Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

Page 1

Ah, se nós pudéssemos Eliminar a corrupção, O Brasil seria mais respeitado Como uma grande nação. As crianças sorririam E os jovens iriam além, Os pobres se orgulhariam E os miseráveis diriam amém. As oportunidades seriam iguais, Dar-se-ia fim à distinção, Nem todos andariam sorrindo, Mas não haveria coação, Pois, para corruptos e corruptores, Acabaria a mordomia, E o país, feliz da vida, Extinguiria a epidemia. Viva, então, O fim da vida Da corrupção! José Daniel de Alencar

Fernando Estevez Gadelha Administrador de empresas pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro e especialista em Políticas Públicas para Micro e Pequenas Empresas pela Universidade de Campinas (Unicamp). Atua hoje como gerente da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae do Espírito Santo e foi diretor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos do Espírito Santo 1988 a 2001.

Rebuscando minhas anotações sobre a herança nefasta deixada pela corrupção, encontrei material precioso no artigo Lei e inversão de valores, de Luiz Julião Ribeiro, delegado de polícia do Distrito Federal, publicado no Jornal de Brasília, em 14 de novembro de 2005, p.6. Das lições que transmite o articulista à nossa sociedade, destacam-se os seguintes parágrafos do referido artigo: ‘A realidade é que nosso país precisa menos de leis e mais de seriedade, comprometimento com o bem comum e com a formação moral e intelectual das nossas crianças e de nossos jovens. Quanto mais educarmos o homem, menos precisaremos de leis, porquanto a lei somente se faz necessária quando os bons costumes, os princípios da civilidade e do respeito mútuo falham.’

Tais palavras levam-me a lançar um brado, que espero seja ouvido em todos os recantos do Brasil e não seja olvidado: ‘Por que fecham os olhos e esquecem os principais responsáveis por essa vergonhosa e inominável situação, não se tocando, pelo menos, de que esse grandioso país será dirigido, no futuro, nas mais variadas áreas de atividades (jurídica, legislativa, executiva, administrativa, contábil, empresarial, etc.), justamente pelas crianças e pelos jovens de hoje e de amanhã? Que exemplo estão lhes transmitindo?’

A propósito, é de se recordar as lições que sábios legaram à humanidade:

CORRUPÇÃO

CORRUPÇÃO

“Tive a oportunidade de ler previamente este livro CORRUPÇÃO Memórias de um cabra da peste. Confesso que fiquei emocionado com o que li. Se antes respeitava o Daniel, agora o admiro. É uma rica história sobre uma alma que dedicou sua vida buscando contribuir para a falência da corrupção, apesar dos percalços no caminho. Não vai ser fácil suprimi-la, pois o Brasil levou mais de 500 anos para construir essa parafernália, e não vai ser em pouco tempo que o terreno será totalmente limpo. Há de haver sempre uma grande mobilização, mesmo de poucos, para amenizar esse mal. Considero hoje o Daniel um ícone nessa luta, um homem de caráter, e por tal deve ser respeitado. O livro fala da realidade dos fatos e apresenta propostas, além de mostrar a trajetória da vida de um cidadão na luta por um ideal e como nasceram, no seu íntimo, os valores e princípios fundamentais para a gestão pública. A dobradinha Daniel X Fernando de Oliveira vai dar o que falar.”

Memórias de um cabra da peste

José Daniel de Alencar

‘Educai as crianças, e não será preciso castigar os homens.’ (Confúcio) ‘A corrupção do melhor é a pior das corrupções.’ (São Gregório, o Grande)

CORRUPÇÃO Memórias de um cabra da peste

‘O bom exemplo não é apenas um meio de influenciar as pessoas. É o único!’ (Albert Schweitzer, médico alemão)

José Daniel de Alencar


Rebuscando minhas anotações sobre a herança nefasta deixada pela corrupção, encontrei material precioso no artigo Lei e inversão de valores, de Luiz Julião Ribeiro, delegado de polícia do Distrito Federal, publicado no Jornal de Brasília, em 14 de novembro de 2005, p. 6. Das lições que transmite o articulista à nossa sociedade, destacam-se os seguintes parágrafos do referido artigo: ‘A realidade é que nosso país precisa menos de leis e mais de seriedade, comprometimento com o bem comum e com a formação moral e intelectual das nossas crianças e de nossos jovens. Quanto mais educarmos o homem, menos precisaremos de leis, porquanto a lei somente se faz necessária quando os bons costumes, os princípios da civilidade e do respeito mútuo falham.’

Tais palavras levam-me a lançar um brado, que espero seja ouvido em todos os recantos do Brasil e não seja olvidado: ‘Por que fecham os olhos e esquecem os principais responsáveis por essa vergonhosa e inominável situação, não se tocando, pelo menos, de que este grandioso país será dirigido, no futuro, nas mais variadas áreas de atividades (jurídica, legislativa, executiva, administrativa, contábil, empresarial, etc.), justamente pelas crianças e pelos jovens de hoje e de amanhã? Que exemplo estão lhes transmitindo?’

A propósito, é de se recordar as lições que sábios legaram à humanidade: ‘Educai as crianças, e não será preciso castigar os homens.’ (Confúcio) ‘A corrupção do melhor é a pior das corrupções.’ (São Gregório, o Grande) ‘O bom exemplo não é apenas um meio de influenciar as pessoas. É o único!’ (Albert Schweitzer, médico alemão)

José Daniel de Alencar


José Daniel de Alencar

CORRUPÇÃO ― Memórias de um cabra da peste


CRÉDITOS

Autor: José Daniel de Alencar Colaboração: Carlos Marcelo Estevez de Alencar Digitação e revisão: Sandra Regina de Oliveira Supervisão: Maria Inez Dorça da Silva Capa: Jonas Gadelha de Andrade Bento


III SUMÁRIO Apresentação, VI Prefácio, VII PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO I 1. ANDANÇAS INICIAIS, p. 1 1.1

Em Parnaíba – Piauí, p. 1

1.2

No Rio de Janeiro – Guanabara, p. 8

1.3

Em Montes Claros – Minas Gerais, p. 21

1.4

Em Brasília – Distrito Federal, p. 29

1.5

Em Boa Vista – Território Federal de Roraima, p. 34

1.6

Em Macapá – Território Federal do Amapá, p. 38

1.7

De volta a Brasília – Distrito Federal, p. 60 CAPÍTULO II

2. CONTINUAÇÃO DAS BATALHAS, p. 61 2.1

O Projeto Verama, p. 62

2.2

As Secretarias de Controle Interno, p. 64

2.3

Mudança funesta, p. 68

2.4

Reinício da luta, p. 69

2.5

No Ministério da Agricultura, p. 74

2.5.1 Cargos exercidos, p. 75 2.6

Na Secretaria de Planejamento da Presidência da República, p. 75

2.6.1 Cargos exercidos, p. 76 2.7

Novamente no Ministério da Agricultura, p. 76

2.7.1 Cargo exercido, p. 77 2.8

No Serviço Nacional de Informações, p. 79

2.8.1 Cargos exercidos, p. 80


IV 2.9

Na Fundação Visconde de Cabo Frio, p. 80

2.9.1 Cargo exercido, p. 80 SEGUNDA PARTE CAPÍTULO I 1. O SISTEMA DE CONTROLE INTERNO NO PODER EXECUTIVO FEDERAL PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988, p. 83 CAPÍTULO II 2. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO, p. 86 CAPÍTULO III 3. O CUSTO DA CORRUPÇÃO, p. 87 3.1

O prejuízo anual da corrupção no Brasil, p. 88 CAPÍTULO IV

4. O MENSALÃO NO DISTRITO FEDERAL, p. 89 4.1

A estatística da corrupção, p. 95

4.2

Não à intervenção federal, p. 96 CAPÍTULO V

5. A LEI DA FICHA LIMPA, p. 97 5.1

Repercussão mundial, p. 107

5.2

Agora, é o voto, p. 109


V CAPÍTULO VI 6. AINDA A PROPÓSITO DA CORRUPÇÃO, p. 110 6.1

O Congresso Nacional e a corrupção, p. 111

6.2

Caracterizando e batizando os corruptos, p. 112

6.3

Nós e você, já são dois gritando, p. 114

6.4

Dia Internacional contra a Corrupção, p. 121

6.5

Resposta à corrupção em várias partes do mundo, p. 124

6.6

Prisão de políticos corruptos em Curitiba, p. 124 CAPÍTULO VII

7. BASTA DE CORRUPÇÃO! , p. 125 7.1

Os Tribunais de Contas , p. 161

7.2

Fiscalização para fiscal, p. 163

7.3

Propostas do autor, p. 166 TERCEIRA PARTE CAPÍTULO I

1. CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 168 ANEXO 1. TRABALHOS PARALELOS, p. 169 1.1

Cursos ministrados, p. 170

1.2

Livros publicados, p. 170

2. ELOGIOS RECEBIDOS, p. 171


VI

Apresentação

Há cerca de quarenta anos, venho lutando contra a corrupção. E não têm sido fáceis as batalhas travadas. Agindo sorrateiramente, a corrupção prejudica o desenvolvimento de qualquer nação, deixando um rastro inconfundível de sua nocividade. As crianças, os adolescentes, os pobres e os miseráveis são suas vítimas em potencial. Que pátria vamos entregar-lhes? Graças à ajuda de meu filho, Carlos Marcelo Estevez de Alencar, jornalista, e de minha sobrinha, Sandra Regina de Oliveira, pude concluir este livro. Desta, que desconhecia o meu combate à perniciosa corrupção, recebi o bilhete abaixo transcrito, com referência à minha luta e à esperança, que não deve ser olvidada: “Tio Pan, Parabéns pela sua digna luta! Comparo-o a um mártir, em constante batalha, mesmo com os perigos que possam advir desse grito abafado em prol da decência, da honra e da respeitabilidade. Admiro-o pela coragem e perseverança. Oxalá esse clamor de justiça que intenta eclodir do seu interior possa, um dia, ser entendido pelos que somente visam à ganância, ao vilipêndio e ao poder como o caminho da prosperidade e da realização do indivíduo em sua essência. Um grande abraço, Sandra Regina 1º/8/2010” Peço desculpas pelas palavras usadas no livro, em diversos casos citados, referentes aos elogios sobre a minha atuação. No entanto, trata-se de relato dos fatos por mim vivenciados.

Brasília, 15 de agosto de 2010 José Daniel de Alencar



CORRUPÇÃO ― Memórias de um cabra da peste PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO I

1. ANDANÇAS INICIAIS ‘No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.’ (Carlos Drummond de Andrade)

1.1 Em Parnaíba – Piauí Daniel, o cabra da peste, nasceu no dia 15 de janeiro de 1934, numa casa coberta com palha de coqueiro, piso de areia, paredes de taipa, próxima aos barrancos do rio Parnaíba, na cidade do mesmo nome, no Estado do Piauí. Filho de João Alencar dos Santos, mais conhecido como seu Janoco, e de Bernarda Costa dos Santos, a dona Nadina, foi o terceiro de uma


2

prole de dezoito, segundo do sexo masculino. Após seu nascimento, seguidamente, vieram mais dois daquele mesmo sexo. Depois, ano a ano, nasceram, alternadamente, uma mulher e um homem. Somente onze sobreviveram: seis homens e cinco mulheres. Daniel que tinha feições japonesas ― e seu irmão Jonas eram morenos. Os outros eram brancos, alguns de olhos verdes. Os quatro primeiros meninos ― João, José (Daniel), Jaime e Jonas ― eram quase do mesmo tamanho e pareciam, quando lado a lado, uma escadinha. Muito unidos, viviam aprontando. Só sossegavam na hora de dormir. Àquela época ― 1934, e por seguidas décadas ―, doenças desconhecidas mutilavam as crianças da cidade. Diariamente, passavam nas ruas vários caixões com criancinhas mortas. Quando ainda dava os primeiros passos, Daniel foi acometido de pneumonia e permaneceu doente por seis meses. Definhava a cada dia e já não tinha mais carne, somente os ossos. Parecia um esqueleto. Um dia, começou a balbuciar; de sua boca, a saliva escorria. Nadina apelou para a empregada que fosse correndo chamar o médico, pois Janoco, também doente, se retorcia na rede com uma congestão. O médico chegou, examinou Daniel e balançou a cabeça negativamente: ― Este menino não viverá até o amanhecer. Amanhã passarei aqui para entregar-lhe o atestado de óbito, informou tristonho. “Meu Deus, o que faço?”, pensou Nadina, atordoada, pois, ao mesmo tempo, o marido gritava seu nome desesperadamente. Católica fervorosa, pegou Daniel, acolheu-o nos braços e foi até a sala onde estava, em bonitos quadros de vidro, a Família Sagrada, na seguinte ordem: São José, Jesus e Nossa Senhora. Ela olhou fixamente São José e, ajoelhando-se com o menino nos braços, pediu-lhe: ― Se meu marido tiver que morrer, entrego-lhe meu filho. Leve-o no lugar dele, pois sem o Janoco não teremos como viver. Seja o padrinho do meu filho. Retornou rapidamente, colocou Daniel na rede e foi atender o marido, que se queixava de não mais sentir a perna esquerda. Aplicou


3

massagens na perna dele e, exausta pelas noites indormidas, recolheu-se à sua rede. Acordou com os primeiros raios de sol e lembrou-se do aviso do médico de que Daniel não atravessaria a noite. Ao chegar à rede, olhou para a criança e quase desmaiou de tanta emoção. O menino fitava Nadina e sorria. O médico vinha chegando e assustou-se. ― Isso é inacreditável. Nunca me enganei nos meus diagnósticos. Reexaminou Daniel e, estupefato, acrescentou: ― Se me contassem, eu não acreditaria. A pneumonia sumiu. Nunca vi caso igual. Se existe milagre, aqui houve um. Em seguida, examinou Janoco e também se espantou com a sua melhora. Notou, porém, que a perna esquerda definhara, em comparação com a outra. Em poucos dias, o esposo de Nadina começou a andar, embora tivesse que jogar a perna esquerda de lado. Tal defeito, carregou-o pelo resto da vida. Um dia, Nadina estava trabalhando na máquina de costura e pediu a Daniel, que brincava ao lado, que fosse pegar a tesoura em cima da cama. O menino, já com quase dois anos de idade, assim o fez, mas escorregou, e parte da lâmina entrou na coxa de sua perna direita. O sangue começou a jorrar. Sua mãe, desesperada, gritava por socorro. Como ninguém apareceu, fechou os olhos, rogou a Deus por Sua ajuda e puxou com firmeza a tesoura. O sangue ainda correu por poucos minutos e estancou. Daniel foi levado para a cama. O médico chegou logo depois e recomendou repouso absoluto por aproximadamente um mês. Somente com cerca de três anos é que o menino pôde caminhar com firmeza. Sempre andando junto com João, Jaime e Jonas, Daniel era o mais terrível dos irmãos: subia em árvores e corria o dia inteiro. Os quatro, de tantas estripulias, levavam várias surras por dia, ora de palmatória, ora de chiqueirador. Nadina não sabia o que fazer. Católica fervorosa, decidiu ir à igreja revelar suas preocupações ao Monsenhor Roberto. Ele, então, deu-lhe o seguinte conselho:


4

― Levante as mãos ao céu, minha filha. Dê graças a Deus. Grave é quando um adoece e você fica acordada por diversas noites cuidando da criança. Janoco, natural do Crato, no Ceará, era descendente de índio casado com portuguesa. Nascera pobre, mas herdara uma fortuna de um senhor chamado Zacarias, a quem servira em sua farmácia, por muitos anos. Em face dessa herança, a situação financeira da família era boa. Infelizmente, Janoco foi vítima de tifo e, entre o início da moléstia e a convalescença, ficou cerca de seis meses ausente de seus negócios. Nessa ocasião, possuía um rico armazém de comidas e bebidas, tendo, em confiança, deixado os afazeres por conta de seus empregados. Quando retornou ao trabalho, já não havia mais quase nada. Os empregados o roubaram e fugiram sem deixar rastro. Começou, então, a via-crúcis. Para honrar os compromissos, Janoco vendeu todos os bens e passou a sustentar a família com os parcos recursos que recebia de sua aposentadoria. Ficaram numa pobreza de dar dó. A comida, que antes era farta, foi reduzida drasticamente. Os filhos, mesmo na tenra idade, esforçavam-se como podiam para ajudar: uns iam colher frutas nas árvores, outros iam pescar e lavar jegues no rio Parnaíba. Daniel, com apenas oito anos, ia trabalhar no campo, nos arredores da cidade. Capinava o dia inteiro. Ao fim dos primeiros dias, suas mãos estavam cheias de bolhas, que furava com espinhos, todas as noites, até que se formassem calos. Assim, podia suportar, com menos dores, o cabo da enxada. As pescarias eram realizadas às noites de lua cheia. Ficavam, Daniel e os irmãos, com lama até os joelhos, sempre preocupados com o movimento dos jacarés, cujos olhos pareciam bolinhas de fogo. A impressão era a de serem observados por eles durante todo o tempo. Apesar da penúria que atravessavam, Janoco, ao contrário de Nadina, não surrava os filhos. Ainda hoje, Daniel guarda na memória os conselhos que dele recebia. O pai chamava os quatro meninos ― João, José (Daniel), Jaime e Jonas ― e, rodeando-os, dava início às recomendações. Dizia ele, começando sempre com meus fios:


5

― Junta-te aos bons e serás um deles. Junta-te aos maus e serás pior do que eles. ― A vingança que se tem contra o mentiroso é que, mesmo que ele fale a verdade, não se acredita nele. Por isso, nunca mintam. E completava: ― A verdade nasceu de manhã, A mentira nasceu ao meio-dia, Quando a verdade engatinhava, A mentira já corria. E continuava Janoco, depois de falar sobre o tempo e a pressa em se resolver assuntos: ― O tempo perguntou ao tempo: ― Quanto tempo tem o tempo? E o tempo respondeu ao tempo: ― Tudo com o tempo tem tempo. E vinham mais conselhos: ― Dinheiro não se empresta porque, quando não se perde o dinheiro, perde-se o amigo ou os dois. Recomendava aos quatro filhos que andassem sempre direito e cumprissem seus deveres. E finalizava: ― Só assim, quando uma pessoa der um grito em um de vocês, vocês dão dois nela. Certa vez, Janoco afirmou aos filhos que havia uma medida que nunca enchia. Os meninos se entreolharam e perguntaram: ― Como assim, papai? ― Por exemplo, respondeu Janoco, um copo, você enche de água. Se você coloca mais água, transborda. A mesma coisa acontece com uma garrafa. Como nenhum deles entendeu o enigma, Janoco encostou o dedo polegar no dedo indicador da mão direita e, em círculo, esfregando um no outro, disse:


6

― Meus fios, a medida que nunca enche é a medida do ter: quanto mais a pessoa tem, mais ela quer ter. E vinha mais outro conselho do pai: ― Quem quiser viver neste mundo, E para dele gostar, É tomar por capricho Ver, ouvir e calar. Hoje, Daniel fica admirado ao relembrar o pai, que, mal sabendo fazer um o com o auxílio de uma moeda, tinha tanta sabedoria. Era um verdadeiro filósofo matuto. E a sofrida infância foi passando... Após completar quatorze anos (15/1/1948), Daniel começou a procurar emprego. Em 2 de fevereiro de 1948, foi admitido na firma Moraes S.A. Indústria e Comércio, tendo ali permanecido até 25 de março de 1950. Nessa época, fazia o curso ginasial pelas manhãs, no Ginásio Parnaibano. Entretanto, com o intuito de trabalhar na empresa e continuar os estudos, pediu transferência para o Ginásio Nossa Senhora de Lourdes, no período noturno. Nos meses de junho, eram realizadas as primeiras provas do ano; em dezembro, as últimas. Os professores de Ciências, Geografia e História selecionavam os temas das dissertações e, no dia da aplicação das provas, colocavam em um saquinho os números correspondentes a cada um deles. Em junho, sorteavam dez temas; em dezembro, repetiam os dez de junho e acrescentavam mais outros dez. Um dos alunos era escolhido para o sorteio. Ao desdobrar o papel, o professor dizia o número sorteado e a que dissertação correspondia. Então, começava a prova. A dissertação valia cinco pontos e era acompanhada de cinco perguntas sobre assunto dado em cada semestre. Quem tirasse menos de cinco no teste era reprovado na matéria. Ao final do ano, se o aluno fosse reprovado em, no máximo, duas das sete ou oito matérias estudadas, iria fazer prova um mês depois. Se a reprovação passasse de duas matérias, repetia o mesmo ano. Isso no ginasial.


7

Durante quinze dias antes das provas, Daniel levantava-se às 4 horas da manhã. Enchia uma bacia com água fria, trancava-se na despensa de casa, acendia uma lamparina e colocava os pés na bacia para não dormir. Lia, atentamente, as matérias de cada dissertação e, sintetizando-as, transcrevia o que entendia ser importante. Às 7 horas parava, tomava banho, vestia-se e ia trabalhar. Nunca fora reprovado e era tido como um dos melhores alunos. Gostava tanto de estudar que uma de suas professoras, Maria da Penha, o escalava, vez por outra, para que repetisse aos alunos o que ela ensinara na aula anterior. Daniel, ainda hoje, traz boas lembranças de sua mestra. Jaime, irmão mais novo de Daniel, já estava trabalhando no Rio de Janeiro. Janoco e Nadina haviam aceitado de um comandante da empresa de aviação Cruzeiro do Sul a oferta de emprego para o filho naquela cidade. Todos os meses, Jaime mandava aos pais, pelos Correios ― por vale-postal ―, certa quantia para ajudar nas despesas. Daniel, diversas vezes, pediu aos pais para também ir morar no Rio de Janeiro, onde poderia trabalhar e contribuir com as despesas. Eles não concordavam, a não ser que Jaime garantisse, por escrito, que já conseguira emprego para o irmão. Daniel, então, pensou, pensou... e, às escondidas, enviou carta a Jaime, apelando para que ele escrevesse a Janoco e Nadina. E assim aconteceu. O prazo para se apresentar era curto. Mas, qual emprego, que nada... Tudo era fruto da combinação entre os irmãos a fim de que os pais concordassem com a viagem. Daniel pediu dispensa da firma em que trabalhava e partiu para o Rio de Janeiro nos últimos dias de março de 1950. Na véspera, Janoco chamou o filho e deu-lhe dois conselhos, dizendo-lhe que não os esquecesse: ― O cabra em terra estranha é o último que fala e o primeiro que apanha. ― Diz-me com quem andas e eu te direi quem és.


8

1.2 No Rio de Janeiro – Guanabara Chegando ao Rio de Janeiro, o irmão estava à sua espera. Daniel ficou espantado ao ver tantas luzes. Tomaram um táxi em direção à pensão em que ele se acomodaria. No caminho, pela janela traseira do carro, Daniel olhava fixamente para as casinhas, umas em cima das outras, indo perto do céu ― calculava erradamente. O irmão, após vários minutos, puxou-o pelo braço e segredou-lhe: ― Aqui, os nordestinos são identificados, pois falam muito alto. Somos xingados de pau de arara e cabeça-chata. Quando os cariocas estão em grupo e passa um nordestino, eles o chamam e perguntam: ― Sabe por que tu tem a cabeça chata, seu pau de arara? E eles, batendo com a mão na cabeça do nordestino, dizem: ― Porque, quando tu nasceu, teu pai bateu na tua cabeça, dizendo: cresce, meu filho, para ir ganhar dinheiro no Rio de Janeiro ou em São Paulo e mandar para teus pais criarem o resto dos filhos. Se o nordestino não sair correndo, apanha. Daniel arregalou os olhos, e Jaime completou: ― Tem mais: não fica feito besta, parado, olhando a altura dos prédios, que eles passam de carro e gritam: ‘Pau de arara!’, ‘Cabeça-chata!’... e dão risadas. O táxi já estava chegando à porta da pensão, na Rua Corrêa Dutra, onde Jaime alugara uma das vagas, em um quarto com três lugares. Desceram do carro, pagaram a corrida ao motorista e retiraram as malas. Daniel conheceu a dona da pensão e a sua vaga. Jaime despediu-se do irmão, pois morava em outra rua, deixando seu endereço e telefone. Antes, porém, aconselhou-o a comprar, na manhã seguinte, o Correio da Manhã e o Jornal do

Brasil e ir à luta, à procura de emprego. Mesmo com seus quinze anos, Jaime trabalhava numa empresa ferroviária do governo federal e era remunerado pela chamada Verba-3. E Daniel seguiu o conselho do irmão. Cerca de um mês andara, perguntando daqui, perguntando dali, em considerável parte do centro do Rio


9

de Janeiro. Com o dinheiro quase acabando, às tardes, sentava-se no meio-fio da calçada em frente à pensão e chorava. Não tinha recursos financeiros para retornar ao seu Piauí. Quanta saudade! Naquele tempo, as empresas podiam contratar pessoas a partir dos quatorze anos, mas eram obrigadas a não despedir o empregado quando este era convocado para servir, aos dezoito anos, às Forças Armadas. Depois de servir, o emprego estava garantido, daí a dificuldade de Daniel, já com dezesseis anos, conseguir trabalho com carteira profissional assinada. E tome choro e lamentações: “Ah, meu Piauí, você lá, e eu chorando aqui!”... Uma noite, no final do mês de abril, desiludido por não conseguir emprego, Daniel ajoelhou-se aos pés da cama e rezou, pedindo a São José, a quem considerava e ainda considera seu padrinho, que amenizasse seu sofrimento e o ajudasse a arranjar um trabalho com a carteira profissional assinada. Precisava mandar dinheiro aos pais e irmãos para que não passassem fome. No dia seguinte, levantou-se às 6 horas da manhã. Foi até a primeira banca de jornais e revistas e comprou um exemplar do Jornal do

Brasil. Leu algumas páginas na Seção de Empregos e localizou um que lhe agradou. Só ainda não entendia o significado de office boy. Como precisavam de rapaz de dezesseis anos, resolveu arriscar. Partiu da Rua Corrêa Dutra, transversal à do Catete, atravessou a Praça Paris e chegou à Avenida Presidente Wilson. E o office boy não lhe saía da cabeça. E pensava: “Que diacho é isso?” Identificou o prédio e, sempre com o periódico na mão, entrou no elevador. Ao dele sair, dirigiu-se à sala indicada no jornal, onde leu na porta: Escritório Brasileiro de Imprensa NEWS PRESS Ltda. Viu um jovem de cor negra, em pé, no corredor do escritório. Foi até uma mesa e perguntou ao senhor sentado atrás dela: ― É aqui que estão precisando de um office boy? ― Sim, respondeu. E Daniel, envergonhado, de cabeça baixa, voltou a perguntar: ― E o que é office boy?


10

O senhor deu um pequeno sorriso e respondeu que office boy era o mesmo que contínuo. Em seguida, levantou-se, estendeu a mão e apresentou-se: ― Meu nome é Ari Cunha, e o seu? Daniel disse-lhe, então, o seu nome completo. Ari Cunha pediu que Daniel ficasse na fila, atrás do jovem que chegara antes, e aguardasse a entrada do chefe, Amaury Cunha, paulista, que vinha para o Rio de Janeiro na ponte-aérea. Poucos minutos depois, um senhor entrou no escritório, olhou de soslaio os dois candidatos e trancou-se em uma sala, separada por divisórias. Ari Cunha foi chamado e, após certo tempo, foi até os candidatos, perguntando-lhes se sabiam datilografia. O jovem que chegara primeiro, balançando a cabeça, disse que não. De Daniel, recebeu resposta afirmativa. Então, o candidato que antecedera Daniel foi dispensado. Ari Cunha dirigiu-se à secretária, uma alemã, e pediu-lhe que colocasse um exemplar do Correio da Manhã ao lado da máquina de datilografia. Mandou que Daniel se sentasse na cadeira à frente da máquina. Assim ele o fez, mas, antes que começasse a datilografar, a alemã, com um sotaque carregado, disse, já parecendo irritada: ― Esse menino é como os outros. É um cata-milhos. Vai ser perda de tempo. Daniel, intimamente, ficou nervoso. Mas a necessidade falava mais alto. A secretária deu-lhe as costas e foi mexer em um arquivo de metal. Ari sentou-se à sua mesa de trabalho. O senhor Amaury estava enclausurado na sala com divisórias. A máquina de datilografia era da marca Remington, muito usada naquela época. O seu barulho lembrava o de uma metralhadora, quando o datilógrafo era exímio. Daniel começou a datilografar a reportagem que lhe fora indicada. O tempo era de 10 minutos. Olhou para o relógio, e ainda não havia decorrido o tempo estabelecido quando o senhor Amaury, que saíra de sua sala, chegou, observou o trabalho durante alguns segundos e tirou o papel da máquina. Antes que dissesse alguma coisa, a secretária, espantada, adiantou:


11

― Esse menino estar brincando com coisa séria. O senhor Amaury leu o que fora datilografado, pegou o jornal e conferiu. Abriu um largo sorriso e disse: ― O emprego é seu. Me diga: onde e como você aprendeu a datilografar tão rápido? Daniel respondeu-lhe que tinha sido lá na Parnaíba, no Piauí, quando tinha onze anos de idade. Em seguida, entregou-lhe sua carteira profissional para o devido registro. O senhor Amaury dirigiu-se a Ari e pediu-lhe que transmitisse a Daniel os seus afazeres. Ari, então, começou a enumerá-los: chegar às 7 horas, apanhar na banca de jornais, em frente ao prédio, os principais periódicos do Rio de Janeiro, varrer o escritório, espanar as mesas e passar nelas óleo de peroba, servir o café quando solicitado, entregar correspondência, etc. Daniel estava espantado com tantas obrigações. Ari entregou-lhe um envelope. Chamou-o ao fundo da sala e, da janela, apontou para o Aeroporto Santos Dumont. Ordenou-lhe que fosse até lá e despachasse, por uma empresa aérea, para um jornal de São Paulo, dito envelope. Daniel cumpriu, rigorosamente, a missão, mas confundiu-se no momento de retornar à NEWS PRESS. Andou por várias ruas, mas não conseguia reconhecer o prédio, que ficava bem perto do aeroporto. Parou diversas vezes. Perguntava aos passantes: ― Moço, o senhor sabe onde fica o prédio da NEWS PRESS? As pessoas riam quando Daniel, com seu sotaque nordestino, começava a dar as características do edifício. Ele pensou e lembrou-se do jornal que havia comprado pela manhã. Chegando à primeira banca, pediu o exemplar e pagou. Foi direto à página do anúncio do emprego e perguntou ao jornaleiro onde ficava a Avenida Presidente Wilson. O vendedor esticou a mão e disse-lhe que bastava continuar andando em frente, que a avenida começava logo após o término da rua em que estava. Assim que Daniel chegou, Ari perguntou-lhe por que demorara tanto. Desculpando-se, respondeu que ficara admirando a beleza da decolagem e da aterrissagem dos aviões.


12

Após vários meses de trabalho, atribuíram a Daniel mais uma missão: passaria, todas as manhãs, a ler os jornais e a eleger as notícias mais importantes. Então, iria resumi-las, datilografá-las, colocá-las em envelopes endereçados a jornais de São Paulo com os quais a NEWS PRESS tinha contrato e despachá-las no Aeroporto Santos Dumont. Para isso, acordava todos os dias às 6 horas da manhã, inclusive aos sábados. Andava da Rua Corrêa Dutra à Avenida Presidente Wilson, por quase uma hora, até chegar ao local de trabalho. No final de cada mês, durante quase dez anos seguidos ― de 1950 a 1960 ― Daniel enviava dinheiro aos pais pelos Correios ― por valepostal ―, como prometera. Ficava com poucos recursos no bolso para pagar a vaga na pensão e fazer as refeições. Havia meses em que recebia cartas de Janoco, pedindo-lhe que aumentasse o valor remetido, pois precisava comprar remédios para os filhos. Para atender os pedidos, por várias vezes, teve de mudar de pensão. Além de morar na Rua Corrêa Dutra, morou também nas ruas Dois de Dezembro, Buarque de Macedo e do Catete, todas no bairro do Flamengo. E em outras em Botafogo. Em algumas ocasiões, entre uma mudança e outra, faltava dinheiro para a despesa com o aluguel da vaga, mesmo trabalhando na NEWS PRESS. Então, ia dormir nos bancos das praças públicas, de preferência nos do

Tabuleiro da Baiana. Cobria-se com pedaços de jornais que levava da firma, debaixo do braço. E não foram poucas as vezes que isso ocorreu. Acordava cedo para, antes dos colegas, chegar ao escritório. Lavava rapidamente o rosto, escovava os dentes e começava a trabalhar. Café da manhã? O jejum era seu companheiro... Pensando em driblar a fome, Daniel almoçava em pensões. A comida era farta. Ele comia sete bifes no almoço, pois, erradamente, julgava que, com isso, não precisasse jantar. “Não é assim com os camelos?”, raciocinava. Em menos de um mês, começou a sentir dores insuportáveis no estômago. Foi parar no pronto-socorro conhecido, no Rio de Janeiro, como Sandu. O médico, conversando com ele, tomou conhecimento da besteira que


13

fazia. Deu-lhe conselhos, advertindo que não comesse mais de um bife por dia. A história de Daniel espalhou-se entre os colegas, que o apelidaram de Sete

bifes. Não sobrava dinheiro para os jantares. Foram anos de fome, de sofrimento e de muitas lágrimas. Com o pouco que restava, passava em um bar na Rua Dois de Dezembro, antes de ir deitar-se. Sentava-se à mesa, e o garçom, português, dizia, ao atendê-lo: ― Que vais jantar, ô gajo? ― Um copo de leite com café e pão, respondia Daniel. ― Com manteiga no pão?, perguntava o portuga. ― Não. A manteiga me faz mal, dizia Daniel. O português olhava Daniel com ares de gozador e, antes que ele falasse, Daniel lhe dizia: ― É que no Piauí tive malária várias vezes, e manteiga faz mal ao meu fígado. E o português saía resmungando. ― Raios, estoupore! Que mal, que nada! Daniel dava graças a Deus porque podia comer um pouco, pois houve dias ― e foram muitos ― em que, a conselho de colegas, tomava dois copos d’água e dormia de bruços. Gozação ou não, foi a saída que encontrou para tapear a fome. Sua irmã, Lourdinha, penalizada, levou-o para morar com ela no quarto, na Rua da Lapa. Daniel aceitou, feliz. Ficava mais perto da Avenida Presidente Wilson e, assim, não precisava acordar tão cedo. Viu ali situações que antes não vira: mulheres, praticamente nuas, só usando calcinha, malandros com seus ternos brancos, camisas da cor creme, gravatas coloridas e sapatos de camurça branca com bico marrom e salto carrapeta. Naquele tempo, a malandragem era romântica, diferente da de hoje, em que só vigora a violência. Daniel, embora menor de idade, conheceu gafieiras e muitas mulheres, mas não tinha coragem de manter relações sexuais com nenhuma delas. Na primeira vez em que se aproximou para conversar com uma, veio ao


14

seu encontro o chamado cafetão da mina e, dirigindo-se a ele, com aquela voz de malandro, disse: ― Vem cá, meu irmão. Toma cuidado! Tu anda cercando minha nega. Cavalo morre é pastando. Tirou a navalha do bolso e, com ela, fez malabarismos. Daniel, como se dizia em Parnaíba, ficou todo arrupiado, e nunca mais olhou para qualquer uma daquelas mulheres. Ao delas se aproximar, baixava a cabeça e seguia em frente. Na Rua Pedro Américo, transversal à do Catete, havia uma delegacia de polícia. Um dos delegados, conhecido como Padilha, era o terror das redondezas. De surpresa, em um camburão seguido de carros da polícia, fazia rondas em dias alternados das semanas. Quando apareciam na Rua da Lapa, era um corre-corre e uma gritaria de endoidecer. Triste de quem ele pegasse e não justificasse o que estava fazendo ali. Os malandros (cafetões), tão ágeis com a navalha, se borravam de medo. Se o delegado Padilha pegasse um deles, colocava uma maçã na cintura de uma das pernas da calça do indivíduo para testar a largura da boca da vestimenta ― à época, acreditava-se que só os malandros usavam calças com a boca da perna justa. Se a fruta descesse e nela não passasse, Padilha cortava as pernas das calças do malandro em várias partes. Começou a circular o boato, na jurisdição da delegacia do famoso Padilha, que um tarado tinha feito mal a várias crianças. Investiga daqui, investiga dali, e prenderam o dito cujo. Os policiais o entregaram ao delegado para lavrar a ocorrência. Contavam que Padilha olhou o preso de cima abaixo e perguntou-lhe, gritando: ― É você o tarado? ― Sim, senhor, respondeu o preso, baixando a cabeça. O delegado pegou-o pelo braço, chamou os policiais e levou-o, à força, aos fundos da delegacia. Puxou um tamborete, mandou os policiais tirarem a roupa dele e ordenou: ― Bota esse troço aí em cima do tamborete. ― Policiais, segurem firme esse desgraçado!


15

Em seguida, com um cassetete desferiu violento golpe no pênis do infeliz. O sangue espirrou longe e continuou a jorrar. O homem deitou-se no chão, uivando de dor e rolando de um lado para o outro. E nunca mais as crianças do Catete foram molestadas. À época, Daniel conheceu, de longe, o famoso Madame Satã. Ai do macho de que Satã gostasse e não mantivesse relações sexuais com ele. Contava-se que, certa vez, ao atravessar a Avenida Rio Branco, ele não usara a área de segurança demarcada pela Delegacia de Trânsito. O guarda, irritado, apitou várias vezes, e Madame Satã não parou. O guarda correu e, chegando perto dele, esbravejou: ― O senhor está multado! ― Anota, então, o número da minha placa, respondeu Satã, rebolando por entre os carros. No início do ano 1953, Daniel foi convocado para servir o Exército. Apresentou-se ao Batalhão de Cavalaria em São Cristóvão. Ali permaneceu por três meses, recebendo instruções sobre como se comportar ao se apresentar a um superior ou quando passasse por um deles, sobre como armar e desarmar um fuzil, marchar, prestar continência, conhecer a direita (volver!), a esquerda (volver!) e a meia-volta (volver!). O soldo de reco era pequeno. Como mandar dinheiro aos pais? Daniel foi até a NEWS PRESS. O senhor Amaury concordou que ele trabalhasse às noites, desde que assumisse o compromisso de não comentar a respeito. Mesmo assim, era preciso fazer economia. Às 5 horas da manhã, ele tomava o bonde nº 24 no Largo do Machado. Ficava em pé no balaústre. Como militar, não pagava passagem. O 24 ia do Largo do Machado à proximidade da Central do Brasil. Ali, saltava e tomava outro bonde até o Batalhão de Cavalaria, em São Cristóvão. Chegando ao Batalhão, sempre na hora do café, com o estômago já pregando às costas, saciava sua fome. Depois trocava de farda, às pressas, para começar a marchar ou a lavar cavalos. Daniel fora escolhido, dentre os vinte e cinco de muitos outros convocados, para, após devidamente instruído no Batalhão, completar seus


16

nove meses de serviços à pátria no quartel do Ministério da Guerra. A escolha era considerada uma distinção. Ele havia se destacado numa prova de datilografia. Daniel tinha o péssimo hábito de jogar sinuca nas noites de sábado e domingo, indo, às vezes, até o raiar do dia. Pensava em engordar seus parcos recursos, mas estava prejudicando a saúde. Um colega de infância, piauiense, o inesquecível Manoel Cunha, também reco, um dia, pegou-o pelo braço e aconselhou-o a parar, porque seu fim poderia ser triste. Convidou-o, ainda, para visitar parentes seus, que moravam no bairro de Santa Teresa. Daniel aceitou o convite, e combinaram o dia e a hora do encontro na estação dos bondes. Era um dia de sábado. Daniel nunca havia ido a Santa Teresa. Geograficamente, a casa estava situada abaixo do nível da rua e fora construída em dois planos, em um terreno inclinado. Ao chegarem, Manoel abriu um portão pequeno, de ferro. Começaram a descer as escadas quando Daniel avistou, em frente à porta principal da casa, no primeiro nível, duas moças, várias meninas brincando de queimada e mais dois garotos. Todos pararam e ficaram olhando Daniel e Manoel descerem. Daniel fixou os olhos em uma das meninas. Seu coração disparou, deixando-o trêmulo. “Meu Deus!”, pensou ele, duas moças ali, e seu coração batendo apressado e desenfreado por uma das crianças. “Não sou tarado.” Mas ela também não tirava os olhos dele. A menina devia ter uns nove ou dez anos. Daniel, mais tarde, voltou para a pensão, todavia a menina não lhe saía da cabeça. Ele rezou e pediu a Deus que a eliminasse de seus pensamentos. Aquele rosto, porém, logo aparecia. E o fato se repetiu quase todas as noites. A parte da casa em que os familiares de Manoel Cunha moravam, de aluguel, ficava no nível inferior. Era ali que, pelas manhãs, durante os dias úteis da semana, Daniel e o amigo iam praticar levantamento de peso, conforme haviam combinado, já que o trabalho no Ministério da Guerra tinha início às 12 horas. Um dia, Daniel estava se exercitando quando um senhor, da janela do alto, começou a olhar para ele com cara de poucos amigos. Daniel


17

despistou, fingiu que esquecera alguma coisa na casa dos parentes de Manoel Cunha e entrou. Ao sair, já estava vestido com a farda. No dia 6 de outubro de 1953, Daniel e Manoel deram baixa do Exército. Pouco tempo depois, a numerosa família da menina perdia o chefe da casa, um espanhol, o senhor que olhara Daniel do alto ― Carlos. Ficaram em extrema penúria. A viúva, dona Arminda, para sobreviver, viu-se forçada a internar duas filhas, Suely e Nancy, em um abrigo no bairro das Laranjeiras, sem que nada pagasse. Como sofria com essa decisão! Felizmente, Marly, a menina que provocara taquicardia em Daniel, não fora internada, assim como suas outras irmãs Marlene e Carmen. Só havia vaga para aquelas duas. Carlos e Fernando foram internados no Serviço de Assistência aos Menores (SAM) e, posteriormente,

transferidos

para

o

Colégio

Padre

da

Nóbrega,

em

Jacarepaguá, em regime de internato. Dona Arminda viu-se, além disso, obrigada a sublocar quartos de sua casa. Lourdinha, a irmã de Daniel, e o marido dela, Mário, alugaram um desses quartos. Daniel aproveitou a oportunidade e, junto com o namorado de Marlene, o ainda hoje adorável Raimundo, também alugou um deles. Um dia, Lourdinha chamou Daniel e, reservadamente, entregoulhe um bilhete, dizendo-lhe que era da Marly. Após ler o tal bilhete, o coração de Daniel disparou. Ela começava chamando-o de meu príncipe chinês e lembrava a primeira vez que o vira descendo as escadas de sua casa. Entrelaçava a escrita com palavras de amor. Lourdinha, fã de Marly, disse a Daniel: ― Coitada da bichinha. Tão meiga, tão doce, um amor. ― Você está maluca, minha irmã! Vão dizer que estou desmamando uma criança, respondeu Daniel. Uma menina de apenas nove anos de idade, e Daniel por ela apaixonado. Nas ruas por onde passava, as moças não tiravam os olhos dele. Com os exercícios que fizera, parecia um atleta, com músculos e pernas de chamar a atenção. A

cada

dia,

as

dificuldades

na

casa

de

dona

Arminda

aumentavam. Até o pão que ela servia aos filhos no café, conseguia na fila dos


18

pobres, no Convento de Santo Antônio. Semanalmente, uma senhora bem idosa, dona Avelina, lavadeira paupérrima, que, em suas folgas, pedia esmola na porta do Convento, levava à dona Arminda, a quem dedicava uma sincera amizade, algum produto alimentício, como um saco de farinha ou de feijão. A NEWS PRESS foi fechada, e Daniel conseguiu novo emprego na iniciativa privada, em novembro de 1953, onde permaneceu até o mês de janeiro de 1956. Daniel guarda, no seu íntimo, gratidão por Ari Cunha e considerao seu segundo pai. Este o aconselhava, dava bronca, ensinava-lhe português, corrigia seus trabalhos e o orientava como se comportar diante de várias situações. Leitor assíduo da sua coluna VISTO, LIDO E OUVIDO, publicada no Correio Braziliense de terça a domingo, Daniel lembra-se sempre da figura de Ari, que, após o fechamento do escritório, se mudou para São Paulo. Atualmente, mora em Brasília e é vice-presidente institucional do citado jornal. Ainda hoje, Daniel sente saudades dos primeiros passos que deu no Rio de Janeiro sob as ordens dele. E também se sente agradecido por ter Ari Cunha prefaciado o 19º livro de sua autoria, Bandeira Contra a Corrupção & Suas

