Revista Travessias Culturais

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Revista Memória e Linguagens Culturais

Movimento

E vo l u ç ã o Festas comunitárias A d ap tação

Mobilidade

Sincretismo

Migrações Folclore

Migrante Diáspora

Trajetória

Biblioteca

Imaginação

M o s trar

Mobilidade cultural I mag i n a ç ã o

Contar

Vi age n s

Imaginário

Passagem

Esquecim e n t o

Travessias Culturais

Nomadismo

Trad ução Cul tu t u ra l

hibridismo

Conhecimento Informação Memórias Mestrado Profissional em Memória Social e Bens Culturais Unilasalle/Canoas ANO 2 - Nº 6 - 2014


Revista Memória e Linguagens Culturais do Programa de Pós-graduação em Memória Social e Bens Culturais

Equipe de produção deste número Coordenadoras Profª. Drª. Zilá Bernd Profª. Drª. Luciana Éboli Redatores Alunos da disciplina de Mobilidades Culturais 2013/2 Revisão Profª. Drª. Zilá Bernd Profª. Drª. Luciana Éboli

Projeto gráfico e editoração Ricardo Figueiredo Neujahr


Travessias culturais, n. 6 da Revista Memória e linguagens culturais Editorial

A

Revista Memória e Linguagens Culturais é uma publicação semestral de divulgação científica vinculada ao Programa de Pós-Graduação em

Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle. Seu objetivo é veicular produções discentes realizadas no âmbito de várias disciplinas do curso com ênfase para “Mobilidades Culturais” e “Linguagens culturais e suas formas de expressão”. Em formato de magazine, é um canal de comunicação entre as produções de alunos de mestrado e a comunidade. Sua linha editorial propõe: (1) reflexões e sugestões de itinerários, percursos e rotas culturais, buscando integrar o sistema dinâmico de relações entre história, turismo e patrimônio cultural; (2) estudos de caso de mobilidades culturais – espaciais, temporais, discursivas e linguísticas; e (3) análises críticas da noção de mobilidade cultural em contextos de globalização e/ou de fronteira, marcados por fluxos migratórios, transferências e choques culturais. A revista tem tido o mérito de empolgar os mestrandos, autores de artigos originais e instigantes e também os leitores que podem acessá-la via site da instituição. A presente edição tem como eixo as Travessias Culturais e conta com cinco contribuições de oito mestrandos, abordando temas variados no âmbito das “travessias”. O primeiro artigo, de autoria de Tanira Rodrigues Soares, Rosani Bitencourt Nicoletti e Plinio Mósca, baseado na obra da canadense Linda Hutcheon, Uma teoria da adaptação, lida com a adaptação do “contar”, isto é, do romance de José Saramago, para o “mostrar”, ou seja, a montagem fílmica da obra Ensaio sobre a cegueira. Desse desafiante trabalho de transposição da linguagem romanesca para a fílmica, passamos, com um artigo de Ivo Fiorotti, para o tema das Migrações e sua tradução cultural, enfocando a importância da comensalidade para a identidade dos imigrantes italianos no sul do Brasil, mormente na cidade de Canoas. O texto apresentado por Breno Lacerda está, igualmente, contextualizado na cidade de Canoas, focalizando a questão do sincretismo religioso. Em que medida o sincretismo corresponde a uma ”travessia cultural”? Na medida em que implica passagem de uma religião à outra no sentido de


que uma fertiliza a outra. Trata-se de um estudo de caso da lenda de Nossa Senhora das Águas que se torna culto tanto de católicos quanto de umbandistas. Mais uma vez, no texto poético de Paulo Roberto Ritter, a comunidade canoense é o epicentro do texto que reflete sobre a migração ucraniana para Canoas, lembrando a importância do Grupo Folclórico de Dança Ucraniana SOLOVEI. Finaliza esse conjunto um texto de Rubens da Costa Silva Filho, que mostra as mobilidades e travessias que ocorrem nas bibliotecas através dos tempos, com ênfase para a adaptação e a evolução histórica dos suportes de informação. Aí estão as ‘travessias’ escritas: textos que tratam de passagens culturais em tempos de mobilidades vertiginosas e novas articulações. Apresentam-se como resultados de reflexões e questionamentos dos mestrandos, ao longo do semestre, da disciplina de Mobilidades Culturais em 2013. Boa leitura.

Zilá Bernd Doutora em letras pela USP, Professora e orientadora do mestrado em memória Social e Bens Culturais do Unilasalle e ddo PPG-Letras da UFRGS. Pesquisadora com bolsa PQ-CNPq (1b). Officier de Palmes Académiques (Governo Francês) e Officier de l´Ordre national du Québec (Canadá).

Luciana Éboli É professora do Mestrado em Memória Social e Bens Culturais e do Curos de Letras do Unilasalle, ond coordena o grupo de pesquisa Cultura e Linguagens Artíticas. Possui Doutorado (2010) e Mestrado (2007) em Letras - Teori da Literatura pela PUCRS, Bacharelado em Artes Cênicas Direção Teatral pela UFRGS (1997). Atualmete tem bolsa de pesquisa ARD - Fapergs.


SUMÁRIO 1 - Ensaio Sobre A Cegueira: Mobilidade do Contar para o Mostrar Plinio Mósca, Rosani Bitencourt Nicoletti e Tanira Rodrigues Soares

2 - Migrações e tradução cultural: a Comensalidade (cocanha) na Identidade dos Italianos! Ivo Fiorotti

3 - Sincretismo Religioso na Festa de Nossa Senhora das Águas em Canoas Breno Lacerda

4 - Trajetória da Migração Ucraniana em Canoas. Grupo Folclórico de Dança Ucraniana SOLOVEI Paulo Roberto Ritter

5 - Mobilidade na Biblioteca Universitária: Adaptação à Evolução Histórica dos Suportes à Informação Rubens Da Costa Silva Filho

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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: MOBILIDADE DO CONTAR PARA O MOSTRAR Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, cegos que, vendo não vêem. José Saramago (1995)

O livro Ensaio sobre a Cegueira, do escritor português José Saramago, foi lançado em novembro de 1995 com uma temática inquietante e reveladora da alma e condição humanas. A narrativa está centrada em um grupo de pessoas que, num primeiro momento, é assolado por uma cegueira branca que, gradativamente, transforma-se em uma epidemia.

Os personagens são apresentados ao leitor a partir de uma sequência de acontecimentos que acaba por desencadear o processo de cegueira; posteriormente, esses personagens são conduzidos pelas autoridades para um prédio que servirá como ponto de isolamento dos infectados, dando início a um compartilhamento de inúmeras experiências de vida entre eles. Cabe destacar que, dentre os cegos, somente uma mulher continua enxergando, mas se declara cega para poder acompanhar o esposo. O enredo do livro não identifica o local da ação, isto é, cidade, estado ou país onde ocorrem os fatos, pois como enfatiza Saramago (NUNES, 1995, p. 17): “Este livro podia ser escrito em qualquer momento do passado”.

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Não há na narrativa qualquer menção a um determinado período histórico, podendo ser deslocada para diferentes cenários e datas, uma vez que seu foco está centrado no ser humano, na sua essência enquanto pessoa, demonstrando em pequenos atos do cotidiano a bondade e a perversidade que compõem o universo da sua sobrevivência. “O bem e o mal estão, afinal, na cabeça dos homens” destaca Saramago (GASTÃO, 1995, p. 29). Por terem uma abordagem universal, os personagens do livro não têm nome, o que apresentam são características identificadoras e reveladoras de sua forma de ser e estar na sociedade, podendo existir em qualquer período ou espaço. Saramago enfatiza: “Para que dar nomes ao que tem todos os nomes do mundo?” (RAIMUNDO, 1995, p. 15). A cegueira branca que se torna uma epidemia generalizada é a representação do quanto os seres humanos estão submersos em seus pequenos mundos e não percebem, nem compreendem a solidariedade e a bondade com o próximo como sendo o elemento de transformação social e cultural. Saramago (RODRIGUES, 1995), em determinado momento, enfatiza que a cegueira branca presente no livro é a cegueira da razão humana. Neste contexto, a ética precisa governar a razão e o ser humano necessita prestar atenção num ditado oriundo da sabedoria popular que destaca: “Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti”. Com esta reflexão, o livro Ensaio sobre a Cegueira mergulha nas profundezas da alma humana e

transforma-se em um questionador do que realmente nos tornamos, somos e almejamos ser no futuro.

