Questões Multiculturais Para o Ensino de Artes Visuais

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II - DIÁLOGOS INTERMIDIÁTICOS Profa. Dra. Maria Amélia Bulhões


APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Profa. Dra. Maria Amelia Bulhoes Garcia

Caro Aluno Estamos iniciando uma nova disciplina, algumas questões talvez os estejam intrigando. Porque desenvolver uma abordagem específica da arte em tecnologias digitais e mídia arte? Que tal lembrar que as câmaras digitais, a internet, o telefone celular, o IPod são alguns dos recursos tecnológicos que alteraram a vida cotidiana nas últimas décadas e já se instalaram definitivamente no campo das artes visuais, ganhando terreno a largos passos, como se pode observar pela presença de fotos digitais interferidas, vídeos, vídeos instalações e mesmo web arte, em feiras, exposições e bienais internacionais. A produção artística contemporânea promoveu profundas alterações na visualidade moderna e as tecnologias digitais concorrem de forma significativa para que se estabeleça um novo regime visual. Qual a importância de desenvolvermos estudos e experimentações com os recursos da internet? No âmbito das produções com tecnologias digitais, que se desenvolveram a partir dos processos de modernização tecnológica por que passou a sociedade contemporânea em termos mundiais, o uso de novas estratégias processuais e das possibilidades das tecnologias digitais on line inauguraram novas categorias, dinamizando e alargando o campo da art. Neste módulo abordaremos especificamente a web arte, ou, mais especificamente, a arte produzida com, e a partir dos recursos da internet. Destaca-se o seu caráter marginal e democrático; de fácil acesso, com inúmeras possibilidades de explorar interesses, percursos e trajetórias tanto individuais como coletivas. Sua flexibilidade e amplitude de ação possibilitam driblar os controles dominantes, rompendo de alguma maneira, e dentro de certos limites, com o sistema da arte. Além disso, a dinâmica da interatividade que esta produ-

*Curriculo: Profa. Dra. Maria Amelia Bulhoes Garcia - Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1973), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1983), doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1990) e pós doutorado na Universidade de Paris I, Sorbonne (1997) e na Politecnica de Valencia (2008). Atualmente é professor do corpo permanente do PPG em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuando na área de Artes Visuais, com ênfase em História,Teoria e Críitica da Arte. Coordena o Grupo de Pesquisa “territorialidade e subjetividade”. Dedica-se principalmente aos seguintes temas: artes visuais contemporâneas, arte na América Latina e web arte.

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ção utiliza e desenvolve estabelece novas formas de relação com o público que podemos explorar. Vamos navegar juntos!

Dados da Disciplina EMENTA Análise do processo histórico de articulação da arte e tecnologia e seus reflexos na produção artística contemporânea, com foco no cibercultura. Abordagem de conceitos de autoria, interatividade, hipertexto, manipulação, apropriação, hibridação. Desenvolvimento de pesquisas e experiências relacionadas à web arte.

OBJETIVOS

• Compreender os processos que movem a dinâmica histórica da arte a partir da segunda metade do século XX em suas relações com o desenvolvimento tecnológico, e a consolidação da cibercultura. • Ampliar conhecimentos sobre a presença da arte na internet e a produção específica de web arte, utilizando meios de navegação e pesquisa específicos. • Trabalhar com os recursos disponíveis na rede web para o desenvolvimento de experimentos pessoais criativos. • Compreender e valorizar a interatividade como meio de novas relações no campo da arte.

Unidades UNIDADE 1 – CIBERCULTURA E CIBERSPAÇO 1.1 Possibilidades e limites 1.2 O blog como espaço pessoal UNIDADE 2 – LUGARES DE ARTE NA INTERNET 2.1 O lugar real e o lugar virtual 2.2 Tipologias dos espaços de arte UNIDADE 3 – WEB ARTE 3.1 Conhecendo a web arte 3.2 O regime visual da web arte e suas possibilidades UNIDADE 4 – HIPERTEXTO 4.1 Hipermídia: usos do hipertexto na internet 4.2 Experimentando o hiperlink UNIDADE 5 - INTERATIVIDADE E MIDIAS LOCATIVAS 5.1 Explorando a interatividade 5.2 Mídias locativas e seus usos na arte

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Unidade 1

CIBERCULTURA E CIBERSPAÇO

O fenômeno da Cibercultura é a marca do mundo contemporâneo, caracterizada pelas relações sócio culturais que se estabelecem pelo desenvolvimento das tecnologias de base micro-eletrônicas desenvolvidas a partir dos anos 70. A Cibercultura é fortemente marcada pelas tecnologias digitais que proliferam atualmente, tais como, computadores, internet, mídias móveis e outras tecnologias de comunicação que interconectam as pessoas em diferentes regiões do mundo em uma rede de aparatos de comunicação que modificaram nosso cotidiano (Ver Figura 01).

Figura 01 – Dinâmica que envolve o universo da cibercultura

Ciberespaço é o termo normalmente utilizado para se referir a um espaço de comunicações, utilizando a Internet que é um conglomerado de redes interligadas pelo protocolo IP, a world wide web (www). Uma rede remota internacional, que proporciona a transferência de arquivos e dados para milhares de pessoas ao redor do mundo, via computadores, mais popularmente designada como rede web. A origem do termo cibernética, de onde advém ciberespaço está ligada a um modelo conceitual baseado na idéia de conduzir, guiar ou pilotar comunicações, e está ligada a sua utilização original para fins militares. Segundo a maioria dos autores, o ciberespaço se caracteriza pelo tempo-real e pela interatividade, estabelecendo em decorrência destas duas circunstâncias novas possibilidades relacionais. Anne Cauquelin (CAUQUELIN, 2005) aponta a passagem do regime de mercado da arte moderna para o regime de comunicação da arte contemporânea. Segundo ela, neste último, as redes artísticas apresentam-se como

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um sistema de interligações que não se concentra em um ponto central, mas cujo movimento permite inúmeras conexões, fazendo com que cada ponto da rede seja a sua totalidade (Ver Figura 02). Estar na rede garante a capacidade de produzir arte. Idéia bastante semelhante apresenta Jose Luis Brea (BREA, 2007), ao analisar o que ele denomina Cultura RAM. Para esse autor, no mundo contemporâneo, são as redes de conexão as responsáveis pela produção de conhecimento e não mais as estruturas de armazenamento de dados. Dessa forma, os inúmeros nós de circulação e transferência de informações que se observam na rede são os verdadeiros produtores da cultura. A polêmica entre os defensores do armazenamento dos dados digitais (memória ROM) e defensores da produção do conhecimento pelas conexões dentro da rede (memória RAM) deixa perceber que esse é um problema ainda não resolvido. De qualquer forma, fica evidente que a sociedade da comunicação estabelece novas relações de trabalho e novas formas de estruturar o pensamento, e que as artes visuais não estão fora deste debate. Questões conceituais e práticas permeiam a polêmica sobre a necessidade de arquivar as trajetórias no campo das artes visuais, de utilizar unicamente a rede internet ou sua combinação com a produção de CD-ROM.

Figura 02 - Interatividade no ciberespaço.

O desenvolvimento internacional da rede internet, com sua utilização generalizada a partir dos anos 90, oferece aos usuários formas individualizadas de percorrer as inúmeras infovias a sua disposição, buscando encontrar os objetos de seu interesse e se conectar com seu grupo ou tribo. Uma ampla gama de possíveis caminhos e diferentes conexões pode conduzir a que se imagine o ciberespaço livre dos opressores controles sociais. Criando seus lugares particulares, com suas específicas relações de pertencimento, ao instalar-se neste amplo e difuso conjunto de vias de informação, arte não fica fora destas disputas.

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DICA DE FILME Assista o filme Matrix Roloaded, que evoca um possível futuro no universo da Cibercultura,com personagens e temas caros a ficção científica cyberpunk e questões relativas às redes telemáticas, ao mundo virtual,às ações dos hakers e ao controle imposto ao indivíduo pelas tecnologias cibernéticas. Você encontra o filme disponível na internet, sem legendas http://www.vii.sk/video/wtiookka/film-matrix-reloaded/ Ficha técnica titulo original: (The Matrix Reloaded) lançamento: 2003 (EUA) direção: Andy Wachowski , Larry Wachowski duração: 138 min Sinopse: Após derrotar as máquinas em seu combate inicial, Neo (Keanu Reeves) ainda vive na Nabuconodosor ao lado de Morpheus (Laurence Fishburne), Trinity (Carrie-Anne Moss) e Link (Harold Perrineau Jr.), o novo tripulante da nave. As máquinas estão realizando uma grande ofensiva contra Zion, onde 250 mil máquinas estão escavando rumo à cidade e podem alcançá-la em poucos dias. A Nabucodonosor é convocada para retornar a Zion, para participar da reunião que definirá o contra-ataque humano às máquinas. Entretanto, um recado enviado pelo Oráculo (Gloria Foster) faz com que a nave parta novamente, levando Neo de volta à matrix. Lá ele descobre que precisa encontrar o Chaveiro (Randall Duk Kim), um ser que possui a chave para todos os caminhos da matrix e que é mantido como prisioneiro por Merovingian (Lambert Wilson) e sua esposa, Persephone (Monica Bellucci).

PARA REFLETIR Como era sua vida há 15 anos atrás? Que vantagens e desvantagens as tecnologias digitais trouxeram para seu cotidiano? Como estas mudanças repercutem nas artes visuais?

PROBLEMATIZANDO Quem está à margem da cibercultura? Entreviste pessoas que não tem acesso a internet e outros meios digitais. Troquem estas entrevistas com outros pesquisadores e discutam o tema.

1.1 Possibilidades e limites A rede internet evidencia ser um privilegiado espaço de difusão, atingindo o público em seu próprio ambiente, sem exigência de afastamentos de casa ou local de trabalho. Responde, portanto, a uma demanda de redução dos deslocamentos, e consequentemente dos transtornos e custos que os mesmos ocasionam. Pesquisas indicam que, principalmente nas grandes cidades, as pessoas preferem buscar alternativas culturais que não impliquem em afastar-se de seu entorno, evitando as perdas de tempo com o trânsito e os riscos da violência urbana. Também responde a necessidades daque-

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les que habitam regiões mais distantes, para os quais as opções culturais são em geral bastante limitadas. A internet encontra-se atualmente disponibilizada para um grande número de usuários, atingindo mesmo locais de difícil acesso. Torna assim realidade o velho sonho de deslocar-se por vários locais do mundo sem sair de seu espaço. A oferta de produtos culturais, desta forma mais direta e acessível, tem seduzido um grande público, fazendo com que cresça, mundialmente e a cada dia, o número de ofertas e acessos a esse tipo de lugares. Esse caráter aparentemente democrático da rede, no entanto, não deve ocultar uma importante limitação que se evidencia no mapa da utilização da internet no mundo (Figura 03). Nele percebe-se uma concentração de pontos de uso nos EUA e na Europa, com grandes vazios na áfrica Ásia e América central e do sul. São bastante significativas essas restrições na distribuição de usuários deste meio no espaço físico geográfico mundial. Além disso, o domínio na propriedade e gerenciamento das tecnologias da comunicação telemática estabelece ordens de controle e poder no mundo, que não se pode omitir ou ignorar. Os constantes avanços e transformações nesse tipo de dispositivos estabelecem uma corrida da qual muitos segmentos sociais, possivelmente a grande maioria, não participa. O monopólio do desenvolvimento tecnológico das comunicações se apresenta como uma decisiva instância de dominação política e econômica, principalmente pelas inúmeras possibilidades de vigilância e manipulação ideológica que oferece. As atuações de rakerativistas tem sido a contrapartida deste tipo de controle indiscriminado que, principalmente através das novas tecnologias digitais, tem sido desenvolvido para dominar o mundo em todos os sentidos.

Figura 03 – Internet no Mundo.

Igualmente restritivo em termos de ideais democráticos é o uso da língua inglesa, utilizada mundialmente como padrão na internet, o que já está indicado no próprio nome como é internacionalmente conhecida – world wide web. A língua pode ser um empecilho na distribuição de conteúdos na rede, por isso alguns dispositivos de tradução on-line já estão sendo disponibilizados em muitos sites, oferecendo uma espécie de alternativa semieficiente para esta problemática. As traduções são bastante limitadas em termos qualitativos e reduzidas a alguns elementos. Por outro lado, as possibilidades relacionais da internet, presente nas suas opções interativas, superam os limites da recepção passiva que a TV impunha (Ver Figura 04). A posição mais participativa do público afasta o

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fantasma da dominação manipuladora das consciências, que freqüentava os textos mais críticos contra a indústria cultural nos anos 70. É nesse ponto - interatividade - que se apóiam a maioria dos defensores da internet que a vêem como uma nova abertura de possibilidades comunicacionais para a humanidade. Os softwares livres estão se tornando a cada dia mais numeroso, e a Web 2.0 (modelo mais livre e interativo) cresce de uma forma vertiginosa, levando a crer que este será o padrão de uso no futuro próximo. Essa participação é considerada por setores mais conservadores como uma ameaça, por romper com o domínio das autorias e dos controles de propriedade, bases do sistema capitalista de propriedade privada. As questões são complexas e se estendem bem alem dos limites da arte.

Figura 04 – Indicativo de acesso a internet por regiões do globo.