Irmãs Siamesas, publicado em 2000. Somente em julho de 1956, após incansável procura de emprego, Daniel começou a trabalhar. Dessa vez, como auxiliar administrativo na Comissão Nacional de Alimentação (CNA), entidade do Ministério da Saúde. Um conterrâneo seu, o saudoso Alarico José da Cunha Júnior, que mais tarde foi para a Organização dos Estados Americanos (OEA), conseguira empregá-lo na citada Comissão. Nela permaneceria até 18 de novembro de 1957. Pelo exercício da chefia do Setor Contábil na CNA, Daniel recebeu elogio do presidente da entidade, mesmo depois de haver pedido dispensa do cargo. Tal elogio foi publicado em portaria, no Boletim de Serviço do Ministério da Saúde nº 37, de 31 de março de 1958. Deixou a Comissão por haver prestado concurso para datilógrafo do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), autarquia do Ministério da Agricultura, tendo sido classificado em primeiro lugar na prova


19

(92,40), conforme publicação no Diário Oficial da União, de 3 de maio de 1957. Entrou em exercício no dia 19 de novembro de 1957. Por feliz coincidência, foi trabalhar subordinado a Alarico Cunha, engenheiro agrônomo do mencionado Instituto. Ainda por ele ajudado, foi requisitado para voltar a trabalhar na Comissão Nacional de Alimentação e cedido, algumas vezes, à então Associação Brasileira de Luta Contra a Fome (Ascofam), presidida pelo notável Dr. Josué de Castro. Ali ficou subordinado ao escritor Manoel de Souza Barros, de bondade incomparável. Conheceu, ainda, Ana Maria de Castro e Josué de Castro Filho, rebentos do Dr. Josué. Desligouse do INIC em 3 de junho 1961. De meados de 1953 até 1958, alternadamente, foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga para trabalhar, às noites, como secretário do Dr. Gilson Amado. Homem inteligente, de família tradicional, Dr. Gilson, quando chegava àquela Rádio, já trazia na memória o que deveria ser ditado. Daniel, além da atividade datilográfica, comandava o programa Panorama Político, que ia ao ar a partir das 22 horas, de segunda a sexta-feira. Para chegar à Rádio Mayrink Veiga, Daniel, cansado, porque trabalhava durante oito horas por dia, ia até a Lapa. Ali, poucos minutos depois das 18 horas, tomava o bonde nº 34, que andava, parava e recomeçava, até chegar à estação próxima à Central do Brasil. Depois, alcançava a Rua Marechal Floriano e seguia reto. Ao parar na esquina da Avenida Rio Branco, próxima à Rua Mayrink Veiga, Daniel saltava e ia direto à cantina da Rádio, no primeiro andar do prédio. Jantava um copo de leite com café e, como fazia antes para economizar, pedia um pão sem manteiga. Na cantina, conheceu figuras inesquecíveis como Chico Anysio, Zé Trindade, Caçulinha, Antônio Carlos, o pai da atriz Glória Pires, etc., etc. Batia papo com todos eles e, principalmente, com Cid Moreira e Carlos Henrique, os locutores do Panorama Político. Terminados o jantar e os bate-papos, subia um lance de escadas e, ali, no segundo andar, esperava o Dr. Gilson Amado. Daniel não era tão bom em português como em datilografia. Sentado ao lado de Dr. Gilson, papel na máquina, dava início ao trabalho. Dr. Gilson ia ditando e Daniel datilografando. As palavras, formando frases de


20

impressionar, saíam com uma rapidez, que, às vezes, o atordoava e atrapalhava seu desempenho. ― Vírgula, coloca vírgula, repetia Dr. Gilson. ― Vírgula onde?, perguntava Daniel. ― Antes de gerúndio, seu burro. E dava risadas. ― Gerúndio, o que é gerúndio?, indagava Daniel encabulado... E ele: ― Palavras terminadas em ando, endo, indo, ondo, respondia, e voltava a sorrir. Por várias vezes, com outras colocações, o episódio se repetiu. Daniel trabalhava, à época, em uma empresa privada, no Edifício Odeon, na Cinelândia. Próximo ao edifício, havia sido inaugurada a Livraria Ediouro. Ele entrou e viu vários livros de formato pequeno, cujas capas chamaram a sua atenção. Tratavam de análise léxica e sintática, do uso do que, por que, porque, por quê e porquê, da conjugação de verbos, etc. Não teve dúvidas, meteu as mãos nos bolsos e, cata daqui, cata dali, comprou logo o que seus parcos recursos permitiam. E, no fim daquele mesmo mês, comprou os restantes, que, acreditava, iriam ser-lhe úteis. A partir desse dia, passou a carregar, sempre debaixo do braço, os livros que podia. Como a viagem da Lapa à Rádio Mayrink Veiga durava mais de uma hora, ia lendo até o seu destino e se esforçando para memorizar tudo o que eles ensinavam. Seu hábito tornou-se um vício, e um conterrâneo seu, José Sombra Borges, com quem morava em uma pensão, certa vez, em tom de gozação, rindo, disse-lhe: ― Chininha, se axila lesse, você era o homem mais inteligente do mundo. Por sua aparência oriental, os colegas o chamavam, às vezes, de

Chininha, Japonês ou simplesmente Ponês. A situação financeira de dona Arminda ia de mal a pior. Por isso, Daniel resolveu casar-se com Marly, mesmo estando ela com apenas dezesseis anos. Convidou Dr. Gilson Amado, sua esposa, dona Henriette, bem como o


21

senhor Manoel de Souza Barros e sua companheira para seus padrinhos. Todos aceitaram, de pronto, o convite. Então, no dia 22 de agosto de 1959, Daniel e Marly foram unidos pelos laços do matrimônio. Dessa união, vieram ao mundo três filhos: Danielle, Carlos Marcelo e Lucienne. Daniel continuou trabalhando na iniciativa privada até 3 de janeiro de 1965. Havia se desligado da Rádio Mayrink Veiga em 1958 para continuar os estudos. Em 1959, aos vinte e cinco anos de idade, concluiu o curso ginasial na escola Educandário Ruy Barbosa. De 1960 a 1962, frequentou o curso de técnico de contabilidade no Colégio da MABE. No dia 4 de janeiro de 1965, ajudado, mais uma vez, por Alarico Cunha, foi contratado como auxiliar administrativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em exercício no escritório da Sudene no Rio de Janeiro, Daniel foi nomeado, a partir daquela data, assessor do superintendente, Dr. João Gonçalves de Souza, lotado na sede da autarquia, em Recife ― Pernambuco. O fato de Daniel já ter prática em taquigrafia foi fundamental para sua designação de assessor. Dr. João Gonçalves de Souza, católico fervoroso, era uma figura de senso humanitário indescritível. De origem humilde como Daniel, trabalhara, em sua juventude, capinando nos sertões cearenses. Fora contratado pelo governo, que dava emprego aos flagelados vítimas das secas ― os cossacos. Depois, estudara com afinco. Encontrava-se nos Estados Unidos quando foi chamado por nossas autoridades para dirigir a Sudene.

1.3 Em Montes Claros – Minas Gerais Dr. João ia ao Rio de Janeiro pelo menos duas vezes em cada mês, e Daniel ficava sempre ao seu lado, assessorando-o. O assunto mais urgente era os preparativos para a inauguração do escritório da Sudene em Montes Claros. A cidade havia sido escolhida como sede da entidade em Minas Gerais, complementando a chamada Zona do Polígono das Secas, que abrangia quarenta e dois Municípios do Estado.


22

O professor Antenor Vieira de Melo, também funcionário da Sudene, que trabalhava com Daniel no Rio de Janeiro, fora designado chefe do novo escritório. Convidou Daniel para acompanhá-lo, pois precisava de uma pessoa que estivesse sempre disposta a enfrentar qualquer tipo de serviço. Os trabalhos antecedentes à inauguração iriam exigir esforço redobrado de todos os participantes, mas, infelizmente, o professor não sabia com quem poderia contar, em Montes Claros, para ajudá-lo. Daniel respondeu imediatamente que concordava, claro, se Dr. João Gonçalves também aquiescesse. “Ora”, refletiu Daniel, “um dinheirinho extra não faz mal. Serão algumas diárias de não se jogar fora.” O professor Antenor falou com Dr. João, que concordou com a ida de Daniel a terras mineiras. Iniciaram-se, então, os preparativos, pois a solenidade fora marcada para o dia 17 de julho de 1965. Uma caminhonete Rural Willys foi praticamente lotada com o material necessário para o evento e para o início dos trabalhos. Tudo pronto, o motorista Sebastião recebeu ordem de dirigir-se a Belo Horizonte e ali aguardar, em local combinado, a chegada do professor e de Daniel, porque avião de carreira para Montes Claros só ocorria uma vez por semana, e não havia tempo a perder. Os dois embarcaram no Aeroporto Santos Dumont para Belo Horizonte em um Constellation. Durante o voo, o professor Antenor queixou-se, várias vezes, de dores no peito. A cada momento, elas aumentavam. O avião aterrissou no aeroporto da Pampulha, tendo o professor se movimentado com dificuldade, amparado por alguns tripulantes da aeronave. Ao sentar-se em uma das poltronas do saguão do aeroporto, meteu a mão no bolso, em seu paletó, e tirou um papel. Pediu a Daniel que ligasse para o número do telefone ali escrito. Atenderia, informou, um primo seu, cardiologista. Daniel deveria pedir-lhe que viesse com urgência. Pouco tempo depois, o médico chegou em uma ambulância e levou-os a um hospital com o nome de Incor. Fez os devidos exames no professor e colocou-o em um quarto. A seguir, informou a Daniel que o primo iria ficar internado, em princípio, por uma semana. E, ainda, que deveria retornar ao Rio de Janeiro e permanecer em repouso absoluto, no mínimo por um mês.


23

Daniel foi às nuvens. Teve a impressão de faltar chão aos seus pés. Apelar para quem? Estava no quarto do hospital, fazendo companhia ao professor Antenor. Este lhe pediu que ligasse para o Dr. João Gonçalves, em Recife, e o colocasse a par do acontecido. E assim Daniel o fez. Era dia ainda. À noite, Daniel recebeu telefonema do Dr. João e, ao atendê-lo, suas pernas começaram a tremer. ― Meu filho, disse-lhe, tome a frente dos trabalhos para a inauguração do escritório. Várias autoridades foram convidadas e não há mais tempo de cancelá-la. E Daniel apelou para Deus. “Ora, meu Pai, um simples cabra da peste dirigindo trabalho de tamanha repercussão?” Seu passado na iniciativa privada e nos humildes cargos exercidos na administração pública federal não o credenciavam para ficar à frente da missão. “Mas por que não?”, começou a dizer com seus botões. Se aos dezesseis anos de idade redigia notícias na NEWS PRESS para serem divulgadas em jornais de São Paulo, se começara a aprofundar seus conhecimentos de português com os livros da Ediouro, se lia, diariamente, três a quatro jornais, sempre com um dicionário ao lado para tirar as dúvidas... Disse de si para si: “Agora, com trinta e um anos de idade, muitas coisas ficaram em minha cabeça. É só selecionar e me esforçar para continuar aprendendo.” Contudo, foi até o saguão do hospital, olhou as nuvens e, elevando seu pensamento, invocou: ― Ajuda-me, meu Pai, nesta tarefa. Ajoelhou-se e rezou com o pensamento voltado para o Além. Às 5 horas da manhã do dia 11 de julho de 1965, embarcou na Rural Willys para Montes Claros, em companhia do motorista Sebastião. Passaram por várias cidades e foram almoçar em Curvelo. Pediram, cada um, um bife a cavalo (carne com dois ovos fritos). Quando o garçom colocou a comida na mesa, ambos se entreolharam, espantados: o bife era do tamanho do prato e os ovos pareciam de avestruz. Ficaram entupidos de tanta comida. De Curvelo a Montes Claros, numa extensão considerável, a estrada não era asfaltada. Debaixo de sol escaldante, de ventos fortes levantando poeira, chegaram ao destino por volta de 16 horas daquele mesmo dia. O veículo


24

estava com cor diferente, de tanta poeira. Daniel e Sebastião estavam avermelhados e espirravam quase sem parar. Imediatamente, antes mesmo de retirar o material da Rural, foram tomar banho no único hotel existente na cidade, no qual se hospedaram. Depois, para que não se sujassem, conseguiram que funcionários do hotel retirassem os objetos do carro e providenciassem a lavagem dele. No dia seguinte, às primeiras horas da manhã, Daniel, como havia sido instruído pelo professor Antenor, dirigiu-se à associação comercial da cidade. Antes, porém, instruiu o motorista para levar a encomenda que haviam trazido e a acomodasse na casa que fora alugada para montar o escritório. E o jornal Diário de Montes Claros, em sua edição de 15 de julho de 1965, estampava em sua primeira página: ‘Inauguração do Escritório da SUDENE já tem programa A reunião semanal da Associação Comercial de M. Claros, realizada terça-feira última, contou com a presença, entre outras pessoas, do sr. José Daniel de Alencar, secretário do prof. Antenor Vieira de Melo, chefe do Escritório que a SUDENE instalará nesta cidade, no próximo dia 17. Durante o encontro foi aprovado o programa de inauguração do referido Escritório, que será o seguinte: – inauguração da placa comemorativa do evento; logo após, oferecimento de uma “corbeille” de flores à sra. João Gonçalves de Souza, entronização de uma imagem pelo Monsenhor Gustavo Ferreira de Souza; discurso do superintendente João Gonçalves e de um

representante

de

Montes

Claros,

que

será

escolhido,

oportunamente. As solenidades serão encerradas com um almoço no Automóvel Clube, oferecido pelas classes produtoras, comércio e indústrias locais aos representantes da SUDENE. BOA VONTADE Durante a reunião, usou da palavra o sr. José Daniel de Alencar, que discorreu sobre as vantagens que trará para Montes Claros e a região, o Escritório da SUDENE. Ressaltou ainda o representante da SUDENE a boa vontade do sr. Antenor Vieira de Melo que, mesmo acamado na Capital mineira, não esquece os


25 interesses da região, tendo, inclusive, desaprovado um possível adiamento da inauguração do Escritório, alegando que Montes Claros e o Polígono das Secas merecem qualquer sacrifício quando o propósito é o de trazer para aqui os benefícios a que têm direito. AUTORIDADES ESPERADAS Para a inauguração do Escritório, marcada para às 11 horas, são esperadas, entre outras, as seguintes autoridades, que deverão chegar ao aeroporto local às 10 horas de sábado, viajando em companhia do superintendente João Gonçalves de Souza, em avião cedido pelo governador Magalhães Pinto; sr. José Cabral, Secretário do Desenvolvimento e o ex-ocupante daquela pasta Darcy Bessone; prof Paulo Campos de Oliveira Pena, presidente do BDMG; sr. Marcio Bhering, presidente da CEMIG e o economista Roberto Campos, diretor financeiro do FRIGONORTE e da equipe do BDMG.’

E no dia 17 de julho de 1965, acompanhado de seleta comitiva da sociedade montes-clarense, Daniel foi esperar a comitiva que vinha de Belo Horizonte. Depois do pouso do avião, pipocaram foguetes por cerca de 10 minutos. Dr. João Gonçalves foi o primeiro a descer da aeronave, seguido de autoridades. Dentre elas, encontravam-se o deputado federal Francelino Pereira e o Dr. Raimundo Nonato de Castro, assessor do governador Magalhães Pinto. A comitiva seguiu em carreata até o escritório da Sudene, no centro da cidade. Durante o desfile, os fogos não pararam de estourar. A frente do escritório estava enfeitada com bandeirolas e apinhada de espectadores. Abraços e mais abraços se sucediam. Todos felizes pelos benefícios que a autarquia poderia proporcionar à área mineira com seus incentivos fiscais, extensivos à agricultura familiar. Os discursos se sucediam, ressaltando o desenvolvimento que a Sudene traria para a região. O deputado Francelino Pereira, ao usar a palavra, discorreu, em comovente discurso, sobre o esforço que empreendera para que fosse instalado, o mais rápido possível, o escritório. De repente, ainda com o microfone na mão, chamou Daniel para perto de si. Colocou uma das mãos no ombro dele e disparou, mais ou menos assim, emocionado e emocionando os presentes:


26

― Aqui está mais um piauiense, como eu, desbravando o rico Estado de Minas Gerais. Veio de terras longínquas, mas não mediu esforços para, de igual modo, colaborar para a grandeza de nosso povo e deste Estado. Abraçou, comovidamente, Daniel. As palmas ecoaram por bastante tempo. Daniel ficou pasmo com tanta eloquência e admirado pelo fato de o deputado já conhecer detalhes de sua origem. Terminado o evento, Dr. João Gonçalves, com a humildade que o caracterizava, chamou Daniel para uma conversa reservada e disse-lhe: ― Meu filho, preciso contar com o seu sacrifício e o de sua família. O professor Antenor seria o chefe deste escritório. Fui pego de surpresa e não tenho candidato para o posto. Você fica aqui como meu assessor, dirigindo o escritório, até que eu consiga um novo chefe. ― Está bem, Dr. João. Para dar os primeiros passos, preciso de que sejam contratados pelo menos quatro funcionários, respondeu Daniel. ― Concordo, meu filho. Apresente os nomes e eu os nomearei. Incrível, mas a notícia correu rápida como rastilho. A esposa de Daniel comparecera também à solenidade, e ele lhe contou o ocorrido. Ela manifestou seu apoio à decisão do marido. Dos candidatos, Daniel optou, e foram contratados: Maria de Melo Mendes, senhora bastante capacitada; Ezequiel, pau pra toda obra; Damázio, contínuo, e, finalmente, o motorista, só lembrado agora pelo apelido de Zé do

Jeep, assim conhecido na cidade. Passaram-se vários meses, até que, um dia, Dr. João Gonçalves informou a Daniel que iria nomear o economista Dr. Mauro para a chefia do escritório. Tratava-se de profissional residente em Montes Claros, que fora recomendado por autoridades mineiras. Publicada sua nomeação no Diário Oficial da União, Dr. Mauro assumiu o cargo como diretor do referido escritório. Após as apresentações de praxe, chamou Daniel para uma conversa particular. ― Preciso de sua ajuda no setor administrativo, enquanto vou cuidar da parte técnica ― a dos incentivos fiscais para a região mineira. Já


27

conversei com o Dr. João Gonçalves, que concordou. Se você aceitar, e nós esperamos que sim, ele assentirá. Com a aceitação, Daniel foi nomeado, inicialmente, em 25 de agosto de 1965, como responsável pela chefia da Divisão de Administração, e titular, a contar de 1º de janeiro de 1966, cargo que exerceu até 23 de fevereiro de 1967. Mudou-se com a família para Montes Claros. O casal levara, em sua companhia, a filha mais velha, Danielle, que nascera no Rio de Janeiro, e também Maria de Lourdes Castro ― para ajudar nos serviços da casa ―, mais tarde por ele adotada. Ainda hoje, há mais de quarenta anos, com sua lealdade e seu trabalho, Maria os acompanha. Em Montes Claros, nasceu seu filho, Carlos Marcelo, no dia 17 de abril de 1966. Nos primeiros meses em Montes Claros, Marly andava triste com a disparidade, em comparação com o seu Rio de Janeiro: as ruas eram demasiadamente estreitas e pouco movimentadas, não havia mar nem restaurantes, o calor seco, quase insuportável, etc. Decorreram vários meses para que ela se adaptasse. Estranhou também a terminologia mineira: “Pega meu trem aí, menino!” ou “Filha, cadê meus trens?” Na primeira vez, olhou rapidamente para os lados e não havia trem algum. Depois, acostumou-se com o linguajar. Daniel, ao contrário, tinha a sensação de que voltara à adolescência, na sua inesquecível Parnaíba, no Piauí. Fez amizades no Minas Tênis Clube e, nas tardes de sábado e domingo, não faltava às peladas. Pode ter esquecido o nome de alguns amigos, mas as fisionomias de todos estão guardadas em sua mente. Zé Oswaldo, irmão do Tostão, aquele exímio jogador da Seleção Brasileira de Futebol, era seu companheiro assíduo nos jogos. Zé trabalhava na agência do Banco do Brasil, a única na cidade. E o Ruy, por onde anda, ô Ruy? Ô mineiro gozador! Certa vez, Zé Osvaldo convidou Daniel para ir com ele a Belo Horizonte assistir a uma partida da Seleção e apresentá-lo ao seu mano Tostão, promessa não cumprida, porque o jogador estava na concentração. Foram ao estádio, e Daniel jamais se esqueceu da torcida mineira. Ocorreu um fato que


28

sempre é lembrado: um jogador da seleção adversária passou por um marcador da Seleção Brasileira, e uma voz isolada, numa altura ensurdecedora, gritou: ― Come o figo dele, come o figo dele!... No campo do Minas, Daniel ia levando a vida que pediu a Deus. Após o fim de cada partida, o grupo seguia para os bares. O churrasquinho e as cervejas desciam pelo gogó. Quando já estavam meio grogues, iniciavam as piadas. Só de salão. Os bares eram movimentados, e não ficaria bem usar palavrões. Antes, um adendo. Daniel era muito popular em Montes Claros. Por onde passava, as pessoas o chamavam para conversar, fosse sobre sua terra natal, fosse sobre o Rio de Janeiro, fosse sobre os benefícios da Sudene para a região, etc. Mas, se você, leitor, chegasse à cidade e perguntasse se conheciam Daniel, todos balançariam a cabeça negativamente. Porém, se perguntasse a qualquer pessoa: “Você conhece o Sudene?”, a resposta era afirmativa, e os mineiros, educadamente, como sempre, indicariam onde ele poderia ser encontrado. Os biriteiros ― pareciam até combinados ― sempre gritavam, em uníssono: “O Sudene começa!” E todos os sábados e domingos a cena se repetia. E haja desculpas de Daniel, ao chegar tarde a casa, mas Marly dava um sorriso maroto, balançava a cabeça em sinal negativo e dizia: ― Me engana, que eu gosto. Os dois, então, caíam na gargalhada. Antes de encerrar sua estada em Montes Claros, Daniel registra a amizade que mantinha com o deputado Luiz de Paula Ferreira. Conversavam sempre animadamente. Um dia, o deputado deu-lhe um conselho, que ele jamais esqueceu. Disse-lhe: ― Meu amigo, é bom ser importante, porém é mais importante ser bom.


29

1.4 Em Brasília – Distrito Federal Em 24 de fevereiro de 1967, Daniel passou a exercer a chefia da Divisão de Administração do escritório da Sudene em Brasília, para onde fora transferido, a pedido. Preocupava-o a necessidade de fazer curso superior a fim de poder melhorar sua condição financeira. Dr. João Gonçalves de Souza havia sido substituído pelo general Euler Bentes Monteiro na Superintendência da autarquia. Ao visitar o escritório em Brasília, todos os funcionários foram convocados para uma reunião. Sentados à sua frente, o general fez explanação sobre os novos serviços que vinham sendo desenvolvidos em sua gestão e sobre as metas que a Sudene esperava alcançar. A certa altura, discorreu acerca de assunto que considerava inadmissível, dizendo que mandara bloquear o salário de um funcionário que havia recebido diárias pagas pelo escritório da autarquia no Rio de Janeiro e não prestara contas. E, ainda, que o processo de sua dispensa estava sendo concluído, pois jamais poderia concordar com desonestidade. Daniel, presente, tomou um susto. A emoção foi tão grande que seu coração começou a bater descompassadamente, pois, naquele momento, voltando os pensamentos para o passado, entendeu a razão pela qual não vinha recebendo salário há três meses, e também a razão de ter sido obrigado a devolver à Sudene o carro que ela lhe havia financiado. Para comprar o mínimo possível de comestíveis, já colocara na praça vários cheques, que estavam prestes a ser depositados pelos credores. Quanta angústia! Logo que o general terminou de falar nesse assunto, Daniel pediu a palavra e, concedida, disse: ― Vossa Excelência me perdoe, mas o que acaba de afirmar não corresponde à realidade. ― O senhor está dizendo que sou mentiroso? ― Não, Excelência. É que fiquei tenso, pois o funcionário a quem o senhor acaba de se referir sou eu, respondeu Daniel. E acrescentou:


30

― Minha família e eu temos passado até dias de fome. Espero que Vossa Excelência releve minha atitude. Jamais ofendi, ofendo ou ofenderei sequer um subordinado e muito menos um superior. Para provar minha inocência sobre as falsas informações passadas a Vossa Excelência, autorizeme, agora mesmo, a seguir para Montes Claros, porque toda a documentação da prestação de contas das diárias está lá. Preciso também de um veículo emprestado e, ainda, de que Vossa Excelência autorize o diretor do escritório a que eu tenha acesso aos arquivos. ― Está bem, respondeu o general, educadamente. Eram cerca de 15h30min. Daniel chegou a Montes Claros por volta das 23 horas. No dia seguinte, foi ao escritório da autarquia, dirigindo-se diretamente à pasta do arquivo. Ali encontrou cópia do memorando que enviara ao escritório da Sudene no Rio de Janeiro. A ela anexada, a cópia da prestação de contas das diárias. De lá mesmo, colocou tudo, em nome do general Euler, no malote que era despachado para Recife semanalmente. Após alguns dias, Daniel soube que o general havia adotado medidas severas contra os que lhe disseram inverdades. E, pouco tempo depois, recebeu amável carta do mesmo general, pedindo-lhe desculpas pelo ocorrido e informando-lhe que determinara o desbloqueio de seus salários e, ainda, a devolução do carro. Daniel agradeceu, comovidamente, a gentileza, lamentando não poder mais ficar com o veículo. Somente em 1968, após aprovação no vestibular, Daniel pôde matricular-se nos cursos de Administração e de Ciências Contábeis, na Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF). Em meados de 1968, Daniel foi chamado ao gabinete do diretor. Este lhe informou que o escalara para trabalhar à noite, na datilografia da redação do anteprojeto I PLANO DIRETOR DA SUDENE. Tratava-se, inclusive, de assunto de repercussão internacional. Daniel deveria aguardar, mesmo sem ir jantar, o tenente-coronel Stanley Fortes Baptista, superintendente adjunto da autarquia. Precisamente às 19 horas, Daniel, no fundo do corredor, com salas separadas por divisórias de madeira, ouviu passos vindos da entrada dos


31

elevadores. Lembrou-se, imediatamente, do seu tempo de reco. Passos firmes e fortes, aquele senhor abriu a porta da sala e perguntou: ― O senhor foi o escalado para datilografar o anteprojeto? Levantando-se, Daniel respondeu afirmativamente. ― Então, acompanhe-me. O tenente-coronel Stanley abriu uma pasta, dela tirou várias folhas de papel e adiantou: ― Aqui está. Amanhã tenho uma reunião com os representantes do Nordeste no Congresso Nacional para apresentação deste documento ― e mostrou-lhe uma via do Plano. A reunião está marcada para as 10 horas. Será presidida pelo senador Virgílio Távora, e dela participarão senadores e deputados da região nordestina. Preste bastante atenção ao trabalho que o senhor vai datilografar. ― Sim, senhor, respondeu Daniel. Àquela época (1968), as antigas máquinas de datilografia estavam sendo substituídas por máquinas elétricas da marca IBM. Daniel sentou-se, colocou o papel na máquina e começou a trabalhar. Eram cerca de 60 páginas. Tinha ele, por hábito, acompanhar, ao mesmo tempo em que datilografava, a redação do texto, guardando-o na memória. Por volta de meia-noite, terminou e foi entregar o trabalho. O tenente-coronel Stanley olhou, levantou-se da cadeira e enfiou o braço na manga direita do paletó. Antes de vesti-lo completamente, satisfeito, perguntou a Daniel: ― O que o senhor achou do anteprojeto? Daniel, meio encabulado, respondeu: ― Sinceramente? ― Claro. Se estou perguntando, é para o senhor responder. Qual a sua opinião? E Daniel: ― Há vários erros neste anteprojeto, como, por exemplo: repetições desnecessárias, sujeitos no plural e verbos no singular, inadequação vocabular, etc.


32

O tenente-coronel olhou Daniel, espantado. Tirou o braço direito da manga do paletó, colocou-o novamente na cadeira, sentou-se à mesa e, chamando-o para seu lado, disse: ― Aponte os erros que o senhor encontrou... Daniel, que os decorara, mostrou. ― O senhor tem razão, afirmou. Corrija-os. Tem minha autorização para tirar ou acrescentar o que julgar necessário para melhorar o anteprojeto. Daniel lembrou-se, como se um filme rapidíssimo passasse diante de si, dos ensinamentos que lhe transmitira o jornalista Ari Cunha, em 1950, quando trabalhavam na NEWS PRESS, das primeiras lições que aprendera nos livrinhos da Livraria Ediouro e do Dr. Gilson Amado, na Rádio Mayrink Veiga. As vicissitudes que atravessara haviam sido seus melhores professores. Finalmente, por volta de 3 horas da manhã, entregou o trabalho ao tenente-coronel Stanley. Este mandou que Daniel ficasse ao seu lado e lhe mostrasse as correções que havia feito. E, página por página, Daniel as apontava e complementava com explicações verbais. O tenente-coronel concordou com todas as alterações. Já eram cerca de 4 horas da manhã. Colocou o paletó, estendeu a mão a Daniel e perguntou-lhe: ― O senhor estuda à noite? ― Sim, senhor. E continuou: ― Este anteprojeto foi redigido por funcionários da Sudene com curso de PhD na Sorbonne. E prosseguiu: ― Qual o curso que o senhor está fazendo e em que universidade? ― Faço dois cursos: Administração e Ciências Contábeis. Estudo na Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF), completou Daniel. ― O senhor é de que Estado?


33

― Do Piauí. ― Que coincidência. Também sou do Piauí. Estendeu a mão a Daniel, cumprimentando-o afavelmente. ― O senhor já jantou?, perguntou. ― Não, tenente-coronel, ainda não. O coronel enfiou a mão no bolso, tirou uma quantia e ordenou: ― Vamos sair agora. O motorista está embaixo esperando. Ele vai me levar ao hotel. De lá, o senhor vai jantar e depois vai pra casa. Fica de licença durante uma semana. A partir de agora, as coisas vão mudar. Eram péssimas as informações que me deram a seu respeito. Todas falsas. Daniel soube depois, por terceiros, que a reunião do tenentecoronel Stanley com a bancada nordestina havia sido um verdadeiro sucesso. As perseguições que sofria no escritório da Sudene em Brasília foram amenizadas. Não eram tão graves como antes. Tempos depois, aceitou convite para trabalhar na Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), autarquia vinculada ao então Ministério do Interior. Ali desempenhou a função de chefe do Serviço de Documentação e Divulgação, a partir de 7 de outubro de 1968 até setembro de 1970. Nesse mesmo mês de setembro de 1970, foi colocado à disposição do Ministério do Interior, tendo sido nomeado para a função de auxiliar administrativo “A”. Ainda no mesmo exercício, foi designado responsável pela chefia da Turma de Pessoal e Material do Serviço de Administração da Inspetoria-Geral de Finanças (IGF) e substituto do chefe do Serviço de Administração da IGF. Em maio de 1971, foi promovido a auxiliar técnico “C” da mesma IGF. De setembro de 1970 a julho de 1971, datilografava, com outros colegas, os relatórios e os certificados de auditoria dos auditores do Ministério do Interior. Enquanto datilografava, Daniel procurava assimilar as ocorrências que eram detectadas na fiscalização do emprego de recursos públicos, apontadas como deslize ou falha grave. Lembrava-se de alguns dos conselhos


34

de Sun Tzu, general chinês, que, em seu livro A Arte da Guerra, de 2.500 a.C., ensinava: ― Se você conhece o seu terreno e o terreno do inimigo, não há o que temer nas batalhas; ― Se queres a paz, prepara-te para a guerra. Por isso, seguindo os conselhos do general, Daniel estudara os 115 artigos da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que Estatui Normas

Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. É de se esclarecer que o Orçamento da União é um dos documentos mais importantes da nação. Nele estão sintetizadas todas as previsões das receitas e fixadas as despesas dos Três Poderes da União. Era intenção de Daniel diplomar-se, primeiro, em Ciências Contábeis e, depois, em Administração. Seu objetivo principal era fazer parte da equipe de auditores do Ministério do Interior, viajando por este Brasil. Com seu trabalho, receberia diárias gordas e ajuda de custo, caso as viagens ultrapassassem trinta dias. E quase sempre isso ocorria, para que os auditores tivessem tempo suficiente na análise da documentação a ser encaminhada ao Tribunal de Contas da União (TCU) para julgamento. Após inesquecíveis esforços, às vezes varando as noites, inclusive aos sábados e domingos, conseguiu seu intento. Diplomado em Ciências Contábeis, em agosto de 1971, e em Administração, em dezembro do mesmo ano, recebeu, do Conselho Regional de Contabilidade no Distrito Federal (CRC/DF), carteira provisória para iniciar trabalhos de auditoria. Em setembro de 1971, foi designado auditor do Ministério do Interior.

1.5 Em Boa Vista – Território Federal de Roraima Depois de regressar de viagem a vários Estados, auditando as tomadas e prestações de contas de órgãos e entidades subordinados e


35

vinculados ao Ministério do Interior, Daniel foi chamado ao gabinete do inspetor-geral de Finanças, Dr. Benecdito Ruy Goiabeira Corrêa, que lhe disse: ― Você foi escolhido para ir ao Território Federal de Roraima fazer o levantamento dos bens patrimoniais do Território. Será um trabalho árduo, pois duas comissões, com o mesmo objetivo, fracassaram. Escolha dois auxiliares e leve-os. ― Levarei o Oswaldo Menezes e o Lourival Pinto Saraiva, respondeu-lhe Daniel. Embora fossem apenas assistentes III-A, eram técnicos de fazer inveja a muitos dos auditores da IGF. Chegaram a Roraima no início do mês de fevereiro de 1972. Após alguns dias de pesquisas, Daniel solicitou a colaboração de servidores do Território, tendo sido colocados à sua disposição Arrais, Yolanda, Maria e Ludmila. No dia a dia dos trabalhos, à procura dos bens e dos responsáveis para a devida identificação, as tarefas eram penosas e exigiam grandes esforços de toda a equipe. Preocupado em não fracassar ― seria, portanto, a terceira vez, para vergonha da IGF ―, Daniel pediu ao Dr. Goiabeira que enviasse, para compor a comissão, os técnicos Rubem Darcy de Oliveira, Waldemir Alves Maia e Edson Saldanha. Enriquecida a equipe, pôde Daniel ficar tranquilo, tendo conseguido cumprir a missão que lhe fora atribuída. O prezado leitor pode avaliar a difícil tarefa, fielmente cumprida, no ofício que se segue, dirigido ao Dr. Benedicto Ruy Goiabeira Corrêa, inspetor-geral de Finanças do Ministério do Interior: ‘GAB/Ofício nº 365/72

Boa Vista, T.F.R. Em 27.09.72

Senhor Inspetor Geral: Os senhores JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, Assessor IV-E e OSWALDO MENEZES, Assistente III-A, servidores desse Ministério, entregaram-nos, nesta data, os cinco (5) volumes do Inventário Geral dos Bens Patrimoniais do Governo deste Território, acompanhados


36 das Normas de procedimento a serem adotadas, para registro e controle dos referidos Bens, trabalho pelos mesmos caprichosamente elaborado, em cumprimento ao disposto nas Portarias IGF/001/A e 002, de 04.02.72 e 03.06.72, dessa Inspetoria, e no qual tiveram a prestimosa colaboração dos técnicos RUBEM DARCY DE OLIVEIRA, WALDEMIR ALVES MAIA, EDSON SALDANHA e LOURIVAL PINTO SARAIVA. 2.

Ao recebermos tão valiosa contribuição para a obra de

organização administrativa que este Governo se esforça por deixar implantada no Território Federal de Roraima, é-nos sumamente grato manifestar a Vossa Senhoria o quanto apreciamos o trabalho verdadeiramente

precioso,

executado

por

aqueles

devotados

servidores, cuja dedicação, habilidade, competência e eficiência foi cabalmente demonstrada no empenho com que se deixaram absorver, inteiramente, pela árdua tarefa, numa faina intensa de oito meses, assim como no esmero com que se aplicaram à elaboração gráfica e literária que constitui a consolidação de sua obra. 3.

Não podemos deixar de expressar, também nesta

oportunidade, o nosso penhorado reconhecimento a Vossa Senhoria, ante a compreensão e boa vontade com que se dignou prestar-nos a sua indispensável e inestimável cooperação pondo à disposição deste Governo elementos de tão eminente capacidade, para a realização do importante trabalho. Apresentando a Vossa Senhoria os servidores JOSÉ DANIEL DE ALENCAR e OSWALDO MENEZES, cuja missão foi cumprida, assim, de forma tão meritória, desejamos registrar os nossos aplausos e os mais efusivos agradecimentos a eles e aos seus dignos colaboradores, enquanto renovamos a Vossa Senhoria as homenagens do nosso distinguido apreço. HÉLIO DA COSTA CAMPOS Governador’

Para agradável surpresa de Daniel, foi publicado no Boletim de

Serviço nº 315, de 13 de outubro de 1972, o seguinte documento:


37 ‘PORTARIA Nº 01113, DE 13 DE OUTUBRO DE 1972

O MINISTRO DE ESTADO DO INTERIOR, no uso das atribuições que lhe conferem o Decreto nº 54.026, de 1964, R E S O L V E: ELOGIAR os servidores JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, Assessor

IV-E

e

OSWALDO

MENEZES,

Assistente

III-A,

pela

dedicação, eficiência e espírito público com que se houveram na árdua tarefa de proceder ao levantamento dos Bens Patrimoniais do Governo do Território Federal de Roraima e à fixação de normas que disciplinam os procedimentos a serem adotados para registro e controle dos referidos Bens. Brasília, JOSÉ COSTA CAVALCANTI Ministro’

Embora diplomado em Ciências Contábeis e em Administração, Daniel carregava consigo o ensino popular de que a melhor universidade é a da vida. Por isso, sempre esteve atento aos dizeres de sábios, que, às vezes, não são encontrados em livros de graduação universitária, daí o fato de ter memorizado dizeres que lera em Roraima, quando fora convidado pelo governador para com ele almoçar. Ao subir os primeiros degraus da escada que permitiria o acesso ao local do almoço, vira papel pregado na parede, onde se lia: “Quando você começar a subir os degraus do sucesso, não pise nas pessoas que neles estão sentadas, porque, amanhã, você pode descê-los e encontrá-las no mesmo lugar.” Entre o primeiro e o segundo pavimentos, estava escrito: “Quando você fizer algo, faça-o bem feito, porque não sabe se amanhã terá oportunidade de refazê-lo.” E no alto do segundo lance de escadas:


38

“Quando você tirar algo de algum lugar, recoloque-o no mesmo lugar. Só assim saberá sempre onde encontrá-lo.”

1.6 Em Macapá – Território Federal do Amapá Eis que Daniel, em julho de 1973, foi novamente designado, com Oswaldo Menezes e Roberto Bustamante, pelo mesmo inspetor-geral de Finanças, Benedito Goiabeira, [...] para orientar e prestar assessoramento

técnico ao Governo do Território Federal do Amapá, com vistas ao aprimoramento do sistema de registro e controle de seus bens patrimoniais [...]. Os Territórios Federais eram equiparados às autarquias do governo federal e vinculados ao Ministério do Interior, de acordo com os dispositivos do Decreto-lei nº 411, de 8 de janeiro de 1969. As autarquias estão definidas no artigo 4º do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Apenas a título de esclarecimento, entende Daniel ser importante ressaltar que os Territórios Federais de Roraima e do Amapá foram transformados em Estados federados, mantidos em seus atuais limites geográficos, de acordo com o disposto no art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988. O Território Federal de Rondônia, por lei anterior, já havia alcançado a condição de Estado, e o Território Federal de Fernando de Noronha, em obediência ao prescrito no art. 15 daquele mesmo Ato, foi extinto, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco. Com a experiência anterior, a equipe desincumbiu-se, com sucesso, de mais essa missão. A vida de auditor de Daniel ia correndo a contento, viajando de Porto Alegre ao Território Federal do Amapá, fiscalizando os órgãos e as entidades subordinados ao Ministério do Interior. Andava de avião pela necessidade de cumprir a tarefa em tempo hábil, recompensado por diárias e ajuda de custo, mas, antes de embarcar, passava três dias com disenteria, em


39

decorrência da claustrofobia de que era vítima. E ainda vinham os colegas de equipe meter-lhe medo ao dizer-lhe: ― Medo de andar de avião, por quê? Isso só ocorre três vezes: quando ele decola, quando aterrissa ou quando está no ar. E morriam de rir de Daniel, trêmulo. Mas, quando o avião chegava ao seu destino, e os passageiros começavam a desembarcar, Daniel descia as escadas e dizia: ― Agora, eu sou macho! risos em geral. Chegamos ao ano de 1974. Em abril, Daniel foi chamado ao gabinete do inspetor-geral de Finanças. Ali se encontrava um senhor, que foi apresentado a Daniel, identificando-se como comandante Arthur Azevedo Henning, da reserva da Marinha. Havia sido nomeado governador do Território Federal do Amapá. ― Eu indiquei você para ir trabalhar com o comandante Henning no Amapá, disse o Dr. Goiabeira a Daniel. Daniel ficou estupefato. A experiência que tivera em Montes Claros, terra inóspita àquela época (1965/1967), viera à sua mente. Já conhecera Macapá, capital do Território Federal do Amapá, pois lá estivera fazendo auditoria. Era terra também praticamente inóspita. Mas não sabia como rejeitar o convite. Em fins do mês de abril de 1974, acompanhou ele a comitiva do comandante Henning, que se dirigiu ao Território para a cerimônia de posse do novo governador. Depois de empossado, houve um almoço de confraternização na residência oficial do governo. Atencioso, o comandante Henning chamou Daniel para sentar-se ao seu lado, numa mesa de mais ou menos oito metros de extensão. Os garçons começaram a servir. Primeiro, foi o governador. Em seguida, um a um, foram servidos os convidados. Todos atendidos, o governador continuava conversando, e nenhum dos convidados começava a comer. Como estavam absortos às palavras do comandante Henning, Daniel não perdeu tempo: pegou a faca e o garfo e iniciou o almoço. E o governador permanecia conversando... E nenhum outro convidado dava a primeira garfada... Quando Daniel, solitário, já estava quase terminando, o comandante


40

iniciou a refeição. Aí, Daniel notou, envergonhado, que somente depois que ele começou, os convidados o seguiram. Depois dos comes e bebes, os convidados se retiraram para tomar o avião de volta a Brasília. O comandante Henning convidou Daniel para ficar hospedado no palácio residencial do governo a fim de manterem entendimento mais estreito, e até que Daniel trouxesse a família para Macapá, em julho daquele mesmo ano, época das férias de seus filhos nos colégios onde estudavam, em Brasília. Certa noite, após uma partida de baralho, o governador lembrou a Daniel a mancada que ele dera durante o almoço de sua posse. E, risonho, disse: ― Agora, vou lhe dar aula de etiqueta. Pegou duas taças e uma garrafa de vinho. Colocou o líquido em ambas, um pouco acima da metade. ― Pegue a sua taça e beba, disse a Daniel. Daniel abriu a mão, abarcou a parte de cima da taça e ia colocando à boca quando o comandante atalhou: ― Não, está errado. Você coloca o dedo indicador e o polegar na taça. Assim... Em seguida, levou a taça à boca e tomou apenas um gole. Aí Daniel interveio: ― Ora, comandante, pra que perder tempo? Não é mais fácil pegar na parte mais grossa e tomar logo todo o vinho? O comandante riu e, gargalhando, soltou: ― Você é mesmo um pau de arara... E os dois riram a valer. O Diário Oficial do Território publicou, em sua edição de 6 de maio de 1974, a designação de Daniel para o cargo de secretário de Administração e Finanças do Território Federal do Amapá, a contar de 2 de maio do mesmo ano, data em que de fato assumira dito cargo. Foi um dia de quinta-feira.


