Djanira na Janela e outros poemas

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CLEUSA BERNARDES

djanira na janela e outros poemas





djanira na janela e outros poemas


Copyright © 2009, Cleusa Bernardes Capa, projeto gráfico e diagramação: Giulio Pascoli Preparação de originais e revisão: Ana Bernardes Gestão e produção: Enzo Banzo Incentivo : Fundo Municipal de Cultura de Uberlândia/MG – Edital 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CPI)

Bernardes, Cleusa, 1951Djanira na janela : e outros poemas / Cleusa Bernardes. – Uberlândia, 2009. 98 p. ISBN 9788591003105 1. Poesia brasileira. II. Título. B522d

CDU: 869.0(81)


CLEUSA BERNARDES

djanira na janela e outros poemas



Há um poema de nomes que eu recito todo dia Pai Mãe Ênio, Débora, Ana Maria e Graziela Paulo, Bárbara, Luiza José Francisco José Natal, Dingo, Carminha, Nando, Depe, Cleide, Lula, Belo, Marquinho Há aqueles que não nomeio que foram ou que hão de vir Há um nome que eu respiro Tarcizio Todos estão neste livro com seus poemas de nomes A todos eles dedico



prefácio

Djanira na janela - sol maior Danislau Também

Eu, quando falo de Cleusa Bernardes, falo com o chapéu na mão. Tenho nas mãos o chapéu, e o cabelo revela-se desarrumado. *** Um maestro do século passado diz que ter visto e ouvido Anton Webern tocar uma única nota ao piano era observar um homem em estado de devoção. Diante do piano, corpo em curvatura devota, está Cleusa Bernardes. O piano é a vida. Djanira na janela e outros poemas soa como a nota de Webern. Uma nota única, longa, instaurando sonho. O som da nota se esvai, o silêncio como água ocupa seu lugar. Som, silêncio. 11


A música de Djanira na janela é o recuo da onda em direção ao mar. É menina entrando pra dentro de casa. *** Djanira na janela e outros poemas soa como um concerto musical. Concerto compondo o arredor. Em sua presença, tudo se torna devoto (o chapéu está na mão). Um ruído desajeitado, um gesto de intolerância, de violência, torna-se mais violento na presença do espírito deste livro. Pronto, estou respirando plenamente. O cabelo, todavia, mantém-se desalinhado, porque houve vento. *** Anton Webern resiste, sente dificuldade em começar a ensaiar com sua orquestra, por saber que o barulho, a aspereza, a má entoação, a expressão falsa e a articulação errada seria uma tortura. Webern sabe que música é acendimento: o transe do malabarista, o santo que baixa no terreiro, a liga no pão de queijo. Fazer música é cultivar o fogo que acende tudo o que é vivo, para re-produzir a vida. E é cuidar para que essa vida se mantenha intacta. Cuidados infinitos: quantas engrenagens compõem um verso? Impossível cuidar de todas. Só o artista realiza o impossível. tudo vai bem tudo está nos trilhos tudo é como tem que ser

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Um poema, um concerto, tudo o que é vivo, está aceso. Uma sílaba a mais, uma palavra mal colocada, pode apagar o brilho de uma obra de arte. Mas uma nota atravessa os tempos. Inteira, derramando seus deuses, embebida de morte e de vida. Observo ao redor, e tudo é devoção. Djanira na janela é obra acesa. Compactua com o silêncio, com o arranjo das estrelas, com Webern sentado ao piano. A leitura perfaz-se sem acidente, sem sobressalto, como transcorre sem sobressalto a duração de uma nota musical. Uma frase em “a” ali, um baque em “q” aqui: o pianista está em ação. Pesar em passar as páginas. Passeio entre elas apenas percebendo o desenho das estrofes. Vejo a menina sentada diante do mar deixando escorrer dos dedos o pouquinho de areia molhada, e o que se erguem são pequeníssimos monumentos. Nada se alarga. As estrofes estão ali, quase não estando. Há expressão no desenho desses pequenos castelos de areia. Sei que essa arquitetura, de alguma forma, se coaduna com as outras arquiteturas do livro. Semânticas, sonoras. Distraída, a menina cuida das mil e uma engrenagens. É a artesã das pequenas coisas, do gesto exato, do pouco dizer. Diz. E ergue grandes monumentos. que festa as roupas nos varais nas pequenas cidades de grandes quintais! Da página silenciosa, emana a música. A música, sim, alarga-se. Descuido meu, sou todo ouvidos. Perco o contato com os significados. O poema torna-se música pura. O ritmo seduz, embala, subtrai os sentidos, quem lê agora é o corpo. Não é preciso conhe13