As tarefas de questionamento, de crítica e de coesão devem ser a contribuição da arte na internet. Usando a criatividade como ferramenta para implementar processos em que o indivíduo e os grupos possam se fazer representar, e que ponham em cheque as estruturas de poder estabelecidas dentro e fora da rede. No caso da arte, o ciberespaço se evidencia como uma possibilidade de subverter as hierarquias de poder tradicionais deste circuito, bastante elitista, dominador e excludente. A cultura atual dirige-se a uma tendência eminentemente relacional, em que as práticas culturais se tornam primordialmente políticas, abandonando o regime de mercado para se integrarem nas novas economias de distribuição. A possibilidade de que qualquer indivíduo ou grupo, utilizando-se das tecnologias disponíveis crie seu lugar de arte na rede, abre frestas nos controles sociais. Entretanto, alguns limites do uso da internet se relacionam a uma incompatibilidade entre o regime de imagem da web e o da arte tradicional, que tem sido apontada por diversos artistas e críticos. Eles questionam as contradições da incorporação de obras tridimensionais, matéricas, espaciais e mesmo sensoriais, aos recursos bi dimensionais da tela do computador. Alguns desses limites podem ser minimizados pelos avanços tecnológicos, porém, nada ainda parece superar essas diferenças. A distância permanece e muitos desacreditam de uma possível compatibilização entre estes dife-

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rentes regimes de imagem. Essa talvez seja a raiz da rígida segmentação que se percebe entre o grupo de artistas identificados com o uso de recursos tecnológicos digitais e os mais ligado aos meios tradicionais. Os limites de armazenamento de dados também se colocam como restritivos para imagens, que pesam demasiado nos sistemas de tele transportação. Algumas alternativas, como a veiculação de parte dos projetos on-line e parte off-line têm sido utilizadas e ainda este tipo de restrição pode ser sanada pelos avanços qualitativos dos sistemas de comunicação, deixando antever sua superação em breve. Permanecem, entretanto, as restrições de algumas instituições em incorporar as novas possibilidades das linguagens digitais. Mesmo atuando na internet, muitas delas conservam sistemas e processos cuja intenção é transportar o mundo tradicional para o mundo virtual, sem perceber as mudanças operacionais e conceituais que o mesmo exige. Segundo Arlindo Machado, “As poéticas tecnológicas foram perdendo seu caráter marginal e quase underground para rapidamente se converterem em novas formas hegemônicas da produção artística.” (MACHADO, 2007, pg 53) Esta observação se estende ao ciberespaço, onde se percebe uma diversidade de posições e objetivos que tendem a ser homogeneizados pela própria dinâmica do meio. Assim, recuperar táticas de questionamento e abrir espaços de igualdade mediante a produção estética coletiva (HOLMES, www. descuerdos.org) está entre as premissas de uma arte renovadora. Inúmeras organizações e coletivos de artistas, assim como outras formas de associações pluri e interdisciplinares, inseridas na rede web, vêm realizando projetos para explorar os limites do pré-estabelecido e das práticas hegemônicas, instaurando novas possibilidades de socialização e de ação crítica. Vale a pena buscá-las neste mar de informações e proposições generalizadas, onde navegar é uma aventura a empreender permanentemente.

DICA DE SITE Visite o blog Http://arteemrede.blogspot.com leia mais sobre arte e tecnologias digitais. Escolha um dos temas tratados no blog Arte em Rede, pesquise na internet sobre o mesmo e participe de um fórum de discussão com os colegas.

OLHO VIVO Consulte o tutorial sobre como pesquisar sobre arte na Internet.

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1.2 O blog como espaço pessoal O blog é um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos dos chamados posts, ou postagens. Os blogs podem apresentar informações, comentários ou notícias sobre os mais diversos assuntos interessando a comunidades específicas de usuários. Um blog típico, como qualquer espaço na internet, se caracteriza como multimídia, podendo combinar texto, imagens (fixas e em movimento), sons e links para outras páginas da internet relacionadas a seu tema. A maioria deles oferece a possibilidade do intenauta visitante deixar comentários de forma a interagir com o autor e com outros visitantes. As postagens são, em geral, organizadas de forma cronológica inversa, podendo ser colocadas por um número variável de pessoas, de acordo com a proposta dos criadores dos blogs. Existem disponível gratuitamente alguns sistemas de criação e edição de blogs que são muito atrativos pelas facilidades com que disponibilizam ferramentas que dispensam conhecimentos de técnicos de informática para a elaboração da páginas. Além disso, sites especializados (blogspot...) oferecem também gratuitamente o serviço de hospedagem de blog. A linguagem dos blogs consiste em textos curtos, fugindo da rigidez dos meios de comunicação mais tradicionais, deixando o leitor (principalmente os mais jovens) próximos do assunto de forma descompromissada e com a alternativa de diálogo com o autor e com outros usuários. Os blogs, que surgiram como diários online, se tornaram ferramentas indispensáveis como fonte de informação e entretenimento. O que era visto com certa desconfiança pelos meios de comunicação mais tradicionais virou até referência para pesquisa e fonte de informações. O caráter democrático dos blogs permite a cada indivíduo ter seu próprio espaço na rede internet para difundir idéias e criar conexões. Você também pode ter o seu.

OLHO VIVO Você já tem o seu blog na disciplina de Estágio Supervisionado II Elabore um novo blog para o Atelier de Arte e Tecnologia: Diálogos Intermidiáticos faça dele um espaço de criatividade, coloque imagens, sons, vídeos e outros recursos multimídias relativos às artes visuais. Entrem nos blogs uns dos outros e postem comentários, criando uma comunidade.

contração do termo Web log, Blog é um sistema aberto disponível gratuitamente para qualquer usuário para publicação na web de conteúdos destinado a divulgar informação, à semelhança de um diário. Os blogues ganharam grande popularidade porque permitem que utilizadores com poucos conhecimentos técnicos de informática publiquem facilmente conteúdos na web. 2

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UNIDADE 2

LUGARES DE ARTE NA INTERNET

A maioria dos autores nos âmbitos da Sociologia e da Economia evidenciam hoje o desenvolvimento do que denominam capitalismo cognitivo ou cultural. Segundo eles, o capitalismo clássico fabrica objetos de onde extrai a mais-valia ou lucro. O capitalismo cultural produz desejos, crenças e valores, o lucro é gerado mais no marketing de um produto do que em sua produção fabril. Nesse novo modelo capitalista, o elemento chave é o trabalho imaterial , que cria e modifica o ambiente ideológico e cultural do consumidor, produzindo uma relação social que transforma o usuário. Para entender-se isso, deve-se levar em conta que o capitalismo clássico produz objetos e obtém seu lucro na sua comercialização; no capitalismo cognitivo ou cultural, que se desenvolveu nas ultimas décadas, é a fabricação de desejos e crenças que gera a maior riqueza. Assim, o valor de um tênis encontra-se mais no trabalho intelectual que elabora o conjunto de idéias que garante que ele representa um estilo de vida do que na sua produção fabril. A fábrica produz objetos, a empresa produz um mundo. A mercadoria produzida pelo trabalho intelectual não se acaba no consumo, mas se alarga e transforma o ambiente ideológico e cultural do consumidor. O campo da arte pode ser considerado um antecessor desse capitalismo cultural e do trabalho imaterial, pois é nele que se cria o valor arte e todo o conjunto de idéias e crenças que a sustentam. A problemática desse valor pode ser abordada de inúmeros ângulos. Entretanto, é preciso destacar-se que a arte é, por si própria, uma categoria social instauradora de conceitos e padrões. Isso porque, de um imenso conjunto das práticas simbólicas plásticas que envolvem todo tipo de manifestação, -- desde uma blusa pintada vendida em uma feira de artesanato, passando pela pintura corporal e pelo grafite, até uma cadeira com sua foto e o texto de sua definição no dicionário --, somente uma pequena parcela recebe a definição, o valor de arte e o reconhecimento coletivo dele decorrente. Nesse reconhecimento, as instituições do campo artístico desempenham um importante papel. Elas constituem o lugar oficial onde passa tudo que é produzido como arte, difundido como arte, comentado como arte e vendido como arte. Resultante de um trabalho imaterial, essa categoria de produção é bastante recente na história da humanidade, tendo surgido como resultado de um statusquo que determinados produtores obtiveram no Renascimento. Os pressupostos desse grupo restrito de criadores, bem como suas conexões com a elite econômica, política e cultural que os mantinha, nesse

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3. O conceito de trabalho imaterial é desenvolvido por Maurizio Lazzarato. Algumas de suas idéias são apresentadas em http://revistaglobal. wordpress.com/2006/12/17/ lazzarato-e-entrevistadopela-carta-maior/

4. Obra de Joseph Kosuth denominada Uma e Três Cadeiras, exposta no MOMA de Nova Iorque, em 1965.

5. O trabalho de Giorgio Vasari, no reconhecimento social da categoria artística, e na valorização de seus mecenas, foi primorosamente analisado por Georges Didi Huberman em seu livro Devant L´Image, publicado em 1990, em Paris, pela editora Minuit. Também Carlo Ginzburg em seu texto clássico História da A rte Italiana, publicado no livro A Micro– História e Outros Ensaios, Lisboa/ R.J. , Difel/Betrand Brasil, 1991, enfatiza a importância de Giorgio Vasari na consolidação de um padrão hegemônico de arte.

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caso, foram brilhantemente defendidos por Giorgio Vasari, na obra Vida de Homens Ilustres . Considerado como possivelmente o primeiro crítico de arte, ele marcou o surgimento desse conjunto de relações socialmente reconhecido. Entretanto, foi percorrido um largo caminho no estabelecimento de seus estatutos institucionais, com a instauração das academias e dos museus de belas artes (na Itália, em 1585, na França, em 1648). Somente na segunda metade do século XVIII, foram formuladas suas estruturas teóricas, com a criação das disciplinas de Estética, por Alexander Baumgarten (17141762), e História da Arte, por Johann Winkelman (1717-1768), e da atividade de Crítica de Arte, por Denis Diderot (1713-1784) . Com essa rede de relações, estabeleceu-se o sistema da arte, qual seja: “... o conjunto de indivíduos e instituições que produzem, difundem e consomem objetos e eventos por eles mesmos definidos como artísticos e determinam os critérios da Arte para toda uma sociedade em determinada época”. Essa categorização estabelece padrões de classificação superiores para as obras de arte, definindo como artesanato ou artes menores as demais produções que ficam fora desse sistema. Assim, pode-se afirmar que arte é um atributo que instaura o valor de determinados objetos ou eventos e que o mesmo é arbitrado através de um sistema de instituições e indivíduos. As práticas de artistas, críticos, curadores, marchands, colecionadores e outros tantos envolvidos no sistema da arte podem ser consideradas um trabalho imaterial, uma vez que o valor se instaura não nos objetos em si mas no conjunto de idéias, desejos e crenças que a arte estabelece. É o trabalho desses indivíduos que cria e transforma o ambiente ideológico dos participantes, que consomem, muito mais do que objetos, uma relação social de pertencimento. Assim, o capitalismo cognitivo -- que se organiza em redes e fluxos -- no campo da arte, cria e transforma o ambiente, produz um mundo, fabrica crenças. A própria História da Arte deve ser percebida como uma construção que identifica e consagra artistas e obras, incorporando progressivamente manifestações mais contemporâneas e atuando, ainda, como referencial para definições de valor em relação às novas produções. A arte contemporânea veio instaurar novas relações no sistema da arte, com o deslocamento do foco do objeto para o evento, tornando, assim, a exposição o lugar da escritura da História da Arte e o curador a figura central no sistema. A difusão pode ser considerada como um dos seus mais importantes aspectos, produzindo-se nela os valores estéticos, ideológicos e econômicos da arte Uma das mudanças relacionadas à sua difusão e à sua recepção diz respeito ao fato de a arte ter se transformado em uma das principais esferas de construção de identidade. A atividade artística, hoje, não é mais encarada somente como status, lazer ou prazer estético, seu crescimento e sua proliferação devem ser considerados como importante agente da modernização em uma nova etapa da sociedade de consumo. Alterações na esfera da produção artística estão relacionadas com os novos direcionamentos de sua função no âmbito de sua difusão, criando espaços que possibilitam trazer à tona problemáticas importantes do mundo contemporâneo de ordem tanto local como global, abordando questões muito diversas que abarcam a esfera pública e o domínio das individualidades.


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O desenvolvimento dos processos comunicacionais no mundo atual e a desterritorialização da indústria cultural são importantes fatores que influenciam a expansão sem precedentes do universo da arte que se vivencia atualmente e que termina por transformar este em um dos principais setores da economia na sociedade globalizada. Essa mudança qualitativa e quantitativa implicou alterações que trouxeram significativas redefinições ao papel da arte num contexto social marcado por um crescimento acelerado da população e pelo desenvolvimento acelerado da cibercultura. Cresce e se diversifica continuamente a presença da arte na rede web, deixando perceber que uma nova realidade se instala no seu circuito tradicional. Como pensar, então, a institucionalização da arte contemporânea, a crítica de arte, os museus, as bienais e o mercado de arte, se desconsiderarmos esse novo fenômeno? A arte detém, nesse amplo e difuso conjunto de infovias, lugares particulares que determinam as suas relações de pertencimento. Nessa rede de identidade de interesses, o indivíduo passa a compartilhar experiências e informações. Assim, cada vez mais instituições e artistas vêm buscando ampliar a abrangência de seu trabalho, realizando vôos experimentais por meio da internet para difusão de práticas e produtos. Objetivam com isso aceder ao público dentro da tela do computador, ampliando seu leque de relações mais além de seu espaço físico-geográfico específico. Para identificar-se os lugares da arte no ciberespaço deve-se explorar os inúmeros blogs, sites e, plataformas , estabelecendo alguns ordenamentos que permitem perceber como eles se estruturam, como desenvolvem seus métodos e processos, como estabelecem seus objetivos e como se conectam ao mundo tradicional da arte. Propõe-se um mergulho no panorama geral dos espaços de arte na internet, explorando suas organizações e interconexões, investigando suas formas de viabilizar alternativas e de superar desafios no estabelecimento de novas possibilidades criativas. Explorar as diferentes maneiras de o grupo ou tribo da arte na web promover suas inter-relações, representa um desafio para a compreensão da circulação no funcionamento do campo artístico.

