Scientific American - Aula Aberta 15

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Roteiros temáticos para atividades em sala de aula

Aula Aberta

Matriz de referência do

O prazer de ensinar ciências

ENEM

BRASIL

ANO II - NO 15 - 2013 - R$ 6,90

ISSN 2176163-9 00015

9 772176 163001

Quanto tempo sobrevivemos sem respirar? BIOLOGIA

Os mecanismos do nosso organismo que participam da respiração e limitam a apneia

GEOGRAFIA A formação do rio Amazonas

MATEMÁTICA

Estatísticas que descrevem fenômenos naturais

QUÍMICA

Nossos pensamentos têm cheiro

FÍSICA

Relâmpagos, o que não sabemos sobre eles



SUMÁRIO

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SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA No 15

BIOLOGIA

Fisiologia: o limite da apneia Os fatores que limitam o tempo que podemos ficar sem oxigênio

28

MATEMÁTICA

As regras do imprevisível Modelos da física estatística são usados para explicar os movimentos do mundo financeiro

36

GEOGRAFIA

A formação do Amazonas Nas origens do maior rio do mundo estão algumas respostas para explicar a extraordinária abundância de vida vegetal e animal da floresta que o cerca

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EDUCAÇÃO

Ciência e educação de qualidade são a base da esperança Falta qualidade à universidade brasileira para competir em escala global

18

QUÍMICA

O cheiro de nossos pensamentos Sem saber, nos comunicamos por sinais químicos, como as aves e as abelhas

46

FÍSICA

Um raio no céu azul Pesquisa mostra que relâmpagos são fenômenos complexos e ainda pouco conhecidos

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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SEÇÕES 6 NOTAS n

Coisas que se fazem sozinhas

n

Legal demais para uma escola

n

Vírus comedores de bactérias

n

Veneno contra o câncer de pele

55 PARA O PROFESSOR

Roteiros elaborados por professores especialistas com sugestões de atividades para a sala de aula

8

FÍSICA NO ESPORTE Salto estratosférico de paraquedas

66

10 COMO FUNCIONA Baterias de lítio

www.sciam.com.br

BRASIL

COMITÊ EXECUTIVO Jorge Carneiro, Luiz Fernando Pedroso, Lula Vieira e Rogério Ventura DIRETOR DE REDAÇÃO Janir Hollanda janirhollanda@ediouro.com.br

Aula Aberta

EDITOR: Luiz Marin DIAGRAMAÇÃO: Juliana Freitas redacaosciam@duettoeditorial.com.br EDITOR-CHEFE: Ulisses Capozzoli EDITOR DE ARTE: João Marcelo Simões ASSISTENTE DE ARTE: Ana Salles ASSISTENTE DE ICONOGRAFIA: Luiz Loccoman ESTAGIÁRIAS: Isabela Jordani (arte); Jéssica Nogueira (planejamento)

4 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

COLABORADORES: Carmen Weingrill (redação); Edna Adorno, Luiz Roberto Malta (revisão); Aracy Mendes da Costa, Áurea Akemi Arata, Marcio Bronzato de Avellar, Paulo Mathias Manes, Regina Cardeal (tradução); Denise Martins (arte); Paulo César Salgado (tratamento de imagem) DIRETOR EXECUTIVO: Rogério Ventura PUBLICIDADE E PROJETOS: Fernando Mello (11) 2713-8181 - fernando.mello@duettoeditorial.com.br COORDENADOR DE PUBLICIDADE: Robson de Souza (11) 2713-8185 PROJETOS ESPECIAIS MERCADO FARMACÊUTICO GERENTE DE NEGÓCIOS: Walter Pinheiro REPRESENTANTES COMERCIAIS COORDENAÇÃO GERAL: Mauro R. Bentes (21) 3882-8315/ 8135-3736 - bentes@ediouro.com.br Brasília: Sônia Brandão (61) 3321-4304 | Rio Grande do Sul: Roberto Gianoni (51) 3388-7712/ 9985-5564 - gianoni@gianoni.com.br | Goiás Rondônia: Marco Antônio Chuahy (62) 8112-1817/ 3281-2466 - machuahy@gmail.com | Paraná Santa Catarina - Tocantins: Euclides de Oliveira,

MEU PERCURSO

A engenheira florestal Luciana Spinelli fala de sua paixão pela pesquisa de campo

Marco Monteiro (41) 3023-0007/ 9943-8009/ 96988433 - euclides@dmci.com.br / mmonteiro@ebgepr. com.br | Pará: Alex Bentes (91) 8718-3351/ 32224956 - alexbentes@hotmail.com | Minas Gerais: Tadeu da Silva (31) 8885-7100 - tadeuediouro@ gmail.com | Espírito Santo: Dídimo Effgen (27) 3229-1986/ 3062-1953/ 8846-4493/ 9715-7586 | Mato Grosso - Mato Grosso do Sul: Luciano de Oliveira (65) 9235-7446 - fenixpropaganda@ hotmail.com | Ceará- Pernambuco - Bahia Sergipe: Rozana Rocque (11) 4950-6844/ 999314696 - rozana@ediouro.biz / rrocque@terra.com. br | Ceará: Izabel Cavalcanti (85) 3264-7342/ 9991-4360/ 8874-7342 - izacalc@yahoo.com. br | Pernambuco: Carlos Chetto (71) 9617-6800, Rosângela Lima (81) 9431-3872/ 9159-0256 carloschetto@canalc.com.br / rosangelalima@ canalc.com.br | Bahia-Sergipe: Carlos Chetto (71) 9617-6800, Carmosina Cunha (71) 81791250/ 3025-2670 - carloschetto@canalc.com.br / carmosinacunha@canalc.com.br MARKETING GERENTE DE MARKETING: Moacir Nóbrega ANALISTA DE MARKETING: Cinthya Müller


EDITORIAL D

ezoito minutos e 32 segundos! Não, esse não é o tempo que podemos ficar sem respirar, mas sim o recorde mundial de mergulho em apneia batido pela pernambucana Karoline Meyer em 2009. Para a maioria de nós, simples mortais, o prazer de mergulhar pode ser grande, mas a aflição provocada pela falta de ar nos impede de desfrutá-lo por mais de 1 ou 2 minutos. Os estudos sobre os mecanismos que controlam a apneia não são, de todo, conclusivos: algumas teorias foram abortadas e apenas uma delas parece corresponder às evidências experimentais. De qualquer forma, o assunto atrai o interesse de todos e se presta ao estudo da respiração e seus sistemas reguladores. Esta edição oferece também um percurso pela grandiosidade da bacia amazônica, garantida pelo equilíbrio entre relevo, cobertura vegetal e dinâmica hídrica. O enfoque dado pela autora do artigo abre um horizonte de possibilidades de exploração do tema dentro da sala de aula e, o melhor, fora dela também, porque suscita a pesquisa de campo pelos alunos nas margens dos rios que banham a comunidade onde moram, um procedimento fundamental quando se aborda, paralela e obrigatoriamente, a questão da conservação.

Alguns temas selecionados podem parecer que transcendem os conteúdos do ensino médio, o que não os tornam inapropriados, convém ressaltar. Ao contrário, como se pode confirmar no artigo escolhido para matemática, o exame e a discussão de funções que explicam as flutuações do mercado financeiro permitem abordar os fractais e apresentar a ideia de iterações, tão fundamental em computação, economia e biologia. Outro assunto intrigante, cujo exame será bastante útil, diz respeito a um fenômeno natural que, no Brasil, provoca a morte de pelo menos 100 pessoas todos os anos: os relâmpagos. Como eles se formam? Por que as nuvens se carregam eletricamente? Desde Franklin, muito já se disse sobre raios e relâmpagos, com explicações errôneas ou pouco profundas, o que não dá para condenar pois ainda hoje se desconhece muito sobre eles. No entanto, a leitura do artigo e a complementação com a aula, certamente vão levar ao aluno uma visão do fenômeno mais abrangente que as costumeiras. E para completar o trabalho com os estudantes, um tópico da química pode

ASSISTENTES DE MARKETING: Rafael Couto e Rodrigo Bezerra CIRCULAÇÃO E PLANEJAMENTO GERENTE: Arianne Castilha COORDENADORA DE CIRCULAÇÃO: Luciana Pereira PRODUÇÃO GRÁFICA: Wagner Pinheiro ASSISTENTE DE PCP: Paula Medeiros ANALISTA DE PLANEJAMENTO: Joseane Gomes ASSISTENTES DE PLANEJAMENTO: Tâmara Nogueira e Roberta Aguiar VENDAS AVULSAS: Fernanda Ciccarelli

CENTRAL DE ATENDIMENTO segunda a sexta das 8h às 20h/ sábado das 9h às 15h ASSINANTE E NOVAS ASSINATURAS São Paulo (11) 3512-9414 RIO DE JANEIRO (21) 4062-7551 www.lojaduetto.com.br e www.assineduetto.com.br Para informações sobre sua assinatura, mudança de endereço, renovação, reimpressão de boleto, solicitação de reenvio de exemplares e outros serviços acesse www.assinaja.com/atendimento/duetto/ faleconosco Números atrasados e edições especiais podem ser adquiridos através da Loja Duetto, ao preço da última edição acrescido dos custos de postagem, mediante disponibilidade de nossos estoques.

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SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina EXECUTIVE EDITOR: Fred Guterl MANAGING EDITOR: Ricki L. Rusting CHIEF NEWS EDITOR: Philip M. Yam SENIOR EDITORS: Mark Fischetti, Christine Gorman, Anna Kuchment, Michael Moyer, George

CAPA: © Sergey Orlov / Shutterstock

ser desenvolvido com certo humor, começando pelo título. O aroma de seus pensamentos, um estudo sobre os possíveis feromônios humanos, é um convite para estudar a química orgânica pelo caminho das suas relações com a tecnologia, a sociedade e o ambiente. Boa leitura e boas aulas.

Luiz Carlos Pizarro Marin redacaosciam@duettoeditorial.com.br

Musser, Gary Stix, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley PRESIDENT: Steven Inchcoombe EXECUTIVE VICE-PRESIDENT: Michael Florek SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é uma publicação mensal da Ediouro Duetto Editorial Ltda., sob licença de Scientific American, Inc.

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SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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NOTAS FÍSICA

Coisas que se fazem sozinhas

A

ssim como pessoas podem formar uma pirâmide humana, partículas também podem se organizar em padrões intrincados. Em um novo estudo, pesquisadores da Universidade de Michigan descobriram que a forma de um objeto afeta a maneira como ele responde à aglomeração e que, com uma forma adequada, pequenos “tijolinhos” conhecidos como nanopartículas poderiam se auto-organizar em estruturas previsíveis maiores simplesmente sendo forçados a dividir espaço com seus vizinhos. O estudo, que apareceu na Science de 27 de julho de 2012, poderia ajudar pesquisadores a desenvolver novos materiais. Os pesquisadores fizeram simulações de computador com 145 partículas com diferentes formas poliédricas idealizadas. (Um poliedro é um sólido formado

por faces planas.) Quando esses poliedros eram colocados perto de partículas com formas idênticas a maioria deles se organizava em um trançado ou em um arranjo parecido com cristal. A coautora do estudo, Sharon Glotzer, professora de engenharia química, ciência de materiais e física de Michigan, e seus colegas já tinham descoberto que algumas formas de partículas se auto-organizam naturalmente. Mas as novas simulações mostraram que esse comportamento é a regra, não a exceção. Uma forma piramidal de base quadrada se juntou em “supercubos” de seis pirâmides cada. Os pesquisadores também descobriram que o comportamento coletivo de dado tipo de partícula está longe de ser aleatório. Na verdade, dois números quase preveem o resultado. Um número chamado de quociente isoperi-

métrico, que captura aproximadamente a forma de uma partícula, e uma medida chamada de número de coordenação, que descreve quantos vizinhos uma partícula tem, previram 94% das vezes qual forma cristalina um poliedro teria. A relação entre forma e auto-organização poderia ser usada para fazer com que as nanopartículas exibissem comportamento coletivo específico. “Esta é uma espécie de Santo Graal da pesquisa de materiais: simplesmente olhar para uma partícula e dizer ‘Ah, sim, conheço todos os tipos de estruturas cristalinas que seriam estáveis com isso’”, explica Sharon. “Esse estudo nos permite dar o primeiro passo nessa direção.” – John Matson

EDUCAÇÃO

Legal demais para ser uma escola? Um museu de matemática em Manhattan

G

len Whitney, matemático e ex-administrador de fundos de cobertura, ficou desapontado quando o Museu Goudreau de Long Island, um pequeno espaço devotado à matemática, foi fechado há alguns anos. Sua resposta: algo muito maior. Seu Museu da Matemática foi inaugurado e já está fazendo enorme sucesso, no Distrito Flatiron de Manhattan. “Assim que entrar, você já estará cercado de matemática, saiba disso ou não”, assegura Whitney. O museu foi projetado para ser divertido, mas também tem um propósito sério. Cindy Lawrence, diretora associada do museu, observa que os Estados Unidos não estão produzindo trabalhadores matema6 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

ticamente competentes o suficiente. Essa pode ser uma preocupação de segurança nacional, porque a Agência de Segurança Nacional é o principal empregador de matemáticos e confia neles para analisar dados de inteligência. Parte da missão do museu, de acordo com Cindy, é educar crianças a respeito do número de carreiras matemáticas disponíveis. O museu tem uma vasta quantidade de exibições interativas, desde um triciclo de rodas quadradas que os visitantes podem usar para passear suavemente em uma superfície irregular, até uma câmera de vídeo que permite que os usuários se “transformem” em fractais. No “Hiper-hiperboloide”, o visitante pode se sentar dentro de uma superfície

matemática e transformá-la com o girar de um botão. Cindy e Whitney esperam que o museu atraia pessoas de todo o espectro do conhecimento matemático. Ao entrarem no prédio, os visitantes selecionam seu nível de conhecimento matemático em um computador, que o registra no ingresso. Assim, nas exibições, computadores mostrarão a explicação adequada ao visitante. Aqueles que desejarem aprender mais podem visualizar todo o texto manualmente.

ILUSTRAÇÃO POR THOMAS FUCHS

Nanopartículas que se auto-organizam podem produzir novos materiais


ENGENHARIA

É viral!

Vírus comedores de bactérias podem abastecer celulares

ILUSTRAÇÃO POR THOMAS FUCHS

E

m busca por fontes de energia ecológicas cientistas descobriram como retirar energia de seres vivos cada vez menores: primeiro milho, depois algas e agora bactérias. Menor ainda é o bacteriófago M13, vírus que infecta bactérias que engenheiros da University of California em Berkeley usaram para gerar eletricidade. Apesar de o dispositivo alimentado pelo vírus produzir apenas uma quantidade mínima de energia, poderá abrir o caminho para que celulares sejam carregados enquanto caminhamos. O dispositivo depende de uma propriedade chamada piezoeletricidade, que pode traduzir a energia mecânica de um tapinha, por exemplo, em energia elétrica. A maioria dos microfones de celulares são piezoelétricos e convertem a energia de ondas sonoras em

eletricidade, transmitida e traduzida de volta em ondas sonoras no telefone receptor. O problema com esses dispositivos piezoelétricos, explica o bioengenheiro de Berkeley Seung-Wuk Lee, é que eles são feitos de metais pesados como chumbo e cádmio. Lee e seus colegas descobriram que o M13, que tem forma de lápis, preenche todos os requisitos. Como o vírus só infecta bactérias, é seguro para humanos, além de ser barato e fácil de criar: cientistas podem conseguir trilhões de vírus de um único frasco de bactérias infectadas. O formato do vírus também é importante porque o M13 pode facilmente ser acomodado em folhas finas. Para melhorar a capacidade de geração de energia do M13 a equipe de Lee modificou o conteúdo de aminoácidos de sua camada de proteínas externa adicio-

nando quatro moléculas de glutamato negativamente carregadas. Os pesquisadores empilharam camadas de vírus para amplificar o efeito piezoelétrico. Quando os cientistas afixaram esse filme virótico de 1 centímentro quadrado a um par de eletrodos de ouro e pressionaram firmemente um deles o filme produziu eletricidade suficiente para iluminar uma tela de cristal líquido com o número 1. Apesar de ter gerado apenas uma pequena quantidade de energia – 400 milivolts, ou um quarto da energia de uma bateria AAA – biomateriais piezoelétricos são viáveis, aponta Lee. – Melinda Wenner Moyer

INOVAÇÃO

Veneno Contra Câncer de Pele

O

Getty Images.

Museu da Matemática

O museu também ajudará a apoiar professores. Seu prêmio Rosenthal para professores de matemática da quarta série ao segundo colegial oferece uma recompensa em dinheiro e torna o material instrutivo do vencedor disponíveis para uso de outros. – Evelyn Lamb

veneno da serpente cascavel é fonte de um novo medicamento contra o câncer. O componente chamado crotamina tem sido aplicado com sucesso no tratamento de melanoma, tipo de câncer com a maior letalidade entre os que ocorrem na pele e com incidência crescente nos últimos 30 anos. Em testes com animais, a toxina aumentou a taxa de sobrevivência, apresentou efeitos colaterais mínimos e revelou-se pouco alergênica. Como é capaz de reconhecer células tumorais, tem sido usada também como ferramenta biotecnológica em laboratórios dedicados a propor inovações terapêuticas e diagnósticas.

Além da alta taxa de sobrevida apresentada pelos animais de laboratório com melanoma, cerca de 70%, a crotamina ainda foi capaz de retardar e, em alguns casos, impedir o desenvolvimento de tumores. Caso se confirme sua capacidade de permanecer no tecido canceroso por longos períodos enquanto preserva o tecido saudável, poderá ser a alternativa de tratamento mais segura. O projeto é coordenado por Irina Kerkis, do Instituto Butantan em São Paulo. Atualmente o grupo trabalha para produzir crotamina sintética e realizar os testes clínicos. A previsão é de um novo medicamento disponível em cinco anos. – Carmen Weingrill SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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FÍSICA NO ESPORTE Salto estratosférico A incrível façanha de um paraquedista austríaco a 39 km de altitude

Q

uando algum objeto é solto no ar, não muito distante da Terra, ele, evidentemente, começa a cair, iniciando a descida com aceleração igual à da gravidade. À medida que ganha velocidade, a força de resistência do ar (chamada força de arrasto ou apenas arrasto) afeta a queda, fazendo com que a aceleração do objeto diminua. Essa força de arrasto, no entanto, não é constante, ela vai se tornando maior conforme aumenta a velocidade do objeto. Mas há um limite: ela para de crescer quando se iguala à força-peso do objeto. A partir desse momento, a aceleração se anula e o corpo continua sua queda, mas com velocidade constante. A fórmula que relaciona a força de arrasto com os outros fatores relevantes é F = 1/2 CρAV2 em que ρ é a densidade do ar (pouco mais que 1 kg/m3 em altitudes não muito elevadas), v é a velocidade do objeto em relação ao ar, A é a área frontal do objeto e C é o chamado coeficiente de arrasto. Mas, atenção, F não é uma das chamadas forças fundamentais da natureza, como a gravitacional, a eletromagnética e as duas forças de curto alcance, importantes nos fenômenos que ocorrem em escalas de tamanho próximas ou menores que a do núcleo atômico. Ela é uma força de caráter empírico. O mesmo acontece com o coeficiente de arrasto, C, cuja forma de calcular é bastante elaborada e pouco precisa, de modo que, nas situações práticas, o melhor procedimento é determinar seu valor por meio de experiências. A força de arrasto é fundamental em determinadas práticas esportivas, sobretudo no paraquedismo, como veremos. 8 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

sem abrir o paraquedas, sua velociUM PARAQUEDISTA TÍPICO No caso dos paraquedistas, logo de- dade atinge até 200 km/h. Quando o pois do salto, mas antes da abertura paraquedas se abrir e começar a inflar, do paraquedas, o coeficiente de arras- o paraquedista sentirá um forte puxão to é da ordem de 0,5. Suponhamos para cima e sofrerá uma rápida desaque a massa do paraquedista com os celeração. Poucos segundos depois, apetrechos seja de 100 kg. Conside- sua velocidade será igual à velocidade remos ainda que a densidade do ar é final, por exemplo, os 5,7 m/s já calda ordem de 1,2 kg/m3 (o que pres- culados acima. supõe um salto de altitude não muito elevada) e a área do paraquedista que UM PARAQUEDISTA ATÍPICO arrasta o ar em torno de 1 m2. Com Em 14 de outubro de 2012, o austríaco esses dados, podemos concluir que a Felix Baumgartner bateu o recorde de velocidade na qual a força de arrasto altitude em salto com paraquedas: 39 se iguala ao peso é de 57 m/s, próxima mil metros de altitude, ou seja, quase dos 200 km/h. Para calcular esse valor no limite superior da estratosfera. Será basta igualar a força de arrasto com a que esse tipo de salto é igual a qualquer outro em altitudes inferiores? Vaforça-peso (mg). Quando o paraquedas se abre as mos ver que há uma diferença. Como o coisas mudam. A área de arrasto do ar início do salto ocorreu a quase 40 km passa a ser a área do paraquedas quan- de altura, onde a densidade do ar é de do visto de baixo. O coeficiente de ar- apenas 1/150 da densidade do ar no rasto (C) também é alterado: embora nível do mar, surge mais um ingredienvarie segundo o tipo de paraquedas, ele te que não consideramos até agora: a é não muito diferente de 1. Se a área variação da densidade do ar com a alcom que o paraquedas arrasta o ar é de titude. Enquanto caía após o salto, o 50 m2 e usarmos os mesmos valores aci- austríaco foi encontrando regiões onde ma para a massa do paraquedista mais a densidade do ar era cada vez maior os equipamentos, concluímos que a ve- e, portanto, a força de arrasto aumenlocidade terminal com um paraquedas ta. Isso fez com que, inicialmente, sua aberto é de 5,7 m/s, o que corresponde velocidade aumentasse, uma vez que a pular de uma altura de pouco mais a força-peso era maior do que a fordo que 1 metro e meio. Claro que esse ça de resistência do ar; na medida em valor da velocidade final depende do que aumentava a densidade do ar, aupeso do paraquedista e de seus equi- mentava também a força de arrasto, o pamentos, do tipo de paraquedas e da que fez com que ele começasse a perder velocidade mesmo antes de abrir o paárea com que este arrasta o ar. Em resumo, o paraquedista inicia raquedas, coisa que não acontece com a queda com aceleração de 9,8 m/s2, um paraquedista típico. Conhecendo a densidade do ar em que vai se reduzindo na medida em que aumenta a velocidade. Se ele espe- função da altitude e a fórmula da resisrar um tempo suficientemente grande tência do ar, é possível calcular como

ERIKA ONODERA

POR LEANDRO MARIANO E OTAVIANO HELENE


sua velocidade variou durante a queda. Como não há uma expressão analítica para a velocidade, o truque para fazer esse tipo de cálculo é considerar pequenos trechos da queda nos quais, desde que eles sejam suficientemente pequenos, podemos considerar como constantes a densidade do ar e a aceleração do paraquedista. A partir daí, usando as equações básicas da mecânica, podemos calcular o tempo de percurso e a variação da velocidade em

A velocidade máxima atingida por Felix Baumgartner, segundo essa estimativa, foi atingida pouco antes de um minuto de queda, quando ele estava a cerca de 28 superior a de altura. Essa velocidade é um pouco além dos 1340 km/h, valor próximo daqueles que constam do site do aventureiro, anteriormente estimada em 1343 km/h. Depois disso, ele começou a perder velocidade, pois a força de resistência do ar, aumentava na medida em que aumentava também a densidade do ar, passou a ser maior que a força com que o paraquedista era puxado para baixo pela força peso. Após quatro minutos de queda, sua velocidade estava reduzida para pouco mais do que 200 km/h. Foi com essa velocidade que ele abriu o paraquedas. Quando um paraquedas é aberto, o paraquedista sente um forte puxão para cima, pois ele está em alta velocidade – cerca de 200 km/h – e a área de arrasto do ar aumenta rapidamente. Isso aconteceu, obviamente, com Felix Baumgartner, que em poucos segundos teve sua velocidade reduzida. A partir daí, durante cinco ou seis minutos, o paraquedista pode apreciar a paisagem. Quando Baumgartner ultrapassou a velocidade do som? A velocidade do som em um gás depende de vários fatores, entre eles, principalmente, a temperatura. No ar e a 20ºC ela é de 1.236 km/h. Essa velocidade deve ter sido atingida aos 37 segundos de queda, quando ele estava a pouco mais de 32 km de altura. Mas há uma sutileza. Como a velocidade do som varia com a altitude – o que é mostrado em uma das figuras –, um trecho. Depois disso, analisamos ele a ultrapassou próximo dos 35 mil o trecho seguinte, também supondo metros de altura, permanecendo acima que a densidade do ar não varie. Esse dela por aproximadamente 40 seguntipo de truque, por sinal muito usado dos. Durante esse tempo, qualquer ruíem problemas práticos, não apresenta do que houvesse acima de sua posição uma expressão analítica para a posição – por exemplo, se batesse palmas acima ou a velocidade em função do tempo, de sua cabeça – ele não ouviria. ■ mas fornece valores numéricos suficientemente precisos. Os dois gráficos, OS AUTORES que mostram a velocidade ao longo do Leandro Mariano é doutorando no Instituto de Física tempo de queda e em função da altura, da USP e Otaviano Helene é professor, ambos do foram calculados dessa forma. Instituto de Física da USP. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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COMO FUNCIONA BATERIAS DE LÍTIO

Energia explosiva randes recalls de fabricantes de baterias de íons de lítio para notebooks suscitaram questões sobre como essas fontes de energia podem aquecer a ponto de pegar fogo. Igualmente válida é a dúvida sobre por que os acidentes não são mais frequentes: são poucos proporcionalmente às centenas de milhões de baterias vendidas anualmente. As células de íons de lítio empregam vários elementos químicos, mas quase todos os tipos recarregáveis, como as usadas em câmeras e telefones celulares, utilizam óxido de lítio-cobalto no catodo e grafite no anodo (ver ilustrações ao lado). Embora essa formulação seja “de certo modo inerentemente insegura”, segundo Gerbrand Ceder, professor de ciência dos materiais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a fabricação cuidadosa e os dispositivos de segurança embutidos limitaram os acidentes a poucas ocorrências. Mesmo assim, explica Ceder, “os fabricantes de baterias têm aumentado a capacidade de carga em determinada célula devido à demanda dos fabricantes de eletrônicos por maior durabilidade. Portanto, agora a margem de erros é ainda menor”. Aumentando o número de íons na célula, os fabricantes quadruplicaram a capacidade energética desde seu lançamento comercial em 1991. De fato, o que antes era produto de butique tornou-se bem de consumo. A necessidade de aumentar a capacidade e reduzir os custos “encorajou os fabricantes a assumir mais riscos”, diz Christina Lampe-Onnerud, cofundadora da Boston-Power em Westborough, Massachusetts, empresa que começou a produzir novos tipos de bateria de íons de lítio em 2005. “Os antigos mecanismos de segurança eram adequados aos níveis de energia das células da época”, acrescenta 10 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

ela, “mas a demanda por capacidade maior tornou-os desatualizados.” Novos dispositivos de segurança e formulações que produzem mais corrente com aquecimento menor estão sempre sendo testados. O intenso trabalho desenvolvido especialmente na indústria em florescimento de veículos elétricos e híbridos “irá criar materiais para catodos muito mais seguros”, diz Ceder. O recente desenvolvimento de eletrólitos sólidos nanoestruturados

➔ AS BATERIAS DOS LAPTOPS normalmente ■ contêm pares de células de íons de lítio conectadas em série. Um circuito controla o fluxo de corrente e a recarga, enquanto um termistor mede a temperatura para indicar superaquecimento Termistor BRYAN CHRISTIE DESIGN (CORTE TRANSVERSAL); JEN CHRISTIANSEN (DIAGRAMAS); EMILY HARRISON (FOTOGRAFIA)

G

Placa de circuito

Célula

permite aumentar de muito a velocidade de reação, além da segurança que oferecem por serem sólidos. Mesmo assim, projetos mais criativos de sistemas são a chave para operar com maior segurança. “A indústria tem exigido cada vez mais de um único componente químico para uma ampla gama de aplicações”, diz Christina. “Já é hora de produzir sistemas diferentes de baterias para diversas aplicações.” – Mark Fischetti


VOCÊ SABIA?

 PROTEJA-SE: O lítio queima violentamente quando

exposto à umidade (mesmo tão pequena quanto a umidade do ambiente), portanto, nunca tente abrir uma bateria. Não tente apagar o fogo de uma bateria com água, que incita as chamas; use um extintor de pó químico. O estojo pode se tornar perigosamente quente ou mesmo pegar fogo se a célula superaquecer (o que se torna mais provável se a bateria estiver totalmente carregada); assim, não deixe equipamentos com bateria sobre superfícies quentes (como aquecedores) ou ao sol, especialmente dentro do carro. Evite também fazer derivações dos cabos condutores da bateria.