41

Terminados os cumprimentos relativos à posse, Daniel, dirigiu-se à sua sala de trabalho. Convocou, então, reunião com seus subordinados imediatos. Reunidos, Daniel dirigiu-lhes a palavra: ― Vocês todos me conhecem de auditorias que já fiz aqui. Por favor, não me chamem de Vossa Excelência quando estivermos a sós. Só se for na presença de estranho. Outra coisa: não recebo subordinados de vocês, a não ser que tenham autorizado ou que venham com um de vocês, para que não haja desrespeito à hierarquia. Fiquem tranquilos, que o poder não me subiu à cabeça. Carregarei sempre comigo a minha origem humilde. Só exijo sinceridade de todos. Daniel respirou fundo, esperou que algum dos presentes usasse a palavra, mas nada... Então, continuou: ― Fui procurado por vários colegas em Brasília que queriam vir trabalhar aqui. Todos de olho na ajuda de custo e nas mordomias. Disse-lhes que jamais cometeria injustiça na minha vida. Primeiro, vou testá-los nos seus respectivos cargos, na capacidade de cada um. Tenho certeza de que vocês não vão me decepcionar. Finalizada a reunião, Daniel pediu ao seu chefe de gabinete, Edemburgo, que lhe trouxesse os problemas mais graves, que ele sabia estarem sendo preteridos. Edemburgo colocou sobre a mesa de Daniel cerca de trinta processos. Referiam-se eles a compras da administração anterior, algumas sem terem sido realizadas com base no empenho. Pareciam fraudes, mas como apurar, se os beneficiários já tinham ido embora? Passou parte da manhã estudando todos os casos. À tarde, pediu audiência ao governador, contandolhe as anomalias que encontrara. Tinha até aquisição de modess, comprado pela ex-secretária de Educação. Um horror! O governador ficou atônito. E perguntou a Daniel qual o melhor caminho a adotar. ― Governador, respondeu Daniel, se formos criar comissões de sindicâncias para apurar os fatos, não vamos iniciar a governar tão cedo. Aconselharia a não iniciarmos a caça às bruxas e pagarmos.


42

O governador concordou. Então, Daniel lavrou o seguinte despacho, anexando-o aos processos:

Excepcionalmente, para manter o bom nome da administração deste Território, solicito a Vossa Excelência seja autorizado o pagamento. E, logo abaixo, vinha o despacho do governador:

De acordo. Pague-se. O primeiro dia de trabalho de Daniel tinha sido um verdadeiro sufoco. Terminado o expediente, foi para o palácio residencial do governo. No dia seguinte, 3 de maio de 1974, uma sexta-feira, Edemburgo colocou sobre a mesa de Daniel cerca de dez processos, e foi dizendo: ― São as diárias do pessoal da Segup (Secretaria de Segurança Pública), que vai fazer investigação no interior. Daniel

ficou

espantado.

Na

condição

de

secretário

de

Administração e Finanças, estava ele autorizado pelo governador a permitir pagamentos até uma certa importância. Dali em diante, só o governador autorizava. Enfim, o governador e Daniel mantinham a chave do cofre. ― Pode recolher todos esses processos. Não vou autorizar. Esses policiais vão pescar nos rios e beber cachaça. Eles têm a semana inteira para fazer seus trabalhos. A partir daquele dia, quase toda a Polícia Civil se voltou contra Daniel. Até mesmo alguns policiais militares, porque a notícia se espalhou rapidamente. Aqui, Daniel abre um parêntese para registrar que exerceu, por quinze vezes, o cargo de governador substituto, durante o período compreendido entre 2 de maio de 1974 a 6 de agosto de 1975, tempo em que esteve a serviço no Território. Para poder cumprir suas responsabilidades, Daniel levantava-se todos os dias às 5 horas da manhã. Tomava café e às 5h30min. estava no trabalho. Só retornava para casa às 22 horas. Ia e voltava andando, e, no trajeto, não havia vivalma. Abria a porta de sua sala, sentava-se à mesa e começava a trabalhar, porque, às 9 horas, diariamente, tinha despacho com o


43

comandante Henning. Os outros secretários ― de Educação, de Saúde e de Obras ― só despachavam com o governador uma vez por semana. Chegou o fim do mês de maio de 1974. Daniel começou a analisar o balanço financeiro e identificou despesas que considerou absurdas: gasolina, troca de óleo, carne, arroz, feijão, etc. Chamou o seu diretor financeiro e perguntou-lhe quem eram os beneficiários de tais despesas. ― Todos os chefes têm jeep. A comida é para a casa dos secretários. Daniel contou ao governador o acontecido. Ficou combinado, então, que todos os veículos usados por chefes de divisão ou de seção fossem alienados. E também que fossem reduzidas as mordomias. Daniel, imediatamente, adotou as providências. Mandou que seu diretor da Divisão de Administração diminuísse drasticamente os comensais dos secretários. E, ainda, que fosse convocada a Comissão Permanente de Licitação para venda de todos os veículos entregues a chefes de cada secretaria. E assim foi feito. Após alguns dias, foram abertas as propostas. Os vencedores foram deslocados para as respectivas secretarias, em cuja garagem se encontravam os veículos que arremataram. Ao chegarem à Segup, porém, para retirar os jeeps, constataram que eles não funcionavam. Ao contrário do que havia sido detalhado pela Comissão Permanente de Licitação, faltavam peças nos veículos. Os vencedores ficaram irritados e ameaçaram processar o governo. Eram pessoas do próprio Território, de Belém ― Pará e até mesmo de São Paulo. O diretor da Divisão de Administração e presidente da Comissão Permanente

de

Licitação,

Cassio

Dolabela

Romeiro,

pediu-lhes

que

aguardassem um pouco, pois ele ia conversar com o governador. Daniel estava em exercício como governador substituto. Cassio contou-lhe o ocorrido. Daniel pegou o telefone, ligou para o secretário de Segurança e foi logo dizendo: ― O senhor tem meia hora para que sejam colocados nos veículos as peças que foram deles retiradas.


44

― Eu não sei do que se trata. Não tenho condições de atender sua determinação, respondeu-lhe. ― Bem, disse-lhe Daniel, se minha ordem não for respeitada, amanhã pode ler sua dispensa no Diário Oficial. E os funcionários responsáveis por esses desmandos serão objeto de comissão de sindicância para apuração das responsabilidades. Não demorou meia hora e todas as peças que haviam sido retiradas foram recolocadas. Na segunda quinzena do mês de junho de 1974, Daniel recebeu a visita do Dr. Raimundo Nonato de Castro, que, por coincidência, estivera na inauguração do escritório da Sudene, em Montes Claros, representando o governador de Minas Gerais. Disse ele a Daniel que fora nomeado assessor do ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti. Informou-lhe, em seguida, que haviam chegado várias queixas ao gabinete do ministro sobre sua atuação como secretário de Administração e Finanças do Território. E mais, que estivera fazendo pesquisa no comércio local. Concluiu: ― Se eu fosse você, não traria a família para o Território. Não houve quem não criticasse sua atuação. Está dando prejuízo ao comércio local. Daniel, então, pediu-lhe um favor: ― Dê-me seis meses e, depois, o senhor vem refazer a pesquisa. Essa revolta é natural, porque foram adotadas medidas enérgicas contra o desperdício. Em um dos despachos com o governador, este informou a Daniel que a Associação Comercial do Amapá havia lhe pedido audiência para colocálo a par dos prejuízos que o comércio local estava atravessando, em decorrência da drástica diminuição das compras. O governador pediu a Daniel que viesse devidamente municiado, pois a briga ia ser feia. Ao retornar à Secretaria de Administração e Finanças, Daniel cuidou de estudar, detalhadamente, o balanço financeiro do ano anterior (1973). Verificou que havia vários lançamentos na rubrica Restos a pagar e

Despesas de exercícios anteriores. Pediu aos seus subordinados todos os processos relativos a esses lançamentos. Havia casos de compra de material


45

que, há mais de três anos, não havia sido entregue. E, como tal, não existia razão dos vencedores que justificasse a não entrega das encomendas. No dia e na hora marcados para a reunião, Daniel levou todos os processos. Sentou-se ao lado do governador, numa mesa de mais ou menos sete metros. O primeiro a falar foi o presidente da Associação Comercial que, em longo discurso, criticou a atuação do governo do Amapá por haver diminuído drasticamente as compras. Terminadas as críticas, o governador cedeu a palavra a Daniel, que, ao iniciar, perguntou ao orador o nome da firma em questão. Após identificá-la entre os vários processos que havia levado, Daniel disse-lhe: ― Sua empresa, há cerca de dois anos, ganhou uma licitação para fornecimento do seguinte material. E listou-o a seguir. Continuando, acrescentou: ― Até hoje, não houve qualquer comunicação de sua parte informando o motivo pelo qual o material não foi entregue. Os prejuízos que o senhor deu ao Território são indescritíveis. Em seguida, perguntou-lhe: ― O senhor, bem como os demais participantes da reunião, tem condições de entregar o material agora pelo mesmo preço que ganharam a licitação? Para surpresa de Daniel, todos se levantaram, encerrando a reunião. Ao retornar à Secretaria de Administração e Finanças, mandou cancelar todos os pedidos. Como o Território era equiparado a uma autarquia, os recursos retornaram ao seu orçamento. E, seis meses depois, Dr. Raimundo Nonato voltou, e, ao abrir a porta da sala de Daniel, foi logo dizendo: ― Nossa, você agora é um Deus. Que é que você fez? Daniel disse-lhe que alguns interesseiros espalhavam boatos de que ele estava fingindo-se de durão, mas, na verdade, iria se comportar do mesmo modo que os antecessores, ou seja, só iria levar vantagem no cargo que exercia. Entretanto, com o passar dos dias, a população percebeu que ele


46

estava agindo estritamente dentro da lei, sem beneficiar quem quer que fosse. Dr. Raimundo Nonato abraçou Daniel, comovido, e despediu-se. Saiu satisfeito. Chegara a vez da venda dos aviões. A Comissão Permanente de Licitação terminara os trabalhos de avaliação das aeronaves, e o Edital de Licitação Pública foi publicado no Diário Oficial do Território. O primeiro aparelho colocado à venda foi um monomotor CESSNA, ano de fabricação 1964. Abertas as propostas, o vencedor foi o dono de um garimpo na selva amazônica. Daniel recebeu a visita de várias pessoas da sociedade amapaense, protestando contra o vencedor, um senhor que raramente ia à cidade e que não tinha ligação alguma com o povo de Macapá. Pediram-lhe que anulasse a licitação. Ele discordou, justificando que foram cumpridas todas as exigências legais. Eis que Daniel recebe a visita de um cidadão, vestindo roupas desgastadas, de chinelo nos pés e chapéu de palha na cabeça. Sentou-se na cadeira em frente a Daniel, tirou o chapéu e foi dizendo: ― Excelência... Daniel interrompeu-o, pedindo-lhe que não o tratasse por Excelência, mas apenas pelo nome. E ele prosseguiu: ― Soube que várias pessoas estiveram com o senhor, pedindo para cancelar a licitação que fui vencedor. Queria lhe dar um presente pela sua honestidade. O senhor vai comigo no avião. Tenho um garimpo no meio da selva. Lá tem um pico que é usado para pouso e decolagem. Depois, o pico é coberto com galhos de árvore e vira tudo selva. Quem se aproxima do garimpo, eu mando matar. O senhor vai ganhar um saquinho de pedras preciosas e nunca mais será pobre. Daniel agradeceu-lhe e disse que tudo tinha sido feito dentro da lei, e que ele não lhe devia nada. Ao que o senhor respondeu: ― Mas, Dr., o senhor não será mais pobre para toda a vida. Daniel levantou-se, abraçou-o e agradeceu a gentileza. Além de trabalhar de segunda à sexta-feira, de 5h30min. às 22h, Daniel também dava expediente aos sábados pela manhã. Às tardes de sábado,


47

às 16 horas, ia jogar pelada. Certa vez, jogando no campo da Polícia Militar, todos o chamaram de governador. ― Passa a bola, governador! ― Chuta a gol, governador! Até que, numa bola dividida, o adversário tirou o pé, não travando com ele. E Daniel, para o seu adversário: ― Aqui, todos somos jogadores. Não tem esse negócio de tirar o pé numa bola dividida. E, em outra dessas bolas divididas, o adversário entrou de sola, machucando o tornozelo de Daniel, que foi retirado de campo nos braços dos colegas. O tornozelo ficou tão inchado que a tornozeleira que calçava teve de ser cortada com tesoura. Um dia, o substituto de Daniel, Domício, pediu-lhe que fosse dispensado um subordinado dele, Leandro. Já entregou a Daniel o texto da portaria para ser assinado. Prontamente atendido, o documento foi publicado no Diário Oficial do Território. Após a publicação da portaria, para surpresa de Daniel, adentrou em seu gabinete um dos poderosos empreiteiros do Território. Foi logo lhe dizendo que a dispensa de Leandro tinha de ser desfeita, porque ele (Leandro) era secretário-geral da ARENA e o presidente Geisel não ia gostar. E Daniel respondeu-lhe: ― Jamais farei uma coisa dessas. A única saída é o governador me demitir e o meu substituto atender sua determinação. Afinal, o que a população vai pensar? Eu ou o senhor, quem é o secretário? ― Então, vou falar com o governador, disse o empreiteiro. Em menos de 10 minutos, o governador ligou para Daniel, perguntando-lhe o que havia ocorrido. Este lhe relatou o fato. E o governador: ― Foi assim? Então, você está correto. Já se passara mais ou menos um mês quando, às 6 horas da manhã, Leandro entrou na sala de Daniel, que ficou apreensivo. Chegou à sua frente, começou a chorar e desabafou:


48

― Vim aqui lhe pedir desculpas. Já falei muito mal do senhor, pensando que tinha me dispensado. Ontem à noite, soube que foi meu compadre Domício. E Daniel, também comovido, disse-lhe: ― Você vai voltar para o seu lugar. O Domício vai ser diretor do escritório do Território em Belém. Quem vai substituí-lo é o Rubens. Aliás, já conversamos, e você vai voltar para o seu lugar. Certa vez, Daniel estava em despacho com o governador. Este, ao ler um processo para assinar, olhava para o secretário e sorria. Fez a mesma coisa três vezes. Então, Daniel perguntou-lhe: ― Há algum problema, governador? ― Sim. Toda a minha vida foi dirigindo homens. Nunca me enganei com nenhum, mas me enganei com você. Jamais pensei que você, nessa simplicidade, fosse tão capaz. Quem ia ser o secretário de Administração e Finanças era um amigo meu, porém você me impressionou tanto que dispensei os serviços dele. ― Nossa, governador, respondeu Daniel. E acrescentou: ― Agora, vou ter de me esforçar em dobro para não decepcionálo. Risos. Daniel era o único secretário que mantinha sempre a porta de sua sala aberta, não fazendo distinção entre qualquer cidadão que com ele desejasse falar. Um dia, entrou na sala uma irmã. Aproximou-se e: ― Excelência... Daniel não deixou que continuasse. Aproximou-se dela e, beijando-lhe a mão, disse: ― A que devo tão ilustre visita? Por favor, não me chame de Excelência. ― Eu sou do Ginásio Feminino de Macapá. Lá ensinamos crianças pobres e cuidamos da saúde delas. Todos os meses, recebemos uma ajuda financeira do Ministério da Educação e Cultura e do governo do Território. Já


49

vim aqui várias vezes e me dizem que a liberação do dinheiro enviado pelo Ministério está sendo estudada. Já estamos passando privação. Daniel pegou o telefone e chamou o responsável. Perguntou-lhe por que não tinham, ainda, entregue o dinheiro. Ele lhe deu uma desculpa esfarrapada. Daniel ordenou-lhe: ― Dentro de 20 minutos, no máximo, quero que o cheque seja entregue. E que isso não se repita mais... Daniel pediu desculpas à irmã pelo atraso e solicitou-lhe que ficasse em sua sala, aguardando. Aqueles 20 minutos ainda não haviam transcorrido e ela estava com o cheque em mão. O governador ligou para Daniel, informando-lhe que estava em seu gabinete o vice-reitor, de nome Moita, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura. Fora tratar da instalação do Campus Avançado do Amapá, do Projeto Rondon. Tratava-se de um projeto lançado pelo regime militar, objetivando o contato de estudantes com a realidade nacional, diferente, portanto, do que as forças contrárias ao regime apregoavam nas grandes cidades. Com os contatos diários, mantidos durante as pesquisas para locação da casa destinada aos universitários e a realização das compras de utensílios e móveis, Daniel e Moita tornaram-se amigos. Em longas conversas, trocavam até mesmo confidências sobre os mais variados assuntos. Moita retornou ao Rio de Janeiro e ficou de informar a Daniel o dia do embarque dos estudantes para o Território e o nome do professor responsável pelo Campus Avançado. Chegando o dia, Moita comunicou a Daniel que viria com a comitiva. Ao desembarcarem do avião, foram todos apresentados ao secretário, inclusive o professor Nilde Ceciliano Santiago, o responsável pelo mencionado

Campus. No primeiro domingo após a chegada do grupo ao Território, o governador ofereceu à equipe um almoço de boas-vindas. Daniel, presente, ia passando pela mesa onde estavam sentados Moita e o professor Santiago, que o convidaram para sentar-se à mesma mesa. O professor Santiago pediu a Daniel que contasse um pouco da sua vida e como chegara a secretário de


50

Administração e Finanças. Daniel, então, fez um breve histórico de seu passado. Daniel notou que o professor Santiago olhava incrédulo para Moita, que sorria. Daniel disse com os seus botões: “Será que falei alguma bobagem?” Terminaram de almoçar, e o professor prometeu que iria fazer uma visita a Daniel, após certificar-se dos afazeres a seu encargo e das responsabilidades que competiam à Secretaria de Administração e Finanças. No dia da visita, os dois tiveram uma conversa amigável sobre as responsabilidades das respectivas áreas. Em seguida, o professor Santiago não se conteve e disse: ― Quando cheguei ao Território, perguntei ao Moita quem era o homem forte do governo. Ele ficou de me apresentá-lo durante o almoço. Contudo, antes da hora marcada, cobrei dele: ‘Mostra aí, nesse amontoado de gente conversando, quem é o homem forte’... Aí, ele apontou você. Eu disse: ‘Moita, aquele vestido de bermuda e de camiseta, que está contando piadas? Conta outra.’ Pois é, você me surpreendeu. Quem vir você na rua, não dá um vintém pela sua figura. ― Bondade sua, meu caro. O que mais me ensinou na vida não foram os diplomas de nível superior que consegui, mas, sim, as chicotadas da

Universidade da Vida. Agradeço seus elogios. Sinceramente, não me sinto envaidecido. Aumenta a minha preocupação para não decepcionar os amigos e jamais esquecer a minha origem humilde. O tempo ia correndo. Chegou o mês de junho de 1975. Eis que, um dia, o filho de Daniel, Carlos Marcelo, com nove anos de idade, estava à procura de seus livros e cadernos da quarta série primária. Daniel perguntoulhe o motivo da busca, e ele respondeu: ― Estou na oitava série. A professora vai dar a prova pelos meus cadernos da quarta série. Daniel ficou chateado. Como poderia ser o futuro de seu filho? Chamou a filha mais velha, Danielle ― já que a mais nova, Lucienne, ainda não estudava ―, e perguntou-lhe como ela ia na escola. Nova decepção: estava atrasadíssima. Daniel combinou com a esposa que em julho teriam de voltar


51

para Brasília. Os filhos estavam muito atrasados, e o futuro de ambos era preocupante. Falou com o governador, que lamentou a decisão, mas a compreendia. Rapidamente, a população tomou conhecimento da novidade. Sempre que Daniel saía da Secretaria, havia na porta de entrada uma romaria de pessoas esperando-o. Faziam até comícios, apelando para ele ficar. Diziam que ele seria facilmente eleito deputado federal pelos bons serviços prestados ao Território. Daniel agradecia comovido e adiantava que não gostaria de ser político. O Jornal do Povo, de 8 de junho de 1975, na Coluna F, publicou a seguinte notícia: ‘SUPER SECRETÁRIO O sr. Daniel Alencar, Secretário de Finanças do Governador Arthur Henning, tem atribuições que vão além de suas responsabilidades específicas. Segundo informaram ao repórter, o titular das Finanças é uma espécie de ‘cérebro eletrônico’ de todo o mecanismo da atual administração, e todas as decisões programadas só entram em execução depois da aquiescência do homem do Tesouro. Ele seria, assim, um Super-Secretário, em quem o Governador confia sem restrições, embora isso atrapalhe ou incomode as figuras que não se afinam com o guardião da caixa-forte.’

Os presentes que Daniel recebeu estavam guardados em sua casa. Todos foram doados à Associação de Voluntários do Amapá ― Abrigo São José, de onde recebeu o documento abaixo transcrito: ‘Recebi do Sr. JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, como doação ao Abrigo dos Velhinhos, os seguintes objetos, que lhe foram presenteados por terceiros durante a sua gestão como Secretário de Administração e Finanças do Governo do Território Federal do Amapá: 1 (um) faqueiro, de prata meridional, 1ª classe mundial, com 130 peças; 2 (dois) quadros, um representando um preto velho e outro, uma parte da Rua Mendonça Furtado;


52 1 (um) isqueiro, marca PORKA, suíço, com um relógio nele encravado; 1

(uma)

escultura

em

cobertura

de

manganês,

retratando um casal; 1 (um) DRINKO’MATIC, marca FORDA; 1 (um) isqueiro ornamental para mesa, com a respectiva carga; 1 (um) jogo para coquetel de plástico, com sete peças; 1 (uma) rede, trabalhada em fios lamê, com desenhos da Arábia. Macapá, 09 de junho de 1975. Lícia Góes Barbosa’

E, novamente, o Jornal do Povo, em sua edição de 15 de junho de 1975, dava a seguinte notícia: ‘MOSQUETEIROS O Governador Arthur Henning tem quatro Secretários dando IBOPE, em algumas correntes de opinião do Território. Na faixa das preferências, figuram em primeiro plano o Secretário de Finanças, Daniel Alencar, e o Secretário de Segurança, Coronel José Índio Machado. Em seguida, pontificam os nomes do engenheiro Fernando Ramos Dias, Secretário de Obras, e do agrimensor Cleiton Azevedo, prefeito de Macapá. Considerados como os quatro mosqueteiros de Arthur Henning, em que pesem as dificuldades da atual administração, esses homens se desdobram ― cada qual a seu modo ― para projetar uma imagem alegre, otimista e descontraída do Governo do Território. A maior torcida, contudo, é pela permanência do Secretário de Finanças no esquadrão Henning. Demissionário, mesmo assim o sr. Daniel Alencar tem mantido um elevado espírito público à frente da SAF, atento para as finanças do Governo e para o equilíbrio da estrutura administrativa do Amapá, embora não tenha escapado de críticas radicais, e quase sempre injustas. O repórter analisa a questão à luz de depoimentos trazidos ao bureau por pessoas responsáveis que, embora, admitam que o sr. Daniel Alencar não seja insubstituível no cargo, defendem a sua permanência como um


53 imperativo de ordem e segurança, autoridade e responsabilidade no comando da Secretaria que tinha o triste conceito de fazer parte de uma herança maldita.’

Meses antes de pedir dispensa do cargo, Daniel mandara fazer o levantamento do material necessário ao governo, a ser utilizado no prazo de um ano. Foi realizada uma tomada de preços em Macapá, em Belém e em São Paulo. Daniel tomou um susto quando foi comparar os preços: os de São Paulo chegavam à diferença astronômica de até 500% menos que os de Macapá. Nomeou, então, novos membros para a Comissão Permanente de Licitação para comprar, em São Paulo, o material. Este, ao chegar a Belém, foi despachado em barcas do governo, com destino a Macapá. Ao ligar o rádio do carro, quando saía para o almoço, Daniel ouviu pela Rádio Educadora São José, da cidade de Macapá, críticas que considerou até ofensivas sobre a compra do material: que ele estava, inclusive, extrapolando seus deveres, empobrecendo o comércio local, fazendo compras que lhe renderiam boa comissão, justamente no momento em que iria deixar o Território. Daniel ficou chocado. Quando retornou do almoço, ligou para a rádio e falou com o comentarista, Alcy Araújo. Pediu-lhe, por gentileza, que viesse até a Secretaria, pois desejava conversar com ele. No dia seguinte, Alcy apresentou-se. Daniel estendeu-lhe a mão, pediu-lhe que se sentasse na cadeira à sua frente e disse-lhe: ― Fiquei perplexo ao ouvir sua crônica ontem pela rádio. Deixemos o Excelência de lado. Pode tratar-me pelo próprio nome. Afinal, já trilhei os mesmos caminhos que você. A seguir, Daniel fez reminiscências de sua vida, lembrando seus tempos de foca na NEWS PRESS e de secretário na Rádio Mayrink Veiga. E, mostrando-lhe os processos, acrescentou: ― São processos de tomada de preços. Veja as diferenças de preços. Um absurdo. Foi tudo feito de acordo com o Decreto-lei nº 200/67.


54

Alcy olhou, manuseou os processos e fez várias perguntas a Daniel. ― Pois é, Alcy. Aí está a verdade. As informações que você recebeu foram mentirosas. Compreendo sua situação de jornalista: na ânsia de dar a notícia em primeira mão, o chamado furo, dá-se credibilidade à fonte. Não se checa a informação. Alcy, que também era funcionário do Território, pediu desculpas a Daniel, dizendo-lhe que iria reparar o mal que tinha feito. E Daniel atalhou: ― Estou saindo do governo, como você já sabe. Queria pedir-lhe um favor: não quero que você me defenda. Quero que você defenda os membros da Comissão Permanente de Licitação, que vão ficar aqui, e não sejam eles expostos à execração pública. Ao despedir-se, Daniel sentiu que Alcy estava emocionado. No dia seguinte, à mesma hora, Daniel ligou o rádio do carro e ouviu, comovido: ‘PROGRAMA “ELES, A MÚSICA E A NOTÍCIA” TRANSMITIDO NO DIA 18/06/75 (4ª feira) RÁDIO EDUCADORA SÃO JOSÉ CORTINA MUSICAL: PROPAGANDA: COM A PALAVRA ALCY ARAÚJO: Tivemos a satisfação de um primeiro contato pessoal com o Dr. DANIEL ALENCAR, Secretário de Administração e Finanças do Território. O encontro constituiu abertura para um diálogo franco, honesto e inteligente, permitindo um estabelecimento claro das posições em que se encontram o jornalista e a autoridade. A autoridade, de sua alta posição, zelando pela dignidade do Governo, zelando pela honrosa confiança que lhe foi depositada e zelando ainda pela responsabilidade delegada a um dos altos funcionários da Secretaria, para que não pairem dúvidas no seio da coletividade, quanto à exação de uma política de material que visa emprego, em termos legais, e no sentido da economia, de recursos que a União carreia para os programas administrativos do Território do Amapá. Foi uma demonstração patente e o jornalista tem a satisfação de registrar a responsabilidade funcional. O jornalista, na posição menos responsável, de homem apressado, que transforma a informação em notícia, sem as limitações que caracterizam as ações


55 administrativas que envolvem leis, normas e instruções, que não regulamentam as atividades de um simples repórter. Apresentou o Secretário seus pontos de vista, a sua opinião respeitável em torno do tratamento que foi dado a uma nota divulgada por este programa, demonstrando não estar alheio aos labirintos da profissão deste escriba. O jornalista, por sua vez, declarou as suas intenções, nunca subalternas, nunca ocultas, nunca ditadas por sentimentos menos dignos, embora houvesse a notícia que divulgou criado uma situação momentânea desagradável. Mas que ofereceu um ângulo positivo. Lamenta o jornalista que deveres funcionais do Secretário de Finanças e as obrigações do repórter não tenham produzido contacto entre um e outro há mais tempo. O encontro em tela constituiu uma demonstração de urbanidade, de respeito pelo profissional e pela pessoa humana de parte do homem a quem agora o jornalista tem a satisfação de tratar, não como Secretário de Governo, não como sua Excelência, mais singelamente de amigo DANIEL DE ALENCAR, incluindo aquele que exerce as funções de Administrador-Geral no rol dos que têm lugar em nossa estima, lugar que já ocupava em nosso respeito. As palavras dirigidas ao jornalista foram uma mostragem nítida do homem ponderado, lúcido e perfeitamente integrado no cargo que lhe foi confiado. Permitiu a radiografia do administrador, um diagnóstico do chefe, do companheiro de trabalho. Enquanto isso, o diálogo do jornalista assegurou o enfoque de uma sistemática administrativa

contemporânea.

Após

o

encontro,

lamentamos

profundamente termos que dar a notícia de que DANIEL DE ALENCAR vai deixar o Território. Não fossem motivos imperiosos e de ordem particular, que nos expôs com a transparência de quem não tem nada a ocultar, e o jornalista engrossaria a corrente dos que tentam demovê-lo de sua decisão, isto pela certeza de que o Governo vai perder um colaborador de primeira água e o Amapá vai deixar de ter em seu convívio um amigo que veio de outras vivências e de outras comunidades e logo aprendeu a querer bem a esta terra e ao seu povo. Mas paremos aqui, o Repórter não deseja ferir mais do que feriu a modéstia de um amigo que nos vai dizer adeus. PEDRO SILVEIRA: Muito bem, Alcy, muito bem, faço meus os seus conceitos, porque também mantive contato com o ilustre Secretário de Finanças e encontrei na autoridade um homem aberto, franco, preocupado como os problemas humanos.


56 ALCY ARAÚJO: Exatamente. Cremos, de alguma forma, embora de maneira condensada, que demos uma idéia do homem que aciona o coração administrativo do Governo. CORTINA MUSICAL.’

As irmãs do Ginásio Feminino de Macapá não se esqueceram de Daniel, tendo ele recebido este documento: ‘Ofício nº 14/75 – GPM DA(S)

Macapá, 19/05/75.

: Diretora do Ginásio Feminino de Macapá e Vice-Diretora

AO

DD Secretário de Administração e Finanças do Amapá

ASSUNTO

: Agradecimento (apresenta) EXMO. SR. SECRETÁRIO Vimos, através do presente, agradecer a Vossa

Excelência os importantes e significativos favores com que fomos contempladas durante o período de vossa gestão, à frente da Secretaria de Finanças do Território Federal do Amapá, em nosso nome e no nome das Irmãs, religiosas do Ginásio Feminino de Macapá. Que Deus onipotente cumule Vossa Excelência e digna família com ricas bênçãos divinas. Na

oportunidade,

apresentamos

nossas

despedidas, em virtude de estarmos também em vésperas de viagem. Atenciosamente, As Irmãs: Irmã Carmen Bello Irmã Elvira Buyatti Irmã Odete Bahia Irmã Maria das Graças de Souza Góes Irmã Nelizia Pereira Colares’


57

E, mais uma vez, talvez ainda lembrando-se da maneira afável com que fora tratado por Daniel, o jornalista Alcy Araújo escreveu na coluna

Gazetilha, de 22 de junho de 1975: ‘Os que me conhecem sabem que eu sou parco em elogios. Sou mais da crítica. Não tenho as mãos cheias de ditirambos para oferecer aos que mais necessitam de louvor. E a faculdade de elogiar se estreita, se espreme, quando se trata da autoridade. Isto porque considero que ― quando a autoridade trabalha com exação, quando realiza, está cumprindo apenas com o seu dever e nada mais, nada menos. Mas é natural que cada um de nós que trabalha, que recebe

a

remuneração

do

ofício,

receba

também

a

do

reconhecimento. É bom receber um elogio. Sabe bem. Não se esgota como o ‘papel’ do pagamento mensal. Fica. Todos nós, no desempenho de nossas humildes obrigações ou no exercício honroso do comando, sentimos a satisfação do elogio, notadamente quando ele vem revestido da justiça. Uma das razões de nossa parcimônia é o medo de ser mal interpretado. Pelo alvo do louvor ou pelos que tomam conhecimento deste. Mas hoje vou elogiar sem peias, descontraído e tranqüilo. Vou elogiar um homem que nos diz adeus. Deve ter tido os seus defeitos e erros. Deve carregar humanas limitações. Deve deixar descontentamentos. Vou dizer desta coluna que Daniel Alencar tem saldo positivo. Haver. É um homem simples, capaz de entender problemas humanos e encontrar a solução mais adequada, no nível de suas atribuições e da hierarquia do seu posto. Foi dito o ‘homem forte’

do

Governo.

Deve

ter

sido

na

dimensão

de

suas

responsabilidades e não no sentido autocrático do administrador apegado a detalhes sem relevo. Prestou, na área de sua competência, a contribuição de sua capacidade profissional ao Amapá. Merece o reconhecimento dos seus méritos e a pouco valia do meu aplauso. Rendo a minha homenagem a Daniel Alencar, porque ele vai embora, vai deixar o Amapá. Não vai remunerar essa homenagem. Não vai chamar o jornalista para um posto de confiança ao seu lado, nem proporcionar uma sinecura ou ficar tentado a fazer algum favor. Nada pedimos a Daniel Alencar e nada nos foi negado ou concedido. Não o fez ontem, nem o fará hoje, muito menos amanhã,


58 separado do Governo onde foi dito ‘homem forte’. O que nos deu foi de maneira espontânea e franca. Foi a compreensão e o respeito pelo profissional, sem pedidos ou interveniências subalternas. Nada mais. Isto espelha um dos ângulos positivos do seu caráter. Rendo a minha homenagem a Daniel Alencar, como despedida, quando ninguém pode dizer que o fazemos rastejando ou coleando, com intenções genuflexas ou outra desvirtude. Que Daniel Alencar seja feliz em outros brasis onde possa continuar dando a contribuição do seu trabalho, para qualquer outra grandeza nacional. Daniel amigo, receba o meu abraço.’

A sinceridade de Alcy fez Daniel chorar, emocionado. ― Alcy, amigo, onde estiver, que Deus o proteja! Enquanto arrumava as malas para mudança, Daniel recebeu dois importantes documentos, que vão abaixo transcritos: ‘ATESTADO Atesto, para os fins de direito, que o Dr. JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, durante o tempo em que permaneceu como Secretário de Administração e Finanças do Território Federal do Amapá, prestou relevantes serviços ao Juízo de Direito da Comarca de Macapá, bem como à Justiça Eleitoral deste Território, colaborando sempre com a máxima boa vontade com o Poder Judiciário local e contribuindo de todas as formas para que as instruções do Tribunal Superior Eleitoral, referentes às eleições de 15 de novembro de 1974, fossem fielmente cumpridas neste Território. Macapá, 05 de julho de 1975 JOSÉ CLEMENCEAU PEDROSA MAIA (Juiz de Direito Eleitoral com atribuições de Juiz Federal)’

‘Em 06/07/75 Do: Diretor do Campus Avançado do Amapá Ao: Dr. José Daniel de Alencar


59 Prezado Dr. Daniel O Campus Avançado, através de sua direção, se sente na obrigação de agradecer a V.Sª pelo empenho, carinho e dedicação que teve junto ao Projeto Rondon, quando de vossa participação à frente da Secretaria de Administração e Finanças. Sempre solícito aos pedidos do Campus Avançado, Vossa Senhoria dispensava os momentos de lazer para nos atender, visando maior integração dos nossos universitários com o Território Federal do Amapá, registrando consequentemente seu alto espírito público e de civismo. É, pois, com tristeza, que o Campus Avançado vê o afastamento de tão ilustre camarada, mas, em se tratando de Brasil, sabemos perfeitamente que a dedicação persistirá em vossa nova função e que mesmo longe, estarás pronto a nos atender. Queira V.Sª receber o verso abaixo que caracteriza vossa pessoa junto a nossa atividade: ‘Quando os homens dão-se as mãos, Metade da batalha estará vencida. Quando de mãos dadas, unem-se os pensamentos, Em favor de um bem comum, aí, então, tudo dará certo...’ Agradecendo aos vossos relevantes serviços, o Campus Avançado encontrar-se-á a vossa inteira disposição. Atenciosamente Prof. NILDE CECILIANO SANTIAGO Diretor do Campus Avançado’

Daniel foi reapresentado ao ministro do Interior, Dr. Maurício Rangel Reis, pelo Ofício nº 0177/75 ― GAB, de 11 de agosto de 1975, cujo texto vai abaixo:


60 ‘SENHOR MINISTRO: Cumpre-me apresentar a Vossa Excelência o Senhor JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, Contador e Técnico de Administração, Assessor IV - C desse Ministério e que se encontrava à disposição do Governo deste Território para exercer o cargo de Secretário de Administração e Finanças, função da qual foi exonerado, a pedido, com o Decreto (P) nº 0643d/75 ― GAB, de 31 de julho findo. Apresentando agradecimentos pela valiosa colaboração que essa Secretaria de Estado prestou ao Amapá, informo que, de acordo com o critério estabelecido, os vencimentos e demais vantagens a que fez jus o referido técnico foram pagos, até a data de sua exoneração, pela Administração territorial. Esclareço a Vossa Excelência que o Doutor JOSÉ DANIEL DE ALENCAR aqui realizou um magnífico trabalho, dando nova organização ao Órgão que dirigia, o que muito contribuiu para a eficiência do seu funcionamento. Trata-se

de

um

técnico

de

alta

capacidade

administrativa, de grande dedicação à causa pública e que merece o reconhecimento e os melhores encômios do Governo e povo do Amapá. Aproveito o ensejo para renovar a Vossa Excelência os protestos de minha alta estima e mais distinta consideração. ARTHUR AZEVEDO HENNING Governador’

1.7 De volta a Brasília – Distrito Federal Depois de tanta luta e de tantos sacrifícios, o chefe de gabinete do ministro disse a Daniel que ele procurasse um lugar para trabalhar. A Inspetoria-Geral de Finanças, que o havia indicado para trabalhar no Território, não o queria mais. Ficou decepcionado. Perambulou pelos órgãos do Ministério, até encontrar uma vaga na Secretaria do Meio Ambiente (Sema), embrionária do atual Ministério do Meio Ambiente. Em 22 de junho de 1976, conseguiu ser


61

nomeado coordenador de Elaboração e Acompanhamento Orçamentário do órgão e, em 13 de outubro de 1976, foi designado secretário adjunto de Planejamento, substituto, da Sema, tendo dela se desligado em meados de 1977. Em setembro de 1977, retornou ao Território Federal do Amapá para reorganizar a auditoria do referido Território.

CAPÍTULO II

2 CONTINUAÇÃO DAS BATALHAS Ainda em 1977, sentindo-se deprimido, Daniel pediu demissão do serviço público federal e foi trabalhar como autônomo na área de contabilidade. Havia poucos clientes, e a situação financeira definhava a cada mês. Encorajouse e procurou seu colega Gerardo Antônio Monteiro de Paiva Gama, que era diretor da Divisão de Auditoria do Ministério da Agricultura. Contou-lhe as dificuldades que estava atravessando, tendo Gerardo prontamente atendido o seu pedido de ajuda. Daniel foi, então, admitido, em 1º de setembro de 1978, na Cobal ― Cia Brasileira de Alimentos, sucedida pela atual Conab ― Cia Nacional de Alimentos, e colocado à disposição do Ministério da Agricultura, indo trabalhar na referida Divisão de Auditoria. Daniel passa a narrar, agora, a continuação de suas batalhas e a de abnegados lutadores para frear os malefícios da corrupção. Para isso, foi buscar no livro Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas o seguinte histórico, esclarecendo que Haziel foi o nome usado por ele no texto do referido livro:


62

2.1 O Projeto Verama ‘Em

1978,

Haziel

recebeu

telefonema

do

então

Tenente-Coronel Nelson Barcelos da Veiga Filho, Inspetor-Geral de Finanças do então Serviço Nacional de Informações (SNI), que desejava trocar idéias sobre a malfadada corrupção. Conversa vai, conversa vem, no final, ficou acordado convidar outros especialistas para realizar trabalho de profundidade, com vistas a combater a corrupção e suas irmãs siamesas. Foram convidados civis e militares para formar um grupo de trabalho, tais como: Rubens de Oliveira Lima, Consultor Jurídico da Presidência do TCU; Gerardo Antônio Monteiro de Paiva Gama, Diretor da Divisão de Auditoria da Inspetoria-Geral de Finanças do Ministério da Agricultura; Joaquim Gonçalo de Almeida, Auditor do Denatran/MI e Tenente-Coronel Darcy Blanco Garcia, chefe da SOF/SAD/SNI. O grupo de trabalho contou ainda com a colaboração especial de oficiais da 1ª InspetoriaSeccional de Finanças do Exército, Francisco Luiz Dutra, hoje General da reserva, e José de Barros Cabral Filho, Coronel e também na reserva, bem como de vários servidores da IGF do próprio SNI. Após seguidas reuniões, o trabalho foi concluído, tendo sido batizado por Haziel de ‘Projeto Verama’ ― as três primeiras letras do verde e as três primeiras do amarelo das cores da bandeira brasileira. O TC Nelson Veiga ficou encarregado dos contatos com as autoridades superiores, a fim de convencê-las a implantar as sugestões que deram os participantes. O ‘Projeto Verama’, concluído em 30 de novembro de 1978, apresentava novidades importantes em termos de fiscalização de aplicação dos recursos públicos e inovava quanto à subordinação de novo órgão, ou seja, ‘Criar a Secretaria de Controle Interno ― SCI ― como órgão de assessoria imediata do Presidente da República’, justificado na introdução do referido projeto nos seguintes termos: ‘Estamos

sentindo,

fortemente,

nos

dias

que

correm,

principalmente neste segundo semestre do presente exercício financeiro, uma preocupação por demais justa de entidades e homens públicos de mais elevado gabarito moral sobre procedimentos de controle de recursos públicos quanto à sua correta aplicação, dentro dos planos de ação do Governo.