6. Paul Kristeler analisa esse processo de estabelecimento de sistemas teóricos no seu livro El Pensamiento Renascentista y las Artes, Madrid, Taurus, 1986.

7. Esse conceito foi desenvolvido em BULHÕES, Maria Amélia. Participação e distinção: o sistema das artes no Brasil nas décadas de 60 e 70. Tese de Doutorado, USP, 1990.

DICA DE SITE Visite o site WWW.ig,art.br/lugares da arte e descubra um mundo da arte que você pode acessar de sua casa.

OLHO VIVO Consulte o tutorial sobre como captar páginas de arte da internet.

2.1 O lugar real e o lugar virtual Uma importante diferenciação básica se estabelece entre dois modos de existência física dos diversos lugares de arte estabelecidos na rede. Por modo de existência física entendemos sua estruturação na rede e fora dela,

8. Site é um conjunto de documentos interligados entre si e que partilham o mesmo nome de domínio; uma pagina da internet, espaço adquirido em provedores com mais capacidade de armazenamento e possibilidades gerenciais e técnicas. Plataformas são processos operacionais utilizados para gerir os espaços. O termo também é utilizado para identificar espaços a serem utilizados e administrados em áreas conjuntas, com amplas possibilidades de gerenciamento e com diferenciados programas.

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ou seja, sua realidade particular em termos territorial. Um primeiro grupo abrange as instituições que existem fisicamente em um determinado local geográfico, sendo seu espaço on-line um veículo de divulgação dos projetos que desenvolve no âmbito do circuito tradicional da arte. Este é o caso dos sites de museu, como o Louvre (figura 05) ou a Tate Galery (Figura 06), que divulgam as exposições que estão sendo realizadas em seus espaços, seus acervos e outros diferentes elementos de seu funcionamento. Revistas, como Flash ou Art Daily (Figura 07), em suas edições na internet, apresentam imagens das publicações, informando os artigos publicados, números antigos e resenhas. Eventos, como Arte Cidade, ou Percursos, mostram em mapas os locais onde ocorrem as intervenções dos artistas, assim como disponibilizam imagens das obras produzidas e instaladas. A maioria das feiras de arte divulga em seus sites a lista das galerias e artistas participantes, as atividades paralelas, assim como suas programações. Em termos tecnológicos, em geral esses espaços utilizam processos de digitalização para colocar seus conteúdos na rede, e seu objetivo é ampliar suas possibilidades de divulgação, transpondo informações de suas atuações para o ciberespaço. Mesmo que possibilitem interações e algum tipo de participação do usuário, em geral, funcionam como uma espécie de portfólio de imagens e textos. Estes lugares na rede buscam contato com um público mais amplo, e uma abrangência internacional que seria difícil obter sem o uso da internet. Um segundo grupo abrange os espaços que não existem fisicamente em nenhum determinado local geográfico. Tendo sidos criados especificamente para a internet, não detêm uma existência física fora da rede, e sua existência se limita a tudo que disponibilizam na internet. Suas estruturas e seus conteúdos são quase sempre pensados e produzidos a partir das possibilidades oferecidas pelas novas ferramentas de linguagem digital e com os recursos tecnológicos das interfaces de perfil interativo auto-gerativas. Neste segundo grupo se encontram, por exemplo, o MUVA (Museun Uruguay Visual Arts) (Figura 08), e o Greenmuseun (Figura 09), museus cujos acervos são constituídos de obras que existem em diferentes locais, mas que como conjunto, se apresenta somente no espaço virtual da rede. Oferecem aos usuários da internet exposições que jamais teriam acesso fora dela, desenvolvendo com sua prática o conceito do museu imaginário de André Malraux (MALRAUX, xxxx ). Identificam se com um processo de substituição simbólica, e contribuem para a problematização do sentido da arte na sociedade contemporânea. Também se enquadram neste segundo grupo as revistas on-line como, Flux, It’s Liquid ou Art Web Brasil, que divulgam os mais diversos assuntos de arte, com artigos, imagens e notícias. Incrementam a participação dos usuários e leituras de um público mais amplo que o tradicional das revistas de arte, geralmente de pouca circulação e alto custo. Os espaços de conexão e os net lab são igualmente lugares de arte cuja existência se restringe à internet; tendo sido criados especificamente a partir das necessidades e dos interesses deste novo tipo de produção. Eles se dedicam especificamente a interconectar esse tipo de trabalho, funcionando totalmente a partir das possibilidades oferecidas pelos recursos tecnológicos da rede. Essas organizações funcionam como plataformas, hospedando trabalhos de arte, produzidos a partir de

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experimentos com softwares, interligando e difundindo reflexões, como é o caso de Art Info (Figura 10), Turbulance e Rhizome. Temos ainda os sites de eventos, como Treasurecrumbs, criados especificamente para abrigar projetos de net arte, legitimando e difundindo esta produção.

Figura 05 – Interface do Museu do Louvre. Endereço do site: www.louvre.fr . Acesso em 09/07/2010.

Figura 06 – Interface da Tate Gallery. Endereço do site: www.tate.org.uk. Acesso em 09/07/2010.

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Figura 07 – Interface do site Art Daily. Endereço do site: www.artdaily.com . Acesso em 09/07/2010.

Figura 08 – Interface do MUVA. Endereço do site: http://muva.elpais.com.uy/. Acesso em 10/06/2010.

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Figura 09 – Interface do Greenmuseum. Endereço do site: www.greenmuseum.org . Acesso em 10/06/2010.

Figura 10 – Interface do site Art Info. Endereço do site: www.artinfo.com . Acesso em 10/06/2010.

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SAIBA MAIS “Quando foi a última vez que você visitou um museu de arte? Uma pesquisa recente realizada pela Fecomércio-RJ, revelou que apenas 4% dos brasileiros visitaram museus ou espaços culturais ao longo de 2009. E um museu online, você já visitou alguma vez? Mas qual é a real situação dos sites dos museus brasileiros? Como eles estão utilizando as tecnologias digitais para estabelecer novos canais de produção, formação e circulação com artistas e o público?” Leia em: http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/002911.html

PARA REFLETIR Visite lugares de arte na internet, museus, revistas galerias? Que observou sobre eles? Comente a diferença em entre visitar um museu de arte tradicional e um museu de arte virtual, ou uma revista impressa e outra virtual? Debata com seus colegas de grupo. Apresente comentários e imagens de sites de arte no seu blog pessoal.

2.2 Tipologias dos espaços de arte Em nosso trabalho de pesquisa identificou-se linhas de conduta e sistemáticas de atuação que permitem estabelecer algumas tipologias, através das quais, propomos uma cartografia dos lugares de arte na internet, com o objetivo de obter uma perspectiva mais ampla e dinâmica desta complexidade. Nesta classificação eles não foram diferenciados por sua existência física - atuante em um local geográfico especifico ou unicamente on-line - pois encontramos desenvolvendo uma mesma função, os dois tipos de lugares. Chamou nossa atenção a possibilidade de estabelecer tipologias que, com pequena variação, duplicam aquelas que observamos no circuito tradicional da arte: museus, galerias, revistas, eventos, espaços de artistas, centros de pesquisa e espaços de conexão. As novas tipologias são, basicamente, os laboratórios de mídias digitais e os espaços de conexão, que não existiam no circuito anterior. Os museus são instituições dedicadas a dar visibilidade a obras e artistas, disponibilizando informações sobre o circuito artístico e objetivando despertar o interesse do público para o campo da arte. Eles balizam tendências e legitimam produções e produtores, participando ativamente da construção da historia da arte, cumprindo na rede Web as mesmas funções, com maior abrangência e alcance globalizado. As galerias se destinam a divulgar artistas e suas obras no intuito de comercialização. Algumas delas, na rede, se dedicam somente à difusão, porquanto as atividades de venda são restritas ao seu contato direto com os clientes. Outras estabelecem cotações e viabilizam vendas, utilizando os recursos disponíveis para compras on-line já existentes para inúmeros tipos de produtos. Em ambos os casos a função básica é o comércio de obras e o estabelecimento de cotação no mercado. As revistas se dedicam a colocar na internet noticias do meio artístico, entre-

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vistas e outras seções de formação e informação. Elas cumprem a importante função de difusão da arte, com destaque na atualidade dos conteúdos. Divulgam obras, artistas e conteúdos de arte, criando novos leitores para este tipo de assunto, uma vez que muitos dos internautas que circulam por estes sites não são tradicionais consumidores de revistas de arte. Os eventos se destinam a divulgar ou abrigar um acontecimento de arte, podendo os mesmos estar acorrendo no circuito tradicional, como é o caso da maioria das bienais e feiras, ou então o site ser o próprio local onde ele se realiza. Estes espaços são importantes para que o acesso a acontecimentos transitórios, muitas vezes bastante rápidos, possa ser disponibilizado durante um maior tempo e para um número mais amplo de pessoas. Através deles os internautas podem acompanhar o seu desenrolar durante a realização do mesmo; e quando são regulares, em geral, fica on-line a documentação de cada edição para consultas posteriores. Os sites de artistas são locais específicos de difusão de obras individuais ou de grupos, administrados pelos próprios produtores, que podem alocar fotos de trabalhos, comentários e outras informações. No caso da web arte os sites garantem uma possibilidade de existência mais permanente on-line para os artistas e obras, uma vez que os eventos podem ser mais temporários. Sua função é conectar os artistas diretamente com o público, dando visibilidade aos seus trabalhos, apresentados de forma independente. Os centros de pesquisa ou laboratórios de novas mídias estão voltados para a experimentação em arte e tecnologia. Funcionando junto a universidades, empresas ou outros pólos de formação, eles se dedicam a difundir na internet os resultados de suas investigações em algumas áreas como, por exemplo, performance, instalações, net arte ou vídeo arte. A maioria deles promove eventos, seminários e mesmo mostras, como é o caso do Laboral, Glowlab e Turbulence. Com eles muitas vezes se confundem os espaços de conexão, que são lugares específicos da rede Web, cuja função é agrupar informações sobre a própria rede e oferecê-las, de forma organizada e sistemática aos internautas. Alguns deles como, por exemplo, Nettime, Rhizome , Art info e Nabi dedicam-se especificamente a captar o movimento de arte na internet, estabelecendo plataformas de contato que possibilitam aos usuários aceder mais facilmente aos espaços dedicados ao tema, que se encontram dispersos em inúmeros sites e blogs.

PROBLEMATIZANDO Escolha um site de arte que você apreciou em especial, comente sobre ele no seu blog, ilustre com imagens de página captadas. Transforme seu blog num espaço de visitações e comentários.

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Unidade 3

WEB ARTE

Nem todo trabalho de arte que se encontra na internet pode ser chamados de web arte. Estes se caracterizam por serem criados especificamente com os recursos da internet e existirem total e unicamente on-line e por serem realizados a partir de programas específicos de composição de páginas na rede world wide web (www), reunindo diferentes recursos multimídias como sons, textos, gráficos, imagens fixas e em movimentos e outros (Ver Figura 11).

Figura 11 – Interface do site Projeto 6billionothers. Exemplo de Projeto de Web Arte integrando diferentes recursos multimídia. Endereço do site: www.6billionothers.org . Acesso em 10/06/2010.

Uma adequada análise do uso das nomenclaturas net arte e web arte ou arte on line pode ser encontrada em textos on-line. Preferimos utilizar a nomenclatura web arte por considerar que tratamos de obras cuja existência se realiza especificamente na rede internet. Os artistas que as produzem participam, em geral, de equipes interdisciplinares, que mantém seus próprios sites para alocarem seus projetos, ou então participam de eventos especializados na sua difusão. Eles problematizam o campo da arte por inúmeras questões que colocam como: interatividade, funcionamento em tempo real, imaterialidade e transitoriedade. Algumas destas obras também questionam o próprio campo das mídias eletrônicas, liberando softwares, realizando operações de haktivismo e outros experimentos que abalam o controle de informações tecnológicas, vistas como fonte de poder econômico e político a ser desestabilizado.