 A CORRIDA DE TESLA: O empresário do Vale do Silício Martin Eberhard fundou a Tesla Motors e lançou o Tesla Roadster,

Pino do catodo

o primeiro veículo inteiramente elétrico a utilizar baterias de íons de lítio: 6.831 delas. O carro atingia 100 km/h em 4 s e sua autonomia era de 400 km. A empresa diz que o controlador que monitora cada célula pode desligar todo o conjunto de baterias em um instante, mesmo se a célula se incendiar. Outros fabricantes de baterias estão fazendo experiências com óxido de lítio-níquel-manganês.  VIDA ÚTIL: Todas as baterias se desgastam, mas as células de íons de lítio degradam mais rápido quando totalmente carregadas e quentes; uma bateria média de notebook mantida com carga total a 25ºC perderá de forma irreversível cerca de 20% de sua capacidade por ano, segundo estudos. Manter na geladeira a bateria a meia-carga pode prolongar-lhe a vida.

Abertura Guarnição

Corrente de elétrons Catodo

Separador

Eletrólito

Anodo

Dispositivo de interrupção de corrente + + +

+ +

+

➔ A REAÇÃO QUÍMICA gera a energia da bateria. O lítio ■ mantido no anodo ioniza no eletrólito (um sal de lítio) e migra para o catodo através do separador plástico poroso. A reação libera elétrons, que fluem como uma corrente externa. Aplicando uma voltagem externa ao catodo, os íons são empurrados de volta ao anodo, recarregando a bateria Catodo Separador Anodo

➔ A CÉLULA DE ÍONS DE LÍTIO acumula uma energia tremenda dentro de folhas ■ firmemente enroladas de catodos e anodos, isoladas por um separador, tudo isso banhado por um eletrólito. Para prevenir o superaquecimento, uma abertura permite que o gás gerado por uma reação química errada escape; uma guarnição se rompe caso o gás se forme rápido demais, desabilitando a célula. Se a bateria é colocada em curto-circuito externamente, a rápida descarga dispara um dispositivo de interrupção de corrente, que desconecta a célula ➔ ■

BATERIAS TIPO BOTÃO geram corrente pelo deslocamento dos íons de lítio através do separador com eletrólito. Como o fluxo não pode ser revertido, é impossível que a célula seja recarregada Anodo de lítio Separador

+b +

+ +

+ +

+ +

+

a

➔ O SUPERAQUECIMENTO pode ocorrer se partículas metálicas ■ de produção de baixa qualidade (os maiores suspeitos nos recentes recalls dos fabricantes de baterias) ligarem o catodo e o anodo através do separador (a); essa conexão desvia a corrente, criando calor excessivo. O calor pode degradar os materiais o suficiente para iniciar uma reação descontrolada, gerando tanto calor que os componentes começam a queimar. Um curto-circuito também pode ocorrer se o metal do lítio de reações químicas indesejadas (b) começar a se acumular SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

11


EDUCAÇÃO

Ciência e educação (de qualidade)

são a base da esperança Qualidade da universidade brasileira, em especial as públicas, está muito aquém das necessidades para a competição em escala global e nada indica que isso esteja para mudar

E

m 1998 o governo federal criou por decreto a Gratificação de Estímulo à Docência no magistério superior. Tratava-se de um adicional ao salário dos docentes de instituições federais de ensino superior (ifes), cujo valor dependia da produtividade em ensino, pesquisa, extensão e administração de cada professor. Pouco tempo depois o valor máximo dessa gratificação foi incorporado ao salário de todos os docentes concursados das ifes. Os professores que sistematicamente tinham produtividade máxima (de acordo com critérios governamentais) continuaram a receber em seus contracheques o mesmo valor de meses anteriores. Os demais, com produtividade inferior, conquistaram significativo aumento em seus vencimentos. Esse é um exemplo que retrata com fidelidade o quadro típico da universidade pública brasileira: a ausência da meritocracia. E, sem reconhecimento efetivo de mérito, como promover

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progresso científico e tecnológico relevante? Essa falta de políticas meritocráticas na academia brasileira atinge não apenas professores e pesquisadores, mas também alunos e funcionários do quadro técnico-administrativo. Neste artigo esboço de forma breve alguns dos mais graves problemas crônicos do ensino superior público − com ênfase nas universidades federais − e algumas consequências desses problemas, geralmente gravitando ao redor da confortável garantia de emprego para todos os professores concursados. O foco deste texto se justifica de forma simples. As universidades federais no Brasil têm papel estratégico fundamental em toda a rede educacional brasileira. Ações e políticas de instituições privadas e estaduais de ensino superior ou médio são muitas vezes dependentes de práticas comuns às universidades federais espalhadas pelo território nacional, fortemente controladas pelo governo.

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POR ADONAI SANT’ANNA


ESTABILIDADE Instituições federais de ensino superior não têm autonomia para contratação, demissão ou negociação salarial de professores. Concursos públicos, para fins de contratação de novos docentes, só podem ser realizados através de editais nacionais do governo federal. Localmente, não há como negociar a contratação de professores, não importando a competência deles, fatores emergenciais ou as necessidades da instituição. Sempre devem ser aguardados os editais governamentais. Demissões podem ocorrer apenas em casos extremamente graves, como abandono do cargo. Participei, há anos, de uma comissão interna da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que deveria avaliar a situação de um docente que não aparecia no trabalho havia pelo menos seis meses. Foi uma demonstração evidente da lentidão administrativa de uma universidade federal. Se um docente lecionar de forma incompetente ou se não realizar atividades de pesquisa, extensão ou administração

universitária, isso não caracteriza motivo suficiente para demissão ou perda de privilégios básicos do cargo. Vale observar que estou falando da prática e não daquilo que consta em documentos oficiais. Também não estou discutindo a situação de professores substitutos, contratados por tempo determinado, ganhando salários muito inferiores aos de concursados. Se um professor é contratado após realização de concurso público deve cumprir um estágio probatório de três anos. Depois desse período seu cargo está praticamente garantido, independentemente de sua produção posterior ao longo de toda a vida acadêmica restante. Além disso, docentes podem eventualmente progredir em planos de carreira, mas jamais regridem. Uma vez que um docente se torna Associado III, por exemplo, jamais pode regredir para Associado II ou I, mesmo que nada mais produza após sua última progressão funcional. É claro que há professores de ifes que mantêm excelente produção acadêmica.

Mas há, também, aqueles que faltam às aulas (sem registro oficial delas), não cumprem ementas de disciplinas ou horários de aulas, não fazem pesquisa alguma ou qualquer atividade de extensão nem orientam alunos de graduação ou de pós-graduação. Mas esses professores dispõem dos mesmos benefícios da estabilidade dos mais produtivos. São várias as consequências do conforto conquistado através da estabilidade irrestrita. Uma delas é o fato de que, comumente, professores mais antigos se sentem intimidados por jovens que demonstram talento superior à média, e muitas vezes usam mecanismos burocráticos absurdos como tentativa desesperada para nivelar todos a um mesmo patamar de desempenho mediano. Cito um caso que eu mesmo testemunhei. Durante minha chefia do Departamento de Matemática da UFPR, de 2005 a 2007, fui relator de um processo de pedido de afastamento de um casal de jovens professores recentemente contratados pelo SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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Departamento de Estatística daquela instituição: Leonardo Soares Bastos e Thaís Cristina de Oliveira Fonseca. Ambos foram convidados a realizar doutoramento em ótimas universidades britânicas, sob a orientação de dois pesquisadores de excelente reputação internacional e com bolsas de estudos pagas pelas respectivas instituições estrangeiras. Apesar de o Departamento de Estatística ter aprovado as duas solicitações e de meu parecer ter sido justificadamente favorável, o setor de ciências exatas (instância superior) indeferiu os pedidos. A alegação foi o estágio probatório, que deveria ser cumprido por ambos. Legalmente, o estágio probatório poderia ser cumprido no exterior, uma vez que o vínculo empregatício com a UFPR seria mantido. E os membros do conselho do setor de ciências exatas sabiam disso. Mas o fato é que vi de perto os verdadeiros motivos para negar os pedidos de afastamento temporário: o medo provocado por jovens que crescem rapidamente na carreira. O resultado dessa experiência negativa não poderia ser outro. Os jovens pesquisadores pediram demissão e viajaram para a Inglaterra. Agora, são professores doutores das Universidades Federal Fluminense e Federal do Rio de Janeiro. Ou seja, apesar de as políticas das ifes serem praticamente as mesmas em todo o país, esse casal ainda insiste em apostar no futuro do Brasil. Afinal, o país necessita de estatísticos de alto nível. A consequência mais óbvia da estabilidade irrestrita para docentes das ifes é a falta de um ambiente competitivo na vida acadêmica pública. É claro que muitos professores com produção científica (nem todos) têm acesso a bolsas de estudos e/ou pesquisa, o que caracteriza certo reconhecimento de mérito por parte de órgãos de apoio, geralmente externos às ifes. E a manutenção dessas bolsas depende da contínua produção científica dos beneficiados, de acordo com critérios muitas vezes exigentes. No entanto, seus cargos em suas instituições de origem jamais estão ameaçados, ainda que não produzam conhecimento algum. E mesmo em casos de faltas graves, como a prática comum de lecionar conteúdos de forma superficial e mesmo errada, o cargo continua garantido. As ifes 14 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

ainda contam com o trabalho competente de diversos pesquisadores e cientistas brasileiros, algo que dificilmente pode ser encontrado em universidades privadas nacionais. Mas, em geral, as condições de trabalho deles pouco diferem daquelas ofertadas aos demais. Temos, assim, um ambiente de pouco estímulo à produção intelectual relevante do ponto de vista do exigente cenário internacional. O Brasil não é reconhecido internacionalmente como uma nação que produz ideias. Os Estados Unidos são um país tão novo quanto o nosso. Mas as melhores universidades do planeta estão na América do Norte, de acordo com diversas pesquisas internacionais realizadas de forma independente. Por que o Brasil não consegue se destacar em produção científica? Não estaria na hora de percebermos que estamos fazendo alguma coisa errada? Mentes brilhantes não são exatamente uma de nossas carências . A TRAIÇÃO DO PRESIDENTE Carlos Chagas foi oficialmente indicado ao Nobel de Medicina em duas ocasiões. Perdeu porque Afrânio Peixoto era contrário à política meritocrática adotada por Chagas durante sua gestão no antigo Departamento de Saúde Pública do governo federal. Assim, Peixoto e colegas fizeram campanha perante a Comissão Nobel, no Instituto Karolinska (Suécia), afirmando, resumidamente, que o trabalho de Chagas não merecia atenção alguma. Peter Medawar [biólogo britânico nascido em Petrópolis] ganhou o Nobel de Medicina, mas durante a juventude teve a cidadania cassada pelo governo federal, simplesmente porque não se apresentou para o serviço militar obrigatório. Os resultados de suas pesquisas sobre transplantes de tecidos vivos estão acessíveis a qualquer brasileiro, incluindo militares. Mas a cidadania de Medawar só foi restaurada muito tempo depois e de forma absolutamente discreta. Por sorte Medawar tinha cidadania britânica também. Assim, a Inglaterra ganhou um Prêmio Nobel a mais e o Brasil até hoje ignora a fundamental importância da ciência feita em ambientes competitivos. Universidades americanas também conferem estabilidade a professores.

Mas são poucos os que recebem o benefício, conhecido como tenure. O critério é simplesmente meritocrático. E esse mérito não se avalia através de concurso público realizado em dois ou três dias, mas ao longo de uma extensa carreira marcada por contribuições de elevada relevância acadêmica e negociações. A concessão de estabilidade irrestrita a qualquer professor universitário ou pesquisador é uma forma extremamente eficaz para cultivar um ambiente sem desafios significativos. E ciência, como qualquer outra atividade profissional de alto nível, se fundamenta na constante disposição de vencer desafios. VISÃO QUESTIONÁVEL DA PRODUÇÃO Um docente de instituição federal de ensino superior pode ter acesso a bolsas governamentais de pesquisa e orientar alunos de pós-graduação se demonstrar produção científica principalmente na forma de artigos publicados em veículos especializados de circulação internacional. No entanto, em áreas como matemática, física, química e biologia essa produção é especialmente avaliada a partir de números que nem sempre têm relação com qualidade. Avalia-se a quantidade de artigos publicados em periódicos reconhecidos pelos órgãos de apoio à pesquisa, mas raramente se avaliam fatores extremamente importantes, como impacto social de pesquisas e a efetiva participação dos envolvidos. A revista Nature, por exemplo [Scientific American é do mesmo grupo editorial de Nature], adota a seguinte política editorial: ao final do artigo publicado deve ser especificada a real contribuição de cada um dos autores. Mas a maioria dos periódicos especializados não adota essa postura. A inclusão de nomes de colegas em artigos científicos tem sido cada vez mais frequente, mesmo quando esses colegas não participam de forma alguma do projeto considerado. E apenas uma minoria dos professores pesquisadores das ifes consegue publicar contribuições que demonstram algum impacto significativo na ciência. O mecanismo mais imediato para avaliar impacto é citação. Em geral, quanto mais citações um ar-


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tigo recebe na literatura especializada internacional, mais relevante é o impacto do trabalho. Mas, mesmo essa visão quantitativa tem limitações. Por conta de um único artigo publicado na Nature, o curitibano Cesar Lattes revolucionou a física de partículas elementares. E, por conta desse trabalho, ele também foi indicado ao Nobel. Quantos outros pesquisadores deste país podem dizer que passaram por experiência parecida? Em avaliações de produtividade, para fins de progressão funcional nas ifes, o artigo de Lattes valeria tanto quanto um trabalho obscuro publicado em Physics Essays, um dos piores periódicos de física em circulação. E valeria a metade de um livro didático publicado, independentemente de sua qualidade. A verdade é que vivemos em uma nação em que há um número crescente de doutores que sequer sabem ler inglês, situação inadmissível nos países desenvolvidos, principalmente nas áreas científicas. E sem conhecimentos básicos de inglês, como produzir ciência? NEGLIGÊNCIA De forma alguma recomendo que deveríamos copiar o modelo acadêmico americano. Mas certamente poderíamos aprender muito com modelos que demonstram claramente funcionar melhor que o nosso. Afinal, as universidades americanas, apesar de inúmeros problemas graves, produzem a maioria das mais impactantes contribuições científicas e tecnológicas do mundo. O Brasil simplesmente não compete. Nos Estados Unidos, jovens ingressam em universidades. No Brasil, jovens ingressam em cursos universitários. Essa é uma diferença profunda entre os dois sistemas. Se um aluno de uma instituição federal de ensino superior consegue vencer as absurdas barreiras do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do vestibular, está praticamente preso a um curso escolhido enquanto cursava o ensino médio e, portanto, enquanto se encontrava longe de qualquer ambiente universitário. Se esse aluno percebe que o curso escolhido não está de acordo com seu perfil pessoal, dificilmente terá

chances de conseguir transferência. A burocracia é muito complicada e eficaz para poucos. Um aluno frustrado com o curso que escolheu provavelmente terá de se submeter ao Enem e ao vestibular de novo ou simplesmente desistir, como muitos fazem. Já em uma universidade americana, privada ou estadual, o recém ingresso encontra a oportunidade de conhecer todas as diferentes realidades das opções disponíveis para graduação. Ele tem a chance de escolher seu futuro profissional a partir de um ambiente genuinamente universitário. No Brasil, as ifes operam como instituições poliversitárias. E esse modelo é copiado por instituições estaduais e privadas do ensino superior brasileiro. Logo, o Brasil não tem ideia do que é uma universidade. Um sistema de ensino superior que exige de um adolescente a escolha de seu curso superior antes de ingressar em qualquer universidade é um sistema que negligencia sua juventude. Nas ifes não existe, de forma séria, a tradição das associações de ex alunos. Isso significa que as ifes, em geral, não avaliam a carreira de seus egressos. Uma universidade que não está interessada em conhecer o destino profissional de seus ex-alunos é uma instituição negligente quanto ao seu papel na sociedade.

CONTRATO POLÊMICO Em 2007, todas as universidades federais assinaram o polêmico contrato Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) com o governo. Em troca de dinheiro, essas ifes assumiram o compromisso de aumentar gradualmente suas taxas de conclusão de curso para 90%. Do ponto de vista educacional, essa exigência é simplesmente irresponsável. Cursos nas áreas científicas, por exemplo, comumente apresentam índices de reprovação muito superiores a 10%, mesmo nas melhores universidades do mundo. Isso significa que tanto o governo federal quanto os professores que alegam lutar pelo ensino superior público de qualidade em seus movimentos de greve estão negligenciando o futuro da nação de forma realmente perigosa. A preocupação evidente nesse caso é apenas com a quantidade de jovens que se formam em graduações. Não com a qualidade de ensino que eles recebem. Em 2012, a consultoria britânica Economist Intelligence Unit publicou um levantamento global de educação comparando 40 países, levando em conta notas de testes realizados por alunos e qualidade de professores avaliados entre 2006 e 2010. O Brasil ficou em penúltimo lugar, SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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denunciando assim um sistema educacional básico que só ficou acima da Indonésia. Esse resultado terrivelmente desastroso é uma das muitas evidências de que professores formados pelo ensino superior brasileiro não estão demonstrando competência profissional. Diante da promessa do governo e das universidades federais de que as taxas de conclusão de curso deverão subir indiscriminadamente para 90%, percebe-se que o futuro nos reserva um desempenho educacional ainda pior, a longo prazo. Usualmente também não existem programas de honors (ou equivalentes) nas ifes. Esses programas compõem uma série de procedimentos de avaliação que reconhecem os alunos que se destacam como os melhores em suas respectivas turmas de formatura. Na prática, os programas de honors operam como cartas institucionais de recomendação que simplesmente afirmam: “Este indivíduo realizou seu curso com distinção e louvor”. Essa é uma forma de promover a carreira dos mais brilhantes. Nas ifes, no entanto, novamente faz-se questão de tratar todos da mesma maneira. Temos, assim, outro exemplo de negligência em um país cujas universidades públicas geralmente consideram elitismo como algo socialmente reprovável. Não existem mais cátedras nas ifes. Se um professor de universidade federal falece, pede exoneração do cargo ou se aposenta, libera uma vaga. Não importa se esse docente orientou dezenas de doutores, publicou centenas de artigos de elevado impacto, exerceu relevantes atividades administrativas ou influenciou de forma construtiva milhares de pessoas ao longo de sua carreira. Simplesmente não existe continuidade de sua obra. Esse senso de continuidade deveria ser estabelecido institucionalmente através da cátedra. O conhecido astrofísico britânico Stephen Hawking, da Cambridge University, ocupou a mesma cátedra de sir Isaac Newton, um dos pais da ciência moderna. Trata-se de um compromisso que deve transcender a mortalidade física dos grandes nomes da ciência mundial. Nas ifes, porém, qualquer obra, por relevante que seja, deve morrer junto com o seu autor. O grande lógico brasileiro 16 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

Newton da Costa é professor catedrático da UFPR. Sua cátedra é um cargo vitalício, conquistado décadas atrás. No entanto, apesar de ele ser responsável pela formação de uma importante escola de lógicos brasileiros reconhecidos internacionalmente, a UFPR não se preocupa em ocupar essa cátedra com algum profissional que continue a tradição iniciada por ele. Isso porque todas as cátedras foram extintas, não apenas na UFPR, mas em todas as ifes. Temos aqui outro exemplo de negligência com obras relevantes. Falta a percepção de que memória não se promove apenas com museus ou batismos de salas de aula e/ou bibliotecas. QUESTIONAMENTO Mantenho um blog onde promovo discussões e articulo ações sobre educação, com especial ênfase à matemática. Nesse sítio convoquei alunos de ifes a espalharem cartazes em suas instituições de ensino com a frase “Professor de universidade pública tem seu emprego garantido, independentemente da qualidade de suas aulas”. É uma frase simples, excessivamente resumida, mas que retrata um fato importante. Os jovens que atenderam ao pedido foram surpreendidos com manifestações imediatas de extrema intolerância, vindas justamente de professores.

Docentes concursados que viram esses cartazes simplesmente os arrancaram. Cartazes colados em paredes foram dilacerados. Há, lamentavelmente, pouco espaço para autocrítica nas ifes. Recebi, recentemente, convite da revista Sem Fronteiras, da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) do estado do Paraná, para escrever um artigo. Produzi um texto crítico sobre a educação brasileira e recebi a resposta de que aquele texto não poderia ser publicado, pois não interessava à secretaria criar atritos políticos com demais setores do governo paranaense. Em função dessa resposta, escrevi outro artigo, em que criticava o papel do filósofo da ciência na atualidade. O artigo foi publicado na íntegra. Ou seja, criticar filósofos não tem problema. Mas criticar o sistema público de ensino é desaconselhável. E isso, curiosamente, ocorreu em uma revista chamada Sem Fronteiras. Quando propus o presente artigo ao editor Ulisses Capozzoli, a resposta foi imediata: se Scientific American Brasil publica artigos com críticas a universidades americanas e de outros países, por que não estender essas considerações às universidades brasileiras? Essa é uma postura genuinamente científica. Sem crítica, não se faz ciência nem educação. Sem crítica, não se sustenta uma instituição de ensino séria e competitiva e, em particular, uma universidade. E os exemplos de negligência dados são igualmente exemplos de falta de crítica. FALTA DE VISÃO Professores de física falam de infinitésimos em suas aulas de graduação e pósgraduação quando fazem modelagens físicas através de ferramentas do cálculo diferencial e integral. No entanto, o cálculo ensinado nas mesmas instituições não emprega infinitésimos, conceito fundamental em um estudo avançado conhecido como análise não standard. Professores de cursos de letras, quando lecionam linguística, discutem as gramáticas gerativas de Chomsky, sem de fato conhecer teorias de conjuntos, o que torna o estudo sério a respeito do tema simplesmente impossível. E docentes de


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cursos de filosofia abordam filosofia da ciência sem jamais terem tido qualquer contato com atividades científicas, no sentido estrito do termo. Apesar de esses problemas não serem exclusivos das universidades federais, certamente a perpetuação de tamanha ignorância nessas instituições é um péssimo exemplo que se propaga em praticamente todas as universidades do país. O próprio Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) considera lógica matemática como especialidade da álgebra, em sua classificação de áreas do conhecimento, demonstrando desconhecer o que é lógica matemática. O conceito de universidade deve apelar fundamentalmente para uma visão de universalidade, como o próprio nome sugere de forma trivial. Muitas das mais importantes contribuições científicas da história exigiram pesquisas interdisciplinares. A descoberta da estrutura molecular do DNA, por exemplo, só foi possível graças a aplicações de métodos de ciências físicas em biologia. A própria filosofia da ciência, atualmente, avançou para muito além das ideias de Karl Popper, autor ainda venerado em graduações brasileiras como uma espécie de líder atual que conduz aos temas mais avançados da metodologia e da epistemologia. Mas o casamento entre filosofia da ciência e métodos avançados de lógica matemática praticamente não é discutido nas salas de aula de nossas universidades. Enquanto nossos professores universitários em geral ignoram as profundas riquezas da psicologia matemática e das aplicações da teoria matemática das decisões em ciências humanas, entre outros exemplos de interdisciplinaridade, o Brasil continua estagnado frente às nações que, com sólida tradição, produzem conhecimento científico de alto nível e que, por conta disso, crescem do ponto de vista social e econômico. Não é por acaso que nossas graduações em engenharias são reconhecidas apenas como cursos técnicos em países europeus. Fala-se muito da necessidade de valorizar o professor no Brasil. No entanto, os professores do ensino público frequentemente querem impor essa va-

lorização através de greves que reivindicam melhores salários para todos, sem qualquer discriminação. Se docentes desejam honestamente ser valorizados, poderiam examinar certos exemplos que ocorrem em outras categorias profissionais. Médicos, psicólogos, engenheiros, arquitetos e até mesmo corretores de imóveis contam com o apoio de códigos de ética. Professores, porém, não têm qualquer código de ética para estabelecer padrões de qualidade de sua profissão e mecanismos de proteção e punição. Códigos de ética certamente não resolvem de maneira definitiva o problema da valorização profissional. Mas são um importante passo, de caráter muito mais meritocrático do que greves. Mas, para isso, seria necessário que os docentes dialogassem com especialistas em ética cuja competência seja reconhecida. Sem diálogo entre diferentes áreas do saber, não há universidade nem educação. Para o leitor perceber melhor as origens da incompetência dos professores brasileiros, recomendo a leitura do artigo de Paula Louzano e colaboradores, citado na lista de referências ao final deste artigo.

umas poucas. A preocupação principal que deve ser enfatizada, no entanto, é sobre a estrutura fundamental do ensino superior brasileiro. E o primeiro foco de atenção deve ser voltado às instituições federais de ensino superior, que respondem por grande parte da produção científica da nação e estão ao alcance de ações imediatas do governo federal. Em alguns rankings internacionais, as primeiras universidades brasileiras citadas são duas estaduais de São Paulo. Eventualmente aparecem também nessas listas a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas suas colocações são sempre discretas. Na rigorosa classificação Shangai, nenhuma instituição brasileira é citada. A situação econômica do Brasil, bem como seus reflexos sobre a qualidade de vida de cada um de nós, não serão sustentados a longo prazo sem uma revisão profunda e drástica quanto aos fundamentos de nossa educação, produção científica e tecnológica. Sem ciência e educação, simplesmente não há esperança. ■

EDUCAÇÃO E ESPERANÇA Nos Estados Unidos todas as instituições de ensino superior são pagas, incluindo estaduais e municipais. No Brasil as universidades públicas são gratuitas. Esse é um exemplo brasileiro de profunda responsabilidade social. Mas qualquer que seja a realidade educacional e científica de uma nação, sempre haverá problemas desafiadores a serem resolvidos e a visão crítica jamais deve deixar de ser exercida. Mas, levando em conta nossa realidade de hoje, fica evidente que ainda não encaramos de frente os problemas mais crônicos e graves. Há muito tempo o governo federal vem investindo consideráveis verbas para apoiar pesquisas e expandir vagas em universidades. E graças a iniciativas como a criação de institutos de pesquisa, projetos de convênios internacionais e órgãos de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico o Brasil conseguiu conquistar certo reconhecimento internacional em algumas áreas da medicina, matemática e física, para citar

O AUTOR Adonai Sant’Anna é professor associado do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), foi Post-Doctoral Fellow na Universidade Stanford. Autor de dezenas de artigos em veículos especializados de física, matemática e filosofia publicados no Brasil e no exterior, recentemente vendeu um roteiro de longa-metragem de ficção sobre as universidades federais brasileiras para o cineasta José Padilha (Tropa de elite). PARA CONHECER MAIS A pesquisa sobre medicamentos é confiável? Charles H. Greene em Scientific American Brasil. Edição 129, págs. 56-63, janeiro de 2013. O problema com a ciência americana. Shawn Lawrence Otto em Scientific American Brasil. Edição127, págs.58-67, dezembro de 2012, Dossiê Estado da Ciência Internacional. Vários autores em Scientific American Brasil. Edição 126, págs. 34-51, novembro de 2012. Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação docente no Brasil. Louzano, V. Rocha, G. M. Moriconi e R. P. de Oliveira em Estudos em Avaliação Educacional, vol. 21, no. 47, págs. 543568, 2010. Este artigo discute de forma detalhada como o Brasil atrai pessoas de baixo rendimento escolar para cursos de formação de professores. O texto está disponível em www.fcc.org.br/pesquisa/ publicacoes/eae/arquivos/1608/1608.pdf Site do autor: adonaisantanna.blogspot.com. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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QUÍMICA

O aroma de seus pensamentos Embora geralmente não tenhamos consciência disto, nós nos comunicamos por sinais químicos tanto quanto as aves e as abelhas POR DEBORAH BLUM

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início da carreira científica de Martha McClintock foi resultado de um impulso da juventude. Ela se lembra que foi um momento “ridículo”. Tudo aconteceu no verão de 1968, quando ela, aluna do Wellesley College, participava de um workshop no Jackson Laboratory, no estado americano do Maine. Um grupo de cientistas famosos conversa em volta de uma mesa de almoço sobre como camundongos parecem sincronizar seus ciclos ovarianos. E Martha, de 20 anos, sentada ao lado exclama: “Nossa, vocês não sabiam? Isso também acontece com as mulheres”. “Não me lembro das palavras exatas”, conta ela, sentada, relaxada e achando graça da situação, em seu laboratório na Universidade de Chicago. “Mas todo mundo se virou e ficou me encarando.” É fácil imaginá-la naquela reunião distante – o mesmo olhar franco, o mesmo rosto simpático e cabelos esvoaçantes. Mesmo assim, o grupo não ficou impressionado; disseram que ela não sabia do que estava falando. Sem se sentir intimidada, Martha partilhou essa questão com outros estudantes de pós-graduação que também participavam do workshop. Eles apostaram que ela não conseguiria encontrar fundamentos para sustentar a afirmação. Mas Martha retornou a Wellesley e discutiu o assunto com sua orientadora da graduação, Patricia Sampson, que retrucou: Aceite a aposta, faça a pesquisa, e prove que está certa. Três anos depois, Martha, já estudante de pós-gradua18 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

ção, publicou um artigo de duas páginas intitulado “Menstrual synchrony and suppression” [Sincronia e supressão menstrual] na revista Nature. (A SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL integra o Nature Publishing Group.) O trabalho detalha um efeito fascinante observado em 135 residentes do alojamento estudantil da Wellesley durante o ano acadêmico. Nesse período, parece que ciclos menstruais começaram a mudar, especialmente entre mulheres que passavam muito tempo juntas. As menstruações ficaram mais sincronizadas, com maior sobreposição de início e fim. Hoje o conceito da sincronização da menstruação humana geralmente é conhecido como efeito McClintock. Mas a ideia que continuou a moldar tanto sua pesquisa quanto sua reputação é que essa sincronia misteriosa, essa conexão reprodutiva, é provocada por mensagens químicas entre mulheres: a noção de que os seres FEROMÔNIOS Substâncias quíhumanos, como tantos outros animais, comu- micas secretadas por animais. nicam entre si por sinais químicos. provocar Foi mais difícil que o esperado detectar si- Podem uma reação comnais químicos específicos e traçar seus efeitos da portamental ou mesma forma como os entomólogos têm feito fisiológica em indivíduo, com inúmeros feromônios de insetos. Mas nas outro em geral da mesquatro décadas desde a descoberta de Martha ma espécie, como cientistas vêm delineando a influência de sinais os feromônios e outros químicos por meio de um espectro de compor- sexuais que conduzem tamentos humanos. Não só sincronizamos nos- sinais de alarme.