Ensaio sobre a Cegueira é um romance de leitura dolorida, capaz de fazer doer a alma do leitor frente à narrativa apresentada e, como disse Saramago “[...] a crueldade do meu livro não é mais do que um pálido reflexo da crueldade da vida humana”, mencionando que o maior e mais terrível inimigo da humanidade é o próprio ser humano. “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é a que somos” diz Saramago (RODRIGUES, 1995, p. 22). O livro Ensaio sobre a Cegueira foi adaptado para o cinema, caracterizandose como uma mobilidade cultural, pois o livro representa o contar, cujo recurso está nas palavras; já o filme tem como recurso principal o mostrar, resultando em uma mudança de expressão. Para Bernd (2010), o termo mobilidade refere-

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se à facilidade de mover-se, de mudar de expressão ou de opinião, de aceitar variações. Já a mobilidade cultural pode ser entendida como um deslocamento similar de significados, normas, valores e vínculos. No contexto deste artigo, a mobilidade cultural ocorre no momento em que o adaptador utiliza-se do livro escrito para produzir um novo produto cultural: o filme, preservando informações que rementem à obra primeira e oferecendo variações e interpretações quanto ao resultado desta adaptação. A adaptação, no entender de Hutcheon (2013, p. 29), envolve três perspectivas distintas: um produto, um processo de criação e um processo de recepção. Como produto, ela é responsável pela transcodificação, isto é, “[...] recontar uma mesma história de um ponto de vista diferente”; já como processo de criação, a adaptação envolve uma reinterpretação ou recriação de algo, é a presença da criatividade e a imaginação do adaptador. O processo de recepção é a forma como o produto

adaptado será recebido pelo público, causando uma identificação por meio da lembrança, provocando um rememorar que remete a obras já conhecidas. Qualquer que seja o motivo, a adaptação, do ponto de vista do adaptador, é um ato de apropriação ou recuperação, e isso sempre envolve um processo duplo de interpretação e criação de algo novo. [...]. Para o leitor, espectador ou ouvinte, a adaptação como adaptação é inevitavelmente um tipo de intertextualidade se o receptor estiver familiarizado com o texto adaptado. É um processo dialógico contínuo (HUTCHEON, 2013, p. 45).

A adaptação é uma forma de contar a mesma história com variações, representa uma repetição sem replicação, unindo o já conhecido com o prazer da novidade e surpresa, ou seja, “[...] ela envolve memória e mudança, persistência e variação” (HUTCHEON, 2013, p. 230). O filme Ensaio sobre a Cegueira, do diretor brasileiro Fernando Meirelles, é uma adaptação do livro de José Saramago. Nesta transposição do contar para o mostrar, o adaptador fez uso da criatividade e

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imaginação para destacar aquilo que, do seu ponto de vista, foi mais relevante na obra, ou o que poderia ser melhor explorado pela linguagem do cinema. Em seu filme, Meirelles fez uso de imagens distorcidas e envoltas numa brancura infindável para remeter seus espectadores às palavras descritas por Saramago sobre a epidemia branca que toma conta da humanidade, tais como: “brancura luminosa, mal branco, cegueira branca”. Além de utilizar-se de recursos característicos da arte cinematográfica, o diretor empregou vozes, sons, música e lugares na adaptação do livro, criando e revelando aspectos assustadores através da imagem sobre o universo humano.

O filme caracteriza-se como um outro texto colocado à disposição do espectador, possibilitando várias leituras a partir das imagens e dos diálogos utilizados. Através dos efeitos especiais, o diretor Meireles cria imagens que remetem à cegueira branca, tais como o embranquecimento da tela, o tatear nesta “brancura luminosa”, evidenciando a materialização da cegueira e o acesso a emoções e sentimentos oriundos desta vivência. Também foi mantida no filme a indefinição de lugar, pois as cenas foram rodadas em São Paulo (Brasil), Toronto (Canadá) e Montevidéu (Uruguai), indicando que a epidemia branca poderia ter ocorrido em qualquer lugar e com qualquer pessoa, caracterizandose como uma “epidemia democrática”.

Este aspecto foi muito bem trabalhado pelo adaptador, pois no livro não há referência sobre origem, cor, ou classe social; já no filme, os personagens são apresentados com características distintas, possibilitando através da imagem uma ampla reflexão sobre a condição humana.

Fernando Meirelles Biografia: http://portaldecinema.com.br/ Diretores/fernando_meirelles.htm Para Meirelles, a adaptação da obra de Saramago foi um grande desafio, pois [...] filmar uma história que não se tem por onde pegar. É um filme sobre uma doença que não existe nem nunca vai existir, numa cidade que não existe, com personagens que não têm nome nem história. É pura invenção. [...]. A primeira coisa que falam nos manuais de roteiro americanos é sobre a identificação com o personagem, para grudar o espectador. Essa possibilidade o filme não tinha (MEIRELLES, 2008, p. 1).

Hutcheon (2013) chama a atenção

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para as inúmeras discussões geradas a partir de uma adaptação, pois alguns teóricos insistem em manter algumas reflexões alegando que cada mídia tem suas especificidades e, ao adaptador, é quase impossível adaptar uma obra sem perder alguns aspectos característicos e relevantes. Neste enfoque, é importante destacar que a adaptação é uma recriação e não uma repetição, portanto o adaptador deve fazer uso dos recursos disponíveis e, utilizando-se de sua criatividade e interpretação, ser capaz de conectar o espectador com suas memórias da obra adaptada. “A adaptação não é vampiresca: ela não retira o sangue de sua fonte, abandonando-a para a morte ou já morta, nem é mais pálida do que a obra adaptada. Ela pode, pelo contrário, manter viva a obra anterior” (HUTCHEON, 2013, p. 234). Para melhor compreender as dimensões da mobilidade do contar para o mostrar, será realizada a análise de quatro clichês adotados por Linda Hutcheon (2013) para demonstrar que a adaptação não pode ser interpretada a partir de análises superficiais. Clichê 1 – Somente o modo de contar (especialmente a ficção em prosa) tem a flexibilidade necessária para dar tanto proximidade como distância ao ponto de vista. O filme nos apresenta uma variedade de pontos de vista, proporcionando ao espectador escolher aquele que melhor se identifica consigo. O diretor faz uso de diversos ângulos

de câmera, da música, do figurino, do cenário, enfim ele se utiliza de vários recursos visuais. No início do filme, o narrador é a própria câmera, que apresentará ao espectador a cena e o colocará frente à ação e aos acontecimentos como, por exemplo, o momento em que o Primeiro Cego é atingido pela epidemia. A câmera circula e centra-se na narração do episódio, focando as cores do semáforo e o caos instalando no trânsito a partir do Primeiro Cego. Neste momento, o espectador tem acesso a alterações de imagens, colocando ao seu alcance a visão ou percepção do Primeiro Cego com relação a sua cegueira. Este recurso de atribuir à câmera a narração permite que vários pontos de vista possam ser acessados, incluindo a personagem Mulher do Médico que será também uma testemunha observadora de todos os acontecimentos que envolverão a narrativa fílmica. As cenas vivenciadas e vistas pela Mulher do Médico serão as cenas visualizadas pelos espectadores, além daquelas que serão trabalhadas de forma a proporcionar a quem assiste ao filme a impressão de também estar cegando e mergulhando num mar branco. Numa mídia variada, tudo pode transmitir o ponto de vista: o ângulo da câmera, a distância focal, a música, a mise-em-scène, a performance ou o figurino [...]. Mais importante do que pensar em termos de narração em primeira ou terceira pessoa [...] é o controle autoral de proximidade e distância, a calibração do acesso ao

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conhecimento e à consciência dos personagens (HUTCHEON, 2013, p. 89).

Na cena final do filme em que o Velho da Venda Preta inicia uma reflexão sobre os acontecimentos passados e o futuro que se aproxima, evidenciando um ponto de vista bem definido e claro para o espectador, com flexibilidade para proporcionar uma reflexão sobre os fatos acontecidos. É a utilização de uma narração em primeira pessoa que proporciona aos espectadores uma sensação de conhecer aquele pensamento, pois no livro o narrador onisciente apresenta a situação ao leitor. Para Meirelles (2013), o filme envolve três momentos: no primeiro ato, a câmera, conduzida pelo diretor, apresenta a história; no segundo ato, a Mulher do Médico conduz a câmera através das suas observações e, finalmente, o terceiro ato se encerra com a narração do Velho da Venda Preta. “[...] o simples deslocamento do ponto de vista, a troca de narrador, gera um enorme movimento mesmo que a ação pare” (MEIRELLES, 2013, p. 16). Na cena final, podemos saber o que a personagem Mulher do Médico e o Velho da Venda Preta sentem e pensam sobre a situação que estão vivendo, desta mesma forma, em vários momentos do filme, pode-se ter acesso aos sentimentos e pensamentos dos personagens, tanto pelo modo como se movimentam, pelo ângulo que a câmera os foca, a maneira como contraem os músculos do rosto ou utilizam o

tato e o olfato para perceberem os acontecimentos, enfim, há inúmeros modos de acessar o ponto de vista, basta direcionar um olhar mais desbravador, para se descobrir imagens igualmente reveladoras. No filme Ensaio sobre a Cegueira, o diretor Fernando Meirelles comprova a inexistência do clichê 1, pois o modo de mostrar apresenta uma flexibilidade necessária tanto para dar tanto proximidade como distância ao ponto de vista. Clichê 2 - A interioridade é o terreno do modo de contar; a exterioridade é mais bem aprendida pelo modo mostrar e especialmente pelo modo de interagir. No filme, as cenas são focadas em partes do romance que apresentam aspectos visuais da linguagem narrativa de José Saramago, com cenas que chocam ou emocionam. Os personagens, em suas atuações, utilizam-se da densidade que o momento necessita, permitindo que através de uma imagem focada o espectador possa acessar seus sentimentos e sua complexidade interior. Uma das cenas com grande impacto no filme é o retorno das mulheres à camarata 1, após terem mantido relações sexuais com os homens da camarata 3 em troca de comida. Além da extrema realidade demonstrada nas imagens, a utilização de sacos plásticos, com água, pelas mulheres para limparem o sangue da companheira morta é de uma poesia