63 Sabemos que existe um sistema criado com a finalidade primordial de exercer o controle e sentimos, também, que o sistema é bom e cumpre sua missão, mas, dentro do próprio sistema, encontramos duas falhas que prejudicam e, em última análise, afetam as próprias intenções governamentais: a primeira é o próprio homem, o técnico, que, por circunstâncias alheias à sua vontade, pressões, etc., vê-se obrigado a calar-se ou verificar mutilações esdrúxulas em seus trabalhos. A segunda é a descentralização da auditoria que força o aparecimento da falha primeira. Existem soluções à vista e a curto prazo? Temos convicções que sim! E aqui, e agora, as apresentamos, modestamente, mas carregadas de um elevado sentimento de patriotismo. O Governo não dispõe de um órgão que possa centralizar os trabalhos de auditoria em que estes fiquem independentes de seus Ministérios. O sistema, como dissemos, é bom, mas precisa ser atualizado para acompanhar o próprio desenvolvimento do País, oferecendo, diretamente, ao Presidente da República, os dados concretos, não manipulados por terceiros, sobre o controle e acompanhamento de recursos de que o próprio Governo determinou seu emprego. Ainda mais, oferecendo ao TCU meios reais que possam assegurar a eficácia ao controle externo, como determina a própria lei.’ O TC Veiga aproximou-se do então Inspetor-Geral de Finanças da ex-Secretaria de Planejamento da Presidência da República, Dr. Fernando de Oliveira, de quem recebeu total apoio. Dr. Fernando conversou com o Ministro Delfim Neto, ao qual estava subordinado, tendo sua excelência gostado das inovações. Mas ponderou que, inicialmente, fossem elas implementadas na própria estrutura da ex-SECIN/SEPLAN/PR, prometendo ao Dr. Fernando que iria falar com o Presidente João Figueiredo a respeito. E, para satisfação dos membros do Grupo de Trabalho ― e quiçá do próprio País ―, o Presidente João Figueiredo assinou, com os Ministros Karlos Rischbieter e Delfim Neto, o Decreto nº 84.362, de 31 de dezembro de 1979, publicado no Diário Oficial da União de 04 de janeiro de 1980. Surgia, em conseqüência, uma luz no fim do túnel no combate à corrupção e às suas asseclas, como se poderá concluir pelo que registrou Haziel, sinteticamente, em seu livro ‘Os sistemas de Controle Interno Federal, Estadual e Municipal’, páginas 10/12:’ (p. 172-174)


64

2.2 As Secretarias de Controle Interno O livro Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas contém a constituição das Secretarias de Controle Interno, com a inovação criada no sistema: ‘Profunda modificação sofreu o Sistema de Controle Interno, com a edição do Decreto nº 84.362, em 31 de dezembro de 1979, que dispôs sobre a estrutura do controle interno aplicável a recursos de qualquer natureza, estabelecia novos instrumentos de fiscalização e acompanhamento da despesa pública e dava outras providências. O novo sistema trazia várias inovações. As InspetoriasGerais de Finanças passariam a denominar-se Secretarias de Controle Interno, registrando-se, ainda, as seguintes modificações no âmbito do controle interno: a) O órgão central dos Sistemas de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, que era o Ministério da Fazenda, passou a ser a Secretaria Central de Controle Interno ― SECIN, subordinada à então Secretaria de Planejamento da Presidência da República ― SEPLAN/PR. b) Com a inovação acima, dissociou-se o órgão setorial que se encontrava na IGF do Ministério da Fazenda. Assim, o Inspetor-Geral de Finanças do Ministério da Fazenda deixou de acumular essas funções, bem como a de Presidente da INGECOR ― Comissão de Coordenação das Inspetorias-Gerais de Finanças, órgão de deliberação dos Sistemas de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, na qual tinham assento todos os Inspetores-Gerais de Finanças dos Ministérios Civis e de órgãos de competência equivalente às IGFs dos Ministérios Militares, da Presidência da República e dos Poderes Legislativo e Judiciário. Observa-se que um mesmo servidor desempenhava três funções, não lhe sobrando tempo, portanto, para exercê-las eficientemente.


65 c) Em cada capital de Estado, foi criada uma Delegacia Regional de Contabilidade e Finanças ― DECOF, subordinada à SECIN, responsável pela execução Orçamentária, Financeira e Patrimonial da União,

excetuando-se

as

DECOFs

do

Distrito

Federal, que eram subordinadas aos Secretários de Controle Interno de cada Ministério. d) Foram criadas 10 (dez) Delegacias Regionais de Auditorias nas capitais dos principais Estados (Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo), tendo sido implementadas apenas a do Distrito Federal e a do Rio de Janeiro. e) Introduziu-se

o

Acompanhamento

Físico

e

Financeiro de Projetos e Atividades a cargo de unidades subordinadas ao Ministério ou órgão, inclusive os decorrentes de contratos, convênios, e, sob qualquer forma, a aplicação, pelos órgãos da administração e pelas entidades de administração indireta ou descentralizada de recursos públicos. f)

A Comissão de Coordenação das Inspetorias-Gerais de Finanças ― INGECOR passou, sob nova composição e estrutura, a denominar-se Comissão de Coordenação de Controle Interno ― INTERCON.

g) No âmbito das Secretarias de Controle Interno, foram instituídas: Secretaria de Administração Financeira, Secretaria de Contabilidade, Secretaria de Processamento de Dados, Delegacia Regional de Contabilidade e Finanças, apenas no DF, e uma Divisão de Apoio Administrativo, em substituição à estrutura anterior. h) A estrutura básica da Secretaria Central de Controle Interno,

como

órgão

central

normativo

e

consolidador de resultados das atividades de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, ficou assim constituída: Secretaria de Normas e Desenvolvimento, Secretaria de Processamento de Dados, Secretaria de Administração Financeira, Secretaria

de

Contabilidade,

Secretaria

de


66 Auditoria, Delegacia Regional de Contabilidade e Finanças, em todas as capitais de Estado, Delegacia Regional de Auditoria, nas grandes capitais e no Distrito

Federal,

e

uma

Divisão

de

Apoio

Administrativo. i)

Em conseqüência do que está dito na alínea ‘d’, a auditoria

passou

a

ser

centralizada

na

ex-SECIN/SEPLAN/PR,

em

decorrência

das

SECIN/SEPLAN/PR.’ A

determinações contidas no citado Decreto Nº 84.362/79, recebeu auditores de vários Ministérios, profissionais desejosos de não verem mais seus trabalhos mutilados pela independência conquistada com a centralização da auditoria em um único órgão. Dr. Fernando Oliveira foi nomeado Secretário Central de Controle Interno, tendo Haziel sido designado Delegado Regional de Auditoria no Distrito Federal. Seu sonho e os de seus colegas começavam a se tornar realidade. O que se apurara de irregularidade, em Brasília, e por este país afora, começou a incomodar [...] [...]

E o

jornalista

Alexandre

Garcia,

na Rádio

Manchete-FM, em seu programa ‘Cinco Minutos com Alexandre Garcia’, em 17 de maio de 1983, fez, empolgado, a leitura do seu comentário desse dia, sintetizando, brilhantemente, os benefícios que adviriam com a criação e os trabalhos a serem desenvolvidos pelo novo órgão, assim: ‘SECIN A Revolução de 31 de março de 1964 foi feita para afastar do nosso país o perigo de uma ditadura comunista e livrar o Brasil da corrupção que grassava. Hoje, decorridos 19 anos, verificase que os comunistas e totalitários em geral são uma minoria desprestigiada e sob controle dos democratas. Já com a corrupção, infelizmente, ela continua mostrando as garras. Você, que é contribuinte do Imposto de Renda, às vezes não sente raiva quando está recolhendo honestamente o seu imposto, ao saber de algum caso de má aplicação do dinheiro público? O chamado dinheiro público não é um dinheiro sem dono.


67 Pode imprimir dinheiro, mas não cria o recurso, a riqueza. Toma o dinheiro do contribuinte para aplicá-lo em obras de interesse público. Certamente

vocês

perguntarão

como

o

governo

controla a correta aplicação do dinheiro que é de todos. Pois saiba que existe um órgão, recém-instalado, que já começou sua árdua e difícil tarefa de investigar como o dinheiro do povo está sendo aplicado. Chama-se Secretaria Central de Controle Interno e está vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Esse órgão tem todo o apoio do Presidente Figueiredo, para controlar a correta aplicação do dinheiro de todos e para apurar as irregularidades. Falo isso agora porque quero pedir a vocês um grande apoio para esse órgão. É a Secretaria Central de Controle Interno que tem, hoje, a incumbência de completar a outra metade da tarefa da revolução de 1964: combater a corrupção. A Secretaria Central de Controle Interno vai ser o diabo diante dos corruptos e corruptores. Mas é um anjo para nós, contribuintes, e povo em geral. Por isso, ela vai precisar muito do nosso apoio. Ela precisa sentir que há o povo em suas costas, a estimular o seu difícil trabalho. Quando algum figurão tentar pressioná-la a afastar-se de alguma investigação, o figurão precisa saber que os eleitores e contribuintes estão aplaudindo e apoiando o trabalho dos homens da Secretaria Central de Controle Interno. (Guardem bem esse nome). Quando o dono de algum feudo político resolver protestar contra a ação da Secretaria Central de Controle Interno, esse dono de feudo político precisa saber que os eleitores de sua região estão conscientes de que o trabalho da Secretaria vai fazer diminuir as despesas públicas. E os contribuintes vão saber que, diminuindo as despesas públicas, não vai ser preciso aumentar os impostos. A Secretaria Central está sediada em Brasília e presente em todos os Estados. Está presente também em toda a administração direta do Governo Federal, e deverá acompanhar a aplicação das verbas federais pelos Estados e Municípios que estiverem se beneficiando com elas. E está começando a entrar nas empresas públicas e autarquias federais. Os homens da Secretaria Central do Controle Interno não são apenas os nossos fiscais na aplicação do nosso dinheiro. São


68 também os que se sacrificam e se sacrificarão para que os corruptos sintam que as coisas não estão fáceis para eles e que suas defesas serão insuficientes. Essa é uma Revolução feita por uns poucos, que precisa ter o apoio de todos os brasileiros. BOM DIA.’ (p. 175-179)

2.3 Mudança funesta Eis o que registrou, ainda, Daniel no mesmo livro Bandeira Contra

a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas: ‘E a luz surgida no fim do túnel, que avançava firme, mas vagarosamente, de repente, não mais que de repente, foi apagada. O sonho de Haziel e de seus colegas fora mesmo um pesadelo, e as palavras do jornalista Alexandre Garcia foram jogadas no vácuo. Decepção geral para os que tanto lutaram. Pois não é que as auditorias voltaram a ser descentralizadas, isto é, cabendo os trabalhos aos servidores dos respectivos Ministérios, cujos Secretários de Controle Interno estavam subordinados aos próprios ministros? [...] [...] Logo no primeiro dia do Governo Sarney, eis que é expedido o Decreto nº 91.150, em 15/03/85, retirando da exSEPLAN/PR o órgão central do Sistema de Controle Interno, passando-o, novamente, para o Ministério da Fazenda. Quase um ano depois, em 10/3/86, foi criada, no Ministério da Fazenda, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ― Decreto nº 92.452 ― extinguindo a Secretaria Central de Controle Interno, e aquela Secretaria passou a ser o órgão central dos sistemas mencionados. Como conseqüência, também, desse diploma legal, as auditorias foram novamente descentralizadas, cabendo, portanto, às Secretarias de Controle Interno dos Ministérios o exame de contas dos dirigentes da Administração Federal Direta e Indireta.’ (p. 179)


69

2.4 Reinício da luta E continuando suas batalhas contra a nocividade da corrupção, está também registrado no livro Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs

Siamesas: ‘Mas Haziel não se conformou e reiniciou sua luta. Em 29 de outubro de 1990, foi entrevistado pela TV Brasília, no programa

Telemanhã, vaticinando, mais uma vez, os graves escândalos que ainda apareceriam, em decorrência da modalidade na fiscalização da aplicação dos recursos públicos. Sua profecia foi além do que pensara, pois, infelizmente, houve até o impedimento, pela primeira vez, de um Presidente da República. Mesmo aconselhado por colegas do perigo de um Boeing cair na sua cabeça, Haziel aceitou convite para realizar, pela segunda vez, palestra no auditório do Tribunal de Contas da União, ao ensejo do ‘I Encontro de Dirigentes de Controle Interno ― I ENDICON’. Ali compareceu e, no dia 11 de março de 1993, pronunciou a seguinte palestra: ‘A Revisão Constitucional e o Controle Interno Não só a corrupção mas também, e principalmente, a má

aplicação

e

o

desperdício

dos

recursos

públicos

vêm

empobrecendo, sobremaneira, este País. Urge a adoção de medidas enérgicas e urgentes, embora tardias, para se pôr fim a esses males. Desde agosto de 1976, quando entreguei ao então Deputado Francelino Pereira, na presidência da extinta ARENA, minuta de projeto para a criação de uma Secretaria Nacional de Auditoria ― SENAUD ― subordinada à Presidência da República, que luto pelo fortalecimento do Sistema de Controle Interno Federal, responsável pela fiscalização da aplicação de todos os recursos públicos. Ao ensejo do I SEMINÁRIO SOBRE AUDITORIA FISCAL PREVENTIVA, PÚBLICA E PRIVADA, realizado em Brasília, no período de 02 a 05 de maio de 1978, sob os auspícios da Ordem dos Auditores Independentes do Brasil e da Associação Comercial do Distrito Federal, voltei a insistir na criação daquela Secretaria,


70 mostrando a dependência do controle interno, a subordinação do seu Secretário (à época Inspetor-Geral de Finanças) e o verdadeiro massacre que sofriam os auditores. Estes, os reais responsáveis pelo cumprimento das leis, recebiam toda ordem de pressão na hora de emitirem os certificados de auditoria. O ex-Inspetor de Finanças, sem nenhum compromisso com o sistema, ditava os caminhos que bem lhe

interessavam,

desde

que

não

fosse

apontada

nenhuma

irregularidade. Em novembro de 1978, uma equipe foi formada, sob a liderança do Cel. Nelson Barcelos da Veiga Filho, Inspetor-Geral de Finanças do ex-SNI, composta pelas seguintes pessoas: Darcy Blanco Garcia, TC ― Chefe da SOF/SAD/SNI ― Gerardo Gama ― Diretor da Divisão de Auditoria da IGF-MA ― Joaquim Gonçalo de Almeida ― Auditor do DENATRAN/RJ ― Rubens de Oliveira Lima ― Consultor Jurídico da Presidência do TCU ― e por mim. Após exaustivos dias de trabalho, conseguimos elaborar um documento, a que denominamos PROJETO VERAMA. Nele estavam inseridos não só os meus pronunciamentos como também os de eminentes Ministros do TCU ― Wagner Estelita Campos, Gilberto Pessoa, Batista Ramos e Mauro Renault Leite ― que, desde 1978, também alertavam os dirigentes federais para a deficiência do controle interno e primavam pela sua subordinação à Presidência da República. O PROJETO VERAMA deu origem ao Decreto nº 84.362, de 31/12/79, retirando do Ministério da Fazenda o órgão central, e criou a Secretaria Central de Controle Interno, subordinada à exSEPLAN/PR. Dentre as várias modificações no Sistema de Controle Interno, cite-se a centralização da Auditoria naquela Secretaria Central, a criação de dez Delegacias Regionais da Auditoria nas capitais

dos

principais

Estados

e

Delegacias

Regionais

de

Contabilidade e Finanças, em cada capital. A partir dessa data, as Inspetorias-Gerais de Finanças passaram a denominar-se Secretarias de Controle Interno ― CISETs.

Logo no primeiro dia do Governo Sarney, eis que é expedido o Decreto nº 91.150, em 15/03/85 retirando da exSEPLAN/PR o órgão central do Sistema de Controle Interno, passando-o, novamente, para o Ministério da Fazenda. Quase um ano


71 depois, em 10/03/86, foi criada, no Ministério da Fazenda, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ― Decreto nº 92.452 ― extinguindo a Secretaria Central de Controle Interno, e aquela secretaria passou a ser o órgão central dos sistemas mencionados. Como conseqüência, também, desse diploma legal, as auditorias foram novamente descentralizadas, cabendo, portanto, às Secretarias de Controle Interno dos Ministérios o exame de contas dos dirigentes da Administração Federal Direta e Indireta. Em 29 de outubro de 1990, fui entrevistado pela TV Brasília, no programa TELEMANHÃ, no qual antevi as dificuldades que o País atravessaria, caso não fortalecesse o Sistema de Controle Interno. Em palestra realizada neste auditório, em 29 de novembro de 1990, a convite da UNITEC ― União Nacional dos Analistas de Finanças e Controle Externo ― apontei as deficiências do controle interno, os males que daí poderiam advir e as providências que poderiam ser adotadas, com vistas a se colocar um ponto final nas denúncias que a todo momento surgiam. Ainda em 1990, lancei um livro intitulado ‘OS SISTEMAS DE CONTROLE INTERNO FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL’, em que narrava a fraqueza do controle interno e as dificuldades dos auditores para bem cumprirem sua missão, estando registrado à página 48: ‘Embora muito bem estruturado, e mesmo com o prestígio que as Constituições lhe vêm atribuindo, a verdade é que, na prática, o Sistema de Controle Interno não funciona, seja para dar combate à corrupção, seja para evitar a má aplicação ou o desperdício dos recursos públicos, males esses tão ou mais graves do que a corrupção. O fracasso do Sistema de Controle Interno no Poder Executivo Federal, embora criado para dar eficácia ao controle externo, a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, deve-se, principalmente, aos seguintes fatores: a) Necessidade de criação de uma Secretaria Nacional de Controle Interno diretamente subordinada à Presidência da República, na qualidade de órgão central; b) indicação dos Secretários de Controle Interno, servidores pertencentes à Carreira de Finanças e


72 Controle, pelo Secretário de Controle Interno, e nomeação do Presidente da República; c) implantação do Acompanhamento Físico-Financeiro dos Projetos e Atividades, a cargo do Governo Federal; d) criação de Delegacias Regionais de Auditoria nas capitais dos Estados. Contento-me em registrar que estão engajados na luta para reformulação do controle interno o próprio Governo Federal, com o envio de projeto ao Congresso Nacional; o TCU, seus ministros e funcionários, especialmente o Presidente da Casa, Ministro Carlos Átila, que, segundo noticia a imprensa, já alertou o Presidente Itamar Franco,

em

correspondência

reservada,

sobre

o

estado

de

desorganização do sistema; o Senador Pedro Simon, que propôs a criação de uma Secretaria Federal de Controle Interno, subordinada à Presidência da República; o Deputado Jackson Barreto, que sugeriu a criação da Auditoria Geral da República, também subordinada à Presidência da República; a UNACON ― União Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle; o SINATEFIC ― Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle, no incansável trabalho

de

bastidores,

e

os

abnegados

auditores,

que,

anonimamente, esforçam-se também pelo revigoramento do controle interno. Todavia, senhores, mudei de opinião. Isso se deve aos últimos acontecimentos, que abalaram esta Nação, com o impedimento de um Presidente da República. Mudei de opinião, porque adotei a filosofia de Pascal, que sabiamente nos ensina: ‘Não me envergonho de mudar de opinião, porque não me envergonho de pensar’. Hoje

penso

em

um

órgão

ainda

mais

forte,

totalmente isento de pressões, partam de onde partir. Um órgão imparcial, nos moldes de um Ministério Público, não só para fiscalizar a aplicação dos recursos públicos na área federal mas também no das esferas estadual e municipal. A preocupação, entendo, não deve ser apenas com os recursos federais. Os Estados e Municípios também devem ser fiscalizados, com o mesmo vigor e disposição que na área federal. Toda vez que há mudanças de governantes, são noticiados os estados


73 calamitosos em que ficam os cofres públicos. Recentemente, tivemos exemplos

vergonhosos

em

vários

Municípios,

não

se

tendo

conhecimento de punição de ex-dirigentes responsáveis. Não há necessidade, contudo, de retirar-se as CISETs da estrutura dos Ministérios, deixando os ministros sem condições de exercem

a

supervisão

ministerial

nos

órgãos

e

entidades

subordinados. Basta tão-somente trazer a auditoria dos Ministérios para o novo órgão, dando-se aos auditores total independência para poderem relatar o que de fato viram e apuraram, respeitado assim o disposto no artigo 74, IV, da Constituição Federal ― ‘apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional’. A par da criação desse novo organismo, que seja elaborado um ‘Código Nacional Anticorrupção’, tipo Código Penal, para que não haja modificação na legislação, ao sabor das conveniências e interesses dos governantes, dificultando, sobremaneira, a fiscalização, pela necessidade de se consultar um verdadeiro cipoal de leis, decretos, portarias, resoluções, etc. Obviamente, não pode ser um órgão anômico. Que na revisão constitucional que se aproxima, além desse novo órgão ― uma verdadeira revolução em termos de fiscalização dos recursos públicos ― não se apressem os legisladores em aprovar dispositivos que não sejam respeitados, como o artigo 74, determinando que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno. Essa ‘forma integrada’ não saiu do papel. Ou como prevê o parágrafo primeiro desse mesmo artigo 74, em que ‘os responsáveis pelo controle

interno,

ao

tomarem

conhecimento

de

qualquer

irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária’. Para ilustrar o desrespeito a essa obrigatoriedade constitucional, cito dois exemplos: o dos elevados salários dos dirigentes das estatais e o que nos dá conta o CORREIO BRAZILIENSE do dia 22 de fevereiro último, noticiando irregularidades que deixaram de ser apuradas pela Secretaria de Controle Interno do Ministério da Cultura por ordem do Secretário-Executivo. Aliás, nesse último caso, está a confirmação do que disse naquele livro de minha autoria.’ O leitor, certamente atento à leitura desta obra, notou que Haziel fez, nessa palestra, um retrospecto de sua luta, do


74 considerável número de autoridades, de pessoas e até mesmo da imprensa que se engajaram no combate à persistente corrupção e suas irmãs siamesas, responsáveis pelo empobrecimento do País e pelo sofrimento das classes menos favorecidas. A profundidade das novas idéias de Haziel, servindo-se, para isso, do filósofo Pascal, deve merecer, a par das medidas lançadas pelo Governo, profundas reflexões. Porque, somente um órgão forte, isento de pressões, partam de onde partirem, poderá atenuar, consideravelmente, a horripilante corrupção e a nocividade de suas irmãs siamesas, com o desperdício e a má aplicação dos recursos públicos.’ (p. 179-185)

2.5 No Ministério da Agricultura Voltemos aos idos de 1º de setembro de 1978, quando Daniel foi admitido pela extinta Cobal ― Cia Brasileira de Alimentos ― e colocado à disposição do Ministério da Agricultura, tendo ido trabalhar na Divisão de Auditoria do mesmo Ministério. Terminada a redação do Projeto Verama, Daniel reiniciou as viagens pelo Brasil, auditando as contas dos órgãos e das entidades subordinados ao Ministério da Agricultura. Em 15 de março de 1979, o Dr. Fernando de Oliveira assumiu o cargo de inspetor-geral de Finanças do referido Ministério. Cinco meses depois, em agosto de 1979, passou ele a exercer o mesmo cargo na Secretaria de Planejamento da Presidência da República ― SEPLAN/PR, sempre acompanhando o então ministro Delfim Netto, já agora titular dessa pasta. Para substituí-lo no Ministério da Agricultura, cujo titular passara a ser o Dr. Amaury Stábile, assumiu o cargo de inspetor-geral de Finanças a Drª Lucy de Andrade Moraes, vinda da Secretaria de Contabilidade da IGF do Ministério da Fazenda.


75

2.5.1 Cargos exercidos Daniel continuava o seu trabalho. De repente, começaram as fofocas na Divisão de Auditoria. Sentindo-se incomodado, foi ao gabinete do ministro oferecer seus préstimos. Ao retornar à IGF, foi chamado pela Drª Lucy. Ela lhe disse que haviam telefonado, determinando que ele fosse colocado à disposição do referido gabinete. Insistiu com Daniel, perguntando-lhe o motivo de tal decisão. Daniel, então, contou-lhe o que estava ocorrendo. Ao terminar, a Drª Lucy anunciou: ― Tenho um cargo de assessor para ser preenchido. Você aceita? Daniel ficou atordoado. Jamais vira em sua vida funcional tanta generosidade. Um cargo de assessor do inspetor-geral de Finanças? Voltando a si, Daniel aceitou. Só não beijou a mão da Drª Lucy porque não tinha, ainda, intimidade para tanto. Mas agradeceu, e viu na face dela um verdadeiro anjo. Foram seis meses de contatos diários, e ficaram tão íntimos que até brincavam: “Na próxima encarnação, vamos voltar de sexos trocados e nos casar.” Passados alguns meses, o diretor da Divisão de Auditoria, Gerardo Antônio Monteiro de Paiva Gama, teve de retornar ao seu órgão de origem. E, novamente, num gesto magnânimo, a Drª Lucy convidou Daniel para ser o novo diretor da citada Divisão, cargo que exerceu de 25 de janeiro de 1980 a 2 de junho de 1982.

2.6 Na Secretaria de Planejamento da Presidência da República Daniel deixou a Divisão de Auditoria do Ministério da Agricultura para trabalhar, a partir do dia 3 de junho de 1982, na Secretaria Central de Controle Interno, órgão da Secretaria de Planejamento da Presidência da República.


76

2.6.1 Cargos exercidos Na Secretaria de Auditoria da SECIN/SEPLAN/PR, Daniel exerceu, até o dia 10 de março de 1983, o cargo de coordenador de Auditoria de Programas. A partir de então, foi nomeado delegado regional de Auditoria no Distrito Federal. Ressalte-se, mais uma vez, que o DF ficou com jurisdição em todo o território nacional, até que fossem instaladas as demais Delegacias de Auditoria, à exceção da do Rio de Janeiro, já criada. Com a independência dos auditores, porque subordinados agora à Delegacia Regional de Auditoria no Distrito Federal e não mais aos secretários de Controle Interno dos respectivos Ministérios, foram descobertos e relatados casos de extrema gravidade. O mais sério deles, apenas para citar um, foi o caso da farra do uísque ou a adega do poder, que será narrado por Dr. Fernando de Oliveira, no Capítulo VI desta obra, no conteúdo da carta que ele enviou a Daniel, sob o título A SOCIEDADE ETILISTA DE BRASÍLIA.

2.7 Novamente no Ministério da Agricultura O telefone tocou, Daniel atendeu. Era o Dr. Fernando de Oliveira, chamando-o ao seu gabinete. Ao entrar, Daniel viu a Drª Lucy. Ficou admirado. Ao abraçá-la, ela lhe disse: ― Vim aqui falar com o Dr. Fernando para liberá-lo a fim de que você seja nomeado secretário de Controle Interno do Ministério da Agricultura. Daniel ficou atônito. Secretário de Controle Interno do Ministério da Agricultura? Cargo disputadíssimo, com carro chapa de bronze, salário alto, DAS-101.5, subordinado diretamente ao ministro? Era prestígio demais para um cabra da peste.


77

2.7.1 Cargo exercido O Dr. Fernando relutou, mas concordou. Daniel foi nomeado no dia 16 de janeiro de 1984 e empossado nesse mesmo dia. Houve discursos de parte do ministro Amaury Stábile e da Drª Lucy, finalizando com as palavras de agradecimento de Daniel. A Drª Lucy, anjo protetor de Daniel, ao se despedir, confessoulhe: ― Eu nunca agi incorretamente com qualquer pessoa, muito menos com subordinado. As informações que tinha a seu respeito eram descabidas. Para conferi-las, comecei nomeando-o meu assessor e, depois, diretor da Divisão de Auditoria. Quanta injustiça você sofreu! E brincando, recordou: ― Ficamos então combinados: na próxima encarnação, viremos de sexos trocados e nos casaremos... Risos dos dois. Ainda hoje, decorridos mais de vinte e cinco anos, todas as noites Daniel lembra-se, em suas orações, da Drª Lucy de Andrade Moraes, pessoa digna de reconhecimento por todos os que com ela trabalharam. Em 15 de março de 1985, assumiu a Presidência da República o senhor José Sarney, nomeando Pedro Simon ministro da Agricultura. Poucos dias depois, entrou no gabinete de Daniel um senhor, dizendo-lhe que tinha vindo assumir o cargo de secretário de Controle Interno. Daniel perguntou-lhe: ― A sua portaria de nomeação já foi publicada no Diário Oficial da

União? ― Ainda não, respondeu-lhe. ― Pois só deixarei o cargo depois da publicação. E admitiu: ― Não devo entregar um cargo sem documento oficial. Se a sua nomeação demorar, a responsabilidade por qualquer ato será minha. O senhor deixou a Secretaria de Controle Interno irritado. Não demorou nem 10 minutos e Daniel foi chamado ao gabinete do ministro. Ali foi atendido por um assessor do secretário-geral, que também quis impor a Daniel


78

a entrega do cargo sem a publicação da portaria. Daniel recusou, informandolhe que ia aguardar a publicação do ato, e retirou-se, decepcionado. O secretário de Controle Interno era diretamente subordinado ao ministro, no caso, ao senhor Pedro Simon, e este não se dignara sequer a falar com Daniel para saber como estavam se portando os órgãos e as entidades do Ministério da Agricultura no que dizia respeito às auditorias. Enfim, no dia 10 de abril de 1985, eis que foi publicada a portaria destituindo Daniel do cargo de secretário de Controle Interno do Ministério da Agricultura e nomeando seu substituto. A rádio corredor comentava que havia ordem do gabinete do ministro para demitir Daniel assim ele que retornasse à Cobal, em represália por ter sido um dos autores do Projeto Verama. A dispensa seria sem justa causa, recebendo Daniel o FGTS e a multa de 40% incidente sobre o saldo. E ainda perderia o apartamento funcional. Daniel, temeroso, apresentou-se à Cobal. E pensava: “Depois de tantos e inestimáveis serviços prestados ao governo nos relevantes cargos que exercera, mercê de esforço pessoal, o reconhecimento seria um chute no traseiro?” Ao ser recebido pelo chefe do Setor de Auditoria da Cobal, Raimundo Nonato dos Santos, este pediu a Daniel: ― Aguarde um pouco. Sente-se ali e espere. Em seguida, chamou todos os funcionários da Auditoria e saiu, com eles, da sala. Demoraram cerca de meia hora. Ao retornar, dirigiu-se a Daniel: ― Fomos até a sala do presidente do Conselho de Administração para solicitar-lhe nossas dispensas, caso persistisse a ordem de demiti-lo. Seria uma atitude desumana e injustificável. Você sempre foi um ótimo colega, jamais procedeu incorretamente, e nós não iríamos pactuar com essa decisão absurda. O presidente do Conselho ligou para o gabinete do ministro, que desfez a ordem. Agora, vamos trabalhar. Daniel ficou perplexo. E refletia: só fizera o bem ao país, e esse era

o

pagamento

que

recebia

de

um

governo

que

assumira

pós-


79

democratização? Se jamais participara de qualquer ação que ferisse o direito de pessoas, fosse durante o regime militar, fosse em algum outro movimento, por que a paga tão mesquinha?

2.8 No Serviço Nacional de Informações Daniel não se conformava com a injustiça que sofrera. Começara a fazer auditorias nos supermercados da Cobal, em várias cidades do interior de Goiás e de Minas Gerais. Dormia em pensões humildes, em vagas de quartos com três pessoas. Não via futuro. Por isso, procurou o coronel Nelson Barcelos da Veiga Filho, secretário de Controle Interno do Serviço Nacional de Informações (SNI), pedindo-lhe que o requisitasse a fim de poder servir nesse órgão. O Cel. atendeu sua solicitação. Durou cerca de seis meses o período entre o início do pedido da requisição e a data de sua concretização. A vida de Daniel foi vasculhada de fio a pavio, até que chegou o dia da entrevista, a última fase dos testes do processo requisitório. Daniel foi chamado à Escola Nacional de Informação (ESNI) e colocado em uma sala. De repente, diante dele, apareceram dois

armários, cada um mais parrudo que o outro. Mandaram Daniel sentar-se em uma cadeira e ocuparam outras duas, em volta de mesa redonda. Fizeram-lhe uma série de perguntas. Todas foram respondidas. Para finalizar, indagaram: ― O que o senhor acha dos comunistas? ― Onde?, perguntou Daniel. ― Ora, aqui no Brasil, responderam. ― No Brasil não há comunistas. Há oportunistas. Vejam se eles trocam um prato de caviar por um de farinha com rapadura? Se eles tiverem duas casas, dão uma para quem precisa de moradia?, respondeu Daniel. ― O senhor está aprovado, concluíram.


80

2.8.1 Cargos exercidos Daniel foi requisitado e passou a prestar serviços ao SNI, a partir de 21 de novembro de 1986. Foi nomeado, a começar dessa data, como chefe da Seção de Administração Financeira. E, a partir de 1º de janeiro de 1989, foi designado subsecretário de Auditoria, cargo que exerceu até 16 de novembro do mesmo ano.

2.9 Na Fundação Visconde de Cabo Frio Depois de deixar o Serviço Nacional de Informações (SNI), Daniel foi convidado a trabalhar na Fundação Visconde de Cabo Frio, entidade dos servidores do Ministério das Relações Exteriores.

2.9.1 Cargo exercido Aceitando o convite, Daniel foi nomeado para exercer o cargo de diretor administrativo e financeiro, a partir de 21 de fevereiro de 1990. Trabalhou na Fundação por mais de dez anos, dela tendo sido dispensado em 18 de setembro de 2000. Acusado de mau administrador por não ter contribuído para superar os problemas que enfrentava a Fundação, não evitando o prosseguimento da redução do patrimônio da entidade, foi dispensado por justa causa. Referida acusação foi montada com base em três fatos: 1. empréstimos tomados à Fundação como diretor; 2. não recolhimento relativo ao FGTS dos funcionários da Fundação e 3. não pagamento de multa pela concessão de férias, no prazo legal, a si e a funcionários da Fundação.


81

É de se esclarecer que, no primeiro caso, as contas haviam sido aprovadas pelos Conselhos Fiscal e de Administração da entidade. No segundo e no terceiro casos, foram atendidas as determinações do Conselho de Administração. Todos os fatos estavam registrados em atas desse Conselho, referendadas pela Promotoria de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Por considerar injusta a acusação, Daniel ingressou na Justiça do Trabalho ― Processo nº 17-1197/2000 ―, reivindicando o que lhe era devido. Depois de quase dois anos de luta, seus direitos foram reconhecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Recebeu ele, então, a devida indenização, por ter sido julgada improcedente a culpa que lhe fora atribuída. O despacho do ministro Ives Gandra Martins Filho, dando razão a Daniel, foi publicado no Diário da Justiça, de 9 de maio de 2002, Seção I, p. 381: ‘Proc. NºTST – Airr-20438-2002-900-10-00-3 AGRAVANTE: FUNDAÇÃO VISCONDE DE CABO FRIO Advogado: Dr. Heráclito Zanoni Pereira AGRAVADO: JOSÉ DANIEL DE ALENCAR Advogado: Dr. João Duarte Moreira DESPACHO A Presidência do 10º Regional trancou a revista interposta pela Reclamada, com supedâneo nas Súmulas nos 126, 196,e 297 do TST (fls. 329-330). Inconformada, a Reclamada veicula o presente agravo de instrumento, sustentando que foram demonstradas, nas razões do recurso de revista, violações legais e constitucionais, bem como divergência jurisprudencial (fls. 322-338). Contraminutado o agravo (fls. 398-408), sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, em face da Resolução Administrativa nº 322/96. O recurso é tempestivo (fls. 331-332), regular a representação (fl.48) e foi processado nos autos principais. No que tange à justa causa decorrente de suposto ato de improbidade administrativa, o Tribunal de origem foi claro ao consignar que os empréstimos feitos pelo Autor, ainda que para si


82 mesmo, não configuram justa causa, se as contas da instituição foram aprovadas tanto pelo conselho fiscal quanto PELA ADMINISTRAÇÃO. Consignou, ainda, que à época da concessão dos empréstimos, o Reclamante não sofreu nenhuma sansão, o que configura perdão tácito da Reclamada. Por último, o Tribunal a quo afirmou que os empréstimos foram quitados, não causando nenhum prejuízo para a Reclamada. A demanda, no particular, restringe-se a determinar se os empréstimos que o Reclamante efetuou para si mesmo, como diretor da Reclamada, configura ou não ato de improbidade administrativa, suficiente para ensejar sua demissão por justa CAUSA. A

matéria

é

de

cunho

nitidamente

interpretativo, porquanto nem o art. 37, caput, da Constituição Federal, que se limita a elencar os princípios básicos a serem obedecidos pela administração pública, nem o art. 482, ‘a’, da CLT, que consigna que o ato de improbidade pode amparar a demissão por justa causa, apontados como violados pela Reclamada, disciplina expressamente a vertente abordada nos autos em que o Reclamante se concedeu empréstimos que foram posteriormente pagos e, ainda, que as contas referentes à sua gestão foram aprovadas tanto pelo conselho fiscal quanto pela administração. Assim sendo, a matéria só pode ser combatida por intermédio de demonstração de dissenso pretoriano, ônus do qual não se desincumbiu a Reclamada, visto que o único aresto colacionado desserve ao fim colimado por ser inespecífico, já que parte da premissa de que o Reclamante se apropriou indevidamente de numerários da Reclamada.O Recurso encontra óbice na Súmula nº 296 do TST. Quanto à alegação de que são indevidos o recolhimento referente ao FGTS e à multa por não-concessão de féria no prazo legal, porque foi o próprio Reclamante que, como diretor, não concedeu as férias e não fez o correto recolhimento do FGTS, também não prospera o recurso, uma vez que o Tribunal, a quo foi claro no sentido de que a mora em honrar tais compromissos decorreu do fato de que a Reclamada não dispunha de recursos suficientes e não da má gestão do Reclamante. Cabe ressaltar que, segundo afirmou o Tribunal a quo, a administração anterior já decidira que, em tais casos, seria melhor acumular as férias.


83 Ora, não ficando configurada que a má gestão do Reclamante acarretou o atraso na concessão das férias e no recolhimento dos valores destinados ao FGTS, não há como vislumbrar violação dos arts.159 e 1.058 do CCB e 5º,II, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Por outro lado, a verificação de má gestão por parte do Reclamante exigiria o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado em sede de recurso de revista pela Súmula nº 126 do TST. Diante do exposto, com lastro no arts. 896,§ 5º, da CLT e 557, caput, do CPC, denego seguimento ao agravo de instrumento, em face do óbice da Súmula nº 126 e 296 do TST. Publique-se. Brasília, 29 de abril de 2002. IVES GANDRA MARTINS FILHO Ministro-Relator’

Com esse episódio, Daniel lembrou-se de um dos sábios conselhos de seu pai quando recomendava aos filhos que andassem sempre direito e cumprissem seus deveres: ― Só assim, quando uma pessoa der um grito em um de vocês, vocês dão dois nela.

SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO I 1. O SISTEMA DE CONTROLE INTERNO NO PODER EXECUTIVO FEDERAL PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988 Está relatada no subtítulo 2.3, Mudança funesta, a transformação ocorrida no sistema de controle interno, no início da gestão do governo José Sarney, em 1985. Os servidores que fiscalizavam a aplicação de recursos públicos, na época, eram denominados auditores, mas com a edição do


84

Decreto-lei nº 2.346, de 23 de julho de 1987, regulamentado pelo Decreto nº 95.076, de 22 de novembro de 1987, foi criada, no âmbito do Ministério da Fazenda, a carreira de Finanças e Controle, composta dos cargos de técnico de Finanças e Controle, nível médio, e de analista de Finanças e Controle, nível superior. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema de controle interno continuou subordinado ao Ministério da Fazenda. Em 1994, o presidente Itamar Franco assinou a Medida Provisória (MP) nº 480, de 27 de abril de 1994, que criou a Secretaria Federal de Controle Interno. Essa Medida foi reeditada até a de nº 2.112-88, de 26 de janeiro de 2001, tendo sido convertida na Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001, assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, portanto, mais de sete anos depois da primeira edição da MP. A referida Lei determinava como integrantes do sistema a Secretaria Federal de Controle Interno, como órgão central, subordinada ao Ministério da Fazenda, e as Secretarias de Controle Interno dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores, a Advocacia-Geral da União e a Casa Civil, como órgãos setoriais. Determinava ainda que o controle interno da Casa Civil abrangia, como área de atuação, todos os órgãos integrantes da Presidência e da Vice-Presidência da República, além de outros determinados em legislação específica. Instituiu a mencionada Lei a Comissão de Coordenação de Controle Interno, órgão colegiado de coordenação do sistema, com o objetivo de promover a integração e de homogeneizar entendimentos dos respectivos órgãos e unidades. Foi criada no governo Fernando Henrique Cardoso pela Medida Provisória nº 2.143-31, de 2 de abril de 2001, no âmbito da Presidência da República, a Corregedoria-Geral da União. E novas alterações se sucederam no âmbito do controle interno, com a edição do Decreto nº 4.113, de 5 de fevereiro de 2002, que transferiu a Secretaria Federal de Controle Interno para a Casa Civil da Presidência da República e, posteriormente, com o Decreto nº 4.177, de 28 de março de 2002, para a Corregedoria-Geral da União, também da Presidência da República.


85

Em 8 de maio de 2002, a Medida Provisória nº 37 transformou, em seu artigo 3º, a Corregedoria em Controladoria-Geral da União (CGU), e o cargo de ministro de Estado corregedor-geral da União em ministro de Estado chefe da Controladoria-Geral da União. A Medida Provisória nº 37/2001 foi convertida na Lei nº 10.539, de 23 de setembro de 2002, retirando os artigos que transformavam a Corregedoria em Controladoria-Geral da União. Com essa providência, então, ficaram revogados dispositivos dos Decretos nos 3.591, de 6 de setembro de 2000, e 4.304, de 5 de fevereiro de 2002, que alteravam tal denominação. A Controladoria-Geral da União foi recriada no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a assinatura da Medida Provisória nº 103, de 1º de janeiro de 2003. Convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, o artigo 31, inciso III, transforma a Corregedoria em ControladoriaGeral da União e o artigo 1º, parágrafo 3º, inciso I, considera a ControladoriaGeral da União como órgão integrante da Presidência da República. O Decreto nº 4.785, de 21 de julho de 2003, que aprovou a estrutura regimental dessa Controladoria, foi revogado pelo Decreto nº 5.683, de 24 de janeiro de 2006. O Decreto nº 4.923, de 18 de dezembro de 2003, regulamentou as disposições contidas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 17 da Lei anteriormente citada. Por fim, em 2005, mediante o Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, são organizadas, sob a forma de sistema, as atividades de correição do Poder Executivo federal a fim de promover sua coordenação e harmonização. A Controladoria-Geral da União integra o referido sistema de correição como órgão central, consoante o disposto no inciso I do artigo 2º do mencionado Decreto. E nova Lei, nº 11.204, de 2005, estabeleceu a estrutura básica da Controladoria e a denominação do seu titular como ministro de Estado do Controle e da Transparência. Atualmente, no Poder Executivo federal, o sistema de controle interno é exercido pela Controladoria-Geral da União como órgão central do sistema, tendo como órgãos setoriais as Secretarias de Controle Interno dos


86

Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores, a Advocacia-Geral da União e a Casa Civil.

CAPÍTULO II 2. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO Daniel acompanhava pela mídia os casos de corrupção, quando uma notícia chamou-lhe a atenção: o Brasil promulgara a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) para combater a corrupção. Foi buscar, então, o teor da histórica Convenção no Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, publicado no Diário Oficial da União ― Seção 1, de 1º/2/2006, com a seguinte ementa: ‘Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003.’

A Convenção, que entrou em vigor internacional em 14 de dezembro de 2005, foi ratificada pelo governo brasileiro em 15 de junho de 2005. O texto original está em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo, possuindo estes igual autenticidade. Seu conteúdo trata de obrigações e responsabilidades atinentes aos países participantes da ONU ― cerca de 300 ―, as quais, se seguidas à risca, reduzirão ― e muito ― a corrupção mundial. Ora, quem diria que uma luta iniciada há cerca de quarenta anos por Daniel, um cabra da peste nascido à beira dos barrancos do rio Parnaíba, Piauí, numa casa de taipa, com piso de areia, iria coincidir com providências adotadas pela Organização das Nações Unidas para coibir a corrupção?