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sos ciclos reprodutivos, como também conseguimos reconhecer nossos parentes, responder ao estresse do outro e reagir a seu humor – como medo ou tristeza ou “hoje à noite não, querido” –, tudo por detecção de substâncias químicas secretadas em silêncio. Enquanto os cientistas aprendem mais sobre essa teia de interações humanas, ajudam a atravessar a linha divisória arbitrária entre os seres humanos e o mundo natural. A ideia intrigante de animais compartilharem sinais químicos tem um longo histórico, pelo menos em relação a outras espécies. Os gregos antigos falavam com entusiasmo sobre a possibilidade de cadelas no cio produzir uma misteriosa secreção capaz de deixar os machos enlouquecidos e ofegantes. Charles Darwin, voltando-se para várias espécies malcheirosas, avaliou que os sinais químicos faziam parte do processo de seleção sexual. Durante o final do século 19, o naturalista francês JeanHenri Fabre procurou evidências de que o canto de sereia químico impulsiona insetos alados em determinado voo. Ainda assim, foi só em 1959 que a ciência realmente começou a entrar em ação. Nesse ano Adolf Butenandt, vencedor do Nobel de Química, isolou e analisou um composto que as fêmeas do bicho-da-seda liberam para atrair machos. Butenandt dissecou os insetos

e, com dificuldade, extraiu a substância química das microscópicas glândulas secretoras. Coletou o bastante para cristalizá-la e conseguir discernir sua estrutura molecular. O composto foi batizado como “bombykol”, referindo-se ao nome latino do bicho-da-seda. Foi o primeiro feromônio conhecido, embora o termo ainda não existisse. Pouco depois, dois colegas de Butenandt, o bioquímico alemão Peter Karlson e o entomólogo suíço Martin Lüscher, cunharam o nome a partir de duas palavras gregas: pherein (transportar) e horman (estimular). Eles definiram o feromônio como um tipo de molécula pequena que transporta mensagens químicas entre indivíduos da mesma espécie. Os compostos devem ser ativados em quantidades reduzidas, mas potentes, abaixo do limiar do odor consciente. Quando liberados por um indivíduo de uma espécie e recebido por outro, escreveram os dois pesquisadores, eles produzem um efeito mensurável, “uma reação específica, por exemplo, um comportamento definido ou processo de desenvolvimento”. Desde então, uma surpreendente sequência de feromônios – a mais conhecida e estabelecida classe de moléculas sinalizadoras químicas trocadas por animais – foi encontrada em insetos, não só em bichos-da-seda, mas em esco-

litídeos, Trichoplusia ni, cupins, formigas-cortadeiras, pulgões e abelhas melíferas. De acordo com um relatório de 2003 da National Academy of Sciences, entomólogos “descobriram até agora o código da comunicação por feromônios de mais de 1.600 insetos”. E os feromônios têm muitas outras funções além de atrair parceiros: emitem alarme, identificam parentes, alteram o humor e ajustam relacionamentos. No final da década de 80, descobriu-se que feromônios também influenciam grande diversidade de espécies além de insetos, incluindo lagostas, peixes, algas, leveduras, ciliados, bactérias, entre outras. À medida que crescia essa nova ciência de comunicação química – adquirindo o nome mais formal de semioquímica, do grego semion (que significa “sinal”) –, alguns cientistas estenderam essa busca aos mamíferos e quase imediatamente encontraram resistência dos colegas. “Nas décadas de 70-80, as pessoas o atacavam se você dissesse ‘feromônio de mamífero’”, relata Milos Novotny, diretor do Instituto de Pesquisa de Feromônio da Universidade de Indiana. “Elas diziam ‘Isso não existe: os mamíferos não são como insetos’.” Mas em meados da década de 80, Novotny não só havia identificado um feromônio em camundongos que regulaSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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va a agressão entre machos como também o sintetizou. Esses compostos foram identificados em ratos, hamsters, coelhos e esquilos. E à medida que a lista aumentava ficou evidente que os feromônios de mamíferos eram muito parecidos – se não idênticos – aos encontrados em insetos. Como exemplo, a maioria dos pesquisadores cita o fantástico trabalho do falecido bioquímico L. E. L. “Bets” Rasmussen, da Universidade de Ciência e Saúde do Oregon. Ele mostrou que um feromônio sexual secretado por fêmeas de elefantes asiáticos é idêntico ao usado por mais de 100 espécies de mariposas. Martha propôs um conceito semelhante em 1971, em seu artigo pioneiro sobre a sincronia menstrual. “Talvez pelo menos um feromônio feminino afete a regulação dos ciclos menstruais de outras fêmeas”. PAISAGEM ODORÍFERA Martha, hoje com 66 anos, está sentada em uma pequena sala ensolarada ocupada por armários, computadores, suportes de garrafas, tubos e palitos com aroma – todos contribuindo para um odor químico sutil, levemente doce – e um aluno de pós-graduação de cabelo escuro chamado David Kern. (“Todos os outros alunos da pós-graduação pisariam sobre o meu cadáver para entrar nesta sala”, diz ele.) O laboratório de Martha fica no Institute for Mind and Biology da Universidade de Chicago, do qual ela é diretora fundadora. Ela usa um casaco de tweed por cima de uma camisa estampada de cores vivas e reflete sobre uma questão: quanto a ciência da semioquímica progrediu desde aquele dia, cerca de quatro décadas atrás? “O espaço para a comunicação química humana foi aberto”, diz, e “nosso objetivo é investir na identificação dos compostos químicos.” A tarefa é tudo, menos fácil. Estima-se que o odor corporal humano derive de cerca de 120 compostos. A maioria encontra-se na solução rica de água produzida pelas glândulas sudoríparas ou é liberada pelas glândulas

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O esteroide androstenediona é um candidato promissor a feromônio humano. Provou-se que ele influencia a cognição, os hormônios do estresse e as respostas emocionais.

apócrinas, ou de odor, na haste oleosa dos folículos capilares. As glândulas apócrinas se concentram principalmente sob os braços, nas axilas, em volta dos mamilos e nas regiões genitais. É um cenário complicado, tornado ainda mais complexo pelo uso do que os cientistas chamam de compostos exógenos, como sabonete, desodorantes e perfumes, como mostra Johan Lundström do Monell Chemical Senses Center em Filadélfia. E mesmo assim, Lundström se encanta com a capacidade de nosso cérebro desembaraçar essa teia química. O trabalho de neuroimagem feito nesse laboratório encontra uma resposta 20% mais rápida a sinais químicos humanos conhecidos comparados a moléculas semelhantes quimicamente encontradas em outros locais do ambiente. “O cérebro sempre sabe quando sente um odor corporal”, relata Lundström. Essa capacidade já está presente na infância. Inúmeros estudos com seres humanos mostram que, assim como os animais, mães e filhos estão intensamente sintonizados com os odores do outro. Esse conhecimento de odores é tão preciso que bebês até preferem as partes das roupas da mãe (e apenas de sua mãe) tocadas por compostos do suor. Curiosamente, o reconhecimento é mais acentuado em bebês que foram amamentados pela mãe do que nos que receberam outro tipo de leite. “Ainda estamos apenas separando os compostos influentes dos que não são”, avalia Lundström. “Não acho que estejamos lidando com um único composto, mas com vários compostos diferentes que podem ser importantes em situações

distintas.” Feromônios operam sem podermos detectá-los e influenciam – mas não necessariamente controlam – diversos comportamentos. “Se os compararmos às sugestões sociais, eles podem ser menos importantes que as maneiras óbvias pelas quais nos comunicamos”, avalia Lundström. Mas acrescenta que essa capacidade provavelmente ajudou na sobrevivência enquanto evoluímos, mantendo-nos mais proximamente sintonizados com o outro. A psicóloga Denise Chen, da Universidade Rice também sugere que esse tipo de alerta químico teria conferido uma vantagem evolutiva. Em sua pesquisa, ela coletou amostras de odor de indivíduos enquanto assistiam a filmes de terror. Compressas de gaze são mantidas nas axilas dos espectadores para coletar o suor liberado nos momentos de medo. Depois são colocadas sob as narinas de voluntários. Para comparação, Denise coletou também suor de pessoas que assistiam a comédias ou filmes neutros, como documentários. Um de seus primeiros experimentos mostrou que os participantes sabiam dizer se o doador do suor estava com medo ou feliz no momento em que o suor foi produzido. As adivinhações dos voluntários foram bem-sucedidas em proporção maior do que ocorreria por mero acaso, especialmente com o suor induzido por medo. Denise prosseguiu a pesquisa mostrando que a exposição ao “suor do medo” parecia intensificar a resposta de alarme – influenciando os participantes a ver medo no rosto dos outros. Essas exposições até fortaleceram o desempenho cognitivo: em testes de associação de palavras que incluíam termos que sugeriam perigo, mulheres que sentiram o cheiro do suor do medo se saíram melhor que as expostas a suor neutro. “Se você sente o cheiro do medo, você fica mais ágil em detectar palavras assustadoras”, explica Denise. Em um estudo, ela e Wen Zhou, da Chinese Academy of Sciences, compararam a resposta de casais juntos há muito tempo com a de pessoas em relacionamentos mais recentes. Talvez não seja surpresa, mas os resultados indicaram que, quanto mais tempo os casais ficam

ILUSTRAÇÃO DE BROWN BIRD DESIGN

Na química de produtos naturais os pesquisadores se empenham em identificar, isolar, detectar propriedades e posteriormente sintetizar as diversas substâncias encontradas na natureza.


juntos, melhor os parceiros interpretam a informação de medo ou de felicidade aparentemente codificada no suor. E evidências continuam a mostrar que a percepção inconsciente de odores influencia vários comportamentos humanos, dos cognitivos aos sexuais. Em janeiro, por exemplo, um grupo de cientistas do Instituto de Ciência de Weizmann, em Rehovot, Israel, liderado pelo psicólogo Noam Sobel, relatou que homens que cheiravam gotas de lágrimas femininas de emoção de repente se sentiam menos interessados sexualmente em comparação aos que cheiravam uma solução salina. Sobel descobriu uma resposta física direta a esse aparente sinal químico: uma queda pequena, mas mensurável, nos níveis de testosterona dos homens. O sinal pode ter evoluído para indicar fertilidade mais baixa, como durante a menstruação. Em geral, a descoberta pode ajudar a explicar o comportamento humano de chorar.

© VLAVETAL SHUTTERSTOCK

CIÊNCIA PRECISA Agora o objetivo principal é identificar as substâncias essenciais que transmitam os sinais ocultos e aprender sobre como o organismo detecta e reage a eles. George Preti, químico do Monell, elaborou um projeto de pesquisa que inclui rastrear esses mensageiros com a análise de suor e excreções apócrinas [de secreção glandular] e estudos de níveis de hormônios naqueles que inalam as substâncias. “Ainda temos de identificar exatamente os sinais que transportam a informação”, acrescenta Lundström. “E se queremos um apoio sólido para esse trabalho, é disso que precisamos a seguir.” Martha também encara ESTEROIDE essa situação como prioriGrupo de compostos com uma dade. Nos últimos anos ela estrutura geral de se concentrou em elaborar 17 átomos de carum retrato detalhado de bono arranjados num conjunto de um dos mais poderosos feanéis condensaromônios conhecidos, um dos. Podem aprecomposto esteroide chasentar diferentes radicais substituin- mado androstendiona. Ela tes. São solúveis acredita que essa pequena em gorduras. Hormônios, a vita- molécula em particular é mina D e o colespotente o suficiente para se terol são alguns encaixar nos requisitos de exemplos. ser considerada um fero-

Bebês preferem as partes das roupas da mãe tocadas por compostos do suor. Curiosamente, o reconhecimento é mais acentuado em bebês que foram amamentados

mônio humano: é uma molécula pequena que age como sinal químico para uma mesma espécie e influencia a fisiologia e o comportamento. Com os anos, laboratórios, incluindo o de Martha e o de Lundström, descobriram que esse composto em particular mostra efeitos mensuráveis na cognição, é capaz de alterar níveis de hormônios do estresse como o cortisol e provoca mudanças na resposta emocional. Em um estudo, Martha e sua colega Suma Jacob, da Universidade dea Illinois em Chicago, examinaram a propensão da androstenodiona a afetar o humor. Elas misturaram uma pequena quantidade com o solvente propilenoglicol e mascararam qualquer odor manifesto com óleo de cravo. Depois expuseram um grupo do estudo a um solvente contendo o composto e outro a um solvente puro. Pediram aos voluntários para cheirar compressas de gaze que continham uma versão; disseramlhes apenas que estavam participando de uma pesquisa de olfato. No geral, os voluntários expostos à androstenediona permaneceram bem mais animados durante o teste de 1520 minutos. O estudo seguinte repetiu o mesmo processo, mas incluiu rastreamento de imagens do cérebro. As neuroimagens mostraram que as regiões do cérebro associadas à atenção, emoção e processamento visual estavam mais ativas nas pessoas expostas ao composto químico. Martha vê isso como um clássico efeito de feromônio, o tipo sobre o qual ela especulou décadas atrás.

Mesmo assim, ela e outros cientistas continuam a falar com cautela de supostos feromônios. Os seres humanos são complicados e é difícil demonstrar de modo conclusivo qualquer conexão causal entre substâncias químicas específicas e mudanças no comportamento. De fato, ninguém pode dizer com certeza que substância ou substâncias são responsáveis pela descoberta original de Martha, a sincronização do ciclo menstrual das mulheres. Mesmo o fenômeno em si se mostrou meio vago: foi confirmado em vários estudos seguintes, mas contradito por outros, e ainda não é aceito unanimemente pela comunidade científica. ■ A AUTORA Deborah Blum ganhou um prêmio Pulitzer em 1992. Seu livro mais recente é The poisoner handbook: murder and the birth of forensic medicine in jazz age New York. Ela aprendeu sobre feromônios observando o pai, entomólogo, extraí-los de formigas. PARA CONHECER MAIS Fifty years of pheromones. Tristram D. Wyatt em Nature, vol. 457, págs. 262-263, 15 de janeiro de 2009. Insect pheromones: Mastering communication to control pests. Margie Patlak et al. National Academy of Sciences, 2009. Pheromones and animal behavior: Communication by smell and taste. Tristram D. Wyatt. Cambridge University Press, 2003. Menstrual synchrony and suppression. Martha McClintock, em Nature, vol. 229, págs. 244-245, janeiro de 1971. SCIENTIFIC AMERICAN on-line Leia mais sobre o Ano Internacional da Química em www.sciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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BIOLOGIA

Fisiologia: o limite da apneia É razoável pensar que as necessidades de oxigênio do cérebro limitam o tempo que uma pessoa pode ficar sem respirar. Sim, mas isso é apenas parte dessa história POR MICHAEL J. PARKES

I

nspire profundamente e prenda a respiração. Você está envolvido em uma atividade misteriosa. Em média, os seres humanos respiram automaticamente 12 vezes por minuto e esse ciclo, em conjunto com os batimentos cardíacos, é um de nossos dois ritmos biológicos vitais. O cérebro ajusta a cadência da respiração às necessidades do corpo sem nenhum esforço consciente nosso. Mas todos temos a capacidade de deliberadamente prender a respiração por curtos períodos. Essa capacidade é valiosa quando precisamos evitar que água ou poeira invadam os pulmões, estabilizar o tórax antes do esforço muscular e aumentar o fôlego quanto necessário para falarmos sem pausas. Mantemos a respiração natural e aleatoriamente, e é surpreendente que, apesar disso, a ciência ainda não tenha a compreensão clara desse processo. (Fique à vontade para expirar agora, se você ainda não fez isso.) Considere uma questão aparentemente objetiva: O que determina o tempo em que conseguimos reter a respiração? Investigar esse problema não tem sido

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nada fácil. Embora todos os mamíferos tenham essa capacidade, não se descobriu uma forma de fazer animais de laboratório prender a respiração voluntariamente por mais de alguns segundos. Consequentemente, a apneia voluntária só pode ser estudada em humanos. Se o cérebro deixar de receber oxigênio durante um período muito longo, perda da consciência, dano cerebral e morte podem ser riscos imediatos – perigos que tornariam potencialmente esclarecedores vários experimentos aéticos. Na verdade, alguns estudos tomados como referências nas últimas décadas agora são irreproduzíveis por violarem as normas de segurança da pessoa humana. Em 1959 o fisiologista Hermann Rahn, da Faculdade de Medicina da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos, usou uma combinação de métodos pouco comuns – desaceleração do metabolismo, hiperventilação, preenchimento dos pulmões com oxigênio puro e outros – para manter sua respiração suspensa por quase 14 minutos. Num experimento similar, Edward Schneider, pioneiro da pesquisa sobre

APNEIA É a interrupção voluntária ou involuntária da ventilação pulmonar.

HIPERVENTILAÇÃO É um ritmo respiratório superior ao requerido para manter uma pressão parcial normal de dióxido de carbono no sangue.


ILUSTRAÇÕES POR BRYAN CHRISTIE

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retenção da respiração da Escola Técnica de Medicina Aeronáutica do Exército, em Mitchel Field, NovaYork, anteriormente instalada na Universidade Wesleyan, descreveu o caso de uma pessoa que ficou sem respirar por 15 minutos e 13 segundos sob condições semelhantes na década de 30. Estudos e experiência diária sugerem que a maioria de nós, depois de inflar os pulmões ao máximo, não consegue manter a respiração presa por mais de um minuto em média. Por que não mais que isso? Os pulmões deveriam absorver oxigênio suficiente para manter nossa respiração presa por cerca de quatro minutos, mas poucas pessoas conseguem prender a respiração por um intervalo até mesmo próximo desse limite sem treinamento. O dióxido de carbono (gás residual exalado pelas células à medida que consomem alimentos e oxigênio) não se acumula em níveis tóxicos no sangue suficientemente rápido para explicar o limite de um minuto. Dentro d’água as pessoas conseguem prender a respiração por períodos bem maiores. Esse aumento da capacidade pode decorrer, em parte, da motivação de evitar que os pulmões se encham de água. (Não está claro se os seres humanos têm o mesmo reflexo clássico do mergulho de mamíferos aquáticos e pássaros que reduzem sua taxa de metabolismo durante a apneia, enquanto submersos.) Mas o princípio continua válido: mergulhadores que prendem a respiração sentem-se compelidos a respirar muito antes de esgotarem seu oxigênio. Como observou Schneider, “é praticamente impossível para um ser humano, no nível do mar, conter voluntariamente a respiração até chegar à inconsciência”. A perda da consciência pode ocasionalmente ocorrer em circunstâncias incomuns, como em competições extremas de mergulho. Alguns relatos incidentais mencionam casos raros em que as crianças conseguem prender a respiração por tempo suficiente até perderem a consciência, mas estudos de laboratório confirmam que normalmente os humanos adultos não chegam a esse ponto. Muito antes que a falta de oxigênio ou excesso de dióxido de carbono possa danificar o cérebro, algum mecanismo aparentemente nos leva ao ponto de ruptura (como os 24 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

pesquisadores chamam) além do qual precisamos desesperadamente de ar. Uma explicação lógica hipotética para o ponto de ruptura é que sensores especiais do corpo analisam alterações fisiológicas associadas ao inspirar e expirar antes que o cérebro apague. Esses sensores provavelmente são os que analisam a expansão prolongada dos pulmões e tórax ou os que detectam redução de oxigênio ou aumento de dióxido de carbono no sangue ou no cérebro. Mas nenhuma dessas ideias parece servir de exemplo. A hipótese dos sensores de volume dos pulmões pode ter sido descartada por vários experimentos realizados entre os anos 60-90 por Helen R. Harty e John H. Eisele, trabalhando independentemente no Laboratório Abe Guz no Hospital de Charing Cross, em Londres, e por Patrick A. Flume, então na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. Esses experimentos mostraram que nem pacientes com pulmão transplantado, cujas conexões nervosas entre os pulmões e o cérebro foram danificadas, nem os que receberam anestesia espinhal completa, cujos receptores sensoriais dos músculos do tórax foram bloqueados, poderiam conter a respiração por períodos anormalmente longos. (É importante observar que esses experimentos com anestesia não afetaram o músculo do diafragma, por razões que veremos adiante.) SENSORES ARTERIAIS A pesquisa também parece excluir o envolvimento de compostos químicos conhecidos (quimiorreceptores) para o oxigênio e dióxido de carbono. Em seres humanos os únicos sensores que detectam baixos níveis de oxigênio no sangue estão nas artérias carótidas, exatamente sob o ângulo da mandíbula, que fornecem sangue para o cérebro. Os quimiorreceptores que detectam níveis elevados de dióxido de carbono estão nas artérias carótidas e nas células do sistema nervoso central, que controlam a respiração normal e outras funções autônomas (involuntárias). Se os receptores químicos do oxigênio provocam uma sensação urgente do ponto de ruptura as pessoas devem estar aptas a prender a respiração até chegar à inconsciência. Experimentos

no laboratório Karlman Wasserman, da Universidade da Califórnia, mostraram que os pacientes ainda não conseguem chegar a esse ponto se as conexões nervosas entre os quimiorreceptores das artérias carótidas e do sistema nervoso central estiverem prejudicadas. Além disso, se níveis reduzidos de oxigênio ou de dióxido de carbono elevados forem os únicos responsáveis pelo ponto de ruptura, então além de certos limiares a contenção da respiração pode ser inviável. E inúmeros estudos mostraram que este não é o caso. Seria verdadeiro também que depois de os níveis de gás dispararem um ponto de ruptura a apneia se tornaria impossível até os níveis de oxigênio e de dióxido de carbono arterial voltarem ao normal. Mas essa previsão não é confirmada, como observaram pesquisadores desde os anos 90. Antes disso, em 1954, Ward S. Fowler, da Clínica Mayo, descreveu como, depois de prenderem a respiração ao máximo, as pessoas podem repetir essa ação imediatamente uma segunda vez caso tenham inalado apenas um gás asfixiante – e até uma terceira vez, independentemente de os níveis de gás do sangue se tornarem progressivamente piores. Trabalhos posteriores verificaram que essa capacidade de prender a respiração vezes seguidas independe do número ou do volume de gás asfixiante inalado. Em 1974, John R. Rigg e Moran Campbell, da Universidade McMaster em Ontário, demonstraram que essa capacidade persiste mesmo quando as pessoas simplesmente tentam expirar e inspirar com as vias respiratórias bloqueadas. Considerados em conjunto, todos esses experimentos que envolvem manobras repetidas de controle da respiração sugerem que a necessidade de respirar se relaciona de alguma forma ao próprio ato muscular e não diretamente às funções de troca de gases. Quando o tórax está muito inflado a tendência natural é de recuo, a menos que os músculos responsáveis pela inspiração o mantenham no estado inflado. Por isso os pesquisadores do ponto de ruptura começaram a procurar respostas nos controles neurológico e mecânico desses músculos da inspiração. Como parte deste trabalho eles pretendiam descobrir se a suspensão


O que determina o ponto de ruptura? Ponto de ruptura é o momento exato em que uma pessoa em apneia precisa desesperadamente de ar. Treinamento da apneia pode ampliá-la, assim como a meditação, que inunda o corpo com oxigênio eliminando o dióxido de carbono (CO2). Tem sido difícil descobrir o que de fato determina o ponto de ruptura. Mas a pesquisa descartou algumas possibilidades, o que faz com que as chances de uma explicação possam ser vislumbradas.

Sensores de volume dos pulmões: Sensores que monitoram a expansão do tórax ou dos pulmões podem ser outros dispositivos que determinam o ponto de ruptura. Mas experimentos em que esses nervos foram seccionados ou paralisados não mostram nenhum efeito.

Melhor hipótese até o momento

Hipótese descartada

O sangue contém quimiorreceptores: estruturas sensoriais que reagem aos níveis de oxigênio do sangue podem ser encontradas apenas nas artérias carótidas de seres humanos; sensores que respondem ao CO2 estão nas carótidas e no sistema nervoso central. Pelo fato de a troca desses gases ser fundamental para a respiração os sensores se assemelham a controladores lógicos do ponto de ruptura. Mas não são: se fossem, concentrações críticas desses gases no sangue determinariam com precisão o ponto de ruptura, que os experimentos mostram não acontecer.

