Diário do Comércio

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

É somente com uma cidadania ampliada que se pode hoje falar do governo do povo para o povo. Roberto Fendt

pinião

ROBERTO FENDT

Manifestação no final de janeiro de 1979, em Teerã: povo iraniano foi às ruas contra o monarca Reza Pahlevi. Em março, o aiatolá Khomeini (na foto) subia ao poder e instaurava o fundamentalismo islâmico no Irã.

nada nos escritos de Maquiavel, que considera apenas duas formas de governo: a monarquia e a república, sendo a democracia clássica uma forma de república.

Tampouco o acesso à cidadania pode ser vetado por diferenças de gênero, dura conquista das mulheres inglesas que só se materializou com as "sufragetes" americanas no século passado. É somente

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s modelos de democracia contemporânea adicionam outros elementos a essa caracterização. A cidadania moderna, pelo menos no Ocidente, estendeu a noção de cidadania a praticamente todo o povo. O acesso a ela não pode ser vetado por diferenças de raça, conquista da Guerra Civil americana que somente se difundiu lentamente no Ocidente ao longo do século vinte.

com uma cidadania ampliada que se pode hoje falar do governo do povo para o povo. Finalmente, reconhece-se hoje que o simples ato de votar a escolher representantes para exercer

Talvez a pergunta relevante não seja a antinomia entre democracia e tirania, mas sim qual tipo de democracia poderá vir a emergir depois da queda de Mubarak.

AS RUAS ESTÃO DANDO O RECADO

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Estado de Direito: o respeito à vida, à liberdade e à busca da felicidade de cada um à sua maneira. Onde situar as raízes políticas do regime político que sucederá Mubarak? Certamente não na democracia grega clássica, da cidade-estado, sobrevivente apenas nos cantões suíços. Tudo indica que o regime político no Egito estaria mais bem enraizado em uma concepção mais próxima à noção de que o poder se transmitiria de cima para baixo. Também é questionável se em seus corações o povo egípcio crê firmemente que a cidadania é direito de todos. Em muitos de seus vizinhos, por exemplo, a cidadania não se estende às mulheres.

AFP/Getty Images

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Egito acha-se em um turbilhão após a queda de Hosni Mubarak e o fim de seu governo de 30 anos. Agora a questão é saber-se o que ocorrerá depois da transição do governo militar. Será possível caminhar para uma democracia ao estilo ocidental ou os militares se manterão indefinidamente no governo? James Clavell publicou em 1986 um romance com o título que tomei emprestado para a coluna. Clavell havia se tornado mundialmente famoso com a publicação de uma série de romances ambientados na Ásia e que formaram uma saga. Turbilhão foi o último romance da série. Nele, Clavell narra em mais de mil páginas os eventos ocorridos entre 9 de fevereiro e 4 de março de 1979 que marcaram a queda do Xá Reza Pahlevi e da monarquia iraniana e a ascensão do aiatolá Ruhollah Khomeini e do fundamentalismo islâmico no Irã. Não sei se alguém vai escrever um romance sobre a queda de Hosni Mubarak da presidência de 30 anos no Egito. Se alguém o fizer, não poderá ignorar o que está por baixo da superfície geopolítica da região. A democracia que praticamos no Ocidente, em alguns lugares sob uma forma mais pura que em outros, sustenta-se em alguns poucos princípios. Sua eficácia depende mais, contudo, na fé inquebrantável de que esses princípios não podem deixar de ser observados em qualquer circunstância. Ensinou-nos Norberto Bobbio que na democracia real confluem três tradições históricas. A primeira delas é a tradição grega clássica, aristotélica, da teoria das formas de governo. O que distinguiria a democracia da monarquia (governo de um só) e da aristocracia (governo de poucos) é o fato de constituir regime em que o governo pertence a todos que detêm a cidadania. A segunda delas é a tradição medieval, de acordo com a qual o poder deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior. A terceira, moderna, origi-