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interior intensa. Com a utilização da água como elemento de pureza e higiene, as mulheres tentam limpar a sujeira do corpo e também da alma da mulher morta e delas próprias, pois neste momento sentem-se imundas em função dos atos que precisaram praticar em troca de comida. Outra cena que revela a interioridade dos personagens é a relacionada à música do rádio do Velho da Venda Preta. Naquele momento, são focados os rostos dos personagens, bem como parte de seu corpo, para demonstrar o sentimento de paz que aquele som está transmitindo, deixando-os tranquilos por alguns minutos, enquanto que no cenário externo da Camarata persiste a imundície, a degradação humana, a fome, a crueldade e as incertezas do que a vida reserva a cada um.

com sensibilidades ou pela crueldade de enfrentamento de uma realidade que ninguém gostaria de experimentar. Um recurso que permite ao espectador ter acesso aos sentimentos e a forma como os cegos estão visualizando o mundo é o da superfície branca e leitosa produzida por efeitos especiais. São inúmeras as cenas nas quais o espectador pode vivenciar o que os cegos estão passando e vendo naquele momento, ou seja, o que não estão vendo. São cenas em que na tela é projetada a cegueira dos personagens, deixando transparecer para as pessoas que assistem ao filme a sensação de também estarem cegando neste “mar branco”.

É sem dúvida uma cena reveladora, que vai ao encontro das palavras de Hutcheon (2013, p. 93) ao destacar: As aparências externas são utilizadas para espelhar verdades internas. Em outras palavras, é possível criar correlativos visuais e auditivos para eventos interiores, e o cinema de fato tem a seu dispor várias técnicas que os textos verbais não têm. O poder do close, por exemplo, de criar uma intimidade psicológica [...], que os diretores podem utilizá-lo a fim de captar ironias interiores poderosas e reveladoras (HUTCHEON, 2013, p. 93).

O recurso visual e auditivo desperta sentimentos que tocam e comovem de diferentes formas, seja pelo fato de estar demonstrando que são seres humanos

Cenas do filme que exploram os efeitos da cegueira branca Fonte: Ensaio sobre a Cegueira (o filme)

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Também se pode destacar a cena em que a Mulher do Médico, na rua, depara-se com cães se alimentando de carne humana, é uma imagem cruel que extrapola a simples imagem e faz o espectador sentir-se integrante daquele universo degradante e sujo que a cegueira produz. A personagem Mulher do Médico chora porque pode ver aquilo que os demais não conseguem e com isso externa através de suas emoções sua incapacidade de compreender o mundo em que vive. O clichê 2 não se aplica ao modo mostrar, pois tanto a interioridade como a exterioridade podem ser exploradas pela linguagem cinematográfica, comprovados no filme Ensaio sobre a Cegueira do diretor Fernando Meirelles. Clichê 3 – Os modos mostrar e interagir têm apenas um tempo: o presente; o modo de contar pode sozinho estabelecer relações entre passado, presente e futuro. Em primeiro lugar, é importante destacar que os personagens do livro em estudo não são apresentados ao leitor como possuidores de uma história passada ou que remontem a uma trajetória vivida. São personagens que vivem aquele momento e são atingidos pela epidemia da cegueira branca. A Mulher do Médico, única personagem que continua enxergando, também não é apresentada como possuidora de um passado, mas somente vivenciando o presente com intensidade devido ao caos que se instala. Frente a esta afirmação, é possível

perceber que Meirelles trabalha com o tempo presente, mas no decorrer da narrativa fílmica, fica evidenciada a passagem do tempo, assim como no enredo do romance. Esta relação de tempo presente e passado é percebida nas cenas do filme que enfocam o corredor do manicômio, lugar onde os cegos foram isolados. Há inúmeras cenas que destacam esses momentos do tempo em movimento, uma delas é quando o Médico e a Mulher do Médico chegam ao manicômio, o corredor está limpo, sem nenhuma obstrução para a passagem dos cegos. Posteriormente, são rodadas inúmeras cenas que irão fornecer ao espectador a sensação de tempo passado, pois o corredor vai acumulando sujeiras, pessoas, objetos, e suas paredes tornam-se sujas, imundas. Nestes enfoques da imagem é possível perceber claramente que o ambiente vai se transformando com o passar do tempo. Para Hutcheon (2013, p. 101), [...] há na realidade muitas formas de representar o passado no cinema, através da decoração e do figurino, props, músicas, títulos, equipamentos de som antigos e cenas artificialmente envelhecidas ou realmente antigas [...]. Os adaptadores cinematográficos, em outras palavras, têm à sua disposição uma verdadeira riqueza de possibilidades técnicas, convenções adquiridas e aceitas que ajudam a enfrentar a passagem do impresso para a tela.

Outro momento marcante do filme

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que demonstra claramente a passagem do tempo é a narrativa realizada pelo Velho da Venda Preta quanto se junta aos integrantes da Camarata 1. Nesta cena, apresenta um pequeno rádio, responsável por mantê-lo informado das transformações que ocorriam no mundo exterior ao manicômio. Quando ele começa a narrar as informações que obteve através do rádio, algumas cenas são rodadas colocando o espectador a par destas transformações, evidenciando um tempo passado e presente e uma incerteza quanto ao futuro daqueles que ali estão. O diretor também se utiliza das imagens dos personagens, transmitindo ao espectador a angústia e o sofrimento que estavam vivenciando naquele momento de reclusão, personificadas na aparência dos personagens. Antes de cegarem, eram pessoas bem vestidas, limpas, com cabelos tratados, enfim apresentavam-se como pessoas bem arrumadas e esteticamente agradáveis. Após a cegueira, é notória a transformação na sua aparência, pois se apresentam sujos, com cabelos mal arrumados, com roupas desgastadas, demonstrando a passagem do tempo e os reflexos que a cegueira provoca nas suas vidas. Outro recurso utilizado para demonstrar a passagem do tempo no filme refere-se a uma imagem presente no início e depois quando o filme encaminha-se ao final. São três frutas em uma bandeja na casa do Médico, que são focadas quando as autoridades resolvem isolar os cegos;

posteriormente, estas mesmas frutas são mostradas quando o grupo de cegos, liderado pela Mulher do Médico, chega à casa do Médico. São imagens simples, mas que transmitem a quem assiste a noção de que o tempo passou, demonstrando desta forma que o mostrar também estabelece relações entre presente, passado e futuro.

Cenas que demonstram a passagem do tempo Fonte: Ensaio sobre a cegueira (o filme)

Este fato demonstra que o modo de mostrar e interagir conta com muitas formas para representar o passado no cinema, como em cenas artificialmente envelhecidas ou realmente antigas (STAM, 2005b, p.21). Clichê 4 – Somente o contar (na linguagem) pode fazer justiça a elementos como ambiguidade, ironia, símbolos, metáforas silêncios e ausências; estes permanecem “intraduzíveis” para os modos mostrar ou interagir.

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O filme Ensaio sobre a Cegueira trabalha muito bem com a ironia no mundo da cegueira, utilizando para tanto de imagens que transmitem este olhar diferenciado. No livro, Saramago enfoca a ironia com a cobrança de valores ou bens para se obter comida dentro do manicômio, já Meirelles aborda esta mesma ironia com a presença de imagens que carregam consigo uma simbologia significativa. Um exemplo é a forma como os cegos da Camarata 3 organizam sua contabilidade, estes dispõem de lugar específicos para os objetos que vão sendo trazidos pelas outras camaratas. Um cego de nascença faz a contabilidade e, numa demonstração de total ironia, Meirelles coloca o líder da Camarata 3 pintando as unhas, como se alguém pudesse ver ou ele próprio as pudesse visualizar. É a presença da ironia com a utilização de imagens, pois ninguém poderia ver ou fazer uso daqueles objetos arrecadados, mas os cegos, ainda submersos em sua condição humana, precisam demonstrar poder perante os demais e se utilizam de bens

materiais para essa imposição. Embora todos os isolados possuíssem a mesma cegueira, os homens da Camarata 3 tinham em seu poder um revólver que, por ironia, precisa de alguém com visão para operá-lo. Nas cenas em que o revólver é utilizado para estabelecer o medo e a insegurança nos cegos, existe uma que tem uma ironia maior: é a cena de quando a Mulher do Médico mata, com uma tesoura, o líder da Camarata 3 e o cego de nascença sai atrás dela e dispara alguns tiros. Ela informa: Você errou! O cego percebe sua incapacidade neste momento, embora seja possuidor de uma arma de fogo. As cenas com água da chuva e água limpa remetem-nos à metáfora da sujeira que o ser humano produz, pois a natureza é límpida e transparente, já o ser humano é capaz de transformar esta pureza em algo sórdido e maléfico. Durante todo o filme, é possível perceber o quanto as pessoas são capazes de fazer, tanto para o bem como para o mal. Através do olhar da Mulher do Médico visualizamos a parte interna dos personagens, aqueles que

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independente da aparência reservam surpresas quanto a sua essência. São os silêncios e as ausências muito bem exploradas pelo diretor no momento em que as personagens revelam-se como realmente são, sem máscaras, sem artimanhas e sem enfeites. O companheirismo presente no Velho da Venda Preta com a Mulher do Médico no momento em que ela retorna da Camarata 3 e acaba de matar o líder é marcante como um silêncio que não precisa ser explicado. O Velho da Venda Preta sabe que a Mulher do Médico cometeu um crime, mas através de um simples toque no ombro dela, não deixa ela se entregar como a responsável pela morte do líder da Camarata 3. O diretor não precisou incluir diálogo nesta cena, só a expressão de dor e angústia presente na personagem Mulher do Médico já foi suficiente para transmitir ao espectador a cumplicidade de seus personagens.

original e cópia. A mobilidade do livro para o filme consegue demonstrar que os clichês, como bem afirma Hutcheon (2013), são inverídicos, pois estamos tratando de duas linguagens e como tal, cada uma tem seus recursos específicos e a melhor forma de se expressar, cabendo ao adaptador fazer uso destas potencialidades. O livro e o filme Ensaio sobre a Cegueira representam um desafio tanto para o leitor como para o espectador, pois qualquer uma das formas produzirá alguma reflexão ao ser acessada, cabe a cada um o desafio de mergulhar nas palavras ou nas imagens e submergir com uma visão crítica da realidade.