Sistema nervoso central Artéria carótida

Nervo frênico

Sinais nervosos do diafragma para o cérebro: várias evidências sugerem que o músculo do diafragma, que se contrai para inflar os pulmões, envia sinais de desconforto ao cérebro informando quanto tempo ele esteve em apneia. O cérebro, então, Diafragma subconscientemente confronta essa (estado relaxado) informação com outras para Diafragma (estado contraído; pulmões inflados) determinar até que ponto ele pode suportar o desconforto.

da respiração desencadeia uma parada micos da atividade neural – o ritmo respivoluntária do ritmo automático da res- ratório central – refletem o ciclo de nossa piração que comanda esses músculos, ou respiração. Em humanos ainda é técnica e se impede os músculos da respiração de eticamente impossível medir diretamente expressarem esse ritmo automático. esse ritmo a partir dos nervos frênicos ou Pode-se dizer que o ritmo normal de do sistema nervoso central. nossa respiração começa NERVOS FRÊNICOS Mas pesquisadores criaquando o sistema nervoso Conjunto de nervos que ram meios de registrar indirecentral envia impulsos pelos emergem entre a terceira e tamente o ritmo respiratório a quinta raiz cervical fordois nervos frênicos para mando um feixe à direita e central: em vez de monitorar o músculo do diafragma outro à esquerda. Descem a atividade elétrica do múscu– membrana em forma de pelo pescoço junto à veia lo do diafragma, monitoram jugular e penetram no tórax abóbada sob os pulmões – juntamente com a artéria a pressão nas vias respirainstruindo-o a contrair e ex- subclávia de um lado e tórias ou outras alterações pandir os pulmões. Quando veia subclávia de outro. no sistema nervoso autônoSuprem o mediastino, o os impulsos param, o dia- pericárdio e o diafragma. mo, como o ritmo cardíaco fragma relaxa e os pulmões São os únicos responsá- (conhecido como arritmia se contraem. Em outras pa- veis pela contração do dia- sinusal respiratória). Trabafragma. Cada ramo controlavras, alguns padrões rít- la metade deste músculo. lhando com medidas indire-

tas, Emilio Agostoni, da Universidade de Milão, mostrou em 1963 que era possível detectar o ritmo respiratório central em humanos prendendo sua respiração bem antes de eles atingirem o ponto de ruptura. Em experimentos do mesmo tipo realizados na Universidade de Birmingham, Inglaterra, em 2003 e 2004, a aluna de pós-graduação Hannah E. Cooper, o anestesista Thomas H. Clutton-Brock e eu usamos arritmia sinusial respiratória para mostrar que o ritmo respiratório central nunca cessa: ele persiste durante toda a contenção da respiração. Esse controle requer, portanto, a supressão da expressão do diafragma desse ritmo, possivelmente por meio de uma contração voluntária contínua do músculo. Da mesma forma, o ponto de ruptura pode depender de um


dos os seus músculos esqueléticos fos- SUFOCAÇÃO E DESCONFORTO sem temporariamente paralisados com Os resultados foram surpreendentes. Os dois voluntários sentiam-se curare intravenoso CURARE – exceto os do ante- Toxina de origem vegetal bem com o ventilador desligado braço, para que pu- existente em plantas das por pelo menos quatro minutos, dessem expressar sua espécies Strychnos toxifera momento em que o anestesistaou S. guianensis e Menispervontade. Os voluntá- maceae, especialmente a -supervisor intervinha porque os rios foram mantidos Chondrodendron tomento- níveis de dióxido de carbono havivos com ventilação sum ou Sciadotenia toxifera. viam aumentado perigosamenEncontradas na América do mecânica e indicavam Sul e utilizadas tradicional- te. Passados os efeitos do curare seu ponto de ruptura mente por nativos da floresta os dois voluntários relataram sinalizando quando tropical úmida. Os princípios não terem sentido nenhum sinativos relevantes do curare desejavam que a ven- são alcaloides que afetam a toma angustiante de sufocação tilação fosse religada. transmissão neuromuscular. ou desconforto. Por razões óbvias um experimento ousado como esse dificilmente foi repetido. Outros tentaram replicar as desSegredos dos campeões cobertas de Campbell, mas fracassaram. permanecendo desperto em repouso podePessoas exímias em prender a respiração Os voluntários corajosos chegavam ao se baixar o consumo para apenas 0,27 litro geralmente baseiam-se em quatro princípios ponto de ruptura depois de um período por minuto, o que aumenta a duração do ar fundamentais. Apneia prolongada impõe nos pulmões em cerca de 33%. sérios riscos como inconsciência, danos tão curto que seus níveis de carbono percerebrais e morte. Socorro médico deve estar maneciam praticamente normais. Essas sempre de prontidão. INALAR OXIGÊNIO PURO: O ar puro observações sugerem que os voluntários contém normalmente cerca de 21% de podem ter decidido encerrar o teste anoxigênio. Estudos mostram que inalar 100% ENCHER REALMENTE OS PULMÕES: tes, talvez por causa do desconforto dos de oxigênio pode dobrar a duração da Alguns atletas produzem uma tubos de ar que mantinham a glote aberta apneia. Mas isso também pode aumentar o hiperexpansão dos pulmões além de sua perigo de colapso de regiões dos pulmões. capacidade máxima por meio de uma (um recurso moderno de segurança que técnica conhecida como bombeamento não existia à época do experimento de bucal, movendo ritmicamente a parte inferior HIPERVENTILAR: A hiperventilação antes Campbell) e por estarem mais conscienda boca para permitir a entrada de mais ar. de prender a respiração pode baixar os tes do risco de morte que corriam. Alguns As pressões elevadas que agem dentro dos níveis de dióxido de carbono do sangue, o experimentos igualmente notáveis reapulmões impõem um risco de embolia por que, segundo alguns estudos, chegou a gás arterial – bolhas de gás na corrente lizados por Mark I. M. Noble, que tradobrar o tempo do ponto de ruptura. Mas sanguínea que podem danificar o cérebro pode ser contraproducente: a balhava no laboratório de Guz no Hosou capilares coronarianos. hiperventilação tende a acelerar a taxa com pital de Charing Cross na década de 70, que o corpo consome oxigênio e produz parecem confirmar que a paralisação do dióxido de carbono. Além disso, restringe o RELAXAR PARA DESACELERAR O diafragma prolonga a duração da apneia. fornecimento de sangue para o cérebro e METABOLISMO: Em repouso o metabolismo Em vez da imobilização completa do cordesarma reflexos que o protegem de humano consome cerca de 0,36 litro de oxigenação inadequada. – Os editores oxigênio por minuto. Jejuando por 12 horas e po, Noble e seus colegas usaram uma manobra que reduzia o risco de morte dos RECORDES NOTÁVEIS* voluntários, com a paralisação apenas do diafragma – anestesiaram os dois nervos 1:00 minuto frênicos. Com essa abordagem, a duração Tempo que uma pessoa consegue média da apneia dos voluntários dobrava prender a respiração fora da água e a sensação normal de desconforto que a 8:06 acompanhava foi reduzida. Martin Štêpánek – 3 de julho de 2001, Miami

feedback sensorial do diafragma para o cérebro – informando, por exemplo, o quanto ele está distendido ou anormalmente sobrecarregado. Então, paralisar o diafragma para eliminar seu feedback sensorial ao cérebro pode permitir que as pessoas prolonguem indefinidamente a apneia. Esse era o objetivo de um dos experimentos mais alarmantes do controle da respiração que Campbell realizou no Hospital Hammersmith em Londres, no fim da década de 60. Dois voluntários saudáveis e conscientes consentiram que to-

9:04 Herbert Nitsch – 13 de dezembro de 2006, Hurghada, Egito 10:12 Tom Sietas – 7 de junho de 2008, Atenas, Grécia 11:35 Stéphane Mifsud – 8 de junho de 2009, La Crau, França *Atingido quando imóvel e com o rosto mergulhado na água, sem ter inalado antes oxigênio puro

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MELHOR EXPLICAÇÃO ATUAL O contraponto das evidências favorece então a especulação de que uma contração voluntária e prolongada do diafragma suprime a respiração por manter o tórax expandido. O ponto de ruptura pode depender muito dos estímulos que o diafragma no seu estado normal de contração envia ao cérebro. Durante essa


contração prolongada o cérebro pode perceber subconscientemente os sinais incomuns do diafragma como ligeiramente desconfortáveis de início, mas intoleráveis no final, provocando o ponto de ruptura. Em seguida, o ritmo automático reassume o controle. Essa hipótese não é muito encorajadora, mas ajusta-se perfeitamente tanto às observações de Fowler (qualquer liberação da respiração presa, necessariamente pelo relaxamento do diafragma, permite uma subsequente) como aos efeitos da inflação dos pulmões e à manipulação da mistura sangue-gás na duração da apneia. Relaxar o diafragma, mesmo que pouco, e respirar suavemente deve atrasar o ponto de ruptura atenuando os sinais dos sensores de distensão do diafragma. Aumentar o nível de oxigênio e reduzir o nível de dióxido de carbono no sangue permite também estender a capacidade de contenção da respiração pela redução de indicadores bioquímicos de fadiga no diafragma. Qualquer situação que impeça o cérebro de monitorar essa informação – bloqueando, por exemplo, os nervos entre o diafragma e o cérebro – aumentará a duração. A tolerância do cérebro a esses sinais desagradáveis depende também de nosso ânimo, motivação e capacidade de nos distrairmos. Essa hipótese é apenas uma explicação unificadora mais simples para as observações experimentais. Alguns desses experimentos avaliaram poucos voluntários e, portanto, não servem de base para generalizações confiáveis; e permissão ética para repeti-los pode nunca ser autorizada. Peças fundamentais do quebracabeça ainda podem estar faltando. Além disso, uma peça que não se encaixa bem nesse esquema surgiu de outros experimentos sobre controle da respiração realizados por Noble e Guz (eticamente irreproduzíveis atualmente). Eles triplicaram a duração da apneia em três voluntários saudáveis anestesiando dois conjuntos de nervos cranianos (o nervo vago, que se estende do cérebro aos órgãos do tórax e abdômen e o glossofaríngeo, que segue para a glote, laringe e outras partes da garganta). Esse resultado aparentemente pode ser obtido sem afetar o diafrag-

ma, a menos que o nervo vago possa transportar também alguns sinais do diafragma. É pouco provável que a própria laringe contenha um músculo envolvido na apneia: em 1993, quando o cirurgião Martyn Mendelsohn, de Sydney, Austrália, observou a glote (via uma câmera inserida por uma narina), verificou que ela normalmente permanece aberta durante a apneia. Essa observação parece apoiar a hipótese do papel desempenhado pelo diafragma. Compreender melhor o que limita a capacidade de conter a respiração pode ter aplicações práticas na medicina. No tratamento de câncer de mama, por exemplo, as pacientes são submetidas a radioterapia, cujo objetivo é administrar doses letais em todo o tumor sem lesar os tecidos saudáveis que o circundam. Esse procedimento requer minutos de exposição a radiação, durante os quais a paciente deve manter o tórax absolutamente imóvel. Como manter a respiração presa por um tempo tão longo é impraticável, costuma-se usar pulsos curtos de radiação sincronizados com a respiração da paciente de modo que os pulsos ocorram durante as pausas da respiração, quando o tórax se move o mínimo possível. Mesmo nas pausas da respiração o tórax move-se e pode não retornar exatamente à mesma posição. O físico e médico Stuart Green, a oncologista clínica Andrea Stevens, o anestesista Clutton-Brock e eu estamos realizando experimentos financiados pelo Hospital Universitário de Birmingham para verificar se seria factível prolongar a apneia para ajudar no tratamento de radioterapia. Uma compreensão prática do controle da respiração pode ser valiosa para a força policial no caso de dominação violenta de suspeitos criminais. Pessoas dominadas podem morrer acidentalmente. Aumentar a taxa metabólica, comprimir o tórax, reduzir o nível de oxigênio do sangue e aumentar o nível de dióxido de carbono são medidas que reduzem a duração da contenção respiratória de uma pessoa. Assim, se alguém estiver enraivecido, ou se tiver lutado ou sido dominado pela força, pode precisar respirar antes que esteja relaxado.

Em 2000, Andrew R. Cummin e sua equipe do Hospital de Charing Cross estudaram o comportamento de oito voluntários saudáveis depois de exalarem o máximo possível e manterem a respiração presa depois de andarem de bicicleta moderadamente por um minuto: a duração da contenção máxima da respiração diminuiu vertiginosamente para 15 segundos, a quantidade média de oxigênio do sangue baixou drasticamente e dois deles desenvolveram batimentos cardíacos irregulares. Os pesquisadores concluíram que a “contenção da respiração por curtos períodos durante uma dominação vigorosa pode ser responsável por mortes inexplicadas nessas circunstâncias”. Autoridades policiais compilaram normas gerais para a dominação pela força que devem ser observadas escrupulosamente. As pesquisas sobre controle da respiração abrem novos horizontes para aspectos vitais da fisiologia humana. Evidentemente, mais descobertas inovadoras, em especial sobre o próprio diafragma, permanecem na liderança – o que já deixa alguns de nós sem fôlego n

O AUTOR Michael J. Parkes é professor de fisiologia aplicada da Faculdade de Ciências dos Esportes e Exercícios da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Ele trabalha também na Divisão de Pesquisa Clínica do Grupo Wellcome dos Hospitais Universitários da Fundação Nacional de Saúde de Birmingham. PARA CONHECER MAIS Breath-holding and its breakpoint. Michael J. Parkes em Experimental Physiology, vol. 91, no 1, págs. 1-15, 2006. Contribution of the respiratory rhythm to sinus arrhythmia in normal unanesthetized subjects during positive-pressure mechanical hyperventilation. H. E. Cooper, T. H. Clutton-Brock e M. J. Parkes, em American Journal of Physiology–Heart and Circulatory Physiology, vol. 286, no 1, págs. H402-H411, 2004. CO2-dependent components of sinus arrhythmia from the start of breath holding in humans. H. E. Cooper, M. J. Parkes e T. H. Clutton-Brock em American Journal of Physiology–Heart and Circulatory Physiology, vol. 285, no 2, págs. H841-H848, 2003. Behavioural and arousal-related influences on breathing in humans. S. A. Shea em Experimental Physiology, vol. 81, no 1, págs. 1-26, 1996. Diaphragm activity during breath holding: factors related to its onset. E. Agostoni em Journal of Applied Physiology, vol. 18, no 1, págs. 30-36, 1963.

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MATEMÁTICA

As regras do imprevisível

sobre leis de potência e cotações A econofísica, ciência que une a economia à física estatística, usa modelos que descrevem fenômenos naturais para tentar explicar e até prever os movimentos do mundo financeiro POR MARLUS KOEHLER

ILUSTRAÇÕES: VENTURA

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alvez por causa da cabeleira vasta e desarrumada, do bigode generoso e do jeito bonachão de Albert Einstein, a imagem dos físicos cultivada pelo imaginário popular é a de um sujeito meio aparvalhado, de hábitos excêntricos, que gasta boa parte de seu tempo no mundo da Lua. Diante de tal estereótipo, parecerá surpreendente uma tendência que vem ocorrendo em instituições financeiras da Europa, Ásia, Estados Unidos e, ultimamente, também no Brasil: a crescente contratação de físicos para trabalhar como analistas financeiros em corretoras de valores, fundos de investimento e bancos. O leitor deve estar se perguntando o que poderia haver em comum entre a física e o vaivém das bolsas de valores. Um exame mais atento, entretanto, mostra que trabalhar com dinheiro significa lidar com números e quantidades que variam de maneira complexa. E não há desejo maior de um físico do que tentar entender e modelar, utilizando ferramentas matemáticas, sistemas complexos. Tais sistemas podem ser o conjunto de moléculas em um gás, ou a dinâmica das estrelas em uma galáxia. Mas podem ser também a interação de

ISAAC NEWTON (na caricatura ao lado) perdeu uma fortuna no mercado acionário e costumava dizer que era impossível “calcular a insanidade” dos investidores. Hoje, físicos estão tentando mudar essa percepção


QUANTO VALE UMA OPÇÃO? Trabalhando em um banco, muitas vezes o físico está envolvido em criar novos produtos para a indústria financeira que derivam de ações ou de moeda estrangeira. Dentre esses produtos (chamados, por razões óbvias, de “derivativos”) está a avaliação dos preços de “opções”. De maneira bastante genérica, uma opção é um direito, mas não uma obrigação, de comprar ou vender 30 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

TRABALHAR COM DINHEIRO SIGNIFICA LIDAR COM NÚMEROS E QUANTIDADES QUE VARIAM DE MANEIRA COMPLEXA – E NÃO HÁ NADA QUE UM FÍSICO GOSTE MAIS DE FAZER DO QUE ISSO determinado instrumento financeiro (ações, moeda estrangeira), por um preço acertado previamente (aproximadamente o preço corrente no mercado), em uma data especificada no futuro. O direito de ter essa opção custa uma soma em dinheiro, chamada “prêmio”. A compra de “opções” é uma estratégia para obter retornos elevados utilizando quantias pequenas, o que diminui o risco de perdas em determinado investimento. Por exemplo: suponha que um gênio da lâmpada tenha sido indicado para a presidência do Banco Central e miraculosamente criado uma taxa de câmbio de R$ 2 por dólar. Um investidor que queira adquirir uma opção para a compra de US$ 100 teria de desembolsar o prêmio, algo em torno de R$ 40. Caso o gênio desaparecesse e a cotação da moeda americana aumentasse para R$ 4 por dólar, o detentor da opção poderia exercê-la, comprando US$ 100 pelos antigos R$ 200. Se nosso investidor vendesse esses dólares pela cotação vigente, iria receber R$ 400, embolsando um lucro de R$ 160 (os R$ 200 devidos à depreciação da taxa de câmbio, menos R$ 40 gastos com o prêmio). Note que o retorno do investimento obtido através da compra da opção é maior do que aquele que o investidor obteria tendo simplesmente comprado os US$ 100 quando a cotação era de 2 para 1 e vendido quando a cotação subiu a 4 para 1. Perceba também que o retorno é garantido se a desvalorização ocorrer, e as possibilidades de perda são minimizadas.

Na eventualidade de que nosso gênio tenha permanecido no Banco Central e a taxa de câmbio tenha se valorizado em vez de cair, o investidor não exerceria a opção, amargando um prejuízo igual ao prêmio (apenas R$ 40). Empresas altamente endividadas em dólar poderiam se proteger contra o risco de desaparecimento súbito do gênio adquirindo opções que vão gerar dinheiro caso o real perca valor, o que diminui o prejuízo provocado por eventual desvalorização cambial. Resumo da ópera: caso o movimento nos preços do mercado seja grande (alta volatilidade), o comprador de uma opção vai sorrir de felicidade, pois as suas possibilidades de ganho são sempre muito altas, enquanto suas possíveis perdas são sempre limitadas. Onde entram os físicos nessa história? Para um banco que comercializa opções, a parte fundamental no jogo dos derivativos é avaliar o valor mais justo para o prêmio. Esse cálculo é feito utilizando modelos matemáticos relacionados a modelos originários da física, como a equação de Black-Scholes. Essa equação é deduzida assumindo que os preços variam conforme “uma equação de difusão”, de forma semelhante, portanto, ao movimento descrito por uma partícula que se difunde através de um gás. O modelo de Black-Scholes visa determinar o valor de uma opção analisando o grau de volatilidade do mercado, utilizando para tanto as séries históricas de preços. Voltando ao exemplo do parágrafo anterior, uma vez que o físico chegue à conclusão de que o valor mais justo para a opção seja mesmo R$ 40, o banco irá vendê-la a um cliente por R$ 41, ou comprá-la por R$ 39. TUDO É MOVIMENTO Apesar desse exemplo contemporâneo, a relação entre físicos e finanças não é recente. Em 1696, Isaac Newton, já consagrado pela proposição das leis do movimento e da gravitação universal, foi nomeado superintendente da Casa da Moeda Inglesa e participou decisivamente do bem-sucedido processo de reforma monetária daquele ano. Mas

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vários agentes financeiros vendendo ou comprando ações no pregão da bolsa de valores de São Paulo. E é justamente essa qualidade tão peculiar aos físicos que tem atraído a atenção das empresas da área financeira. Outra característica que singulariza os físicos é sua capacidade de resolver problemas por meio da identificação dos princípios fundamentais que regem determinado processo; a solução é então proposta através da aplicação desses princípios. Isso faz com que o físico não se limite a repetir métodos já existentes, mas desenvolva suas próprias ferramentas e invente processos novos durante a resolução de determinado problema. Poucos profissionais do mercado financeiro têm essa predileção pelo “conhecimento profundo”, treinamento, familiaridade com a matemática e a computação, disciplina e flexibilidade para resolver questões complexas que os físicos têm. Todos esses fatores, mais a descoberta da presença de leis matemáticas que pareciam influenciar os fenômenos financeiros, levaram, nos anos 90, ao surgimento de uma nova disciplina. Apelidada de “econofísica”, por analogia com a biofísica e a geofísica, essa nova área propõe que é possível entender os movimentos do mercado financeiro levando em conta apenas alguns fatores gerais que influenciam o comportamento dos indivíduos que nele atuam. É claro que esse objetivo, na maioria das vezes, ainda está bem distante, mas os pesquisadores já estão encontrando correlações intrigantes entre as forças que levam a uma queda do dólar, por exemplo, e os modelos que explicam o mundo físico.


quando Newton se aventurou no mercado acionário, perdeu uma fortuna no estouro da South Sea Bubble, como ficou conhecida a primeira grande queda (crash) do mercado acionário inglês, em 1720. Sobre o traumático episódio, Newton observou: “Consigo calcular o movimento dos corpos celestes, mas não a insanidade das pessoas”. Em 1900, o matemático francês Louis Bachelier, em sua tese de doutorado Théorie de la Spéculation, propôs a aplicação da teoria das probabilidades para descrever o mercado de ações. Segundo a visão de Bachelier, as variações do preço de certo ativo financeiro segui- ATIVO riam um movimento aleató- FINANCEIRO São valores e rio (random walk), no qual créditos de os movimentos futuros não direito, como podem ser determinados com poupança, aplicações base em acontecimentos pas- em fundos de sados. Como consequência investimento, de sua análise, Bachelier ações etc. descreveu o chamado movimento browniano em uma dimensão. Cinco anos mais tarde, Einstein iria independentemente descrever o mesmo tipo de movimento na física ao propor uma teoria capaz de explicar o movimento errático sofrido por peque-

FLUTUAÇÕES IMPROVÁVEIS DURANTE MUITO TEMPO, acreditou-se que a variação dos preços de algum bem ao longo do tempo fosse descrita por uma distribuição gaussiana (curva em branco). Nela, eventos extremos (uma grande alta ou queda, por exemplo) são improváveis. Novos estudos mostraram que, na verdade, os movimentos de mercado sugerem uma distribuição na forma de leis de potência (curva em azul). Nela, acontecimentos fora do padrão, representados no gráfico pela “cauda” elevada, são muito mais comuns. DESESPERADO, AMERICANO tenta conseguir dinheiro depois do crash de 1929: “Vendo este carro por US$ 100. Pagamento à vista. Perdi tudo na Bolsa”

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nas partículas imersas em um líquido quando observadas no microscópio. O trabalho pioneiro de Bachelier permaneceu praticamente esquecido até o fim da década de 40. Desde então, a aplicação da análise estatística aos mercados progrediu rapidamente, e vários

autores contribuiriam para consolidar o que hoje é conhecido como a hipótese do mercado eficiente, pedra fundamental da teoria econômica padrão. Segundo essa hipótese, os movimentos do mercado no presente não podem ser antecipados analisando o seu compor-

Maratona Eletrônica NA NATUREZA, distribuições em forma de lei de potência podem descrever fenômenos como a passagem de elétrons por um semicondutor desordenado. A estrutura molecular cheia de saliências desse tipo de material lembra uma pista de corrida esburacada.

Quando a “corrida” começa, alguns elétrons acabam presos de cara em saliências profundas, enquanto outros enfrentam obstáculos mais leves e conseguem avançar.

Conforme o percurso continua, até os elétrons mais sortudos também podem afundar em grandes valas. A distribuição das partículas ganha a grande “cauda” de uma lei de potência.

Diversas flutuações de mercado parecem seguir as regras da distribuição em lei de potência, como da maratona de elétrons. 32 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

tamento no passado, da mesma forma que não se pode antecipar o resultado da Mega-Sena desta semana simplesmente tentando achar padrões escondidos em sorteios anteriores. Em um mercado eficiente, os diversos agentes econômicos agem de forma racional, comprando e vendendo um bem pelo preço que reflete a estimativa de retorno que ele fornecerá a seu detentor no futuro, descontado o risco de possíveis perdas. Uma vez que os agentes são frios e racionais, o preço atual de uma ação, por exemplo, abrange todas as informações disponíveis sobre a empresa que a emitiu e os efeitos do contexto econômico no seu desempenho. Assim, variações futuras nos preços dessa ação acontecem apenas através de solavancos não correlacionados, à medida que notícias ou novas percepções de risco são rapidamente absorvidas pelo mercado. Ou seja, os preços variam de forma imprevisível, como o “zigue-zague” de uma partícula em um gás devido aos choques aleatórios com as moléculas desse gás. A hipótese do mercado eficiente implica que a probabilidade de variação nos preços de determiDISTRIBUIÇÃO nado ativo financeiro GAUSSIANA segue uma curva nor- A distribuição normal, também conheci- mal, também chamada gaussiana, é da como distribuição uma curva simétrigaussiana. Num mundo ca em relação à gaussiano, uma vez que média, característica que lhe confea curva normal cai ra- re a aparência de pidamente para valores um sino. É muito afastados da média, flu- aplicada no cálculo de erros. tuações muito elevadas nos preços são eventos extremamente improváveis. Entretanto não é preciso ser um iniciado em finanças para ter a impressão de que os mercados não são tão eficientes assim. Mesmo quem acompanha despretensiosamente o noticiário econômico sabe que, de tempos em tempos, eles são sacudidos por grandes quedas (crashes) que, em questão de dias ou até horas, podem pulverizar imensas quantidades de dinheiro. Exemplos desses acontecimentos dramáticos abundam ao longo da história, como as grandes quedas da bolsa de Nova York em 1929


e 1987, a ruptura da bolha das empresas de tecnologia e internet no final de 2000, ou o já mencionado estouro da South Sea Bubble no século 18. Análises mais precisas do comportamento dos mercados parecem, de fato, corroborar essa impressão. Em 1963, o matemático Benoit Mandelbrot, então na IBM, concluiu que a variação nos preços do algodão na bolsa de mercadorias de Nova York não seguia uma distribuição gaussiana. Em 1965, um aluno de Mandelbrot, o economista Eugene Fama, chegou a conclusões semelhantes estudando o comportamento de um índice do mercado de ações de Nova York. Segundo Mandelbrot e Fama, a curva que melhor explicaria os movimentos do mercado seria uma distribuição na forma de lei de potência. À primeira vista, esse tipo de curva lembra muito a distribuição normal, apresentando, contudo, uma peculiaridade fundamental: as regiões que cobrem grandes flutuações, chamadas de “cauda” da curva, são mais elevadas quando comparadas a uma gaussiana. Isso implica que acontecimentos extremos são mais frequentes. CORRELAÇÕES E UNIVERSALIDADE Em economia, uma distribuição na forma de lei de potência não é nenhuma novidade. Ainda em 1897, o economista italiano Vilfredo Pareto havia observado que a distribuição de renda entre os 3% mais abastados de uma sociedade segue uma lei de potência. Segundo Pareto, a probabilidade de encontrar um indivíduo dez vezes mais alto que outro é muito menor que a probabilidade de encontrar um indivíduo cem vezes mais rico. Isso porque a distribuição de alturas segue uma curva normal, mas a distribuição de renda no topo da pirâmide social segue uma lei de potência, com sua “cauda” elevada para eventos extremos. Pareto especulou que a presença dessa “cauda” elevada na distribuição de renda é a simples tradução do dito popular de que dinheiro gera mais dinheiro; ou seja, pessoas ricas seriam capazes de produzir riqueza mais eficientemente do que o indivíduo com renda média.

O ÍNDICE NASDAQ, relativo às ações de empresas de tecnologia digital, teve variações gigantescas durante o boom da área na década de 90

DISTRIBUIÇÕES NA FORMA DE LEI DE POTÊNCIA SÃO COMUNS EM MUITOS FENÔMENOS DA NATUREZA, SENDO TAMBÉM ENCONTRADAS EM EVENTOS ECONÔMICOS

Na natureza, distribuições na forma de lei de potência são comuns em muitos fenômenos. Elas aparecem, por exemplo, nas propriedades de transporte de alguns sistemas desordenados. Quando um pulso luminoso atravessa um semicondutor desordenado (cuja estrutura microscópica é cheia de irregularidades), sua energia pode gerar uma nuvem de elétrons nessa região (em física, esse fato é conhecido como fotocondutividade elétrica, e a corrente induzida pelo movimento desses elétrons é chamada de fotocorrente). Por causa de sua estrutura desordenada, tais semicondutores apresentam grande quantidade de armadilhas, capazes de

capturar os elétrons e mantê-los imobilizados por longos períodos. Quando posta em movimento por um campo elétrico externo, a nuvem eletrônica gerada pela luz em um semicondutor desordenado se comporta como uma multidão de maratonistas correndo espremidos, após a largada, numa rua cheia de poços cavados com profundidades variáveis. Caso a quantidade de poços caia rapidamente conforme a profundidade (de maneira que o número de poços rasos é muito maior que o número de poços profundos), o evento mais provável é a queda dos competidores em poços de pequena profundidade, dos quais eles podem rapidamente voltar à corrida. Todavia, a multidão de corredores é grande e, embora a quantidade de poços profundos seja pequena, uma fração considerável de desafortunados pode despencar em buracos muito fundos logo após a largada. Na eventualidade de que o fôlego de tais infelizes seja pequeno comparado ao esforço necessário para escalar o buraco, eles gastarão um tempo considerável imobilizados até poderem retornar à maratona. Em tais circunstâncias, a distribuição no número de corredores ao longo da trajetória vai deixando de ser uma curva normal com o passar do SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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Econofísica verde-amarela A UTILIZAÇÃO DE FERRAMENTAS oriundas da física para estudar fenômenos financeiros e econômicos brasileiros está fornecendo resultados muito interessantes. Por exemplo, analisando a evolução da distribuição do produto interno bruto de 4.973 municípios brasileiros entre 1970 e 2000 ( e também a distribuição do PIB municipal em países como EUA, Alemanha e Reino Unido), o professor Ernesto P. Borges, da Universidade Federal da Bahia, encontrou uma possível conexão entre alguns aspectos da dinâmica econômica seguida pelos países e um ramo da física que trata de fenômenos dinâmicos em sistemas complexos, a chamada não extensiva mecânica estatística. Nessa mesma linha de pesquisa (as relações entre mecânica estatística e não extensiva economia) merecem destaque ainda os trabalhos de Constantino Tsallis e Célia Anteonodo, do Centro de Pesquisas Físicas do Rio de Janeiro. Já os físicos Rogério L. da Costa e Giovani L. Vasconcelos, da Universidade Federal de

Pernambuco, estudaram as variações diárias das cotações de fechamento do Ibovespa, principal índice acionário da Bolsa de Valores de São Paulo, no período compreendido entre janeiro de 1968 (época do chamado milagre econômico) e maio de 2001. Curiosamente, detectaram a presença de correlações de longo prazo nas variações desse índice no período anterior ao Plano Collor, lançado no início de 1990. No período posterior, tais correlações desaparecem e as variações do Ibovespa seguem de perto um movimento browniano. Os cientistas pernambucanos concluíram que a liberalização econômica dos anos 90 (sob a forma da privatização de companhia estatais, diminuição de tarifas de importação e redução dos entraves para investimentos estrangeiros) ajudou a tornar o mercado acionário brasileiro mais eficiente, o que explicaria o desaparecimento das correlações de

tempo. Isso ocorre porque uma fração grande de corredores permanece presa perto da largada, mas o deslocamento médio do grupo de maratonistas aumenta paulatinamente, uma vez que os atletas não aprisionados conseguem se afastar bastante do ponto de partida. Note, entretanto, que esse deslocamento médio deve diminuir com o tempo, pois mesmo os corredores sortudos podem encontrar um buracão pelo caminho e ficar imobilizados. Há uma probabilidade baixa, mas finita, de que os elétrons-maratonistas sofram atrasos extremamente longos comparados com o ligeiro contratempo da queda em armadilhas rasas. Tudo vai depender do parâmetro alfa, que fornece a razão entre a energia média dos elétrons e a profundidade média das armadilhas. Quanto mais próximo de zero for alfa, mais difícil será para os elétrons escaparem das armadilhas profundas, e maior será o tempo gasto lá. A fotocorrente produzida pelo movimento desses elétrons

cai lentamente com o tempo, na forma de uma lei de potência. Em sistemas complexos naturais, eventos distribuídos na forma de lei de potência têm duas características extraordinárias: primeiro, podem ocorrer em qualquer escala de tempo e comprimento (diz-se que eles são invariantes em relação a tais escalas). Segundo, obedecem ao princípio da universalidade, isto é, a natureza precisa dos eventos microscópicos que constituem um fenômeno, e a interação deles não influencia de maneira significativa suas características macroscópicas. Apenas para ilustrar essas propriedades, no exemplo anterior a forma da curva de fotocorrente é independente do tempo que os elétrons levam para atravessar o material. Assim, ela permanece constante, mesmo quando se aplicam campos elétricos mais intensos, que aumentam a velocidade de deslocamento dos elétrons, ou mesmo quando se utilizam materiais de diferentes espessuras. Assim, quando o princípio da universa-

