Revista 2016 / Junho

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porrada neles destemida, a boxeadora e medalhista olímpica adriana araújo tira a roupa, detona cartolas e crava: "sou a melhor"

em depoimento exclusivo, a maior nadadora do país fala de abuso sexual, briga com dirigentes, falta patrocínio,relacionamentos relacionamentos sexual,de briga com dirigentes, falta dede patrocínios, e da perspectiva de disputar a sua quarta olimpíada londres, um ano depois legado incompleto dos jogos de 2012 serve de alerta para o brasil poder da mente como a ciência explica a força psicológica da jogadora de vôlei fernanda garay e as derrapadas do ginasta diego hypólito marinha a defesa do rio começa no mar

jUNhO/jULhO 2013 Edição 24 | Ano 4 VENDA PROIBIDA – EXEMPLAR DE DISTRIBUIÇÃO GRATUITA E PARTE INTEGRANTE DA REVISTA ISTOÉ

www.istoe2016.com.br

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entrevista maurren maggi


“AtletA mAchucAdA não vAle nAdA prA n ingué m” ii v

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por Marianne PieMonte foto nana Moraes

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O maior nome da história do atletismo feminino brasileiro

imagina um final de carreira grandioso. Maurren Maggi, detentora do ouro olímpico no salto em distância (Pequim-2008), pretende se aposentar depois dos Jogos do Rio, em 2016. Terá 40 anos. “Estou quebrando qualquer tabu que exista no Brasil”, diz, imodesta. “Tenho certeza que ainda posso ficar entre as dez do mundo.” Não será tarefa fácil. Por ora, ela sofre até para conseguir patrocínio. “Mas não estou passando fome”, afirma, sentada ao volante de sua Pajero branca, onde concedeu a entrevista que segue, em pleno trânsito de São Paulo. Como explica a falta de parceiros comerciais? “Atleta machucada não vale nada pra ninguém”, desabafa. Embora atualmente esteja livre de lesões, Maurren tem um histórico recente de problemas físicos – o que explicaria sua dificuldade para fechar contratos com patrocinadores. A campeã olímpica, hoje com 37 anos, tem planos para a vida depois do esporte. Quer fazer um filme sobre a carreira e sonha com a atriz Deborah Secco em seu papel: “Ela só precisaria de treino para engrossar as pernas.” 2016 –Você tem mais de oito mil seguidores no Facebook. Essa popularidade ajuda a conseguir patrocínio? maurren – A popularidade, sim. A idade, não. Tinha muita gente me aposentando em 2008, antes da medalha olímpica, porque dizem que o auge do atleta é aos 29 anos. Estou quebrando qualquer tabu que exista no Brasil. Sei que ainda posso ficar entre as dez do mundo. Tenho certeza que posso ir muito melhor no ano que vem e ter sucesso na Olimpíada mesmo com 40 anos. Preciso de gente que acredite em mim. Estou sem patrocínio desde janeiro. Infelizmente, essa é a minha vida. Fico chateada de usar as minhas economias. Estou em um ano difícil. Fiz um ótimo resultado em 2012, mas tive uma lesão no quadril e em dois ligamentos do pé. Existe uma negociação em andamento, mas ainda não fechei nada.


entrevista maurren maggi

É apenas uma maré ruim ou a situação dos atletas de alta performance é realmente preocupante? Eu sabia que iríamos enfrentar uma barra há algum tempo, porque temos uma Copa do Mundo em 2014. Se os empresários tiverem que pagar R$ 200 mil para um atleta do futebol e R$ 10 mil para mim, esse dinheiro vai para o futebol. Até entendo, porque sou apaixonada por futebol, mas acho que eles deveriam dividir melhor.

Como inspirar jovens humildes que batalham pelo atletismo se você é uma das melhores do mundo e está nessas condições? Eles têm de saber que, não importa o que aconteça, você precisa continuar. Eles têm de aproveitar pra guardar dinheiro, porque atleta machucada não vale nada pra ninguém. Não estou passando fome, tenho meu ganha-pão. Meu carro-chefe foi embora (BMF), mas sou patrocinada pela Nike e estou praticamente fechada com a Caixa.

Nós acabamos de assistir à negociação do Neymar com o Barcelona. Quanto ganha um bom atleta de salto? Em ano de Olimpíada, o melhor atleta, no melhor momento, chega a ganhar entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por mês. Fora desse período, fica na casa dos R$ 5 mil.

É muito diferente dos atletas da modalidade em outros países? Totalmente. Na Espanha, o atleta de alto nível recebe aposentadoria como “herói olímpico”. Os centros de treinamento têm pistas cobertas, estrutura de médico e fisioterapia, o que evita que se perca tempo. Fora coisas simples, como máquina de gelo para o atleta fazer compressa fria se tiver qualquer dor. São coisas simples, mas que mudam muito a vida de quem treina.

A aposentadoria é uma preocupação? Não, porque vou fazer muito mais do que faço agora. Vou correr atrás de patrocínio, da política para melhorar a situação do atletismo no País. Assim, ajudarei muitos atletas de ponta a não passarem pelo que estou vivendo no final da minha carreira. Quero que eles tenham uma vida boa e uma aposentadoria tranquila.

Os altos da sua carreira foram muito altos. Os baixos, bem baixos. O que explica isso? Quando um atleta de alto nível está muito bem, ele está num limiar muito próximo e bem perigoso para se machucar. Estou sempre no meu limite, tenho que me policiar. Ter uma lesão no treino é muito duro, porque depois você precisa dar satisfação para o patrocinador. Por isso, tem que estar com a cabeça muito boa.

32 junho/julho 2013 | istoé 2016

"SE PuDESSE ESCOlHER uMA PESSOA PARA ME INTERPRETAR NO CINEMA, SERIA A DEBORAH SECCO. elA só precisAriA de treino pArA engrossAr As pernAs" E como funcionou a cabeça na época do doping? Não foi só isso. Teve também o machucado de 2000 que me tirou da Olimpíada. Minha cabeça está superbem porque nunca me culpei ou me arrependi do que fiz. Nunca pensei que podia ter sido diferente. O que aconteceu comigo poderia ter acontecido com qualquer atleta. Eu ainda fiquei ligando para todo mundo para avisar que a tal pomada aparecia no doping. Agora está um boom de depilação definitiva, mas ninguém mais usa essa pomada. Nesse caso, acho que há males que vêm para bem. Fui pega para livrar a cara de uma galera.

O que ficou de lição desse episódio? Por um bom tempo, achei que não conseguiria voltar para a pista, porque é muito complicado pagar por um crime que não se cometeu. Então, fui ser dona de casa. Fui morar em Mônaco, tive minha filha e não pensava em voltar para o atletismo. Nem correr para manter a forma eu fazia. Nada de esporte. Agradeço a Deus porque as circunstâncias me trouxeram de volta para a pista. Tive muitos sinais de que eu deveria voltar. Fui absolvida por unanimidade, o que nunca tinha acontecido no Brasil. Agora, tomo cuidado com tudo o que passo no corpo. A bula vai para o Nélio (Moura, treinador) e para o meu médico. Hoje, sei que a minha força maior é a minha filha Sofia. A medalha foi consequência.


Pretende ter outro filho? Quero muito ter outro filho, de verdade. Mas quero alguém ao meu lado para compartilhar tudo. Não pretendo encarar sozinha. Tenho uma carreira que exige muito, porque sou a única medalhista desde o Joaquim Cruz (ouro e prata nos 800 metros, nas Olimpíadas de los Angeles e Seul). Hoje, dou sozinha a melhor educação do mundo para a minha filha. Adoraria ter um parceiro, mas tem que ser “o cara”, porque já tenho uma vida estruturada. Não vou ser hipócrita e dizer que não tenho pretendentes. Isso não falta. Tenho vários, mas eu sou difícil porque sou perfeccionista.

Os convites para posar nua continuam? Pararam, mas até 2008 foram muitos. Aparecer pelada não entra na minha cabeça. Construí a carreira sem precisar mostrar meu corpo pra ninguém. O que eu mostro durante treinos e competições é meu material de trabalho, nada além. Quando as meninas invejam ou os caras falam que eu sou gostosa, eu digo que é tudo fruto dos meus treinos. Não faço drenagem, lipoescultura, nada. Meu corpo é resultado da minha carreira.

Como é ser atleta de alto nível e dar conta da clássica jornada tripla feminina? Amo ser dona de casa. Fiz na semana passada uma boa faxina no closet da minha filha. Ela também me ajuda muito. Faço um arroz trufado que é maravilhoso.

Quais são seus planos para a vida pós-esporte? Eu gostaria de fazer um filme sobre a minha vida. Tenho tanta história pra contar... Não falo por enquanto porque sou muito reservada. Nem quando estava casada tirava foto beijando. Fui criada dessa maneira. Também quero que minha filha cresça só ouvindo coisas boas sobre mim. Às vezes, vou em baladinha e encontro um gatinho, mas tenho proteção dos amigos para evitar fotos, porque não é o homem da minha vida. Vou bastante ao bar Número, em São Paulo. Mas na verdade saio muito pouco. A maioria das vezes reúno a família e os amigos pra curtir o videokê que coloquei na fazenda em São Carlos. Montei até uma boate para isso. Tirei daqui de São Paulo, porque tomei muita multa de condomínio. Eu amo cantar. Canto Beatles, NX Zero, mas a minha preferida é “One Moment in Time”, da Whitney Houston.