TURBILHÃO

á mencionei o assunto aqui na semana anterior, antes mesmo da queda do ditador egípcio, por conta do que havia ocorrido na Tunísia e seus reflexos no norte da África e Oriente Médio: o povo nas ruas pedindo o fim das ditaduras e dos abusos governamentais. Citei que se tratava de um fenômeno recente de mobilização via meios modernos de comunicação da Internet e, por conta própria, adverti os políticos e governantes em geral que esse tipo de comportamento pode se tornar comum pela instantaneidade da comunicação e poucos recursos exigidos para se criar

uma mobilização social. Mubarak renunciou. Em seguida, em diversos países, o povo foi para as ruas também, pedindo a renúncia de seu governante. Em menor escala, é verdade, mas na tendência apontada neste espaço e de fácil observação para quem acompanha os movimentos sociais. a Itália, na sequência, milhares de mulheres tomaram as ruas em diversas cidades, certamente numa mobilização organizada via mídia social, para pedir a saída do premiê Silvio Berlusconi, notório protagonista de escândalos de ordem sexual

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que começam a envergonhar o povo daquele país. Ou já envergonha faz tempo, mas chegou agora a um ponto intolerável. Os protestos tiveram reflexos em outros países da Europa e até na ONU. qui no Brasil, onde nossa jovem democracia ainda floresce e se consolida, o que vem deixando a população envergonhada é a desfaçatez com que os nossos políticos e governantes, democraticamente eleitos, se apossam de benefícios, privilégios, salários exorbitantes para si, e bondades para os apaniguados, sem nenhum

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respeito à moralidade pública e aos recursos vindos dos contribuintes honestos. Porque os desonestos sonegam. eitero – e meus leitores de quase três décadas neste Diário do Comércio são testemunhas – que sou um propagador da tolerância, do uso de meios legais e pacíficos para resolver pendências. Abomino qualquer tipo de violência. Começo a ter a convicção de que não haverá mudança na questão da probidade, da moralidade pública, em nosso país, se o clamor não vier das ruas.

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um poder delegado não esgota a noção contemporânea de democracia. O governo representativo, infelizmente, pode não ser democrático no sentido mais amplo, se os direitos fundamentais da cidadania não forem resguardados por uma constituição. Se uma tirania é geralmente um governo de poucos, é sempre bom lembrar que o fascismo e o nazismo chegaram ao poder pela via do voto. Portanto, a verdadeira democracia, com a qual sonha o Ocidente, calca-se no governo representativo de uma cidadania ampliada, mas não ignora que sua legitimidade reside nas instituições do

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alvez a pergunta relevante não seja a antinomia entre democracia e tirania, mas qual democracia possa vir a emergir após Mubarak. A Turquia percebeu há muito que a democracia é regime laico, incompatível com a ausência de separação entre a religião e o Estado. Conseguirá o Egito encontrar um caminho para a democracia que, sem ignorar suas raízes, se aproxime paulatinamente do modelo democrático ocidental? É disso que trata a transição, que mal se inicia, e que se segue ao turbilhão das últimas semanas. ROBERTO FENDT É ECONOMISTA

PAULO SAAB Quando o Congresso Nacional, as assembleias estaduais, as câmaras municipais – a de São Paulo é uma vergonha – , agem de forma arbitrária em favor de seus interesses pessoais, dissociados dos interesses coletivos e da missão para a qual foram eleitos, sem dar a mínima satisfação e ainda praticando atos imorais com um cinismo espantoso, é hora de pensar em iniciar protestos públicos pacíficos nas ruas do País. Só para mostrar que nós, os pagadores de impostos que os sustentam, estamos infelizes com o desperdício de dinheiro público que

promovem. Dinheiro que eles consomem vorazmente em proveito pessoal. Minha restrição a esse tipo de mobilização no Brasil é que sempre quem sai na frente e a organiza são os grupos políticos radicais que tomam as ruas com bandeiras de cunho de revolução populares e outras coisas anacrônicas, tirando a legitimidade do protesto e desvirtuando as finalidades perseguidas. Ainda por cima, gerando tumultos, violência e reações que não deveria haver. E, assim, "la nave va"... PAULO SAAB É JORNALISTA E ESCRITOR

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