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Segundo a maioria dos autores, o termo net art foi cunhado por Vuk Cosic que recebeu uma mensagem anônima, em dezembro de 1995, que por incompatibilidade de software se tornou praticamente ilegível. O único fragmento com sentido era .....j8~g#/:Net. Art{-^s1}. Ele ficou impressionado pois a própria rede havia dado a ele um nome para o tipo de trabalho que vinha desenvolvendo. Se real ou mítica esta história, ela inaugura o uso do termo que denomina um tipo de produção específica em artes visuais. Muitas das propostas de web arte colocam em xeque as tradicionais noções de autoria individual, de tempo e de originalidade da obra de arte. Alguns artistas não atuam mais como o “autor único” de sua obra, mas compartem com uma equipe de criação e com os usuários essa responsabilidade (Ver Figura 12).. Coletivos de trabalho – em que técnicos e artistas dividem idéias, tarefas e resultados – estão muito presentes neste tipo de produção. Por outro lado, também os papéis do autor e do receptor podem se redefinir, impulsionando uma participação mais ativa do espectador. Nesses casos, não haverá mais um resultado previsível e controlado pelo artista, uma vez que cada imagem, para seu aparecimento ou desaparecimento, depende tanto das alternativas de trajetos estabelecidas desde o princípio, como das decisões do internauta. Aliás, com esse tipo de trabalho abre-se também a possibilidade dos usuários participarem, enviando dados e imagens que passam a compor a obra e cujos desdobramentos nem podem ser imaginados pelo artista em sua proposição original. Ao criar uma proposta de web arte, o artista deve sempre aceitar e incorporar em seu projeto as eventuais mudanças que se processam em sua idéia a partir do desenvolvimento do trabalho e de sua recepção por cada internauta. O tipo de equipamento do usuário e os programas de que dispõe fazem com que os se alterem os resultados, não sendo nunca possível os mesmos serem totalmente previsíveis na proposta inicial. Além disso, muitas vezes o uso de determinados softwares para a produção inviabilizam a recepção e a navegação de usuários que não dispõem dos programas exigidos para leitura. Assim, o artista necessita lidar de forma balanceada com o projeto desejável e o resultado viabilizável, considerando a diversidade e a heterogeneidade dos níveis técnicos de computação existentes nas diferentes regiões do mundo. A imprevisibilidade, a instabilidade e a mutabilidade próprias do suporte condicionam inevitavelmente o processo criativo dos artistas que assumem seu risco.

SAIBA MAIS Uma detalhada análise desse tipo de produção e do uso das nomenclaturas - net arte, web arte ou art on line - pode ser encontrada nos seguintes textos LEÂO, Lucia Uma cartografia das poéticas do ciberespaço, http://www.ucs. br/ucs/tplConexao6/editora/periodicoscientificos/conexao/conexao6/conteudo/sumario/resumo_06 MAYALL, Moiana O que é web-arte? http://www.guggenheim.org/internetart/internetart_index.html

Figura 12 – Interface do site Eternal Sunset. Exemplo de Projeto de Web Arte integrando recursos de interatividade e autoria coletiva. Endereço do site: www. eternalsunset.net . Acesso em 10/06/2010.

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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA II 3.1 Conhecendo a web arte

Uma questão fundamental na abordagem estética da web arte é que se trata de uma produção multimídia, que combina pelo menos um tipo de mídia estática (texto, gráficos, fotografias), com, pelo menos um tipo de mídia dinâmica (animação, áudio, vídeo). Assim, privilegiando o uso dos diferentes sentidos: visão, audição e tacto este tipo de tecnologia abrange e mesmo exige a conexão de diversas áreas da informática. A web arte impõe uma série de desafios aos museus e galerias como instituições, ao exigir algumas redefinições em relação as noções tradicionais de obra de arte, artista e público. Ainda que alguns trabalhos on-line tenham semelhanças com os objetos artísticos tradicionais, funcionando como objetos fechados, com imagens e sons que se alteram quando o internauta clica em alguns pontos, a maioria dessas obras dependem de um constante fluxo de informações e incorporam os usuários ao trabalho. A noção de público enquanto espectador se altera profundamente uma vez que o conteúdo torna-se informação em trânsito e o internauta se converte em participante. Só isso já contraria a idéia tradicional de contemplação a qual associa-se a arte. O artista se transforma em um deflagrador de experiências, propondo formas de interação, e solicitando contribuições que podem levar sua proposta a caminhos não planejados, ou controlados, por ele. Essas questões demandam que o meio de arte se reconfigure e se adapte às necessidades da web arte. Esse processo tem ocorrido com a participação deste tipo de trabalho em bienais e outras exposições internacionais como a de São Paulo, a de Kassel ou em museus como o Whitney, e o MoMA, evidenciando o quanto podem contribuir no desenvolvimento da arte contemporânea.

DICA DE LEITURA Uma boa análise das relações dos museus com a web arte pode ser lida no seguinte endereço: BEIGUELMAN, Giselle. Qual é o lugar da web arte? http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/597,1.shl

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PROBLEMATIZANDO Visite o Banco de dados da pesquisa Territorialidades (Ver Figura 13), conheça inúmeros trabalhos de web arte e observe quais artistas trabalham com cada uma dessas possibilidades:

Figura 13 – Interface do site do banco de dados da pesquisa Territorialidades. Endereço do site: http://territorialidadeterritoriality.blogspot.com/. Acesso em 10/06/2010.

3D imersão: Os trabalhos de artistas que utilizam recursos de 3D permitem a ilusão de imersão, com ambientes tridimensionais por onde o internauta pode navegar como se estivesse adentrando neles (Ver Figura 14)

Figura 14 – Montagem de interfaces do site do Projeto Street Witha View. Endereço do site: www.streetwithaview.com . Acesso em 10/06/2010.

Experiências visual e sonora: Os trabalhos artísticos que possibilitam experiências visuais e sonoras podem fazê-lo separadamente ou em conjunto em vídeos, por exemplo. De qualquer forma, o usuário pode ouvir e ver os elementos que fazem parte do site (Ver Figura 15).

Experiências visual e sonora: Os trabalhos artísticos que possibilitam experiências visuais e sonoras podem fazê-lo separadamente ou em conjunto em vídeos, por exemplo. De qualquer forma, o usuário pode ouvir e ver os elementos que fazem parte do site (Ver Figura 15).

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Figura 15 – Interface do site do projeto de Barbara Bloom Half Full - Half Empty. Endereço do site: http://65.181.178.190/bloom/VA.html . Acesso em 10/06/2010.

Interatividade: Os trabalhos de arte que envolvem interatividade exigem do internauta mais que a simples participação manual com o uso do mouse. Essas propostas solicitam participações mais ativas, como por exemplo o envio de materiais como fotos, vídeos ou mesmo a criação coletiva do trabalho em si. Comente cada uma dessas possibilidades escolhendo os trabalhos que mais lhe agradam, divulgue-os em seu blog. Justifique suas escolhas e partilheas com seus colegas.

3.2 O regime visual da web arte e suas possibilidades Duas importantes fontes concorrem na formação do regime visual desta produção: imagens captadas da realidade e transmitidas ao computador por meios digitais, e imagens construídas totalmente via computador. Embora ainda basicamente experimental, a criação de imagens utilizando os recursos expressivos do computador está sendo muito aplicada na arte produzida na Internet. Bastante diferentes entre si, as imagens destes dois tipos de fontes convivem de forma articulada nas produções de Web arte. Entretanto, uma terceira fonte de imagens deve ainda ser mencionada: o uso da linguagem gráfica. As palavras ou ícones que trazem as informações e indicam ao usuário como navegar são recursos importantes deste regime visual híbrido, tanto em termos de cores e formas, quanto de medidas e disposição na tela. As imagens captadas, as imagens construídas e o grafismo de palavras e ícones concorrem para a construção de uma visualidade híbrida, na qual as fontes imagéticas podem se articular, construindo universos complexos. Diluem-se os limites de cada fonte empregada, trazendo para seu interior as inter-relações e interconexões dessas diferentes origens. Com essa articulação, a web arte estabelece uma verdadeira revolução no regime de imagens da arte contemporânea. A comunicação na Internet é sempre dependente das palavras e dos ícones que estabelecem significados e que determinam orientações para a navegação. Na medida em que o usuário clica sobre eles, intercalam-se páginas

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e imagens. A leitura dessas orientações surge como elemento essencial da significação na experiência interativa. No caso dos ícones, eles vão estabelecendo uma espécie de alfabetização visual, que possibilita ao navegador descobrir possíveis indicações de caminhos oferecidos pelo artista. Entretanto, as palavras ou ícones são mais do que meros complementos: constituem um elemento fundamental neste regime de imagens, de uma maneira nunca antes vista na arte ocidental, com exceção da arte conceitual e suas derivações, em que as palavras fazem parte da estrutura da própria obra. Muitas das propostas de web arte colocam em xeque as tradicionais noções de autoria individual, de tempo e de originalidade da obra de arte. Alguns artistas não atuam mais como o “autor único” de sua obra, mas compartem com uma equipe de criação e com os usuários essa responsabilidade. Coletivos de trabalho – em que técnicos e artistas dividem idéias, tarefas e resultados – estão muito presentes neste tipo de produção. Além disso, ao estabelecer suas propostas, os artistas da podem experimentar o potencial fluído e rizomático do meio em que estão atuando, assim como as novas possibilidades de interação com o público de que podem dispor. Ao potencializarem a diversidade e a amplitude deste novo meio, e do regime híbrido de imagens que ele possibilita, alargam as fronteiras da arte, ao mesmo tempo em que questionam seus fundamentos. Estão, assim, construindo uma nova cultura visual.

PROBLEMATIZANDO Elabore um projeto de web arte. Explore seu regime híbrido, indicando que material visual, sonoro ou outras mídias vai articular. Detalhe o mais possível as ferramentas a serem utilizados, os conceitos e intenções de sua proposta. Não se preocupe se não possui o domínio dos aspectos técnicos para sua execução. Esta é uma fase de projetos. Apresente a proposta no seu blog. Troquem comentários dos trabalhos com seus colegas.

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Unidade 4

HIPERTEXTO

Segundo Lucia Leão (LEÃO, 2005, p 15) “O hipertexto é um documento digital composto por diferentes blocos de informações interconectadas” (Figura 16). No dicionário on-line Priberam encontramos “ Sequência de texto que permite a remissão para outra localização (documento, ficheiro, página da Internet, etc.)”. No dicionário on-line Michaelis encontra-se “sistema de organização da informação, no qual certas palavras de um documento estão ligadas a outros documentos, exibindo o texto quando a palavra é selecionada”. O prefixo grego hiper remete à superação de limites em relação ao termo que ele antecede. Assim, o hipertexto vai mais além do pensamento sequencial do tradicional texto escrito, no sentido de uma ampliação e extroversão do mesmo. A construção do hipertexto abre a possibilidade de produzir uma narrativa que represente melhor a forma como nosso pensamento se estrutura, pressupondo multi associações, e um processo de produção colaborativa. O hipertexto apresenta-se como uma estrutura, que coloca dentro de um mesmo texto janelas que abrem outras leituras, em um contínuo desdobramento de idéias e informações. Embora ele não seja uma criação da internet, foi neste meio que atingiu possibilidades até então inusitadas.

Figura 16 – Dinâmica do hipertexto

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A idéia do hipertexto enquanto desdobramento não linear de informações a partir de algumas palavras ou conceitos em um texto é antiga, podendo ser associada às notas de rodapé, referências cruzadas e mesmo aos comentários, na tradição escolástica. Sua lógica é a de abertura, e seu vetor o de expansão, sendo possível aplicá-lo em inúmeros campos do conhecimento e da criação. Na literatura, uma tradição de não linearidade se evidencia com autores como Julio Cortazar que no seu livro O jogo da amarelinha propõe duas possibilidades de leitura. Uma que pode ser feita de forma seqüencial dentro da orientação clássica, com início, meio e fim. E outra, que possibilita ao leitor jogar, seguindo sua leitura de acordo com as indicações dos números entre parênteses que aparecem ao final de cada capítulo. Essa segunda possibilidade avança na construção de rizomas, com um ganho expressivo que a primeira não oferece. O Hipertexto pode ser também uma ferramenta no trabalho didático, impulsionando o aluno à pesquisa e à abertura de novas perspectivas, estabelecendo dinâmicas nas quais a aprendizagem acontece em desdobramentos e descobertas. O aluno, ao buscar informações para construir o hipertexto, participa ativamente de um processo de construção do conhecimento. O mesmo recurso pode ser utilizado em experimentos de criação coletiva, ou na identificação de usos do hipertexto em diferentes circunstâncias. O hipertexto quase sempre é composto por blocos de informações ou conteúdos (lexias) e os vínculos que interligam esses blocos são denominados nós (Ver Figura 17). Segundo Lucia Leão pode-se observar três tipos de variações básicas: quanto aos limites das lexias, quanto a presença ou não

Figura 17 – Vínculos que se criam num processo de leitura por meio de hipertexto.

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de hierarquia na organização e concepção delas, e quanto aos relacionamentos entre elas. Uma importante ferramenta para trabalhar com o hipertexto pode ser o organograma de idéias, que permite um desdobramento do pensamento mantendo eixos de conceitos e objetivos. Pode-se observar variações na estrutura do hipertexto segundo a forma como ele se organiza: seguindo uma lógica arborescente ou uma lógica de rede. No primeiro caso há um núcleo central, que funciona como o caule de onde saem os anexos que enriquecem a sua leitura, e acrescentam conteúdos ao tema central. No segundo caso, todos os pontos se interconectam possibilitando o desenvolvimento de inúmeros caminhos, e uma dispersão sem fim ou limites.

SAIBA MAIS No livro LEÃO, Lucia, O Labirinto da Hipermídia, SP, Iluminuras, 2005, a autora desenvolve inúmeras idéias e conceitos sobre o hipertexto e sua utilização na internet.

DICA DE FILME Veja o filme Ilha das Flores (Figura 18) e verifique como Jorge Furtado usa a idéia de hipertexto na sua narrativa. O filme apresenta um ácido e divertido retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho. Ficha Técnica Direção: Jorge Furtado Roteiro: Jorge Furtado Ano: 1989 Duração: 13 minutos Elenco Júlia Barth Paulo José (Voz Narrativa) Ciça Reckziegel (Dona Anete)

Figura 18 – Cena do filme Ilha das Flores.