87

CAPÍTULO III 3. O CUSTO DA CORRUPÇÃO Daniel se aprofundava em pesquisas para embasar, ainda mais, sua luta contra os malefícios causados pela corrupção. E a Folha de S. Paulo, de 9 de março de 2010, à página A2, na coluna Editoriais, veio confirmar sua preocupação e as razões de suas batalhas, pois, com o título em referência e o texto abaixo, reforçou sua inquietação: ‘Estudo da PF indica que superfaturamento em obras públicas consome quase 30% dos recursos e é prática generalizada Não é incomum que autoridades brasileiras rechacem os rankings de corrupção divulgados anualmente pela Transparência Internacional por considerá-los imprecisos e falaciosos. Além do fato de o país aparecer em posições constrangedoras,

os

critérios

adotados

pela

organização

não

governamental são depreciados por seu aspecto subjetivo ― não se trata de medir a corrupção, mas de aferir como os diversos governos são avaliados neste quesito por analistas e homens de negócios. No último sábado, relatório da Polícia Federal, obtido pela FOLHA, conferiu alguma objetividade àquilo que nos rankings é apenas a percepção. Levantamento feito pelo Serviço de Perícias de Engenharia e Meio Ambiente da PF apontou superfaturamento de cerca de R$ 700 milhões em 303 obras inspecionadas. O trabalho conclui que de cada R$ 100 desembolsados pelo poder público, R$ 29, em média, foram superfaturados. Ainda que se levem em conta algumas ressalvas à inspeção, apontadas por empresas, e o caráter por ora inconcluso da investigação, o resultado não deixa dúvida quanto à gravidade do fenômeno. Pelos quatro cantos do país, da esfera federal à municipal, cerca de 30% do dinheiro do contribuinte aplicado em prédios, obras viárias, sistemas de esgoto, portos e aeroportos pode escoar pelo ralo da corrupção.


88 Em valores absolutos, Rio de Janeiro, Goiás e São Paulo, nesta ordem, lideram este novo ranking da dissipação de recursos públicos, com um total de R$ 418 milhões. Embora tenham sido periciadas no ano passado, as obras em questão datam de períodos variados. Há contratos assinados de 1994 a 2009. Nas palavras do diretor técnico-científico da PF, o estudo evidencia ‘uma prática de sobrepreço reinante’, que irriga ‘diversos gabinetes e setores’. Note-se que o trabalho refere-se apenas a uma modalidade de malversação. Além do superfaturamento, há, como se sabe, uma miríade de artifícios criada pela imaginação de políticos e governantes com o intuito de alimentar suas campanhas e contas bancárias. Casos de fraudes em concorrências, propinas, caixa dois, comissões e pagamentos por tráfico de influência são corriqueiros no noticiário político, por vezes demasiadamente próximo da crônica policial. A corrupção não é um mal que aflige apenas a sociedade brasileira, mas é inegável que aqui os desvios são incentivados pela cultura da desinformação, do compadrio e da impunidade. Não será com instâncias de fiscalização ornamentais e casos encerrados sem punição que esse quadro será modificado.’

3.1 O prejuízo anual da corrupção no Brasil O jornal O Globo, de 14 de maio de 2010, publicou chocante matéria com dados sobre o desvio anual de recursos no Brasil, sob o título: ‘Corrupção desvia por ano R$ 41,5 bilhões, diz Fiesp’

E, logo abaixo, vem o subtítulo: ‘Total é equivalente a 1,38% do PIB’ ‘Estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que, se os apelos por moral e ética parecem não


89 sensibilizar parlamentares e governantes, os custos econômicos deveriam. De

acordo

com

estudo

do

Departamento

de

Competitividade e Tecnologia da Fiesp, o custo médio anual da corrupção no Brasil é de pelo menos 1,38% do PIB (a soma de toda a riqueza produzida no país), algo como R$ 41,5 bilhões que são desviados todos os anos para os bolsos de políticos e grupos aliados em vez de serem injetados na economia. A Fiesp simulou o quanto poderia ser investido a mais em determinados setores-chave da economia, caso o dinheiro desviado pelos corruptos fosse aplicado na economia. Na educação, a quantidade de alunos matriculados na rede pública do ensino básico poderia subir 47%, ou seja, de 34,5 milhões de jovens e crianças para 51 milhões. Segundo as estimativas do PAC, o total de domicílios com acesso a esgoto é de 22,5 milhões. Com menos corrupção, outras 23,3 milhões de casas poderiam receber esgoto, uma alta de 103,8%. Na saúde, a quantidade de leitos para internação poderia crescer 89%: mais 327.012 leitos. Sem corrupção, o PAC poderia construir casas populares para atender outras 2,9 milhões de famílias além das 3,9 milhões beneficiadas hoje. Para combater o fenômeno, a Fiesp aconselha reformas como a reavaliação da representatividade no Congresso e regras claras para o financiamento de campanha.’

CAPÍTULO IV 4. O MENSALÃO NO DISTRITO FEDERAL Em

uma

operação

deflagrada

pela

Polícia

Federal

por

determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 27 de novembro de 2009, denominada Caixa de Pandora*, foi descoberto o envolvimento de Expressão oriunda de mito grego. A Caixa de Pandora é um mito grego que se tornou uma expressão muito utilizada quando se quer fazer referência a algo que gera curiosidade, mas que é melhor não ser revelado ou estudado, sob pena de se mostrar algo terrível, que possa fugir de controle. Pela lenda, Pandora foi enviada a Epimeteu, irmão de Prometeu, como um presente de Zeus. Prometeu, antes de ser *


90

autoridades em esquema de corrupção, em um dos casos mais repugnantes já vistos na história deste país. Em matéria dos jornalistas Diego Escortegui e Alexandre Oltramari, a revista Veja, que circulou em 9 de dezembro de 2009, publicou cenas de vídeo em que aparecem políticos distritais e empresários recebendo propina. A estrela maior foi o então governador de Brasília, José Roberto Arruda. O autor de tais vídeos foi o delegado aposentado da Polícia Civil, Durval Barbosa, que responde a trinta e sete processos na Justiça, alvo de diversas ações penais. Espera o ex-delegado, com o seu trabalho de gravação, receber os benefícios da delação premiada, negociada com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Vários pedidos de impedimento do governador e de seu vice foram protocolados na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). O governador desfiliou-se do partido Democratas (DEM) em 10 de dezembro de 2009, ficando impossibilitado de concorrer a qualquer cargo público no pleito de 2010. E fato histórico e sem precedentes aconteceu na capital da República: pela primeira vez no Brasil, um governador, em pleno exercício do cargo, é preso. Por 12 votos a 2, a Corte Especial do STJ, em reunião no dia 11 de fevereiro de 2010, determinou o afastamento do cargo e decretou a prisão preventiva do governador José Roberto Arruda, sob acusação de atrapalhar a Operação Caixa de Pandora, decisão estendida a outras cinco pessoas. Paralelamente a essa decisão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) intervenção federal no DF. Antes que o mandado de prisão lhe fosse entregue, o governador apresentou-se, voluntariamente, à polícia. Enviou mensagem à Câmara

condenado a ficar 30 mil anos acorrentado no Monte Cáucaso, alertou o irmão quanto ao perigo de se aceitar presentes de Zeus. Epimeteu ignorou a advertência do irmão e aceitou a oferenda do rei dos deuses, e se casou com Pandora. Ela trouxe uma caixa, que acabou aberta por Epimeteu, liberando os males que haveriam de afligir a humanidade dali em diante: o trabalho, a doença, a loucura, a mentira e a paixão. (Correio Braziliense, 28/9/2009).


91

Legislativa, solicitando afastamento do cargo. Em consequência, assumiu a chefia do Executivo o vice-governador Paulo Octávio (DEM). E, em 23 de fevereiro de 2010, Paulo Octávio renunciou, encaminhando sua decisão à CLDF, tendo o processo de impedimento contra ele sido extinto. Com a renúncia do vice-governador, assumiu interinamente o cargo de governador do Distrito Federal o presidente da Câmara Legislativa, deputado Wilson Lima ― Partido da República (PR). E, em apenas doze dias, o Distrito Federal contou com três governadores. Em 4 de março de 2010, em dois julgamentos considerados históricos, o Supremo Tribunal, ao decidir ação do advogado de Arruda, recusou, por 9 votos a 1, o pedido de habeas corpus e manteve o governador preso. Ressalte-se que o pedido de liberdade já havia sido negado anteriormente, por liminar. A Câmara Legislativa decidiu, por 19 votos a zero, iniciar o processo de impedimento do governador. O Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE/DF), em sessão realizada no dia 16 de março de 2010, cassou o mandato do governador. Houve empate entre os vogais, e, pelo voto de minerva do presidente da sessão, desembargador Lecir Manoel da Luz, foi decidida a cassação por infidelidade partidária. Em 17 de março de 2010, os advogados de Arruda ingressaram com ação no STJ, pedindo que a sua prisão passasse a ser domiciliar, baseados em dois argumentos: a cassação do seu mandato pelo TRE/DF e o seu estado de saúde. No dia seguinte, o ministro do STJ, Fernando Gonçalves, negou o pedido. No dia 18 de março de 2010, a Câmara Legislativa foi notificada pelo TRE/DF sobre a cassação de Arruda. Os deputados aguardaram as 72 horas que ele tinha de prazo para recorrer da decisão. Mas, em 22 de março de 2010, o ex-governador dirigiu carta a seus advogados, Nélio Machado e Luciana Lóssio, recomendando que não recorressem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a decisão do TRE/DF. A advogada, então, protocolou no TRE/DF a


92

decisão de Arruda, anexando à sua petição a carta, de quatro páginas, que dele recebera e na qual afirmava sua saída da vida pública. Os

advogados

do

ex-governador,

nesse

mesmo

dia,

encaminharam também ao STJ novo pedido de revogação de sua prisão preventiva, justificando que Arruda não era mais governador, portanto, não poderia interferir na coleta de provas para instruir as investigações sobre corrupção em seu governo. Em decorrência da decisão do ex-governador, tornaram-se sem efeito a substituição dos deputados envolvidos na Caixa de Pandora pelos suplentes, a notificação ao ex-governador pela Câmara Legislativa sobre a abertura do processo de impedimento contra ele e o pedido de autorização feito pelo STJ para processá-lo. O ministro Fernando Gonçalves, do STJ, determinou à Polícia Federal que fossem realizados, no prazo de dez dias, os estudos técnicos de todo o material apreendido durante a Operação Caixa de Pandora. E mais: que as pessoas que apareceram nos vídeos entregues por Durval Barbosa fossem ouvidas pela corporação. Em 25 de março de 2010, foi publicado, no Diário da Câmara

Legislativa, Ato da Mesa Diretora nº 26, declarando vagos os cargos de governador e vice-governador do Distrito Federal e fixando a data de 17 de abril para a realização da eleição indireta. O dito Ato estabeleceu também as normas para sua concretização. Na sessão de 29 de março de 2010, os deputados distritais referendaram, em 2º turno, a proposta que modifica a Lei Orgânica do Distrito Federal, adaptando-a aos preceitos constitucionais para eleição de governador e vice, no caso de vacância nos dois últimos anos de mandato. Ainda no dia 29 de março de 2010, orientado pelo seu advogado, Nélio Machado, José Roberto Arruda manteve silêncio no momento de depor na Superintendência da Polícia Federal. A defesa de Arruda apresentou ao STJ petição, assinada pelo ex-governador, declarando as razões da impossibilidade do depoimento. Ditas razões se referem ao não conhecimento do processo


93

investigativo na sua totalidade pela defesa. Esta reiterou, ainda, no mesmo documento, o pedido de revogação da prisão de Arruda. Em 30 de março de 2010, Durval Barbosa compareceu à Superintendência da Polícia Federal para prestar depoimento na CPI da Codeplan, que investiga irregularidades no governo nos últimos dezenove anos. Munido de habeas corpus, só falou por, no máximo, 8 minutos. Não respondeu às perguntas da CPI, mas declarou que suas denúncias foram feitas porque não suportava mais os achaques do ex-governador Arruda e do vice-governador, não tendo revelado os tipos de pressão que sofreu. Declarou ainda que estaria por vir um rolo compressor. Depois de sessenta e um dias preso, a Corte Especial do (STJ), em sessão realizada em 12 de abril de 2010, revogou, por 8 votos contra 5, a prisão do ex-governador José Roberto Arruda. Durante o julgamento, o ministro Fernando Gonçalves, relator do inquérito, alegou que, ao perder o cargo de governador, Arruda não tinha mais condições de interferir na coleta de provas relativas ao suposto esquema de corrupção no Governo do Distrito Federal (GDF), e ressaltou que sua liberdade não representava mais perigo às investigações, já que o período de depoimentos havia sido encerrado na semana anterior. Adiantou mais o relator que a Polícia e o Ministério Público Federal haviam passado à fase de estudo dos documentos apreendidos e de dados de quebra de sigilos fiscais e bancários, além da análise de perícias. Na mesma sessão, o STJ liberou também da prisão os outros acusados. Das dez chapas inscritas na Câmara Legislativa, em 7 de abril de 2010, para concorrer à eleição indireta de governador e vice, somente quatro delas participaram da disputa: 1. Chapa 2: Partido Trabalhista Brasileiro ― PTB governador: Luiz Filipe Ribeiro Coelho vice-governador: João Estênio Campelo Bezerra 2. Chapa 3: Partido dos Trabalhadores ― PT governador: Antônio Ibañez Ruiz vice-governador: Cícero Batista Araújo Rola


94

3. Chapa 4: Partido do Movimento Democrático Brasileiro ― PMDB governador: Rogério Schumann Rosso vice-governadora: Ivelise Maria Longhi Pereira da Silva 4. Chapa 6: Partido da República ― PR governador: Wilson Ferreira de Lima vice-governador: Jucivaldo Salazar Pereira Para surpresa geral, foi eleito, em 17 de abril de 2010, em 1º turno, com 13 votos (maioria absoluta), para governador do Distrito Federal, Rogério Rosso e, para vice-governadora, Ivelise Longhi. Os eleitos tomaram posse em 19 de abril de 2010. De dezembro de 2009 a abril de 2010, em dias alternados, houve confronto entre manifestantes, contra e a favor de Arruda, tendo a Polícia Militar de intervir em várias ocasiões. Em 25 de março de 2010, representantes de cinquenta e sete entidades, encabeçadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deram um abraço simbólico no prédio do STF, tendo sido entregue ao ministro Cezar Peluso, que assumiria a presidência da Corte em abril, um manifesto contrário à intervenção federal no DF. Em 7 de abril de 2010, cerca de duzentas pessoas juntaram-se, à noite, para se expressar em favor da intervenção federal no DF. Carregando cartazes e velas, protestaram contra a corrupção. Grades separavam o STF dos participantes, que não puderam abraçar o prédio como desejavam. A polícia, de longe, acompanhou o protesto. Em sessão extraordinária realizada no dia 22 de junho de 2010, a Câmara Legislativa cassou, em votação secreta, por 16 votos a 3, o mandato da deputada Eurides Brito ― PMDB. Os parlamentares entenderam que ela praticou os crimes de improbidade administrativa, formação de quadrilha e lesão ao erário. A deputada apareceu em um dos vídeos de Durval Barbosa guardando dinheiro na bolsa. Todos os citados na Operação Caixa de Pandora terão de se defender perante a Justiça. Faz-se mister, para juízo de valores, aguardar o


95

resultado das investigações e o pronunciamento da Justiça, bem como a conclusão dos trabalhos da CPI da Codeplan.

4.1 A estatística da corrupção A jornalista Ana Dubeux, em artigo intitulado A estatística da

corrupção, publicado no Correio Braziliense, de 30 de maio de 2010, p. 20, Opinião, aborda o impressionante esquema de corrupção, que veio à baila com a Operação Caixa de Pandora. No artigo, expressa sua indignação contra os desmandos constatados e os prejuízos irreparáveis sofridos pela população do Distrito Federal: ‘No engenhoso esquema da corrupção, montado em sete anos de governo (ou desgoverno) no DF, há cifras milionárias, organogramas, planilhas, siglas e classificações que se assemelham a organizações partidárias, neste caso por reunir em grupos políticos com mais ou menos poder de ocupar cargos públicos. Os documentos da investigação que se desdobrou na Operação Caixa de Pandora, aos quais as repórteres do Correio Ana Maria Campos e Lilian Tahan tiveram acesso e vêm publicando desde a semana passada, revelam não somente um esquema documentado ― e, por isso, já histórico ― de gestão fraudulenta, que começou num governo e se sofisticou no seguinte de forma impressionante. Mostram também uma criminosa bifurcação para o Legislativo e o Judiciário. O mais grave, no entanto, são as consequências do derrame do dinheiro, escoado para o bolso dos políticos, ao longo de quase uma década. Recentemente,

publicamos

uma

reportagem

da

repórter Samantha Sallum sobre a saúde no DF, em especial no Hospital de Base. A situação é de calamidade e o sentimento decorrente dela é de inconformismo total. Transporte público e escolas também padecem de problemas crônicos e funcionam cada vez pior. Foram milhões e milhões ― quem poderá dizer ao certo? ― desviados. Pelos cálculos da auditoria do Tribunal de Contas do DF, estão sob suspeita contratos que superam R$ 300 milhões, a maioria com despesas na área de informática. Superfaturamentos, gastos com


96 projetos fictícios e desperdícios compõem o ralo grosso por onde passa toda a bandalheira da política local. Fora as propinas pagas e todo o resto já sabido. Quanto deixou de ser investido em áreas essenciais? É revoltante constatar dia após dia que a corrupção no DF é uma prática endêmica e, ao longo do tempo, tornou-se hegemônica ― tanto que as listas não deixam quase ninguém de fora. Políticos beneficiaram-se com o dinheiro que deveria equipar hospitais, escolas etc. Lembrar-nos disso diariamente, ainda que seja torturante, é necessário. Perdemos dinheiro, perdemos votos e perdemos um tempo precioso, que poderia ter sido investido para fazer de Brasília uma cidade melhor. Portanto, resta-nos a torcida e a fiscalização para que este caso não caia no esquecimento e as investigações não parem.’

4.3 Não à intervenção federal Quanto à intervenção federal no DF, solicitada ao Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República, a Corte jurídica julgou, em sessão realizada no dia 30 de junho de 2010, improcedente o pedido. E o

Correio Braziliense, de 1º de julho de 2010, publicou a seguinte manchete: ‘STF REJEITA INTERVENÇÃO POR AMPLA MAIORIA: 7x1’

Em seguida, descreve, em síntese, os votos dos ministros no julgamento da intervenção: ‘O primeiro voto contrário à violação da autonomia política do Distrito Federal partiu de Cezar Peluzo, presidente do Supremo e relator do caso. Ele considerou que a ordem foi restabelecida na capital da República, não havendo sentido para uma medida tão drástica como a intervenção. Os integrantes da Corte de Justiça que acompanharam o voto de Peluso ressaltaram as ações saneadoras no DF, como a eleição indireta de um governador e a punição de envolvidos. Foram contrários os ministros Dias Toffoli,


97 Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Carlos Ayres Brito foi o único a deferir o pedido apresentado pela Procuradoria-Geral da República.’

E, na página 37 do jornal, na coluna Visão do Correio, foi publicado o seguinte comentário: ‘Vitória da sensatez Merece aplauso a decisão do Supremo Tribunal Federal contra a intervenção na capital da República. O bom senso imperou na sessão de ontem quando, por 7 X 1, respeitou-se a autonomia política do DF. Em harmonia com os princípios da Carta Magna, a Lei Orgânica estabelece as regras do processo sucessório no caso de vacância do cargo de chefe do Executivo. A solução constitucional assegurou a governabilidade. O Correio Braziliense, desde o primeiro momento da crise, defendeu a alternativa democrática como a melhor para a cidade. Acertou. Apesar da gravidade dos fatos, a ordem pública foi mantida sem traumas. A população retomou a rotina, o Estado funciona, as eleições seguem o curso previsto na lei. Brasília soube encontrar a saída que lhe preservou a soberania duramente conquistada. Sai da tormenta mais madura, mais forte e mais confiante nas instituições.’

CAPÍTULO V 5. A LEI DA FICHA LIMPA Não obstante o que já foi abordado até agora sobre a perversidade da corrupção, igualmente contra ela há poderosas forças engajadas com o objetivo de reprimi-la, como poderá ser observado pelo que vai descrito em seguida.


98

O Senado, em sessão realizada no dia 19 de maio de 2010, aprovou, por unanimidade ― 76 votos favoráveis ―, o chamado projeto de lei da Ficha Limpa. A Folha de S. Paulo, do dia 21 de maio de 2010, na p. A2, em

Opinião, na coluna Editoriais, publicou o artigo reproduzido a seguir: ‘Vitória moral Aberta a dúvidas tanto práticas quanto teóricas, lei da ‘ficha limpa’ mostra ainda assim o peso da mobilização popular O MAIS IMPORTANTE aspecto da lei da ‘ficha limpa’, aprovada pelo Senado Federal nesta quarta-feira, é que o diploma resultou de um amplo esforço de mobilização da sociedade. Subscrito por cerca de 1,6 milhão de cidadãos, o projeto foi apresentado ao Legislativo pelo mecanismo constitucional da iniciativa popular, dispensando o patrocínio de qualquer partido, deputado ou senador. Por mais de uma ocasião, previu-se que terminaria engavetado. Não parecia plausível, com efeito, que a maioria dos parlamentares manifestasse interesse num diploma visando a impedir a candidatura de quem tivesse condenações na Justiça, em função de crimes contra o patrimônio público ou de natureza eleitoral, por exemplo. Mesmo eliminados os pontos mais draconianos do projeto, permanece a surpresa de sua aprovação. Explica-se, sobretudo, pelo interesse, pelo respaldo de opinião e pela publicidade ― no bom sentido ― que cercaram a iniciativa, tornando insustentável para os próprios políticos, ainda mais num ano eleitoral, que se inclinassem a dar ao processo algum outro desfecho. A pressão da sociedade teve efeitos sobre o Legislativo. Não é pouco. Mas é provavelmente tudo. Na prática e na teoria, a lei da ‘ficha limpa’ comporta uma série de dúvidas quanto à sua conveniência e aplicação. Fica

por

resolver,

no

plano

imediato,

se

seus

dispositivos irão valer já para as próximas eleições. Minúcias técnicas e questões de regulamentação ainda estão por decidir.


99 Do ponto de vista jurídico, há largo espaço para discussões, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quanto à constitucionalidade da lei. De que modo se concilia o princípio da presunção da inocência, tantas vezes reiterado em decisões polêmicas do STF, com a ideia de que alguém deva ser privado de seus direitos políticos enquanto ainda não foi julgado em última instância? Note-se que a esmagadora maioria, se não a totalidade, dos atuais deputados e senadores não se vê atingida pela nova lei. Surge até a figura do ‘ficha sujo oculto’ ― o parlamentar que, votando a favor do projeto, julga avalizar para si próprio uma disposição ética que nada, em sua vida pregressa, autorizou-o alguma vez a ostentar. Eis, para lembrar o conhecido bordão, a homenagem que o vício presta à virtude. Vitória moral, sem dúvida, de quem se sente inconformado com o espetáculo do oportunismo, da fraude e da criminalidade pura e simples na vida política brasileira. A lei da ‘ficha limpa’ não os elimina ― e nem tem poder sobre as decisões de inúmeros eleitores que, por desinformação ou indiferença, reiteradamente conduzem corruptos ao poder. Na surpresa de sua aprovação, mostrou-se todavia o peso que pode assumir a mobilização de muitos, quando essa mesma tentação da indiferença deixa de contaminá-los também.’

O projeto foi sancionado, sem veto, no dia 4 de junho de 2010, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi transformado na Lei Complementar nº 135, publicada no Diário Oficial da União do dia 7 seguinte. Por tratar-se de fato digno de pertencer à História, é transcrita abaixo matéria publicada no jornal O Globo, de 5 de junho de 2010, de autoria das jornalistas Luíza Damé e Isabel Braga: ‘Sem veto, Ficha Limpa vira lei Tribunais superiores terão de decidir agora sobre o alcance da medida para este ano Cinco dias antes do encerramento do prazo final, em 9 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem, sem vetos nem mudanças, a lei que proíbe a candidatura de políticos com condenação judicial por crimes graves. A lei, conhecida como Ficha


100 Limpa, é resultado de um projeto de iniciativa popular, apresentado na Câmara em setembro do ano passado, com mais de 1,3 milhão de assinaturas. Agora, começará no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo Tribunal Federal (STF) o debate sobre se a exigência de ficha limpa vale para as eleições de 2010 e se a lei será aplicada para barrar os candidatos que já foram condenados ou apenas para os que vierem a ser condenados. Uma emenda de redação, apresentada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) e aprovada no Senado, provocou polêmica sobre a abrangência da lei e sua validade para as eleições de outubro. Os senadores substituíram a frase ‘os que tenham sido condenados’ por ‘os que forem condenados’. Há a interpretação de que a nova lei só valerá para condenações futuras. O presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, entende que a lei abrange apenas os condenados entre a sanção (segunda-feira) e o registro das candidaturas, em 5 de julho. A Advocacia Geral da União (AGU) recomendou ao presidente a sanção da lei, sem vetos. Sobre a emenda de redação, a AGU disse que deve ser ouvida a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que a aprovou, considerando que não modifica o espírito da proposta. Integrante do Movimento Ficha Limpa, o presidente da Ordem

dos

Advogados

do

Brasil

(OAB),

Ophir

Cavalcante,

comemorou: — O recado foi dado pelos eleitores: basta de corrupção, de usar os mandatos como instrumento de impunidade. Basta de tratar a política como negócio privado. É uma vitória da sociedade, um grito de independência pela ética na política. Ophir disse que não há por que pôr em dúvida a aplicação da nova lei nas eleições deste ano. E lembrou que a própria lei de inelegibilidades foi aprovada em maio de 1990 e vigorou nas eleições do mesmo ano: — Justificou-se à época que não haveria modificação no processo eleitoral, mas no requisito de elegibilidade. Por que valeu para aquela época e agora não vale? Ophir disse achar que a alteração do tempo verbal feita pelo Senado não alterou a essência do projeto: — É uma interpretação absurda. O entendimento é o de que ainda não temos candidatura, elas só serão formalizadas depois. A lei abrange todos os que estão condenados em processo em curso.


101 Especialistas em legislação eleitoral entendem que, como a lei foi sancionada antes de 9 de junho, data de início das convenções partidárias para escolha dos candidatos, as regras poderão ser aplicadas neste ano. Mas os prejudicados pela lei poderão recorrer à Justiça, pois a Constituição estabelece que as normas eleitorais têm de ser aprovadas pelo menos um ano antes do pleito. Inelegibilidade passa para oito anos Pela legislação atual, são considerados inelegíveis apenas os candidatos com condenação definitiva, em última instância da Justiça. A Lei Ficha Limpa veda a concessão do registro eleitoral aos condenados na Justiça por crimes graves, em instância colegiada (decisões tomadas por mais de um juiz). Estão incluídos, por exemplo, processos de cassação de mandato, crimes contra a vida, tráfico de drogas e improbidade administrativa. A lei veda ainda o registro de candidatura aos políticos condenados por crime eleitoral cuja pena é a prisão, e também aos políticos que renunciarem aos mandatos para que não seja aberto processo por quebra de decoro. O prazo de inelegibilidade é ampliado de três para oito anos. O deputado Índio da Costa (DEM—RJ), um dos relatores do projeto na Câmara, comemorou a sanção: —

Foi

um

grande

passo,

mas

precisamos

dar

continuidade a esse trabalho, através da reforma política. Jovita José Rosa, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que articulou a coleta de assinaturas para o projeto de iniciativa popular, vibrou com a sanção. O MCCE integra mais de 40 entidades da sociedade civil: — Estamos que é só alegria e já pensamos na reforma política. Se o Congresso não faz, a sociedade vai fazer. Estamos com uma mobilização boa, não podemos deixar que se desfaça. Temos que ousar mais. A proposta original vetava a candidatura até dos políticos condenados por crimes graves em primeira instância, mas enfrentou resistência.’


102

O Tribunal Superior Eleitoral, em sessão de 10 de junho de 2010, decidiu, com o voto contrário apenas do ministro Marco Aurélio Mello, que a validade da lei para políticos de ficha suja se aplicaria para as eleições deste ano. Quanto à sua abrangência e às dúvidas ainda existentes, seriam elas tratadas na reunião seguinte da Corte, a realizar-se no dia 17 de junho de 2010. De fato, o TSE, em sessão realizada nesse dia, decidiu sobre o alcance da lei em relação aos políticos de ficha suja. É o que informa o jornal O

Globo , de 18 de junho de 2010, com a manchete na primeira página: ‘TSE bane destas eleições todos os já condenados’

E, com o subtítulo: ‘Decisão inclui condenações anteriores à sanção da Lei da Ficha

Limpa’,

está a síntese assim redigida: ‘Em resolução histórica, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a Lei da Ficha Limpa valerá para todos os candidatos condenados por crimes graves em órgãos colegiados ― mesmo que a condenação seja anterior à sanção da lei, em 4 de junho. Com isso, todos os condenados ficam banidos das eleições. O resultado foi 6 a 1, e só Marco Aurélio Mello votou contra. O relator, ministro Arnaldo Versiani, enfatizou que a lei alcança processos em tramitação, já julgados ou sobre os quais cabe recurso. Para o TSE, o direito eleitoral deve proteger a moralidade.’

Na página 3, a jornalista Isabel Braga resume as normas estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral: ‘REGRAS QUE VALEM PARA ESTE ANO FICHA SUJA


103 Veta candidaturas de políticos com condenação na Justiça, nos julgamentos em instâncias colegiadas (decisão de mais de um juiz) DIREITOS POLÍTICOS Amplia de 3 para 8 anos a inelegibilidade RECURSO Permite que um político condenado por órgão colegiado recorra a uma instância superior, para tentar suspender a inelegibilidade. Neste caso, o tribunal superior terá que decidir, também de forma colegiada e em regime de prioridade, se a pessoa pode ou não concorrer SERÃO ABRANGIDOS PELA PROPOSTA: Os crimes dolosos, onde há a intenção, e com penas acima de dois anos. Por exemplo, tráfico de entorpecentes, crimes contra a vida, a economia popular, o sistema financeiro e o meio ambiente, entre outros Os condenados por atos de improbidade administrativa. Geralmente os que exercem cargos no Executivo e os ordenadores de despesa Os que tiverem seus mandatos cassados por abuso de poder político, econômico ou de meios de comunicação, corrupção eleitoral e compra de votos, entre outros Os condenados por crimes eleitorais que resultem em pena de prisão. Estão fora da lista os crimes eleitorais em que os políticos são punidos com multa Os que forem condenados, em decisão transitada em julgado, por crimes graves Os que tiverem sido excluídos do exercício da profissão, por algum crime grave ético-profissional. Aqui incluem-se os casos de pessoas que tiverem seus registros profissionais cassados.


104 Os eleitos que renunciarem a seus mandatos para evitar processo por quebra

de

decoro

também

ficam

inelegíveis

nos

oito

anos

subseqüentes ao término da legislatura’

Na mesma página 3, em matéria dos jornalistas Tatiana Farah, Adauri Antunes Barbosa e Natanael Damasceno, estão citadas opiniões sobre o assunto. ‘Entidades comemoram decisão SÃO PAULO e RIO. Magistrados e entidades como a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) e o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), comemoraram ontem a decisão do TSE de vetar a candidatura de todos os políticos com condenações de órgãos colegiados e não só aqueles que tivessem sido condenados a partir da publicação da Lei da Ficha Limpa, no dia 7 de junho. ― A inelegibilidade não é pena, é critério. E o que determina? Que os candidatos não tenham condenação em órgão colegiado. A sociedade é quem determina os critérios para eleições, por meio do Congresso. Até a última eleição, concordamos com outros critérios, a partir de agora, quisemos mudar ― diz o juiz eleitoral de Imperatriz (MA) Marlon Reis, do comitê nacional do MCCE. Para Reis, ‘ninguém tem direito adquirido’ quando se trata de direito eleitoral. Para o presidente interino da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil), o juiz Francisco Oliveira Neto, a interpretação do chamado ‘tempo verbal’ da lei não deveria ser mesmo vista como questão de retroatividade. ― Estabeleceu-se um novo critério para ser candidato às eleições. Esse critério diz que o candidato não pode ter condenações em decisões colegiadas. Mesmo quando a Constituição fala sobre irretroatividade, ela trata da questão penal e não da matéria (eleitoral). O entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo foi o mesmo do TSE: de que a lei deve ser estendida a todos os candidatos com condenação por decisão colegiada. Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB de São Paulo, Sílvio Salata, a vigência a partir desta eleição da


105 Lei da Ficha Limpa provocará uma enxurrada de recursos dos tribunais regionais, no TSE e no STF. ― Vai tumultuar o processo eleitoral. Imagina um candidato que está trabalhando há quatro anos, tem uma eleição garantida, e agora pode ter sua candidatura anulada porque vai ser atingido pela lei. É óbvio que esse candidato vai recorrer. Para Salata, a decisão de ontem à noite do TSE fere alguns itens da Constituição: ― Essa decisão traz alterações que vão ter como consequência a busca de direitos que se julga garantidos. [...]’

O Correio Braziliense, de 20 de junho de 2010, em Opinião, p. 20, em Visão do Correio, publicou artigo discorrendo sobre o êxito alcançado pela sociedade com a aprovação do projeto Ficha Limpa e a sobre a esperança para o fortalecimento da democracia. ‘Vitória da cidadania A cidadania tem bom motivo para tocar as vuvuzelas, pois seu alarido só vai incomodar quem vinha atirando contra a boa prática republicana e os interesses do povo. Mas a sociedade terá de ficar atenta ao gigantesco, embora ainda incipiente, passo que o país pode dar rumo ao saneamento dos quadros da representação popular e da administração pública brasileira. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cumpriu quinta-feira o que dele se esperava: livrou a sociedade dos efeitos da esperteza de uma emenda de última hora ao texto da Lei da Ficha Limpa. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) mudou o tempo verbal

da

frase

‘tenham

sido

condenados’

para

‘que

forem

condenados’. A tentativa de anistiar os julgados culpados por corrupção e improbidade esteve perto de frustrar o sonho de 1,6 milhão de eleitores que assinaram o projeto de iniciativa popular, apoiados pela maioria da opinião pública. Se tivesse prevalecido a interpretação pretendida pelo autor e alguns políticos interessados em preservar amigos, a porta se fecharia apenas aos futuros bandidos e acabaria servindo de abrigo e de imerecido perdão a figuras que


106 dispensam apresentação, mas não a necessidade de serem banidas da vida pública. Questões semânticas à parte, seguiram os ministros do TSE a boa prática jurídica de levar em conta a intenção do legislador. No caso, o desejo dos milhões de cidadãos que patrocinaram a redação do projeto e não desistiram de pressionar o tempo todo — por meio de entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) — pela rápida tramitação e aprovação pelo Congresso Nacional. Como ocorre numa negociação democrática, o texto original foi abrandado em seus rigores para evitar protelações por parte de interesses poderosos dentro e fora do Legislativo. As duas principais alterações aceitas por todos foram a exigência de condenação por decisão colegiada (mais de um juiz) e a admissão de recurso à instância superior para suspender a inelegibilidade. Mas o saldo dessa batalha cívica chega a ser surpreendente, ante o festival de desmazelos que vinha fazendo da carreira política no Brasil um campeonato de espertezas e velhacarias, frustrando as verdadeiras vocações para a vida pública. Não se conhece democracia que tenha avançado rumo à construção da prosperidade econômica e da justiça social sem que o povo tenha contado com lideranças confiáveis, aptas ao debate elevado e comprometidas com projetos de país claramente colocados à escolha do eleitor. Em vez do valhacouto procurado pelos fichas sujas que se especializaram em tirar vantagem das verbas e cargos públicos, a representação política, desde as câmaras municipais até o Senado Federal, assim como a administração dos municípios, dos estados e da União, podem voltar a atrair os que somam honestidade e inteligência com dedicação à causa pública. É verdade que nem tudo está resolvido. Há ainda muito a fazer pela democracia e pelas boas práticas republicanas no Brasil. Mas, com a Lei da Ficha Limpa, a cidadania volta a ter a certeza de que esse é um combate que vale a pena travar.’


107

5.1 Repercussão mundial A Folha de S. Paulo do dia 13 de junho de 2010, na p. A3, em

Opinião, na coluna Tendências/Debates, publicou artigo do mexicano Alejandro Salas, cientista político, mestre em políticas públicas pelo Institute of Social

Studies, em Haia ― Holanda, diretor do Departamento das Américas da Transparência Internacional. Com o título Ficha Limpa é vitória exemplar, o cientista ressalta a importância da interação Estado/sociedade no amadurecimento da democracia no país. Eis, abaixo, o texto do mencionado artigo: ‘O processo de mobilização que resultou na lei deve ser referência para a relação entre Estado e sociedade na luta contra a corrupção A sanção do projeto Ficha Limpa é um marco na luta da sociedade brasileira contra a corrupção. Porém, sua importância vai além dos benefícios que trará diretamente — e já no curto prazo — para o sistema político brasileiro. O processo de mobilização da sociedade civil que resultou na iniciativa do projeto de lei, sua subsequente aprovação e sanção serve como referência para a relação entre Estado e sociedade na luta global contra a corrupção. De um lado, as organizações sociais que lideraram a elaboração do projeto e a coleta de assinaturas exerceram um papel crucial na conformação e vocalização do interesse público. Através da criação e ampliação de espaços de debate, tais organizações canalizaram a indignação coletiva diante da corrupção política para avançar com transformações estruturais. Igualmente importante, embora menos evidente, é o papel que exercem essas organizações na criação de identidades, ampliando

as

condições

para

a

transformação

de

indivíduos

indignados em agentes da mudança social, isto é, cidadãos. Do outro lado, as instituições estatais, acolhendo o projeto de origem popular e respondendo com sua tramitação e


108 aprovação, confirmam o processo de amadurecimento da democracia brasileira. O instrumento de iniciativa popular de lei, criado pela Constituição de 1988, revela-se como recurso eficaz, e a participação política da sociedade afirma-se, cada vez mais, como traço característico e duradouro do modelo democrático brasileiro. Por sua vez, a atuação responsiva da classe política (partidos, parlamentares e presidente da República) corrobora a possibilidade de esse modelo favorecer o interesse público mesmo quando confrontando o interesse privado do legislador — contanto que a sociedade civil também exerça seu papel, incitando o funcionamento adequado das instituições representativas. Em um continente marcado por um histórico de governos pouco sensíveis ao interesse público e por atores sociais tradicionalmente orientados pela polarização extremada ao Estado, essa vitória conjunta da sociedade e das instituições estatais no Brasil torna-se ainda mais extraordinária e exemplar. Contudo, uma pesquisa recente do Instituto Sensus revelou que apenas 8% dos brasileiros consideram que a corrupção esteja diminuindo no país. Portanto, para o cidadão brasileiro, cético quanto à possibilidade de mudança, talvez a importância mais imediata da nova lei seja trazer-lhe esperança de que a sociedade esteja se tornando mais justa. Resta ainda que a nova lei passe pelo teste de sua aplicação efetiva para que, aí sim, possamos celebrá-la como um instrumento de combate à corrupção política. A julgar pelos efeitos de outra vitória popular, a lei nº 9.840, sobre compra de votos, há motivos para esperar resultados concretos do novo ordenamento. Além disso, as transformações necessárias para vencer a corrupção no sistema político deverão ser ainda muito mais profundas e abrangentes. Mas há, novamente, motivos para esperança, pois a sociedade brasileira já está comprometida com a discussão de uma ampla reforma política e, conhecedora de seu papel, pressionará para que suas instituições representativas acolham esse debate e processem as transformações necessárias.


109 A Transparência Internacional reforça o apoio na luta do país contra a corrupção e parabeniza o povo brasileiro pela sua importante conquista com o projeto Ficha Limpa.’

5.2 Agora, é o voto A jornalista Ana Dubeux, em artigo publicado no Correio

Braziliense, de 20 de junho de 2010, na coluna Opinião, p. 20, considera a aprovação do projeto Ficha Limpa uma conquista da sociedade, e ressalta que esta deve honrar a vitória com votos conscientes contra os corruptos: ‘Agora, é o voto Agora, é o voto. Não foi uma nem duas vezes que ocupei este espaço nos últimos meses para explorar um tema indigesto. Paciência: de fato, ele ainda não foi digerido. Falo da corrupção, da safadeza, da desonestidade, que existe desde sempre no Brasil e que desde o ano passado assombra Brasília com uma frequência tão incômoda quanto talvez seja a opção por lembrá-la sempre aqui nesse espaço nos domingos de leitura agradável, porém também de reflexão e discussão em família. Por respeito à Brasília, queridos leitores, ainda o farei algumas vezes, sobretudo neste período que antecede nossa ida às urnas. Na semana passada, comemorei a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de tornar válido o projeto Ficha Limpa para as próximas eleições. Disse também que dificilmente o mesmo tribunal iria contra ao espírito da lei popular ao interpretá-la nas minúcias. Pois bem: na noite na última quinta-feira, o TSE decidiu, por seis votos a um, que todos os políticos condenados por decisão colegiada, antes ou depois da publicação da lei do Ficha Limpa, estão impedidos de se candidatar para a disputa eleitoral de outubro. Além disso, os ministros decidiram também que ficam inelegíveis aqueles que renunciaram para escapar da cassação e os cassados pela Justiça Eleitoral por irregularidades cometidas nas eleições de 2006. Esse entendimento não apenas representa a vitória do movimento anticorrupção e da sociedade civil organizada como


110 interfere diretamente nas eleições de vários estados e do Distrito Federal. Algumas candidaturas já colocadas, como a do exgovernador Joaquim Roriz terão que ser reavaliadas e, quem sabe, extintas. Mas, ainda que, por força de lei, os condenados e os que renunciaram sejam afastados das eleições, não podemos em nenhum momento esquecer aqueles que ainda não chegaram a ser julgados, embora tenham um leque de acusações tão extenso que deveriam cuidar de provar inocência antes de concorrer de novo a qualquer tipo de mandato. Por exemplo: existe a necessidade de uma renovação total, salvo raríssimas exceções, na política local, sobretudo na Câmara Legislativa. É impossível promover uma faxina geral no Distrito Federal sem varrer o lixo acumulado por anos de ineficiência e corrupção. Deputados distritais, desta legislatura e também de outras, é verdade, passaram seu tempo trabalhando para arriscar nossa sonhada autonomia política, estimular invasões, mudar destinações de áreas públicas, criar currais eleitorais de miseráveis e encher os próprios bolsos. Não se pode esquecer isso nem um dia que seja daqui até as próximas eleições. O TSE cumpriu seu papel, selando o memorável trabalho feito pelos incansáveis trabalhadores em prol do projeto Ficha Limpa. Cabe a nós honrar tudo isso com votos a favor de Brasília e contra os corruptos.’

CAPÍTULO VI 6. AINDA A PROPÓSITO DA CORRUPÇÃO São apresentadas, a seguir, mais notícias publicadas na mídia atinentes à corrupção, com o escopo de levar o leitor a aprofundar-se na reflexão sobre o tema, que tantos males causa à população.