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BRASILEIROS assistem ao anúncio do Plano Collor, que desregulamentou a economia e mudou a dinâmica de variação nos preçøs de ações na Bovespa

longo prazo na variação diária dos preços das ações na Bovespa. Esse trabalho constitui um exemplo extraordinário de como a física pode contribuir para fornecer novas informações e interpretação de fatos marcantes que moldam o debate econômico nacional e, por conseguinte, influenciar os rumos da economia brasileira. – M.K.

lidade está presente, um modelo matemático relativamente simples e grosseiro pode prever aspectos importantes do comportamento de sistemas complexos. “CAUDAS” ELEVADAS Onde entram as finanças nisso tudo? Quando, no início da década de 90, alguns físicos perceberam que o comportamento dos mercados seguia leis de potência, conjecturaram que seria possível modelá-los utilizando as mesmas ferramentas usadas na física de sistemas complexos. Talvez um dos aspectos excitantes e controversos da aplicação dessas ideias está no estudo dos mecanismos que levam à formação de bolhas especulativas e quedas violentas dos mercados. Esses fenômenos podem ser tratados em analogia com os chamados fenômenos críticos da física, nos quais os elementos de um sistema subitamente começam a apresentar correlações estreitas de comportamento. Um exemplo desse fenômeno é o que acontece com as mo-


léculas de água quando a temperatura crítica de transição do estado líquido para o gasoso é ultrapassada. Assim como as moléculas de água em evaporação, os agentes financeiros, estimulados por determinadas condições econômicas externas, subitamente passariam a comportar-se de maneira cooperativa. Por exemplo, num ambiente de extremo otimismo, o aumento nos ganhos de determinada ação pode induzir vários investidores a acumular cada vez mais frações desses papéis, mesmo que os fundamentos econômicos não justifiquem tamanha alta. Estaria então formada uma bolha especulativa. Inversamente, um fato novo qualquer pode trazer grande pessimismo ao mercado e subitamente disparar uma onda de venda de papéis. Muitos investidores, vendo a queda brusca no valor de suas ações, são induzidos a vender o mais rápido possível os papéis que ainda possuem. Estaria estabelecido, então, um crash. Ler os sinais de possíveis solavancos do mercado pode ser uma das grandes contribuições da econofísica para os estressados administradores de risco financeiro. E, sobretudo, pode ser uma grande fonte de lucro, pois gran-

O matemático Benoit Mandelbrot, que demonstrou a presença de uma distribuição na forma de lei de potência na variação dos preços do algodão

des retornos são conseguidos quando se compra na baixa para vender na alta. Os primeiros resultados obtidos pela nova ciência da “econofísica” estão sendo bastante promissores, até mesmo quando aplicados para analisar aspectos de uma economia emergente e turbulenta como a brasileira (ver quadro na página ao lado). Simulando o comportamento dos agentes financeiros através de estratégias de investimento bastante simples, modelos matemáticos foram capazes de reproduzir os movimentos típicos presentes nos mercados reais, como ciclos de quedas e altas expressivas, distribuídos segundo leis de potência. Nas simulações geradas utilizando modelos mais sofisticados, nos quais os movimentos do mercado podem influenciar a estratégia adotada pelos agentes, houve o aparecimento de grandes flutuações, levando a um comportamento descrito por distribuições de lei de potência com as famosas “caudas” elevadas, o mesmo tipo de fenômeno observado no mundo real. Contudo, é importante salientar que os modelos propostos ainda são pálidas reproduções da realidade, e muita pesquisa deve ser desenvolvida até que se chegue a uma descrição matemática mais completa dos mercados financeiros. Diariamente, milhares de dados são gerados ao redor do globo descrevendo a variação de preços de inúmeros bens e serviços. Graças aos computadores e à internet, esses dados podem estar à distância de um simples clique de mouse. Assim, é natural que uma das grandes contribuições dos físicos para as finanças tem sido escrutinar quantidades cavalares de dados a fim de avaliar precisamente o tipo de estatística seguido pelo mercado. A determinação do parâmetro alfa é essencial para inferir o grau de previsibilidade do mercado. De maneira surpreendente, em muitos estudos esse valor tem ficado entre 2 e 4. Segundo a teoria estatística, um alfa maior que três indica que o sistema não pode ser descrito como um jogo tipo Mega-Sena, o random walk proposto por Bachelier. Isso sugere que talvez seja possível deduzir os

movimentos futuros do mercado pela análise de seu desempenho no passado. Quase 280 anos após a morte de Newton, pode-se dizer que a física moderna está propondo uma maneira de quantificar o grau de insanidade e ganância das pessoas. Ainda não dá para dizer se vai ter sucesso nessa empreitada. Mas prestar um pouco mais de atenção no que os físicos têm a dizer pode ser um negócio bastante recompensador, como já descobriram muitas instituições financeiras mundo afora. Não só para obter lucro, mas principalmente para diminuir a possibilidade de os investidores acabarem como o genial físico inglês, que viu suas economias serem pulverizadas pelos caprichos impiedosos do mercado. ■

O AUTOR Marlus Koehler é professor adjunto da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde realiza pesquisas sobre Injeção de carga em interfaces metal moléculas, propriedade de transporte de carga em sistemas nanoestruturados, propriedades de transporte de carga em blendas polimero/nanotubos de carbono.. É formado em física pela UFPR, é mestre em física pela mesma universidade e doutor em física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tem pós-doutorado no Instituto Politécnico Federal da Suíça em Zurique (ETHZ) . PARA CONHECER MAIS The physics of the trading floor. Mark Buchanan em Nature, vol. 415, págs. 10-12; janeiro de 2002. Physics in finance. Jessica James em Contemporary Physics, vol. 41, No 4, págs. 227238; 2001. Physicists in finance. Joseph M. Pimbley em Physics Today, págs. 42-46; janeiro 1997. The physics of high finance. Arthur L. Robinson em Physics Today, págs. 55-56; junho de 1994. Time-scale invariance in transport and relaxation. Harvey Scher, Michael F. Shlesinger e John T. Bendler em Physics Today, págs. 26-34; janeiro de 1991. Chaos and order in the capital markets. Edgar E. Peters, John Wiley Sons Inc., 1996. Long-range correlations and nonstationarity in the brazilian stock market. Rogério L. da Costa e G.L. Vasconcelos em Physica A, vol. 329, 2003, págs. 231-248. Empirical nonextensive laws for the county distributions of total personal income and gross domestic product. Ernesto P. Borges em Physica A, vol. 334, págs. 255-266, 2004. Econophysics Forum: www.unifr.ch/econophysics/ SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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GEOGRAFIA

a formação do

amazonas Analisar as origens do maior rio do mundo ajuda pesquisadores a explicar a abundância extraordinária de vida vegetal e animal na floresta úmida amazônica por carIna hoorn

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ricardo aZourY/Corbis

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uem olha o Amazonas de cima não pode deixar de notar que a água domina a paisagem mesmo além do poderoso canal principal. O rio, que se estende das terras altas peruanas perto do Pacífico por 6.500 km até a costa atlântica brasileira, ultrapassa suas margens e inunda grandes áreas de floresta durante as estações chuvosas. E miríades de lagos se espalham por suas planícies inundáveis no restante do ano. Ao todo, o rio nutre 2,5 milhões de km2 da floresta mais diversificada da Terra. Até recentemente os pesquisadores não tinham a menor ideia sobre desde quando existe a relação íntima entre o rio e a floresta. A inacessibilidade desta região remota, hoje chamada Amazônia, significava que as teorias consagradas sobre o início do rio e da floresta úmida eram, na melhor das hipóteses, especulações. Nos últimos 15 anos, novas oportunidades de estudar os registros geológicos e fósseis da região finalmente permitiram aos investigadores montar um quadro mais completo da história amazônica. As descobertas sugerem que a formação do rio foi um processo complicado que durou milhões de anos, e


Ilhas na selva, como as do arquipélago de Anavilhanas, localizado no rio Negro, perto de Manaus, parecem bastante com as vastas terras alagadas que formavam a Amazônia entre 16 milhões e 10 milhões de anos atrás, de acordo com as pesquisas atuais

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que seu desenvolvimento influenciou a evolução de plantas e animais nativos. Muitos pesquisadores hoje defendem que o rio incipiente alimentou inúmeros lagos interconectados no meio do continente antes de forjar uma conexão direta com o oceano Atlântico; esta zona úmida dinâmica produziu condições ideais para que tanto criaturas aquáticas quanto terrestres surgissem muito antes do que se pensava. As novas interpretações também explicam como criaturas que normalmente vivem apenas no oceano – entre elas, os golfinhos – hoje prosperam nos lagos internos da Amazônia.

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ROCHAS ANTIGAS contêm pistas sobre os dias iniciais da Amazônia, como estes penhascos amarelados ao longo do rio colombiano Caquetá, que só raramente se projetam para fora da densa floresta úmida

de tributários quase inacessíveis e tendem dos primeiros tempos consistia em barro a ser cobertas por uma vegetação densa. avermelhado e areia branca de quartzo, Ao longo de centenas de quilômetros que claramente haviam se formado pela de canais, meu assistente de campo e eu erosão de granitos e outras rochas claras viajamos pela Colômbia, Peru e Brasil e no interior do continente. Tal composiencontramos apenas uma dúzia de aflo- ção implica que os canais antigos da reramentos adequados. Com frequência gião se originaram no coração da Amativemos de manejar um facão para cortar zônia. Eu supus – e outros pesquisadores a mata – uma vez surpreendendo uma depois confirmaram – que no início do sucuri verde gigante e outra expondo as Mioceno os rios vinham do noroeste, de pegadas de uma onça. Mesmo assim, tí- colinas baixas, para o interior continennhamos acesso apenas às camadas supe- tal, e alguns escoavam no mar do Caribe. riores da grossa formação A paisagem amazônica mudou rochosa, que se estende ATIVIDADES significativamente logo após um epiTECTÔNICAS por quase 1 km para bai- São o principal sódio violento de atividades tectônixo da superfície em alguns agente interno do cas empurrar para cima o nordeste relevo. É a movilocais. dos Andes. Cerca de 16 milhões de mentação das plaUma vez que o tra- cas tectônicas anos atrás, no registro geológico, balho de campo estava sobre o magma. os sedimentos vermelho e branco completo, minha primeira Ocorre três fordesapareceram. No lugar, encontramas: convergente, conclusão foi que o rio divergente e trans- mos intrigantes alterações de argila Amazonas não existia an- corrente. Esses azul-turquesa, cinza e verde, arenito tes de 16 milhões de anos movimentos têm marrom e um material vegetal fosconsequências aproximadamente, o co- percebidas na silizado chamado linhito. Era óbvio meço do que os geólogos superfície como que as partículas escuras de lama e chamam de Mioceno mé- vulcões, abalos sís- areia vieram de outra fonte que não micos e dobramendio. A maioria das rochas tos modernos os granitos claros. E padrões em caque encontramos datadas (montanhas). madas distintas nos sedimentos fos-

CORTESIA DE CARINA HOORN, ORIGINALMENTE PUBLICADO EM “FLUVIAL PALAEOENVIRONMENTS IN THE INTRACRATONIC AMAZONAS BASIN”, DE CARINA HOORN, EM PALAEOGEOGRAPHY, PALAEOCLIMATOLOGY, PALAEOECOLOGY, VOL. 109, NO 1, MAIO DE 1994. © ELSEVIER

SEDIMENTOS TESTEMUNHAIS Entender como e quando o rio Amazonas se formou é essencial para desvendar os detalhes de como foi moldada a evolução da vida na Amazônia. Antes do início da década de 90, os geólogos sabiam apenas que poderosos movimentos da crosta terrestre forjaram os Andes, na América do Sul, e elevaram picos em outros lugares do planeta (incluindo o Himalaia e os Alpes) entre 23 milhões e 5 milhões de anos atrás, época conhecida como Mioceno. Esses eventos dramáticos dispararam o nascimento de novos rios e alteraram o curso dos existentes na Europa e na Ásia, e os especialistas acreditam que a América do Sul tenha sido uma exceção. Mas a natureza específica e o período de tais mudanças eram desconhecidos. Quando comecei a explorar o problema em 1988, suspeitava que os melhores registros do ambiente amazônico ancestral eram os depósitos maciços de lama, areia e restos de plantas armazenados no canal do rio que hoje segue para o Atlântico. Mas obter esses sedimentos – há muito solidificados FOLHELHO em folhelho, arenito e São rochas semelhantes aos argilioutras rochas – trazia tos, mas com lâminas finas e parale- desafios consideráveis. Uma floresta grande o las esfoliáveis, enquanto os argilisuficiente para abraçar tos têm argilas de aspecto mais maci- nove países com leis distintas não cede seus ço. Trata-se de uma rocha sedisegredos facilmente. E as mentar de origem detrítica pertencen- rochas das depressões, te ao subgrupo das que sobressaem no solo argiláceas. apenas raramente, em geral o fazem ao longo


Do mar para o mar? Entre os mistérios mais impressionantes da Amazônia moderna estão os botos, as raias e outras criaturas tipicamente marinhas (fotos) que povoam os oásis lamacentos de água doce da floresta úmida. Uma antiga teoria sugere que um mar raso tomava a América do Sul de norte a sul (mapa abaixo) por um longo período do Mioceno, entre 23 milhões e 10 milhões de anos atrás, e que esses animais descendem de ancestrais dos oceanos que migraram para a região via aquele canal marinho. Mais tarde, quando o mar retraiu, as espécies teriam evoluído para tolerar a água doce. Área detalhada

Boto do rio Amazonas (Inia geoffrensis)

América do Sul hoje

Raia (Potamotrygon falkneri)

FLIP NICKLIN/Minden Pictures (boto); DANTE FENOLIO/Photo Researches (raia), RON MILLER (mapa)

Caminho marinho do Mioceno

silizados indicavam que a água que as depositou não vinha mais do norte, mas sim do leste. Meu palpite foi que as montanhas erguidas mudaram os padrões de drenagem, enviando a água do leste em direção ao Atlântico. Para apoiar essa ideia, análises posteriores do sedimento feitas na Universidade Wageningen, Holanda, provaram que muitos dos grãos de areia marrons eram de fato fragmentos de xisto e de outras rochas escuras que foram levados pela água à medida que cresciam os Andes recém-nascidos. Além disso, alguns dos grãos de pólen e esporos que encontrei na argila e nos linhitos vieram de coníferas e samambaias que só poderiam ter crescido em elevadas altitudes, em montanhas. O pólen contrastava com os sedimentos mais antigos do Mioceno, que vinham de plantas conhecidas por crescerem apenas

em interiores continentais de baixa al- rio demorou pelo menos 6 milhões de titude. Núcleos de rochas do Brasil, que anos para se desenvolver em um sisteforneceram a única sequência completa ma de drenagem totalmente conectada mudança do barro avermelhado para do e transcontinental, como é hoje. A os sedimentos azulados e marrons, acaba- pesquisa das mudanças geológicas que ocorreram naquele período de transição ram por corroborar minhas conclusões. hoje esclarece as origens da Enfim os cientistas tinham enigmática fauna da região. evidências inegáveis de quando AMADURECER Este termo é utilinasceu o embrião do rio Amazo- zado para designas. Mas logo se tornou claro que nar a completude ÁGUA SALGADA o rio adquiriu sua grandiosidade de um rio em suas OU DOCE? três etapas: alto, Por décadas, a principal hisó muito depois. Em 1997, David médio e baixo pótese prevalecente sobre Dobson, hoje na Faculdade Guil- curso. A fase de ford, em Greensboro (Carolina amadurecimento a Amazônia no Mioceno corresponde, do Norte), e seus colegas desco- didaticamente, ao indicava que, na época, um mar raso teria inundado a briram que os grãos da areia an- baixo curso em região por bastante tempo. dina que encontrei na Amazônia virtude de ser a etapa mais lenta A descoberta de que o rio começaram a se acumular ao de escoamento, Amazonas levou milhões de longo da costa brasileira apenas pois este se dá anos para amadurecer não 10 milhões de anos atrás. Esse em relevo de planície. contradizia aquela visão, marco de tempo significa que o SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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porque deixava aberta a possibilidade de que aquele mar barrou o caminho do rio incipiente até o Atlântico. Defensores dessa hipótese apontam que uma conexão prolongada com o mar aberto poderia explicar como botos, peixes-boi, raias e outras criaturas marinhas entraram no coração do continente. Quando o mar retraiu, eles teriam desenvolvido a habilidade de tolerar a água doce, o que explicaria como esses animais vivem nos oásis aquáticos da floresta. Pesquisadores na Argentina também exibiram casos convincentes de que certas condições marinhas raras ocorreram no interior do país durante o Mioceno. Com esses argumentos, fica tentador acreditar no cenário marinho, mas meus colegas e eu descobrimos várias evidências que sugerem ser improvável que tal conexão dominasse a paisagem por tanto tempo. Acreditamos que as amostras de rochas que coletei do Mioceno médio, representando um período de cerca de 16 milhões a 10 milhões de anos atrás, são relíquias de um ambiente de água doce. Uma das características mais notáveis das camadas rochosas do Mioceno médio era sua periodicidade. Antes, eu acreditava que esse padrão se desenvolveu à medida que diferentes tipos de sedimentos eram depositados nas estações secas ao longo dos anos – como é típico em terras úmidas alimentadas por rios pequenos. Durante a estação seca, as partículas do solo e a matéria orgânica de plantas teriam assentado lentamente no fundo de lagos rasos e pântanos, eventualmente formando barro azulado e linhito. Durante a estação chuvosa, fortes correntezas provenientes das partes mais altas do oeste – talvez o próprio Amazonas incipiente – teriam carregado a areia marrom com elas; além disso, os minerais típicos das terras altas andinas apareciam apenas nas camadas de arenito. Alguns investigadores interpretam os mesmos depósitos de forma diferente. Matti Räsänen, da Universidade de Turku, Finlândia, e seus colegas argumentam que os tipos alternados de sedimento registram na verdade as idas e vindas das marés do oceano, que teria modificado o litoral do mesmo jei40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

cos estudados, indicando não to que faz um mar raso ou um ESTUÁRIO apenas que seu hábitat era de estuário, que eles acreditam ter Um dos tipos de Nesse caso água doce, mas também que a coberto a Amazônia naquele foz. o rio deságua área alagada era incrivelmente tempo. As cheias carregariam no mar em um larga e interconectada. Estimaareia, lama e material orgânico único canal tivas atuais sugerem que o corvegetal, que teriam assentado de escoamento. po d’água cobria cerca de 1,1 durante o período de baixa. É milhão de km2, aproximadaimportante notar, no entanto, que as marés também ocorrem em gran- mente o dobro do tamanho dos Grandes des lagos de água doce. Lagos da América do Norte – o que o As indicações mais contundentes de torna o maior e mais duradouro sistema que a água doce dominava a paisagem no de lagos de que se tem notícia. Mioceno médio surgiram dos abundanApesar da evidência crescente contra tes fósseis sepultados nos afloramentos. a existência do mar na Amazônia duranQuando Frank P. Wesselingh, hoje no te o Mioceno, as assinaturas de estrôncio Museu de História Natural em Leiden, nos moluscos revelaram que esse sistema Holanda, me acompanhou à Colômbia enorme de lagos experimentou, sim, auem 1991, ele desenterrou uma popula- mentos ocasionais de salinidade. Sabe-se ção altamente diversificada de fósseis de que o nível dos oceanos no Mioceno era moluscos em rochas do Mioceno médio. mais alto do que é atualmente, o que torEle fez estudos taxonômicos detalhados na plausível que o recém-nascido mar do dos moluscos, que representavam cerca Caribe tivesse se estendido na direção sul de 7 milhões de anos e diversos locais da por uma passagem terrestre estreita. De Amazônia, e percebeu que a maioria es- fato, fósseis de plantas e animais confirtava ajustada a lagos de água doce; ape- maram a existência de conexões de breve nas algumas espécies poderiam ter sobre- duração com o oceano. Microrganismos vivido em ambiente totalmente salgado. marinhos e o pólen de mangues – árvoUm canal marinho de longa duração, res que vivem na água salgada – aparececomo sugerido por Räsänen, não teria ram em minhas amostras rochosas, mas permitido a adaptação durante a inun- apenas raramente e por intervalos curtos dação; e o mar teria extinguido qualquer de tempo. As evidências indicam que a espécie de água doce que tivesse evoluído Amazônia foi inundada pelo menos duas antes de sua existência. vezes enquanto existia aquela vasta zona Em 1998, Hubert B. Vonhof, da Uni- alagada, entre 16 milhões e 10 milhões versidade Livre de Amsterdã, Wesselingh de anos atrás. e seus colegas chegaram à mesma conAs melhores estimativas indicam que clusão baseados em assinaturas químicas cada incursão marinha durou cerca de na concha dos moluscos. Esses animais milhares de anos, e não milhões. E apeaumentam seu envoltório ano após ano sar de nunca aumentarem a salinidade com carbono, oxigênio, estrôncio e ou- dos lagos para níveis iguais aos do mar tros elementos dissolvidos na água que aberto, elas ainda assim teriam permios cerca. Dessa maneira, a composição tido que animais marinhos penetrassem das faixas de crescimento em uma única no coração da Amazônia. Investigações concha serve como registro das substân- detalhadas da história de criaturas em cias químicas que estavam na água ao particular concluem, no entanto, que a longo do tempo que o molusco viveu. E última grande ligação marinha foi procomo o número de isótopos de estrôn- vavelmente mais severa quando o Amacio – átomos com o mesmo elemento e zonas ainda era jovem, muito antes de quantidade diferente de nêutrons – não é a região alagada dar espaço para o rio igual para a água do mar e a água doce, transcontinental de hoje. Estudos moleele serve como um monitor de salinidade. culares feitos por Nathan R. Lovejoy, da Para a surpresa de muitos cientistas, Universidade de Toronto, por exemplo, as assinaturas de estrôncio estavam rela- indicaram que as raias amazônicas, que tivamente marcadas em uma grande ex- são muito próximas às que hoje vivem tensão temporal e geográfica dos molus- no mar do Caribe, migraram para o in-


A transformação da Amazônia O vasto interior no norte da América do Sul, hoje conhecido como Amazônia, passou por pelo menos três grandes modificações de paisagem nos últimos 25 milhões de anos. Muitos pesquisadores argumentam que a Amazônia foi coberta por água do mar apenas ocasionalmente naquele tempo. Pelo novo ponto de vista, a nascente cordilheira dos Andes enviou um fluxo de água na direção leste mais cedo do que se imaginava, e o incipiente rio Amazonas nutriu um dos maiores sistemas de lagos interconectados do mundo por milhões de anos antes de finalmente desaguar no oceano Atlântico quase 6.500 km depois.

Área detalhada

d M ar

o Ca

ri b e

Colinas baixas

Surgimento do nordeste dos Andes

25 milhões de anos atrás Perto do começo do Mioceno, o rio Amazonas e o nordeste dos Andes não existiam. Os primeiros canais de água da Amazônia vinham do noroeste, de colinas baixas no coração do continente, com algum fluxo ocasional para o mar do Caribe.

América do Sul hoje Nascimento do rio Amazonas

Cordilheira dos Andes moderna

Delta do Amazonas

RON MILLER

Amazonas moderno

15 milhões de anos atrás À medida que o nordeste dos Andes subiu para cerca de um quarto de sua altura atual, por causa de intensa atividade tectônica, a montanha interrompeu o fluxo dos rios do nordeste e jogou água a partir de suas inclinações orientais. Um desses fluxos se tornou o novo rio Amazonas, que alimentou uma vasta área alagada que gradualmente se expandiu para o leste. Hoje O rio alcançou seu comprimento atual há cerca de 10 milhões de anos, quando forjou uma conexão direta com o Atlântico, provavelmente por causa de uma sublevação tectônica adicional nos Andes. À medida que o rio seguia em direção ao oceano, ele drenava muitos dos lagos que por tempos dominaram a paisagem amazônica e começava a lançar sedimentos na costa do Brasil. Esses sedimentos formam hoje um dos maiores deltas do mundo.

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A origem da fábrica amazônica de espécies

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URUCUM, PLANTA NATIVA da selva amazônica, de cuja polpa se extrai tintura usada pelos índios

intensa produção de espécies dentro da própria região do que uma consequência do intercâmbio biótico com as regiões adjacentes. No Pantanal, por exemplo, a situação é inversa: o intercâmbio biótico contribui muito mais com para diversidade regional do que a produção de espécies. Se a Amazônia é uma fábrica de espécies, então como e quando elas foram formadas? Entre os especialistas, não há muita divergência sobre o como, mas bastante sobre o quando, como Carina Hoorn exemplifica em seu artigo. Com base nos padrões de distribuição e das relações de parentesco entre as espécies que se substituem geograficamente ao longo da região, é possível afirmar que o esquema tradicional de especiação por vicariância é o que melhor explica a maior parte dos casos estudados até hoje. Até aqui há consenso. Entretanto, esse modelo requer que a distribuição de uma população ancestral seja fragmentada por algum tipo de barreira, por exemplo a formação de um rio ou de um extenso corredor de vegetação não florestal em um lugar antes dominado por florestas. E é exatamente neste ponto que o consenso deixa de existir. Durante os últimos 30 anos grande parte do debate sobre a biogeografia amazônica foi focada na contribuição dos possíveis tipos de barreiras que causaram a diversificação das espécies

© LUCIANO GRÜDTNER BURATTO/FOLHA IMAGEM

A Amazônia é a região de maior biodiversidade do planeta. Cobrindo mais de 6 milhões de km2 em nove países do norte da América do Sul, abriga pelo menos 40 mil espécies de plantas, 427 de mamíferos, 1.294 de aves, 378 de répteis, 427 de anfíbios e mais de 3 mil espécies de peixes. A porcentagem de espécies endêmicas – restritas à região – varia de 5,7% nos répteis a 87,7% nos anfíbios. Apesar de haver ainda muito a ser pesquisado e catalogado, estima-se que a Amazônia abrigue pelo menos 10% das espécies do planeta. Explicar a origem dessa extraordinária riqueza sempre foi um grande desafio para várias gerações de cientistas. Hoje sabemos que a diversidade de espécies de uma região é um produto de três processos biogeográficos básicos: produção de espécies, intercâmbio biótico e extinção. As espécies são produzidas quando uma ancestral dá origem a duas ou mais espécies descendentes por meio de um processo denominado especiação. Há vários modelos possíveis, mas o mais aceito é o da vicariância, mecanismo evolutivo por meio do qual uma espécie ancestral tem sua distribuição fragmentada por barreiras geológicas ou ecológicas. Como consequência, as populações passam por um processo de diferenciação, dando origem a duas ou mais espécies descendentes. A especiação geralmente leva ao aumento tanto da diversidade quanto da porcentagem de espécies endêmicas na região. O intercâmbio biótico é o fluxo natural de espécies entre regiões adjacentes, com algumas populações expandindo suas distribuições para áreas que originalmente elas não habitavam. Esse processo geralmente adiciona espécies a uma região, aumentando, portanto, a sua diversidade. Em contraposição, a porcentagem de espécies endêmicas nessa determinada área cai, pois ela será povoada por um número maior de espécies que ocorrem em duas ou mais regiões. Por fim, os eventos de extinções atuam diminuindo a diversidade regional e podem ser causados tanto por fatores bióticos como abióticos. Geralmente são associados a mudanças ambientais drásticas. Infelizmente, os efeitos da extinção sobre a diversidade regional de espécies não podem ainda ser estimados para muitas biotas tropicais, pois isso requer fósseis abundantes e bem preservados. Qual seria a contribuição relativa dos três processos básicos para a formação da moderna biodiversidade amazônica? Por incrível que pareça, essa é uma das questões mais bem resolvidas na biogeografia amazônica e na qual não há grandes controvérsias. Na Amazônia, o naturalista britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913), coproponente da teoria da evolução por seleção natural, foi o primeiro a demonstrar que as espécies não são amplamente distribuídas na região, como alguém poderia suspeitar se tomasse por base a contínua cobertura florestal que reveste a região. Em contraste, as espécies na Amazônia têm distribuições relativamente pequenas e concentram-se em determinados setores da região, denominados áreas de endemismo. Wallace também observou que as espécies restritas a uma dessas áreas são substituídas por outras aparentadas nas regiões de endemismo adjacentes. Em muitos casos, essas substituições estão associadas à presença de barreiras físicas bem definidas, tais como rios, planaltos ou manchas de vegetação aberta, mas, em outros casos, elas ocorrem em lugares sem nenhuma barreira atual visível conhecida. Essas duas observações apoiam a ideia de que a extraordinária diversidade de espécies na Amazônia é mais uma consequência da