Você encontra o filme completo disponível na internet no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28&feature=player_embedded. Acesso em 10/06/2010.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE Como você pode ver no filme, o uso do hipertexto oferece o risco de que o autor se perca nos desdobramentos. Elabore um organograma para a criação de um texto sobre artes visuais com o recurso do hipertexto mantendo

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4.1

Hipermídia: usos do hipertexto na internet

Theodor Nelson, mais comumente conhecido por Ted Nelson cunhou o termo hipertexto em 1965. Segundo ele As idéias não precisam ser separadas nunca mais (...) Assim, eu defino o termo hipertexto simplesmente como escritas associadas não sequenciais, conexões possíveis de se seguir, oportunidades de leitura em diferentes direções.( Nelson, in LEÃO, 2005, p.21) O hipertexto na internet é composto por blocos de informações de diferentes meios – imagens fixas e em movimento, sons ou textos – articulados através de vínculos eletrônicos. O seu uso na internet é denominado hiperlink, sendo mais comumente conhecido como link. Colocado em destaque, ele se abre com a pressão do mouse. Com ele, é possível passar quase que instantaneamente de uma página a outra, localizada entre milhões de outras na rede. A lógica e as ferramentas do computador favorecem a leitura descontinua, e promove o deslocamento através de rápidas ligações estabelecidas pelas palavras destacadas em cores, os chamados pontos quentes ou hotword. O uso do link é feito através de um simples clique sobre a palavra grifada, ou sobre uma imagem onde aparece uma mãozinha, indicando a abertura para novas informações. Assim, a internet, por sua própria estrutura digital em rede, possibilita a abertura de inúmeras janelas em cada página. Pode-se dizer ainda que estas produções estruturam-se sob a forma de rizoma lidando com um mundo de possibilidades sobrepostas e aparentemente infinitas, cujos limites são dados tanto pelo software utilizado, como pelos caminhos e alternativas que o internauta vai escolhendo. A cada página captada se sobrepõe outra no próximo clique, a tela que se abre repercute na leitura da anterior completando-a ou alterando-a. Mesmo que ausente, todas elas fazem parte de uma unidade comunicativa. Potencialmente podem-se ver todas as paginas de um site, mas nunca o conjunto unitário de todas elas. Um ponto se conecta a qualquer outro, negando a idéia de finalização e fechamento, fazendo movediças as direções, instável e imprevisível os resultados. Ao estabelecer suas propostas, os artistas exploram este potencial fluído e rizomático da imagem no meio em que estão atuando, assim como as novas possibilidades de interação com o público de que podem dispor, potencializando sua diversidade e sua amplitude.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE Entre no site http://www.fabiofon.com/webartenobrasil e experimente abrir os hiperlinks. Comente no seu blog pessoal como foi esta leitura para você.

9. Ele é o criador do projeto Xanadu, uma espécie de biblioteca universal em que as pessoas podiam trocar imagens, sons, documentos etc.

10. Este termo se refere a conceito de rizoma desenvolvido por Gilles Deleuze e Felix Guattari (1995), bastante utilizado na análise da arte contemporânea, mas que se aplica com maior precisão a web arte.

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4.2

Experimentando o hiperlink

O desenvolvimento das potencialidades narrativas do hipertexto, como rede dinâmica composta por pessoas e grupos que em conjunto com as máquinas e software, abre perspectivas criativas até pouco tempo inimagináveis. A internet trabalha basicamente com uma modalidade de espacialização de diferentes discursos de forma não linear, que permite aliar sua condição multimídia a estrutura do hipertexto. Cada site se desenvolve em extensão e profundidade, apresentando-se como um produto visual e conceitual em camadas, em uma rede labiríntica de dados. Os arquivos funcionam a partir de um trabalho conjunto do tempo e dos espaços, de forma semelhante como se processa com nossa própria memória. Cada informação vai se desdobrando em outras, em ordenações complexas e inesgotáveis Em Assoziationa Blaster (Figura 19), de Alvar C.H. Freude e Dragan Espenschied oferecem um bom exemplo de trabalho com hipertexto que explora tanto imagens como palavras e suas conexões. Trata-se de um site interativo, composto a de um conjunto de links que funcionam a partir de um sistema de busca. O internauta pode escolher uma palavra escrita e clicar ou mesmo digitar uma nova palavra. Todas as palavras chave têm um link para uma frase ou um conjunto de frases, que por sua vez possui várias outras palavras com links para outras frases. As frases são criadas pelos internautas, para cada nova palavra ou para as já existentes. Assim, o trabalho se elabora em um processo em que o texto vai se abrindo através das colaborações dos usuários, em um número cada vez maior de possíveis leituras. Deslocando a idéia de finalização e fechamento, o hipertexto abre a e-imagem para o fluxo e os desdobramentos, exigindo mudanças radicais na forma de organização do pensamento. Este projeto trabalha com o conceito de narrativa a partir do entrecruzamento de sistemas computacionais dos banco de dados.

Figura 15 – Interface do site Assoziations Blaster. Endereço do site: http://www.assoziations-blaster.de/english/. Acesso em 10/06/2010.

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OLHO VIVO Siga as orientações e veja como criar e usar o hiperlink na internet. (tutorial em anexo)

PROBLEMATIZANDO Use o texto que você criou com o auxilio do organograma e aplique nele o sistema de links que remetam a outros sites relacionados ao mesmo assunto para colocá-lo no seu blog pessoal. Faça isso de forma criativa, pensando que isso poderia ser um trabalho artístico.

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Unidade 5

INTERATIVIDADE E MIDIAS LOCATIVAS

Na era da comunicação computadorizada e da internet, a interatividade é a ação que permite ou oportuniza que um usuário execute um comando que o programa responde, ou que controle as ações e a forma como o programa funciona (Ver Figura 20). O termo se refere, ainda, ao sistema de visualização que é capaz de reagir a diferentes entradas do usuário, ou o computador que permite ao usuário colocar comandos, programas ou dados, recebendo respostas imediatas. A interatividade tem suas origens mais próximas nos ideais utópicos das vanguardas dos anos 60 e 70, em termos de partilha dos processos criativos através de uma comunicação de igual para igual, manifestando aspirações de transformação social através da arte. É digno de nota que propostas de interação do público com as obras já se evidenciavam no Brasil com a série Bichos, de Lygia Clark, bem como com as experiências de arte em rede, com o uso de telefone e de fax. O que se altera com a web arte é que, neste caso, o próprio meio, com seus recursos tecnológicos, propicia e estimula a interatividade. Pode-se considerar a existência de diferentes níveis de interatividade, desde o mais básico, em que o usuário tem possibilidade de contatar o artista através de e-mail ficando, a interação em termos privados, sem afetar decisivamente a obra. Passando, ainda, por uma participação totalmente pautada pelo artista, até o nível mais alto, quando o usuário tem possibilidade

Figura 20 – Controle de ações por meio de comandos.

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de converter-se em co-autor, modificando e ampliando os dados recebidos pelo artista e pelos softwares. Embora a interatividade tenha sido impulsionada pelos recursos disponibilizados pela internet, níveis mais altos de participação parecem distante da realidade de produção destas obras. Vários críticos denunciam a permanência da autoria, com destaque ao nome dos artistas, e a participação restrita dos usuários às instruções de uso propostas, como limites desta interatividade desejada e divulgada. De qualquer forma esta ainda é uma questão em aberto, uma vez que a internet em si estimula e favorece a partilha da criação, e o abandono do regime de autoria individual do artista. Talvez, o que permaneça seja uma herança do pensamento estético tradicional que marca o meio de arte, do qual a maioria dos artistas atuantes na internet são oriundos . Novas formas comunicacionais para a arte desenvolvem-se na rede web, enfrentando seus desafios. Mais aberto, flexível e democrático, nele, as tradicionais hierarquias diluem-se em um mar de informações que não se classificam, não se ordenam e não se controlam tão facilmente. As inúmeras ofertas de caminhos disponíveis para a escolha do usuário estabelecem níveis de participação mais ou menos articulados e interativos com diferentes grupos de interesse. As inúmeras conexões e os olhares compartidos ampliam o potencial de diálogo, e de experiências ativas, que os internautas podem estabelecer com os territórios da arte. As autoridades, as autorias e as propriedades diluem-se nesse espaço, onde copiar e colar são procedimentos padrões e as formas de apropriação e hibridação generalizam-se.

DICA DE FILME Assista o filme Cama de Gato, feito de sugestões de internautas. O filme é uma espécie de drama de humor negro com forte crítica social, que pretende discutir os conceitos de ética e preceitos morais coletivos em confronto com a Ética e a Moral de cada indivíduo. Ele foi produzido em vídeo digital, com algumas seqüências em celulóide. A trilha sonora é composta por músicas de bandas desconhecidas selecionadas por meio de campanha pela Internet, teve o orçamento de R$13 mil, toda a equipe técnica e elenco não cobraram cachê. Ficha Técnica Título original: Cama de Gato Duração: 92min. Lançamento (Brasil): 2002 Direção: Alexandre Stockler O filme Cama de Gato tem cenas de violência e não é indicado para menores de 18 anos. O making off que mostra a entrevista com os jovens paulistanos que resultou na seqüência do filme pode ser vista na internet : http://vimeo.com/7241448

PROBLEMATIZANDO No seu blog, inicie uma ficção e solicite aos colegas que dêem continuidade a ela. Usem recursos gráficos, textuais e outros de que dispuserem.

11. Uma das mais duras criticas aos limites da net arte tem sido feita por Laur a Baigorri, importante especialista no tema.

12. Pode-se observar nos sites analisados que geralmente apresentam currículo dos autores a sua formação em escolas de arte.

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PARA REFLETIR Você acredita que a interatividade reduz a importância da autoria do artista, uma vez que suas decisões na elaboração da obra são diminuídas ou anuladas pela participação do interator?

Para alguns autores, na linha de Pierre Lévy e Jose Luis Brea, um novo horizonte delineia-se, realizando os pressupostos ideais de democracia e participação solidária. No entanto, a realidade de seu funcionamento abre uma grande gama de restrições e contradições, exigindo, para sua análise, instrumentos conceituais mais específicos e questionadores. Vale a pena aventurarse criticamente nesses redemoinhos que dão origem a novos fluxos na comunicação e na criatividade humana. Afinal, a era da reprodutibilidade técnica, com toda sua complexidade e ambigüidades estava somente começando, quando Walter Benjamin a explorou com seu olhar arguto e sensível.

5.1 Explorando a interatividade Ao utilizar tecnologias digitais e recursos de interação da rede internet interpõe-se novos mecanismos de recepção e intercâmbio dos indivíduos com a arte, assim como em suas relações com o coletivo. Neste tipo de produção muitos artistas não atuam como o autor único de sua obra, mas compartem com uma equipe técnica e com os usuários essa responsabilidade. Coletivos de trabalho, em que engenheiros, especialistas em informática e artistas dividem idéias e tarefas estão muito presentes nesta prática artística, que exige diferentes, complexas e específicas habilidades e conhecimentos. A interatividade, prevista na grande maioria dos projetos, redefine os papeis do autor e do receptor, fazendo desaparecer a figura passiva do espectador. Isso por que, na maioria dos casos, não há um resultado previsível e controlado. O desenvolvimentos dos trabalhos dependem em grande parte das decisões do usuário, a partir das inúmeras alternativas de trajetos propostos pelo artista, e estabelecidos a priori na programação de software utilizada. Além disso, pode ser solicitada a participação dos internautas, enviando dados que passam a compor a obra, cujos desdobramentos não podem ser definidos pelo artista em sua proposição A necessidade de pensar a interatividade como elemento fundamental desta visualidade que se constrói de forma ainda bastante experimental, tem sido destacada por diversos autores. Entretanto, as possibilidades e os limites desta interatividade viabilizada pela internet, e explorada por diversos artistas, ainda suscita muitos debates. O simples uso do mouse para abrir janelas, assim como a opção de escolher trajetos que já estão estabelecidos a priori na proposta do artista pode ser questionada enquanto forma de participação interativa. Alem disso, estes trabalhos em geral mantêm um importante grau de autoria, pois, mesmo que os usuários participem como colaboradores, e que os resultados só existam a partir destas interlocuções, é o nome do artista, ou do grupo de criadores que se apresenta no site e o identifica. Mesmo quando há equipes de produção, os artistas se destacam, deixando perceber que a tradicional força do nome do autor no campo da

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arte, permanece vigente nas proposta colaborativas. Quase nunca se encontra produções verdadeiramente anônimas e coletivas em termos de autoria. Em termos de interatividade, deve-se considerar, ainda, o desenvolvimento da web 2.0 (Wikipédia, Yutube, Blogger, Fliker, Myespace, Facebook, Orkut e outros) em que os conteúdos são criados pelos próprios usuários. O cerne desta inovação está na separação da estrutura técnica do conteúdo, deslocando a ênfase para a produção coletiva de dados e de informação. Assim, o usuário não necessita conhecer nem ter acesso aos códigos de funcionamento dos programas para poder publicar on-line. A comunidade estabelece a importância destes sites pelo uso que faz deles e a propriedade destes conteúdos pode ser convertida em valores econômicos. A interatividade demanda um estado de alerta, de total implicação nas escolhas e desvios, nas conexões e nas imersões nos ambientes virtuais, ou seja, interagir demanda uma entrega total dos participantes na experiência. Na ciberarte, a vida do trabalho depende da implicação de quem interage com o sistema. O artista propõe algo a ser vivido, solicitando o diálogo através de escolhas, das perguntas e das respostas, ou ainda, nos ambientes interativos, pela performance total do corpo que deve agir no espaço físico com o sistema. Em todas as situações, é necessário o envolvimento do homem com as máquinas de seu tempo. O que se percebe claramente, é que a interatividade na rede web abre novas possibilidades de participação, criando também uma nova concepção de público. A dinâmica interativa, que se inaugura com esse tipo de proposta, otimiza e multiplica efeitos. Com sua rede pluridirecional a internet faz reverberar o diálogo de uma forma muito mais ampla e numericamente mais significativa. Ela supera, em termos quantitativos, as tradicionais interferências do público, que quase sempre se limitam ao pequeno grupo de frequentadores dos eventos em tempo e espaço real. É digno de nota que propostas semelhantes de interatividade já se evidenciavam nos anos 60 e 70, com a série Bichos, de Lygia Clark, bem como com as experiências de arte em rede, com o uso de telefone e fax. O que se altera com a Web arte é que, neste caso, o próprio meio, com seus recursos tecnológicos, propicia e estimula esta interatividade. É o caso, por exemplo, do site Post urbano (www.wokitoki.com.ar/post), que localiza e documenta pontos exatos da cidade de Buenos Aires. Produzido com o auxílio da ferramenta Googlemap, o site traz um mapa da capital argentina, com a localização exata de cada recado/depoimento enviado pelos internautas que responderam à proposta do coletivo de arte argentino Wokitoki. A idéia do grupo é que o público conte histórias de um lugar específico da cidade, tal como “foi nesta casa em que eu nasci”, ou “nesta rua aconteceu tal coisa”. Para participar, as pessoas clicam no mapa, indicando o endereço relacionado à história que querem contar. Abre-se então uma janela, na qual é possível escrever o relato pessoal que, no final, vai assinado. A partir de então, esses depoimentos ou recordações serão integrados ao mapa, podendo ser, inclusive, impressos como cartazes e fixados junto às ruas e casas aos quais se referem. O interessante é que, se esses cartazes, por um lado, acabam revelando histórias íntimas e pessoais de cada participante, por outro terminam por se confundir com a própria estética da publicidade de rua... Trata-se, portanto, de um projeto de

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interferência no espaço público, por uma ação gerada a partir do ciberespaço. Em um processo coletivo, são redesenhados os intercâmbios do real com o imaginário, bem como as relações do sujeito com a cidade.

