A j a x , é u m a p i n t u ra

O q u e Ro m á r i o j o go u p e l o PSV, d a H o la n d a , fo i b r i n c a d e i ra . E s se é u m go l d e p e l a d a , co m u m l e n ç o l es p e t a c u l a r n o z a g u e i ro e u m t o q u e q u e t i ra o go le i ro d a j o ga d a .

Rona ldinho G a úcho fez u m go l d os m a is p lá st icos e lindos, co n tra o V illa rea l. Ele m a t a no p e ito para o la d o e r ra d o, m a s conse r ta co m u ma biciclet a ina cre d it á ve l.

Gol da Holanda na final da Eurocopa 1988

Carioca 1975 – Fluminense 1 x 0 Vasco

H a gi - Ro m ên i a 3 x 1 Colômbia

htt p: / / bi t . ly/f i n a l -1 988

http : / / b i t .ly/ri vel i n o

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U m d os c h u tes m a i s i m p os s í ve i s : M a rco va n B a s te n , d a H o la n d a , a ce r t a u m p et a rd o d e p r i m e i ra , n a f i n a l d a E u ro co pa 1 9 8 8

U m c l á s s i co go l d e R i v e l i n o p e l o F l u , e m 1 9 7 5, d a n d o u m a “c a n e t a” e m A l c i r, d o Va sco

O go l m a i s b o n i t o q u e j á v i e m es t á d i o, o d o ro m e n o H a g i co n t ra a Colômbia, na Copa de 1994

FOTO: DIVULGAÇÃO


Daros Latinamerica anuncia a abertura da

23 de Março de 2013 Exposição de Abertura: Cantos Cuentos Colombianos

daros-latinamerica.net



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