Uma adaptação exige mudança, mudança de linguagem, mudança de meio, mudança de forma de narrativa. O contar exige um processo descritivo e detalhado enquanto o mostrar por meio de artifícios e imagens na tela também compõe um modo de contar. O mostrar de Fernando Meirelles foi capaz de tocar, sensibilizar, emocionar, provocar reações. Por meio da criatividade do autor, ao lançar mão de artifícios (música, sons, cores) que possibilitaram uma adaptação do livro para o filme, manteve a importância do tema e reafirmou a necessidade de uma reflexão sem ultrapassar o limite entre o

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REFERÊNCIAS BERND, Zilá. Dicionário das Mobilidades Culturais; percursos americanos. Porto Alegre: Literalis, 2010. ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Blindness, 2008, 02 Filmes, 121min) Direção: Fernando Meirelles. HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. 2.ed. Traduzido por André Cechinel. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.

RODRIGUES, Antonio. José Saramago defende “Ensaio sobre a cegueira” – Não usamos racionalmente a razão que temos. In: A capital, Portugal, 04 de Nov. 1995. p. 21-23. STAM, Robert. Reflexivity in Film and Literature: From Don Quixote to JeanLuc Gotard. Columbia University Press, 1992.

GASTÃO, Ana Marques. José Saramago lança “Ensaio sobre a cegueira” – a doença da razão. In: Diário de notícias, Portugal, 28 out. 1995. p. 28 – 29. MEIRELLES, Fernando. Diário de Blindness. Disponível em: <http:// blogdeblindness.blogspot.com.br/>. Acesso em: 10 nov. 2013. ______. Entrevista. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 12 set. 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/ilustrad/fq1209200808.htm>. Acesso em: 05 nov. 2013. NUNES, Maria Leonor. José Saramago: o escritor vidente. In: Jornal de letras, artes e ideias, ano V, nº 653, Portugal, de 25 out. a 07 nov. 1995. p. 14-17. RAIMUNDO, Josefina. Em terra de cegos... In: Lusitano, Portugal, 27 de Nov. 1995. p. 14-15

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Autores:

Plinio Mósca Diretor, ator e professor de teatro, Chevallier des Arts et des Lettres de la République Française. Tecnólogo em Produção Cênica pela Faculdade Monteiro Lobato. Mestrando em Memória Social e Bens Culturais - UNILASALLE

Rosani Bittencourt Nicoletti Técnica em Secretariado da UFRGS. Formada em História, com Especialização em Metodologia do Ensino Superior. Mestranda em Memória Social e Bens Culturais – UNILASALLE.

Tanira Rodrigues Soares Técnica em Assuntos Educacionais da UFRGS. Formada em História, com Especialização em Metodologia do Ensino Superior. Mestranda em Memória Social e Bens Culturais – UNILASALLE.

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Migrações e tradução cultural: a comensalidade (cocanha) na identidade dos italianos! Cerca de quatrocentos casais, em sua maioria acima de cinquenta anos, chegam ao salão de festas da Paróquia São Cristóvão, no Bairro Igara de Canoas, para um jantar da 22ª Comenda Italiana em uma noite fria de junho de 2013.

As comendas italianas são eventos festivos e de comensalidade que nascem por ocasião do centenário da imigração italiana no sul do Brasil (1875-1975). Estes eventos culturais vêm crescendo, sobretudo nas regiões urbanas, para onde migraram os descendentes de imigrantes italianos, conhecidos como oriundi, os oriundos dos imigrantes italianos. Calcula-se hoje que cerca de 50 a 60 milhões de pessoas no mundo tem sua origem nos imigrantes italianos, o que perfaz a mesma quantidade de oriundi italianos fora da Itália. É o caso do oriundi Genuíno Spessatto, idealizador e coordenador de uma das várias comendas organizadas em Canoas, neto de italianos do Veneto, região do norte da Itália. No evento da comenda, os casais são recebidos na porta do salão por uma pequena comissão de oito pessoas cantando músicas produzidas e legitimadas na tradição italiana da serra

gaúcha. Trajados e portando símbolos das famílias na lida agrária cotidiana dos tempos passados e de seus antepassados, todos são acolhidos com abraços e saudações em dialeto.

Grupo cultural festivo que recebe os comensais

Oferecem a grapa, um destilado alcoólico produzido a partir da uva, o qual não apenas acalora recepção dos comensais à festa, mas reintroduz os habitantes do fragmentado mundo urbano no imaginário agrário da colônia italiana da serra gaúcha. As lembranças das lidas e dos tempos passadas e dos antepassados começam a povoar a memória destas pessoas. No interior do salão, passarão horas saboreando comidas e

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músicas, refazendo pertencimentos e fortalecendo elementos identitários de um povo migrante. Não é a repetição de uma janta em um momento de parada no caminho de um povo migrante. É uma comensalidade que se situa num entre-tempo e num etre-espaco, uma versão urbana traduzida dos filós e das festas comunitárias das pequenas comunidades de imigrantes italianos, que atravessaram o mar e colonizaram a região serrana gaúcha, ao longo do último quartel do século XIX, em busca da cocanha! Os filós eram encontros sociais informais realizados geralmente à noite, após o trabalho, onde os colonos comiam e conversavam acerca dos mais variados assuntos da comunidade. Cocanha, em italiano “cucagna”, significa a fortuna ou a sorte grande e provém de uma fábula francesa medieval que designa um país imaginário de delícias, prosperidade e promissão. Walter Roland observa que os migrantes vivem em um processo de tradução cultural em suas identidades, tradições e expressões culturais. Sua nova casa-lar não é mais a casa-lar de onde partiram, nem uma cópia da mesma. É um entre-lugar e um translugar, a fronteira de onde saíram ontem e onde estão hoje, em cujas passagens fronteiriças não se sustentam limites estáveis e fixos e o passado e as tradições são reescritos num processo de permanente tradução, em suas palavras, transformação cultural continua. O

descendente

do

migrante

italiano, tanto na região serrana gaúcha com suas festas e filós ao longo do período de centenário de colonização e desenvolvimento das cidades, como no espaço urbanizado em Canoas com sua presença ao longo de cinco décadas, expressam-se na recriação do espaço e tempo da comensalidade na Comenda Italiana. Portanto, expressão material de um imaginário cultural de uma casa-lar que é um entre-topos e um entre-cronos, nas palavras de Walter Roland, “entre um passado perdido, um presente não integrado e um futuro desejado e diferido”. E neste processo de comensalidades vai se resignificando o eterno sonho de todo migrante diaspórico italiano, a busca da Cocanha, a busca de uma vida melhor! Canoas: migrantes e a Comenda Italiana Demétrio Alves Lei em seu recente trabalho de interpretação sobre a formação do município canoense utiliza a metáfora do “caminho” para descrever como aqui chegam cerca de uma dezena de imigrações étnicas, dentre estas, os oriundi italianos. Estes migrantes italianos são da segunda geração dos oriundi italianos da região serrana do nordeste gaúcho, que começam a povoar Canoas. Começam a migrar para Canoas a partir da década de cinquenta do século XX, acompanhando a instalação de indústrias metalúrgicas, como a FORJASUL do grupo Tramontina de Carlos Barbosa. Migram em busca de trabalho e uma vida melhor, perseguindo a Cocanha que já não lhes