111

6.1 O Congresso Nacional e a corrupção O jornalista Cláudio Humberto, em sua coluna no Jornal de Brasília do dia 25 de setembro de 2009, nos dá a seguinte notícia: ‘CÂMARA ENGAVETA 70 PROJETOS ANTICORRUPÇÃO A Câmara dos Deputados não deixa tramitar projetos que endurecem o combate à corrupção. Setenta projetos estão parados desde 2004, como o do deputado Francisco Praciano (PTAM), que criminaliza a riqueza injustificada de agente público, ou de Ônyx Lorenzoni (DEM―RS), que torna crime a utilização de emendas parlamentares como instrumento de barganha para influir em votações no Congresso. FALTA DE VONTADE Segundo Praciano, ‘falta motivação’ para pautar temas contra a corrupção. Apesar do bom momento, ‘não há interesse’, diz o deputado.’

Em nota na coluna VISTO, LIDO E OUVIDO, o jornalista Ari Cunha publicou no Correio Braziliense, em 20/3/2010: ‘ESCASSEZ Nenhum projeto contra a corrupção está na pauta de votações da Câmara ou Senado. O deputado petista Francisco Praciano é quem protesta. Ele protocolou na Mesa das duas Casas pedido para que fosse criado um grupo de trabalho conjunto sobre o tema. Para as próximas eleições, seria mais honesto que os próprios partidos mudassem as regras nesse sentido. Não mudam porque falta coragem.’


112

6.2 Caracterizando e batizando e os corruptos Em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, de 27 de novembro de 2009, intitulado O corruptômetro, Frei Beto caracteriza e batiza os corruptos do Brasil. São tantos os exemplos por ele citados, meu caro leitor, que vale a pena você conhecê-los. Eis, abaixo, a matéria: ‘O corruptômetro FREI BETTO

Escritor, é autor do romance Um homem chamado Jesus, lançamento da editora Rocco para o próximo Natal. A Transparência Internacional divulgou, a 17 de novembro, na Alemanha, o índice de corrupção no mundo. Numa escala de 0 (sem corrupção) a 10 (haja lanterna de Diógenes para descobrir um honesto!), o Brasil mereceu 3,7 pontos. Avançou da 80ª posição para a 75ª, entre 180 nações analisadas. Nosso país se equipara, agora, à Colômbia, ao Peru e ao Suriname. O país onde há menos corrupção é a Nova Zelândia. Por que há tanta corrupção no Brasil? Temos leis, sistema judiciário, polícias e mídia atenta. Prevalece, entretanto, a impunidade ― a mãe dos corruptos. Você conhece o nome de um notório corrupto brasileiro? Ele foi processado e está na cadeia? Padre Vieira, no sermão em homenagem à festa de Santo Antônio, em 1654, indagava: ‘O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?’ A seu ver, havia duas causas principais: a contradição de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante de tantos atos que não correspondiam às palavras. O corrupto caracteriza-se por não se admitir como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. Anzol sem isca, peixe não belisca. O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por serviços; o


113 desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence; o caixa dois, investimento eleitoral. Bobos aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito. Há muitos tipos de corruptos. O corrupto oficial se vale da função pública para tirar proveitos a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo erário, usa cartão de crédito debitável no orçamento do Estado, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas. A lógica do corrupto é corrupta: ‘Se não aproveito, outro leva vantagem em meu lugar’. Seu único temor é ser apanhado em flagrante delito. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver o nome estampado nos jornais. Confiante, jamais imagina a filha pequena a indagar-lhe: ‘Papai, é verdade que você é corrupto?’ O corrupto não tem nenhum escrúpulo em dar ou receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou patrocinar férias de juízes. Afrouxam-lhe com agrados e, assim, ele relaxa a burocracia que retém as verbas públicas. Há o corrupto privado. Jamais menciona quantias, tão somente insinua, cauteloso. Assim, torna-se o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor saberá ler nas entrelinhas. O corrupto franciscano pratica o toma lá, dá cá. Seu lema é ‘quem não chora, não mama’. Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção que grassa pelo país. O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões e castelos, enche o latifúndio de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira. Vangloria-se de sua astúcia ao enganar e mentir. O corrupto nostálgico orgulha-se do pai ferroviário, da mãe professora, da origem humilde na roça, mas está intimamente convencido de que, tivessem as mesmas oportunidades de meter a mão na cumbuca, seus antepassados não deixariam passar. O corrupto previdente, calculista, já está de olho na Copa do Mundo no Brasil, em 2014, e nas Olimpíadas do Rio, em


114 2016. Ele sabe que os jogos Pan-americanos no Rio, em 2007, tiveram orçamento de R$ 800 milhões e consumiram R$ 4 bilhões. O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. De tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem-sucedido. Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que os faz parecer o mais íntegro dos seres humanos. Aliás, o corrupto acredita piamente que todos o consideram de uma lisura capaz de causar inveja em madre Teresa de Calcutá. O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o livra do mundo dos ingênuos e torna-o o mais arguto e esperto do que o comum dos mortais. Enquanto os corruptos brasileiros não vão para a cadeia, ao menos nós, eleitores, ano que vem podemos impedi-los de serem eleitos para funções públicas.’

6.3 Nós e você, já são dois gritando O jornal O Globo, de 25 de novembro de 2009, publicou a seguinte notícia: ‘Seminário no GLOBO vai discutir corrupção’

Informa, a seguir, que: ‘Senador, ONGs e leitores vão debater ao vivo o problema mais comentado em site de debates na internet’

Esclarece o jornal: ‘Desde o lançamento, o site da campanha ‘Nós e você, já são dois gritando’ ― na qual leitores do GLOBO conversam sobre os problemas da sociedade brasileira ― tem na corrupção seu tema mais concorrido. Dos 40 tópicos de discussão no endereço


115 www.oglobo.com.br/doisgritando,

a

preocupação

com

a

administração de verbas, privilégios do poder e extorsões do dia-a-dia é de longe o assunto mais eloquente do fórum, com milhares de participações. Exatamente por isso, a corrupção foi escolhida para trazer o debate do meio digital para o mundo real, num encontro que vai reunir, no auditório do GLOBO, políticos e integrantes de ONGs que atuam no combate ao problema. O evento ‘Corrupção ― o debate’ ocorrerá segundafeira, dia 30, às 10 h, com o senador Pedro Simon (PMDB/RS); o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo; a coordenadora da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembinsky e Maria

Apparecida

Fenizola,

vice-presidente

do

Instituto

de

Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais. A mediação do debate será pelo colunista do GLOBO Merval Pereira. O evento será gratuito, e os debatedores responderão também a perguntas de outros colunistas. O auditório do jornal fica na Rua Irineu Marinho 35, e tem capacidade para 200 lugares. Será proibida a entrada de pessoas com bermuda, chinelo ou camiseta.’

O jornal O Globo lembra em sua reportagem que: ‘Para muitos, as origens da corrupção no Brasil remontam os primórdios da sociedade brasileira, no período colonial. Porém, mais do que discutir as causas, o objetivo do encontro é ajudar a construir soluções. Uma delas, na opinião do senador Pedro Simon, é o combate à impunidade. Para o senador ― que desde os anos 80 tenta levar para dentro do Congresso um debate sobre a questão em todas as esferas do poder público ―, o Brasil ainda vive uma vergonhosa realidade nessa área: ‘aqui, ainda, só os pobres são presos’, diz ele. ― O problema do Brasil é que só ladrão de galinha vai para a cadeia. O resto, político e empresário, paga um bom advogado. E não é para defendê-lo, mas para postergar ao máximo o processo. Para empurrar com a barriga e cair no decurso de prazo ― diz Simon.’

E termina:


116 ‘O senador afirma que o maior grau de corrupção ainda ocorre na classe política, mas preocupa-se também com o avanço da questão em outras áreas da sociedade. ― O Congresso vive um momento triste, mas a corrupção tem evoluído também no dia-a-dia das pessoas. É motorista pagando propina para o guarda, outro dando dinheiro para furar fila ― critica o senador, que assumiu votos de pobreza há nove anos.’

No dia aprazado, ou seja, em 30 de novembro de 2009, foi realizado o seminário. E o jornal O Globo, de 1º de dezembro de 2009, em reportagem de autoria do jornalista Gustavo Autran, publicou o resultado do encontro, com o seguinte título: ‘Simon: ‘Não esperem nada do Congresso’

E como subtítulo: ‘Senador do PMDB afirma que só a sociedade organizada tem forças e vontade para lutar contra a corrupção’.

Eis, abaixo, o texto do jornalista: ‘A máxima de que ‘de onde não se espera nada é que não vem nada mesmo’ foi usada com conotações de humor negro ontem pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS), durante um debate sobre corrupção realizado na sede do GLOBO. A frase foi uma das conclusões do senador frente ao cenário cada vez mais assustador de casos de corrupção envolvendo parlamentares, governadores e outros políticos de alto escalão, especialmente agravado este fim de semana, após a divulgação de vídeos mostrando o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), assessores e deputados distritais de Brasília manuseando maços de dinheiro vivo com origens e destinos ainda não explicados. ― Temos um Congresso pobre, sem preparo técnico, sem formação, que se beneficia de um modo de governo calcado em interesses de grupos de influência. Também não percebo nenhuma


117 ação concreta no combate à corrupção. Não há interesse. Hoje, o político com problemas judiciais contrata um advogado para emperrar o andamento do processo até o crime prescrever. Se a população brasileira quer mudar a situação que aí está, deve se mobilizar, deve protestar, como já vi fazerem na época dos caras-pintadas, por exemplo. Mas não esperem nada do Congresso. De onde menos se espera é que não vem nada mesmo ― disse o senador. Na saída do debate, o senador gaúcho também classificou o episódio envolvendo José Roberto Arruda de ‘mensalão do DEM’: ― Vinte quatro horas antes de a denúncia ser divulgada, eu era fã do governador, até então considerado um administrador exemplar. Mas as gravações de vídeo e áudio não deixam dúvidas de que existe um mensalão do DEM, que opera mais ou menos no mesmo estilo do que foi denunciado no episódio envolvendo o PT em 2005 ― afirmou Simon, completando em tom de desânimo: ― É triste constatar que as denúncias que derrubaram o Fernando Collor hoje parecem brincadeira de criança frente ao que estamos vendo. Em vez de melhorar, as coisas andaram para trás. Fórum sobre mazelas do país O seminário do qual o senador participou é um desdobramento da campanha ‘Nós e Você. Já São Dois Gritando’, na qual O GLOBO convida a população para um debate público sobre os maiores problemas do Brasil, por meio de um fórum na internet (www.oglobo.com.br/doisgritando). O encontro reuniu cerca de 150 pessoas no auditório do jornal e contou com a presença do diretorexecutivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, da coordenadora da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembinsky, e da socióloga Maria Apparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto do Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais e líder de um movimento de cidadãos brasileiros contra a corrupção. A mediação do debate foi feita pelo jornalista Merval Pereira, colunista do GLOBO. Os também colunistas Miriam Leitão, Ancelmo Gois e Flávia Oliveira gravaram em vídeo suas perguntas relacionadas ao tema. Apesar

da

repercussão

do

caso

envolvendo

o

governador do Distrito Federal, ‘o mensalão do DEM’ não foi a tônica


118 do debate. Por cerca de uma hora e meia, os convidados debateram diversos aspectos da corrupção que grassa no serviço público e no cenário político brasileiro, especialmente sobre os mecanismos disponíveis para o cidadão comum fiscalizar a atuação dos políticos em seus mandatos. Apesar de algumas discordâncias a respeito das origens e das formas mais eficientes de combate ao problema, os quatro convidados concordaram que a apatia política, a falta de engajamento e de mobilização social por parte da maioria dos brasileiros também ajudam a aumentar os índices de corrupção registrados no Brasil. ― Fica difícil mudar a situação de verdade se o cidadão não mudar a sua postura. Não basta ir a passeatas, tem que fiscalizar o tempo todo. É importante que a sociedade acorde e assuma o seu compromisso sobre o que ocorre hoje na administração pública no Brasil. Temos o poder de tirar os parlamentares que aí estão, com o nosso voto. E isso é só uma parcela pequena do que a sociedade organizada pode fazer ― defendeu. Maria Apparecida Fenizola, arrancando aplausos da plateia. Maria Aparecida recebeu o apoio da professora Rosângela Giembinsky, da ONG Voto Consciente, na defesa do projeto Ficha Limpa, proposta de iniciativa popular para rejeitar o registro de candidaturas de políticos com processos na Justiça, os chamados fichas-sujas. Elas que, sem mobilização popular, não será possível resolver o problema da corrupção no Brasil, e citaram o abaixo assinado em defesa do projeto, entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), como um eficiente mecanismo de pressão. ― Foram mais de um milhão de assinaturas recolhidas. E nós temos que continuar insistindo para o projeto ser votado e sair do papel. Sem a nossa cobrança, não haverá milagre ― disse a professora. Corrupção pode ser medida, diz O diretor da Transparência Brasil procurou mostrar que, mais do que questão de ordem moral, corrupção é um problema concreto. E que pode ser medido. ― Quase 40% dos senadores em exercício respondem por crimes na Justiça. E, na Assembleia Legislativa de Goiás, nada


119 menos que 75% dos deputados são alvo de alguma denúncia nos tribunais ― disse ele, arrancando expressões de espanto na plateia. ― A corrupção é uma dimensão da ineficiência do Estado. Ela não pode ser reduzida a uma questão moral. E, na hora de enfrentá-la, devemos ser objetivos. O fato é que a corrupção anula a possibilidade de o Estado alocar seus recursos com eficiência e, dessa forma, ela só será combatida quando mexermos nas leis e combatermos certos vícios da administração pública, ponto a ponto ― disse Abramo, ao ressaltar os dados levantados pelo projeto Excelências, que disponibiliza na internet informações detalhadas e atualizadas sobre os gastos de todos os parlamentares em exercício no país (www.excelencias.org.br). As questões levantadas pelos colunistas do GLOBO contribuíram para esquentar ainda mais o debate. A jornalista Flávia Oliveira, titular da coluna Negócios e Companhia, questionou as fronteiras existentes entre o que seria o lobby legítimo promovido por empresários, que não constitui crime, e as pressões políticas pela aprovação de emendas em projetos de lei.’

Na mesma reportagem, foi publicado: ‘Aplausos, gritos e protestos no auditório’.

E logo abaixo desse título: ‘Debate no GLOBO foi acalorado’.

O texto vai a seguir: ‘A

coincidência

com

o

escândalo

envolvendo

o

governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, serviu para deixar ainda mais quente o debate sobre corrupção organizado ontem pelo GLOBO. Desde cedo, 150 pessoas começaram a chegar para participar do encontro promovido pela campanha ‘Nós e você. Já são dois gritando’, na qual O GLOBO estimula leitores a discutir os principais problemas do país. O tema do evento tinha sido escolhido


120 por ser o mais debatido do site nos últimos meses. A realidade mostrou que a escolha não podia estar mais certa. O senador Pedro Simon, conhecido pela sua luta contra a corrupção no Congresso, era o mais famoso dos convidados, mas não foi o mais aplaudido. Nem o especialista no assunto Claudio Abramo, da ONG Transparência Brasil. A honra coube a uma professora e a uma socióloga. Coordenadora da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembinsky defendeu a tese de que cabe à população fiscalizar ― através do voto e da denúncia ― a atuação de parlamentares e administradores públicos. A mesma defesa foi feita pela socióloga Maria Apparecida Fenizola. Vice-presidente de uma ONG de estudos sociais e líder de um movimento de brasileiros contra a corrupção, Maria Apparecida foi convidada por sua atuação como cidadã. Os discursos de ambas, feitos mais com a emoção do que com dados estatísticos, conquistaram a plateia. A cada intervenção delas, muitos aplausos. Ainda mais comuns eram as expressões de concordância, manifestada com movimentos de cabeça. O que os cidadãos presentes queriam ouvir não eram análises nem tristes constatações. Eram propostas de mudança na atual situação. ― Vamos às ruas! ― chegou a bradar um dos espectadores, durante uma das intervenções de Rosângela, em que a professora defendia a necessidade de mobilização popular em torno da luta contra a corrupção. O evento seguiu cheio de manifestações do público, protestos e tentativas de intervenção, não só no auditório, mas também pela internet. Cerca de 500 leitores deixaram perguntas e comentários sobre o evento no site da campanha ‘Dois gritando’.

Finalizando, ao lado da reportagem, há uma coluna intitulada: ‘NÓS E VOCÊ. JÁ SÃO DOIS GRITANDO. oglobo.com.br/doisgritando O LEITOR OPINA.’ ‘A melhor imagem para comparar com esse debate é aquela do cachorro tentando morder o próprio rabo’.


121 ― Jorge Manoel Santos da Silva, em comentário no site do GLOBO ‘Se punirem Arruda e não punirem os petistas envolvidos no mensalão federal,

continuaremos

afundando

na

lama

na

corrupção

eternamente’. ― Edmundo Bezerra de Góis, em comentário no site do GLOBO. ‘O povo é o que tem menos culpa. Já virou lugar comum dizer que o povo é culpado porque elege esses políticos. Querem mesmo que o povo demonstre que não é culpado? Coloquem o voto não obrigatório’. ― Jorge Manoel Santos da Silva, em debate sobre ‘Corrupção no site da campanha ‘Nós e você. Já são dois gritando’. ‘Só o investimento pesado na educação pública pode ajudar a solucionar a corrupção. Não vejo outro caminho que não passe por uma sociedade consciente de seus deveres, direitos e obrigações’. ― Paulo Cesar Guedes, em debate sobre ‘Corrupção’ no site da campanha ‘Nós e você. Já são dois gritando’. ‘Ficamos com cara de trouxas, e a maracutaia andando solta. Desta vez são R$ 50 mil para comprar panetone. Cadê a polícia? Se fosse pobre, já estaria preso’. ― Carlos Otavio, em debate sobre ‘Corrupção’ no site da campanha ‘Nós e você. Já são dois gritando’. ‘Se não houvesse reeleição indefinida para deputados e senadores, a situação ficaria melhor’. ― Leonardo Vieira, em debate sobre ‘Corrupção’ no site da campanha ‘Nós e você. Já são dois gritando’.

6.4 Dia Internacional contra a Corrupção Comemorando o Dia Internacional contra a Corrupção, a Folha de

S. Paulo, em 10 de dezembro de 2009, publicou reportagem de autoria da jornalista Simone Iglesias, da Sucursal Brasília, com o seguinte texto:


122 ‘Corrupção pode estar dentro da casa, diz Lula Presidente compara crime à situação de um pai que não percebe que ‘o filho está queimando um baseadinho no quarto’ Sem mencionar mensalão do DEM, Lula diz que governos precisam de ‘check-up’ anual para identificar políticos corruptos com ‘cara de anjo’. Ao anunciar ontem o envio de projeto ao Congresso que endurece os flagrantes de corrupção, o presidente Lula afirmou que esse tipo de crime às vezes acontece dentro de casa sem que se perceba. ‘A corrupção é como uma droga (...) Às vezes, o filho está queimando um ‘baseadinho’ no quarto, e ele [pai] não sabe. A corrupção é assim. Às vezes ela está dentro da tua casa, ela está na tua porta e você não sabe.’ Há quatro anos, o presidente enfrentou denúncias de que seu governo pagava mensalão a deputados em troca de apoio em votações. Lula disse na época que não sabia do esquema. ‘Eu prefiro que saia manchete para a gente poder investigar, do que não sair nada e a gente continuar sendo roubado e continuar não sabendo o que está acontecendo’, disse. Em nenhum momento no evento contra a corrupção, Lula mencionou o escândalo do mensalão do DEM no Distrito Federal. Lula afirmou que, ao apresentar a proposta, o governo está agindo para combater a ‘safadeza’ com o dinheiro público e defendeu rigor nas punições, principalmente as que atinjam o ‘alto clero’. ‘Um cara que rouba um pãozinho vai preso e um cara que rouba R$ 1 bilhão não vai preso (...) Se não aumentarmos a punição para essa gente, vamos continuar enchendo as cadeias de pobres’, declarou. Lula criticou a existência dos paraísos fiscais, disse que o Brasil é um dos países que mais têm instituições de combate à corrupção e afirmou que levará o seu projeto à próxima reunião do G20 (grupo das maiores economias do mundo). Segundo o presidente, a administração pública deve fazer um ‘check-up’ anual para tentar identificar ações de corrupção,


123 já que muitos que a praticam têm ‘cara de anjo’ e não dão sinais de que estão desviando recursos públicos. O ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, que organizou o evento pelo Dia Internacional Contra a Corrupção, apresentou vídeos com 25 depoimentos de pessoas exaltando

o

trabalho

da

Controladoria,

desde

servidores

a

funcionários da ONU e o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa.’

Ao lado dessa mesma reportagem, há a seguinte explicação:

‘[+] saiba mais Projeto prevê que prática seja crime hediondo DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O projeto de lei que o governo encaminha hoje ao Congresso endurece as penalidades para crimes de corrupção cometidos por políticos e os diferencia legalmente de servidores públicos. Como passará por Câmara e Senado, é provável que o texto seja abrandado. Segundo o projeto, corrupção cometida por autoridades com poder decisório e ocupantes de cargos elegíveis passa a ser crime hediondo, portanto inafiançável, e abre possibilidade para prisão temporária de até 60 dias. Hoje, o prazo previsto para prisão é de cinco a dez dias. O projeto amplia para 30 a 60 dias. O projeto amplia as penas de crimes de corrupção ativa e passiva, peculato (uso de cargo público em benefício próprio), hoje de dois a 12 anos, e concussão (extorsão praticada por funcionário público), hoje de dois a oito anos, para oito a 16 anos. Estão entre as altas autoridades abrangidas pela proposta

presidente,

vice-presidente,

ministros,

governadores,

prefeitos, secretários estaduais e municipais, vereadores, deputados, senadores,

presidentes

e

diretores

de

estatais,

juízes,

desembargadores, promotores de Justiça, comandantes das Forças Armadas, conselheiros e membros do Tribunal de Contas da União e dos tribunais de contas dos Estados.[...]’


124

A reportagem é encerrada assim: ‘[...] ‘O corrupto é o cara que tem a cara mais de anjo, é aquele cara que mais fala contra a corrupção, é aquele cara que mais denuncia, porque ele acha que ele não vai ser pego’. LULA.’

6.5 Resposta à corrupção em várias partes do mundo O jornalista Ari Cunha, em sua coluna VISTO, LIDO E OUVIDO, publicada no Correio Braziliense em 25 de abril de 2010, descreve a reação de cidadãos em partes de nosso planeta diante da ‘CORRUPÇÃO Nada nem ninguém protege o cidadão quando o interesse supera a ganância humana. No caso da corrupção, nem a oposição condena quando está com a mão na botija. No mundo a situação é a mesma. Em países árabes, usa-se cortar a mão. Na Europa, a renúncia é incisiva. No Japão, o acusado foi à televisão. Sem que ninguém pudesse evitar, tirou o revólver da cinta e atirou na própria boca. Morreu em frente às câmeras.’

6.7 Prisão de políticos corruptos em Curitiba O Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, mostrou, na noite do dia 7 de junho de 2010, manifestantes carregando cartazes, comemorando a prisão, em Curitiba ― Paraná, de políticos corruptos da Assembleia Legislativa do referido Estado, e o jornalista Ari Cunha, em sua coluna VISTO, LIDO E

OUVIDO, no Correio Braziliense de 10 de junho de 2010, assim registrou o fato: ‘Mudanças Curitiba puxa o cordão contra políticos corruptos de assembleias legislativas. O comando da instituição está preso. Os exemplos de


125 protestos pelo país têm indicado que cabe à sociedade mostrar que democracia não é sinônimo de roubo ou balcão de negócios. Muitas mudanças depois do Ficha Limpa.’

CAPÍTULO VII

7. BASTA DE CORRUPÇÃO! O livro de autoria de Daniel ― Bandeira Contra a Corrupção &

Suas Irmãs Siamesas ― já havia sido lançado em novembro de 2000. Recebeu o autor, com data de 28 de fevereiro de 2001, carta do Dr. Fernando de Oliveira, paulista quatrocentão, infelizmente já falecido. Ao lê-la, Daniel julgou tão importante o seu conteúdo que correu às livrarias e delas retirou os exemplares de seu livro. Foi à gráfica e ali pediu que fosse impressa uma

SEPARATA, nela constando a Lei nº 10.180, de 6 de novembro de 2001, ― que Organiza e disciplina os Sistemas de Planejamento e de Orçamento Federal, de Administração Financeira Federal, de Contabilidade Federal e de Controle Interno do Poder Executivo Federal, e dá outras providências ― e a carta do Dr. Fernando. Juntou-a ao livro e devolveu os exemplares às livrarias. Deixa Daniel ao julgamento do leitor a histórica narração do Dr. Fernando de Oliveira, que deve ser motivo de orgulho para o povo brasileiro, especialmente para os paulistas: ‘São Paulo, 28 de fevereiro de 2001 Meu caro colega, colaborador e amigo José Daniel de Alencar ‘Há um tempo para pescar. E há um tempo para secar as redes’ (provérbio japonês)


126 Obrigado pelo exemplar de sua obra ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’ e, em particular, pela amável dedicatória. Registre-se um pequeno reparo: meu nome é Fernando de Oliveira, com o genitivo de, e não como grafado na mensagem e na página 177. Ao me telefonar, previamente à remessa, manifestou o prezado Autor o desejo de que eu dissesse algo acerca do trabalho. Aquiesço prazerosamente e tentarei esmiuçar meu pensamento a respeito do sempre momentoso tema do Controle, e desde já pedindo escusas pela veemência com que, por vezes, me conduzo. Nasci assim, combativo e autêntico, e, nesta quadra de minha vida, incapaz de me amoldar a coisas em cujas entranhas sinto o mau cheiro ou a percepção do comportamento nefasto. Sou filho de imigrantes portugueses, que adotaram o Brasil como sua verdadeira pátria e que, enquanto vivos, o honraram com o traço uniforme da honestidade. Pobres, trabalhadores, foram êmulos do respeito aos bens alheios e sem jamais se ater à circunstância de que alhures pudesse haver uns trocados a mais. Dentro dessa perspectiva, emitirei minhas observações, em estreita caminhada, asseguro, com as preocupações lançadas no livro. E nisso acompanharei a lição nele repetida, de que as palavras doces nem sempre são verdadeiras e as palavras verdadeiras nem sempre são doces. A ORIGEM DO TRIBUNAL DE CONTAS A Constituição Republicana de 1891 estatuiu no art. 89: ‘É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença’. Duas observações, de início: a) não foi criado junto ao Poder Legislativo ou ao Judiciário, mas no próprio Ministério da Fazenda; b) não deveria ter recebido a denominação de ‘tribunal’ e, sim, v.g., de Conselho de Contas, Corpo Coletivo de Contas ou qualquer denominação ou intitulação reveladora do cuidado no exame prévio das contas a prestar. Tribunal é entidade reservada a órgãos do Poder Judiciário,

com

sua

competência

exercida

através

de

juízes,


127 desembargadores, ministros ― magistrados, enfim, com a função precípua de dar interpretação final às leis. Tribunal de Contas, na concepção brasileira, atrelado ao Poder Legislativo, é excrescência, é aberração, seja no título, seja na subordinação. Tanto é verdade que a Constituição de 1946, ao dispor sobre o então TCU, o localizou no cerne do Poder Legislativo, mas, apagadamente, na Seção VI ― Do Orçamento (arts. 73 ‘usque’ 76). Já a Constituição de 1988 colocou o TCU de novo sob o Poder Legislativo, porém, na Seção IX ― Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária (arts. 71 a 73). Se, por um lado, mal se colocou a filiação do TCU, pior ficou a escolha de seus membros, praticamente oriundos da Câmara dos Deputados mediante simples indicação política a beneficiar parlamentares em fim de mandato. Não se poderia jamais esperar que as pessoas habituadas a ‘fazer política’ e a proferir discursos laudatórios se transformassem, de repente, como num passe de mágica, em vigilantes do Erário. Nem precisaria ser aqui repisada a circunstância de que a eventual escolha implicaria de certa forma obrigar à contrapartida da gratidão, fechando um olho ou os dois quando o padrinho ou afim viesse a cometer um deslize de gestão. Ainda que o nomeado possuísse a têmpera do auditor independente, muito remotamente concordaria em manietar o falcatrueiro. Deriva desse raciocínio a absoluta conveniência de que todos os membros da Corte de Contas deveriam ingressar pela estreita porta do concurso público, a exemplo de igual exigência em relação ao corpo técnico e administrativo. Os quadros auxiliares revelam a verdadeira força motriz dos trabalhos. São esses abnegados servidores os responsáveis pelo funcionamento da máquina do controle externo. Não se nos afigura adequada, decorrentemente, a proteção corporativa exposta no parágrafo 2º do art. 73, ‘verbis’: ‘Os Ministros do TCU serão escolhidos: I ― um terço pelo Presidente da República, com aprovação

do

alternadamente

Senado dentre

Federal,

auditores

e

sendo membros

dois do

Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice

pelo

Tribunal,

segundo

antigüidade e merecimento;

os

critérios

de


128 II – dois terços pelo Congresso Nacional’. Vale dizer, os nove ministros serão escolhidos assim: a) dois dentre auditores e titulares do Ministério Público; b) um de livre escolha do Chefe do Executivo; e c) seis indicados livremente pelo Congresso (leia-se especificamente Câmara dos Deputados) Por que a proteção a auditores e membros do Ministério Público? E quem nos explicará a presença acaso necessária de promotores de justiça fora dos domínios do Poder Judiciário, os quais, além dessa aberração teratológica, ainda concorrem ao cargo de ministro livremente nomeado? Disso emana a triste certeza de que os técnicos, os assessores e os inspetores de controle externo da Casa nunca poderão aspirar à condição de ministro. A única hipótese, nada provável,

está

consubstanciada

na

lembrança

de

que

sejam

lembrados, um dia, para a única vaga disponível de competência do presidente da República ou escolhidos pelo Senado. Os ministros do TCU, sabemos, já recebem o prato feito,

isto

é,

o

processo

examinado,

depurado,

instruído,

documentado e pronto para o julgamento, ao qual, à guisa de sustentação

de

seu

voto,

acrescentam

habitualmente

suas

considerações pessoais. Ainda hoje sinto saudade do eminente Ministro Iberê Gilson, presidente do TCU na época de instalação das InspetoriasGerais de Finanças, criadas pelo Decreto-Lei nº 200, de 25/02/67. Fui o ‘pai do controle interno’, na condição de responsável pela implantação dos órgãos central e setoriais dos Sistemas de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, a cargo da Inspetoria-Geral de Finanças do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro. Estávamos em 15 de março de 1967, início do Governo Arthur da Costa e Silva, com o Professor Antônio Delfim Netto no superior comando do Ministério da Fazenda. Permita-se-me revelar que o Ministro Iberê Gilson se deslocava, em algumas sextas-feiras, de Brasília para o Rio (sempre se referia ao Município de Vassouras, seu torrão natal, como a coisa mais linda do mundo...), e,


129 invariavelmente,

vinha

conversar

comigo,

em

meu

gabinete.

Sentados, lado a lado, em mangas de camisa, sem protocolo, nem percebíamos o transcorrer das horas, tal a consistência de nossas preocupações. Esse diálogo, sem testemunhas, era aberto, franco e mais abordava as misérias recíprocas dos controles externo e interno e menos as coisas boas que já começavam a assomar. Era uma prosa de gente leal, despida de vaidades, envolta no propósito de melhorar as coisas e de fortalecer os mecanismos de controle. Foi por essa época que fiquei conhecendo o então Secretário da Presidência do Tribunal, o saudoso Ivo Krebs Montenegro, guindado, mercê de sua cultura e liderança ― além de profundo conhecedor da máquina ― à chefia da Assessoria Técnica do Tribunal e na qual empregou todos os instantes de sua vida na moldagem de um figurino cristalizador da boa imagem do controle. Sua saúde começou a cambalear após nossa despedida do serviço público federal, em março de 1985. Fiquei sabendo, por intermédio de amigos comuns, que viera a falecer. Esse, sim, merecia ser ministro, mas, sua hombridade moral e técnica jamais foi merecedora do galardão que lhe deveria coroar a invejável carreira pública. Afinal, não era egresso da Câmara e muito menos membro da confraria do ‘toma-lá-dá-cá’. Logo que iniciávamos os trabalhos de encerramento dos balanços-gerais da União (eufemisticamente e erradamente chamados de Contas do Presidente da República), lá estava, firme, assíduo, presente, nosso querido e pranteado amigo Ivo, a colher os primeiros números e dados para o Relatório que sua assessoria deveria elaborar. Digo tudo isto, meu caro Daniel, com o escopo de se não perderem de memória alguns traços delimitadores das glórias e fracassos dos controles interno e externo. O TCU, malgrado a presença

de

pouquíssimos

membros

voltados

ao

campo

do

aprimoramento da eficiência, nunca mais repetiu as glórias e o respeito que Iberê Gilson (nunca mais o vi!) e Ivo Krebs Montenegro lhe emprestavam. Restou-me para sempre a certeza de que são os Homens que dignificam as instituições, e não o contrário. A TRANSCRIÇÃO DE PENSAMENTOS EMANADOS DO TCU Sou obrigado, já a esta altura de minhas apreciações, a discordar parcialmente dos encômios feitos por José Daniel de Alencar


130 a alguns ministros. Guardo mágoa, por exemplo, de Luciano Brandão Alves de Souza e de Fernando Gonçalves, que nada criavam ou aperfeiçoavam, mas se deleitavam em fustigar o controle interno. Davam a impressão de que desejavam chegar ao estrelato da glória, nos mais altos píncaros, transformando em escadas as costelas dos responsáveis pela controladoria interna. E que dizer da infeliz colocação de Humberto Souto, reportada à página 116: ‘Se o governo quer fortalecer o controle, tem que fortalecer o Tribunal, argumentou. Segundo ele, o mandato de seis anos deixa o ministro do TCU numa situação de fragilidade. Humberto questiona ainda a proposta de restrição à nomeação de exparlamentares para ministro do Tribunal. A condição para ser ministro, depende, não é ter sido deputado ou técnico, mas, ser honrado e competente...’ Aí

está,

indisfarçada,

a

confraria

protetora

dos

interesses, às vezes até legítimos, de seus membros. Não nesta assentada, no entanto, porque a proposta moralizadora terá encontrado eco nas pessoas de bem e na própria opinião pública, que não suporta a presença de tribunais condescendentes e omissos e que mais atuam na base da leitura de escândalos divulgados pelos jornais ou pelos televisores do que por iniciativa própria. Para começar, há no texto uma impropriedade. ‘Competência’ é poder hierárquico, é ser investido em comando ou chefia, como sinônimo de determinar o que deva ser feito ou o que não deva ser feito. ‘Compete ao chefe distribuir tarefas aos subordinados’. Creio que o Ministro Souto pretendeu dizer, no final de sua fala, ‘honrado e capaz’. ‘Capacidade’ é o conjunto de atributos pessoais obtidos pelo estudo ou pela prática, conducentes à boa realização de algo. Não se confundam, portanto, os significados das palavras ‘competência’ e ‘capacidade’. Um chefe analfabeto é sempre competente. Já um indivíduo capaz é aquele que conhece, dá conta do recado e domina seu mister, ainda que não seja chefe. A análise do mérito da assertiva não resiste ao bom senso, porque emanada dos confins do compadrio e porque prega abertamente a necessidade de manter o modelo falido que se quer modificar. Nossa fórmula anteriormente sugerida, de se dar provimento aos cargos de ministro através de concurso público,


131 encontrará sem dúvida melhor ressonância que a teimosia em recrutar no parlamento os ‘amigos-do-rei’. Mais adiante arrisco uma proposta merecedora, essa sim, do respeito e da inteligência das pessoas devotadas às coisas sérias. Chegaremos lá. CONTROLE INTERNO/CONTROLE EXTERNO ― CONCEITUAÇÃO Podemos aglutinar as expressões ‘controle interno’ e ‘controle externo’ nos seguintes limites universalmente aceitos e adotados: a) controle interno ― é o conjunto de meios técnicolegais capaz de manter a direção superior de um órgão, entidade ou empresa informada a respeito da

fiel

ou

execução

dos

programas

a

desenvolver. O controle interno está, assim, voltado para dentro do próprio organismo que o nutre e tem a função de alertar se algo discrepa do que se estabeleceu. b) controle externo ― é, igualmente, o conjunto de meios técnico-legais capaz de manter os acionistas informados quanto à boa ou má condução dos programas previamente estabelecidos. O controle externo, desta maneira, está voltado para fora do próprio organismo e se dirige às pessoas que o sustentam. CONTROLE INTERNO/CONTROLE EXTERNO ― INTEGRAÇÃO A integração controle interno/controle externo resulta naturalmente da divisão do trabalho e se revela simples. A harmonia, o respeito, a cooperação e a uniformidade de procedimentos convergirão para um resultado eficaz. Quem milita na área de auditoria sabe de cor e salteado essa premissa. Nenhum auditor externo (ou independente) inicia sua tarefa sem o exame inicial e indefectível dos relatórios de auditoria interna. Não é curiosidade, é


132 obrigação. É preciso conhecer o que se passa dentro da empresa, da entidade, do organismo, para verificar os pontos passíveis de aprimoramento ou admoestação ou, em última análise, para firmar a convicção de que as coisas caminham bem ou mal. Resulta daí a imprescindibilidade de que sejam sepultados ciúmes ou estrelismos dentro do corpo unificado chamado simplesmente de controle. Controle é substantivo, é essência. Os adjetivos interno e externo apenas qualificam a divisão de trabalho outorgada à competência de cada um. O controle interno não é superior ao controle externo, nem este se sobrepõe àquele: ambos são iguais, porque idênticas suas funções. O

TCU

precisa

aprender

a

aceitar

essa

lição

e,

em

conseqüência, banir seu vezo de superioridade, de querer valorizar suas atribuições de mero auxiliar do Poder Legislativo à custa do aviltamento dos órgãos legalmente definidos como condutores da Administração Financeira, da Contabilidade e da Auditoria. Não há, em absoluto, a relação ‘rei-vassalo’, ‘patrão-empregado’ ou ‘rei-dacocada-preta’. O TCU é, nem mais nem menos, um dos dois pilares do controle e, mesmo assim, sujeito às ordens e prescrições emanadas do Congresso Nacional. Nosso precioso e comum amigo, Cel. Nelson Barcelos da Veiga Filho, costumava dizer, em suas apreciadas palestras sobre o controle interno, que o nosso Sistema era uma espécie de banquinho com três pernas, porque três eram as prerrogativas de nossa alçada. E concluía indagando qual seria a perna mais importante, para ele mesmo concluir que num banco trípede as pernas do controle financeiro, da contabilidade e da auditoria se completam ao se auxiliarem mutuamente. CONTROLE INTERNO ― ALGUNS DEPOIMENTOS Faltou reunir no livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’, meu prezado Autor, com a devida licença, as manifestações e atos e fatos produzidos pelas autoridades do controle interno no decorrer de 1967 até o presente e dentro de um universo compreensivelmente abrangente, como corolário de igual deferência a membros do controle externo, que tiveram generosa acolhida nas páginas do livro. Talvez, não sei, valesse obter o depoimento de nossos antigos colegas e os atuais, da mesma forma, para que


133 pudéssemos colher e registrar os fatos dignos de menção. Aí fica a sugestão. De minha parte, quero anotar algumas ocorrências que jamais fugirão de minha memória, mesmo sem registro escrito. O INCÊNDIO NA IGF―FAZENDA/RIO DE JANEIRO Em 1968, ou 1969, houve uma grosseira falcatrua praticada pela Diretora de Obras do Ministério da Fazenda, Engenheira Laura, na adjudicação de serviços de engenharia. Havia três propostas de licitantes, todas preenchidas pela mesma máquina de escrever. Nossos auditores perceberam a mistificação e nos mostraram o esboço do relatório que começavam a redigir, externando certa desconfiança acerca do desfecho. Recomendei que caminhassem com firmeza até o fim e desnudassem o crime de lesão ao Erário, sem receio. Havia respeitável dispêndio em jogo. Era obra de vulto. Isso foi feito. O então Secretário da Receita Federal, Antônio Amílcar de Oliveira Lima, tentou protegê-la por via da grotesca fórmula de ataque a quem desvenda a prática de anomalias. Ponderei ao Ministro Delfim Netto, ao submeter-lhe o processo, que eu não poderia continuar a pertencer a uma equipe onde militasse uma pessoa desse jaez. Deixei o campo livre para que ele ou eu permanecêssemos. A essa altura, o assunto já havia transposto o âmbito do Ministério da Fazenda, tanto que a Comissão Geral de Investigações, do Ministério da Justiça, nos requisitava cópia do processo em causa. Avisei ao Ministro Delfim que havia recebido o pedido e iria atendê-lo, como atendi, porque as solicitações feitas pela CGI não se vinculavam à corrente hierárquica. Eram dirigidas às pessoas ou autoridades que pudessem de alguma forma contribuir para o deslinde. Foi nossa sorte. Por essa época, recebemos convite do Vice-Reitor da Universidade Católica de Caxias do Sul ― RS, Padre Sérgio Leonardelli, no sentido de realizarmos palestra destinada aos acadêmicos de Ciências Contábeis, Ciências Administrativas e Ciências Econômicas. O tema envolveria o controle interno e, em particular, o modelo dos Decretos ns. 64135 e 64136/68, ambos de nossa modesta autoria e que implementavam as IGFs central e setoriais junto aos Ministérios Civis, órgãos de igual equivalência nos Ministérios Militares e, ainda, na Presidência da República. Chegamos lá na véspera da missão, 14 de outubro de 1970. Na parte da manhã do dia 15, recebemos um telegrama de


134 nosso Secretário Homero José Lobo Jr., em que nos pedia regresso imediato porque ‘um incêndio destruiu nossa IGF-Fazenda’. O sinistro ocorreu na madrugada de 14 para 15 de outubro de 1970, data que jamais

esquecerei.

Fiquei

atônito,

pasmo.

Um

turbilhão

de

pensamentos me invadiu de assalto. Tentei voltar imediatamente ao Rio, mas somente havia lugar em avião às 15 horas. Marquei minha passagem na Cruzeiro do Sul e aproveitei o tempo ainda disponível para tentar dizer algumas palavras aos acadêmicos caxienses. Foi em vão. O Padre Leonardelli havia preparado a moçada para nos receber com tolerância. Mal entrei no imenso auditório, uma grande salva de palmas mostrava, à guisa de solidariedade, que ali recebia o primeiro conforto. Foi um gesto espontâneo. Explodi, em resposta, numa crise de choro. E aí as palmas redobraram, impedindo-me de falar. Não obstante, consegui articular algumas palavras e, graças a Deus, mostrar a estrutura desenhada pelo modelo do Dec.-Lei nº 200/67. Foi uma palestra tartamudeante, em que, ao final e mesmo sem conhecer ainda toda a extensão da tragédia, lamentava a maldade perpetrada contra quem apenas desejava trabalhar com seriedade. Quem o teria feito? E por quê? A resposta, óbvia, não me acudia de pronto. Ao desembarcar no Aeroporto Santos Dumont, no centro do Rio de Janeiro, dirigi-me imediatamente ao 9º andar do Ministério da Fazenda, onde se localizavam nossas dependências. E aí chorei novamente. O incêndio havia devorado meu gabinete, a sala de meus assessores, a do Secretário Homero, o salão da Divisão de Auditoria e o

salão

de

chamuscaduras,

reuniões, a

todos

Divisão

de

contíguos.