Quem escreveria um livro sobre sua vida? Várias pessoas disseram que gostariam de escrever a minha história. um deles foi o Roberto Shinyashiki (psiquiatra, autor de “O Sucesso Évv Ser Feliz”). Outro dia, estava com o Roger, o ex-jogador de futebol, e a Deborah Secco. Disse pra eles que, se eu pudesse escolher uma pessoa para me interpretar no cinema, seria ela. Além de minha amiga, ela é uma grande atriz, que se atira de corpo e alma em seu trabalho, como eu. Ela só precisaria de treino pra engrossar as pernas. Mas isso é fácil.

Fotos: Shutterstock | Adrian Dennis/AFP

"quAndo As meninAs invejAm ou os cArAs fAlAm que sou gostosA, eu digo que é tudo fruto dos meus treinos. MEu CORPO É RESulTADO DA MINHA CARREIRA"


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รกguas


DESTEMIDA: Aos 26 anos, a atleta expõe dramas e frustrações

passadas

abuso sexual na infância, brigas com dirigentes, falta de patrocínio. maior nadadora do brasil, Joanna maranhão se fortalece com as tempestades e deixa os problemas para trás. agora madura e confiante, parte para sua quarta olimpíada por Nathalia ZiemkiewicZ fotos frederic jeaN


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Manhã de sábado, véspera de Mudança de estação. é quase inverno. O avião pousa no Recife e, pelo alto-falante, o piloto faz graça para os passageiros: “O clima lá fora está ameno, em torno de 28 graus.” Na orla de Boa Viagem, turistas se acomodam em cadeiras de praia sob o sol escaldante, mas desistem do refresco no mar graças às placas que alertam para o perigo de tubarões. Se alguém acena para o ambulante munido de garrafa térmica na areia, pode apostar que o cliente é pernambucano: “Dê aí um caldinho de feijão com ovo de codorna.” Noutro canto da cidade, Joanna Maranhão mergulha de cabeça no ambiente de trabalho, a piscina do Clube Português. Aos 26 anos, ela desliza de um lado a outro. Às margens da raia, a auxiliar técnica Keycy Florêncio aciona o cronômetro a cada virada da atleta. Joanna nada contra o próprio tempo – são cinco mil braçadas em duas horas. O suor se mistura ao cloro. Ela sai da água satisfeita. Apesar de todas as adversidades, Joanna está em grande forma. Em abril, venceu os 400 metros medley (nado em quatro estilos) do Troféu Maria Lenk com a marca de 4 minutos, 43 segundos e 70 centésimos. O índice lhe garantiu a classificação para o Mundial de Barcelona, no fim de julho. No bairro de Espinheiros, Joanna abre as portas do amplo apartamento em que vive com a mãe, médica geriatra, e o irmão caçula. Os quatro cachorros não gostam da visita da reportagem da 2016. O pug Beijing (nome emprestado dos Jogos de Pequim, em 2008) levanta a pata traseira e marca território: aqui, afinal, mora uma atleta olímpica. Como se os quadros com fotos, pôsteres e troféus expostos na sala de estar não fossem suficientemente elucidativos. Da sacada, a nadadora aponta a piscina onde tudo começou. A mesma de onde saíra há pouco, a apenas duas quadras de distância. “Estou feliz por ter voltado para casa”, diz. Nos últimos quatro anos, ela ficou entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro, em contratos com o Minas Tênis Clube e o Flamengo. Em dezembro de 2012, o clube carioca encerrou os investimentos destinados à equipe de natação e Joanna desembarcou na cidade natal. De shorts jeans e camiseta, pés descalços apoiados sobre a mesa, ela parece confortável na própria pele – algo nada simples para uma mulher que denunciou abuso sexual na infância e que recentemente fez críticas raivosas à Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). A fama é de esquentada, mas o coração é que é destemido.

36 junho/julho 2013 | istoé 2016


LABUTA: Duas vezes por dia, Joanna mergulha de cabeça no ambiente de trabalho, a piscina do Clube Português do Recife. Sob a coordenação do técnico Nikita, dá 50 mil braçadas por semana


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Com braços largos, Joanna gesticula com a envergadura de quem, aos 17 anos, tornou-se a primeira brasileira a chegar a uma final olímpica da natação. Seu tom de voz poderia reverberar por latifúndios de cana-de-açúcar. As frases imperativas, característica do povo recifense, fazem um corriqueiro “bom dia” dito por ela soar como ordem de cabra macho. “Joanna é uma legítima nordestina, determinada e de gênio forte”, diz a fisioterapeuta e amiga Andrea Pimentel. Essa imagem se liquefaz na entrada do quarto da nadadora de apelido Jujuca, fã de joaninhas de pelúcia e do seriado “Friends” – ela jura ser capaz de rir dez vezes da mesma piada. Sobre a cama de solteiro, há uma espécie de altar pop: uma foto emoldurada dos Beatles, outra do ator Johnny Depp (“porque ele é autêntico”) e uma cena de “A Lista de Schindler”. O filme traz a história de um empresário alemão que salvou judeus do Holocausto, tema pelo qual Joanna tem verdadeira obsessão. Já devorou dezenas de livros sobre a Segunda Guerra Mundial e, em 2012, viajou sozinha para conhecer os campos de concentração na Polônia. As mais de 500 medalhas ganharam três armários planejados na sala de jantar. Enquanto comenta sobre as mais emblemáticas, até com certo desdém, Joanna busca caixas de morangos na cozinha. “Com o tempo, percebi que o mais importante são as memórias de tudo o que vivi na natação”, diz, arrancando o cabinho verde das frutas com uma faca. “Hoje acho difícil me derrubar.” Diante do corpo definido, 68 kg distribuídos em 1,75 m, qualquer um desconfiaria que aquela bacia de morangos seria o máximo da gula a que Joanna se permitiria no lanche da tarde. Na verdade, ela está apenas começando o preparo de um merengue

com brigadeiro. Um agrado para a “mãinha”, que, desde 2011, dá plantões médicos aos fins de semana para bancar os treinamentos da filha sem patrocínio. São 12 horas aos sábados, a cada 15 dias. E, todo domingo, a mãe se despede às sete da manhã para retornar 24 horas depois, às sete da segundafeira. Somando dois empréstimos bancários, Teresinha gastou mais de R$ 100 mil para que Joanna não desistisse da carreira. De fato, o talento dela vale o investimento. Mas como a trajetória da garota prodígio, presente nas três últimas Olimpíadas, levou a esse rombo financeiro nas contas da família? Joanna tinha apenas 3 anos quando estreou na aula de natação. Teresinha matriculou os três filhos no Clube Português porque o clã Maranhão veraneava em uma casa de Itamaracá, ilha pernambucana habitada por coqueiros imponentes. Por questão de segurança, a mãe determinou que todos soubessem nadar. Também havia ficado chocada com a notícia sobre o filho de Wanderleia, cantora da jovem guarda, que morrera afogado aos 2 anos de idade. Naquela época, os pezinhos de Joanna nem sequer alcançavam o fundo raso da piscina infantil. A agilidade no aprendizado e a precoce desenvoltura chamaram a atenção, mas a aluna detestava participar de competições. Aos 6, viu-se convencida “porque ganharia balas” e levou a primeira bolacha de ouro para casa. Os pais seguiram aplaudindo os resultados da arquibancada, mesmo quando ela não subia ao pódio. Não forçaram sua dedicação ao esporte nem a condenaram temendo o desempenho escolar. Livre de cobranças, Joanna se divertia dando pernadas. No silêncio da água, descobriu o que queria fazer para o resto da vida.

O técnico João Reinaldo da Costa Lima Neto, o Nikita, conta que ela sempre foi diferente, chegando muito à frente das adversárias nos nados peito e crawl. Fenômeno mirim, Joanna entrou em sua equipe aos 11 anos, ainda na categoria “petiz”. O homem bigodudo e de temperamento igualmente arretado representaria, a partir daquele momento, uma figura paternal. Professor e aluna, ambos exigentes, trocaram broncas e desaforos. Na filosofia dele, Joanna deveria treinar todas as modalidades e se especializar apenas na idade adulta. Na ansiedade dela, Nikita deveria passar séries mais longas e intensas. “Embora sejamos quase pai e filha, tenho que manter a autoridade de treinador”, diz, aos 66 anos. “Hoje ela sabe que se não andar na linha a gente não se entende.” Certa vez, em uma concentração na Espanha, Joanna ganhou uma manhã de folga nos treinamentos sob a promessa de que ficaria no hotel descansando. Como toda adolescente que gosta de testar os limites, tomou um táxi para fazer compras. Em outras ocasiões, foi da balada para o treino. Aos risos, ela assume a culpa por boa parte dos cabelos brancos de Nikita. Foi sob a tutela dele que Joanna floresceu como atleta, extrapolando as fronteiras do Nordeste e do País. Aos 12 anos, viajou para o Canadá para participar dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg. Daí em diante, acumulou credenciais dos mais importantes torneios brasileiros e internacionais. Prestes a completar 15 anos, viu o pai sair de casa para morar com a amante. Até hoje, ela tem pouquíssimo contato com o representante comercial. “Na fase em que eu conheci a mim mesma e o mundo, ele não estava presente e, mesmo assim, sobrevivi”, diz. Paralelamente à mágoa pessoal, o futuro desenhava-se de forma


promissora. Joanna pediu à mãe para tatuar os arcos olímpicos no cóccix e ouviu que só teria permissão quando se classificasse para o evento esportivo. “Achei que, se um dia isso acontecesse, não seria antes de Pequim”, lembra Teresinha, supondo que a garota se aventuraria nas agulhas aos 22. Mas, aos 16 anos, ela conquistou o índice para os Jogos de Atenas. A mãe, então, tomou uma atitude inesperada ao

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BRAçoS

partida. Logo engatou o namoro com o filho de uma amiga da família, um loiro de olhos claros por quem ela nutria uma paixão platônica. Estudante de psicologia, Rafael Franco de Sá reparou que Joanna não tinha uma relação sadia com a sexualidade. Ela sofria com suas frágeis autoestima e confiança, dizia ter nojo de si mesma. Rafael sugeriu que procurasse terapia para lidar com os demônios