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é possibilitada no imaginário, tanto pela escassez da terra pela sucessiva divisão familiar das colônias como na incipiente oferta de trabalho em suas pequenas cidades coloniais. O fluxo migratório das colônias italianas para regiões agrícolas do norte do estado já havia ocorrido a partir da década de vinte do século passado, com a primeira geração dos oriundi italianos. Parte da segunda geração dos oriundi aventurou-se a desbravar matas nas regiões do oeste de santa Catarina e do Paraná, permanecendo na lida agrícola. O cotidiano do espaço urbano vai fragmentando a vida familiar e comunitária em permanente tensão com os elementos religiosos e culturais de pertencimento das comunidades de migrantes. Homi Bhabha fala que as comunidades de migrantes são o suplemento antagônico da modernidade que tudo pretende homogeneizar com sua cultura dominante. No entanto, estas comunidades vão negociando suas identificações coletivas onde realizam um processo de tradução cultural que se dá através de continua de transformação para recriar a noção de pertencimento cultural, em suas várias manifestações. Leonardo Boff, ao descrever as virtudes fundantes da civilização humana afirma que a comensalidade enquanto ato comunitário de comer e de beber juntos é mais que uma condição material. Ela pode se constituir em momentos especiais como uma experiência ritual na construção cultural da civilização humana. A condição de fome é sempre a materialidade

degradada de um grupo, um povo ou uma nação. Para o migrante italiano, tal como na cocanha, espaços e tempos de comensalidade são organizados como ritos de pertencimento que refazem identidades. O jantar-festa da comenda se constitui como um produto cultural transformado que realiza para o cidadão urbano pertencimentos neste entrelugar de comensalidade e refaz no entretempo a identidade italiana. É diverso do cotidiano dos almoços e jantares nos restaurantes e shoppings que tem seus elementos culturais da comensalidade dominante, ou são apenas, momentos repetitivos e rotinizados das necessidades fisiológicas dos seres humanos. Portanto, se a materialidade está nas comidas e nas músicas do passado, em sua imaterialidade recriam-se lembranças e memórias que procuram garantir para o futuro o sonho a ser perseguido pelos italianos de uma vida melhor. A comensalidade nesta fartura de comidas e músicas é a experiência da Cocanha resignificada no mundo urbano.

Encenação do cotidiano agrário em meio à festa

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O jantar da comenda é uma fartura que se inicia com sopa de capeletti, taiadele, tortéi e polenta, mas que se complementa com salame e queijo colonial, grostoli de cachaça e fino scachate, mandolate de mel com amendoim, Scodeguin, pão de batata doce e pão de ló, dentre outras iguarias da culinária italina. No variado repertório musical não pode faltar a música “La Mérica”, que conta a saga do imigrante que sai da Itália e passa 30 dias no navio atravessando o mar e chega no Brasil para construir com seu trabalho, comunidades e cidades. Ao som das tarantelas, forma de dança típica dos italianos, os casais vão dançando e trocando de pares, bem ao gosto do jogo do quatrilho, onde os pares se constituem livremente a cada cartada. A materialidade que distingue patrões de operários, comerciante de industriários, graduados de semi-alfabetizados é ressignificada nesta comensalidade transculturada da identidade italiana urbana do século XXI. É também herdeira resignificada das festas e filós dos pais e avós oriundi italianos da região serrana gaúcha.

Alfredo Chaves, Guaporé e Encantado. Dessas antigas colônias originaramse os atuais municípios de Caxias do Sul, Flores da Cunha, Farroupilha, São Marcos, Bento Gonçalves, Garibaldi, Carlos Barbosa, Antonio Prado, Veranópolis, Nova Prata, Nova Bassano, Cotiporã, Guaporé, Muçum, Serafina Correa, Casca, Encantado e Nova Bréscia.

Os filós e as festas na colônia Italiana

Estes emigrantes eram provenientes de uma região que acabara de se unificar e se constituir em um país, do qual eles ainda não haviam desenvolvido um senso de pertencimento. Sentiam-se vinculados as suas aldeias com seus dialetos e somente descobriram sua identidade nacional italiana no solo gaúcho, formando uma nova língua na colônia italiana no Brasil, o talian. Este dialeto é o resultado dos diversos falares dialetais dos imigrantes italianos de suas aldeias e regiões, predominando o Vêneto. Conhecido na linguística como coiné, o talian é a junção de vários dialetos mantendo um como significativo, acrescido também de palavras derivadas da língua portuguesa para dar conta de realidades do cotidiano gaúcho, como sorasco (churrasco) e bombassa (bombacha).

O maior contingente de imigrantes italianos ocorreu ao longo de duas décadas do último quartel do século XIX (1875-1994), ocupando a região serrana nordeste do Rio Grande do Sul, constituindo as colônias de Caxias, Dona Isabel, Conde D’Eu, Antonio Prado,

Carlos Albino Zagonel, em suas pesquisas sobre o cotidiano e a religião nas colônias destaca que a festa comunitária é a principal expressão cultural, enquanto evento festivo na colônia. O autor constata que o imigrante italiano no Rio Grande do Sul, além da língua, conservou suas

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tradições religiosas, em particular, o terço a nossa senhora e a devoções aos santos, realizadas nas famílias ou nas comunidades (capelas) aos domingos. As festas comunitárias nas colônias italianas ocorriam uma vez por ano, por ocasião da data do (a) santo (a) padroeiro (a).

Imagem que encena um filó tradicional da colônia italiana

A comensalidade com farta comida típica era permeada com jogos como a bocha e o quatrilho, iniciando de manhã com o culto e a missa e terminando ao final da tarde, quase sempre, após apreciarem o coral formado na comunidade ou de uma comunidade vizinha apresentando canções versando sobre o cotidiano e as aventuras da travessia da Itália à América. Os filós constituíam momentos lúdicos aleatórios reunindo vizinhos, amigos, conhecidos ao longo do ano, geralmente à noite, em períodos de entressafra na lavoura ou para preparar as festas e organizar tarefas comunitárias de solidariedade. As histórias de Nanetto Pipetta, personagem travesso

criado pela imaginação de Aquiles Bernardi, o Frei Paulino de Caxias, com quem os imigrantes italianos do Sul do Brasil identificaram-se plenamente eram contadas e recontadas nos filós, propiciando rememorar e resignificar lembranças de fatos do passado misturando-os com os do presente comunidade. Intitulada Vita e Estória de Nanetto Pipetta, escrita e publicada nos anos de 1924 e 1925, como coluna do primeiro jornal semanal de grande circulação na colônia italiana, na colônia italiana, o Stafetta Riograndense, posteriormente foi publicado em livro em 1937. Este é o período em que os oriundi da primeira geração se casam e formando novas famílias com seus filhos, enfrentam novas realidades e desafios no interior da colônia. É a primeira obra literária escrita no talian, seguidas de outras como Tonho Brusafratti e, mais recentemente, a trilogia de José Clemente Pozenato: A Cocanha, O Quatrilho e A Babilônia. Na sesta edição de Vita e Stória de Nanetto Pipetta, publicada em 1980, foi acrescida uma Gramática e Vocabulário do Dialeto Italiano Rio-grandense, elaborado por Alberto Víctor Stawinski. A saga do Nanetto Pipetta tem um papel de rememoração identitária ao contar a trajetória cotidiana de um imigrante, desde os motivos que o levaram a migrar, a sua experiência do embarque, da travessia, passando pelas peripécias da chegada e os desafios cotidianos nas relações sociais e familiares dos primeiros anos da colônia. Este personagem

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persegue a cocanha, testemunhando o desejo de Abundância como elemento propulsor da imigração. Recria-se e se resignifica a cocanha, tanto pelo fruto do trabalho do migrante como na necessidade de buscar uma vida melhor em outras terras, onde se acredita encontrar alimentos em fartura e melhores condições de vida para si e para as gerações futuras.

Ilustração da Cocanha no livro Nanetto Pipetta

Grandes cachos de uva cultivados pelos colonos, uma grande panela de polenta feita pela mãe, uma roça com grandes cachos de trigo amarelado e de grandes espigas de milho, estas são algumas representações da vida na América, enquanto procura da cocanha, no imaginário de Nanetto Pipetta e que passou a alimentar a identidade dos agricultores oriundi. A música La Bella Polenta, cantada e recantada no tempo da colônia e ainda hoje, expressa a cocanha também como fruto do trabalho. A polenta, um dos alimentos fundamentais da culinária do colono italiano não cai do céu como o maná e nem se encontra em uma miragem num país distante. Ela é fruto de todo um processo de prazer e trabalho que se inicia no plantio, acompanha o nascimento e o crescimento, realiza a

colheita e o beneficiamento da farinha, faz o cozimento da polenta e o corte das fatias e, por fim, degusta e digere o alimento. A abundância, a sorte da cocanha como fruto do trabalho passa a ser um elemento constitutivo da identidade resignificada do italiano em todas as travessias em todos as migrações: na lida agrária, no comércio, nos empreendimentos industriais ou mesmo num bom emprego. Tanto que existem muitas piadas reproduzidas nos espaços de constituição multimigratória, sendo o italiano sinônimo de valorizar o que possui. Diz-se que o italiano atravessa o rio com um sonrizal na mão e chega à outra margem sem a água tê-lo dissolvida. Faz parte do imaginário identitário do italiano oriundi que se afortunou, quer seja nas histórias de vida ou nas estórias do senso comum, ter sido alguém que possui fruto pelo seu merecido esforço no e pelo trabalho.

REFERÊNCIAS BERNARDI, Aquiles. Vita e Stória de Nanetto Pipetta. Caxias do Sul, EST/ Correio Riograndense, 6ª ed., 1980. BHABHA, Homi. O local da Cultura. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1998. BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro mundo possível: comer e beber juntos e viver em paz. Vol. III, Petrópolis, Vozes, 2006.