Salvaram-se,

Contabilidade,

a

Divisão

com de

Administração Financeira, a Seção de Mecanografia e o Serviço de Administração. Os bombeiros chegaram a tempo de salvar essas salas e tudo não foi consumido pelo fogo por obra da sorte. Mas a água que jorrava das mangueiras era tanta que até o gabinete do Ministro Delfim Netto, no 8º andar, cuja localização correspondia à mesma prumada nossa, foi seriamente afetado. Foi um dilúvio. As desgraças, entretanto, têm o condão de revelar o lado bom das coisas. E esse lado benfazejo veio dos dirigentes e amigos do Departamento Federal de Compras, que nos cederam suas melhores salas para que pudéssemos trabalhar. E isso demorou mais de seis meses, quando, após as obras de recuperação, pudemos retornar ao 9º andar, na mesma sala onde se via o Pão-de-Açúcar, com sua misteriosa águia esculpida (quem a desenhou ali?), e a ponte


135 Rio―Niterói, a cuja construção assistimos desde o início, por volta de 1969, se não me engano. Não se consumou o efeito desejado pelos incendiários, de queimar todos os processos em andamento na Divisão de Auditoria. Embora os originais se perdessem, foi possível recompor a maioria deles, paciente e paulatinamente. E o processo que cuidou da dupla Laura/Amílcar foi refeito sem qualquer dificuldade, porque fomos pessoalmente à CGI pedir cópia da cópia que lhe havíamos fornecido. Tivemos notícia, à época, de que a Engenheira Laura fora aconselhada a pedir aposentadoria e assim se livrar do processo administrativo. Quanto ao Sr. Antonio Amílcar, acabou sendo exonerado

do

cargo

de

Secretário

da

Receita

Federal

e,

decorrentemente, desligado da Equipe Delfim Netto. A SOCIEDADE ETILISTA DE BRASÍLIA Outro episódio a merecer comentário é o do famoso caso que ficou conhecido como a ‘farra do uísque’ ou a ‘adega do poder’. A Secretaria da Receita Federal, dirigida pelo Sr. Francisco Neves Dornelles, houve por bem presentear altas autoridades em Brasília com bebidas apreendidas em contrabando. A lei, pelo menos à época, impunha quatro caminhos alternativos para sanear operações dessa natureza: a) destruição; b) doação a entidades de benemerência; c) venda em hasta pública; e, d) devolução à origem. Nossos auditores fisgaram a irregularidade e a trouxeram, com as provas, a nosso conhecimento. Como sempre, recomendei-lhes prosseguissem com seu trabalho, que, concluído, foi, como de praxe, submetido ao Gabinete do Ministro Delfim, já na SEPLAN/PR, para sua habitual manifestação, antes do encaminhamento ao TCU. Isso foi por volta de 1983. O processo, contudo, estava demorando a retornar, e aí pensei nas dificuldades e no estremecimento que nosso Chefe iria sentir por parte das autoridades contempladas. Pensei, então, numa engenhosa fórmula capaz de resolver o impasse. Fui pessoalmente ao Tribunal de Contas da União e, em conversa reservada com seu presidente, expus o dilema. Ficou combinado entre nós ― sem testemunhas, claro ― que montaríamos um estratagema: o Tribunal me chamara para esclarecer as doações de bebidas, porque os rumores ‘chegavam ali’ e eu diria ao Ministro Delfim que fui convocado para fornecer esclarecimentos. Assentada essa estratégia,


136 combinamos um telefonema para o dia seguinte e, por isso, nada falei ao Ministro Delfim. Recebi de fato um telefonema, no dia seguinte, do próprio presidente do TCU, pedindo-me que lá voltasse. Fui e fiquei estarrecido com as explicações recebidas. As caixas de madeira onde a bebida (uísque, principalmente) é embalada não podem apresentar avarias,

como amassamento ou esmagaduras,

porque seriam

recusadas no leilão... E foi o próprio Sr. Dornelles quem forneceu essa desculpa esfarrapada, após ser alertado pelo TCU. Senti-me abandonado, sozinho, traído. É como se alguém deixasse de comprar um par de sapatos de cromo alemão apenas porque houvesse algumas escoriações na caixa de papelão. Deixei o TCU e sua monumentalidade escancaradamente falida, depois de perguntar ao meu interlocutor, sem resposta, se acreditava na versão de que o invólucro era mais importante do que o conteúdo. Para mim, as atitudes vaidosas e entufadas se esboroavam naquele episódio, em que o decantado controle externo lançou mão de desculpa esfarrapada para tentar subverter a verdade. Na hora crucial de cumprir o dever, o habitual urro do leão se transfigurou no tênue miado do gatinho de estimação. E dizer-se que um de seus ministros chegou até a asseverar que o controle interno era um cabrito que tomava conta da horta, julgando-nos incapazes de punir os faltosos. Pelo menos no episódio do uísque deixamos o controle externo menos arrogante, menos falador, menos discurseiro. No momento em que sua propalada vigilância era posta à prova, fugiu da raia. E, pior: foi buscar no próprio acusado a desculpa para justificar o injustificável. E é bom recordar, por oportuno, que o Sr. Francisco Neves Dornelles era o titular do Ministério da Fazenda no Governo Tancredo de Almeida Neves, que inobstante, não chegou a assumir o Poder, em virtude de sua morte. Foi o Sr. José Sarney, Vice-Presidente eleito, quem permitiu a Dornelles o desmoronamento do Decreto nº 84.362/79. O Decreto nº 91.150, de 15 de março de 1985, acabou com o sonho da SECIN. Durou pouco o poder do Sr. Francisco Dornelles, mas o suficiente para destruir nosso modelo de controle interno e inclusive devolvendo os auditores aos Ministérios de origem, para que lá obedecessem, hierarquicamente, às ordens recebidas. Toda a concepção de independência, todo o entusiasmo da centralização auditorial foi por água abaixo. Até o edifício-sede da SECIN, denominado INTERCON, até hoje está em ruínas, fisicamente.


137 Abandonado, rachado, sem ocupação, é o atestado irrecorrível de que a certeza de sua progressiva destruição encontra correspondência no procedimento destruidor aplicado à auditoria. A ELIMINAÇÃO DOS CENTAVOS O período de janeiro de 1980 a 15 de março de 1985 nos proporcionou alguns êxitos, todos creditados ao espírito de conjunto de nossas equipes. A eliminação dos centavos no resultado final dos cálculos, que representavam naquela época dois dígitos inexpressivos, veio a desafogar nossas máquinas calculadoras por força da exigência de somente 11 dígitos (99.999.999.999) em lugar dos treze algarismos anteriores (99.999.999.999,99). Como sempre, no entanto, os analistas apressados acoimavam de absurda e prejudicial a medida que mandávamos cumprir, argüindo com a ‘ilegalidade’ ou o ‘prejuízo’ futuro. Lembre-se o caso do Departamento de Águas do Ceará, que não admitia a perda dos centavos porque eles faziam parte do cálculo formador do preço unitário do produto. Redargüí com a leitura de nossa Instrução Normativa, onde se estabelecia que o abandono dos quebrados se verificava ‘no resultado final dos cálculos’. Se o m3 de água estivesse tarifado, digamos, em 1,333, e o consumo mensal fosse ficticiamente de 17 m3, o cálculo seria, pela sistemática antiga, de 22,661. Entretanto, o final de conta passaria a ser de 22, pela nova conduta. Mais: nada obrigaria a perder os centavos mensalmente desprezados. Bastaria acumulá-los ao longo do ano e capturá-los na última conta (dezembro). Se o valor mensal fosse homogêneo, a perda anual aparente seria de 12 x 0,661 = 7,932. O número inteiro se incorporaria à conta de dezembro e a fração de 0,932 seria acumulada (e não perdida) nas operações do ano seguinte. Simples, como se vê. Por oportuno, e em abono de nosso procedimento naquela época, cabe agora registrar, para nossa imensa satisfação, que o INSS acaba de autorizar, a partir dos pagamentos a aposentados e pensionistas referentes a janeiro de 2001, o arredondamento, para maior, de todos os centavos existentes (por exemplo, de R$ 4.734,02 para R$ 4.735,00). Decidiu, coerentemente, que os centavos assim levados à unidade de reais serão descontados no último pagamento do ano. A conta-corrente assim definida melhora os procedimentos do beneficiário (que não mais necessita portar trocadinhos para favorecer o caixa-pagador), o


138 estabelecimento bancário, pela economia de moedas divisionárias, e o próprio INSS, que se torna credor do agradecimento de todos em face da simples e benéfica idéia ― e sem perder nada. ATUALIZAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS O controle interno foi, ademais, o propulsor de atualização dos valores patrimoniais inseridos nos balanços da União. A adesão unânime de todas as áreas setoriais foi o vigoroso remo que impulsionou o barco então paralisado. Referimo-nos à urgente necessidade de ajustar os números da escrituração patrimonial, o que foi feito com invulgar interesse e entusiasmo. A incorporação de itens novos, assim como a desincorporação de outros, por obsolescência ou outros motivos, permitiram mostrar um conjunto mais representativo ao espelhar, como espelhou, um universo mais vizinho da realidade. Não foi tarefa fácil. Ficam aqui os agradecimentos a todos quantos laboraram na faina comum. Os trabalhos foram fundamentalmente desenvolvidos, é claro, dentro dos próprios Ministérios e órgãos, pelas próprias equipes de gestores e controladores, com o fito de chegar a resultados mais animadores do que os conhecidos. Os lançamentos contábeis, na época, de ‘insubsistências ativas’, ‘insubsistências passivas’,

‘superveniências

ativas’

e

‘superveniências

passivas’

captaram os fatos administrativos ligados à atualização. A tarefa, contudo, não deve parar aí. Há que fazer levantamentos periódicos e contrastá-los com as posições contábeis. O exemplo típico pode advir das fazendas experimentais da agricultura, onde nascem e morrem animais sem registro patrimonial. Ou, também, dos estabelecimentos penais, onde se adquire linha, pano, palha, madeira e uma enorme variedade de insumos ligados à produção de bens, inclusive permanentes. Assim se exercita a laborterapia e se proporciona a redução da pena imposta a sentenciados, além de proporcionar ganhos financeiros compartilhados entre os artífices e seus familiares. No entanto, surgem desse labor colchões, vassouras, cadeiras, camas, tapetes, mesas e uma infinidade de produtos, sem controle contábil, muitas vezes. É claro que nos referimos aos bens permanentes, cadastráveis, e não aos de consumo. E é evidente, outrossim, nossa intenção de melhorar os procedimentos, gradativamente, porque, segundo dizia Iberê Gilson, ‘onde houver dinheiro público aí estará o dedo do controle’.


139 FUNDOS DE NATUREZA CONTÁBIL Originários da permissão contida na Lei nº 2.416, de 16/06/40, mais tarde substituída pela Lei nº 4320, de 17/03/64, os fundos de natureza contábil captavam recursos não incluídos como despesa no Orçamento Geral da União e não lhe agregavam as receitas auferidas. Eram uma espécie de feudo, onde o suserano arrecadava e gastava sem prestar contas aos súditos. Ora, a expressão ‘contábil’, que os acompanhava, supunha haver uma contabilização desses recursos. Não, não havia balancetes mensais nem demonstrativos de saldos anteriores, receitas arrecadadas, despesas realizadas e saldos para o período seguinte. O fato de serem ‘contábeis’ foi nossa justificativa para obrigar seus gestores a apresentar seus demonstrativos contábeis para centralizá-los na escrita geral da União, a nosso cargo. Foi uma epopéia, porque ninguém estava acostumado a fazê-lo. E, quase sempre em nome do suposto sigilo das operações, tentavam torpedear a medida racional que determinávamos fosse posta em prática. De nada valeu o argumento, e os balancetes dos fundos contábeis fluíram normalmente e os balanços-gerais da União puderam espelhar os números das operações até então ausentes. Era, na prática, a extinção do Caixa 2. UM PALESTRANTE FRUSTRADO Em 1978, em Porto Alegre ― RS, a convite de meu amigo e companheiro ímpar de tantas jornadas, Dr. Antonio Alves de Oliveira Neto, então titular da Secretaria de Orçamento e Finanças ― SOF, da SEPLAN/PR, pretendi fazer uma palestra, na sede da SOGIPA, a seminaristas de orçamento público. Eram umas quinhentas pessoas reunidas em auditório respeitoso. Cheguei antes, como de habito, e pude assistir à palestra do Sr. Reinhold Stephanes, então presidente do INSS e antigo Inspetor-Geral de Finanças do Ministério da Saúde, sob o império do Decreto nº 64.136/69. Fiquei revoltado com a anarquia orçamentária que ele pregava. Se não houvesse, por exemplo, dotação suficiente à aquisição de medicamentos ou esparadrapo, ele propugnava a utilização de qualquer outro recurso orçamentário, por mais inadequado que fosse, para amparar a despesa. Essa tese representava a anarquia do orçamento-programa,


140 seus desdobramentos e classificações. O pior é que o auditório prorrompeu em palmas, a convalidar a absurda apelação. Senti-me chocado e enviei um bilhete à Mesa, protestando contra a infeliz idéia e lembrando ao orador nossa militância, ele na Saúde e eu no ÓrgãoCentral, Fazenda. Entretanto, ao que parece, a Mesa não fez chegar meu protesto ao destrambelhado palestrante, anos depois guindado à titularidade de um Ministério. Ao chegar nossa vez de falar, como de hábito, sobre o controle interno do qual havíamos nos despedido em 1972, tivemos amável silêncio por parte dos presentes. De repente, porém, os altofalantes do corredor adjacente começavam a avisar que ‘a excursão para Montevidéu está prestes a sair, e os inscritos devem tomar assento imediato no ônibus’. A locução foi repetida umas quatro ou cinco vezes, seguidamente. Foi o caos, a desordem. Os ‘turistas’ começaram a se levantar, a se acotovelar, a querer sair de qualquer maneira e, a essa altura, já criando o ambiente desrespeitoso aos colegas que permaneciam sentados e ao modesto palestrante, que ingenuamente supunha estar alguém interessado em ouvi-lo. Está claro que tivemos de encerrar abruptamente nossa palestra através do artifício de que ‘não há clima, a partir de agora, para prosseguir em nossa explanação’. O DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL Lá pelos anos 82, o Departamento de Imprensa Nacional emitiu uma circular comunicando a todos os órgãos federais que se achava em condições operacionais de fornecer, além do Diário Oficial, impressos de uso comum, tais como notas de empenho, ordens de pagamento, papel para escritório, envelopes e muitos outros formulários usados nas repartições. Éramos o titular da SECIN/SEPLAN/PR, e nos apercebemos da sensível economia que se obteria se todos passassem a comprar do DIN. Sua Diretora-Geral, Sra Dinorah Moraes Ferreira, havia feito curso de artes gráficas na Alemanha e mandava confeccionar nas máquinas da Imprensa Nacional os balanços-gerais da União, os relatórios administrativos e técnicos e as capas com que se encadernavam essas peças. Emitimos, em face desse comunicado, uma recomendação a todos os órgãos setoriais de nosso Sistema e, também, aos responsáveis pelas diferentes áreas da própria SEPLAN/PR, inclusive o Departamento de


141 Administração. Alertávamos para a sensível economia que todos poderiam obter se comprassem daquele órgão, diretamente, todos os artigos de escritório de que necessitassem, com a vantagem adicional de que não se fazia necessário o processo licitatório. Foi, de novo, um ‘ai-jesus’. Estávamos redondamente enganados ao pensar que alguém estivesse motivado a poupar recursos orçamentários. Os que estavam habituados a comprar nas papelarias e gráficas particulares foram os primeiros a profligar a medida, de resto moralizadora, porque, a partir desse momento, cessariam os afagos dos antigos fornecedores. Uns dias após a emissão de nossa Circular, recebemos grosseiro ataque do jornal O Estado de S. Paulo, que, em editorial, nos açoitava em nome da livre iniciativa por nós agredida e que passaria a perder suculento naco de seu faturamento. Concluía o libelo pedindo às autoridades superiores que determinassem a extinção da nefanda e execrável medida protetora dos cofres públicos. Nesse mesmo dia, encaminhamos àquele periódico nossa resposta, respaldada no simples argumento da economicidade adjacente. Na verdade, o Estadão não estava defendendo a iniciativa privada, da qual fazia parte, mas seus próprios interesses, já que mantinha ao lado do jornal um parque gráfico produtor, por exemplo, das listas (ou catálogos) telefônicas, sob a sigla OESP. Não foi o patriotismo nem tampouco a defesa dissimulada de supostas agressões ao conjunto empresarial. Foi a defesa em causa própria, a defesa do próprio bolso. Entretanto, e apesar da gritaria, as encomendas de impressos passaram a percutir o Depto. de Imprensa Nacional, vinculada ao Ministério da Justiça. Houve economia, não apenas de recursos orçamentários senão, em particular, de intimidade ou duvidoso relacionamento entre compradores e fornecedores. Ainda hoje, se lá estivesse, repetiria a dose. É muito salutar, e mais ainda no serviço público, não ter o ‘rabo preso’, como se diz à boca miúda. Colocavame por vezes na pele de Dom Quixote, a enfrentar o poderoso exército dos maus gestores do dinheiro público. CONGRESSOS, SIMPÓSIOS E...TURISMO Depois do desagradável episódio de Porto Alegre, em que narrei a debandada dos seminaristas de orçamento rumo ao ônibus com destino ao Uruguai, restou-me a convicção de que trabalho e turismo não se coadunam, ao menos concomitantemente.


142 E aconselho a todos que prefiram o turismo, o passeio de barco e a água de coco geladinha, ou o bom vinho das serras gaúchas, em lugar da monotonia da palestra fastidiosa e cansativa. Nada de inscrições, pranchetas, monografias, apostilas, canetas e crachás. Talvez uma fascinante viagem incluindo visita a pagodes asiáticos e faustosos banquetes fosse o bálsamo e o refrigério para quem é obrigado, sempre contra a vontade, a receber a claridade dos holofotes e a presença de uns dez microfones. Velejar por Angra dos Reis, por exemplo, se possível com o apoio de alguém que patrulhe o mar e o torne exclusivo para nosso passeio, é outra sugestão para atenuar os aborrecimentos de quem é obrigado a visitar países de outros continentes. Nada de trabalho. No entanto, é necessário o disfarce, para efeito popular, de que isso não é passeio turístico, e apenas uma enfadonha obrigação ligada ao árduo trabalho. Não sei por que razão o humano Presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo não usufruía tais benefícios, ou melhor, não se adaptava a reuniões de trabalho no exterior. Ele era, todavia, autêntico. Preferia a companhia de seus cavalos, que nada lhe pediam além de milho e alfafa e muito menos o incomodavam com os conchavos da suposta governabilidade. Como diria um folclórico presidente do clube Corinthians Paulista, os animais são mais humanos que as pessoas. O PROJETO VERAMA Tive oportunidade, quando me tornei Inspetor-Geral de Finanças do Ministério da Agricultura, a partir de 15 de março de 1979, em Brasília-DF, de conhecer, em caráter reservado, o trabalho ‘Projeto Verama’. Eu já sabia que o modelo das IGFs estava a carecer de reforma substancial, que lhe devolvesse a autoridade e os meios para fazer ressurgir o controle interno e arrancá-lo do marasmo a que pouco a pouco era condenado. Colegas antigos, a esta altura todos sediados na Capital Federal, nos reportavam sua decepção em face do visível enfraquecimento. Esboroava-se o sonho dos reformistas de 1967, que preconizavam um controle sistêmico e de fato atuante. Lembrei-me de que a área de auditoria, em vez de respeitada, era achincalhada. É fácil o raciocínio: se os dirigentes da Casa são escolhidos pelo mesmo ministro que escolhe o IGF, a convivência entre ambos, controladores e controlados, passa a entrar


143 em crise, a sofrer desgaste, quando o relatório não produz encômios, mas vergastadas. E aí meu pensamento retornou aos anos 70, em que um incêndio destruiu nossas instalações, no Rio, mas nunca os nossos ideais. Uma das premissas do Verama advogava a presença da auditoria no mais alto escalão do Executivo, sob a direta autoridade do presidente da República, para que nenhuma injunção se interpusesse aos resultados colhidos pelos auditores. Esse era o cerne, o âmago, o centro do estudo. E nós, que sempre pregávamos a auditoria imune a pressões políticas, de compadrio ou de amizades pessoais, nos rendemos à evidência de que o caminho adequado era esse, direto, sem esconsos nem trilhas a toldar a caminhada. Depois da leitura do trabalho, pude me reunir com a maior parte da equipe que o produziu. Acabei aderindo à idéia ― quem não o faria? ― de que a centralização da auditoria na Presidência da República era imposição natural. Cinco meses depois, em agosto/79, passei a ser o Inspetor-Geral de Finanças da Secretaria de Planejamento da Presidência da República ― SEPLAN/PR, acompanhando de novo o Ministro Delfim Netto, já agora como titular daquela pasta. Nunca

nos

habituamos

à

prática

de

repentes.

Preferimos, sempre, o amadurecimento natural das idéias, de molde a testar a presença de aspectos negativos e positivos inerentes a qualquer inovação. Não levei a idéia do Verama a meu chefe, de inopinado. Lembrei-me, em minhas elucubrações, da viagem oficial que fiz aos Estados Unidos da América, sob os auspícios da USAID, em novembro/67, na qualidade de titular da IGF ― Fazenda. Aprendi que o Bureau of Budget (Escritório de Orçamento, em tradução livre) mantinha a figura do comptroller, controlador supremo dos dispêndios federais. Essa autoridade, com poderes ilimitados em sua esfera de ação, era nomeada pelo prazo de 10 anos consecutivos, sem recondução, para fiscalizar o Executivo, embora oriundo do Congresso que havia aprovado o Orçamento. Não poderia ser afastada ou substituída em qualquer hipótese. Daí o natural comentário de nossos interlocutores de que, ‘se esse homem for mal escolhido, a Administração terá de suportá-lo por todo esse tempo’. ‘Mas, se for o bem, será uma pena vê-lo sair ao fim do mandato’. É isso, precisamente isso. Em outros países, teoricamente, poderia haver até


144 laudos atestando a insanidade do controlador com o fito de alijá-lo. Tivemos a alegria de conhecer o comptroller. Era um homem relativamente idoso e nos dizia, em tom sério, que iria brevemente pagar uma promessa feita à esposa, de que estava na hora de chegar a hora de largar tudo e ir pescar. Creio que o merecia, segundo as carinhosas referências de seus comandados. Já na SEPLAN/PR, como falei, procurei depois de algum tempo de reflexão o Professor Delfim, a fim de motivá-lo a ajudar a mudar as coisas. Disse-lhe das idéias do Verama, em essencial das que propunham a centralização da auditoria interna no âmago da Presidência da República. Seria a redenção, a volta aos pressupostos do respeito e a certeza de que ninguém se atreveria a praticar atos mesquinhos, corporativos ou de fuga aos preceitos da higidez administrativa. Inteligente, arguto, o Ministro Delfim Netto percebeu o alcance da idéia, à qual aderiu, mas com uma ressalva: a Auditoria deveria ficar por enquanto circunscrita ao âmbito da SEPLAN, centralizadamente. O raciocínio era perfeito. Afinal, a SEPLAN estava diretamente subordinada à Presidência da República. Era a primeira vitória, sem dúvida. A reformulação começava a ganhar corpo, dentro do espírito de agregação de forças numa só repartição. Com o sinal verde posto nesses termos, pudemos estabelecer a estratégia, em que pesou por igual a contraposição que a IGF ― Fazenda, então Órgão Central, provavelmente adotaria. Foi constituída, sob nossa presidência, uma comissão interministerial de alto nível, formada pelos mais destacados lideres do controle interno, para debater as propostas e colocá-las no papel. Das reuniões, bissemanais,

emergiam

convergências

e

discrepâncias,

todas

respeitáveis e, sempre que possível, consideradas nas minutas que se sucediam. Muitos titulares de IGFs não oficialmente representados apareciam de quando em vez para acompanhar as linhas do contorno esboçado. E nos davam sua opinião sobre o futuro modelo precolocado em nossas reuniões. Havia, no entanto, quem procurasse revelar seus propósitos meramente pessoais, como o fez o titular da IGF ― Minas e Energia, Francisco das Chagas Mariano, que comparecia a todas as reuniões não para conhecer os alinhavos que íamos tecendo, mas, sobretudo, para saber qual seria o valor... do DAS no futuro modelo. E, pior, não se mostrava reservado ao fazê-lo. O importante era


145 adivinhar quanto receberíamos por um trabalho que nem estava concluído. Esse tipo de reflexão não pode prevalecer. Aos poucos foi emergindo a redação final e, com ela, a inconformidade da IGF ― Fazenda ante a perda do poder central. Pronto o trabalho, que propunha a transferência dos poderes da IGF ― Fazenda para a SEPLAN/PR, e nela instalava o Sistema de Auditoria centralizado, demos por finda nossa colaboração. O Ministro Delfim Netto levou o projeto de decreto, com a devida justificativa, ao Presidente Figueiredo, que o despachou, para exame, ao Gabinete da Casa Civil, dirigido pelo inesquecível General Golbery do Couto e Silva, por sinal, o criador do Serviço Nacional de Informações ― SNI, extinto no Governo Collor. O exame gramatical da peça ficou, como de hábito, a cargo do excelente Professor Carvalho, lotado na Casa Civil e profundo conhecedor da língua portuguesa, de redação e de técnica legislativa. Foi nosso primeiro contato pessoal, em que nosso trabalho foi acolhido, sem qualquer observação, por quem sabia fazê-lo. Bons tempos, aqueles. Vencida essa etapa, faltava o exame do mérito, da conveniência e da oportunidade de se produzir um novo desenho representativo do controle interno. Aí começou o drama. Fomos convocados pelo Gal. Golbery, que chamou também o meu prezado amigo de tantas jornadas, o leal Antonio Alves de Oliveira Netto, investido no comando dos Sistemas, ante sua titularidade no cargo de IGF ― Fazenda. Para nossa sorte, foi igualmente convocado (ou pediu para ser convocado, não sei) o Sr. Márcio Fortes, Secretário-Geral da Pasta da Fazenda e que, com a palavra inicial, foi logo fulminando o novo modelo, mais para não perder a liderança das IGFs e menos para reconhecer, malgrado o esforço da maioria dos integrantes do controle interno, que o instrumento em vigor estava falido, acuado e desmoralizado. Ninguém dispunha de força suficiente para coibir a prática de má-gestão de dinheiros, valores e outros bens públicos. Aparteei-o seguidas vezes, diante do Gal. Golbery, quanto aos aspectos legislativos que pretendia questionar. Houve um instante em que o Sr. Fortes, perdendo a calma, alegou que eu não o deixava falar. Respondi que, enquanto não se cingisse estritamente aos ditames legais ― que não por acaso eu conhecia muito bem ― eu continuaria a aparteá-lo, até que chegasse minha vez de falar. Produzi, em seqüência, um relatório verbal e sucinto acerca dos modelos anterior e proposto, com a culminância de tentar a realização


146 de um trabalho de verdade, sério, e não para transformar o controle interno num faz-de-conta. Fez-se silêncio. Aguardava-se a palavra de quem nos convocara. Veio então a decisão, memorável, mais ou menos com estas palavras: ‘O controle interno, do jeito que está hoje, não funciona. Vamos experimentar o novo modelo proposto. Se não funcionar, paciência, mas não custa tentar’. Esse texto, citado de memória, foi um endosso, um aval, um crédito de confiança e, ainda mais que isso, a esperança do Governo João Baptista de Oliveira Figueiredo na colheita de resultados mais animadores que as safras da época não logravam conseguir. Saí dali em disparada, rumo ao gabinete do Professor Delfim, para transmitir-lhe a notícia, em primeira mão, antes que outrem o fizesse. Essa é a gênese, por inteiro, do Decreto nº 84.362, de 31/12/79, publicado no mesmo dia e que circulou em 04/01/80. O destino me faria pai, pela segunda vez, do controle interno. A primeira, como disse, em 1967, ao instalar o conjunto IGFs. Eu chamava as IGFs setoriais de ‘minhas meninas’, tal o amor com que me lancei à tarefa de torná-las exemplares e responsáveis. Aos 13 anos de idade, o Decreto nº 84.362/79 as fez renascer sob o novo nome de Secretarias de Controle Interno ― CISETs e nova roupagem de atribuições. A IGF ― Fazenda, a seu turno, depois da devoção de Arthur Pereira, que nos sucedeu, e, mais tarde, de Antônio Alves de Oliveira Netto, que igualmente a engrandeceu, viu sua competência adjudicada à Secretaria Central de Controle Interno ― SECIN, da qual fomos o primeiro titular, mercê da renovada confiança do Ministro Antonio Delfim Netto, que nos indicou ao Chefe do Executivo. Deus sabe das dificuldades que se nos antolharam, da guerra

surda,

ostensiva

ou

disfarçada

que

nossos

antigos

colaboradores e auxiliares declaravam contra seu antigo chefe. O poder embriaga, tolda a visão e veste de ridículo os que raciocinam em função de seu ego. Havia, na verdade, tão-somente o supremo e legítimo dever do País no sentido de prover de condições mínimas de funcionalidade

a

regência

das

relações

entre

controlados

e

controladores. Não me recordo de haver recebido sequer um telefonema ou visita de ministros do TCU sobre a hercúlea missão posta diante de nós. Seria até despiciendo supor descessem do alto de sua majestade para render homenagem ao titular da SECIN. Pena é que lá não estivesse essa criatura boníssima e simples, Iberê Gilson, que não telefonaria, mas viria a nosso encontro, em mangas-de-


147 camisa, como nos velhos tempos do Rio de Janeiro, para cingir-nos com seu abraço de fraterna amizade. Nunca mais o vi. As brumas do tempo não me favoreceram com a continuidade do convívio reconfortante, respeitoso e bom. O ARCABOUÇO DA SECIN Faz-se necessário esclarecer que o Ministro Delfim Netto nos proporcionou a independência necessária ao preenchimento dos cargos, tal como já o fizera na montagem do Sistema IGFs. Isso nos permitiu convocar estritamente os melhores profissionais dos quadros técnicos dos diferentes Ministérios. Nenhuma interferência política e nenhuma relação de amizade prevaleceu. A avaliação do mérito se deveu estritamente ao currículo de cada um. Como conseqüência, os delegados regionais de contabilidade e finanças em cada capital de Estado foram empossados graças a seus méritos. A maioria deles me era pessoalmente desconhecida. Lembro-me até de haver telefonado ao Sr. César Augusto Incot, para informá-lo de que seu padrinho político o havia feito delegado da SECIN no Estado do Paraná (Curitiba). ‘Como? ― estranhava ―, eu não tenho padrinho político’. ‘Tem, sim, redargüimos nós. É o seu currículo!’ No dia da posse, coletiva, lá estavam todos, homens e mulheres, a se identificar mutuamente e eu, no meio deles, a tentar descobrir quem era fulano, beltrano e sicrano. Foi uma decisão feliz, porque todos se revelaram capazes e atentos e nunca atrasaram a remessa dos balancetes incorporados à centralização contábil. O digno Professor Delfim sabia ser essa a melhor maneira de cumprir tarefas que implicavam elaborar, em última análise, os balanços-gerais da União dentro do prazo constitucional, até 30 de abril do exercício financeiro subseqüente. A CONTADORIA GERAL DA REPÚBLICA O Decreto-Lei nº 200/67, como já disse, é a gênese de nossa existência. Ao lado da Constituição de 1967 (24/02/67), a Administração Superior de nosso país passou a contar com um controle orgânico e sistêmico disseminado pelas diferentes áreas setoriais e tendo com ápice da pirâmide a IGF ― Fazenda, dita Órgão Central. Fui, por imposição do destino, o coveiro da Contadoria Geral da República, que tanto admirava e respeitava, e cujos assinalados


148 serviços prestados ao Brasil se confundiam com a própria história que ajudou a escrever. Como egresso da Contadoria Central do Estado de São Paulo, colocada no organograma da Secretaria da Fazenda, sentia-me absolutamente à vontade, em casa, para assimilar as lides orçamentárias,

a

execução

financeira,

a

escrituração

pública,

financeira e patrimonial de toda a intrincada cadeia de atribuições inserida no campo das finanças públicas. Falávamos a mesma língua, embora os números fossem bem mais longos. Créditos especiais, despesas extra-orçamentárias, restos a pagar, despesas de exercícios anteriores e quejandos constituíam a base de nossa atividade, primeiro obediente ao Dec. Lei nº 2.416 e, depois, à Lei nº 4.320, de 1964, que rege a matéria até hoje. Integrante da Equipe Delfim Netto, fui designado Assessor-Chefe do Gabinete do Ministro, já em março/67. Foi assim que pude conhecer a CGR e já me familiarizava com os Assessores Jonil Rodrigues Loureiro e Marcos Vinicius Mendes Bastos, com os quais trocava impressões a respeito da competência da notável Instituição. O último Contador Geral da República, Dr. Álvaro Brandão, nos recebeu amavelmente nessa fase. Disse-nos estranhar nossa presença, porque ninguém havia até aquela data procurado a Contadoria Geral da República para buscar informações. Tranqüilizei-o

dizendo

que

minhas

visitas

ali

tinham

caráter

meramente técnico, porque me considerava oficial do mesmo ofício, ao mesmo tempo em que colhia dados para manter o Ministro Delfim a par do andamento da execução orçamentária e financeira. Mal sabia eu que, mais tarde, lá por volta de novembro/67, eu me tornaria, sem querer e sem pleitear coisa nenhuma, o Inspetor-Geral de Finanças do Ministério da Fazenda e com a responsabilidade adicional de ser o Órgão

Central

dos

Sistemas

de

Administração

Financeira,

Contabilidade e Auditoria. Assim terminou a atividade da Contadoria Geral da República, fértil, valiosa, respeitada. E a fecundidade de Álvaro Brandão não se encerrou aí, porque foi merecidamente guindado ao cargo de Inspetor-Geral de Finanças do Ministério do Interior, com o advento dos Decretos nº 64.135 e nº 64.136/68. CONSTRUIR OU REFORMAR? Talvez valha a pena, meu prezado Dr. Daniel, abordar o sempre momentoso problema relacionado à construção ou à reforma de alguma coisa. Há adeptos e inimigos dos dois lados. Há correntes


149 apaixonadas

pela

construção,

porque

o

resultado

observa

precisamente o que foi planejado. E as há a favor da reforma, porque se conserta exatamente aquilo que não funciona, que prejudica o conjunto. Muitas vezes as falhas ou os defeitos não estão colocados na parte material, física, das coisas, mas, na verdade, nas pessoas incumbidas de fazê-las operar. Não adianta fazer reformas num edifício e nele conservar as mesmas pessoas que o danificaram. Também de nada vale construir algo e não saber selecionar as pessoas certas para cuidar disso. Afinal, reforma ou construção? Qual a opção mais consentânea? Que nossos eventuais leitores decidam. Apenas diremos, sem pretender colocar lenha na fogueira, que o Decreto-Lei nº 200 foi conhecido como ‘reforma administrativa’. Deveria

funcionar

bem,

porque

as

alterações

produzidas

na

Administração Federal foram relevantes, de grande valor no campo das inovações. E talvez tenha falhado ao manter nos cargos novos o ranço de vícios antigos trazidos pelos mesmos indivíduos responsáveis pelos procedimentos que sugeriam as reformas. Talvez um sociólogo ou um pesquisador independente, ligado apenas à tese, nos possa responder com a exatidão desejável. Fica a sugestão no sentido de o fator preponderante a definir possa dizer se é melhor construir, reformar... ou destruir. Sou suspeito para influenciar a resposta, porque sou o ‘pai’ da corporificação de uma idéia trazida por uma... reforma. REMINISCÊNCIAS O controle interno, meu caríssimo Autor, sempre esteve presente na luta contra a corrupção, os desmandos e a malversação de bens e outros valores públicos. Foi relativamente fácil redigir o Dec. nº 64.135 e o nº 64.136, ambos de 25/02/69, aquele dispondo sobre o Regulamento da IGF ― Órgão Central e este editando o dos Órgãos Setoriais (IGFs e equivalentes). Difícil, mesmo, foi outras áreas tolerarem a presença dos órgãos de controle, inclusive os da área de auditoria, que, embora disseminada e, pois, adstrita aos próprios Ministérios a que se filiava, começava a incomodar. O caso do incêndio de 14-15/10/70 é uma clara confissão de ‘delenda Cartago’

(destrua-se

Cartago,

diziam

os

romanos).

Algumas

autoridades não se pejavam da prática habitual do trato da coisa pública como se fosse propriedade privada. E, quando apanhadas,


150 vociferavam e procuravam seus superiores hierárquicos com o escopo de denegrir a conclusão que os desabonasse ou que não coadunasse com suas práticas habituais. Cabe-me declarar, por dever de lealdade e de admiração, que o Professor Delfim Netto sempre nos estimulou encorajando-nos a fulminar procedimentos acaso incorretos. De minha parte, procurei corresponder a quem me abria as portas da generosa confiança trabalhando com seriedade e o rigor uniforme do comportamento, e sem deixar de deferir o respeito merecido a quem mourejava com natural dignidade. Ainda hoje, e desgarrado da equipe que se dissolveu em 15/03/85, com o término do período governamental do Presidente Figueiredo, costumo dizer que não fui o mais culto e capaz, mas, sem dúvida, reivindico o qualificativo de mais leal ou fiel integrante de sua homogênea turma, iniciada com os Delfim Boys, em 1966, na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, quando passei a presidir a Comissão Central do Orçamento. O apêndice boys nunca se aplicou a mim, claro, porque sempre fui o mais idoso da equipe, embora, para meu consolo pessoal, todos eles estejam hoje, como eu, exibindo seus cabelos encanecidos. A confiança recíproca produz milagres. E resultados bons. Nossos colaboradores diretos, por exemplo, sempre foram escolhidos sem a interferência de corretores (que acabariam sendo seus chefes de fato), mas à custa de seus próprios méritos. Pertenci, nos anos 1959/1963, à equipe técnica do digno Governador do Estado de São Paulo, Professor Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, que me foi buscar, quando Secretário da Fazenda, nos quadros da própria pasta. O Prof. Carvalho Pinto representou uma das mais belas e soberbas páginas que já se escreveram a respeito de sua devoção ao serviço público. Ao lado do não menos ilustre Governador Lucas Nogueira Garcez, formou a díade que cristalizou o respeito de todos os paulistas. Era aclamado, nas raras vezes em que comparecia, em feiras, exposições e praças públicas. Não dispunha de tempo para o Lazer e muito menos se comprazia em viagens de turismo rotuladas como necessárias à assinatura de pactos ou tratados. Trabalhava aos sábados, domingos, feriados e dias santificados. E nós, de sua equipe, também o fazíamos. Afinal, dezenas ou centenas de processos ou expedientes diários a examinar aguardavam decisão a respeito de dotações


151 orçamentárias em benefício de secretarias de Estado, autarquias, prefeituras municipais e, também, de entidades merecedoras de auxílios e subvenções. O Prof. Carvalho Pinto somente passou a confiar em nós quase dois anos depois. Nada assinava ou despachava sem perguntar o motivo e a finalidade do dispêndio e sua conformidade às leis e regulamentos. Com o tempo assinava ‘de cruz’, depois de lida superficial, porque percebeu que fazíamos a triagem de tudo e desse modo evitando que sua eventual decisão viesse a comprometê-lo. Paradoxalmente, acho que foi mais fácil trabalhar com o Prof. Carvalho Pinto, que tudo perguntava e examinava antes de assinar, assim assumindo toda a responsabilidade. Já o Prof. Delfim Netto, ao contrário, nos conferia o obséquio de sua confiança. Costumava assinar os despachos que lhe submetíamos à assinatura sem prolixas indagações. Era direto. Acreditava em sua equipe. Essa a razão pela qual suponho ser mais difícil trabalhar com quem confia em nós, porque poderíamos maldosamente ou não preparar um ‘despacho-armadilha’ e comprometer quem o subscreve. Já o desconfiado ou o receoso nunca poderia nos acusar de algo errado, porque simplesmente argumentaríamos com o fato de ele nunca haver assinado qualquer coisa de boa-fé ao fazer questão de checar e confrontar o fulcro da matéria. Já se faz longa essa exposição. E percebo não poder ultimá-la sem a adição de certos ingredientes que se me afiguram imprescindíveis ao conjunto. À GUISA DE ENCERRAMENTO Muitas coisas mais poderiam ser aditadas, mesmo com o alongamento já notado. Creio, no entanto, meu caro e bom amigo Daniel, haver percutido alguns pontos cruciais objeto das justas preocupações inscritas em sua obra ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’. O livro é, antes de tudo, um bom repositório da legislação atinente aos controles interno e externo. E é visível fonte de receio relativamente aos predadores do Erário, que fingem ou não acreditar nas algemas que os atiraria na masmorra dos demolidores de recursos financeiros e morais. Sempre existiram e continuarão proliferando os dilapidadores, aqueles que exercitam seu mister lobrigando proveito pessoal e não o da coletividade a que deveriam servir. Para esses, entre os quais as ‘jorginas’ e os ‘lalaus’ da vida, tanto faz que haja controle ou não, inclusive de foro íntimo. A


152 ânsia de se locupletarem é bem maior do que a educação recebida de seus pais e cuja permanência no íntimo se revela incapaz de resistir ao apelo das pessoas de bem, daquelas cujo rosto se ruboriza quando sentem vergonha. Faz-se por igual aconselhável que as prestações de contas revestidas de boa apresentação sejam submetidas a exame profundo quanto ao mérito, quanto à legalidade e quanto à obtenção física daquilo a que se propunham. Muitas vezes uma pessoa simplória presta contas sem o estardalhaço das molduras bonitas, que muitas vezes só servem para a distração do observador na realidade interessado na tela. A regra dos procedimentos de auditoria é clássica e definitiva: é forçoso desconfiar, em especial quanto ao conteúdo. E nada custa fazer o teste de verificação de notas fiscais anexadas, buscando na fonte emissora a certeza ou não da credibilidade. Não é preciso ensinar que muitas notas fiscais são impressas em ‘gráficasde-fundo-de-quintal’,

com

endereço

forjado.