LARgoS,

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lher. Joanna achava que deveria obedecer ao técnico e suportava calada para que aquilo terminasse o mais rápido possível. “Durante quase um ano, virei refém emocional dele”, diz. Tudo que conseguiu dizer à mãe foi: “Acho que ele tentou me beijar.” Afinal, nem sequer sabia o que era sexo. Teresinha se martiriza ainda hoje por ter dito, na época, que a filha devia ter confun-

gESTICULA

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ENvERgADURA DE qUEM, AoS 17 ANoS, tornou-se a primeira brasileira a chegar a uma final olímpica da natação entrar no estúdio de tatuagem: estendeu a perna e pediu que lhe fizessem antes um golfinho. Queria sentir a dor que a filha sentiria. “Tenho orgulho de sermos tão parceiras”, diz Joanna. Ela voltou da Grécia com o quinto lugar nos 400 medley feminino, resultado inédito para o Brasil e que a colocou no noticiário como uma estrela em ascensão. Aluna do ensino médio, Joanna teve a compreensão dos professores, que substituíam provas por trabalhos para que conseguisse conciliar os dois universos. Com a proximidade do vestibular, as colegas de natação foram desistindo de competir. Ela ganhou uma bolsa para estudar e treinar na Universidade da Flórida. Mudou-se, aos 17 anos, para os Estados Unidos. Embora estivesse no país considerado celeiro dos melhores nadadores do planeta, Joanna era imatura demais para viver essa experiência sozinha. Doente de saudade, retornou ao Brasil seis meses depois da

internos. “Na primeira sessão em que falei sobre o que passei, senti que estava vomitando a bile”, recorda. Esse seria o mergulho mais desafiador na vida de Joanna: nas profundezas sombrias da memória. Aos 9 anos, idade em que nadou no Clube Náutico, Joanna diz ter sido sexualmente abusada pelo ex-técnico (não publicaremos seu nome por razões jurídicas). Casado e pai de crianças com idade próxima à de Joanna, ele era tão amigo da família que viajavam juntos nas férias. Um dia, dispensou todos os nadadores no final do treino, à exceção de sua atleta preferida. Depois, segundo o relato dela, botou a mão por dentro do maiô de Joanna e mandou que ficasse sorrindo. Muitos anos mais tarde, ela entenderia que o tremor do homem naquele e nos episódios seguintes chamava-se orgasmo. Ele dava carona à aluna, mas desviava o caminho para abusar dela na cama em que dormia com a própria mu-

dido algum gesto de carinho do técnico. Joanna passou a inventar desculpas para fugir dos treinos e implorou para mudar de clube. Transformou-se em criança problemática, com crises de pânico e medo de dormir. De repente, fatos reais lhe pareceram fruto da imaginação, espécie de pesadelo que foi reprimindo com o tempo. Aos 14 anos, odiou o primeiro beijo e supôs que fosse gay. Cortou o cabelo bem curto, se vestia com roupas largas para esconder a silhueta e não atrair o sexo oposto. Perdeu a virgindade com o namorado de adolescência, aos 16, enfrentando o asco que sentia ao ser tocada. Joanna lotou contra todos esses monstros no divã do psicólogo, já com maturidade para compreender a gravidade do abuso de que foi vítima. Espírita, tinha necessidade de entender a razão dos abusos. À medida que se dava conta do próprio drama, ela abria comportas que não conseguia fechar para treinar em paz.

39 junho/julho 2012 | istoé 2016


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Joanna perdeu quase dez quilos e muitas competições, leu na imprensa que tinha acabado para a natação. Pouco antes do prazo classificatório, ela conseguiu o índice para a Olimpíada de Pequim. Durante uma entrevista, questionada sobre o baixo rendimento entre 2004 e 2008, Joanna revelou que estava lidando na terapia com um abuso sofrido na infância. “Nunca imaginei que essa declaração fosse ter proporções nacionais”, diz. “Não quis justificar nada, apenas estava pronta para tocar nesse assunto.” Ela virou ré de um julgamento público, acusada de criar a história para voltar à mídia. O escândalo levou à demissão do técnico, que a processou por calúnia e difamação. Joanna foi procurada por outras três meninas vítimas do pedófilo, mas todos os crimes haviam prescrito. Por isso, o agressor não pôde ser preso. Sabe-se que ele frequenta o Parque da Jaqueira, no Recife, onde anda de skate. Por anos, o sujeito reapareceu na mente de Joanna em situações corriqueiras, como quando sentiu o cheiro do protetor solar dele dentro de uma farmácia e teve uma crise de pânico. Quando o drama veio a público, Joanna planejava o casamento com Rafael, de quem fala com imensa gratidão. Ela se casou aos 21, com toda pompa e circunstância, mas separou-se um ano depois, porque eram “jovens demais”. Em 2009, foi convidada para dar um depoimento na CPI da Pedofilia, em Brasília. Lá, viu seu nome batizar um projeto de lei para que vítimas de violência sexual infantil pudessem denunciar seus agressores após os 18 anos. Até então, a prescrição do crime contava a partir do abuso, não da maioridade da vítima, quando ela tem plena consciência do que vivenciou. No ano passado, a Lei nº 12.650 foi sancionada pela presidenta Dilma. Isso significa

que, se uma mulher de 25 anos contar sobre o abuso que sofreu aos 5 anos, o algoz ainda poderá ser punido. Para Joanna, esse é o primeiro passo. Ela aposta em regras que determinem avaliações psicológicas constantes para profissionais que atuem com crianças. Acredita que foi violentada para evitar que outras meninas passem pelo que passou. Ao relatar o passado, é como se assistisse às cenas com distanciamento, não como protagonista. Ela não se arrepende da exposição, embora tenha afastado patrocinadores, e celebra com orgulho a coragem de cair na piscina todos os dias. “Imagina se eu tivesse jogado fora a felicidade que isso me proporciona? Nadar é o que mais amo na vida”, diz, convicta. Joanna expiou seus demônios também no campo dos relacionamentos amorosos. Há três anos, namora o judoca Luciano Corrêa, 30 anos. Ambos eram atletas do Minas Tênis Clube quando se conheceram. Ela cobiçava o campeão mundial de 1,90 m a distância, achando que não teria chance “com aquele negão lindo, pedaço de mau caminho”. Estava, em suas palavras, numa fase periguete. Numa micareta, apostou com um amigo quem beijaria mais. Mas, naquela noite, encontrou Luciano e desistiu da brincadeira. Não arredou pé até que ele a tomasse nos braços. Joanna aprendeu sobre a arte marcial e passou a assistir às lutas do namorado, sempre ansiosa para que ele não sofra nenhuma lesão. Comprou um cão da raça spitz alemão e batizou-o de “Ippon”. Como Luciano mora em Belo Horizonte e ela no Recife, os dois driblam a distância e a agenda de viagens profissionais trocando mensagens compulsivas no celular. Quando conseguem um encontro, que pode demorar semanas para acontecer, ficam grudados em cinemas e

restaurantes. “Joanna cuida de mim em todos os momentos”, diz Luciano, que traz na bagagem o trauma da morte súbita de Sara Máximo, judoca com quem namorou por cinco anos. “Temos uma troca bacana: ela é verdadeira e impulsiva, sou mais calmo e racional.” A nadadora contou com o apoio de Luciano, também atleta de alto rendimento, especialmente na Olimpíada de Londres. No dia de sua melhor prova, os 400 medley, Joanna desmaiou no banho e cortou o supercílio. A queda, cuja causa desconhece, a impediu de nadar. Dois dias depois, ela superou a frustração e foi semifinalista nos 200 metros medley. O ciclo rumo aos Jogos do Rio de Janeiro está apenas começando, mas Joanna tem fôlego e empolgação. Com tendência para engordar, controla o desejo por doces e segue uma dieta regrada. Frituras e refrigerantes são proibidos, e a carne vermelha é liberada apenas uma vez por semana. Vaidosa, ostenta unhas pintadas de lilás combinando com o brinco de florzinha. Adora ficar em frente à televisão para dançar coreografias programadas pelo videogame, ouve músicas de gostos tão distintos quanto a banda de rock Sepultura e o forró de Garota Safada. “Uma amiga brincalhona, espontânea, cheia de energia”, descreve a nadadora Fabíola Molina, 38 anos. “Faz milhares de coisas ao mesmo tempo.” A partir de agosto, essa tal habilidade será bastante útil. Joanna voltará para as salas de aula, desta vez na Faculdade Maurício de Nassau, para concluir o último semestre do curso de educação física. A demora pelo diploma se deve às constantes transferências de cidade por causa da natação. Terá tempo de jantar no carro, a caminho da instituição acadêmica.


os f ato s q ue a judam a e xplicar a t r ajetó ria d e joan n a m aranh ão dentro da piscina 1989 • Aos três anos, estreia nas aulinhas de natação no Clube Português 1992 • Primeira medalha em competição regional, aos seis anos 1999 • Participa do Panamericano de Winnipeg, no Canadá, aos 12 2003 • Medalha de bronze no Pan de Santo Domingo, nos 400 metros medley 2004 • Na olimpíadas de Atenas, aos 16 anos, teve a melhor colocação obtida até hoje por uma nadadora brasileira: 5ºlugar nos 400 metros medley 2005 • Sai do Esporte Clube Pinheiros e integra a equipe Nikita-Sesi, em Recife. 2008 • Nada três provas na olimpíada de Pequim: 400 medley (17º lugar), 200 medley (22º), 200 borboleta (22º) 2009 a 2011 • Muda-se para Belo Horizonte como atleta do Minas Tênis Clube. Um ano e meio depois, assina com o Flamengo 2012 • Em Londres, sofre uma queda no banho e não nada sua principal prova, os 400 medley 2013 • No Troféu Maria Lenk, em abril, alcança o índice para o Mundial