© MARCELLO LOURENÇO/NEXTFOTO

amazônicas. Alguns pesquisadores sugerem que barreiras de longa duração – que permaneceram estáveis por centenas de milhares de anos, tais como a formação de rios, vales ou planaltos – foram mais eficientes para gerar as espécies atuais do que as barreiras ecológicas cíclicas de curta duração, que funcionaram como barreiras por alguns milhares de anos para logo desaparecer. Neste caso se encaixam as inúmeras mudanças de vegetação (de florestas para savanas e de savanas para florestas) que possivelmente marcaram o Quaternário da região, ou seja, os últimos 2 milhões de anos. A famosa teoria dos refúgios, o paradigma dominante na biogeografia amazônica nas décadas de 70 e 80 segundo o qual a mata teria sido reduzida a ilhas de tamanho variável na era de glaciação do Pleistoceno, propõe exatamente o inverso. Os defensores da importância das barreiras de longa duração predizem que a grande maioria das espécies modernas na Amazônia é mais antiga que o Quaternário (final da era cenozoica, na qual se encaixa o Pleistoceno) ; eles argumentam que as mudanças geológicas que ocorreram no Terciário (início do cenozóico) foram suficientes para promover a formação das barreiras necessárias para causar múltiplos episódios de especiação na região. Em contraste, os defensores da importância das barreiras cíclicas de curta duração argumentam que os padrões atuais de distribuição das espécies podem ser explicados de forma mais adequada com base nas mudanças de vegetação que aparentemente marcaram o Quaternário da região. Como podemos decidir entre essas duas correntes de pensamento? Uma das únicas formas de avaliar os dois argumentos é estudar as relações de parentesco de espécies amazônicas por sequências de DNA. Com isso, é possível estimar o tempo de divergência evolutiva entre duas ou mais espécies pela quantidade de diferenças genéticas existentes entre elas. O método do relógio molecular não está isento de críticas severas, mas, por enquanto, é a melhor forma de ampliar nosso conhecimento sobre este assunto. Até o momento, estudos moleculares sobre aves, mamíferos e anfíbios amazônicos indicam que a formação de espécies na região ocorreu tanto no Terciário como no Quaternário, mas que a grande maioria das espécies atuais desses grupos de organismos é mais antiga que o Quaternário. Um estudo publicado neste ano por Jason T. Weird, da Universidade da Colúmbia Britânica, Canadá, demonstrou que houve queda na taxa de formação de novas espécies de aves na Amazônia durante o Quaternário. Para plantas, os resultados não são muito diferentes. Um estudo molecular sobre a diversificação do gênero Inga (Leguminosae-Mimoisodeae) publicado em 2001 por uma equipe liderada por James E. Richardson, do Jardim Botânico Real de Edimburgo, Reino Unido, indicou que os eventos de especiação neste gênero estão concentrados nos últimos 10 milhões de anos, com somente 30% das espécies com origem possível no Quaternário. Todas as evidências, biogeográficas ou geológicas, indicam uma longa e complexa história evolutiva para a Amazônia. Sabemos hoje que muitas espécies são mais antigas que o Quaternário, enquanto algumas acabaram de surgir. Determinar a intensidade dos eventos

de especiação na Amazônia ao longo do Terciário e Quaternário com base nas filogenias moleculares de diferentes grupos de organismos é um desafio científico importante para as próximas décadas. Mas outro ainda maior será proteger a grande biodiversidade amazônica do empobrecimento e da homogeneização biológica que alguns setores da sociedade brasileira tentam impor à região. A Amazônia deve ser vista como uma grande fábrica de espécies e de novidades evolutivas, e precisamos investigar mais como essa máquina funcionou no passado e como está funcionando atualmente. Depois de décadas de debates acirrados, chegou a hora de nos curvarmos à realidade e admitirmos que nenhuma hipótese sozinha, baseada em um modelo geológico ou paleoecológico exclusivo, será suficiente para explicar a origem da grande diversidade de espécies observadas atualmente na região. José Maria Cardoso da Silva é vice-presidente de ciência da Conservação Internacional-Brasil e doutor em biologia pela Universidade de Copenhague, Dinamarca

MACACO UACARI BRANCO (Cacajao calvus) alimenta-se de ingá, fruta típica da região

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Ideias novas

terior em algum momento antes de 16 milhões de anos atrás. O estudo de botos produziu conclusões similares. Em 2000, Insa Cassens e seus colegas da Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica, concluíram que os botos-cor-de-rosa de hoje em dia na Amazônia são uma relíquia de linhagens de golfinhos marinhos comuns no início do Mioceno mas foram extintos logo depois, indicando que os atuais são uma forma que se adaptou à água doce. E Eulalia Banguera-Hinestroza, da Universidade de Valle, Colômbia, recentemente diferenciou dois grupos geneticamente distintos dos botos Inia, um da Amazônia e outro da Bolívia, demonstrando que os grupos foram separados há um tempo considerável; tal separação teria ocorrido enquanto um canal marinho ainda ligava essas regiões. ANTIGUIDADE DA FLORESTA As pistas de que a bacia do Amazonas no Mioceno era formada mais por lagos 44 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

Moluscos de água doce, incluindo Pachydon (esq.) e Sioliella (dir.), são a maioria dos moluscos do Mioceno médio descobertos em dezenas de sítios pela Amazônia; apenas na poucas das espécies encontradas poderiam ter sobrevivido em água salgada

do que por mar forçaram os cientistas a reavaliar a história da floresta tropical. Uma das teorias predominantes sobre a fonte da diversidade da Amazônia era a de que ela surgiu na esteira dos períodos glaciais que ocorreram nos últimos milhões de anos. O surgimento das condições áridas típicas relacionadas às eras glaciais que atingiram o norte da América do Sul poderia explicar o encolhimento da floresta úmida antiga em hábitats pequenos e desconectados. Muitos biólogos evolucionistas acreditam que a separação é necessária para alcançar riqueza de biodiversidade: quando pequenos trechos são separados, populações adjacentes de uma espécie determinada param de cruzar; com o tempo esse isolamento reprodutivo permite que uma população divirja geneticamente de outras, o que pode formar uma espécie nova. Quando as regiões são reconectadas em tempos mais quentes, as espécies permanecem distintas mesmo quando vivem em territórios sobrepostos.

Só que uma vez mais as novas descobertas contam uma história diferente. A mesma evidência que esclarece o ecossistema dos lagos sugere que muitos dos tipos modernos de plantas e animais amazônicos surgiram na verdade milhões de anos antes. Por exemplo, a paleta cheia de pólen que meus assistentes extraíram de rochas do Mioceno representa uma diversidade impressionante de vegetação. Identifiquei 214 espécies. Muitas mais foram excluídas da conta porque encontramos apenas uma ocorrência. A maioria das amostras mais abundantes de pólen era de plantas comuns em margens de rio e similar em variedade àquelas que prosperam na floresta atualmente. Em qualquer caso, a inundação prolongada de água salgada teria limitado imensamente as oportunidades para essas espécies terrestres dominarem a região até muitos anos mais tarde, uma observação que suscita dúvidas adicionais sobre a existência de um oceano na Amazônia.

d e p ó l e n) ;

Camadas rítmicas de sedimentos do Mioceno médio, hoje solidificadas na rocha, são típicas dos depósitos em zonas alagadas rasas alimentadas por rios pequenos. Durante as estações chuvosas, correntes fortes deixavam uma boa quantidade de partículas de areia (camadas escuras finas) no fundo dos lagos. Durante períodos mais secos, partículas do lodo são mais abundantes; à medida que elas assentam vagarosamente, formam depósitos de argila (camadas azuladas) sobre a areia

Grãos de pólen: Abundantes em rochas do Mioceno, esses grãos vêm de plantas como Bombacaceae (esq.) e Caesalpinoideae (dir.), conhecidas por crescerem quase exclusivamente ao longo das margens de rios tropicais. Ocorrências raras do pólen de mangues e de microrganismos marinhos nos mesmos sedimentos confirmam que a água salgada invadiu a região apenas por pouco tempo

CORTESIA DE CARINA HOORN (s e d i m e n t o s) ; MARTIN KONERT, da Universidade Livre de Amsterdã, e CARINA HOORN ( g r ã o s FRANK P. WESSELINGH, do Museu de História Natural de Leiden (moluscos)

Evidências sepultadas em rochas de 16 milhões a 10 milhões de anos atrás – incluindo camadas sedimentares, grãos de pólen e moluscos fósseis – sugerem que condições verdadeiramente salinas raramente dominaram a Amazônia durante meados do Mioceno. Ao contrário: a água doce era a regra


Abundância de oxigênio 18 relativa à água marinha

Enriquecido

Empobrecido

Triplodon (Atualidade) Diplodon (Mioceno) Crescimento da concha ao longo do tempo

JEN CHRISTIANSEN; FONTE: RON J. G. KAANDORP, da Universidade Livre de Amsterdã

O oxigênio medido em conchas de moluscos Diplodon de 16 milhões de anos (curva azul) sugere fortemente que os animais viveram em um rio tropical. As faixas de crescimento – camadas de concha que os moluscos constroem com elementos dissolvidos na água em que vivem – mostram um padrão alternado de enriquecimento e esvaziamento de uma forma rara de oxigênio chamada oxigênio 18. Esses padrões alternados, verificados também no molusco moderno amazônico Triplodon (curva vermelha), significam que os animais experimentaram as estações seca e chuvosa típicas das florestas úmidas tropicais; as curvas seriam muito mais planas se os moluscos tivessem vivido em um mar aberto e salgado

Reforçando essa ideia, um novo estudo com moluscos indica que o clima do Mioceno era capaz de dar suporte a uma floresta úmida diversa. Ron J. G. Kaandorp, da Universidade Livre de Amsterdã, analisou as faixas de crescimento em conchas de moluscos com cerca de 16 milhões de anos, desta vez estudando assinaturas químicas do oxigênio, elemento que registra a abundância de chuva. As faixas mostraram um padrão de alternância dos isótopos de oxigênio muito parecido com os observados em moluscos amazônicos atuais. Nas conchas modernas, as faixas alternadas são conhecidas como um produto das estações chuvosas e secas das quais a floresta depende. Apesar de o mundo ter sido um lugar mais quente no Mioceno, a presença de sinais quase idênticos de oxigênio nos moluscos ancestrais sugere que a variação climática necessária para sustentar o ecossistema de uma floresta úmida já existia quando viviam – muito antes das eras glaciais dos últimos milhões de anos.

EXPLOSÃO DE ESPÉCIES Com base nessas novas evidências, um número crescente de cientistas concorda que a terra alagada na Amazônia durante o Mioceno era um berço de especiação, onde ocorreu uma explosão evolucionária. A sublevação dos Andes deu início a tudo ao desencadear o nascimento do rio Amazonas, responsável por alimentar uma vasta terra alagada que dominou a Amazônia por quase 7 milhões de anos. Invasores marinhos viajaram para a região em poucas ocasiões. A incursão posterior, já com os ambientes de água doce formados por lagos interconectados, se mostrou um terreno de cruzamento perfeito para novos animais aquáticos, como moluscos, que se desenvolveram em uma fauna altamente diversificada e populosa dentro de um tempo surpreendentemente curto – talvez apenas alguns milhares de anos. O ambiente era ideal também para pequenos crustáceos chamados ostrácodes.

Fernando Muñoz-Torres, da Ecopetrol, uma petrolífera colombiana, descobriu que esses animais – assim como os moluscos – experimentaram uma explosão de especiação no mesmo período. Lagos e canais rasos e o isolamento parcial de algumas áreas provavelmente encorajaram as taxas elevadas de especiação. Mais tarde, quando o sistema interconectado de lagos cedeu espaço para o recém-formado rio Amazonas, a maioria dos moluscos e ostrácodes – que precisam de condições mais calmas em lagos – sumiu. Ao mesmo tempo, contudo, este cenário em mudança deu mais condições para as plantas e os animais terrestres evoluírem. Uma das descobertas mais animadoras dos estudos geológicos recentes é que a flora e a fauna amazônicas são incrivelmente resilientes. Pelos 22 milhões de anos que a floresta úmida existe, ela se manteve forte – e mesmo cresceu – apesar das mudanças tremendas na paisagem: o florescimento da cordilheira dos Andes, no leste, o nascimento do rio Amazonas e a inundação pela água do mar. Será que essa persistência ajudará a Amazônia a sobreviver às mudanças provocadas pelo homem? n A AUTORA Carina Hoorn é geóloga e especialista em pólen do Instituto de Biodiversidade e Dinâmica de Ecossistema em Amsterdã, Holanda. Ela concluiu o doutorado na Universidade de Amsterdã em 1994 e mestrado em comunicação de ciência no Imperial College de Londres em 2004. Explorou rios na Amazônia, nos Andes, no Himalaia e no Sultanato de Omã para identificar a influência desses ambientes sedimentares na vegetação local. Além de seguir com a pesquisa científica, Carina atualmente trabalha com novas tecnologias de exploração e produção de petróleo e gás para a Shell em Rijswijk, Holanda.

PARA CONHECER MAIS New contributions on neogene geography and depositional environments in Amazonia. Editado por Carina Hoorn e Hubert B. Vanhof, em Journal of South American Earth Sciences, vol. 21, no 1-2, 2006. Origin and evolution of tropical rain forests. Robert J. Morley. John Wiley & Sons, 2000. Seasonal Amazonian rainfall variation in the Miocene climate optimum. Ron J. G. Kaandorp, Hubert B. Vonhof, Frank P. Wesselingh, Lidia Romero-Pittman, Dick Kroon e Jan E. van Hinte, em Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, vol. 221, no 1-2, págs. 1-6, 2005.

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SLIM FILMS

A MÁQUINA DE RAIOS X DA NATUREZA. Estudos recentes mostram que o relâmpago emite disparos de raios X conforme traça seu canal sinuoso pela atmosfera. As energias dos raios X vão até os 250 mil eletrovolts, cerca de duas vezes a energia de um raio X para tirar uma radiografia do pulmão


FÍSICA

Um RAIO no céu azul Pesquisa mostra que relâmpagos são fenômenos surpreendentemente complexos e ainda pouco conhecidos POR JOSEPH R. DWYER

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elâmpagos são um fenômeno particularmente perturbador. Eles causam mais mortes e ferimentos nos EUA do que furacões ou tornados. Algumas vezes caem sem aviso, quando não há nada além do céu azul logo acima. Na Flórida central, onde vivo, tempestades de raios são uma ocorrência diária no verão, e por isso, ironicamente, pessoas nesta terra ensolarada muitas vezes passam as tardes dentro de casa para evitar o risco de que o céu caia sobre sua cabeça. No mundo inteiro, ocorrem cerca de 4 milhões de relâmpagos por dia, e raios têm sido observados em outros planetas. Apesar de toda essa familiaridade, ainda não sabemos o que causa os relâmpagos. É um engano pensar que

Benjamin Franklin resolveu o mistério quando conduziu seu famoso experimento com uma pipa em 1752. Embora Franklin tenha demonstrado que os relâmpagos são um fenômeno elétrico, os cientistas até hoje lutam para entender como tempestades geram carga e como os relâmpagos ocorrem. Os físicos cogitam que os relâmpagos possam até mesmo ter uma conexão com raios cósmicos – partículas de alta energia que bombardeiam a Terra – que disparam cascatas de elétrons acelerados na atmosfera. Os cientistas descobriram uma maneira de estudar relâmpagos: examinar raios X emitidos quando o raio parte das nuvens para o chão. Nossa equipe mediu raios X tanto em relâmpagos naturais quanto nos produzidos artifiSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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cialmente. Os resultados sugerem que o relâmpago traça canais condutores enviando jatos de elétrons em alta velocidade. Mas ainda não se sabe como os raios aceleraram esses elétrons. Para descobrir, contamos com os dados de uma rede de detectores de raios X em construção na Flórida. MAIS ESTRANHOS QUE FAÍSCAS De certa forma, um relâmpago lembra uma grande faísca. Podemos imaginar um choque convencional, do tipo que alguém leva quando toca uma maçaneta depois de andar por um carpete. Quando a pessoa passa sobre o carpete, seus sapatos arrancam elétrons e ela acumula carga elétrica, produzindo um campo elétrico entre seu corpo e outros objetos na sala. Para campos pequenos, o ar é um bom isolante – os elétrons se prendem aos átomos de oxigênio mais rápido do que eles são liberados por colisões –, e correntes elétricas não podem fluir em quantidades perceptíveis. Conforme seu dedo se aproxima da maçaneta, no entanto, o campo elétrico se torna RIGIDEZ localmente mais intenso. DIELÉTRICA É a máxima inten- Se atingir um valor crítisidade do campo co de 3 milhões de volts elétrico que um dielétrico (isolante) por metro, chamado de pode suportar sem campo de quebra de rique ocorra a ioni- gidez, o ar se torna conzação do material e ele se torne con- dutor e há descarga: a dutor. Costuma ser corrente preenche o vão. medida em unidaA eletrificação das des de tensão por unidade de espes- tempestades tem algo em sura do dielétrico. comum com o exemplo da maçaneta. Nelas, o papel dos sapatos no carpete é exercido por partículas de gelo e gotas de água movendo-se para cima e para baixo dentro da nuvem. Quando essas partículas se chocam umas com as outras, podem arrancar elétrons e ficar carregadas. As cargas positivas e negativas 48 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

então são separadas por ventos ascendentes e pela gravidade, e isso produz o campo elétrico. Mas se tentarmos forçar mais na analogia da maçaneta, chegaremos a um problema: décadas de medições feitas dentro das nuvens raramente encontram campos acima de 200 mil volts por metro. Isso é muito pouco para que haja quebra de rigidez, como quando tocamos a maçaneta. Até há pouco, os cientistas se concentravam em duas explicações para resolver esse dilema. A primeira é a de que é possível que campos elétricos mais fortes existam em tempestades, mas apenas em volumes relativamente pequenos, o que os torna difíceis de medir. Embora um cenário desses não possa ser checado por observação, ele não é de todo satisfatório, porque estamos apenas substituindo um problema por outro: como as nuvens produzem forte campo elétrico em espaço tão pequeno? A segunda explicação vem dos experimentos de laboratório que mostram que o campo elétrico necessário para produzir uma descarga é reduzido substancialmente quando há pingos ou partículas de gelo no ar, como nas tempestades. Infelizmente, a adição de chuva ou gelo compensa apenas parte da discrepância; os campos nas tempestades ainda parecem muito fracos para gerar uma descarga convencional. Cientistas também estão incertos sobre como um relâmpago se propaga por muitos quilômetros pelo ar. O processo começa com a formação de um “líder”, um canal quente que pode ionizar o ar e transportar a carga por longas distâncias (ver quadro na pág. ao lado). Curiosamente o líder não viaja até o chão de maneira contínua, mas se move em uma série de passos discretos. Ainda não se sabe como tudo isso ocorre. Esforços para modelar esses processos não têm sido bem-sucedidos

por completo e levaram muitos pesquisadores, incluindo eu mesmo, a pensar se talvez tenhamos nos esquecido de algo importante. Por exemplo: talvez comparar um relâmpago com uma descarga convencional, como uma faísca numa maçaneta, não seja correto. Existe outro tipo de descarga, mais incomum, a quebra de rigidez desenfreada, gerada por elétrons energéticos acelerados por múltiplas colisões. Numa descarga convencional, todos os elétrons se movem relativamente devagar, porque são bloqueados por constantes colisões com moléculas de ar. As co- FORÇAS DE ARRASTO lisões criam uma força decorrem do de arrasto similar à que atrito de um alguém sente quando co- sólido com um fluido. São forloca a mão para fora da ças resistentes janela do carro: conforme exercidas na o carro acelera, o arras- superfície de saparação dos to aumenta, e conforme dois meios, em freia, diminui. Mas na sentido contráeletricidade é diferente. Se rio ao do movimento relativo a velocidade dos elétrons de ambos. for suficientemente alta – pelo menos 6 mil km/s, ou cerca de 2% da velocidade da luz –, a força de arrasto começa a diminuir conforme a velocidade dos elétrons aumenta (ver gráfico na pág. 51). Se um campo elétrico forte acelera um elétron de alta velocidade, a força de arrasto se torna menor, o que permite ao elétron mover-se ainda mais depressa, reduzindo a força de arrasto ainda mais, e assim por diante. Esses elétrons desenfreados podem chegar quase à velocidade da luz, adquirindo enormes quantidades de energia e produzindo a chamada quebra de rigidez desenfreada. Esse processo, porém, precisa ser semeado por uma população inicial de elétrons com altas energias. Em 1925, o físico escocês C.T.R. Wilson sugeriu que o decaimento de isótopos radioativos ou a colisão de partículas de raios cósmicos com moléculas de ar poderiam gerar elétrons desenfreados nos campos elétricos dentro das nuvens de tempestade. O modelo de Wilson, no entanto, predizia que o decaimento radioativo e as colisões de raios cósmicos produziriam muito poucos elétrons desenfreados para provocar os relâmpagos.

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O RELÂMPAGO NÃO É UMA FAÍSCA COMUM, COMO A QUE SENTIMOS AO TOMAR UM CHOQUE EM UMA MAÇANETA


LUZES NO CÉU Cientistas acreditam que os relâmpagos podem ser disparados por raios cósmicos, partículas de alta energia que bombardeiam a Terra.

1

Próton Molécula de ar

Um próton em alta velocidade vindo do espaço colide com uma molécula de ar (em geral nitrogênio ou oxigênio) na alta atmosfera, produzindo um chuveiro de partículas de alta energia

Região de carga negativa

Elétron-semente de alta energia

-----------------------

2

Elétron desenfreado Raios gama

+++++++++

Partículas no chuveiro, incluindo elétrons energéticos, atingem moléculas de nitrogênio numa nuvem de tempestade, ejetando outros elétrons de alta energia. Aceleradas por campos elétricos que vão das regiões de carga negativa às de carga positiva, as partículas iniciam uma avalanche de elétrons desenfreados, que geram raios gama conforme atravessam a nuvem Nuvem tempestuosa

Região de carga positiva

Colisão com molécula de ar

3

ALISON KENDALL

Uma vez que o relâmpago se inicia, os elétrons escavam um canal ionizado chamado de líder escalonado. A cada passo, elétrons se acumulam na ponta do líder, criando um campo intenso e localizado que acelera mais elétrons. Então, colisões com moléculas do ar desaceleram os elétrons, produzindo os disparos de raios X. O processo se repete até que o líder escalonado, que pode divergir em ramificações, atinja o chão

Chão

++++++++++

Raios X

Líder escalonado

4

Uma vez que o líder se conecta ao chão, um grande pulso de corrente flui pelo canal. A corrente aquece o ar até 30 000 oC, causando o flash de radiação visível chamado descarga de retorno

Fluxo de elétrons pelo canal ionizado

Radiação visível

Região de carga positiva SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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Em 1961, Alexander V. Gurevich, do Instituto de Física Lebedev, em Moscou, propôs outro mecanismo para a produção de elétrons desenfreados. Ele mostrou que, em campos elétricos muito fortes, grandes quantidades de elétrons desenfreados poderiam ser produzidas diretamente a partir da vasta população de elétrons livres de baixa energia, eliminando assim o problema de Wilson com a falta de elétrons-sementes energéticos. Para isso, Gurevich usou um método de força bruta em que o campo elétrico é tão forte que alguns dos elétrons de baixa energia são rapidamente acelerados acima do limite de energia, permitindo que escapem. A dificuldade com esse mecanismo é que exige um campo elétrico dez vezes maior do que o da quebra de rigidez convencional, por sua vez muito maior do que os campos observados nas tempestades. Em outras palavras, os físicos pareciam estar indo na direção errada. Finalmente, em 1992, surgiu uma ideia com potencial para explicar o que acontece dentro das tempestades e como os relâmpagos surgem. Gurevich, com Gennady M. Milikh, da Universidade de Maryland, e Robert Roussel-Dupré, do Laboratório Nacional de Los Alamos, propuseram o modelo da Avalanche de Elétrons Relativísticos Desenfreados (RREA, na sigla em inglês). Segundo essa teo50 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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O ESTUDO DE RAIOS X EM RELÂMPAGOS PODE RESOLVER O QUEBRACABEÇA LANÇADO POR BENJAMIN FRANKLIN 250 ANOS ATRÁS

ria, os próprios elétrons desenfreados VISÃO DE SUPER-HOMEM geram mais elétrons-sementes energé- Motivados em primeiro lugar pela hiticos ao colidirem com força contra pótese de Wilson e depois pelo trabalho moléculas de ar e arrancarem outros de Gurevich, cientistas tentam observar elétrons de alta energia. Esses elétrons raios X em tempestades de raios e em atingidos escapariam e colidiriam com relâmpagos desde a década de 30. Essas mais moléculas de ar, produzindo ain- medições são difíceis e até há pouco proda mais elétrons-sementes energéticos, duziam em sua maior parte resultados e assim por diante. O resultado é uma ambíguos. Os raios X não viajam muito avalanche de elétrons de alta energia longe através da atmosfera e em geral são que cresce exponencialmente com o absorvidos a poucas centenas de metros tempo e a distância. Como esse pro- da fonte. Outro problema é que as temcesso pode ser iniciado até mesmo por pestades são ambientes ruidosos em terum único elétron-semente energético, mos eletromagnéticos. Relâmpagos, em constantes colisões de raios cósmicos particular, emitem grandes quantidades e o decaimento radioativo seriam su- de ruído em frequências de rádio, cauficientes para disparar uma avalanche sando a famosa interferência em rádios de elétrons desenfreados. E enquanto a AM a muitos quilômetros de distância. avalanche permanecer em uma região Detectar raios X significa registrar pede forte campo elétrico, crescerá por quenos sinais elétricos; tentar fazer estempo indefinido, resultando na que- sas medições perto de um relâmpago é bra de rigidez desenfreada. como tentar ouvir uma conversa num Além disso, ao contrário da antiga restaurante barulhento. Como é difícil hipótese de Gurevich, esse modelo exige distinguir sinais elétricos reais produum campo elétrico com apenas um dé- zidos por raios X de cimo do porte daquele necessário para sinais espúrios vindos RADIOFREQUÊNCIA Faixa de frequência uma quebra de rigidez convencional de emissões de radio- das ondas de rádio, em ar seco. Em altitudes de tempestade, frequência, muitos dos situadas entre 3 kHz e com pequena densidade do ar, o cam- resultados iniciais não 300 GHz. São blindadas pelo alumínio. po necessário para a quebra de rigidez foram aceitos de imedesenfreada é de cerca de 150 mil volts diato. por metro – dentro da faixa de valores A situação ficou mais interessante medidos no interior de nuvens. Talvez nos anos 80, quando George K. Parks e não seja coincidência que o campo elé- Michael P. McCarthy, da Universidade trico máximo observado nas nuvens e o de Washington, fizeram observações em campo necessário para a quebra de rigi- aeronaves dentro de tempestades. Depois, dez desenfreada sejam parecidos; meus Kenneth B. Eack, agora no Instituto de cálculos mostraram que esse fenômeno Mineração e Tecnologia do Novo Méxiiria descarregar o campo elétrico com co (NMT), coordenou uma série de soneficiência se crescesse demais. dagens de balão dentro de nuvens temEm uma descarga normal, todos pestuosas. Essas observações forneceram os elétrons têm baixa energia e viajam dicas de que as tempestades de raios às relativamente devagar, de modo que a vezes produzem grandes disparos de raios radiação eletromagnética emitida pela X. A fonte dessa radiação não foi identififaísca vai apenas até a faixa do ultra- cada com precisão, mas parecia estar asvioleta. Em uma quebra de rigidez por sociada aos campos elétricos acentuados avalanche, no entanto, os elétrons em dentro das nuvens. O interessante foi que alta velocidade ionizam grandes quan- a emissão de raios X algumas vezes cometidades de moléculas do ar e produzem çou antes de um relâmpago ser observaraios X e raios gama de alta energia. (O do e parou quando o raio surgiu, talvez fenômeno é conhecido como “radia- porque o relâmpago tenha reduzido os ção de freamento”, do termo alemão campos elétricos necessários para produBremsstrahlung.) Consequentemente, zir a quebra de rigidez desenfreada. um modo de testar a quebra de rigidez Os pesquisadores não sabem de nedesenfreada é procurar por raios X. nhum mecanismo capaz de produzir


Force Exerted on Electron (electron volts per centimeter)

quantidades tão grandes de raios X na tos no Centro Internacional para Teste poriza o fio. Cerca de metade dos lançaatmosfera além da quebra de rigidez e Pesquisa de Raios (ICLRT), em Camp mentos desencadeia um raio nas nuvens desenfreada. Outros fenômenos asso- Blanding. Operado pela Universidade da acima, e os relâmpagos em geral acertam ciados aos relâmpagos não podem ser Flórida e pelo Flórida Tech, o ICLRT é o aparelho lançador de foguetes. Tanto os relâmpagos naturais quanresponsáveis pelas emissões; apesar de equipado para medir os campos elétrium relâmpago poder aquecer o ar até cos e magnéticos e as emissões ópticas to os artificiais são compostos de vá30 000 oC – cinco vezes a temperatura da associadas aos relâmpagos, entre outros. rios traços. Nos raios artificiais, cada superfície do Sol –, quase nenhum raio Além disso, é capaz de induzir raios de segmento começa com uma coluna modo artificial a partir de tempestades descendente de carga chamada de líder X é produzido a essa temperatura. contínuo, que, próxima ao chão, segue Em 2001, finalmente os cientistas naturais usando pequenos foguetes. Quando uma tempestade está sobre mais ou menos a rota deixada pelo foacharam um elo direto entre os raios X e os relâmpagos, quando Charles B. o ICLRT e o campo elétrico no chão guete e pelo cabo. O líder contínuo traz Moore e colegas do NMT relataram atinge vários milhares de volts por me- para baixo a carga negativa da nuvem e a observação de radiação energética – tro, os pesquisadores lançam um foguete ioniza o canal conforme se move. Uma presumivelmente raios X – em vários de 1 metro de comprimento a partir de vez que o líder contínuo se conecta ao chão, um curto-circuito é criado e um relâmpagos naturais no topo de uma uma torre de madeira. Ele deKEVLAR grande montanha. Ao contrário das senrola um carretel de um fio Marca regis- grande pulso de corrente, chamado de descarga de retorno, flui pelo canal. A observações anteriores, a radiação de cobre revestido de Kevlar, trada de energética ali parecia ser produzida com uma das pontas presa ao um polímero corrente na descarga de retorno aquede elevada ce o canal com rapidez, originando a pelo relâmpago em si e não pelos cam- chão. Quando o foguete atin- resistência luz que vemos. A isso se segue a rápipos elétricos de larga escala na nuvem. ge 700 metros, o cabo vertical mecânica da expansão do ar quente, que produz Além disso, as emissões pareciam ocor- amplifica o campo elétrico na e térmica. o trovão. Após a descarga de retorno, rer durante a primeira fase do relâm- ponta do foguete, resultando pago, o movimento do líder da nuvem em um líder que se propaga para cima outro líder contínuo pode surgir, e o para o chão. Essa observação era algo e por fim encontra seu caminho até a processo inteiro se repete. A rápida sunuvem. A corrente elétrica que sobe do cessão de descargas é o que faz o canal inteiramente novo. Foi aí que entrei em cena. Como físi- chão através do líder rapidamente va- do relâmpago oscilar. co, sempre me interessei em como raios X e raios gama são produzidos. EmboAir molecule ra essa radiação seja comum no espaço, Low-energy 6 10 onde o vácuo permite que partículas Electron slows down electron energéticas viajem desimpedidas, é muito mais rara na Terra. Em consequência, fiquei fascinado pelo modelo de quebra Much of energy goes into ejecting de rigidez desenfreada de Gurevich, MiDrag force another electron likh e Roussel-Dupré, que sugeria que 105 o mesmo tipo de raio X produzido em eventos como explosões solares poderia Electric force também ser produzido por tempestades High-energy e relâmpagos. Decidi ver por mim meselectron Electron speeds up mo se esses supostos raios X existiam, investigando as tempestades frequentes 104 em meu próprio quintal. Less energy goes into ejecting Em 2002, meu grupo no Instituto another electron de Tecnologia da Flórida, em colaboração com Martin A. Uman e sua equipe da Universidade da Flórida, começou uma campanha de busca por emissões 103 de raios X em relâmpagos. Para reduzir 101 102 103 104 105 106 107 108 109 Energy of Electron (electron volts) os problemas de sinais eletromagnéticos espúrios, colocamos detectores sensíveis ELÉTRONS DESENFREADOS abrem caminho para os relâmpagos. Elétrons de baixa de raios X dentro de pesadas caixas de energia, que se movem relativamente devagar, perdem mais energia para o arrasto – alumínio projetadas para proteger con- colisões com moléculas no ar – do que ganham do campo elétrico e por isso se tra umidade, luz e ruído de radiofre- desaceleram. Mas como elétrons de alta energia perdem menos energia para o arrasto, o quência. Preparamos nossos instrumen- campo elétrico pode acelerá-los até atingirem quase a velocidade da luz SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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RELÂMPAGOS NO BRASIL

O Ciprin também tem estudado outro mistério dos relâmpagos: como ocorre sua conexão com o solo. Sabe-se que esse processo surge a partir da conexão entre uma fraca descarga que desce da nuvem em direção ao solo, denominada líder escalonado, com uma descarga conhecida como descarga conectante, que parte do solo para encontrar a primeira. Contudo, os detalhes desse

processo não são muito bem conhecidos. O estudo é realizado com uma câmera especial de alta velocidade, que registra o relâmpago com resolução temporal muito precisa. Tais detalhes podem no futuro ser úteis no desenvolvimento de novas técnicas de proteção contra os relâmpagos. O Brasil está expandindo a Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Primeiro raio artificial induzido em Cachoeira Paulista, em 23 Atmosféricas (Rindat), da de novembro de 2000 atual cobertura de um terço do país (26 sensores) para dois terços do país (53 sensores). As instalações, que detectam ainda este ano, cobrirá as regiões Sul, relâmpagos que atingem o solo, são operadas Sudeste e Centro-Oeste do país e será a pelo Elat em parceria com outras instituições. A terceira maior do mundo, atrás somente das nova rede, que deverá entrar em operação redes dos Estados Unidos e do Canadá.