E

é

necessário

precipuamente observar se os valores lançados na primeira via são os mesmos que constam da cópia. Mais ainda: verifique-se se as mercadorias ou os serviços ali descritos foram realmente fornecidos. São pequenas verificações, as quais, contudo, devem ser objeto de fiscalização. SUGESTÕES FINAIS Não desejo concluir minha apreciação sem oferecer algumas sugestões visando ao bom desempenho da máquina pública: a) aceite-se nossa tese de que o controle é um só, sem adjetivação. A integração dos campos interno e externo somente seria factível se a vaidade não permeasse os momentos de execução dos trabalhos das equipes técnicas libertas, antes de tudo, de indicações políticas ou de amizade e que atuassem em conjunto. Ao falar em equipes técnicas, estamos nos referindo àquelas cujo propósito é operar seus deveres com independência e sem o receio de agradar ou melindrar seus padrinhos ou superiores hierárquicos; b) reconheça-se haver gritante descompasso entre a vontade de trabalhar seriamente e a recepção que


153 os mal-intencionados dedicam aos procedimentos assim gerados. Há uma lei, não escrita, que prescreve: ‘toda idéia, ainda que excelente, deve ser ferozmente combatida, se não for derivada de nossa iniciativa pessoal’; c) observe-se quão necessária e prejudicial é a proliferação de leis, decretos, portarias e, muito especialmente, medidas-provisórias para reafirmar coisas existentes. Na maior parte das vezes, bastaria um aperto ou ajustamento aqui ou ali, de sorte a preservar a unidade do conjunto, e sem necessidade de editar o supérfluo. Basta cumprir e fazer cumprir o que já existe. A propósito, vale transcrever, ainda que parcialmente, o pensamento do Senador Fernando Henrique Cardoso (‘apud’ Clóvis Rossi, in Folha de S. Paulo, 09/02/01) que, em memorável discurso no Congresso Nacional, transcrito pela mesma Folha em 07/06/90, assim protestava: ‘O Executivo abusa da paciência e da inteligência do país quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata, o Plano Collor vai por água abaixo e, com ele, o combate à inflação... Ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no país só existe um ‘poder de verdade’, o do presidente. E daí por diante esqueçamos também de falar em democracia’. Pois é; d) as

chamadas

leis

de

licitações

e

contratos,

conquanto paulatinamente aperfeiçoadas, timbram em manter exceções ao processo normal da universalidade de interessados (ou concorrentes). Uma delas, quiçá a mais escandalosa, é a que permite

dispensa

de

licitação

quando

estiver

configurada a ‘notória especialização’. Essa é a brecha

por

onde

caminham

os

fornecedores


154 ‘especializados’ de bens e serviços supostamente mancomunados com os responsáveis pelo processo decisório. Embora a lei se esforce por explicar os critérios a observar na adjudicação em favor de pretensos

‘especialistas

únicos’,

pensamos

ser

imoral tal procedimento. Ninguém está no mundo sozinho. Por mais notória que se afigure a capacidade do ‘vencedor por antecipação’, sempre haverá quem domine a arte de produzir coisas ou realizar

serviços

elencados

como

de

‘notória

especialização’. É preciso banir tais negociatas. Urge do mesmo modo fulminar as precondições disfarçadas sob ‘critérios técnicos’ excluindo, por exemplo,

os

concorrentes

que

não

consigam

comprovar a feitura de uma obra ou serviço do mesmo porte do objeto da licitação. Um engenheiro tanto sabe executar 20 metros de piso quanto 200 ou 20.000. Não pode ser eliminado a priori se nunca teve a sorte ou a chance de realizar obras tão grandes quanto as encaixadas no modelo sob competição. A regra é bastante simples. Quem sabe construir uma estrada com 5 quilômetros de comprimento saberá construí-la com 100 ou 1.000. Não há necessidade de se impor aos concorrentes as esdrúxulas cláusulas restritivas que os afastem do pleito. São imposições sub-reptícias, maldosas, para dizer o mínimo; e) concordo, em parte, com a sugestão colocada às páginas 182 e 183, a propósito da concepção de um órgão de controle interno mais robusto. O primeiro passo será colocar um comptroller técnico, sem filiação política, ao lado do presidente da República, pelo prazo de 10 anos. Seu mandato, a exemplo da administração norte-americana, deveria extrapolar o do chefe do Executivo. Deveria ser escolhido, preferentemente, por quem disputasse o cargo mediante concurso público e não se submetesse a qualquer forma de injunção. Deveria pôr no ‘olho-


155 da-rua’, sem contemplação, e apenas com o ad

referendum do Executivo, o mau administrador, o negocista,

o

trampolineiro,

o

arrivista,

o

malversador de recursos, o freqüentador do turismo disfarçado de simpósio e tantos outros mais cuja preocupação única é sorver o leite generoso que jorra das glândulas mamárias do Tesouro Nacional, intumescidas pelos impostos e taxas cobrados do povo. Talvez uma drenagem nas torneiras dos gastos ensejaria a possibilidade de proporcionar algum aumento de vencimentos aos funcionários públicos, há quase sete anos sem atualização, nem mesmo correspondente aos índices inflacionários; f)

nosso Decreto nº 84.362/79 ensejou um melhor figurino em prol do controle interno e teve como um de seus pontos culminantes a centralização da auditoria no organograma do órgão central, a SECIN/SEPLAN/PR.

Foi

um

começo

de

independência.

auditores,

retirados

dos

Os

Ministérios em que atuavam e colocados sob comando único, já podiam, como puderam, se livrar das peias que os atavam à hierarquia anterior. Conseqüentemente, sem o receio da represália, já podiam elaborar seus relatórios. Foi um tempo feliz, testemunhado pelo meu prezado Dr. José Daniel de Alencar, que os dirigia sob essa égide e os estimulava à prática da independência, ingrediente fundamental da auditoria em qualquer parte do mundo. A idéia do Projeto Verama fica assim resgatada, ao menos em parte, porquanto se tornou inatingível, logo ao primeiro impacto, o propósito de colocá-la sob o direto comando do presidente da República. Mas, enquanto esteve conosco ― e éramos parte da Presidência da República ―, mereceu a dignidade a que fazia jus. Tudo isso está hoje destruído. Os auditores voltaram ao jugo dos próprios Ministérios, em nome de uma descentralização fadada ao fracasso,


156 porque inoperante, sem independência e com o temor de relatar os fatos desabonadores dos ‘manda-chuvas’ de plantão. A auditoria precisa voltar ao processo centralizador; g) seria esse o verdadeiro controle interno, com o poder de vetar, inclusive, a distribuição de novos recursos

a

dirigentes,

administradores

e

ordenadores de despesa cujo comportamento já houvesse ultrapassado os limites da decência. Claro está que deveria haver, em cada Ministério, uma espécie de autoridade incumbida do poder de sustar a realização da despesa, ou seja, um ‘controlador interno’. Seria uma figura quase equivalente à do Secretário de Controle Interno ― CISET, mas estreitamente voltada ao binômio custo/benefício. Aplicaria poderosa ênfase aos aspectos de realidade física, medida, pesada, fotografada, para que nenhuma dúvida subsistisse quanto à efetiva entrega da coisa contratada. Registre-se, por oportuna, a advertência outrora feita pelo Ministro José Pereira Lira, ex-presidente do TCU, em que divulgava o conjunto de uma convincente prestação de

contas

revestida

indispensáveis

a

seu

de

todos

os

acolhimento,

requisitos tais

como

documentos, notas fiscais, recibos e outros papéis ligados à construção de uma obra... inexistente. Para nós, contudo, a obra tinha existência física, sim, embora erguida em terreno estranho à União. Esses

delegados

setoriais,

como

dissemos,

investidos do poder de veto, inclusive, seriam assim como ‘preparadores de expedientes’, para fugir à cediça e desgastada figura de Secretário de Controle e escolhidos pela moralizadora porta do concurso público. E permaneceriam no cargo enquanto durasse o mandato do ‘controlador geral’ (comptroller), supostamente de dez anos. Quem, no entanto, assimilaria a idéia? e


157 h) a tese enunciada no inciso anterior é aplicável, em igual e rigorosa medida de equivalência, ao Tribunal de Contas da União. Não há necessidade de manter o cenário aparatoso de ministros travestidos de julgadores e não escolhidos, como no respeitável Poder Judiciário, por concurso ou através de promoção na carreira. Será pelo menos útil acabar com o ‘julgamento político’, não técnico, destruidor do ânimo com que a equipe incumbida do controle externo se volta para as tarefas de instrução dos processos levados a julgamento, por sinal, em harmonia com o manancial fornecido pelo controle interno. Essa equipe poderá ser dirigida, ao mesmo passo, por um ‘controlador externo’, escolhido via concurso aberto pela União e com todas as prerrogativas do modelo ianque, inclusive no tocante a prazo de mandato. Ora, se é no Congresso Nacional que se dá aprovação do Orçamento

Público,

nada

mais

natural

e

consentâneo seja a fiscalização praticada lá com o auxilio do corpo técnico a ser alijado da influência de pessoas nada afeitas às lides do controle, porque geradas por bancadas políticas afeitas a discursos de mútua confraternização, do tipo ‘depois das palavras de V.Exa. o sol nunca mais brilhará’... Não há como justificar a presença de um Tribunal de Contas eivado de protegidos abandonados por seus antigos eleitores ou em fim de mandato. Juízes e ministros recrutados

integrantes desse

do

modo.

Judiciário A

não

coerência

são

precisa

prevalecer. Imaginem-se as futuras equipes de controle interno e externo irmanadas no propósito de produzir coisas úteis e sabê-las aproveitadas e respeitadas. Pense-se nos benefícios se as coisas fluíssem sem a presença dos que tudo fazem, não para salvar nosso Brasil, senão para salvar amigos eventualmente encastelados ou refestelados no Poder. De resto, a opinião pública está saturada quanto à inutilidade dos tribunais de contas, cuja presença no cenário


158 do controle vem sendo progressivamente contestada. Se o grande Ruy Barbosa, mentor da figura do Tribunal de Contas, estivesse vivo hoje, sofreria ataques de decepção ante o desvirtuamento de sua criatura com o perpassar dos tempos e mais afeita aos bônus da celebridade do que aos espinhos da austeridade. O TCU não pode nem deve continuar a ser uma espécie de filial do INSS ao acolher parlamentares em final de carreira para lhes proporcionar a sonhada aposentadoria. A menos que os recursos caiam do céu, como o maná no deserto, o povo é quem, na estação final do trem-da-alegria, suportará tais ônus, no ombro e no bolso. Poder-se-á

objetar

que

tal

medida

ofenderia

a

Constituição. Ora, se a Lei Maior pode ser amoldada aos interesses meramente

pessoais

e

momentâneos

da

conveniência,

casuisticamente, pois, poderá sê-lo, do mesmo modo e agora certamente sob os aplausos do povo, mais retumbantes do que qualquer outra emenda, mesmo que se destinasse a reeleger, por única e exclusiva vontade dos governados, e contra a própria vontade, eventual ocupante do Poder. Pelo menos nesse lance se faria sensível economia de recursos orçamentário-financeiros por via do banimento de um organismo não desejado nem respeitado pela sociedade que o considera oneroso inútil e, pior, mau exemplo de cabide de emprego. O Tribunal de Contas da União não deve subsistir. ALOCUÇÃO DERRADEIRA Meu respeitável Autor e Auditor Dr. José Daniel de Alencar: Após minha extensa dissertação, parece-me ter ficado clara a simples adoção das seguintes propostas: 1) coloque-se

um

Auditor

Externo

diretamente

subordinado ao Poder Legislativo; 2) coloque-se

um

Auditor

Interno

diretamente

subordinado ao presidente da República e 3) escoime-se a superfluidade de organismos cuja missão não se amolde ao indeclinável respeito a dinheiros, valores e outros bens públicos.


159 Peço desculpas por haver transposto o limite suportável ao tentar resumir a caminhada do controle interno, desde seu nascedouro, em 1967, até o triste massacre a que foi submetida a Secretaria Central de Controle Interno ― SECIN, em 15 de março de 1985. Alguém, entretanto, deveria um dia contar um pouquinho da história iniciada com a Reforma Administrativa (DL nº 200/67). Peço dar a este depoimento o destino julgado útil, seja transcrevendo-o em seu próximo (e já esperado!) livro, se o merecer, seja desprezando minhas opiniões. Desejo pedir, todavia, a unanimidade num caso e noutro, porque não quero ver minhas idéias fragmentadas ou apartadas do conjunto em que as situei. As remissões parciais, como sabemos, costumam desfigurar a inteireza do conjunto. Tive a coragem de fazê-lo, em primeiro lugar, porque o Destino me tornou o modesto desbravador do cipoal da mensagem reformista e, em segundo

plano,

porque

me

entreguei

de

corpo

e

alma

à

implementação de algo refletindo a vontade, a ordem, o respeito e, muito mais, a disciplina dos ideais da Revolução de 1964. Penitencio-me da prolixidade. Mas a culpa não é minha. Minhas redes estavam a secar, depois da faina de tantas pescarias. Devo ao livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’ o entusiasmo ou o desafio desta nova travessia pelos mares revoltos do Controle, não por certo para fisgar outros peixes, senão, tão-somente para recordar os bons tempos em que o fazíamos, sob a bonança ou a borrasca. Releve-se-me alguma eventual e compreensível falha, porque abordei praticamente de memória a história do Controle Interno. E todo o nosso trabalho haverá de ser eternamente a lembrança da lealdade e operosidade de nossas equipes, credoras únicas dos aleatórios sucessos de nossas colheitas. Aos que estejam ainda pescando ou secando suas redes, nossa comovida homenagem. E àqueles que hoje residem no Além, e já são tantos!, remeto a saudade do antigo chefe e companheiro, com esta mensagem: ‘As pessoas queridas, quando partem, sempre deixam um pouco de si, mas, também, sempre levam um pouco de nós’. Os dados por mim revelados foram buscados no coração, e em maior dose que na memória.


160 Gostaria que nossa Constituição fosse emendada mais uma só vez e se reduzisse àquele modelo sugerido pelo grande historiador Capistrano de Abreu, assim compilado: ‘Artigo 1º - Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha. Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário.‘ Peço aceitar, com meus cumprimentos pela produção da obra ora comentada, minha adesão à mensagem ali dirigida à consciência dos homens de bem. Acredito que nossos colegas e bons amigos responsáveis pela semente do Projeto Verama ficariam felizes se recebessem o abraço que por seu intermédio lhes envio, apertado e saudoso. Um

abraço

muito

especial

com

o

renovado

agradecimento de seu amigo, Fernando de Oliveira FERNANDO DE OLIVEIRA ALAMEDA TIETÊ, 191 AP. 81 01417 ― 020 ― SÃO PAULO / SP’

É de se constatar que a carta do Dr. Fernando de Oliveira ― fiel escudeiro do ex-ministro Delfim Netto na área de fiscalização do emprego de recursos públicos ― é um tesouro que merece ser conhecido e explorado. Não só a ele mas também às autoridades citadas em sua mensagem, o Brasil fica a dever o trabalho dignificante por eles prestado à nação. Da carta, é destacado um dos valiosos trechos para que fique gravado na memória do leitor, a respeito da significativa diferença existente entre os vocábulos competência e capacidade: ‘[...] ‘Competência’ é poder hierárquico, é ser investido em comando ou chefia, como sinônimo de determinar o que deva ser feito ou o que não deva ser feito. ‘Compete ao chefe distribuir tarefas aos subordinados. [...]


161 [...] ‘Capacidade’ é o conjunto de atributos pessoais obtidos pelo estudo ou pela prática, conducentes à boa realização de algo. [...]’

Em que o Dr. Fernando afirma: ‘[...] Não se confundam, portanto, os significados das palavras ‘competência’ e ‘capacidade’. Um chefe analfabeto é sempre competente. Já um indivíduo capaz é aquele que conhece, dá conta do recado e domina seu mister, ainda que não seja chefe. [...]’

Eis uma bela lição a ser transmitida pelos que lidam com as massas e, em especial, com os adolescentes e os jovens. É comum ouvir a confusão que se faz entre o significado de competência e capacidade, o que resulta, muitas vezes, em incompreensão dos valores que tais palavras carregam.

7.1 Os Tribunais de Contas E, passados alguns anos depois da carta do Dr. Fernando de Oliveira, datada de 28 de fevereiro de 2001, a Folha de S. Paulo e o Correio

Braziliense também demonstraram a inutilidade dos Tribunais de Contas. Leia, então, o comentário da Folha de S. Paulo, em sua edição de 13 de novembro de 2007, p. A2, em Opinião, na coluna Editoriais, sob o título

Abrigo para os sem-voto: ‘Uma das mais dispendiosas e inúteis sinecuras da República é o cargo de conselheiro de tribunal de contas. O emprego é vitalício, dá direito a generosa aposentadoria e oferece salários que estão entre os mais altos do funcionalismo. No âmbito federal, cada um dos nove ministros do Tribunal de Contas da União ganha R$ 23,2 mil mensais, o mesmo que ministros do Superior Tribunal de Justiça. Nos Tribunais de Contas dos Estados, o salário do conselheiro costuma emparelhar com o de desembargador.


162 O trabalho é reduzido, dado que os relatórios e pareceres são elaborados pelo pessoal técnico dessas instituições, contratados por concurso. Praticamente tudo o que ministros e conselheiros fazem é rejeitá-los ou aprová-los acompanhados de recomendações anódinas, tarefa, aliás, supérflua, uma vez que essa etapa precisa ser repetida no Congresso Nacional ou na respectiva Assembléia Legislativa, órgãos que têm a palavra final. Diante surpreende que

tais

de

tantas

cargos,

vantagens preenchidos

e

benefícios,

não

por indicações

dos

Executivos e dos Legislativos, tenham se tornado abrigo de correligionários com prestígio entre seus padrinhos políticos, mas não entre os eleitores. Dos 189 conselheiros de TCEs, apenas 19 têm perfil técnico. O restante divide-se entre ex-deputados, estaduais e federais, ex-prefeitos, ex-secretários de Estado e ex-vereadores, entre outras ex-autoridades. É preciso pôr um fim a essas casas de misericórdia para políticos sem voto. Há várias propostas de reforma dos tribunais de contas tramitando no Congresso, mas o ideal seria transformá-los em órgãos puramente técnicos de auditoria, enxutos, e dar cabo dos cargos de ministro e conselheiro. Cabe, afinal, aos tribunais de contas combater o desperdício e o mau uso do dinheiro público ― não fomentá-los.’

E o Correio Braziliense, de 27 de maio de 2010, em artigo do jornalista Lúcio Vaz, publicado na coluna Opinião, p. 24, intitulado Depósitos de

políticos, assim manifesta sua posição: ‘Os tribunais de contas dos estados e municípios são hoje o que era o Tribunal de Contas da União há 20 ou 30 anos: depósitos de políticos aposentados. Estão repletos de ex-deputados, ex-prefeitos, ex-secretários estaduais e apadrinhados em geral de governadores. Na busca de espaços para afilhados, deputados estaduais e governadores ocupam até mesmo a vaga reservada para auditores e procuradores de carreira. A Constituição Federal diz que, das sete vagas de conselheiros em cada tribunal, uma deve ser ocupada por procurador e outra por auditor substituto. Metade dos tribunais não cumpre essa exigência constitucional.


163 A presença de conselheiros com formação técnica resultaria no aprofundamento dos debates, embora eles não tivessem peso maior nas decisões. A maioria dos conselheiros continuaria sendo fruto de indicações políticas. Há casos de governadores que propõem a nomeação até mesmo de irmãos. Quatro das sete vagas são indicadas e aprovadas pelos próprios deputados estaduais. O cargo de conselheiro tem o atraente salário de R$ 24 mil, sem contar os inúmeros assessores disponíveis. Em vários estados existem o tribunal de contas do estado e o tribunal dos municípios, cada um com sete conselheiros e mais algumas centenas de funcionários. Em Alagoas, os deputados chegaram a emendar a Constituição estadual para poder indicar um apadrinhado na vaga de auditor existente no Tribunal de Contas do Estado. O Tribunal de Justiça do Estado considerou inconstitucional a mudança, mas até hoje a vaga de auditor não foi preenchida. Os dirigentes de tribunais de contas inventam exigências não previstas na Constituição, como estágio probatório, para deixar a vaga de auditor aberta. Na verdade, a cadeira não fica vazia, porque acaba preenchida por um apaniguado. O TCU também já foi depósito de políticos em fim de carreira. Nos últimos anos, as vagas indicadas pela Câmara e pelo Senado têm sido disputadas em plenário por cinco ou seis candidatos. Há até candidatos apoiados pelo governo. Políticos no auge da carreira acabam sendo nomeados ministros do tribunal. Pode ser coincidência, mas o fato é que a qualidade dos serviços do TCU evoluiu nos últimos anos, apesar das falhas históricas, como a excessiva demora no julgamento dos processos. Espera-se que os novos tempos cheguem aos estados.’

7.2 Fiscalização para fiscal Tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal duas propostas de emenda à Constituição (PECs), referentes à criação de um órgão colegiado ― o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas.


164

O Jornal de Brasília, de 19 de junho de 2010, p. 7, com o título

Fiscalização para fiscal, publicou reportagem sobre o assunto, dando a conhecer o objetivo das citadas PECs: ‘DINHEIRO PÚBLICO Fiscalização para fiscal Congresso votará criação do Conselho dos Tribunais de Contas do País Avança no Congresso Nacional, por meio de duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), colegiado que terá a missão de fiscalizar conselheiros e ministros de contas de todo o País. A exemplo e nos moldes de outros dois conselhos instalados por força da emenda 45, de 2004 ― o Conselho Nacional de Justiça e o do Ministério Público ―, o novo órgão controlará a atuação administrativa e financeira dos tribunais de contas e o cumprimento dos deveres funcionais de ministros, conselheiros e auditores. A fiscalização do conselho também deverá alcançar os membros dos Ministérios Públicos de Contas, que funcionam junto aos tribunais de contas. São duas PECs similares, ambas de 2007. Uma tramita na Câmara, outra no Senado. Elas têm a mesma meta e ostentam apenas algumas divergências, como em relação ao número de integrantes que o conselho deve ter ― a Câmara quer nove, o Senado, 17. TEXTO DA CÂMARA Na Câmara, a PEC 28/07, de autoria do deputado Vital do Rêgo Filho (PMDB―PB), recebeu substitutivo do deputado Júlio Delgado (PSB―MG), o relator. O texto, admitido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), foi aprovado por comissão especial. Depende agora de acordo de lideranças para ir a plenário. Delgado destaca que ao conselho caberá ‘apreciar, de ofício ou mediante provocação, a validade de atos administrativos praticados

por

membros

dos

tribunais

de

contas,

podendo

desconstituí- los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao cumprimento da lei’.


165 Além disso, segundo a proposta de Delgado, o conselho deverá ‘receber e conhecer as reclamações contra ministros, conselheiros, auditores e membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, inclusive contra seus serviços auxiliares e demais órgãos que atuem por delegação ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar atos que importem em sanções administrativas, assegurada a ampla defesa’. TEXTO DO SENADO No Senado, a PEC 30/07 está sob crivo da CCJ, que já promoveu audiência pública para debater melhor a questão. Ao colegiado caberá ainda a apuração de denúncias sobre nepotismo, enriquecimento ilícito e desvios. Há casos graves no País. Em São Paulo, dois dos sete conselheiros estão sob suspeita do Ministério Público por corrupção e remessa ilegal de valores para paraíso fiscal. De autoria do senador Renato Casagrande (PSB―ES), e relatoria a cargo do senador Romero Jucá (PMDB―RR), a PEC 30/07 prevê que o conselho será presidido pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) indicado que for mais antigo em exercício no cargo. Os membros do conselho serão nomeados pelo presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado. O quadro completo terá 17 integrantes com mandato de dois anos, admitida uma recondução. Nove representam os colegiados de contas ― dois ministros do TCU; dois conselheiros estaduais e municipais; dois membros do Ministério Público de Contas da União, dos estados e municípios; um ministro substituto do TCU; um conselheiro substituto estadual e um municipal.’ ‘SAIBA + No texto que tramita no Senado, há a previsão de outros sete integrantes do conselho, que são estranhos ao universo dos tribunais, sendo cinco indicados pelos conselhos federais da Ordem dos Advogados do Brasil, de Engenharia, Economia, Administração e Contabilidade. A última vaga será de um auditor escolhido pela Federação dos Servidores. Para Romero Jucá, o argumento de ofensa ao princípio da separação dos Poderes ou ao princípio federativo não deve prosperar. Em seu relatório, ele destaca que, quando da criação do CNJ e do CNMP, as mesmas questões foram levantadas.’


166

Na avaliação de Daniel, a criação desse órgão resultaria em maior prejuízo para o contribuinte. É de se questionar qual a necessidade da instituição de um colegiado para fiscalizar ministros, conselheiros e auditores de contas de todo o país, uma vez que eles deveriam ser o exemplo de conduta ilibada, conforme preceitua a Constituição Federal, seguida pelas Constituições estaduais, em seu art. 73: ‘Art. 73 [...] § 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I ― mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; II ― idoneidade e reputação ilibada; III ― notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; IV ― mais de dez anos de exercício de função ou de efetividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior. [...]’

A discrepância aumenta quando se trata da composição dos integrantes do novo órgão ― na proposta da Câmara, nove, e na do Senado, o total de dezessete, sendo nove representantes dos órgãos encarregados da fiscalização. E chega ao ápice quando prevê que o Conselho será presidido pelo ministro do Tribunal de Contas da União mais antigo em exercício no cargo. Então, recapitulemos: será criado um novo órgão fiscalizador para fiscalizar o fiscal, e presidido justamente por um dos fiscais, ou seja, pelo ministro do TCU mais antigo no cargo?

7.3 Propostas do autor O Dr. Fernando de Oliveira, em sua carta, sugere a nomeação de auditor externo e auditor interno, respectivamente, nos Poderes Legislativo e


167

Executivo federais, preferencialmente aprovados em concurso público, sem filiação partidária, pelo prazo de dez anos, devendo, desse modo, seus mandatos extrapolarem os de seus chefes. Para tanto, serviu-se do exemplo que trouxe dos Estados Unidos, que utilizam esse esquema somente para fiscalizar o emprego de recursos da área federal. Como você pôde perceber, leitor, no Brasil, a fiscalização do emprego de recursos públicos tornou-se uma verdadeira mixórdia. Para corrigir essa anomalia, Daniel ousa sugerir a implantação das seguintes propostas, as duas primeiras em extensão às do Dr. Fernando: 1. nomear auditor externo em cada um dos Poderes Legislativos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais; 2. nomear auditor interno em cada um dos Poderes Executivos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais; 3. exercer o controle, em consonância com a lição deixada, há mais de 100 anos, por Henri Fayol, o grande mestre da Administração: ‘Controle é o exame de resultados. Controlar é ter a certeza de que todas as operações a toda hora estão sendo realizadas de acordo com o plano adotado, com as ordens dadas e com os princípios estabelecidos. Controle ampara, discute e critica. Ele tende a estimular o planejamento, a simplificar e fortalecer a organização, aumentar a eficiência do comando e facilitar a coordenação’ (MAUTZ, K. R. Princípios de Auditoria 1: Ed. Atlas, 1975);

4. respeitar o que estabelece a Lei nº 4.320, de 17/3/1964, especialmente em seu art.77: ‘Art. 77 ― A verificação da legalidade dos atos de execução orçamentária será prévia, concomitante e subseqüente.’


168

Os servidores a serem subordinados aos auditores externo e interno, dos órgãos mencionados nos itens 1 e 2, seriam colocados à disposição apenas de seus novos chefes, fato que geraria uma centralização e evitaria novos gastos. Daniel acredita que, se tais propostas forem implementadas neste país, resultarão em benefícios para a sociedade. Os Tribunais de Contas não servirão mais de Abrigo para os sem-voto, nem serão Depósitos de políticos, como visto antes nos artigos da Folha de S. Paulo e do Correio Braziliense. Some-se a todos esses benefícios o mais importante: haverá total independência para o fiscal, dando-se, em consequência, um freio brusco na corrupção, doença transmissora de tantas infelicidades. E, conjugando-se as cominações estabelecidas na Lei da Ficha Limpa com as propostas apresentadas, assim, só assim, corruptos e corruptores serão banidos do cenário nacional.

TERCEIRA PARTE

CAPÍTULO I 1. CONSIDERAÇÕES FINAIS Daniel narrou sua vida com o intuito de demonstrar como, pouco a pouco, foi engajando-se na luta contra a corrupção e, assim, tomando como ideologia o compromisso pessoal de colaborar para o seu combate. Hoje, com 76 anos, Daniel fixa seu pensamento no passado e se vê, há cerca de quarenta anos, plantando uma semente, cuja árvore espera que dê bons frutos. Ainda não para de pensar em seguir contribuindo, de alguma forma, para a redução do grande mal que assola o país. Como possível solução, atreve-se a sugerir a implantação, com o apoio de instituições respeitáveis, das propostas transcritas no item 7.3 do Capítulo VII ― BASTA DE

CORRUPÇÃO!


169

Infelizmente, é difícil extinguir a corrupção, mas é possível diminuí-la de forma considerável, pois haverá sempre soldados do bem a engrossar as fileiras dos que lutam para contê-la: a Câmara dos Deputados com a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, a Justiça agindo de modo imediato, a Polícia Federal trabalhando ininterruptamente para coibi-la, estudantes lutando para a moralização das atividades políticas, instituições e cidadãos unindo-se para que sejam castigados os aproveitadores de plantão e a mídia relatando os passos indecorosos dos participantes no desvio de recursos públicos para fins inconfessáveis. Se cada brasileiro contribuir com uma pequena parcela, por menor que seja, para colocar um freio nessa insidiosa moléstia que impede o progresso do país, em um amanhã não muito distante, o Brasil estará no topo das nações do chamado primeiro mundo. E Daniel apela para aqueles que desejam transmitir às crianças, aos adolescentes, aos pobres e aos miseráveis uma pátria digna que continuem batalhando, sem esmorecer.

ANEXO

1. TRABALHOS PARALELOS Procurando contribuir com fiscais e fiscalizados no que diz respeito ao emprego de recursos públicos, Daniel aprofundou-se nos trabalhos de pesquisa da legislação. Igualmente, ministrou cursos e escreveu livros ― edições esgotadas ― com o mesmo objetivo. Uns, como escritor autônomo; outros, em parceria com o ex-Ministério da Agricultura, Secretaria-Geral.


170

1.1 Cursos ministrados Convidado pelo então governador do Território Federal do Amapá, comandante Arthur Azevedo Henning, Daniel deu aulas sobre auditoria a servidores do Território em julho e agosto de 1977. Em agosto de 1979, em Brasília, sob os auspícios da ex-OAIB (Organização dos Auditores Independentes do Brasil), Daniel ministrou a auditores o Curso de Auditoria. E, na mesma cidade, em janeiro de 1980, foi instrutor do Curso de Treinamento sobre Fundamentos e Procedimentos de

Auditoria na Escola de Administração Fazendária (Esaf).

1.2 Livros publicados 1.

Manual de Auditoria. Brasília, DF: Gutenberg Gráfica e Papéis, autônomo,

1977. 2. Quem está sujeito à jurisdição do TCU? Brasília, DF: Gutenberg Gráfica e Papéis, autônomo, 1977. 3. Coleção de Auditoria: Legislação Básica. Brasília, DF: Gráfica da CFP (v.I a IV e VI), Gráfica Brasiliana (v.V e VII), parceria Min. da Agricultura, SecretariaGeral, 1983, 7 v. Volume I:

A Lei nº 4.320, de 1964, e Legislação Complementar

Volume II: Licitações e Alienações. Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Leilão, Venda, Permuta, Cessão e Doação Volume III: Transporte, Diárias e Ajuda de Custo Volume IV: O Controle Interno Volume V:

O Controle Externo

Volume VI: Convênios, Contratos, Acordos, Ajustes, Auxílios Financeiros e Subvenções Sociais Volume VII: Auditoria Contábil, de Programas e de Tomadas e Prestações de Contas


171

Obs.: nas páginas finais de cada um dos volumes, há um índice dos assuntos neles tratados. 4. Coleção de Auditoria: Legislação Básica ― Atualização. Brasília, DF: Gráfica Valci Editora Ltda, autônomo, 1984. Obs.: nas páginas finais, há um índice dos assuntos nele tratados. 5.

Dicionário de Auditoria. Brasília, DF: Gráfica da CFP, parceria Min. da

Agricultura, Secretaria-Geral, 1985. 6.

Coletânea

de

Auditoria

Governamental.

Brasília,

DF:

Gráfica

e

Encadernadora Calazans, autônomo, 1989, 5v. Volume I: Legislação Volume II: Legislação Volume III: Legislação Volume IV: Legislação Volume V: Sumário e Índice Alfabético Remissivo dos volumes anteriores. 7. Conjunto de Termos Oficiais ― Conceituação. Brasília, DF: L.G.E. Editora, autônomo, 1990. 8. Os Sistemas de Controle Interno Federal, Estadual e Municipal. Brasília, DF: Escopo Editora, autônomo, 1990. 9. Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas. Brasília, DF: L.G.E. Editora, autônomo, 2000-01.

2. ELOGIOS RECEBIDOS É com satisfação que Daniel registra os elogios recebidos de renomadas autoridades sobre o livro de sua autoria, o Bandeira Contra a

Corrupção & Suas Irmãs Siamesas, prefaciado pelo jornalista Ari Cunha. Destaca, ainda, o do vice-presidente da República, José Alencar, sobre o

Dicionário de Auditoria. Em 11/6/2001, cartão:


172 ‘Recebi o livro de sua autoria, intitulado ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’. Agradeço a gentileza do seu gesto e parabenizo-o pelo excelente trabalho. Com os cumprimentos do PLAUTO RIBEIRO Juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região’

Em

11/7/2001,

Ata

da

(segunda)

Reunião

Plenária

Extraordinária dos membros do Conselho Regional de Administração do Distrito Federal (CRA/DF) de 2001: Foi a reunião aberta pelo presidente em exercício, Adm. Carlos Alberto Pio, a pedido do presidente, Adm. José Ataíde Miranda Barreto, que iria chegar atrasado, por motivo de trabalho. Da dita reunião, participaram o “[...] Adm. Júlio Modesto Severino, Adm. Thiago Mendes Vieira, Admª Maria do Rosário de Moraes e também o Adm. José Daniel de Alencar (concorrente ao Prêmio ‘Belmiro Siqueira’ de Administração), na modalidade Livro, e do Senhor Gerardo Antônio Monteiro de Paiva Gama, Ex–Presidente do CRC/DF e CRC/BA. [...]” Passada a presidência dos trabalhos para o Adm. José Ataíde, os conselheiros presentes aprovaram, por unanimidade, a indicação do livro

Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas, de autoria do Adm. José Daniel de Alencar, para concorrer ao referido prêmio. Infelizmente, não venceu. Em 16/7/2001, expediente: ‘Ofício nº 531/2001/PRES/CRA/DF Brasília, 16 de julho de 2001

Senhor Administrador,


173 É com imensa satisfação que nos dirigimos a Vossa Senhoria para informar que seu nome foi indicado por este CRA para concorrer, no Conselho Federal de Administração, ao Prêmio ‘Belmiro Siqueira’ de Administração de 2001, na modalidade LIVRO ― Obra: BANDEIRA CONTRA A CORRUPÇÃO & SUAS IRMÃS SIAMESAS. A indicação por si só já se configura como fator de reconhecimento deste Conselho ao papel que Vossa Senhoria representa, com suas pesquisas e denodado grau de desenvolvimento cultural, para o gáudio de todos aqueles que o estimam e admiram. O certame é Nacional, mas este CRA/DF não medirá esforços, para que tão valiosa premiação venha a ser conferida ao insigne representante da categoria Profissional que abraçamos, no Distrito Federal. Sem mais, colocamo-nos à disposição para qualquer esclarecimento,

renovando

nossos

protestos

de

estima

e

consideração. Atenciosamente, Adm. JOSÉ ATAÍDE MIRANDA BARRETTO Presidente CRA/DF nº 6177’

Em 18/7/2001, prêmio: Recebeu

Daniel,

no

auditório

do

Conselho

Regional

de

Administração do Distrito Federal (CRA/DF), de seu presidente, José Ataíde Miranda Barretto, o Prêmio de Mérito Administrativo do Distrito Federal ―

CRA/DF/2001, na condição de autor do livro Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas. Em 26/8/2001, DIÁRIO DO POVO, de Teresina ― PI: ‘Escritor parnaibano concorre a prêmio nacional José Daniel de Alencar foi indicado para concorrer ao prêmio ‘Belmiro Siqueira’ de Administração 2001


174 O livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’, do parnaibano José Daniel de Alencar, foi indicado para concorrer no Conselho Federal de Administração, ao prêmio ‘Belmiro Siqueira’ de Administração 2001, na modalidade Livro. A indicação, por si só, já representa o conhecimento do Conselho. A obra elucida o mistério do desvio de recursos, do desperdício e da má aplicação do dinheiro público. O leitor é conduzido pelo labirinto dos procedimentos burocráticos tão emperrados da administração pública. O autor prova, neste livro, que há mais de 24 anos, previu e iniciou sua luta para se colocar um freio na corrupção. Acompanhada de suas nefastas irmãs siamesas ― o desperdício e a má aplicação de recursos públicos ― impede o natural crescimento do país, vitimando, principalmente as classes menos favorecidas. Iniciando pelo desvario financeiro no Brasil e no exterior, passa pela América Latina e se concentra apenas no que ocorreu e está ocorrendo no Brasil. O autor expõe sua visão histórica dos sistemas de controle interno e externo e sua luta contra as nocividades da corrupção. O enredo trata diretamente da participação de milhares de brasileiros vivendo em condições de miséria. A trama conta com as intervenções de jornalistas e personalidades brasileiras, como Gilberto Amaral, Cristovam Buarque, Pelé, Ari Cunha, Fernando Tourinho Neto e Fernando Henrique Cardoso, entre outros. ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’ sinaliza que todos podem participar da construção da Nação e acompanhar o processo com boa presença de espírito para não desanimar, tal é o estado que o conceito corrupção provoca. O autor apresenta novas sugestões com a intenção de contribuir para se colocar um freio neste mal. O autor José Daniel de Alencar nasceu em Parnaíba e chegou ao Rio de Janeiro em 1950. É formado nos cursos de Administração e Ciências Contábeis e já ocupou diversos cargos importantes no serviço público federal. É autor de mais de dez obras e já ministrou cursos de auditoria em Brasília e no Amapá.’

Em 6/11/2001, cartão:


175 ‘Ilmo Sr. Dr. José Daniel de Alencar Acuso, com satisfação, o recebimento do exemplar de sua obra intitulada ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’, que teve a gentileza de me enviar. Agradeço

a

remessa

e

apresento-lhe

meus

cumprimentos pela realização. Cordialmente, MILTON DE MOURA FRANÇA Ministro do TST’

Em 19/11/2001, telegrama: ‘COM CORDIAL VISITA AGRADEÇO A REMESSA DO SEU BANDEIRA CONTRA A CORRUPÇÃO & SUAS IRMÃS SIAMESAS QUE LEIO COM ESPECIAL

INTERESSE.

CORDIAL

ABRAÇO,

MINISTRO

CARLOS

VELLOSO, STF’

Em 26/11/2001, cartão do ministro do Superior Tribunal Militar, almirante de esquadra Domingos Alfredo Silva, escrito à mão:

‘Prezado Senhor, Agradeço a gentileza da oferta do livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’ e transmito os cumprimentos pela oportunidade da obra. Cordialmente Domingos A. Silva’

Em 26/11/2001, cartão do ministro do Superior Tribunal Militar, gab min gen Ex José Luiz Lopes da Silva, escrito à mão: ‘Prezado Sr. José Daniel de Alencar Já

li

este

cumprimentos calorosos.

excelente

trabalho

e

receba

meus


176 À sua disposição José Luiz’

Em 29/11/2001, cartão do ministro do Superior Tribunal Militar, ten-brig-do-ar Sérgio Xavier Ferolla, escrito à mão: ‘Prezado José Daniel de Alencar Com muita satisfação recebi um exemplar do seu livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’, abordando um tema sempre de interesse, particularmente, nessa fase que o país vem enfrentando os maiores desafios. Pretendo analisá-lo minuciosamente mas, desde já, cumprimento-o pelo trabalho realizado. Atenciosamente TB do Ar Sérgio Xavier Ferolla’

Em

30/12/2002,

carta

do

Prof.

de

Ciências

Políticas

da

Universidade de Brasília (UnB) e historiador, Octaciano Nogueira: ‘Caro patrício Dr. José Daniel de Alencar Lamentavelmente, só o ócio desses últimos dias do ano me permitiu concluir a leitura da esclarecedora obra de sua autoria ‘Bandeira contra a corrupção & suas irmãs siamesas’. Devo esclarecer que para mim, leigo e jejuno na matéria, foi extremamente útil e proveitoso tomar conhecimento desse complexo tema de tanta atualidade em nosso país e em todo o mundo, para o qual a sociedade e suponho que a maioria dos cidadãos estão completamente despreparados para enfrentar e superar. Embora não tenha autoridade para tanto, suponho que seu trabalho de pesquisa, compilação e sistematização das informações seja fruto não só de sua vasta experiência profissional, mas também de seu devotamento à que deve ter sido a causa de toda uma vida. Ao agradecer a gentileza de seu gesto, remetendo-me um exemplar de sua obra, quero aproveitar a oportunidade para desejar-


177 lhe novos sucessos, ânimo e alento em sua cruzada, pela qual tanto lhe fica a dever o Brasil. Do patrício e leitor atento e mais uma vez agradecido. Octaciano Nogueira’

Em 19/5/2004, carta do vice-presidente José Alencar, escrita à mão, falando dos livros Dicionário de Auditoria e Bandeira Contra a Corrupção

& Suas Irmãs Siamesas: ‘Estimado parente, Seu excelente Dicionário de Auditoria mostra que, de José de Alencar, você só tem o nome, porque não faz romance, mas oferece um trabalho de grande valor para todos os que militam em áreas econômicas, empresariais ou públicas. Meus parabéns e um forte abraço do José Alencar E olha que nem falei do ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’. Novamente, parabéns. José Alencar’

Cartão sem data: ‘Caro José Daniel, Agradeço a gentil remessa do exemplar do livro

Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas e parabenizo-o pelo trabalho publicado. Atenciosamente, Terezinha Célia Kineipp Oliveira Juíza Presidente do TRT/10ª Região’

Cartão sem data:


178 ‘Sr. José Daniel, Acuso

recebimento

vosso

livro

e

aproveito

a

oportunidade para parabenizá-lo pela iniciativa. Charles Renaud Frazão de Moraes Juiz Federal Substituto da 14ª Vara’

Cartão sem data: ‘Caro Dr. José Daniel Agradeço-lhe o livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’, parabenizando-lhe pela autoria desta valiosa obra. Ao ensejo, apresentando-lhe protestos de estima e consideração, colocando-me à disposição de Vossa Senhoria. AMARÍLIO TADEU FREESZ ALMEIDA Corregedor–Geral e-mail: corregedoria@mpdft.gov.br HTTP://www.mpdft.gpv.br’


179

‘Todos esses que aí estão Atravancando meu caminho, Eles passarão... Eu passarinho!’ (Mário Quintana)



CORRUPÇÃO Ah, se nós pudéssemos Eliminar a corrupção, O Brasil seria mais respeitado Como uma grande nação. As crianças sorririam E os jovens iriam além, Os pobres se orgulhariam E os miseráveis diriam amém. As oportunidades seriam iguais, Dar-se-ia fim à distinção, Nem todos andariam sorrindo, Mas não haveria coação, Pois, para corruptos e corruptores, Acabaria a mordomia, E o país, feliz da vida, Extinguiria a epidemia. Viva, então, O fim da vida Da corrupção! José Daniel de Alencar


“Tive a oportunidade de ler previamente este livro CORRUPÇÃO ―

Memórias de um cabra da peste. Confesso que fiquei emocionado com o que li. Se antes respeitava o Daniel, agora o admiro. É uma rica história sobre uma alma que dedicou sua vida buscando contribuir para a falência da corrupção, apesar dos percalços no caminho. Não vai ser fácil suprimi-la, pois o Brasil levou mais de 500 anos para construir essa parafernália, e não vai ser em pouco tempo que o terreno será totalmente limpo. Há de haver sempre uma grande mobilização, mesmo de poucos, para amenizar esse mal. Considero hoje o Daniel um ícone nessa luta, um homem de caráter, e por tal deve ser respeitado. O livro fala da realidade dos fatos e apresenta propostas, além de mostrar a trajetória da vida de um cidadão na luta por um ideal e como nasceram, no seu íntimo, os valores e princípios fundamentais para a gestão pública. A dobradinha Daniel X Fernando de Oliveira vai dar o que falar.” Fernando Estevez Gadelha Administrador de empresas pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro e especialista em Políticas Públicas para Micro e Pequenas Empresas pela Universidade de Campinas (Unicamp). Atua hoje como gerente da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae do Espírito Santo e foi diretor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos do Espírito Santo ― 1988 a 2001.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.