Fora da piscina 1995 • vítima de abuso sexual pelo ex-técnico, aos nove, no Clube Náutico de Recife 2001 • o pai sai de casa para viver com outra mulher 2003 • veste-se como garoto e supõe ser gay 2005 • No divã do psicólogo, lembra do abuso e percebe sua gravidade. 2008 • Em entrevista, revela o drama pessoal na mídia. o nome do agressor é descoberto e Joanna, processada por calúnia e difamação 2008 • Casa-se com Rafael de Sá, mas separa-se um ano depois porque eram “jovens demais” 2009 • Dá depoimento na CPI da Pedofilia, em Brasília, e conhece a história de outras vítimas 2010 • Apaixona-se pelo judoca Luciano Corrêa, com quem namora atualmente. 2012 • A presidente Dilma sanciona lei que amplia o prazo para denunciar casos de abuso sexual, batizada com o nome da atleta 2013 • volta para a casa da mãe, em Recife, disposta a concluir o curso de Educação Física.


capa SEM PAPAS NA LÍNgUA: Nordestina “arretada”, ela devia vir com placas que alertassem o perigo, feito aquelas sobre os tubarões na praia de Boa viagem

c om qu a ntos nÚ meros se fa Z u ma a tleta olímpic a idade 26 anos altura 1,75 m peso 68 kg seis tatuagens quatro cachorros e um gato namora há 3 anos o Judoca luciano corrêa

42 junho/julho 2013 | istoé 2016

> participou das três últimas olimpíadas: Atenas, Pequim e Londres > atenas, 2004: aos 16 anos, é a primeira brasileira da história a disputar uma final olímpica da natação > Mais de 500 medalhas > primeiro pódio aos 6 anos > 1 treino = 2 horas = 5 mil braçadas > Por semana, 10 sessões na água + 5 sessões de preparo físico = 30 horas de exercícios de segunda a sábado > temperatura da piscina: 29 graus > Renda mensal (livre de impostos) = r$ 7,4 mil gasto com equipe multidisciplinar, entre 2011 e 2012 = r$ 8 mil mensais > Rombo financeiro nas contas da mãe por falta de patrocínio e apoio = r$ 100 mil > Último índice, que garantiu vaga para o Mundial: 4 minutos, 43 segundos e 70 centésimos (400 medley)


Durante a semana, Joanna chega ao Clube Português às 7 horas, depois do café reforçado por suplementos. De maiô colorido, com estampa de oncinha, ela prepara braços e ombros para a maratona física que virá na sequência. Os alongamentos evitam lesões por esforço repetitivo. Isso porque são dez sessões por semana na piscina, cada uma com duas horas, além das cinco sessões de preparo físico na academia. Enquanto veste a touca e os óculos, Joanna entra em alguma discussão sobre o último jogo de futebol do Sport Club do Recife, time pelo qual é fanática. A auxiliar técnica Keycy se aproxima com um tablet e mostra o cronograma do treino, enviado há pouco por Nikita. Ele é responsável pela gestão da rotina da atleta, mas delegou a atividade às margens da raia desde que abriu uma academia. As séries são puxadas, com intervalos de segundos para Joanna receber as próximas instruções. Ora ela fatia o tanque de água com movimento de crawl, ora tem os pés amarrados para forçar os braços no nado borboleta. Na manhã de uma segunda-feira, nuvens encobrem o sol e fazem cair uma tempestade tropical em pleno outono. As ruas ao redor do clube alagam, o trânsito fica caótico. Em subidas e descidas ritmadas, uma Joanna compenetrada não se incomoda com a chuva. Acostumou-se com a água fluindo por todas as direções. Mas Keycy reconhece as expressões de cansaço da atleta e adianta que ela sairá mal-humorada da piscina. Talvez Joanna disfarce bem. Sem reclamar, aguenta depois a sessão de esteira e abdominais. Almoça em casa e, antes do segundo treino do dia, recupera as energias num cochilo vespertino. Nikita avisa que aparecerá logo mais com o seguinte recado: “Nade direito para compensar o trânsito que vou pegar de Boa Viagem até o Clubeauty: edu hyde | produção: cintia sanchez

be Português.” Joanna ri, faz troça com a rabugice do técnico. Mas ela própria, com rompantes e ausência de papas na língua, colabora para uma imagem caricatural. Em vez de ser vista pela autenticidade com que briga por seus direitos, acaba lembrada pelo temperamento agressivo. É justamente das polêmicas que as empresas patrocinadoras e os contratos publicitários costumam fugir. Enquanto a maioria dos atletas se cala mesmo insatisfeita, Joanna dá entrevistas ácidas e posta desabafos nas redes sociais. Já declarou que confia em menos de cinco pessoas do meio esportivo, repleto de corrupção. Em maio, alardeou a falta de apoio financeiro dos dirigentes da CBDA e atacou o presidente Coaracy Nunes. Em comunicado à imprensa, a entidade afirmou que sempre deu suporte a Joanna, inclusive com patrocínio dos Correios. Atualmente, ela tem três fontes de renda: um salário por nadar pelo Exército (R$ 2,3 mil), outro da equipe Nikita-Sesi (R$ 1,8 mil) e uma bolsa da CBDA (R$ 3,3 mil). Ao todo, livre de impostos, são R$ 7,4 mil mensais. Joanna afirma que foi boicotada do Bolsa Medalha, montante que o Ministério do Esporte repassa à confederação. Pelo programa, um único atleta pode receber até R$ 15 mil. A nadadora questionou os critérios da CBDA para determinar quem merece ou não esse benefício. Excluída da remuneração, ela disse que muitos favorecidos não têm as vitórias que ela traz no currículo. Teresinha engrossa o grito de indignação da filha: “Não engulo mais porque sei o quanto me custa.” Entre 2011 e 2012, ela afirmou ter gasto R$ 8 mil mensais com a comissão multidisplinar (técnica, fisioterapeuta, nutricionista, etc). Nos preparativos para Londres, Joanna usou de favor a piscina da Universidade Federal de Minas Gerais e desembolsava R$ 180

para treinar no Clube de Regatas Guanabara quando estava no Rio de Janeiro. Nessa fase mambembe, Teresinha afirma ter solicitado à CBDA um relógio de borda de piscina para Joanna. Nunca teve resposta. Recorreu a empréstimos para financiar dois treinamentos de altitude no Exterior. Todos apostavam que, com a conquista do índice, viriam patrocínios particulares e mais recursos da CBDA. A expectativa não se concretizou. Joanna se sensibiliza com os sacrifícios da família e se cobra para devolver a estabilidade financeira à mãe. Estudante de arquitetura, o caçula Silvio admira a força de vontade da irmã. “Ela nos ensinou a não baixar a cabeça nem contornar os problemas só para evitar conflitos”, diz, aos 19 anos. Nikita é categórico ao dizer que vários colegas de Joanna, “sem um décimo do talento e dos resultados dela”, estão ganhando muito dinheiro porque souberam calar. Com quase 40 anos de experiência, o técnico recomenda que ela também adote uma estratégia para se preservar. Joanna está mais leve depois de lavar a alma abertamente – e ninguém há de dizer que essa leveza não facilitou também sua flutuação nas piscinas. Nadar contra a corrente parece algo inato para essa garota que já tem planos para a aposentadoria. Ela quer criar um método de ensino para crianças usando recursos lúdicos como bichinhos do mar. E sonha construir uma academia voltada para a terceira idade, com o consultório de geriatria da mãe integrado às instalações. Joanna é destemida, boca dura, intempestiva. Mas, no fundo, parece refletir o dilema da menininha tatuada em seu braço esquerdo. Pendurada no galho de uma árvore, ela balança entre a liberdade revolucionária da juventude e a chatice responsável da vida adulta.


vôlei

A bolAdA de lucão Por que o contrato milionário que o meio de rede da seleção de vôlei acaba de fechar com o sesi, de são Paulo, revela uma Profunda transformação no esPorte brasileiro

Se a geração que jogou na década de 1990 foi a primeira do vôlei brasileiro a assinar bons contratos durante a curta carreira nas quadras, os jogadores de hoje podem se dar a luxos maiores. Atualmente, as negociações pelos passes dos atletas – um assunto sempre tratado com discrição – alcançam cifras que, se ainda não são comparáveis aos valores pagos a estrelas de futebol, revelam uma profunda transformação no esporte brasileiro. Mesmo sem querer, o meio de rede da seleção nacional Lucas Saatkamp, 27 anos, tornou-se um caso emblemático. Estimado em R$ 1,8 milhão por dois anos de serviços ao clube Sesi-SP, seu novo contrato virou notícia nacional. Incomodado pelo assunto, Lucão, como é conhecido por causa de seus 2,09 metros de altura, não confirma o número, mas diz que o valor não é nenhum absurdo. “Também não está longe do que eu ganhava antes”, diz. “É uns 15% a mais.” Lucão garante que não embolsa o maior salário do vôlei brasileiro. “Eu conheço gente que ganha mais do que eu”, diz, como quem se esquiva para deixar uma bola fora passar. Filho único de família simples, nascido no Rio Grande do Sul, o


gigAnte lucas Saatkamp, meio de rede de 2,09 metros de altura, é um dos líderes da renovada seleção do técnico bernardinho