No relâmpago natural, o papel do caí da cadeira. Para minha surpresa – e luz visível, pareceria escuro em raios X. A observação dos raios X dos refoguete é interpretado por um líder es- para a de todo mundo – descobrimos calonado, que forja a rota ionizada par- que raios induzidos produzem muitos lâmpagos indica que alguma forma de quebra de rigidez por avalanche precitindo em passos irregulares da nuvem raios X, quase todas as vezes. Experimentos ao longo do ano se- sa estar envolvida para acelerar os eléaté o chão. As descargas subsequentes de relâmpagos naturais, no entanto, são guinte mostraram que eles são produ- trons o suficiente a fim de produzir a iniciadas por um líder contínuo, o que zidos pelos líderes contínuos do relâm- radiação de freamento. Mas acontece as torna muito similares às descargas de pago, talvez com alguma contribuição que nossas medições não se encaixam um relâmpago induzido. A vantagem de do início das descargas de retorno. As bem no modelo RREA desenvolvido estudar o último é que o momento e o energias desses raios X vão até 250 mil por Gurevich, Milikh e Roussel-Dulocal do relâmpago podem ser contro- eletrovolts, cerca do dobro da usada pré, que forneceu a motivação orilados. Além disso, o experimento pode para tirar uma radiografia de pulmão. ginal para nossos experimentos. Os ser repetido indefinidamente; dúzias de Além do mais, a emissão de raios X não raios X que observamos tinham enerflashes de relâmpagos são produzidos é produzida de modo contínuo, mas gias muito menores do que aquelas ocorre em rápidos disparos separa- previstas pelo modelo da avalanche, e no ICLRT todo verão. Para ser honesto, dada a longa his- dos por 1 milionésimo de segundo. Se a intensidade dos disparos foi muito tória de resultados negativos ou ambí- os humanos tivessem visão de raios X, maior do que a esperada. Na verdaguos de detecção de raios X, não es- como o Super-Homem, os relâmpagos de, os resultados sugerem que os camperava medir de verdade nenhum raio pareceriam bem diferentes daqueles que pos elétricos produzidos pelos líderes X de relâmpago quando montamos estamos acostumados a ver: durante de relâmpagos são muito maiores do nossos instrumentos pela primeira vez a propagação do líder escalonado do que o que antes se acreditava possível. no ICLRT, em 2002. Por essa razão, de- relâmpago para baixo, enxergaríamos Por ironia, nossos experimentos até pois de nossas primeiras medições de uma série rápida de flashes brilhantes agora indicam que o mecanismo em relâmpagos induzidos, não me dei ao descendo das nuvens. Os flashes fica- operação nos líderes de relâmpago é trabalho de analisar os dados por mais riam mais fortes perto do chão, termi- mais parecido com o velho modelo de de uma semana. Quando finalmente nando com um disparo muito intenso quebra de rigidez por avalanche preme sentei com o estudante de pós-gra- no instante em que a descarga de retor- visto por Gurevich em 1961 – aquele duação Maher Al-Dayeh e tabulei os no começasse. Embora o pulso da cor- que exigia um enorme campo elétrico, dados dos detectores de raios X, quase rente que se seguiria fosse brilhante em descartado a princípio. O mecanismo 52 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

OSMAR PINTO/ELAT (de ambas as páginas)

O Brasil tem realizado pesquisas similares às da Flórida no Centro Internacional de Pesquisas de Raios Induzidos e Naturais (Ciprin), localizado em Cachoeira Paulista (SP). O centro é operado pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com outras instituições desde 2000. Em seu primeiro ano, o Ciprin gerou o primeiro relâmpago artificial induzido em região tropical do planeta (ver imagem à dir., em cima). As pesquisas para a detecção de raios X e gama tiveram início no começo deste ano, mas até o momento não há registros conclusivos.


Com base em informações da Rindat, foi possível verificar o impacto que a degradação ambiental nos grandes centros urbanos no sudeste do Brasil está causando na atividade de relâmpagos. Um estudo apontou o município de São Paulo e municípios vizinhos como os de maior incidência de relâmpagos no solo. Além disso, a incidência de relâmpagos tende a aumentar nesses grandes centros, fato preocupante para o futuro à medida que tende a crescer cada vez mais. Hoje, os relâmpagos causam cerca de 100 mortes por ano no Brasil, além de um prejuízo estimado na casa de centenas de milhões. Em breve, a Rindat deverá cobrir todo o país, permitindo conhecer diferenças regionais na incidência e características das descargas em todo o território. Aos poucos, as informações de descargas em tempo real e com base histórica obtidas pela rede estão também sendo incorporadas aos diversos setores da sociedade, como o setor elétrico e a meteorologia, trazendo

melhor qualidade de energia e melhor previsão meteorológica de tempestades. Pesquisas no Brasil também estão sendo realizadas com outras técnicas, como sensores de campo elétrico, campo magnético, corrente elétrica e luminosidade, e também por meio de modelos numéricos, com as mais modernas ferramentas matemáticas. O Brasil é o campeão mundial de relâmpagos no solo, com cerca de 60 milhões por ano, o dobro do registrado nos Estados Unidos. O Elat e outros centros de pesquisa estão procurando intensificar as pesquisas sobre os relâmpagos no país, tanto na busca do conhecimento científico quanto para minimizar o impacto desse fenômeno sobre a sociedade. – Osmar Pinto Jr., diretor do Elat Tempestade em São José dos Campos, estado de São Paulo, em março de 1997

pelo qual o relâmpago pode gerar es- rápidos, vemos evidências de quebra de trico na frente da avalanche por causa ses campos elétricos enormes continua rigidez desenfreada até mesmo perto do do grande aumento em carga elétrica sendo um mistério, mas outras obser- chão, onde o ar é mais denso. (A maior ali. Essa amplificação pode agir como vações de raios X poderão oferecer parte dos raios X que conseguimos ob- o dedo perto da maçaneta, rapidamenservar no canal do relâmpago vem de te aumentando o campo elétrico até o novas pistas. Desde a descoberta inicial de raios uma altitude abaixo de 100 metros.) ponto em que uma quebra de rigidez X nos relâmpagos induzidos, também Logo, a quebra de rigidez desenfreada elétrica convencional pode acontecer. Uma evidência fascinante apoiando observamos várias ocorrências de raios deve ocorrer até mais frequentemente a quebra de rigidez por avalanche nas naturais no ICLRT. Esses dados mos- em altitudes de tempestade. nuvens veio de nossos experimentos traram emissões de raios X durante a no ICLRT no meio do ano passado. fase do líder escalonado, confirmando DE VOLTA À TEMPESTADE as medições anteriores do NMT. Além E quanto ao início do relâmpago den- Durante o último lançamento de fodisso, os raios X chegaram em rápidos tro da nuvem? Nos últimos anos, os guete da estação, por sorte captamos disparos no exato momento em que o pesquisadores construíram modelos um grande disparo de radiação muilíder dava um passo adiante. Esse re- promissores para mostrar como os to energética – raios gama, não raios sultado mostra que a quebra de rigidez chuveiros de partículas criados pelo X – usando três detectores colocados desenfreada está envolvida no proces- impacto da radiação cósmica na at- a 650 metros do canal do relâmpago. so do líder escalonado, determinando mosfera poderiam iniciar o processo de As energias dos fótons de raios gama aonde o relâmpago vai. Um mecanis- quebra de rigidez desenfreada. Como individuais iam além dos 10 milhões de mo similar também opera durante as as grandes avalanches de elétrons de- eletrovolts, cerca de 40 vezes a energia fases de líder contínuo nas descargas senfreados podem ser produzidas por dos raios X que havíamos observado apenas um elétron-semente energético, antes em líderes de relâmpagos. Qualde retorno subsequentes. Em resumo, as emissões de raios X a descarga disparada por uma grande quer um que costuma imaginar cientispor relâmpagos naturais são similares chuva de raios cósmicos – que envol- tas como pessoas calmas e reservadas às de relâmpagos induzidos. Está fican- vem milhões de partículas-sementes deveria nos ter visto quando os dados do claro que a quebra de rigidez desen- energéticas chegando ao mesmo tempo do flash de raios gama apareceram em freada é um fenômeno comum em nossa – pode de fato ser enorme. Uma des- nosso computador. Alguém deve ter atmosfera. Apesar de as moléculas do ar carga grande dessas poderia gerar uma achado que nosso time tinha acabado atrapalharem a aceleração de elétrons amplificação localizada do campo elé- de ganhar um campeonato. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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RELÂMPAGOS ARTIFICIAIS são produzidos no ICLRT, na Flórida, com o lançamento de um pequeno foguete de uma torre de madeira (destaque) durante uma tempestade. O foguete carrega um cabo que leva corrente do chão, criando uma rota para o relâmpago. Instrumentos próximos medem a energia e a intensidade dos raios X emitidos

Baseados em nossas medições da corrente do canal do relâmpago, nos campos elétricos e nas propriedades dos raios gama, inferimos que a fonte da emissão está provavelmente muitos quilômetros acima da nuvem. Não esperávamos ver raios gama nessa altitude porque a atmosfera absorve essa radiação, mas aparentemente a intensidade da fonte era tão grande que alguns fótons foram capazes de chegar ao chão. Essa descoberta sugere que pode ter havido uma enorme quebra de rigidez desenfreada dentro da nuvem, em um processo relacionado ao início do raio ar54 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

tificial. Segundo nossas observações, é possível estudar esse fenômeno no chão, o que é em termos experimentais muito mais simples do que colocar detectores em aeronaves ou balões. Além disso, cientistas relataram que o Imageador Espectroscópico Solar de Alta Energia Reuven Ramaty (Rhessi, na sigla em inglês) detectou disparos de raios gama similares associados a tempestades de trovão enquanto orbitava a Terra a 600 km de altitude! Com financiamento adicional da Fundação Nacional de Ciência, estamos agora em vias de expandir o número de

O AUTOR Joseph R. Dwyer é professor de física e ciências espaciais do Instituto de Tecnologia da Flórida. Depois de se doutorar em física na Universidade de Chicago, em 1994, trabalhou como pesquisador na Universidade Columbia e na Universidade de Maryland, mudando-se em 2000 para a Flórida. O autor gostaria de agradecer as contribuições de H. Rassoul, V. Rakov, M. Al-Dayeh, J. Jerauld, L. Caraway, B. Wright, K. Rambo e D. Jordan para esta pesquisa. PARA CONHECER MAIS Decifrando os raios. Osmar Pinto Jr. e Iara Cardoso em SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, no 20, págs. 30-35, janeiro de 2004. Energetic radiation produced during rocket-triggered lightning. Joseph R. Dwyer e colegas em Science, vol. 299, págs. 694-697, 31 de janeiro de 2003. Lightning: physics and effects. Vladimir A. Rakov e Martin A. Uman. Cambridge University Press, 2003. The lightning discharge. Martin A. Uman. Dover Publications, 2001. The electrical nature of storms. Donald R. MacGorman e W. David Rust. Oxford University Press, 1998.

UNIVERSIDADE DA FLÓRIDA; CORTESIA DE JOSEPH R. DW YER E COLEGAS EM SCIENCE, VOL. 299, PÁGS. 694-697; ©2003 AAAS

instrumentos de raios X no ICLRT de 5 para mais de 36, cobrindo 1 km2 do sítio de Camp Blanding. Essa expansão deve melhorar nossa capacidade de estudar raios naturais e artificiais e aumentar as chances de detectar mais disparos de raios gama das nuvens de tempestade. As emissões de raios X e raios gama podem servir como sondas para ajudar a determinar os campos elétricos em regiões que de outro modo seriam muito difíceis de medir. Os resultados nos permitiriam entender melhor os processos de quebra de rigidez que iniciam os relâmpagos e facilitam sua propagação. Usar raios X para estudar relâmpagos ainda é uma novidade, e, consequentemente, toda vez que conduzirmos um experimento, descobriremos algo que não sabíamos antes. Já aprendemos que o relâmpago não é uma faísca comum, do tipo que sentimos ao tocar uma maçaneta. Ela envolve uma espécie mais exótica de descarga que produz elétrons desenfreados e raios X. Como os raios X nos permitem ver o relâmpago de um jeito novo, essa pesquisa pode nos ajudar a finalmente resolver o quebra-cabeça iniciado por Benjamin Franklin dois séculos e meio atrás. n


PROFESS R

PARA O Química Biologia Matemática Geografia Física

ROTEIROS ELABORADOS POR PROFESSORES ESPECIALISTAS COM SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA SALA DE AULA

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PARA O PROFESSOR QUÍMICA

O aroma de seus pensamentos PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO

O

artigo de Deborah Blum oferece a oportunidade de iniciar o estudo de química orgânica pelo exame das relações da disciplina com as tecnologias, a sociedade e o meio ambiente, discutindo a relevância desses compostos, suas descobertas e aplicações. Trata-se de uma introdução vantajosa ao tema

quando comparada à alternativa de abordar a hibridação do carbono, a classificação das cadeias e a nomenclatura dos compostos, o que normalmente é um terreno muito árido e distante do dia a dia do aluno. Há bastante tempo, químicos e biólogos vêm se preocupando com o isolamento e estudo de

substâncias naturais. Existem mais de 100 mil produtos naturais e substâncias a eles relacionadas descritas no Dictionary of Natural Products e isso não é à toa. É possível afirmar que os organismos vivos dependem de transformações químicas que ocorrem em seus metabolismos primário e secundário.

No artigo são apresentadas duas substâncias: a androstenediona (fig. A) é um esteróide, de cadeia fechada e anéis condensados, da mesma classe do colesterol e da vitamina D. Já a “bombykol” (fig. B), produzida pelo bicho da seda, é um terpeno de cadeia aberta, tem semelhança com a vitamina A.

volvendo processos de desnaturação e oxirreduções. Foi o primeiro feromônio isolado e estudado, e sua aplicação chega a agricultura, em um estudo que visa inicialmente determinar o tipo de inseto que contamina as colheitas, seus riscos e perdas para depois eliminar a praga. Há métodos agressivos de controle, nos quais os feromônios utilizados atraem os insetos, que são, em seguida, exterminados.

PROPOSTAS DE ATIVIDADES 1. Temas para exame e discussão O estudo das substâncias químicas e de suas funções, atividades e metabolismo é cada vez mais necessário, pois amplia nossa visão sobre temas fundamentais como a proteção e a sobrevivência dos seres. Discutir com os alunos substâncias como remédios, fertilizantes, combustíveis, fibras, cosméticos, entre outras, vai demonstrar como a química participa na melhoria da qualidade de vida em todos os âmbitos.

No bicho da seda esse feromônio é produzido pelas fêmeas, sintetizado do AcilCoA por via metabólica, en-

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM n Competência de área 1 H4 – Avaliar propostas de intervenção no ambiente, considerando a qualidade da vida humana ou medidas de conservação, recuperação ou utilização sustentável da biodiversidade.

pectos éticos da biotecnologia, considerando estruturas e processos biológicos envolvidos em produtos biotecnológicos. H12 – Avaliar impactos em ambientes naturais decorrentes de atividades sociais ou econômicas, considerando interesses contraditórios.

n Competência de área 2 H7 – Selecionar testes de controle, parâmetros ou critérios para a comparação de materiais e produtos, tendo em vista a defesa do consumidor, a saúde do trabalhador ou a qualidade de vida.

n Competência de área 4 H14 – Identificar padrões em fenômenos e processos vitais dos organismos, como manutenção do equilíbrio interno, defesa, relações com o ambiente, sexualidade, entre outros.

n Competência de área 3 H10 – Analisar perturbações ambientais, identificando fontes, transporte e(ou) destino dos poluentes ou prevendo efeitos em sistemas naturais, produtivos ou sociais. H11 – Reconhecer benefícios, limitações e as56 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

n Competência de área 5 H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica.

H18 – Relacionar propriedades físicas, químicas ou biológicas de produtos, sistemas ou procedimentos tecnológicos às finalidades a que se destinam. H19 – Avaliar métodos, processos ou procedimentos das ciências naturais que contribuam para diagnosticar ou solucionar problemas de ordem social, econômica ou ambiental. n Competência de área 7 H24 – Utilizar códigos e nomenclatura da química para caracterizar materiais, substâncias ou transformações químicas. H25 – Caracterizar materiais ou substâncias, identificando etapas, rendimentos ou implicações biológicas, sociais, econômicas ou ambientais de sua obtenção ou produção. H27 – Avaliar propostas de intervenção no meio ambiente aplicando conhecimentos químicos, observando riscos ou benefícios.


Existem outros métodos menos drásticos e, talvez, mais eficazes e vantajosos. Um deles é a pulverização, na zona infestada, de um feromônio (sintético), capaz de confundir os machos na localização das fêmeas, o que evita o acasalamento e a procriação. A produção desse feromônio envolve anos de pesquisa e o trabalho de muitos profissionais. Inicia-se pelo Isolamento, com posterior identificação, de produtos naturais, processo comumente feito com um extrato da planta, obtido por meio de solventes orgânicos. O uso de métodos cromatográficos é muito comum para o isolamento dos compostos presentes no extrato, que, depois de isolados, podem ter suas estruturas deduzidas por métodos instrumentais. A proposta aqui é discutir a química orgânica com base nas moléculas citadas (mesmo as dos solventes), apresentando as características gerais e, então, as principais funções orgânicas, suas estruturas e propriedades. Isso permite estabelecer a relação entre a química estudada na sala de aula e a vida cotidiana, a agricultura, os alimentos, o ambiente e a saúde. Atividade prática1 Esse experimento envolve a visualização da separação de carotenos e clorofilas presentes no espinafre, utilizando removedor de ceras comercial, de uso doméstico, removedor de esmaltes ou acetona e giz. O β-caroteno (fig.C), um caroteno precursor da vitamina A, está presente em animais e plantas, nas quais é encontrado junto com a clorofila, facilmente identificada por sua coloração verde. A proporção da clorofila b (fig. E) na natureza é três vezes maior que a da clorofila a (fig.D).

ERIKA ONODERA

Na extração e separação dos pigmentos do espinafre podemos lembrar 1 – Adaptada de: http://qnesc.sbq.org.br/online/ qnesc07/exper2.pdf e http://qnesc.sbq.org.br/online/ qnesc20/v20a10.pdf

(fig. A)

(fig. B)

(fig. D)

(fig. E)

(fig. C)

de conceitos clássicos da cromatografia, como a fase estacionária, aqui representada pelo giz, e uma fase móvel ou eluente. A separação se dará conforme as diferenças de interações intermoleculares entre os componentes da mistura e as fases móvel e estacionária. Materiais necessários Para a extração: 15 g de espinafre, 15 mL de removedor de ceras, 5 mL de removedor de esmaltes (acetona comercial), 0,3 – 0,5 g de sal de cozinha. Um almofariz (pilão), um pistilo. Para a cromatografia: 50 mL de removedor de ceras, giz e um vidro de conservas com tampa. Serão necessários também, um recipiente para medida de volume, um béquer (ou copo) pequeno e um conta-gotas. Parte experimental Extração: Coloque o espinafre picado no recipiente fundo, adicione os solventes e prense a mistura com o pistilo para extrair os pigmentos. Transfira o líquido restante para um béquer e retire a fase aquosa com o conta-gotas. Junte o sal de cozinha à fase orgânica (extrato + solventes) para eliminar a água residual. Cromatografia: Coloque o removedor de ceras no vidro de conservas e o deixe tampado. Use o giz para mostrar como se dá o processo de cromatografia de camada delgada, mergulhando o giz várias vezes no extrato preparado e depois colocando-o no vidro de conservas, em pé, com a parte que foi mergulhada

no extrato para baixo. Deixe o solvente subir até 0,5 cm do topo do giz. Observe as colorações obtidas. Outros temas para discussão O uso de uma mistura de solventes para a extração e não apenas um deles. Como identificar qual era a fase orgânica após a extração? Explicar o observado no giz em função da polaridade dos compostos e tipo de eluente. Resultados esperados: Após a aplicação da amostra no giz e a eluição com o removedor de ceras, dentro do vidro de conservas, deve-se verificar a separação de pigmentos amarelos, composto por caroteno e xantinas ou xantofilas. Os pigmentos verdes presentes (clorofilas a e b) não devem eluir com o removedor de ceras. O caroteno, que é um hidrocarboneto insaturado, deve apresentar boas interações com a fase móvel (eluente – removedor), as xantofilas, embora apresentem grupos hidroxila, possuem uma cadeia carbônica longa o suficiente para interagir com a fase móvel. As clorofilas apresentam o magnésio no centro do grupo da porfirina e devem ter maior interação com a fase estacionária; para sua eluição seria preciso um solvente mais polar.

SUGESTÃO DE SITE Página da Química Nova na Escola http://qnesc.sbq.org.br/online/ qnesc07/atual.pdf

Roteiro elaborado por Claudia Bortolato, mestre em físico-química e doutoranda em ensino de ciências e matemática da Unicamp. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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PARA O PROFESSOR BIOLOGIA

Fisiologia: o limite da apneia PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO

O

artigo de Michael J. Parkes pode ser trabalhado no contexto de fisiologia humana quando for tratado o sistema respiratório humano e seus reguladores e também quando se falar de fisiologia animal comparada, especialmente em sistemas respiratórios. A comparação com sistemas respiratórios de mamíferos aquáticos que realizam apneia do mergulho poderá ser bastante interessante e útil.

PROPOSTAS DE ATIVIDADES Peça que os alunos leiam o artigo sobre a apneia. Discuta como os pesquisadores mostraram que o principal disparador do limite para o controle consciente da apneia é o diafragma. Faça-os perceber que muitas vezes o aparato e o risco experimental para provar uma hipótese sobre os mecanismos de manutenção da apneia nem sempre são fáceis e seguros, como no caso dos voluntários que permitiram uma injeção de curare.

Assinale que em situação de repouso, o controle do ritmo básico da respiração é feito pelo centro inspiratório. Este gera impulsos que duram até 2 segundos em direção ao diafragma e músculos intercostais. Ao cessarem os impulsos, a inspiração termina, a musculatura relaxa e ocorre a expiração, que dura cerca de 3 segundos. Esclareça que, nesse caso, a expiração é um encolhimento elástico do pulmão, um processo passivo.

Desenvolva um trabalho com os alunos sobre os mecanismos gerais que controlam a frequência respiratória (ou ritmo ventilatório pulmonar).

Comente que a área expiratória permanece inativa até que receba um estímulo mais forte vindo da área inspiratória. Esse estímulo causa a contração da musculatura intercostal interna e abdominal, provocando a expiração forçada. Outros grupos de neurônios são capazes de mandar impulsos excitatórios à área inspiratória, que ativam e prolongam a inspiração. O resultado é uma inspiração longa e profunda.

Inicie mostrando o substrato anatômico do centro respiratório: são três conjuntos de neurônios situados no tronco cerebral. Os grupos da área inspiratória e expiratória ficam localizados bilateralmente no bulbo raquidiano. A área pneumotáxica encontra-se acima no terço superior da protuberância (Fig. 1).

Relacione com o assunto tratado no artigo, lembrando que existem in-

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 5 H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica. n Competência de área 8 H-30 – Avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam a preservação e a implementação da saúde individual, coletiva ou do ambiente.

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fluências corticais sobre o centro respiratório, de modo que podemos alterar voluntariamente nosso padrão respiratório e até suspendê-lo na forma de uma apneia (Fig. 2). Finalize mostrando que existe uma série de quimiorreceptores que detectam a concentração de H+ no sangue (no bulbo) e a pressão parcial de dióxido de carbono (carótidas e aorta). Quando o pH é reduzido, ou a pressão parcial de CO2, aumentada, o estímulo do centro respiratório se intensifica, elevando a frequência respiratória. Realce que existe uma série de outros controles do ritmo respiratório, localizados em músculos, acionados por proprioceptores e receptores de dor, receptores táteis e de temperatura na superfície da pele. Encomende um trabalho aos alunos no qual eles explorem os conceitos de regulação do centro respiratório de algumas formas, como indicado a seguir. Etapas do Trabalho Com base no sistema de retroalimentação dos quimiorreceptores periféricos e centrais, produza situações experimentais seguras com os alunos nas quais eles poderão perceber alterações na frequência respiratória, em consequência desse sistema de controle. Faça medidas da frequência de vários alunos (homens e mulheres) em estado de repouso. A frequência é facilmente medida pela observação de movimentos da


caixa torácica. Verifique a manutenção de um padrão na metodologia das medidas. Crie uma condição de hipercapnia por meio de um exercício. Faça medidas imediatas da frequência respiratória após os exercícios, e depois a cada 2 minutos durante 10 minutos (cinco medidas) para Centros superiores da respiração. Controle voluntário da respiração

verificar o processo de retroalimentação negativa dos quimiorreceptores, após a retomada do níveis plasmáticos de H+ e da pressão parcial de CO2. Peça que verifiquem se existem padrões e se algum voluntário saiu desse padrão de retomada do ritmo respiratório em repouso. Centro respiratório

Estímulos emocionais influenciam a respiração através do sistema límbico Receptores periféricos para queda de oxigênio, pH e aumento de CO2

Quimiorreceptores centrais sensíveis a CO2 alto e/ou acidose r reue ng-B r) i r e de H ulmona exo Refl mento p ra (esti

Proprioreceptores articulares e musculares

Centros da ponte e medula determinantes do ritmo respiratório

Receptores para tato dor e temperatura

Figura 1: Organização do centro respiratório no tronco cerebral (baseado em Guyton, A.C. Fisiologia Humana,Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1988.)