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LEITE, Demétrio Alves. No percurso dos antigos caminhos: a história de Canoas. Canoas, TecnoArte, 2012. ROLAND, Walter. Mobilidade cultural: o (não) lugar na encruzilhada transnacional e transcultural. In: INTERFACES BRASIL/CANADÁ, RIO GRANDE, N.8, 2008, pp.41-42. ZAGONEL, Carlos Albino. Igreja e imigração: capuchinhos de Sabóia e seu contributo à Igreja do Rio Grande do Sul (1895-1915). Porto Alegre, Sulina, 1975. Autor: Ivo Fiorotti, oriundi de terceira geração, licenciado em Teologia, pós-graduado em Ciências Políticas e Mestrando em Memória Social e Bem Culturais. Em 2013, exerce o 2.º mandato de vereador em Canoas.

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Sincretismo Religioso na Festa de Nossa Senhora das Águas em Canoas! carregavam - principalmente durante as enchentes costumeiras – poderiam retirar o sustento e, ao mesmo tempo, contribuir para a despoluição. Foi quando se deu início ao movimento de reciclagem do lixo e despoluição das águas a partir do trabalho em um grande mutirão de mulheres pobres que vendem os produtos retirados do lixo para garantir a sobrevivência de suas famílias.

A Romaria das Águas é um movimento inter-religioso e ecológico em torno do cuidado com as águas, especialmente do Lago Guaíba, e em devoção à Nossa Senhora (Aparecida) das Águas. Em 1993, na Comunidade de Papeleiros na Ilha Grande dos Marinheiros, Parque Estadual Delta do Jacuí, os moradores mesmo rodeados de água por todos os lados, não tinham água para beber e dependiam de carrospipa. O irmão Cechim, conhecido irmão marista e militante dos movimentos sociais no Rio Grande do Sul, viu que das toneladas de lixo que as águas

Conta a história que, seis mulheres trabalhavam no galpão da reciclagem e, ao abrirem uma sacola de lixo da coleta seletiva realizada pela Prefeitura, depararam-se com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida quebrada, cabeça separada do corpo. Ficaram escandalizadas. Indignadas com o desrespeito à santa que havia sido jogada fora. Buscaram um pouco de cola e juntaram a cabeça ao corpo. Em seguida, foram buscar um toco de vela para acender para a santa. Fixaram a pequena estátua junto a uma coluna do prédio e juntas rezaram uma Ave Maria em voz alta. Na reunião semanal de avaliação e planejamento na beira do Guaíba, falaram sobre a aparição da santa e ficaram sabendo que em São Paulo, em 1717, houve também uma aparição. Foilhes contada a história da aparição de

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Nossa Senhora Aparecida. Perceberam que era tudo semelhante ao que estava acontecendo naquele momento. Em nosso estado, a imagem da santa veio dentro de uma sacola de lixo, em São Paulo, há trezentos anos, a estátua veio de dentro da água, sendo catada através do arrastão de uma rede de três pobres pescadores. Do mesmo jeito que aqui: uma estátua quebrada, em dois pedaços, cabeça separada do corpo, esculpida em madeira e negra de rosto. Depois de um primeiro arrastão em que viera o corpo, seguiu-se um segundo lançar de rede em que veio a cabeça que faltava. Se na época, os pescadores sentiram-se tocados pelo sagrado ao encontrar a santa, aqui aconteceu o mesmo. As seis mulheres de hoje no Galpão de Reciclagem de Porto Alegre e os três pescadores de tempos passados sentiram-se tocados pelo sagrado. Depois de reciclada pelas mãos das catadoras, a imagem foi devolvida ao culto e colocada sobre um improvisado altar. Seria altar ou congá (local do templo onde ficam as imagens dos santos e orixás em uma casa de religião afro-brasileira), pois para alguns era Nossa senhora Aparecida e, para outros, Oxum – divindade feminina de origem africana, rainha das águas doces, mãe protetora, responsável pela fertilidade? A partir daí fundem-se Oxum e Nossa Senhora Aparecida num sincretismo religioso típico de nossa híbrida cultura. O termo sincretismo é com frequência empregado para

designar o hibridismo religioso que surge quando ocorre a fusão de duas ou mais crenças religiosas. Fenômeno esse bastante observado no Brasil, notadamente, na fusão das religiões africanas, europeias e ameríndias. Para Boff (1982), todas as religiões são sincréticas. O sincretismo, para ele, ocorre em outros aspectos da cultura, não apenas na religião. Entretanto em nossa sociedade, o sincretismo é discutido principalmente em relação às religiões afro-brasileiras, uma vez que nelas tem sido mais evidente. Na diáspora, os negros trouxeram da África suas crenças e as adaptaram ao cristianismo regente no Brasil, mudando nomes e imagens para poderem continuar adorando seus deuses. Resultou daí uma mescla de crenças, de crendices. Nas religiões afro-brasileiras cada orixá corresponde

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a um santo católico. Essa pluralidade, essa mistura são características da realidade brasileira.

parte do tempo, com predomínio da cultura branca dominante.

O antropólogo italiano Massimo Canevacci (1996) considera o sincretismo como o lado positivo da diáspora. Ainda, segundo Canevacci (1997: p. 13): “Assumimos aqui o sincretismo como termo-chave para a compreensão da transformação que está se dando naquele processo de globalização e localização que envolve, transforma e arrasta os modos tradicionais de produção de cultura, consumo, comunicação.” Somos formados com a contribuição das mais diversas culturas, procedentes do continente africano, que se somaram às numerosas nações indígenas encontradas em nosso vasto território. Assim o contato entre múltiplas culturas sempre foi característico de nossa sociedade, embora na maior http://rom

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Massimo Canevacci (1996, p. 8) enxerga o Brasil como um país feito de múltiplas diásporas - “a diáspora é mãe do sincretismo” – e por isso acredita numa outra forma de sincretismo, a cultural, como uma “proposta de uma nova antropologia híbrida”. O sincretismo religioso é, portanto, um movimento no qual um sistema de crença absorve ou influencia mudanças em outro. O cristianismo fez isto com as religiões pagãs da Europa, absorvendo e adaptando conceitos de acordo com os interesses da Igreja. Os negros trouxeram da África suas crenças e as adaptaram ao cristianismo regente no Brasil, mudando nomes e imagens para continuarem adorando seus deuses. Esta mescla de crenças, crendices, conceitos é algo natural, uma adaptação de acordo com a região, com a época. Muitas religiões menos estruturadas acabam por sucumbir, mas ao mesmo tempo as influências mútuas são benéficas. A romaria de Nossa Senhora das Águas, oficializada por lei municipal de 10/13, incluída no calendário oficial do Município de Canoas, é um exemplo de sincretismo, de hibridismo religioso, na devoção da santa misturamse umbandistas, afro-umbandistas, batuqueiros, espíritas e católicos. Para alguns a santa é Nossa Senhora Aparecida, para outros, Oxum. A hibridação, segundo Canclini (2001. p.XXVII), como processo de interseção e transações, é o que torna possível que a multiculturalidade não

se torne segregacionista e se converta em interculturalidade. Diz ainda que as políticas de hibridação serviriam para trabalhar democraticamente com as divergências. Nossa Senhora, Oxum são todas manifestações femininas, cada uma adequada a uma determinada cultura. Por isso, segundo Paulinho de Odé, Pai de Santo e Vereador em Canoas, o nome da festa é Romaria de Nossa Senhora da Água, não é romaria de Oxum, nem de Nossa Senhora Aparecida. Esse nome, para Paulinho, atenderia às duas culturas.

http://paulinhodeode.blogspot.com.br/

Portanto, a Romaria é uma espécie de pacto que está sendo construído por determinado grupo de católicos e umbandistas que se identificam nesta devoção. Dentre eles, temos o Ir. Antonio Cechin (católico), Caco Alfgonsim da UNIAXÉS, o Babalorixá Vereador Paulinho d’Odé.

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Segundo Paulinho de Odé, a religião Católica e a Umbanda se interligam nesta festa em favor de um bem comum - a água - sendo, portanto, também uma romaria ecológica. Observar esse sincretismo é importante porque o entendimento da complexidade desse fenômeno pode contribuir para uma melhor compreensão das dificuldades de se lidar com o outro e com as diferenças culturais. E a festa das águas é um bom exemplo de diversidade e de harmonia.

No aspecto religioso, a Romaria Nossa Senhora das Águas é importante para Canoas, segundo Paulinho de Odé, por vários motivos de alta relevância, ou seja, é um dos principais eventos interreligiosos da cidade e do estado, traz à tona a discussão sobre a ecologia, relacionando fé e natureza, uma vez que a natureza é o altar de todos nós. Para o babalorixá e vereador, Canoas hoje é com certeza a principal cidade de articulação deste projeto.

Uma das principais entidades que organiza e realiza a Romaria de Nossa Senhora das Águas é a FAUERS (Federação Afro-umbandista e Espiritualista do RS). Na opinião de Paulinho, este evento, hoje, não é de uma religião só; ele tem caráter interreligioso e híbrido, pois reúne diversos segmentos da sociedade e diversas tradições religiosas, cuja intenção é estabelecer uma forte relação com a natureza. Assim a cada ano, segundo a Revista Romaria da Águas (2011), há uma união de vozes e de credos que, em oração, buscam a preservação de nascentes, mananciais e bacias hidrográficas.