PROBLEMATIZANDO No seu blog, inicie uma ficção e solicite aos colegas que dêem continuidade a ela. Usem recursos gráficos, textuais e outros de que dispuserem.

5.2 Mídias locativas e seus usos na arte

Figura 21 – GPS. Exemplo de mídia locativa.

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As sociedades contemporâneas estão envolvidas em processos de desterritoirialização, com fluxos mundializados de indivíduos, de informação e de produtos, entre outros, que muitos autores denominam nomadismo. Essas diversas formas de mobilidade deram origem a fenômenos como as flash mobs e as smart mobs, que reconfiguram as relações sociais e a participação do público. As primeiras são manifestações relâmpago, de um conjunto de indivíduos que não têm conexões entre si estabelecidas anteriormente ao evento a cuja solicitação respondem. São processos semelhantes a performances e happpenings, sem um sentido ou objetivo em comum. Essas manifestações agregam as pessoas por meio de mensagens tipo SMS, e-mails ou blogs enviadas por aqueles que exercem sua convocação. Elas podem ser usadas, também, como formas de manifestações, de protesto, ou com outros tipo de demandas, nestes casos são denominadas smart mobiles ou mobilizações inteligentes. Como mídias locativas podem ser consideradas todo tipo de equipamento móvel capaz de conexão on-line, tais como Sistemas Globais de Posicionamento (GPS), telefones celulares, Ipods, palmtops e laptops (Ver Figura 21). Elas desenvolvem o conceito de comunicação ubíqua e pervasiva, que é utilizado na Mobile arte. Com estes recursos se potencializam as possibilidades de compartilhamento de experiências e a interconexão mundial. Artistas também desenvolvem estratégias com mídias locativas, como por exemplo, Antoni Abad que realiza seu trabalho emprestando celulares com máquina fotográfica a grupos que sofrem algum tipo discriminação para que estes documentem seu dia a dia. A abordagem se efetua da seguinte forma: localizando um grupo em uma cidade e entrando em contato com eles através de seminários ou grupos de trabalho. O trabalho possui um cunho sociológico, no momento em que estuda o cotidiano dessas minorias, criando redes de comunicação e tornando visíveis as perspectivas de cada um desses grupos. A internet neste caso funciona como uma plataforma de disseminação dessas informações, e como banco de dados do projeto. Os grupos já abordados em trabalho até então foram: desabrigados na Colômbia, deficientes físicos em Gêneva e Barcelona, motociclistas em São Paulo, trabalhadores imigrantes da Nicarágua na Costa Rica, profissionais do sexo em Madrid, jovens camponeses em Leon e Lleida e taxistas no México. O projeto estabelece canais para cada grupo em que mostra fotos feitas pelos integrantes dos grupos. Estas fotos se organizam no site em subdivisões:


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seres, atividades, espaços e objetos, cada uma destas possui palavras-chave que direcionam o internauta a fotografias relacionadas ao tema escolhido. O espectador pode vivenciar uma imersão no cotidiano destes grupos e testemunhar reivindicações e críticas que são feitas por cada indivíduo do grupo, o que dá um caráter de veracidade ao projeto.

DICA DE SITE Utilizar o Google maps em seus trabalhos pode ser uma interessante alternativa para trabalhar com mídias locativas, basta seguir as orientações abaixo. (Tutorial para uso do Google maps em anexos)

PROBLEMATIZANDO Faça uma proposta de web arte com o uso de mídias locativas e ou com o uso do Google map, descrevendo o funcionamento do trabalho de forma bem detalhada, usando recursos gráficos e outros que lhe interessarem. Se você tiver condições desenvolva sua proposta, caso lhe falte apoio técnico deixe somente em nível de projeto. Quem sabe no futuro você possa dar continuidade a ele.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi muito importante para mim desenvolver esta disciplina, espero que possam ter tirado dela algo significativo para a vida de vocês. Considerando que a internet hoje é uma realidade da qual não podemos nos furtar e cujo uso somente nós mesmos poderemos estabelecer. A idéia básica de nossa proposta de trabalho è estimular que vejam a internet e a cibercultura como uma realidade de nosso tempo, e possam pensar e desenvolver maneiras mais criativas e sensíveis de lidar com ela. Não podemos fugir desta realidade, acusando-a de muitos males, nem tampouco ver nela a solução de todos os problemas. Os humanos, desde a origem dos tempos, criaram suas ferramentas e, de seu desenvolvimento decorreram formas de relacionamento entre eles e com o meio ambiente. No mundo contemporâneo não é diferente, as tecnologias digitais fazem parte de nossa realidade. Precisamos lidar com elas conhecendo-a e obtendo com elas formas mais completas de vivência. Espero que nesta disciplina tenham desenvolvido um pouco mais de competência para isso. Depois de tantas informações, propostas de tarefas e leituras é possível que tenhamos nos aproximado desse objetivo. Para mim esse trabalho foi uma experiência prazerosa e enriquecedora, espero que tenham podido compartilhar disso.

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Estรกgio Supervisionado 3 Professores autores Dra. Leda Maria de Barros Guimarรฃes e Prof. Dr. Ronaldo Alexandre de Oliveira


APRESENTAÇÃO

Caros(as) Estudantes

Profa. Dra. Lêda Maria de Barros Guimarães

Prof. Dr. Ronaldo Alexandre de Oliveira

No primeiro Estágio, discutindo a escola como parte da cidade, pedimos que fizessem um mapeamento da localização da escola no bairro, conectando-a com outras áreas mais abrangentes. Fizemos o exercício retrospectivo da sua trajetória educativa como “apreendente” e como profissional, e iniciamos o exercício do olhar etnográfico no contexto escolar procurando perceber sua complexidade de dinâmicas, relações e configurações culturais. Depois no Estágio 2, foi proposto um foco do olhar etnográfico para a sala de aula, um recorte dentro do contexto educacional específico que estava sendo investigado. O Estágio 2 possibilitou um aprofundamento de nossas competências investigativas etnográficas, com nossas imersões no campo escolar. Nessa terceira disciplina de Estágio Curricular Obrigatório, vamos dar continuidade ao exercício de imersão em contextos educativos, mas dessa vez buscando diálogos com espaços de educação não formal. Essa preocupação da expansão desse olhar segue a tendência movimento das cidades educativas e dos desafios de uma tecnologia que abre mundos, onde a rede www e a cidade como um todo se apresentam como espaços formativos para a docência de artes visuais.

*Curriculo: Leda Guimarães é professora da Universidade Federal de Goiás. Professora do Mestrado em Cultura Visual, coordenadora de Estágio da Licenciatura em Artes Visuais e do curso de Licenciatura em Artes Visuais em EaD pelo programa da Universidade Aberta do Brasil. É doutora em Artes pela ECA-USP e mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí. Tem livros publicados: “Desenho, desígnio, desejo: sobre o ensino de desenho” (UFPi, 1996); “Objetos Populares da Cidade de Goiás” (Sebrae-Go/UFG, 2001) e “A natureza feminina do Cerrado” (2006, UFG). É membro da ANPAP e do InSEA membro da diretoria da Federação dos Arte Educadores do Brasil -FAEB. É representante do Brasil no CLEA- Conselho Latinoamericano de Educação para a Arte.

*Curriculo: Ronaldo Alexandre de Oliveira , Graduado em Educação Artística pela Santa Marcelina / S.P – 1987; Especializado em Arte Educação pela ECA/USP (1991); Mestre em Educação, Arte e História da Cultura (2000) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutorado em Educação (Currículo) pela PUC/SP (2004). Atuou enquanto professor de arte em todos os níveis de ensino – Ensino Fundamental ao Ensino Médio na Rede Pública Estadual do Estado de São Paulo e também na Rede Municipal da cidade de Jacareí / São Paulo. Atualmente é Professor Adjunto do Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina. Atua na Área de Metodologia e pesquisa do Ensino de Artes Visuais com formação de professores; É líder do grupo de pesquisa cadastrado no CNPq “Formação Inicial e Continuada de Educadores em Arte: Marcas e Perspectivas dos saberes e fazeres Docentes”, onde pesquisa a formação via relatórios de estagio curricular.

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Dados da Disciplina emanta

Formação, estágio e o ensino de arte. A cidade enquanto espaço de possibilidades educativas. Aprofundamento do exercício etnográfico para contextos de situação não formal. Revisão e aprofundamento do processo da etnografia do campo escolar. Metáforas de conexão da experiência etnográfica. A sala de aula como reflexo da Imersão nos conteúdos e nas rotinas e conflitos pedagógicos no espaço da sala de aula. Discussão de abordagens pedagógicas para o ensino de artes visuais correlacionadas ao contexto do estágio. Planejamento, desenvolvimento e avaliação de proposta de intervenção em artes visuais. Objetivos

• Aprofundar competências etnográficas para a investigação e imersão em de outros campos de estágio. • Analisar os contextos educativos não formais de ensino como meios sociais em que se produz e se compartilha conhecimento socialmente legitimado • Observar os modos como o ensino de arte é inserido nesses contextos, do ponto de vista do projeto pedagógico das instituições onde se desenvolve educação • Caracterizar projetos de ensino de artes visuais, e analisar a sua operacionalização; • Mapear possibilidade de conexão entre instâncias de educação formal e não formal.

Unidades UNIDADE 1 – A CULTURA DA CIDADE COMO ESPAÇO DE IMERSÃO: EXEMPLOS E PROPOSIÇÕES 1.1 A cidade educativa: seus lugares, seus habitantes, seus ofícios, sua cultura 1.2 Imagens: (des)construções - Proposta para um passeio etnográfico UNIDADE 2 – A CIDADE E SUAS POSSIBILIDADES EDUCATIVAS 2.1 A Cultura da Cidade como Espaço de Imersão: Exemplos e Proposições UNIDADE 3 – IMERSÕES NA CIDADE EDUCATIVA 3.1 Metodologia para o desenvolvimento da proposta 3.2 Como pode ser nosso projeto com a cidade educativa?

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Unidade 1

A CIDADE E SUAS POSSIBILIDADES EDUCATIVAS

1. Ver a discussão empreendida no material da disciplina “Pensamento e Investigação em Arte-Educação”, de autoria do profº Drº Raimundo Martins, Módulo 6 (2010), capítulo 2.1: “Duas perspectivas de mundo e suas representações”, p. 246-250.

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O Estágio I trouxe a oportunidade de re-avaliarmos nossa prática docente, ao mesmo tempo em que reconstruímos essa prática em outros paradigmas conceituais, teóricos e práticos, com nossos mapeamentos e cartografias, bem como nossas metáforas conceituais. Para muitos de nós, foi a oportunidade de termos as primeiras aproximações investigativas com espaços educativos, escolas, salas de aulas. Isso pode ter se tornado ainda mais desafiante também por termos uma orientação voltada para tais paradigmas conceituais, interacionistas, e com abordagens chamadas ideográficas - muito diferentes do que, em geral, fomos formados. Tivemos a oportunidade de refletir sobre rotinas, conflitos e saberes pedagógicos e realizamos nossa primeira intervenção pedagógica nesse curso, em um espaço de educação formal. Planejamos nossas ‘vidas’ na escola com a construção de nossos planos de ação / cronogramas. Observamos, vivenciamos, para depois idealizarmos nossas oficinas: sonhamos! Como o explicado por Madalena Freire, vivenciamos uma dinâmica com movimentos que foram desde o idealizar/fantasiar ao ‘cair na real’ (desilusionamentos), levando-nos à instrumentalizações para sonhos mais reais. Com isso, planejamos e replanejamos, sistematicamente, nossa ação pedagógica, para depois, desenvolvê-la, e... avaliamos (o calcanhar de Aquiles). Alguns de forma individual, outros em grupos, mas todos amparados de alguma forma, pela turma toda e pela equipe de professores. O desenvolvimento da disciplina e os relatórios finais, de uma forma geral, demonstram as efetivas construções de conhecimentos e percepções. Nesse Estágio Supervisionado 3 nossa proposta é ampliarmos a experiência de estágio para além dos muros da escola tomando a cidade como referência para a elaboração de projetos de ação educativa. Consideramos que é em uma “escala intra urbana que a vida cotidiana e a relação entre cidade, cultura e cidadania podem ser analisadas com maior profundidade” (CAVALCANTI, 2001, p. 13). Também não excluímos algumas articulações mais amplas e em rede, entre âmbitos locais e globais. Com o percurso das cinco disciplinas de estágio desenhadas para nossa Licenciatura em Artes Visuais buscamos uma abordagem integral para nossos crescimentos: construímos nossas aprendizagens e nossas percepções tanto pela via de nossos sentidos diretos quanto pela via de nossas reflexões.