cer a língua para ler Djanira na janela e outros poemas. A música traduz todos os poemas para o além-português. Finalmente compreendo a frase que me persegue há anos: “a poesia está sempre em outra língua”. Recupero os sentidos. E deparo-me com o impossível realizado: tudo é condizente. Diz junto. Impressiona a dupla capacidade dos versos. Soam, e significam. O que era música pura, de repente, começa a dizer. E o que é dito não pode ser dissociado da maneira como é dito – do som do dizer. Em Agosto, por exemplo: esse mormaço essa cigarra essa preguiça esse mosquito na minha cara Chego a ouvir o som da cigarra e do mosquito – emblema do tédio – na sibilância de cada uma das palavras: agosto, esse, mormaço, essa, cigarra, essa, preguiça, esse, mosquito. Apenas no último verso cessa a sibilância. Percebo que é justamente essa brusca interrupção da lógica musical que instaura o princípio de desacordo no poema: anticlímax musical articulado com o anticlímax vivido pelo eu-enunciador. Djanira na janela e outros poemas é livro de poemas plenos. Cleusa Bernardes, professora de poesia, conhece o ofício como poucos. Que é o existir deste livro? Sucessão de páginas, versos, sons, pausas, ideias? Que é minha leitura deste livro? Passeio da atenção ao longo das páginas? Não apenas isso. É a linha arrebentadiça da memória que costura as imagens, as impressões, 14


a música, os vislumbres suscitados por cada poema, no espírito curioso do leitor. É a linha arrebentadiça da memória que liberta a leitura do tempo linear. Livres, os poemas de Djanira na janela começam a existir junto, simultaneamente, como se fossem um único poema. Fica a última pergunta: que Eu esse grande poema revela? Apesar de um tanto vago, sinto que esse Eu persiste, acompanha, mesmo quando se encerra a leitura. A leitura de Djanira na janela e outros poemas ultrapassa os momentos em que se está com o livro diante dos olhos. *** Djanira saiu da janela, o livro está fechado, o sol sumiu no horizonte, o chapéu voltou à cabeça, a tampa desceu ao piano, a menina entrou pra dentro de casa, a onda retornou ao oceano. Djanira deitada mantém os olhos abertos na noite escura.

Danislau Também é poeta, autor do livro O herói hesitante, membro da banda Porcas Borboletas e mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal de Uberlândia.



Djanira na janela (poema longo)

O mundo ĂŠ grande e cabe nesta janela Carlos Drummond de Andrade Toda gente homenageia JanuĂĄria na janela Chico Buarque



I

Eu sou Djanira a mulher da janela (não sou Januária). Posso ver pensar sentir – andar não posso. Mas eu viajo na projeção desta moldura afora, na paisagem-limite da janela: não me resta mais nada para cantar.

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II

O céu é bonito! Eu tinha vontade era de tirar esses fios de eletricidade que recortam meu céu em geometria. Me ensinaram que não há céu: o infinito é que fica azul. Meus olhos se perdem nesta cor de sem-fim. Eu entendo muito bem quando dizem que o pensamento voa...

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III

O pensamento voa a alma voa os passarinhos voam. Os passarinhos são como almas. Tem um pardal na antena de televisão brincando igual criança num balanço e tem um cinzentinho no pé de laranja dando pulinhos de ideia feliz.