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REFERÊNCIAS BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. Contribuição a uma Sociologia da Interpenetração de Civilizações. São Paulo, Pioneira, 1971 ______. Contribuição ao estudo do sincretismo católico-fetichistas. Estudos Afro-Brasileiros, São Paulo, Perspectiva, 1973 BARRETO, M. A. P. Sincretismo, Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: FGV, 1986.

Cartilha Romaria das Águas http://romariadasaguasguaiba.blogspot. com.br http://www.dicionarioinformal.com.br/ gong%C3%A1/ Entrevista com o Vereador e Babalorixá Paulinho de Ode, realizada dia 04/11 e 26/11/2012.

BOFF, Leonardo. Igreja, Carisma e Poder. Petrópolis, Vozes, 1982. CANEVACCI, Massimo. Sincretismos. Uma exploração das hibridações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 1996 CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 2008. Introdução à Edição de 2001. As Culturas Híbridas em Tempos de Globalização. (pp.XVII-XL)

Autor: Breno Lacerda Graduado em Letras pela FAPA, Especialista em Ensino de Língua e Literatura (FAPA), Especialista em Educação Infantil e Séries Iniciais (IAESB ), Mestrando em Memória Social e Bens Culturais no UNILASALLE. Professor da Faculdade La Salle de Estrela.

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Trajetória da migração Ucraniana em Canoas. Grupo Folclórico de Dança Ucraniana SOLOVEI

Na disciplina de Mobilidades Culturais, compreendi que um dos aspectos ilustrativos estruturantes, para se trabalhar o conceito de mobilidade cultural, é o movimento. Logo, a dança de um povo é uma expressão cultural que revela seus hábitos e costumes. No caso, focalizaremos a Dança Ucraniana, do grupo Solovei, que traz as marcas da identidade ucraniana que se transforma, entre um tempo e lugares diferentes. Esse dançar do grupo é uma expressão secular que se utiliza, de forma muito presente nos dias de hoje, oriunda de um lugar fixo no passado, mas que se transmuta com seu povo, na passagem para as Américas, na sua forma e em suas expressões. Formas, lugares, hábitos, saudades e ofícios dos ucranianos, por exemplo, a presença do mar e das flores, é uma tipicidade ainda presente.

Este grupo ucraniano-canoense é hoje uma representação presente, no país e fora. O grupo se compõe de membros de famílias locais, tendo hoje, nos seus quadros, descendentes ou não da etnia de origem. A opção por escrever em forma de prosa poética, com aquiescência da Professora Zilá Bernd, corresponde ao estímulo que essa disciplina despertou literalmente em mim. O presente texto é, portanto, oriundo das leituras, debates e incentivos surgidos ao longo da disciplina realizada no último semestre de 2013. Uma aptidão inicial de ofício e jeito de escrever que literalmente, foi suscitado ao longo da disciplina. Fonte: acervo particular do autor

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Como uma diáspora, de entre lugares A migração dos Ucranianos para o Brasil Que sofreram a violação da sua liberdade e seus modos de vida, Sua terra e seu povo dizimado na fome nos anos trinta Sofreram a ditadura e o autoritarismo Das coletivizações forçadas das suas terras Fazendas onde todos deveriam ter cotas impossíveis de produção Pois, na difícil arte de atingi-las Os humanos daqueles lugares Não recebiam grãos para sua mínima alimentação, De um momento de sem sentidos Uma identidade de país, dilacerada Mas quando eclodiu a Segunda Guerra Eis que por mais dramático Alguns ucranianos Expressavam uma tênue esperança, Por incrível que pareça, E literalmente, os nazistas, mantiveram as expropriações, Ou funções absurdas , De levar carrinhos de terra, De um lugar a outro Na diáspora vivida pelo povo ucraniano De identidades agrícolas, religiosas e culturais, Muitos ucranianos desenvolveram o sentido das suas resistências, Travaram batalhas, de fugas desesperadas, Acampados, jogados, avançaram entre lugares distintos, Deslocados e em movimentos migratórios, Na busca da paz, de manter com dignidade as suas famílias, Ucranianos em movimento, a pé, de trem ou de navio, Atravessavam Áustria, Itália, Polônia, República Soviética, Um ir e vir, entre países, entre povos , entre culturas e identidades, Como um movimento invertido metafórico das ondas Diversas andanças dos ucranianos sem lares e Pátria, Em oralidades transmitidas por aquelas famílias, Em busca de um Porto seguro, Gente simples, trabalhadora, cheia de fé presente de suas culturas, Para salvar e cultuar sua vida e culturas Migraram principalmente neste período Entre Stalin e Hitler

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E suas maldades sem fim Com trabalho o povo ucraniano direito a viver para os Estados Unidos, Canadá e Brasil Que vieram ao Brasil No início em um porto no Rio de Janeiro Boas surpresas Optaram pelo Sul do Brasil Conhecido pela maioria deles migraram para o município de Canoas, Nas novas terras das suas esperanças Sobraram uns trocados Para montar um pequeno negócio Construir suas casas de madeiras em mutirão Em terrenos em banhados ou alagadiços Sem nenhuma infraestrutura De uma cidade ainda, dormitório Como era reconhecida a cidade de Canoas No bairro Niterói, uma forte comunidade se instalou, No seu imaginário de viver no Brasil, Alguém havia dito Tomava-se leite ao invés de água, O significado de uma simples vaca, Escondida na sala de visitas Lavada e cuidada De um tempo que agora ficou para a história, Mas quando viera a primeira leva em 1932, Canoas era um lugar ainda nem emancipado e pertencente ao Município de Gravataí, Trouxeram nas suas mínimas bagagens de doces lembranças, De um país a ser emancipado, Este que foi em 1991, a sua Ucrânia, Quase seis décadas depois que os primeiros migrantes Aqui chegaram, E com certeza , Junto das gentes que aqui estavam, De várias etnias, Alemães, italianos , negros , portugueses , ucranianos , entre outros, Juntos,sonho de sua emancipação

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Fonte: http://www.solovei.com.br

Simbolismos e rituais de um grupo de dança folclórica Construíram a igreja as famílias unidas A Igreja Ortodoxa Ucraniana Santíssima Trindade E ao lado um Centro Comunitário Onde nasceu e prosperou O Grupo Folclórico SOLOVEI Ideia do Padre Eugênio quando chegou a Niterói O grupo com uma trajetória de 23 anos Mantém viva as memórias por muitas gerações Segundo muitos dos relatos Naquilo que a eles é nato As características do folclore ucraniano Com danças de passos agachados, Um PRESIAD com várias formas e saltos, Saltos de um tempo e de uma memória, Com uma grande variedade de passos, A dança que mantêm a identidade e pertencimento, A um grupo, a um povo e ás várias comunidades integradas, Integram-se simbolicamente a todas as andanças do povo ucraniano, Na sua dança, Com três gêneros,

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As coromandadas que são as mais antigas, lembranças de um tempo ancestral, executadas literalmente o que repetem as canções, Presentes nos seus corações e nas suas memórias, Da natureza , sempre presente, das flores com suas fortes lembranças, E as ondas de mar, talvez tão presente na trajetória de suas buscas, Quase sempre , cheios de esperança, em resistir e buscar um lugar, para poder ser feliz, Um direito a ter um futuro, Nestas rodadas de danças folclóricas ucranianas, Tem também a representação da memória dos seus afazeres e ofícios, De uma trajetória do mundo seu, do que era e do que é, O seu trabalho, Nas danças da sugestão dos gestos dos seus ofícios, A sua dança contemporânea, Surgida de festas de suas histórias passadas, Arremessar saltos longínquos, E gritando HOP, Para ganhar maior impulso, E de se arremessar bem ao alto, Ainda que por instantes, Longe e perto da sua Ucrânia!

Fonte: acervo particular do autor

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Fonte de pesquisa: Canoas para lembrar quem somos Niterói- 1995 Parceria Centro Universitário La Salle e Prefeitura Municipal de Canoas Pesquisa Rejane Penna(coordenação) Miguel Gayesk Darnis Corbelini REFERÊNCIAS Entrevista com fonte de pesquisa: Imigrante Ucraniano Micolag Schwez, Postado no Site : 18/12/2011 Publicação realizada originalmente pelo Jornal o Timoneiro -Canoas Jornalista Celso Augusto Uequed Pitol Entrevista de uma série que pretende mostrar a vida de migrantes para Canoas

HALL, Stuart. Pensando a Diáspora: Reflexões sobre a terra no exterior. IN HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: editora da UFMG, 2003. Trad. Resende, Adelaine ét. all. p.25-50. SAÍD, Edward. Reflexões sobre o exílio. IN SAID, E. Reflexões sobre o exílio. São Paulo: Cia das Letras, 2003.p. 46 a 60. SITE : Igreja Ortodoxa Ucraniana Santíssima Trindade de Canoas -RS Textos Postados 18/11/2011 Acessados: outubro 2013

Autor: Paulo Roberto Ritter Sociólogo - Especialista em Ciência Política, ex-secretário de Educação de Canoas (2009 a 2011), Vereador de Canoas (Vice-Presidente da Câmara Municipal), Mestrando em Memória e Bens Culturais.