por Renata ValéRio de Mesquita fotos pedRo dias/ag. istoé


vôlei

gigante fica desconfortável ao falar de dinheiro. Afirma que foi o risco de seu time anterior, o RJX (criado em 2011 por Eike Batista), não conseguir patrocínio que o levou a mudar de camisa. Paradoxalmente, enquanto os jogadores de vôlei estão bem cotados no mercado, a situação dos times nacionais é incerta. “É difícil adivinhar quais clubes vão permanecer ao longo do tempo”, diz Lucão. Nessas condições, um contrato de dois anos fica ainda mais tentador. Todos os reais que pingam na conta de Lucão são mais do que merecidos e vêm acompanhados da devida contrapartida para o clube. Atualmente, o jogador é um dos maiores especialistas do mundo em saque e bloqueio, dois fundamentos que definem vencedores e perdedores no vôlei moderno. O atleta gaúcho também carrega, ao lado do levantador e amigo Bruno Rezende, o Bruninho, a responsabilidade de ser um dos líderes da nova seleção brasileira. Sua estreia no Sesi está marcada apenas para setembro

porque, até lá, ele segue viajando com o time do Brasil para disputar a Liga Mundial (junho-julho) e o Campeonato Sul- Americano (agosto). A saída de quatro atletas (Ricardinho, Rodrigão, Serginho e Giba) da geração de ouro de Atenas-2004 marca a fase de renovação da equipe nacional. Na Liga, os novos nomes são Isac e Maurício Souza (centrais), William Arjona e Raphael (levantadores), Lipe e Ary (ponteiros) e Alan (líbero). A posição de “novo veterano” do time não tirou de Lucão a tranquilidade – característica pessoal mais repetida entre os entrevistados. “O placar pode estar 24 a 24 ou 1 a 1 que eu não mudo nada”, diz o jogador. Bruninho sabe bem que nada tira Lucão do sério. “Ele não fica nervoso nunca e está sempre se divertindo”, afirma. Isso às vezes irrita o levantador? “De vez em quando, tenho que dar umas broncas nele”, admite o filho do técnico Bernardinho. “Mando o Lucão se concentrar, porque ele brinca muito, mas sei que é na boa.”

Quando Lucão se tornou titular da seleção brasileira, cinco anos atrás, ele e Bruninho eram os caçulas do grupo. “Aprendi muito com a geração anterior”, afirma o meio de rede. “Aquele time era extremamente determinado. Depois de ganhar tudo, queria ganhar mais”. O jogador credita parte dessa determinação ao técnico Bernardinho. “Ele faz tu treinar até não poder mais”, diz. “Daí tu pensa assim: ‘eu treinei tudo aquilo pra chegar até aqui e não ganhar?’ O Bernardo faz você querer ser 100% vencedor.” Apesar de Bernardinho não ter baixado o ritmo, Lucão sente que, com a nova geração, o clima está mais leve, sem a pressão dos anos anteriores. Para ele, a marca do novo grupo é a voracidade. “Nos primeiros dias em que treinei com essa nova geração, não aguentava nem andar”, diz. “Eu falava para o Bernardo lembrar que eu sou velho.” A mudança para a capital paulista, em setembro, vai marcar uma fase completamente nova na vida de Lucão. “Em São Paulo, vou ter minha primeira

"de Vez eM quando, tenho que dar uMaS broncaS no Lucão, Porque ele brincA m u i to " , d i z o l e vA n tA d o r b r u n i n h o

Lu c as s aat kamp Apelido: Lucão nascimento: 6 de março de 1986, às 23h45, em Lajeado (rS), com 3,750 kg e 55 cm Altura: 2,09 m Posição: central clubes: colégio Martin Luther (2001/2003); ulbra (2004/2007); cimed (2007/2010); Vôlei Futuro (2010/2011); rjX (2011/2012); e Sesi-SP (atual) Seleções: entrou para a seleção gaúcha em 2003 e, dois anos depois, para a Seleção nacional juvenil. em 2006, foi convocado pela primeira vez para a seleção nacional adulta e se tornou titular em 2007 gosto musical: era roqueiro convicto até aprender a gostar de sertanejo universitário com a namorada Paixões: “além da minha namorada, não tenho outra” Pensava em ser: biólogo curiosidade: preferia jogar basquete a vôlei coisas que o tiram do sério: desorganização nas viagens – voo que atrasa, hotel sem reserva ou espera para entrar no quarto – e folgas cassadas sem motivo


t í t u Lo s nac ionais

t í tuLos i n t ern aci on ai s

> ul b rA 2006 campeonato gaúcho adulto, copa brasil Sul e copa Samsung

> Se le ç ão b rA Si le i rA J uv e n i l 2005 Vice-campeão Mundial juvenil

> cimed 2007 Vice-campeonato catarinense; copa catarinense e copa do brasil 2008 Superliga, campeonato catarinense 2009 Superliga, campeonato catarinense e Sul-americano 2010 Superliga, > vô lei Futuro 2010 campeonato Paulista 2011 bronze da Superliga > rJ X 2011 campeonato carioca

FASeS dA vidA na página ao lado, lucão posa com a "bíblia" na cerimônia de primeira comunhão, no rio grande do Sul. em 2012, fura o bloqueio italiano durante a olimpíada de londres

> Se le ç ão J uv e n i l gA ú c h A 2005 campeonato brasileiro de Seleções > Se le ç ão b rA Si le i rA A d ultA 2006 Liga Mundial 2007 Pan-americano e prata na copa américa 2008 bronze na olimpíada de Pequim e prata na copa américa 2009 Liga Mundial, Sul-americano e copa dos campeões 2010 Liga Mundial, torneio Internacional da Polônia e campeonato Mundial 2011 Pan-americano, Sul-americano, Vice da Liga Mundial, bronze na copa do Mundo 2012 - Prata na olimpíada de Londres


vôlei

"o bernardo Fa z t u t r e I n a r at é não Poder MaIS. ele FA z v o c ê querer Ser 100% vencedor"

48 junho/julho 2013 | istoé 2016

casa de verdade”, afirma. “Até agora, eu sempre joguei minhas coisas num canto.” O apartamento alugado na região da Vila Leopoldina, colado ao centro de treinamento do Sesi, está sendo montado para receber o jogador e a namorada, a vendedora Beatriz Casagrande, 28 anos. O relacionamento começou sete meses atrás, quando, a pedido dela, um amigo em comum apresentou os dois em uma festa. Depois de um mês, o namoro já tinha ficado sério. Beatriz garante que o fato de ser paulistana não influenciou na decisão do jogador pelo Sesi. “Eu tinha decidido ir morar no Rio com ele antes de surgir a proposta do novo clube”, afirma. “Já tinha passado o mês inteiro lá, porque estava muito difícil ficar longe.” Prova disso é a fatura do cartão de crédito. “Na última, estava pagando umas 20 passagens ao mesmo tempo”, afirma Lucão. “A economia vai ser grande.” O meio de rede da seleção brasileira não costuma torrar dinheiro. Não anda em carro de luxo nem tem gostos excêntricos. Em termos financeiros, só faz uma concessão: na área gastronômica. Gosta de comer bem e não se preocupa com o tamanho da conta. Para o pai, o operário Heitor Saatkamp, 58 anos, o peso da fama não recaiu sobre os ombros do filho. “Ele continua sendo o garoto humilde do interior”, afirma. Se hoje o atleta conta com contrato milionário, empresário e conselheira para investimentos, no início o vôlei foi uma simples saída estratégica – e forçada – para custear seus estudos. Um amigo do pai, impressionado com a altura de Lucas e sabendo das condições financeiras da família, convidou o adolescente de 16 anos para jogar basquete no time da escola Martin Luther, na cidade de Estrela (RS) – ao lado de Colinas, onde ele nasceu –, em troca de uma bolsa de estudos. “Sempre preferi jogar basquete”, diz o atleta. “O vôlei não era

um esporte que me atraía, foi uma mera coincidência.” Mas logo o time ficou sem patrocinador. “Para não perder a bolsa, fui obrigado a fazer outra coisa. Daí me levaram para o vôlei.” O esporte, mais uma vez, ia garantir os estudos de Lucas quando ele passou no vestibular para biologia na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Além de bolsa, moradia e alimentação, Lucão passou a receber R$ 300 por mês – e se sentia no lucro. Mas não chegou a cursar a faculdade. No mesmo dia em que começavam as aulas, foi convocado para a seleção gaúcha, com 17 anos, em 2003. Depois disso, já não havia mais obra do acaso. Em 2005, com 19 anos, seu esforço e empenho o levaram à seleção brasileira juvenil. O futuro promissor como atleta não acalmou o coração da mãe, Beatriz Saatkamp, 58 anos, auxiliar de creche. Ela lamenta que o filho ainda não tenha feito faculdade. “Ele era bom aluno, mas costumava deixar os estudos em segundo plano”, diz. “Com diploma, a vida já é difícil, imagina sem.” Uma graduação superior, no entanto, talvez não tivesse preparado Lucão para se virar sozinho. Beatriz reconhece que o fato de Lucas ter saído cedo de casa fez com que o filho tivesse noção da vida adulta mais rapidamente. “Acho que ele aprendeu muito”, afirma. “Ligava para perguntar como fazia arroz e outras receitas. Hoje, é rei nos pratos rápidos e gostosos.” A primeira grande mudança ocorreu em 2007, quando Lucão fechou contrato com o clube Cimed, de Florianópolis (SC). A vida em outro Estado deixou o coração da mãe, mais uma vez, apertado. No mesmo ano, o “filhinho” de mais de dois metros de altura foi promovido a titular da seleção nacional. Desde então, ela conta que deixou de ser a “Bea” e passou a ser a “mãe do Lucão”. Não faltam motivos para encher os pais de orgulho. Lucão se destacou em várias