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IV

... um gato dormindo no canto do muro... eu quero ser um gato acima dos muros em cima dos telhados um gato de todos os quintais de todas as ruas e becos meu corpo conhece o andar felino do gato em cima do muro como o sĂĄbio chinĂŞs que sabia ser borboleta

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V

Olha os urubus! Voando planando sem bater as asas! Muita gente filosofa sobre o destino dos urubus. Eu no entanto não me canso de admirar o balÊ silencioso que eles dançam para mim!

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VI

Hoje é um dia suave de chuva. Um dia de chuva é o que mais se parece com a minha alma. A chuva cai resignada e mansa e se mistura à terra e a tudo o que há na terra. Depois quando a chuva passa ficam poças confeitando o chão com retalhos de céu.

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VII

Depois do telhado antes da curva do morro passa o trem. Todo dia Ă mesma hora pontual passa o trem. Tudo vai bem. Tudo estĂĄ nos trilhos. Tudo ĂŠ como tem que ser. Boi passava rio casa menino ponte lavoura: era o trem de outrora. Agora vivo na janela de um trem parado.

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VIII

Estou cansada de tanto ver de tanto olhar. Fecho os olhos para pensar dormir quem sabe sonhar mas não posso. É que o vento passa a mão de leve na minha pele. Vento! Vento! Me deixa quieta! Para que perturbar a superfície desta água? Deixa dormir em paz a prisioneira!

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IX

Porque nada muda na minha vida é que eu posso ver a sutileza do sol que se põe: sempre igual nunca igual. Falar do pôr do sol é como falar do amor: as palavras são retratos desfocados. Sendo assim eu olho e sinto. Esta hora é de quase alegria para mim que sou triste.

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X

Não gosto da lua. Não gosto das estrelas. Odeio os perfumes da noite. Odeio a música que vem pelo ar. Não conheço essas coisas. Não quero saber. As estrelas e a lua são como essas outras que andam por aí. Antes que me façam chorar fecho a janela.

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Abri o meu pano na praรงa



Poética

arrisco uns versos de vez em quando às vezes rindo no mais chorando nas entrelinhas – águas paradas – jogo pedrinhas pesco palavras palavras brincam de esconde-esconde eu sei que existem só não sei onde

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Artesanato

na urdidura da vida retalhos de trapos velhos estraçalhados em tiras – pretos brancos e vermelhos – tecem as horas e os dias tecem calor e agasalho de aconchego e alegria doce colcha de retalhos!

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Belo, belo

a beleza não tem hora nem lugar veja as bolhas irisadas de pinho sol sobre a água do vaso sanitário a beleza não tem mesmo nenhum critério

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Redemoinho

o vento levanta as folhas do chão tão secas tão leves as folhas caídas não têm mais vida mas podem voar

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Chuva

ouvia o barulho da chuva nas telhas molhava meus olhos nos pingos da chuva sentia o cheiro da chuva nas folhas mergulhava meus pÊs nos riachos da chuva – a chuva Ê choro ou a chuva Ê gozo?

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Jabuticaba

jamais se acaba seu doce gosto na minha boca fruta madura que gostosura cheiro e doçura mel e fartura frutinha preta tão espoleta sabor de estrela no cÊu da boca

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Corguinho

cascata e poรงo e pedra de tomar sol รกgua geladinha cardume de piabinha sรณ para esse aqui e esse agora jรก valeu muito a pena estar vivendo

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Caminhos

caminhos que buscam estranhos destinos conduzem sem pressa eternos meninos: meninos que brincam de encontrar caminhos

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Pêndulo

o cinema a cidade o trem o metrô solidão vazio a fila a multidão solidão o emprego o patrão vazio a noite o bar solidão a ponte o espaço vazio o rio

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Anjo torto era eu, talvez, seu anjo de desguarda? Drummond

Eu quero um anjo de desguarda. Quero porque quero! E que se esforce o danadinho em me levar pro mau caminho! Que ele me obrigue a fazer aquelas coisas que no fundo, no fundo eu sempre quis mas por medo ou por preguiรงa ... nunca fiz.

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Poesia concreta

Meu pai era poeta. Com cal e areia tijolo e cimento o prumo e o metro assobiava e cantava um poema concreto. Meu pai era artista. Devagar com talento e maestria escalava o infinito na suada sinfonia de ferro e vidro portal e esquadria. Meu pai era cantor. O suor do seu corpo tinha um cheiro bom. Enquanto compunha o mosaico das casas sua alma tocava um sax tenor.