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MOBILIDADE DA BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA:

ADAPTAÇÃO À EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SUPORTES DA INFORMAÇÃO A biblioteca é o centro de conhecimento de qualquer universidade. Estes centros de informação são responsáveis por darem o suporte necessário ao desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão nas universidades. Mais do que qualquer outro tipo de biblioteca, a biblioteca universitária parece ser a que mais necessita se adequar a novos suportes de registros de informação ao longo dos tempos, uma vez que se inserem em instituições natas no desenvolvimento de novos saberes da humanidade. A capacidade destas bibliotecas em se adaptarem ao longo dos séculos às evoluções tecnológicas, desde os primeiros documentos a fazerem parte de seus acervos, os pergaminhos, até a onipresença proporcionada na atual era digital, faz com que essa “mobilidade” se verifique também nos modos de recuperação, armazenagem e disseminação da informação. A está

evolução das intrinsecamente

bibliotecas relacionada

às tecnologias para registro do conhecimento produzido, desde os antigos manuscritos, passando pelo advento da prensa tipográfica até os documentos produzidos apenas em formato eletrônico nos dias de hoje.

A BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA E A MOBILIDADE DA INFORMAÇÃO EM DIFERENTES SUPORTES As primeiras universidades tem sua origem próximas às coleções contidas em mosteiros e conventos da Idade Média, onde estes reuniam grande parte do conhecimento humano registrado até então. Desde o surgimento das primeiras universidades no século XIII, as bibliotecas desempenham o papel de reter o conhecimento gerado e proporcionar o seu acesso em diferentes formas. A biblioteca tem papel fundamental no apoio à qualquer universidade. Estes espaços de saber tem papel de destaque nestas instituições por proporcionar informação para o suporte da trilogia

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ensino, pesquisa e extensão aplicada na universidade além de fomentar, através de seu acervo, seus produtos e serviços a possibilidade de geração de novos conhecimentos. As bibliotecas universitárias estão relacionadas ao fazer da universidade, portanto, sua função básica é fornecerem a infra-estrutura bibliográfica, documentária e informacional para subsidiar as atividades científicas, além de divulgarem o conhecimento produzido por seu corpo acadêmico para a sociedade (DEUS, 2011). Desde o surgimento das bibliotecas universitárias, sua evolução deve-se a mobilidade do conhecimento em diferentes suportes. A evolução dos suportes para registro de informações está intimamente relacionada à evolução da escrita e às tecnologias para registros de informações geradas pelo homem. Os primeiros suportes usados para registros de informações foram as próprias cavernas, que além de servirem como residência, serviam ainda como suportes para inscrições de seus habitantes. Le Goff (1994) cita ainda outros materiais que foram usados como primeiros suportes para registros humanos, como ossos, estofos, peles, folhas de palmeiras etc. Dentre várias tentativas de se achar o meio mais adequado, tiveram mais sucesso o pergaminho, o papiro e o papel, criados especialmente para a escrita. O papel se sobressaiu em relação aos demais pois além de ser mais barato produzilo, não dependia da criação de animais, para produção de pergaminhos, ou

da obtenção de matérias-primas específicas, como a planta papirus para a fabricação de papirus. O papel que até meados dos anos 60 do século XX reinava absoluto como sendo o único suporte de registro nos acervos da bibliotecas, passa então a dar espaço a coleções de objetos de acesso eletrônico, tais como disquetes, fitas magnéticas, compact discs, DVDs, que possuem a capacidade de conter coleções inteiras em um único item, o que proporcionou às bibliotecas uma grande economia de espaço físico e novas adequações estruturais para condicionamento e acesso a essas mídias. O desenvolvimento e a popularização da rede mundial de computadores trouxe novos desafios às bibliotecas universitárias no fim do século XX, em que o acesso à informação estava disponível independente de um suporte físico. A preocupação então passou a ser em se adaptar no trato desta informação, uma vez que o suporte passou a ser digital, não sendo mais necessário o acondicionamento em um meio físico, o papel da biblioteca deixou de ser o de depósito de informação para a vir a ser a de mediar o acesso ao conhecimento. Novos serviços e produtos tiveram que ser desenvolvidos pelas bibliotecas para proporcionar a recuperação de forma mais eficiente da informação pelo usuário, devido a gigantesca gama de informações disponíveis à estes na web.

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Figura 1 – Evolução Histórica dos Suportes de Informação Fonte: VIANA, Michelangelo M.M. (2013).

Resumidamente podemos destacar 3 grandes fases na evolução das bibliotecas universitárias, são elas: a Biblioteca Tradicional no período de 1080-1970; a Biblioteca Automatizada de 1970 até o fim do século XX; e a Biblioteca Digital a partir do século XXI. No decorrer da história, as bibliotecas mudaram seu caráter de proporcionar o acesso ao conhecimento à poucos afortunados para uma realidade de democratização da informação.

A BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA DO FUTURO A informação científica que antes estava disponível no acervo físico da biblioteca universitária agora passa a estar disponível através da biblioteca, por meio de acervos virtuais. De acordo com Drabenstott e Burman (1997, p.5), a preocupação das bibliotecas universitárias, no atual contexto tecnológico, deve ser a de fomentar treinamentos aos seus usuários no uso das ferramentas de informação, devido a infinidade de informações disponíveis nestes ambientes: As bibliotecas digitais são de uso fácil e transparente aos usuários, sem que seus agentes precisem ser necessariamente programadores ou bibliotecários.

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A maleabilidade e onipresença geográfica dos textos digitais podem significar que o usuário final necessite logo mais de habilidades de navegação para identificação e busca da informação, habilidade exercida até agora unicamente por bibliotecários.

Como exemplo de mobilidade que passam as bibliotecas universitárias na atual era da informação, podemos citar a biblioteca da Universidade de Cambridge, que foi fundada a partir de acervos monacais por volta de 1444, e que hoje disponibiliza mais de mil manuscritos de seu acervo histórico no projeto Cambridge Digital Library.

Figura 3 - Biblioteca Digital da Universidade de Cambridge, acesso a pergaminhos de 2 mil anos digitalizados

Figura 2 - Biblioteca da Universidade de Cambridge, fundada em 1444

O prognóstico mais provável sobre o futuro dos suportes de informação é que ambos, impressos e digitais, deverão conviver simultaneamente como opções diferentes e complementares, não havendo um parâmetro de que essa ou aquela forma de acesso seja melhor ou pior. Existem facilidades, como também restrições, mas o importante é o desempenho e a contribuição de cada um desses formatos e categoria de bibliotecas no desenvolvimento do conhecimento humano. (BENÍCIO; SILVA, 2005) Enquanto não houver um suporte informacional definitivo, parece que a

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sina das bibliotecas universitárias será a de se moldar à novas tecnologias de registro dos conhecimentos. O constante processo de adaptação é vital para a sobrevivência desses centros de informação, uma vez que seu público sempre irá buscar recursos mais eficientes para busca, acesso, organização e guarda dos saberes que necessitam. O foco deste tipo de biblioteca, que até a poucos anos era o de prover a informação ao público acadêmico, agora passa a ser o de gerenciar o acesso a uma imensa massa de conhecimento até seu usuário, onde a agilidade e a revocação na recuperação das informações neste processo são fundamentais.

REFERÊNCIAS

DRABENSTOTT, Karen M.; BURMAN, Celeste M.. Revisão analítica da biblioteca do futuro. Ciência da Informação, Brasilia , v. 26, n. 2, 1997 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S010019651997000200012&lng=pt&nrm=i so>. Acesso em: 12 dez. 2013. GREENFIELD, Jeremy. What is going on with library e-book lending? Forbes, 6/22/2012. Disponível em: <http://www.forbes.com/sites/ jeremygreenfield/2012/06/22/what-isgoing-on-with-library-e-book-lending/>. Acesso em: 15 nov. 2013. VIANA, Michelangelo M.M. A informação e a biblioteca universitária. Porto Alegre: [s.n.], 2013. Apresentação em Slides. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/miquemv/ssa-informao-e-a-biblioteca-universitria>. Acesso em: 05 dez. 2013.

BENÍCIO, Christine Dantas; SILVA, Alzira Karla Araújo da. Do livro impresso ao e-book: o paradigma do suporte na Biblioteca Eletrônica. Biblionline, João Pessoa, v. 1, n. 2, p.1-14, 2005. Autor: Rubens Da Costa Silva Filho Possui graduação em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Gestão Cultural pelo SENAC-RS. Mestrando do curso Memória Social e Bens Culturais, UNILASALLE. Atua como bibliotecário-chefe da Biblioteca da Escola de Enfermagem (UFRGS). Revisor de normalização do periódico científico Revista Gaúcha de Enfermagem (UFRGS).

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Reitor Ir. Dr. Paulo Fossatti Vice-reitor Ir. Dr. Cledes Antonio Casagrande Diretoria de Extensão e Pesquisa Diretor Ir. Dr. Cledes Antonio Casagrande Diretora-adjunta Profª. Drª. Patrícia Kayser Vargas Mangan

Coordenação do Mestrado em Memória Social e Bens Culturais Coordenadora Profª. Drª. Cleusa Maria Gomes Graebin Coordenador-adjunto Prof. Dr. Lucas Graeff

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Mestrado Profissional em Mem贸ria Social e Bens Culturais


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