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1.1 A cidade educativa: seus lugares, seus habitantes, seus ofícios, sua cultura O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhamos para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, Eu sei dar por isso muito bem.... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo Alberto Caieiro Iniciamos nossa conversa, com este trecho do poema de Fernando Pessoa, no heterônimo de Alberto Caieiro. O desafio é olhar para a cidade de uma maneira diferente, nesse sentido trazido pelo poeta - olhar daquele que acaba de chegar, de quem acaba de nascer para a eterna novidade do mundo. Ver aquilo que nunca havíamos prestado atenção no contexto cotidiano, no dia a dia. Pensar a cidade enquanto um organismo vivo, dinâmico, que trás uma história construída ao longo dos tempos (seja ela recente ou de longa data), uma história feita pelos seus habitantes, cada um com suas relações, suas profissões, seus ofícios, sua cultura; a cidade formada, por seus lugares; físicos, afetivos, simbólicos. A cidade que é feita pelas mãos daqueles que as constroem. […] falar em produção do espaço é falar desse espaço como componente da produção social em geral […]. Isso é diferente de falar em organização, que ressalta a forma e o aspecto técnico dessa forma, que destaca também um sentido de exterioridade frente ao modo de produção da sociedade, um sentido de neutralidade frente a esse modo de produção. (CAVALCANTI, 2001, p. 13) Assim, com o Estágio 3, propomos a discussão de cidade como produção de espaço urbano e consideramos a importância da superação do entendimento de organização do espaço para o entendimento de espaços produzidos. Consideramos também as contradições na produção do espaço urbano e da cidade, pois concordando com Cavalcanti (2001, p. 16), pensar a cidade é pensar também em lógicas não capitalistas, pré-capitalistas; é pensar na cidade como obra; é, pensando a cidade centralizada na lógica da produção capitalista, pensar também nos interstícios e nas contradições espaciais, nas desconstruções e (re) territorializações. Ao considerarmos a racionalidade do modo de produção capitalista, consideramos também as contra-racionalidades, pois Ante a racionalidade dominante, desejosa de tudo conquistar, pode-se de um ponto de vista dos autores não beneficiados, falar de irracionalidade, isto é, de produção deliberada de situações não-

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razoáveis […]. Essas contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional ou recentemente marginalizadas, e, de um ponto de vista geográfico, nas áreas menos modernas e mais ‘opacas’, tomadas irracionais para usos hegemônicos. (SANTOS, 1996, p. 246, apud CAVALCANTI, 2001, p. 18) Considerações para alargamento das contra-racionalidades contrapõemse a racionalidade hegemônica de cultivo ao individualismo, à vida privada, à separação entre casa e rua, nos cotidianos com a cidade. Tais contraposições reforçam as noções de valores culturais/sociais, as práticas solidárias e cidadania coletiva. A efetivação da cidade como educadora se constitui na resistência à tendência de práticas individualistas na cidade. Veja: Defender um projeto de cidades educadoras é realçar seu caráter de agente formadora, sua dimensão educativa. Todas as cidades educam, à medida que a relação do sujeito, do habitante, com esse espaço é de interação ativa [...]. (CAVALCANTI, 2001, p. 21) Aqui você deve se lembrar do conceito de cultura com o qual estamos trabalhando. A cultura diz respeito a todos os fazeres, saberes e viveres pelos quais as pessoas se constituem em seus lugares, nas suas cidades, nas suas terras. A cultura diz respeito às diferentes maneiras como as pessoas trabalham, produzem, pensam as mais diferentes profissões/ações que compõem a vida da sua cidade – a sua dinâmica, as particularidades de cada bairro. Orientamos para uma perspectiva em que […] torna-se relevante compreender a cidade como um lugar que abriga, produz e reproduz culturas. Na realidade, para a análise da cidade como modo de vida materializado cotidianamente, como ‘espaço banal’ (Santos, 2000), é mesmo imprescindível a consideração dessa instância cultural. (CAVALCANTI, 2001, p. 19) A compreensão da cidade como produção, fundada em racionalidade e contra-racionalidades leva-nos a uma perspectiva favorável a uma educação para a vida, e para uma vida melhor.

1.2 Imagens: (des)construções - Proposta para um passeio etnográfico

Ver a cidade constitui-se ainda uma experiência corporal. Trata-se do corpo apropriando-se do espaço da cidade e percebendo tanto o odor de um rio fétido, quanto a brisa suave no final da tarde. O corpo também está atento à violência, aos sinais de trânsito, ao asfalto quente, ao verde. Ele é tanto entidade formuladora de imagens quanto elemento constitutivo da imagem, pois é parte integrante da paisagem urbana. O corpo também é objeto de discurso. Papel ambíguo esse do corpo.| Objeto e sujeito de discursos. (ARRAIS, 2001, p. 179) Após os estudos e exercícios das unidades anteriores essa caminhada imaginária pela cidade, tomando para si tudo aquilo que este passeio pode ter suscitado, sugerimos que você “bote o pé na rua” e caminhe de fato pela sua cidade exercitando o que o conselho da professora Flávia Bastos:

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Tornar o familiar estranho!!! Frequentemente, a arte que existe em nossa vida cotidiana é invisível. No entanto, quando a arte local é interpretada a partir do seu contexto, essa interpretação aciona não só uma maior compreensão da arte em si, mas também uma análise crítica do sistema de produção e dos valores nela refletidos (...). O perturbamento do familiar descreve esse processo de tornar visível a arte e a cultura locais(...). (BASTOS, 2006) Em outras palavras: A noção de perturbamento no familiar a) descreve metaforicamente o processo pelo qual membros da comunidade adquirem um maior discernimento sobre a própria cultura. b) ddescreve interpretações feitas não por forasteiros, mas por pessoas da comunidade, e consiste um passo essencial para compreender a identidade cultural que possuímos. c) esse processo convida a um envolvimento histórico e político e uma reflexão sobre as possibilidades de mudança. d) essa noção também possibilita identificar formas de autoria em diferentes grupos culturais e os sistemas de valores que as sustentam (Hamblen, 1990). e) busca enriquecer o discurso atual em arte/educação pela articulação das questões de gênero, classe social e etnia que afetam as comunidades (BASTOS, p.234 e 235);

1.2.1 Orientações e ferramentas para levar nesse passeio Para esse passeio, será necessário uma câmera fotográfica ou filmadora, bloquinhos de anotações, e cuidados com a hidratação da pele, água, etc. Não se esqueça de levar ferramentas muito importantes: a curiosidade e esse olhar indagador, disposto a descobrir coisas mesmo nos lugares que você julga que já conhece! Você pode pensar que “ver de novo” seja igual a “rever”. No entanto, rever não é ver a mesma coisa duas vezes, é lançar um novo olhar sobre uma mesmo coisa ou situação. O olhar que não se renova envelhece. A cidade, ao longo da história, tornou-se um lugar privilegiado para a proliferação de discursos e construção de imagens, devido a enorme concentração de pessoas e objetos, que se tornam a todo momento, símbolos espaciais. O contato cotidiano também favorece a construção de imagens. É através do contato com os outros e com o mundo, através dos discursos, das representações, desejos e receios, que a imagem é construída. (ARRAIS, 2001, p. 178) Exercitemos, então, um novo olhar para essa cidade, um olhar poderoso, desconstruidor de discursos caracterizadores e imagens construídas, em busca de visualidades, territorialidades, espacialidades, em uma perspectiva multicultural crítica. Toda cidade forma, todas elas educam, pois todas são resultados de um processo cultural, histórico e social. As pessoas não se juntam, organizam-se

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num determinado lugar despretensiosamente! Nesse sentido, toda cidade pode ser educadora, pois ela fala de cada um de nós e do outro com o qual ajudamos a formar! Assim, propomos esse olhar sobre a cidade: buscando descobrir em cada um a cidade que habita, que foi se construindo ao longo dos tempos e que, podem representar a possibilidade de ir consolidando um olhar mais apurado - olhar crítico e mais sensível para o contexto e o meio ambiente. Aqui temos a transição de um olhar indiferente rumo a um olhar reflexivo, olhar que pergunta, olhar que indaga. Veja o que nos diz Carlos Brandão (2002), sobre sua imersão em campos de pesquisa: Quando eu chego na comunidade, num primeiro momento, como disse a vocês, não vou diretamente às pessoas com quem quero trabalhar. [...] Eu procuro ir contactando pessoas a esmo. O dono de um bar, a pessoa que está me acolhendo na sua casa, pessoas que eu encontro na rua, e assim por diante. [...] então, isso é uma porta de entrada, entrar por aí. (p. 24) Faça anotações, desenhos, esquemas, fotografe, registre as conversas estabelecidas, as entrevistas, as observações. Enfim, todos os acontecimentos provenientes do exercício etnográfico feito desse outro lugar da cidade, pois o que queremos é acentuar as instâncias educadoras da vida na cidade, seus moradores, seus saberes, seus ofícios... E não importa se eles estão organizados ou não, pois todos fazem parte da sua cidade. Aqui pensamos a cidade enquanto uma confluência de práticas culturais, formando essa grande paisagem.

PARA REFLETIR A CIDADE POSSÍVEL

Assistam ao “Vídeo de ciudades educadores”, no site da Associación Internacional de Ciudades Educadores e reflitam sobre os sentidos e posturas que um olhar atento aos aspectos da cidade pode suscitar. Segue o link:¬ http://w10.bcn.es/APPS/eduportal/pubPortadaAc.d

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PROBLEMATIZANDO Com base no “passeio etnográfico” escolha uma “porta de entrada” para realizar a proposta de intervenção pedagógica. Por “porta de entrada” queremos dizer ponto de partida, que pode ser um ambiente, um espaço na cidade, pessoas, organizações, etc. Todas serão entendidas como “ambiências pedagógicas” no tecido da cidade educativa.

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Unidade 2

A CIDADE COMO PALCO DE AÇÕES EDUCATIVAS

De acordo com Moacir Gadotti, várias cidades brasileiras são membros da Associação Internacional de Cidades Educadoras: Belo Horizonte (MG), Caxias do Sul (RS), Cuiabá (MT), Pilar (PB), Porto Alegre (RS), Piracicaba (SP), Alvorada (RS) e Campo Novo do Parecis (MT). Você tem algum conhecimento sobre esse movimento e sobre essa associação internacional de cidades? Pesquise sobre esse assunto: do que se trata, concretamente? Quais são os paradigmas conceituais envolvidos? Como é a participação do Brasil, nessa associação? Como compreender as dimensões e a rede de implicações de tal movimento? Achamos importante ressaltar o quanto a “Carta das Cidades Educadoras” fala de uma cidade possível. Apesar de todos os obstáculos do mundo contemporâneo, esta cidade é viável na medida em que nos esforçarmos para sua existência. Como educadores, somos responsáveis pela compreensão que se faz desta cidade e do mesmo modo, da escola. E se não trabalharmos no sentido de atribuir-lhe as qualidades que desejamos, tal cidade e escola serão sempre injustas e terão muito pouco de educadoras. O principal objetivo de uma cidade educadora é promover a cidadania. Esta, no entender de Moacyr Gadotti [...] é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da democracia: direitos civis, como segurança e locomoção; direitos sociais, como trabalho, salário justo, saúde, educação, habitação, etc. direitos políticos, como liberdade de expressão, de voto, de participação em partidos políticos e sindicatos, etc. (GADOTTI, 2005, p 1) Para Gadotti, não existe cidadania sem democracia. E a própria cidadania pode ser entendida em seus vários âmbitos: social, econômico, político, cultural, etc. Assim, almejamos uma cidade que eduque e que exista “além de suas funções tradicionais” (GADOTTI, 2005, p 1). A escola possui um papel fundamental nesta cidade educadora, pois um vínculo estreito deve haver entre a escola e os processos educativos promovidos na cidade. A escola deve buscar eliminar a distância entre os seus processos pedagógicos e aqueles que a cidade possui, e vemos que isso é possível nessa nossa vivência do estágio, na concepção com a qual trabalhamos e acreditamos. Uma escola que se estende à vida e a vida que se interpenetra na escola. O desafio agora, nesta empreitada do estágio é olhar, aproximar, conversar, sistematizar as informações advindas de outros diferentes segmentos que fazem parte da cultura da cidade. Você deve ter percebido que esta-