Figura 2: Controle do centro respiratório por retroalimentação

Grupo respiratório dorsal

Centro neumotáxico (-)

Centro apnêustico (+) Grupo respiratório ventral

ERIKA ONODERA

Vago y (-) glosofaríngeo

Diafragma

Musculatura abdominal e intercostal

Levante questões: existe alguma relação entre estes indivíduos fora do padrão com algum hábito, como sedentarismo ou tabagismo? A criação em laboratório escolar de condições de hipocapnia através da técnica da hiperventilação não é considerada segura. Uma alcalose no sangue provocada pela remoção de dióxido de carbono pode causar desmaio. Estimule o grupo a construir espirômetros simples para medir a capacidade vital forçada (CVF), que corresponde ao máximo de ar expelido por uma expiração forçada e o volume eliminado no primeiro segundo da expiração forçada (VEF1). É possível construir um espirômetro simples com bexigas infladas dentro da água, por exemplo. As alterações do nível de água no recipiente permitem inferir o volume de ar da bexiga. As medidas de VEF1 podem revelar doentes com asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pois com VEF1 reduzido, os pulmões se esvaziam mais lentamente. As medidas de (CVF) devem se situar em torno de 1 100 ml, com oscilações referentes a gênero, prática esportiva e tabagismo. Oriente os alunos a estabelecer relações dentro do universo de dados obtidos. Complete o trabalho encomendando aos alunos uma pesquisa na qual devem verificar o papel de outras influências sobre a regularidade da respiração, como fatores emocionais (sistema límbico), proprioceptores musculares, dor, substâncias irritantes, reflexos pulmonares ligados à distensão pulmonar. Em que situação entraria a novidade divulgada pelo artigo sobre a apneia? SUGESTÕES DE LEITURA Fisiologia humana. A.C. Guyton., Guanabara. Koogan. Rio de Janeiro, 1988 SUGESTÃO DE FILME Imensidão azul. Luc Besson, França. 1988.

Roteiro sugerido por Ricardo Paiva, professor de biologia do Colégio Santa Cruz, de São Paulo. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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PARA O PROFESSOR MATEMÁTICA

As regras do imprevisível sobre leis de potência e cotações PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO

L

ivros e revistas de divulgação científica constituem um bom material de apoio para levar à sala de aula alguns temas que estão borbulhando na fronteira científica e na filosófica. A discussão desses temas com os alunos faz emergir o interesse pelo aprofundamento no estudo e a percepção de que a ciência continua sendo criada. No artigo de Marlus Koeh-

ler o que se apresenta é a criação de uma nova área de pesquisa, que relaciona a física e a economia. É um fato curioso, pois, de certo modo, transgride o “especialismo” que tem marcado a produção científica nos últimos anos. Acreditamos que o título econofísica, em si, já provoque a curiosidade da turma: afinal do que trata esse ramo

do conhecimento? Quais aspectos da economia e da física tornaram possível essa simbiose? Do nosso ponto de vista, o artigo tornou oportuna a aproximação de um assunto que tem ficado longe do ensino médio: aspectos da teoria da complexidade, do caos e dos fractais.

PROPOSTAS DE ATIVIDADES Dialogando sobre o contexto Bento de Jesus Caraça escreve em seu livro Conceitos fundamentais da matemática que o objetivo final da ciência é a formação de um quadro ordenado e explicativo dos fenômenos naturais, fenômenos do mundo físico e do mundo humano, individual e social. No desenvolvimento de sua obra Caraça nos apresenta as duas características fundamentais da realidade: a fluência e a interdependência. A interdependência é a manifestação de que os fenômenos estão relacionados uns aos outros, de que a realidade é um organismo vivo, uno, cujos compartimentos se comunicam e se mesclam. Já a fluência é entendida como

o permanente movimento do mundo: tudo, a todo momento, se transforma, tudo flui, tudo devém. Encarada dessa forma a ciência e seus conceitos não escapam à universalidade do movimento. Se a realidade objetiva é uma totalidade em movimento permanente, a compreensão que dela criamos é, também, um movimento permanente.

n Competência de área 1 H4 – Avaliar a razoabilidade de um resultado numérico na construção de argumentos sobre afirmações quantitativas.

A mecânica de Newton tem como pressuposto que quando conhecemos o estado inicial de um sistema físico (posições e velocidades) podemos deduzir seu estado em qualquer outro instante. Dessa concepção, o Universo passou a ser concebido como um relógio e a vida como um mecanismo possível de ser algoritmizado. Na economia, essa concepção foi interpretada como base da teoria liberal. Segundo ela, a estabilidade econômica, tecnicamente, sugere que o equilíbrio seja um estado que depende do tempo, como preconiza a mecânica clássica, e que, portanto, pode ser previsível no futuro.

n Competência de área 6 H26 – Analisar informações expressas em gráficos ou tabelas como recurso para a construção de argumentos.

Na prática, contudo, as limitações das leis do modelamento da Natureza e das atividades sociais por meio das equações newtonianas ficaram evidentes. Isso,

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM

60 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

particularmente complexas, se observou quando os físicos e químicos estudaram o comportamento das moléculas de um gás, que pareciam imprevisíveis, até que, no século 19, o físico James Clerk Maxwell afirmou que para determinar o movimento real dessas moléculas seria necessário adotar o método estatístico. Da combinação da mecânica newtoniana e dos métodos estatísticos nasceu um novo ramo da ciência, a “mecânica estatística”, e essa possibilidade de modelagem de um sistema dinâmico incorporou várias áreas do conhecimento. O desenvolvimento de ferramentas matemáticas para esse fim permitiram considerar a natureza como um sistema complexo, em que a fluência e a interdependência preconizadas por Caraça, definitivamente, fazer parte dos quadros teóricos. Essas considerações permitirão ao professor preparar a argumentação para trabalhar com o artigo de Marlus Koehler. O movimento histórico dos conceitos físicos em paralelo aos econômicos pode servir para estabelecer a interação dessas áreas. Da narrativa desse movi-


Gráfico 2

Gráfico 1

mento, o professor pode levantar, com os alunos, algumas hipóteses sobre o que entendem por ciência, como ela é produzida, qual seu papel no desenvolvimento da humanidade. Resolvendo Problemas de Iteração Podemos concluir que até o final do século 19 foram desenvolvidas duas grandes ideias: as equações do movimento causais e deterministas para sistemas simples e as análises estatísticas, da termodinâmica, para sistemas complexos. Ambas as ideias trabalhavam com equações lineares. No tipo de sistemas lineares, pequenas mudanças produzem pequenos efeitos e grandes efeitos são derivados de grandes mudanças. Os sistemas complexos, no entanto, como o das flutuações econômicas, são identificados como não lineares, cuja característica marcante é a de que mesmo pequenas variações têm efeitos enormes. Aqui repousa a ideia de tomar um número sobre o qual se processa uma operação que é repetida, sobre o resultado, indefinidamente. Formalmente se diz que se faz uma iteração (repetição). Foi essa uma importante contribuição de Benoit Mandelbrot em seu primeiro ensaio sobre o estudo dos fractais. A atividade a seguir tem por finalidade auxiliar o professor na discussão do artigo, particularmente no que se entende por modelagem de sis-

temas complexos. A ideia de iteração é fundamental em teorias computacionais, econômicas e biológicas. Vejamos de perto alguns comportamentos de sistemas simples e complexos à luz de conceitos como órbitas e atratores. Iterações Lineares Discuta com os alunos que conhecida uma função linear do tipo f(x) = 3x, a iteração será obtida mediante multiplicações repetidas a um mesmo valor inicial x:. Se o valor inicial x0=1, os valores obtidos a partir do cálculo gera a sequência: (3, 9, 27, 81, ...), que denominamos de órbita da iteração e o ponto ao qual ela “tende” a chegar, nesse caso para mais infinito (chamamos de atrator). Apresente aos alunos o gráfico 1, que representa a trajetória da órbita (mapeamento). Faça-os interpretar os pontos (1, 3), (3, 9), (9, 27) da seguinte maneira: a partir do x0=1 subimos até o gráfico de f(x) encontrando o valor y1 = f(x0) = f(1) = 3. Essa saída passa a ser a nova entrada da função, de modo que x1=y1, o que permite que a função y = x seja utilizada como função auxiliar. Desse modo marcamos na função g(x) = y = x o valor de x para posteriormente associá-lo à função f(x). Nesse caso o processo de iteração apresenta-se como um simples algoritmo

de segmentos horizontais e verticais. Graficamente, observamos que a órbita não tenderá a valor nenhum. Se, contudo, a função for f(x) =0,5x, com x0=1teremos: A órbita de iteração será (1; 0,5; 0,25; 0,125; 0,0625;...) e o atrator será 0. Iterações Não Lineares Assim como nas iterações lineares, podemos obter iterações em sistemas não lineares. Embora esteja sujeito a interpretações simples, esse tipo de mapeamento produz certa complexidade. Suponhamos agora a função não linear: f(x) = x2 com valor inicial x0=0,5 (gráfico 2) A órbita será: (0,5; 0,25; 0,0625; ...), que se aproxima rapidamente de zero. Terminado esse primeiro passo, o professor pode propor algumas outras funções como f(x) = x2+1 ou f(x) = x(x1) para serem trabalhadas com os alunos com o uso de softwares gráficos e calculadoras.

SUGESTÃO DE LEITURA Padrões numéricos e funções. Maria Cecília Costa e Silva Carvalho. Ed. Moderna. Acaso e Caos. David Ruelle. Editora da Unesp.

Roteiro elaborado por Roberto Perides Moisés, mestre em educação pela FE–USP e professor do Ensino Médio e EJA do Colégio Santa Cruz, de São Paulo SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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PARA O PROFESSOR GEOGRAFIA

A formação do Amazonas PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO

A

bacia hidrográfica que forma o rio Amazonas é assunto de grande interesse para todas as pessoas, independentemente da idade, nível de escolaridade ou lugar onde habitam. Três temas básicos podem ser estudados no contexto do artigo de Carina Hoorn: estruturas geológicas, bacias hidrográficas e conservação florestal. De início, é importante trabalhar a noção da idade da Terra, medida por meio de uma escala de tempo muito grande, chamada escala geológica, em que os anos estão agrupados em períodos específicos – eons, eras, períodos e épocas – citados várias vezes no artigo. Esse trabalho inclui estimular a percepção dos alunos para que compreendam que a escala geológica, utilizada para indicar a idade da Terra, se baseia na observação de vários tipos de rochas encontrados atualmente na crosta terrestre, que têm idades e processos de formação diferentes. Podemos relacionar as alterações na formação do rio Amazonas com a grande diversidade de fatos e fenômenos que ocorreram concomitantemente e influenciaram a estrutura geológica e a geomorfologia atual.

Outro conceito a ser ressaltado é o de bacia hidrográfica, cujo relevo e tipo de cobertura vegetal têm características físicas e bióticas ímpares, que influenciam a infiltração, a evapotranspiração e o escoamento superficial, características essas que fazem da bacia amazônica a maior do planeta. A bacia hidrográfica é um sistema geomorfológico aberto em contínua flutuação, em estado de equilíbrio transacional, no qual a adição e a perda de energia encontram-se em constante balanço. O relevo atua sobre o regime de produção de água, assim como a taxa de sedimentação derivada do processo de escoamento superficial e evaporação. Na região da bacia amazônica cada tipo de relevo influencia diretamente a extensão dos canais e o padrão de drenagem que afetam a disponibilidade dos sedimentos encontrados no decorrer da bacia hidrográfica. Essas características físicas da bacia hidrográfica são controladas ou influenciadas pela sua estrutura geológica. A vegetação da Amazônia é a principal característica biótica, pois mantém uma estreita relação com a dinâmica hídrica da floresta. A drenagem hídri-

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Matriz de Referência de Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 3 – Associar intervenções que resultam em degradação ou conservação ambiental a processos produtivos e sociais e a instrumentos ou ações científico-tecnológicos. H12 – Avaliar impactos em ambientes naturais decorrentes de atividades sociais ou econômicas, considerando interesses contraditórios. n Competência de área 8 – Apropriar-se de conhecimentos da biologia para, em problema, interpretar, avaliar ou planejar intervenções científico-tecnológicas. 62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

H30 – Avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam preservação e a implementação da saúde individual, coletiva ou do ambiente. Matriz de Referência de Ciências Humanas e suas Tecnologias n Competência de área 6 - Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. H30 – Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.

ca depende da manutenção da floresta, pois o desmatamento ocasiona o assoreamento de rios devido à aceleração do escoamento superficial e à descompactação dos solos, e ambas ampliam o processo erosivo. Essa relação também pode ser percebida porque existem três estratos de floresta: as matas de igapó, localizadas nas áreas de inundação permanente; as matas de várzea, situadas nas áreas de inundação periódica e as matas de terra firme, existentes nas áreas mais elevadas, nunca atingidas pelas inundações anuais. Após essas observações, proponha a reflexão sobre as seguintes questões:


influência dessas práticas sobre a economia local? Com essas reflexões, sugere-se uma abordagem de conteúdo abrangente que permita o estudo de alguns dos principais conceitos geológicos, geomorfológicos e fitogeográficos que se relacionem com o desenvolvimento e as mudanças no espaço da Amazônia, a fim de que estes possam cumprir seu objetivo de servir como ferramenta para compreensão e conservação desse bioma tão vital à humanidade. Os conceitos adquirem um significado real e prático quando estão interligados às realidades humanas, por isso não devem ser abordados isoladamente. Tal prática estimula o aluno a participar das discussões em grupo e pode suscitar interesse pela pesquisa e uma possível intervenção social deste na realidade.

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

1 Que ações podemos promover para conservar os recursos naturais abundantes na Amazônia? É possível justificar, de alguma forma, um processo predatório tão eficiente, capaz de destruir o espaço amazônico, que levou milhões de anos para se formar? Quais os elementos positivos se desenvolvermos formas de economia sustentável para a exploração da Amazônia? Na sua cidade evidenciam-se atividades econômicas informais? Qual a

Desenvolva uma atividade de campo em alguns pontos ou trechos que compõem uma bacia hidrográfica, para coleta de dados e imagens, que possibilite uma análise das condições desse recurso natural. Ambos devem ser levados para a escola, para que os estudantes identifiquem a forma de participação dos trechos visitados na bacia hidrográfica e sugiram propostas práticas que contribuam com a conservação ambiental daquele espaço. Nessa atividade, pode-se desenvolver, no aluno, o reconhecimento prático do conceito de bacia hidrográfica. Esse exercício permite desenvolver maior sensibilidade para compreender a escala proporcional da bacia amazônica e como os impactos ambientais possivelmente percebidos no recurso visitado podem também atuar na bacia amazônica e comprometer a sustentabilidade desse recurso natural.

2

Proponha uma pesquisa com intuito formador e qualitativo. Deve-se elaborar uma ficha de pesquisa para que cada aluno faça um levantamento com seus familiares e amigos sobre possíveis ações desenvolvidas pela sociedade civil, capazes de contribuir efetivamente para a conservação da Amazônia. A ficha deve ter espaços para preenchimento de nome, idade, formação educacional e um espaço específico para as sugestões dos entrevistados para a conservação da Amazônia. As sugestões devem superar o senso comum e a elaboração deve promover um momento real de reflexão e criação. Depois que a pesquisa for feita, peça que organizem as sugestões e marquem a data para divulgá-las à comunidade escolar.

3

Ao estudarmos uma bacia hidrográfica, percebemos que ela é parecida com uma folha de árvore. O que nesta são as nervuras, na bacia hidrográfica corresponderiam ao rio principal e seus afluentes. Com base nessa analogia, é possível desenvolver uma atividade lúdica em que os estudantes recebam o desenho de uma folha de árvore e depois de colori-la escrevam sobre as nervuras da folha os elementos que compõem uma bacia hidrográfica. Ao terminar essa atividade, o professor deve promover uma reflexão: da mesma forma uma folha serve para entender que uma bacia hidrográfica, a floresta serve para manter a hidrografia. Pois sem essa floresta de folhas grandes (latifoliadas) que protegem e regam esse solo amazônico a bacia hidrográfica já teria perdido sua majestade.

SUGESTÕES DE SITE Informações sobre a conservação da Amazônia estão disponíveis em http:// amazonia.org.br/.o/

Roteiro sugerido por Luiz Raphael Teixeira da Silva, mestre em geograifa pela UFC, pesquisador do Laboratório de Estudos Geoeducacionais – LEGE (UFC), professor do ensino médio e superior da rede privada. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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PARA O PROFESSOR FÍSICA

Um raio no céu azul PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO

O

artigo de Joseph R. Dwyer nos mostra o quanto a ciência ainda desconhece os relâmpagos, mas dá pistas importantes que podem enriquecer o exame, com os alunos desse fenômeno, que, ao longo da história, sempre despertou temor e curiosidade.

PROPOSTAS DE ATIVIDADES A simples menção de qualquer acontecimento envolvendo raios pode constituir um forte motivador para o envolvimento da classe. É interessante apontar algumas curiosidades históricas sobre os relâmpagos e estimular a turma a pesquisar as lendas e superstições referentes ao tema, e também fenômenos correlatos, como relâmpagos-bola, fogo de santelmo. Enfatize as diferenças semânticas. Chama-se relâmpago o processo de descarga elétrica atmosférica, devido à corrente de elétrons produzida por nuvens carregadas em tempestades, terremotos e erupções vulcânicas. Pode acontecer entre nuvens, entre nuvem e o solo e entre nuvem e o ar. Por outro lado, um raio é caracterizado apenas por

uma descarga entre uma nuvem ao solo. Ou seja, um raio é um relâmpago, mas este nem sempre é um raio. Ao colidirem com as moléculas atmosféricas, os elétrons fazem com que o ar ao redor se ilumine, o que resulta em um brilho intenso. Quando o local de incidência do raio é próximo, o som do trovão – efeito sonoro provocado pela expansão abrupta do ar aquecido pela descarga elétrica – pode ser ensurdecedor. Após essas explicações, examine com a turma o circuito elétrico atmosférico global, que funciona como um grande capacitor esférico: o solo atua como a placa negativa, e a camada conhecida como eletrosfera, a cerca de 25 km, faz as vezes de placa positiva, pois se trata de uma região condutora graças à presença de moléculas ionizadas pelos raios cósmicos (fig. 1). A diferença de potencial (ddp) entre as placas é de cerca de 300 kV, e o campo elétrico aponta para baixo. Como exercício, os alunos podem calcular a capacitância do sistema Terra-elestrofera e outras grandezas com a fórmula:

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM

em que εo = 8,85×10-12 F/m é permissividade elétrica do ar, RT = 6.370 km é o raio da Terra, Re = 6.395 km é o raio da eletrosfera. Eles devem obter C = 0,18 F, valor muito grande para capacitâncias. Para a energia armazenada nesse capacitor (CV2/2) vão encontrar o valor aproximado de 103 J – equivale a 1 milhão de baterias de automóvel de 12 V e 100 Ah. A capacitância gera uma carga entre 0,5 MC e 1,5 MC na superfície da Terra. Com isso, a ddp entre os pés e a cabeça de uma pessoa na superfície da Terra pode chegar a 300 V. É provável que surja a pergunta: por que não levamos um choque? A resposta está na alta condutividade elétrica do nosso corpo em comparação com o ar. A condutividade da atmosfera permite que flua uma corrente média de 1 kA entre a Terra e a eletrosfera (fig. 2), que poderia descarregar o capacitor em menos de uma hora se não houvesse as tempestades, que, atuando como um gerador, recarregam o capacitor terrestre. A distribuição típica de cargas em uma nuvem carregada caracteriza-se por cargas positivas no topo e negativas na base. O movimento de zigue-zague do relâmpago resulta do desvio por bolsões de cargas positivas existentes na atmosfera.

Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 1 H3 - Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas. n Competência de área 5 H19 - Avaliar métodos, processos ou procedimentos das ciências naturais que contribuam para diagnosticar ou solucionar problemas de ordem social, econômica ou ambiental. n Competência de área 6 H20 - Caracterizar causas ou efeitos dos movimentos de partículas, substâncias, objetos ou corpos celestes. 64 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

H21 - Utilizar leis físicas e (ou) químicas para interpretar processos naturais ou tecnológicos inseridos no contexto da termodinâmica e/ou do eletromagnetismo. H22 - Compreender fenômenos decorrentes da interação entre a radiação e a matéria em suas manifestações em processos naturais ou tecnológicos, ou em suas implicações biológicas, sociais, econômicas ou ambientais. H23 - Avaliar possibilidades de geração, uso ou transformação de energia em ambientes específicos, considerando implicações éticas, ambientais, sociais e/ou econômicas.

Encarregue os alunos de determinar a distância de um relâmpago. Considerando as velocidades do som e da luz no ar, eles podem realizar esse cálculo contando o intervalo de tempo decorrido entre a percepção visual do relâmpago e a chegada do som correspondente. Uma forma prática é contar os segundos até o soar do trovão e dividir esse tempo por 3. Por exemplo, se demorar 9 segundos para ouvir o trovão, o raio estará a cerca de 3 km de distância. Se o evento for a mais de 20 km de distância, dificilmente será ouvido.


Fig.1 – A Terra como um grande capacitor.

Fig. 3 – Distribuição de corrente nas proximidades de um raio

Fig. 2- Modelo do capacitor atmosférico sob tempo bom (esquerda) e sob tempestade (direita). As setas indicam a direção local do campo elétrico (E).

Como se proteger de um raio? Boa parte das mortes por raios pode ser evitada e, por isso, é importante explorar o tema da proteção, porque os mitos a respeito de segurança contra raios ainda existem. Por exemplo, deixe claro que os raios podem cair várias vezes no mesmo lugar.

ERIKA ONODERA

Peça aos alunos que pesquisem sobre os fatores de risco com o objetivo de preparar para a comunidade escolar uma exposição sobre raios e procedimentos de segurança. Essa pesquisa deve ressaltar alguns comportamentos recomendáveis, como buscar áreas cobertas (a probabilidade de ser atingido diretamente por um raio aumenta mil vezes se a pessoa estiver em área aberta. Oriente a pesquisa para a diferença entre descargas diretas e indiretas; estas últimas são responsáveis pelo maior número de vítimas. Por exemplo, a probabilidade de um raio atingir uma árvore é 100 vezes maior que de atingir uma pessoa, mas se esta se abrigar sob a copa da árvore, estará dentro a zona de alcance da corrente (cerca de 50kA) do raio pelo solo. Apre-

sente algumas questões que incentivem a turma a deduzir as respostas: qual a influência da área de contato da pessoa com o solo, a fim de reduzir os efeitos da corrente em seu corpo? Como ela estará mais segura, em pé ou abaixada? Por que não se deve ficar deitado no solo? Se ela estiver próxima de uma árvore, como devem ficar seus pés, na mesma linha radial com a árvore ou equidistantes dela? Juntos ou separados? Depois da discussão e das respostas dos alunos, explique:

radialmente, assim como evitar ficar deitado no solo. A melhor posição é aquela na qual o nível da cabeça fique abaixo do nível dos objetos próximos e com menor área de contato com o solo. Se a árvore estiver úmida, a corrente elétrica flui através da fina camada externa de água não causando grandes danos. Por outro lado, se estiver seca, o fluxo de elétrons pode ser transportado através da seiva, provocando aquecimento e até incêndios.

Ao atingir a árvore, o raio libera uma corrente (da ordem 50 kA) que se propaga, grosso modo, simetricamente ao longo da distancia r da árvore (fig. 3), criando uma diferença de potencial V@ E∆r. Se a pessoa estiver a 1 m da árvore e a distância entre seus pés for de 30 cm, a diferença de potencial será da ordem 500 kV. Como essa diferença de potencial depende da distância entre os pés, ∆r, é mais seguro ficar com os pés juntos do que separados. Da mesma forma, é mais seguro manter ambos os pés equidistantes da árvore em vez de dispostos

SUGESTÕES DE SITES E LIVROS The lightning discharge. M. A. Ulman. Acad. Press Inc., Londres (1987). Introdução à Eletrodinâmica Atmosférica. O. Mendes Jr. E M. O.Domingues, em Rev. Bras. Ens. Fís. 24, 3 (2002). Eletricidade Atmosférica e Fenômenos Correlatos, M. Tavares e M. A. M. Santiago, em Rev. Bras. Ens. Fís. 24, 409 (2002). Internet Grupo de eletricidade atmosférica www.inpe.br/webelat/homepage/

Roteiro sugerido por Antônio Carlos Fontes dos Santos, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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MEU PERCURSO

Luciana Spinelli

Engenheira florestal relata sua paixão pela pesquisa de campo e sensoriamento remoto Por Luiz Marin

ARQUIVO PESSOAL

N

asci e cresci em Caçapava, interior de São Paulo. Infância cercada de natureza, férias com praias, cachoeiras, acampamentos – paisagens que nem imaginava como seriam importantes para a minha formação. No ensino médio voltei meu interesse para as ciências biológicas, sobretudo os temas ambientais e no curso pré-vestibular descobri a engenharia florestal. A possibilidade de trabalhar com a floresta, agregar atividades de campo ao trabalho de escritório, acabou me levando para o campus de Botucatu da Unesp. A vida na faculdade foi uma história à parte. Morar longe dos parentes e ter de aprender a me “virar” contando apenas com a nova família de amigos, além de descobrir a realidade do curso escolhido, foram acontecimentos que marcaram meu crescimento pessoal. Os dois primeiros anos no curso, dedicados às disciplinas básicas, com muita matemática, física, química, me frustraram um pouco, pois esperava ter trabalhos de campo já no início. Mas, os conhecimentos que adquiri no ensino médio me ajudaram a vencer essa fase. Já no segundo ano do curso, fiz um estágio que me permitiu vivenciar a rotina de algumas unidades de conservação do Estado de São Paulo, o que me aproximou mais do meu foco: a área de conhecimento e conservação das florestas naturais. Durante uma visita ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), conheci meu futuro orientador do mestrado e o grupo de pesquisas da Amazônia. Pela primeira vez, vi imagens de satélite sendo analisadas nos computadores, numa época em que a 66 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

faculdade ainda não oferecia esse recurso. Ver a floresta de cima, identificar nas imagens a paisagem sob outra óptica, um mosaico de usos da terra, foi uma revelação. Naquele momento descobri o que queria fazer. VIDA PROFISSIONAL Meu primeiro emprego foi em uma empresa de mapeamento com imagens. Depois me candidatei ao mestrado no INPE (referência na área de sensoriamento remoto), período marcado por noites viradas com o grupo de estudo, tensão e satisfação. Minha dissertação baseou-se no emprego de imagens ópticas e de radar para estudo de biomassa em áreas florestais em Roraima; assim, calibrando as imagens com medições de campo, estimamos a distribuição da biomassa da floresta, que tem grande peso nas análises de estoque de carbono. Consegui uma bolsa para continuar no grupo como pesquisadora assistente, com muito trabalho de campo na Amazônia e processamentos de imagens, inúmeras discussões científicas, participações em eventos no exterior, até que amadurecesse em mim a ideia do doutorado em ecologia aplicada, um curso interdisciplinar da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), em Piracicaba. Mas continuei a parceria com o grupo do INPE. Meu projeto de doutorado avaliou as florestas com bambus da Mata Atlântica, acompanhando a dinâmica

dessas áreas com fotos aéreas históricas e imagens atuais, além de idas mensais ao campo no Parque Estadual Intervales. Com tema vinculado ao projeto Parcelas Permanentes do programa Biota/FAPESP, pudemos entender como a floresta se comporta sob atividades antrópicas, e o projeto teve as discussões incluídas nos planos de manejo das unidades de conservação dessa região. Algum tempo após o doutorado, prestei concurso na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e voltei à pesquisa em monitoramento por satélite. Com forte tradição na pesquisa agropecuária, a Embrapa também tem diversos projetos voltados para a sustentabilidade das florestas tropicais e tenho contribuído em alguns deles. Atualmente, estou envolvida em um projeto que emprega dados LiDAR, um sistema de varredura a laser que fornece informações sob o dossel florestal, auxiliando nas análises da estrutura da vegetação. Através desse projeto, fiz uma visita técnica na NASA durante um mês, onde interagi com pesquisadores renomados e ampliei meus contatos para futuras parcerias. A área de geotecnologias, que engloba minha linha de pesquisa, é muito dinâmica, sempre com novas técnicas e ferramentas surgindo, o que exige atualização constante. É isso que estimula nosso dia a dia. n



Roteiros temáticos para atividades em sala de aula

Aula Aberta

Matriz de referência do

O prazer de ensinar ciências

ENEM

BRASIL

ANO II - NO 15 - 2013 - R$ 6,90

ISSN 2176163-9 00015

9 772176 163001

Quanto tempo sobrevivemos sem respirar? BIOLOGIA

Os mecanismos do nosso organismo que participam da respiração e limitam a apneia

GEOGRAFIA A formação do rio Amazonas

MATEMÁTICA

Estatísticas que descrevem fenômenos naturais

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Nossos pensamentos têm cheiro

FÍSICA

Relâmpagos, o que não sabemos sobre eles


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