SimPleS Apesar do salário milionário, lucão não é dado a extravagâncias. Só não economiza na hora de comer bem

disputas nacionais e internacionais (confira quadro). Na seleção, contribuiu com seu saque possante, seu bloqueio forte e boa resposta nas bolas rápidas para o time vencer a Copa dos Campeões de 2009 e as Ligas Mundiais de 2009 e 2010, além de ganhar medalha de prata na Olimpíada de Londres-2012. Talvez por todas as emoções que proporciona, o atleta faz questão de pagar o plano de saúde dos pais, que não aceitam qualquer outra ajuda financeira. Heitor e Beatriz preferem continuar com a mesma vida de sempre. Falam e trocam mensagens diariamente com Lucão e o visitam esporadicamente. Aparecem no ginásio apenas nas grandes decisões – e só dentro do Brasil. Até hoje, nunca saíram do País. Assistem à maioria dos jogos pela tevê, sempre acompanhados por um casal de amigos. “Às vezes, aparece mais alguém e é sempre uma gritaria aqui em casa”, diz Heitor. Quando está em Colinas, sua cidade natal, Lucão gosta de cozinhar para a família e encontrar os amigos na beira do riacho próximo à sua casa, para conversas regadas a cerveja. O arquiteto Rodrigo Scheeren é um dos companheiros dos tempos do colégio Martin Luther, onde jogavam vôlei juntos. “Ele pode ser mais reservado com as pessoas em geral, mas, com os amigos, continua o mesmo cara de sempre, extrovertido e brincalhão”, afirma. “Ao mesmo tempo, senti que ele foi ganhando maior senso de responsabilidade e amadureceu mais, principalmente agora, com a troca dos jogadores da seleção.” Tudo que Lucão mais quer é ter braços para chegar à Olimpíada de 2016 com força máxima. Ele sabe que tem responsabilidades com o novo grupo e a torcida. “O sonho de todo atleta é jogar bem dentro do próprio país e ter toda a torcida do seu lado”, afirma. “Pela seleção, eu nunca joguei final de campeonato no Brasil.” Que esse tabu seja quebrado em 2016.


I n d o m boxe

Uma decisão arbitrária dos cartolas exclUi a medalhista olímpica adriana araújo

da seleção brasileira de boxe e ameaça sUa presença nos jogos do rio. destemida,

a baiana não desistiU de lUtar – para o bem do esporte nacional, é bom qUe ela vença por RICARDO SENO fotos tONI pIRES/Ag. IStOé

AdrI A


mรกve l

nA


boxe

A boxeAdorA bAiAnA AdriAnA ArAújo é uma das maiores atletas da história do País. Bronze nos Jogos de Londres-2012, ela integra o restrito grupo de sete brasileiras detentoras de medalhas olímpicas individuais. Seu cartel de vitórias impressiona. Adriana ganhou 151 das 156 lutas que disputou. Ou seja: ao subir em um ringue, sua chance de superar a oponente é de exatos 97%. No Brasil, não sabe o que é perder há mais de uma década. Aos 31 anos, está na idade em que os pugilistas costumam alcançar o auge. Continua forte, mas desfruta também da experiência. Em 2016, ano dos Jogos do Rio, terá 34 anos – os mesmos 34 anos que Evander Holyfield tinha quando nocauteou Mike Tyson em uma das maiores batalhas do boxe de todos os tempos. É de se imaginar, portanto, que a presença de Adriana nos Jogos de 2016 seja algo tão inescapável quanto um cruzado de Muhammad Ali. Mas, não. Adriana sequer foi convocada para a seleção brasileira. Mais do que isso: ela não está nos planos da Confederação de Boxe para os próximos anos. A decisão, tão estúpida quanto arbitrária, pode privar um País carente de medalhas de ter a chance de alcançar mais um pódio olímpico.

Adriana está machucada, nota-se em alguns poucos minutos de conversa. E isso não é resultado dos treinos pesados que realiza diariamente. Depois da sessão de fotos para esta reportagem, no dia 2 de junho, em que teve a coragem de se exibir sem pudores, a pugilista chorou. “Não consigo nem pensar em ficar fora de uma Olimpíada no Brasil”, disse. “Tudo isso é muito triste.” Afinal, o que está acontecendo? A explicação da Confederação para a sua ausência na lista de convocados e para a substituição por uma atleta com resultados inferiores não é convincente. Alegam os dirigentes que a boxeadora não demonstrou comprometimento ao comparecer para exames rotineiros, em janeiro, com 14 quilos acima do peso-limite para a sua categoria. Eles argumentam que Adriana não se sujeitou a regras de comportamento, mas não esclarecem quais normas ela quebrou. Insinuam que a boxeadora não se dedica aos treinos, o que pode ser facilmente desmentido com uma ação simples – basta visitar, de surpresa, a academia onde ela se exercita, em Salvador, e qualquer cartola descobrirá que a baiana quase sempre está lá, de luvas nas mãos. Se as acusações da Confederação de Boxe não procedem, por que razão a misteriosa Adriana foi excluída da seleção? Simples e transparente como um

direto no rosto, ela dá sua versão. “Não perdi a vaga na seleção para uma atleta melhor do que eu”, afirma. “Perdi para uma ditadura que está abusando do poder para me prejudicar.” Tudo não passaria, diz a pugilista, de represália do presidente da Confederação, Mauro José da Silva. Destemida e abusada, Adriana é uma crítica contumaz da gestão de Silva, e não economizou golpes mesmo quando era integrante da seleção. Ao ganhar a medalha de bronze em Londres-2012, ela extravasou. Na ocasião, disse que o feito serviria para “calar a boca” do dirigente por nunca ter acreditado em seu potencial. Silva não rebateu de imediato. Adriana acha que ele esperou a poeira da conquista olímpica baixar para dar o troco, que veio na forma da exclusão. “Jamais tive qualquer problema de disciplina na seleção, nunca me atrasei nas apresentações”, diz a baiana. “Essa história de que eu estava 14 quilos acima do peso é um absurdo.” Há um único motivo para justificar o retorno de Adriana à seleção e ele é maior do que qualquer outro. “Eu sou a melhor”, diz a baiana. Não se trata de falta de modéstia. Ela tem razão. Além de Adriana Araújo, Érika Mattos e Roseli Feitosa, as outras representantes do Brasil na Olimpíada de Londres, também deixaram de fazer


A D R I A N A ES Tá M Ach U cA D A . E I SSO N ãO É RE SUlTA D O DO S T R E I NO S p ES ADO S QUE RE A lI zA D I A RI A ME N TE . D Ep O I S D A S ES S ãO DE f OTOS pA RA E STA RE p ORTA gE M , em q u e te ve A CorAge m de se ex I bI r sem pu dor es, el A C h o rou: "n ão Con sIg o n em pen sAr em fICA r fo rA d e umA olImp íAdA n o brA s Il"

parte da seleção, com a alegação de que o time precisa ser renovado. Elas endossam o depoimento de Adriana e dizem que Silva jamais engoliu as críticas feitas à sua gestão, especialmente pelas condições ruins de trabalho. “Sempre falamos que faltava estrutura para treinar”, afirma Érika. “O Mauro só queria saber de mandar e nós três fomos as ovelhas negras que tiveram coragem de protestar.” A 2016 convidou o presidente da Confederação de Boxe para dar a sua versão dos fatos, mas ele não quis atender a reportagem. Por meio da assessoria de imprensa, a CBBoxe limitou-se a dizer que Adriana voltou das férias com 14 quilos acima do limite de sua categoria. Boa de briga, Adriana está longe de ser nocauteada. “Não vou baixar a cabeça e ficar calada”, diz. “Vou fazer de tudo para voltar à seleção.” Parece mesmo que a luta terá novos desdobramentos. Um dirigente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), obviamente preocupado com o risco de uma potencial medalhista ficar fora dos Jogos de 2016, procurou recentemente a cúpula da CBBoxe, na tentativa de encontrar uma solução para o caso. O representante do COB argumentou que era importante que a Confederação considerasse os resultados de

Adriana, uma das melhores do mundo em sua categoria. Também lembrou que, ao faturar o bronze em Londres, Adriana se tornou uma figura nacional, admirada pelos brasileiros. Isso só aumenta o peso da decisão da CBBoxe. Não é difícil imaginar o tamanho da briga que a entidade vai comprar se, digamos, as atletas indicadas para subir ao ringue nos Jogos do Rio fracassarem. Será impossível não tratar a CBBoxe, e seu principal dirigente, como os vilões da história. Pelo menos por enquanto, a investida do COB não funcionou. O presidente da Confederação de Boxe, Mauro José da Silva, tem declarado a pessoas do meio que

Adriana não volta mais. Resta saber se ele resistirá às pressões. Enquanto uma solução não vem, Adriana Araújo segue a vida. Mas não é fácil manter a intensidade dos treinos diante de uma situação como essa. “Ela continua se exercitando todos os dias, mas está muito decepcionada”, diz seu técnico Luiz Dórea, o mesmo do ex-campeão Mundial Acelino “Popó” Freitas. “Estão querendo nocautear a Adriana fora do ringue, mas não vão conseguir.” Segundo ele, o próximo passo é gritar por socorro no Ministério do Esporte. Um desejo do treinador, e de Adriana, é que o caso chegue até a presidenta Dilma

QU EM É ADRI AN A DOS SAN T OS ARAÚJO Categoria: Leve (60kg) nascimento: 04/11/81 Altura: 1,67 m naturalidade: Salvador, bA Cartel: 156 lutas, 151 vitórias, 5 derrotas Principais conquistas > Medalha de bronze nos jogos olímpicos de Londres 2012 > Segunda colocada no Torneio Pré-olímpico da China 2012 > ouro nos jogos Sul-Americanos de Medellín 2010 > Heptacampeã brasileira > Pentacampeã do Campeonato Pan-Americano