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Dentro

Minas é um lugar dentro montanhas e casarões janelas de olhar dentro olhos de mulher cofre caixa baú – segredo dentro se em Minas liberdade é viver dentro como pode o peixe vivo viver fora?

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Vocação

as mulheres do meu povo fazem cestos de taquara fazem colchas de algodão fazem sacolas de palha eu também mulher também povo fiz versos de quase nada

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Canção de amélias e marias

lá vão as mulheres na procissão severas, rezando seu cantochão obrigam seu corpo a trabalhar na dura prisão domiciliar – lar doce lar – só saem de casa para rezar seu triste rosário de não pensar batendo perna não saem caçando folia não saem procurando o que não guardaram não saem

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o ano é um calendário de canseiras fazer polvilho torrar farinha fazer queijo tratar de galinha biscoito quitanda doce almoço pros camaradas lavar a roupa na bica por que o corpo dói tanto? e as mulheres vão cumprindo seu destino de amargura sofrendo, se redimindo para se tornarem puras

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Retiro

três dias numa cela de mosteiro me bastariam só pão e água e um catre e a máxima bem-aventurança de (pelo menos por três dias) não ter que dizer boa-noite ou bom-dia e sorrir sem ter vontade três dias para chorar os meus mortos lembrar os sorrisos e as vozes o olhar do que se foi o gesto descuidado o seu andar entregar-me ao trabalho de lembrar sem estar pelos cantos escondendo o pranto eu tenho o que chorar o resto dos meus dias mas três, só três já trariam alívio a este nó que eu tenho na garganta a esta dor traidora quero chorar preciso

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tem uma eu mesma que já morreu ninguém notou é preciso que eu chore esta parte de mim que se foi pouco a pouco como folhas caindo de uma árvore que eu não fique embalando este cadáver e admita chorá-lo quem sabe assim possa levar essa tristeza que já está sendo eu mesma três dias de sepulcro e então ressuscitar

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Cadeia

os meus passos não me levam aos lugares que desejo os meus olhos não encontram a beleza que procuro de minha boca jamais saem as palavras verdadeiras minhas mãos não se dão a outras mãos solidão

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No espelho

o espelho me mostra um rosto cansado jรก velho me mostra sem gosto apagado sem brilho me mostra a casca rugosa quando antes mostrava apenas a rosa

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Colar de contas



Colar de contas

hoje o luar do sertão saiu da canção! * o morno vento move a palma sonolento... * dorme o milho na mortalha de palha * qualquer poeta ou cantor rima flor, amor e dor *

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Enigma

depois da ponte depois da porta o que me espera depois da morte

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Noite

os gatos s達o pardos os sonhos de toda cor

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Agosto

esse mormaรงo essa cigarra essa preguiรงa esse mosquito na minha cara

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NaufrĂĄgio

o fim do sonho fazendo bolhas na superfĂ­cie

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P*r*lampo

*b*r*i*l*h*a**b*r*i*l*h*a* *p*i*s*c*a**p*i*s*c*a* p*i*r*i*l*a*m*p*o* *n*e*o*n**d*o**c*a*m*p*o*

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Choro

da grama, orvalho de pedra, cascalho

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Amor

separa/dor tortura/dor tritura/dor com puta dor!

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Cotidiano

DIA DIA DIA DIA DIA DIA DIA DIA DIA DIA DIA DIA ANOANOANOANO ANOANOANOANO ANOANOANOANO

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Kiss me

quis me xingar? quis me bater? quis me deixar? kiss me! kiss me! kiss me!

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Espelho

ojev em edno uos o達n sam

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Poesia

de vez em quando uma palavra me pisca o olho aĂ­ eu vou

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VIAGEM... MAIOR A É POESIA

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Fon (m) ética

ó os hom’morrend’fome ó os mininim barrigudim ói as muié mort’im pé (com todas as letras: M-I-S-É-R-I-A)

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O dia que virĂĄ

quem sabe um dia a gente possa sorrir quem sabe a tristeza acabe e o que a gente ainda nĂŁo sabe acabe por descobrir

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Versim

meu coração não passa de um bixim coelho, lagartixa ou passarim vive solto e sem lei, o safadim mas quando quer amor, volta pro nim

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Mordaรงa

cala-se a voz mas quem cala a alma?