53 junho/julho 2013 | istoé 2016


boxe

"N ã O p ERDI A v AgA N A SE lEçã O pA RA U M A AT lETA MElh OR D O QUE E U, MA S pA r A umA d ItA d urA q ue q u er me p r ejud ICAr. não vou bAI xA r A CAbeçA e f I CAr CAlA dA "



boxe

Rousseff – o que apenas reforça o desespero no qual mergulhou a atleta. Ela simplesmente não sabe mais o que fazer, ou a quem recorrer. Daí o sonho de que a própria presidenta interceda a seu favor. “Não tem cabeça que aguente passar pelo que estou passando”, desabafa Adriana. Se derem uma boa olhada na história de vida de Adriana, talvez os cartolas se sensibilizem. A caçula de seis irmãos mal sabia, na dura infância vivida no distrito de Brotas, em Salvador, que caberia a ela a responsabilidade de dar à família uma moradia mais digna do que a humilde casa em que moravam oito pessoas. José Carlos de Araújo era o responsável pela missão de sustentar os filhos como auxiliar de almoxarifado de uma construtora. Tinha ajuda da mulher, Edir Florêncio de Araújo, que lavava roupas para outras famílias. A rotina era difícil, mas havia pelo menos o esporte para alimentar sonhos. Adriana se apaixonou pelo universo esportivo muito cedo. Devia ter 8 anos quando já era maluca por futebol, handebol, corrida, qualquer coisa que envolvesse atividade física e competição. “A Adriana jogava futebol no meio dos meninos e todo mundo achava que ela ia ser jogadora”, diz a irmã Cláudia Araújo. Aos 12 anos, os apuros financeiros da família só aumentavam e ela precisou trabalhar. Até os 18, fez de tudo para salvar uns trocados. “Fui diarista, limpadora de prédio, agente de saúde”,

diz. Na maioridade, a história começou a virar. Uma amiga que praticava boxe viu nos braços fortes de Adriana potencial para “dar umas porradas”. Era assim que ela enxergava o pugilismo, um esporte para o qual, na sua cabeça, bastava coragem e agressividade para se dar bem. Claro, boxe era muito mais do que isso. Técnica, força mental e astúcia também eram atributos indispensáveis – e Adriana descobriu que tinha tudo isso de sobra. “Vi que era o boxe que eu ia levar a sério, mas até os 21 anos tive que fazer café da manhã para academias e organizar rifas com amigos para poder competir.” Por um longo período ainda seria um sufoco viver do boxe, mas em 2009 a situação mudou para melhor. Adriana passou a receber ajuda federal do BolsaAtleta e seu único foco passou a ser, enfim, o esporte. Se já era imbatível no Brasil, resultados mais consistentes começaram a aparecer no exterior. Em 2010, faturou o ouro nos Jogos SulAmericanos de Medellín, na Colômbia. Dois anos depois, o bronze na Olimpíada. Consagrada no boxe, Adriana é a base financeira da família. Os pais morreram e ela reformou a casa onde cresceu. Hoje em dia, mora com duas irmãs que trabalham como diaristas e com o irmão motorista. “São pessoas humildes”, diz Adriana. “Eu sou a cabeça do lar.” Coragem não falta para esta baiana, que promete não se entregar tão facilmente. “Vou até o fim com essa história”, diz a boxeadora. Força, Adriana.

OS ROUN DS DA bR I gA A suCessão de desentendImentos entre AdrIAnA ArAújo e A ConfederAção brAsIleIrA de boxe > Agosto de 2012 “esta medalha é um cala boca ao presidente da cbboxe”, diz adriana sobre o bronze na olimpíada de londres > outubro de 2012 adriana passa a treinar em salvador com o técnico luiz dórea, o mesmo de feras do mma como vitor belfort, rodrigo minotauro e junior cigano a decisão desagrada ao presidente da cbboxe, mauro silva, que exige que todos os atletas da seleção participem de treinamentos em são paulo > janeiro de 2013 adriana araújo é convocada pela última vez para a seleção brasileira de boxe, apenas para exames físicos. no mesmo mês, a cbboxe corta a ajuda financeira que enviava à atleta. “Fui usar o cartão e não tinha nada”, diz adriana. “aí descobri que meu nome não estava mais na lista de pagamentos” > Abril de 2013 a cbboxe exclui adriana araújo da seleção brasileira sob a alegação de problemas físicos e falta de disciplina. outras duas atletas olímpicas (érika mattos e roseli Feitosa) também são cortadas da equipe. “isso é uma represália em cima do que falei depois que conquistei a medalha”, afirma adriana figurino: nike (www.nikevoce.com.br), darling (www.darling.com.br), body for sure (www.bodyforsure.com.br), pretorian (www.pretorian.com) beauty: sayuri odo produção: Cintia sanchez


lutA de origem pobre, ela é a base financeira da família. Atualmente, mora com duas irmãs que trabalham como diaristas e com o irmão motorista

57 junho/julho 2013 | istoé 2016


ciência

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Como a preparação mental forja Campeões e o que o Brasil tem feito para aCaBar Com as amareladas em grandes Competições

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por Giuliana Miranda fotos joão castellano/aG. istoé tratamento de imagens otávio alMeida/estúdio luzia

força fernanda Garay, ponteira da seleção de vôlei, teve a responsabilidade de colocar no chão uma bola que poderia eliminar o Brasil da olimpíada de Londres em 2012. Ela não fraquejou


ciência

Há momentos na carreira de qualquer atleta profissional em que a diferença entre a vitória e a derrota está em uma força invisível, tão poderosa quanto traiçoeira, e que costuma ser mais decisiva do que a própria aptidão esportiva. Ao se posicionar para o saque que vale o ponto final, ao arremessar o lance livre no último segundo do jogo, ao subir na plataforma de largada na disputa por medalha na natação, ao se abaixar para o arranque nos 100 metros rasos, o atleta se subordina a um turbilhão de emoções – e é nesse momento que a tal força se revela para o bem ou para mal. Ela pode agir de duas formas: impulsionar a pessoa, dotando-a dos alicerces necessários para uma conquista, ou derrubá-la de forma quase sempre impiedosa. A história do esporte (e o Brasil está aí para comprovar a teoria) está repleta de indivíduos que sucumbiram porque não detinham essa arma invisível ou de campeões que destroçaram rivais graças principalmente a ela. Trata-se do poder da mente, produto mais indecifrável do cérebro humano – e tão fundamental no mundo esportivo. Em Londres-2012, a ponteira Fernanda Garay tinha a responsabilidade de colocar o time feminino de vôlei do Brasil na semifinal da competição olímpica. Fernanda sentia as mãos em chamas, a bola pesada, a cabeça a mil. Minutos antes, um erro da arbitragem havia anulado um ponto da jogadora e a seleção ficou acuada pela Rússia, algoz do time nos dois últimos Mundiais e em Atenas (2004). A pecha de “amarelonas” acompanhava o time desde então. Dessa vez, a história se encaminhava para um final diferente. As atletas resistiram à pressão, retomaram o controle da partida e salvaram seis match points. Com o Brasil à frente no placar,

a gaúcha Fernanda, mesmo disputando sua primeira Olimpíada, não se abalou com o peso da missão: mandou a bola com força para o outro lado da quadra, sem chances de defesa. Quatro dias depois, a seleção feminina conquistou a medalha de ouro diante das americanas. Fernanda fala da Olimpíada com um sorriso no rosto, mas a maneira como aperta os nós dos dedos da mão direita mostra que a tensão do momento está viva em sua memória. “Na partida contra a Rússia, tínhamos a pressão de virar o jogo de qualquer jeito”, diz. “Se não desse certo, a Olimpíada acabava ali.” A jogadora de 27 anos é conhecida pela capacidade de concentração em quadra. Sua força psicológica, reconhecida pela comissão técnica e pelas companheiras de equipe, foi decisiva nos jogos mais importantes de Londres. “Eu sabia da responsabilidade, mas em nenhum momento duvidei de que fosse conseguir”, afirma. O segredo da confiança? Relaxamento e foco. “Não adianta pensar muito no que vai acontecer, ficar ansiosa com os resultados”, diz a jogadora, adepta da tática zen de preparação. “Colocar a cabeça em favoritismos e tentar antecipar as coisas só prejudica.” Não faltam exemplos de atletas de alto nível que foram afetados pelo aspecto psicológico e perderam títulos para rivais menos preparados. Por isso, os especialistas avisam: campeão é aquele que consegue conciliar o treinamento do corpo e da mente e lidar com a pressão das provas. “Trabalho com psicologia do esporte há 21 anos e posso afirmar que, nas últimas cinco Olimpíadas, o Brasil perdeu muitas medalhas de ouro por falta de preparação mental dos atletas”, diz João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista de Psicologia do Esporte. “Mesmo estando bem fisicamente, eles não renderam tudo que poderiam.” O autocontrole de Fernanda Garay está longe de ser regra. É exceção. Com a diferença de performance entre os atletas de alto nível diminuindo cada vez mais, técnicos, delegações e os próprios competidores voltam as atenções à necessidade de preparo mental. Na Olimpíada de Londres, os Estados Unidos tinham 40 psicólogos especializados em esporte. Além dos funcionários do próprio Comitê Olímpico Americano, que prestavam auxílio geral, algumas delegações e esportistas levaram seus próprios profissionais. A delegação brasileira também contou com terapeutas, mas em número mais modesto. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) mandou para a Inglaterra sete

"em pequim, eu p e r d i pa r a m i m m e s m o . E s tava B E m fisicamEntE, mas o EmocionaL pEsou" ( D i E G o H y p ó L i to , G i n a s ta )