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Novelo

o fio em/si mesmado curtindo o pr贸prio aconchego

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Eu viajo de carona...

A voz é rouca mas o mote é bom Chico Buarque



Lira de qualquer tempo

eu já tive vinte anos pois agora tenho mais minha coleção de enganos meus jardins e meus quintais tenho um arquivo de planos que não cumprirei jamais tenho uns chinelos cabanos e uns poetas imortais um rol de perdas e danos uma orquestra de pardais tenho sonhos sobre-humanos tenho aspirações banais eu já tive vinte anos pois agora tenho mais

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Tiete

tu, que gostas de becos e botecos é a vida que te bebe e nem te importas eu corro atrás de ti feito tiete e fico te esperando atrás da porta pior: te sigo como um cão catando a poesia que entornas no chão

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Poemazinho roubado

ai, amor, miragem minha minha linha do horizonte gota d’água estrela fonte abismo floresta ponte pôr do sol atrás do monte! ai, amor, miragem minha minha linha do horizonte!

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O crime do armário

um velho armário de banheiro e o soco da saudade injusto e inoportuno me atingiu de cheio uma náusea, um enjoo uma ressaca, um espasmo o tempo me espancou diante daquele armário eu quis gritar – não mudei foi o tempo é que passou eu era tão criança e ainda sou

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Maria

quem sabe um dia por descuido ou poesia a gente seja feliz quem sabe a tristeza acabe e o que a gente ainda não sabe acabe por descobrir talvez a gente consiga sair inteira da briga ou ao menos perceber qual o motivo da intriga por que razão começou Maria não vá embora vem dançar comigo agora a festa não acabou

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quase-palavra

bra bre bri brilho brilho da estrela estrela estrela-lรก lรก lรก ri lรก lรก la le li lo lu lua lua cheia che-chi chooo chooo chooo chuva va ve vi vida

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Voo livre um frêmito agita as roupas nos varais Mário Quintana

que festa as roupas nos varais nas pequenas cidades de grandes quintais! as roupas estão peladas! tiraram os corpos – que despudoradas! mergulharam no sabão e se esfregaram... agora dançam com o vento – leves, livres – soltas ao sol por um breve momento...

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Menina uma menininha pulando na corda cabelos ao vento MĂĄrio Quintana

eu era uma menina quieta tĂŁo quieta nem fazia arte hoje penso que eu-menina era apenas diferente semente de eu-poeta e enquanto o tempo passa e a vida me dĂĄ um tempo vou envelhecendo por fora vou me-ninando por dentro

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Cecília

Cecília fala de nuvens de céu, de amor e de mar ai, Cecília! depois do que tu disseste que tenho eu para falar?

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Vinícius

na festa tinha um velhinho que era a cara do Vinícius – até o jeito safado gostou quando fiz o comentário já estava acostumado poetinha maroto! brincando com a vida na cara do outro!

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Cora Coralina

ouvi você dizer: eu sou Aninha Aninha... então aninhei minha cabeça no seu verso de paina aninhei o meu corpo no colchão de capim esquecido, quem sabe num cantinho qualquer de poesia Aninha da Casa Velha da Ponte abrindo janelas insuspeitadas Dona Aninha fazendo doces, plantando rosas viajando por dentro reciclando o rame-rame dos dias iguais a concha criando a pérola o recife de coral Coralina...

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Filosofia de boteco a arte de jogar conversa fora



Filosofia de boteco

o boteco é democrático o botequeiro simpático do futebol à política no boteco se faz crítica o frequentador típico do boteco é filosófico no boteco se faz música e se discute metafísica seja bem-vindo ao boteco pendure na porta a máscara

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O bêbado convicto

não preciso de analista! ao diabo o doutor Freud! não me deito no divã! não sou nenhum debiloide! para suportar a vida e aliviar minha sina para curar minhas mágoas há um bar em cada esquina!

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Asa Norte

estou me sentindo uma faca sem corte uma ave sem asa um navio sem norte estou me sentindo uma roseira morta um buraco sem fundo uma casa sem porta vocĂŞ minha amiga nĂŁo fale da vida nem pense na morte me dĂŞ por favor uma bebida forte

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O bar

os copos de cerveja se esvaziam com aquela rapidez alucinada os corpos, tão estranhos, fugidios olham para ninguém e tocam nada o fumo aqui é pro pulmão de todos é coletiva a mente estagnada muitas pessoas nem sempre será povo aqui é gente junta e separada um barulho febril, constante e doido – que dirá esta língua indecifrada? todas as caras são a mesma coisa todos conversam mas não dizem nada neste lugar grotesco, escuro e louco minha solidão se sente acompanhada

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Pesquisa filosófica

se você bebe para esquecer pague antes de beber * facilite o troco ou leva bala * bebo para afogar as mágoas mas elas sabem nadar * o bar é o templo da cerveja um bom papo a sua oração * bebo porque vejo no fundo do copo o retrato da minha amada encho o copo de pinga pra ver se mato ela afogada * a bebida mata lentamente mas eu não tenho a menor pressa

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Índice 9  prefácio Djanira na janela (poema longo) 17  18  19  20  21  22  23  24  25  26

I II III IV V VI VII VIII IX X

Abri o meu pano na praça 29  30  31  32  33  34  35  36  37  38  39  40  41  42  44  46  47

Poética Artesanato Belo, belo Redemoinho Chuva Jabuticaba Corguinho Caminhos Pêndulo Anjo torto Poesia concreta Dentro Vocação Canção de amélias e marias Retiro Cadeia No espelho

Colar de contas 51  52  53  54

Colar de contas Enigma Noite Agosto


55  56  57  58  59  60  61  62  63  64  65  66  67  68

Naufrágio P*r*lampo Choro Amor Cotidiano Kiss me Espelho Poesia Viagem Fon (m) ética O dia que virá Versim Mordaça Novelo

Eu viajo de carona... 71  72  73  74  75  76  77  78  79  80  81

Lira de qualquer tempo Tiete Poemazinho roubado O crime do armário Maria quase-palavra Voo livre Menina Cecília Vinícius Cora Coralina

Filosofia de boteco: a arte de jogar conversa fora 85  86  87  88  89

Filosofia de boteco O bêbado convicto Asa Norte O bar Pesquisa filosófica


notas

As seções Colar de contas e Filosofia de boteco foram publicadas originalmente pela autora nos anos 90 em Ibiá-MG, como livretos artesanais inspirados na literatura marginal. Os poemas Versim e Dentro foram musicados por Ênio Bernardes (Enzo Banzo) e gravados no cd Mutirão, do grupo Emcantar (2003). Chuva e Canção de amélias e marias foram musicados por Enzo Banzo. Poética foi musicado por Daniela Borela. O poema Belo, belo foi selecionado no projeto Arte no Ônibus (2008), e utilizado no espetáculo Fantasmas e Flores, dirigido por Wagner Schwartz (1999). Alguns dos poemas deste livro foram anteriormente publicados no site Adegardente.


caiu na rede...

Criaçþes e crias de Cleusa Bernardes

www.djaniranajanela.blogspot.com www.gomamg.blogspot.com www.projetoflordechita.blogspot.com www.emcantar.org www.adegardente.blogspot.com www.porcasborboletas.com.br www.danislau.blogspot.com www.foradoeixo.org.br



Esta obra foi composta em Garamond Premier Pro 9/18 e impressa pela gr谩fica Bartira em offset sobre papel P贸len Bold 90g/m2 da Suzano Papel e Celulose em fevereiro de 2010.




Belo, belo a beleza não tem hora nem lugar veja as bolhas irisadas de pinho sol sobre a água do vaso sanitário a beleza não tem mesmo nenhum critério ISBN 978-85-910031-0-5

9 788591 003105


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