60 junho/ julho 2013 | istoé 2016


concEntração os avanços da psicologia esportiva mostram que atletas treinados mentalmente erram menos em momentos decisivos

Como fun C i on a o Cér ebr o de um C amp eão o t rE i n a m E n to i n t En so E c o n sta n t E promovE muDanças na química cErEBraL quE ajuDam os atLEtas a LiDar com situaçõEs DE EstrEssE > o cérebro tem uma rede de ação e observação formada pelo córtex temporal e pelo córtex pré-frontal. essa rede permite ao atleta ensaiar mentalmente seus movimentos > para memorizar jogadas, o cérebro divide uma determinada ação em movimentos menores. Com a prática frequente, é como se a mente conseguisse “cortar” e combinar as ações em pedaços mínimos, permitindo, assim, decisões cada vez mais rápidas

foto (Diego Hypólito): christian Gaul


ciĂŞncia

62 junho/julho 2013 | istoĂŠ 2016


EquiLíBrio Encontrar o balanço entre agressividade e tranquilidade é um dos segredos dos campeões do esporte

a i nf lu ê n Cia d o s h o r m ô nios como o ExErcício moDifica o comportamEnto Do orGanismo > o neuropeptídio Y, estimulado pela preparação constante, reduz a ansiedade e mantém as pessoas tranquilas em situações desafiadoras > a testosterona promove a tomada de riscos e a agressividade. também é um hormônio metabólico que favorece o aumento da massa muscular e estimula a neurogênese (fabricação de neurônios)

profissionais, que ficaram à disposição dos 259 atletas da delegação. Alguns times – como o de vôlei feminino – também contavam com psicólogos exclusivos. Isso não quer dizer, porém, que todos os atletas sejam favoráveis ao trabalho dos terapeutas. “No Brasil, ainda se associa muito a psicologia à doença e à loucura e muito pouco se fala do trabalho de prevenção de problemas e promoção de bem-estar”, diz Cozac. Além de se preparar para a vitória, é importante trabalhar o emocional para a derrota. A psicóloga do esporte Silvia Deschamps explica que aprender a lidar com as falhas e a frustração de expectativas é fundamental para construir uma mente campeã. “Um esportista talentoso sabe que é bom e tem confiança no próprio trabalho”, diz. “O problema costuma acontecer quando esse atleta vai mal e frustra suas próprias expectativas.” Segundo Silvia, a derrota que não foi trabalhada pode levar a pensamentos que minam a confiança e interferem no desempenho de forma crescente. Campeão mundial e classificado em primeiro lugar para a final olímpica, Diego Hypólito chegou como favorito à medalha de ouro no solo da ginástica artística em Pequim-2008. Tudo parecia se encaminhar para o desfecho esperado até que, no último salto, o atleta caiu ao realizar um movimento que já fizera com sucesso várias vezes. Um resultado inesperado para quem se mostrou tecnicamente superior aos adversários durante toda a competição. “Em Pequim, eu perdi para mim mesmo”, admite. “Sei que estava muito bem fisicamente e vinha de resultados excelentes, mas o emocional pesou.” Cinco anos depois do episódio, ele ainda se emociona ao falar do quase ouro. “Depois de não conseguir a medalha de ouro em Pequim, eu ainda tive um péssimo resultado no Mundial em 2009, quando, pela primeira vez, não consegui chegar à final em nenhum aparelho”, diz. “Aquilo me abalou muito, e foi então que resolvi fazer acompanhamento psicológico.” Para Hypólito, a preparação mental não opera milagres, mas faz a diferença. “Não posso dizer que sou outra pessoa, mas aprendi a lidar melhor com as minhas questões quando vou competir.” E o tombo na Olimpíada de Londres? “Ali foi algo totalmente físico. Eu vinha de uma série de lesões, não estava no auge do meu desempenho como na China”, diz. Outro brasileiro que se deixou abalar pelo psicológico em competições importantes foi o tenista Thomaz Bellucci, o mais bem colocado do País no ranking mundial. Rápido, dono de jogadas precisas, ele já deixou a vitória escapar para atletas nitidamente menos preparados. Há pouco mais de um ano, Bellucci conta com os serviços de uma psicóloga. “É um trabalho que pode ser diário, dependendo da época ou dos torneios”, diz. De tão importante, a profissional costuma acompanhá-lo ao redor do mundo na exaustiva rotina dos torneios da Associação de Tenistas Profissionais (ATP). É nas quadras que a cobrança se mostra cruel. Quando se decepciona com um atleta, a torcida pode passar de apoiadora a algoz. “Isso precisa ser muito trabalhado pelos atletas brasileiros para 2016”, diz o psicólogo esportivo João Ricardo Cozac. “Eles vão competir em casa, diante de um público enorme, o que também é motivo de pressão.” Alvo de vaias após ter perdido em casa para o italiano Filippo Volandri no Aberto do Brasil, em fevereiro deste ano, Bellucci não parece ter ficado magoado com a atitude. Ele também diz que não teme nada parecido nos Jogos Olímpicos do Rio. “A presença da torcida ajuda, não só como motivação para jogar melhor, mas também para abalar o adversário”, diz o tenista. “Quando o oponente percebe que a torcida está a seu favor, isso mexe com ele.” Muitas vezes, a pressão das arquibancadas e o nervosismo natural dos momentos de decisão somam-se à tentativa dos atletas de intimidar psicologicamente os adversários. “Tem tanta coisa cabeluda dita do lado daquela rede de vôlei, que muita gente ficaria chocada”, diz a psicóloga do esporte e do exercício Silvia Deschamps. A tentativa de intimidação nem sempre é verbal. “Em muitos casos, é o olhar, a postura com que os atletas encaram os adversários”, afirma. Segundo Silvia, a natação é um esporte pródigo em atitudes planejadas para


ciência windsurfe

em b u s Ca d o Co nt role a atuação Do s is tEm a nErvo so é D E c is iva para DEfi ni r as r Eaç õE s Do s atL Etas nos mo mEnto s DE tE ns ão o que é o sistema nervoso simpático > em situações de perigo ou grande estresse, o sistema nervoso simpático estimula o organismo a reagir de forma mais eficiente. a adrenalina sobe, os batimentos cardíacos aceleram e até a postura corporal se altera. > diante desse turbilhão fisiológico, o corpo pode reagir de maneiras distintas, inclusive com uma espécie de apagão momentâneo. ou seja: a mente pode colocar o corpo nesse modo de segurança em que o indivíduo não tem uma reação ativa e acaba ficando paralisado. esse mecanismo já foi muito importante para a sobrevivência humana, pois permitia escapar de predadores que dependiam da percepção de movimento. em uma competição esportiva de alto nível, porém, ele não tem nenhuma serventia. o que é o sistema nervoso parassimpático > tem a função inversa do simpático e acaba por relaxar o corpo. desacelera os batimentos e reduz a ansiedade. É como se o organismo diminuísse a marcha de funcionamento. > o problema: relaxamento em excesso pode virar apatia, uma condição que não é nem um pouco interessante para um esportista de alto desempenho.


LEvEza "não adianta pensar muito no que vai acontecer, ficar ansiosa com os resultados", diz fernanda Garay

meter medo. “Os atletas das potências costumam olhar de cima para baixo para os competidores de países que eles consideram mais fracos.” Enquanto no vôlei, no basquete e em outros esportes coletivos é possível contar com o apoio da equipe nas horas difíceis, quem disputa individualmente modalidades de alta precisão enfrenta sozinho toda a pressão pelo resultado. Julio Almeida, do tiro esportivo, já começou e interrompeu vários ciclos com psicólogos do esporte. “É claro que nem sempre você consegue colocar em prática tudo o que trabalhou”, afirma. “No Pan de Guadalajara, em 2011, eu acabei pensando muito no que estava em jogo durante a final.” Para Julio, o peso de saber que aquela disputa era a chance de ir para a Olimpíada de Londres foi decisivo e refletiu no seu desempenho. “Ali eu sei que não rendi tudo que poderia”, diz. “Ganhei duas medalhas de bronze, mas não consegui me classificar.” O atleta, que representou o Brasil na Olimpíada de Pequim, agora intensifica o treinamento físico e mental para se classificar para os Jogos de 2016. Essa preparação precisa ser conciliada com uma rotina literalmente militar: Julio é tenente-coronel e piloto da Força Aérea Brasileira. No início de 2013, a Confederação Brasileira de Tiro Esportivo adotou um programa específico para preparar psicologicamente seus atletas. A técnica escolhida foi o neurofeedback, que usa um computador para analisar os estímulos e as respostas no cérebro dos atletas. A partir desses resultados, cria-se um programa individual para treinar os competidores a responder de maneira mais eficiente. O objetivo é melhorar o desempenho por meio da otimização do gasto de energia cerebral. A participação é voluntária, mas a procura tem sido grande. “Com desempenhos físicos cada vez mais parecidos, o que derruba o atleta é a incapacidade de manter o controle emocional”, diz o psicólogo do esporte Silvio Aguiar, responsável pelo programa da CBTE. “Mesmo as mínimas coisas interferem, como um pensamento automático negativo que mina a confiança na própria capacidade.” Aguiar já foi técnico de tiro e competidor – representou o Brasil nas Olimpíadas de Moscou (1980) e Los Angeles (1984). “Naquela época, não se pensava intensamente em psicologia aplicada ao esporte”, afirma. “Hoje, isso mudou.” Uma coisa é certa: o poder da mente continuará forjando campeões – agora e para sempre.

"quando o oponente percebe que a torcida E s tá a s E u fav o r , i ss o mExE com ELE" t H o m a z B E L Lu c c i , t E n i s ta

foto (thomaz Bellucci): sam Greenwood/Getty


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