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mos considerando a cidade e suas possibilidades educativas num sentido amplo, pois todos têm sua importância e significação: os moradores, trabalhadores, suas profissões enquanto parte integrante e importante nesta construção cultural da cidade. Aliada à concepção de cidadania está a intenção de que a cidade possua uma personalidade própria, que esteja integrada no país, mas que tenha bem claro e definido o seu próprio perfil como comunidade e espaço de vivências. Esta identidade deve ser reconhecida por muitas outras cidades como uma individualidade ímpar. Assim como uma pessoa que se faz reconhecida por seu grupo, tal cidade tem um jeito e modo de ser que lhe são próprios. Uma cidade educadora não poderia deixar de priorizar a cultura e formação de sua população. Aqui estamos falando de cultura como anteriormente trabalhada tanto no Estágio Supervisionado 1 como no Estágio Supervisionado 2. Ou seja, cultura enquanto um processo dinâmico que se faz no convívio estreito do humano com o espaço e aí inclui, indistintamente, todas as práticas do fazer e do saber humano. Enganam-se aqueles que supõem que a cultura deve estar sempre em segundo plano e que ela é algo que se aprende nos bancos da escola, pois cultura é aquilo que trazemos nas nossas marcas, nas nossas ancestralidades e contemporaneidades. Ela é aquilo que nos faz humanos, sociais, históricos, é o que nos faz ser deste lugar e não daquele. De acordo com a própria Carta das Cidades Educadoras, a cultura e a educação devem ter prioridades no recebimento de investimentos, pois somente a partir deste investimento é que os cidadãos poderão desenvolver seus potenciais. Acreditamos que enquanto estudantes / educadores precisamos nos ater nestes investimentos. Talvez a nossa prática em investir seja potencializar os saberes e os fazeres próprios do lugar, estabelecer conexões, trocas simbólicas e materiais, por que não? Trocas dialogadas entre os saberes da instituição formal e de todos os espaços que a cidade possui e que são territorialidades potencialmente próprias para exercermos essa vivência da cidade enquanto um espaço que educa. Todos os cidadãos devem ter, portanto, a formação, promoção e desenvolvimento de suas capacidades e potencial humano. Tal potencial é constituído de individualidade, construtividade, criatividade e um sentido de comunidade e responsabilidade, que culminam com a capacidade de diálogo, confrontação e de solidariedade. Conforme Gadotti, a escola, neste contexto, deve “contribuir para criar as condições que viabilizem a cidadania, através da socialização da informação, da discussão, da transparência, gerando uma nova mentalidade, uma nova cultura, em relação ao caráter público do espaço da cidade (GADOTTI, 2005, p 4). Vale ressaltar que a cidade educadora dispõe não somente da educação formal, mas também e, principalmente, da não-formal, e que todas estas práticas possuem objetivos pedagógicos claros, que ultrapassam a forma aleatória com que possam surgir no âmago das comunidades. Para a relação educação e cidade, Cavalcanti (2001) dialoga com outros estudiosos e considera três dimensões:

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A primeira dimensão consiste em considerar a cidade como conteúdo de educação, com suas instituições, recursos, relações, experiências. Essa dimensão se identifica com a fase ‘aprender na cidade’. A segunda dimensão é a que considera o meio urbano um agente educador, um emissor de informação e de cultura, trata-se do ‘aprender da cidade’. A terceira dimensão é a que considera a cidade como conteúdo educativo e a expressão que a define é: ‘aprender a cidade’. [...] Enquanto essa terceira dimensão refere-se mais a uma educação formal sobre a cidade, as duas primeiras estão mais ligadas a processos de educação informal e não formal. (p. 21-22) A escola deve, neste sentido criar um elo estreito com as manifestações informais, e vemos que é ai que reside o nosso trabalho: Religar ou mesmo ligar dimensões tão desejadas. Naturalmente tão praticadas, as relações entre vida e espaço escolar, saberes e fazeres cotidianos acabam por serem, cada vez mais, distanciados ou dicotomizados pelas formalizações e pela institucionalização das aprendizagens. Precisamos urgentemente alterar essa relação, legitimar aquilo que a própria comunidade aprendente já instituiu e que nós demoramos tanto por acatar. A cidade educadora deve estar aberta à cooperação e promover projetos de estudo e de investimento em esferas locais, regionais e, inclusive, internacionais. Na cidade educadora tudo concorre para o direito à cidadania. Nesta cidade, como afirma a Carta das Cidades Educadoras “as crianças e jovens deixaram de ser protagonistas passivos da vida social e, por conseguinte, da cidade”. Há neste espaço urbano meios e oportunidades de formação, desenvolvimento pessoal e entretenimento. Neste espaço também é estimulada a diversidade, a compreensão, cooperação e paz mundial. Não há espaço na cidade educadora para a exclusão racial, sexual, cultural, ou atitudes discriminatórias de idade, deficiência, condição econômica, etc. Nesta cidade, ao contrário, busca-se eliminar os obstáculos, incluindo as barreiras físicas e também as barreiras imaginárias e das diversas representações que temos e fazemos da cidade, que muitas vezes nos afasta de determinados segmentos. Neste sentido, o papel da administração municipal é de vital importância, pois não somente administra o bem comum, mas também trabalha em função das necessidades de seus habitantes. E somos nós educadores/estagiários que precisamos contribuir para acionar, mobilizar essas instâncias na consolidação desta cidade educadora. Somente assim, poderá a cidade educadora conhecer os mecanismos de exclusão e marginalização e trabalhar para sua eliminação. Suas intervenções poderão, deste modo, ser destinadas a corrigir desigualdades, possibilitar o acesso à informação, valorizar os costumes e cuidar do planejamento urbano e do meio ambiente. Neste sentido, tanto os propósitos colocados pela Carta das Cidades Educadoras, assim como as reflexões de Gadotti reverberam aquilo que Jurjo Santomé (2001) nos aponta: Os currículos e conteúdos que são desenvolvidos na maioria das instituições escolares enfatizam as culturas que podemos chamar de hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder costumam ser

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silenciadas. Sem dúvida, a reflexão sobre o verdadeiro significado das diferentes culturas das raças ou etnias é uma das importantes lacunas que ainda existem. É precisamente em momentos como os atuais, em que surgem problemas devido a que raças e etnias diferentes tratam de compartilhar ou utilizar um mesmo território, que esse vazio mais se deixa sentir (Santomé, 2001, p 161). Estas falas nos mostram o importante e decisivo papel que tem a educação nesse processo de transformar estes olhares e estas práticas excludentes. Aqui evidenciamos a instituição escolar enquanto lugar privilegiado para o trabalho com a diversidade cultural. Segundo Ana Mae Barbosa, a multiculturalidade é o denominador comum dos movimentos atuais em direção à democratização da educação em todo mundo. A autora nos chama a atenção para o quanto essa diversidade se faz presente nos espaços da cidade e também nos espaços educacionais: Os grupos culturais que se imbricam podem ser identificados pela raça, gênero, orientação sexual, idade, locação geográfica, renda, idade, classe social, ocupação, educação, religião ( Ana Mae Barbosa). Arthur Efland (2005) nos adverte que há outras culturas para além do horizonte e, assim, necessitamos de uma arte educação internacional, na qual diferenças culturais não sejam simplesmente reconhecidas, mas que sejam vistas como recursos para capacitar o indivíduo a completar o seu potencial (...) a percepção humana de si permanece incompleta se não puder descobrir como cada um de nós é o outro do “outro” (EFLAND,2005,184). Moacir Gadotti chama a atenção para o potencial político de uma escola assim, que projeta a capacidade coletiva autônoma para as transformações: O grande desafio da escola numa cidade educativa é traduzir esses princípios em experiências práticas inovadoras, em projetos para a capacitação cidadã da população, para que ela possa tomar em suas mãos os destinos da sua cidade (GADOTTI, 2005, p 3). É uma escola presente na cidade e que cria novos conhecimentos sem abrir mão do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, uma escola científica e transformadora (GADOTTI, 2005, p 3). Estas reflexões muito nos interessam, pois estamos considerando “o campo de estágio”, enquanto espaço para o encontro dos diferentes, seja lá onde estivermos, nas instituições formais ou não-formais, mapeando os espaços, ofícios e profissionais da cidade. Este mapear lança o olhar sobre aquelas profissões e ofícios que são legitimados, que fazem parte do nosso dia-a-dia, e também sobre aqueles espaços e ações nas cidades que muitas vezes não são falados, não são mostrados. Assim, depois de termos ido ao campo ‘empírico’ (o passeio etnográfico pela cidade), quando evidentemente estivemos fazendo reflexões o tempo todo, agora, nessa unidade, a proposta é que voltemo-nos para uma busca de explicações de nossas sensações com a cidade.

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PROBLEMATIZANDO Que reflexões você propõe a partir da sua experiência de trilhar entre as culturas da cidade¿ O termo “Cidade Educadora” ganhou outros sentidos, ou reafirmou-se nas questões propostas¿

2.1 A Cultura da Cidade como Espaço de Imersão: Exemplos e Proposições Para essa disciplina – Estágio Supervisionado 3 – seguiremos uma estrutura similar ao Estágio 2: observação - plano de ação - negociações para o plano de intervenção – intervenção e avaliação. Mas agora, sairemos dos muros da escola em direção as ruas, espaços, acontecimentos, culturas, buscando compreender a cidade como espaço

PARA REFLETIR Ao longo deste curso, nas diversas disciplinas, você foi instigado a realizar imersões e mapeamentos na sua cidade e seus atores. Vamos relembrar quais foram estes momentos e o que eles trouxeram para a sua aprendizagem?

Ao longo do curso em muitas disciplinas temos afirmado sempre a importância que a arte e a cultura têm para cada um de nós. Então, como fazer com que estes nossos conhecimentos construídos possam se traduzir em novos olhares para nós, que nos levem em direção também da construção de outros conhecimentos, envolvendo os mais diferentes públicos e ofícios? Estamos numa esfera de conhecimento que é a do âmbito das múltiplas visualidades. Visualidades que compõem a vida contemporânea, quando todas as cidades, das maiores as menores, são afetadas por suas questões. Portanto como olhar, perceber? Dialogar? Conversar? Trocar? Você pode estar se perguntando: O que ou como todo esse olhar e sentir com a cidade tem a ver com o estágio em artes visuais?

Vamos refletir sobre algumas experiências desenvolvidas em espaços que não sejam a escola. Selecionamos uma experiência em museu, uma numa exposição de artes visuais, a terceira dentro de uma fábrica e a quarta dentro da universidade mas que buscou a interconexão entre escola (espaço formal), museu (espaço não formal) e a comunidade escolar (informal). Vejamos de que forma esses exemplos para nos fornecem pistas para o desafio que estamos propondo para esse estágio:

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2.1.1 Exemplo 1: Exposição Lavras e Louvores, no Museu Antropológico da UFG Nesse primeiro exemplo nossa referência é a exposição de longa duração, no Museu Antropológico da UFG em Goiânia - exposição intitulada Lavras e Louvores, sob curadoria das antropólogas Nei Clara de Lima e Selma Sena. As curadoras “ressaltam que escolheram pensar a exposição por meio do trabalho e da festa, da lavra e do louvor por serem duas formas importantes das nossas representações identitárias.” (LIMA E SENA, 2009) É possível ver algumas imagens no site do museu, http://www.museu. ufg.br . Este é um bom exemplo de como estão ali presentes muitos dos artefatos que convivemos cotidianamente em nossa cidade. A exposição trata exatamente de discutir o quanto o lugar, as maneiras de cultuar, de festejar vão determinando a cultura de um povo ou de uma região. No texto que está disponível no próprio site do museu, podemos perceber esses modos da constituição da cultura, da identidade da nossa região. (...) Inaugurada em dezembro de 2006, Lavras e Louvores foi pensada para estimular a discussão sobre a região Centro-Oeste, da perspectiva da construção simbólica das identidades regionais: o conjunto de imagens, sentimentos, símbolos e objetos significativos da construção dessa identidade. Dessa forma, os objetos são compreendidos como portadores de sentidos, como signos desencadeadores de sentimentos, idéias, conhecimentos, memórias que dizem sobre nossas identidades. A Exposição inaugura um outro modo de dizer a Região; os instrumentos de trabalho, os objetos rituais religiosos e as imagens telúricas e de pessoas foram escolhidos para dizer que toda região é uma construção cultural ou simbólica à espera de interpretação e não uma realidade externa independente de nós. Construindo a narrativa de Lavras e Louvores, o novo design das salas de exposição, o mobiliário, os suportes, as cores, as texturas e a iluminação se articulam com as imagens, os textos, as instalações, as ilustrações e uma diversidade de peças, selecionadas das coleções que compõem os acervos etnográficos (indígena e popular) e arqueológico sob salvaguarda do Museu Antropológico (...). http://www.museu.ufg.br (...) Inaugurada em dezembro de 2006, Lavras e Louvores foi pensada para estimular a discussão sobre a região Centro-Oeste, da perspectiva da construção simbólica das identidades regionais: o conjunto de imagens, sentimentos, símbolos e objetos significativos da construção dessa identidade. Dessa forma, os objetos são compreendidos como portadores de sentidos, como signos desencadeadores de sentimentos, idéias, conhecimentos, memórias que dizem sobre nossas identidades. A Exposição inaugura um outro modo de dizer a Região; os instrumentos de trabalho, os objetos rituais religiosos e as imagens telúricas e de pessoas foram escolhidos para dizer que toda região é uma construção cultural ou simbólica à espera de interpretação e não uma realidade externa independente de nós. Construindo a narrativa de Lavras e Louvores, o novo design das salas de exposição, o mobiliário, os suportes, as cores, as texturas e a iluminação se articulam com as imagens, os textos, as instalações, as ilustrações e uma diversidade de peças, selecionadas das coleções que compõem os acervos etnográficos (indígena e popular) e arqueológico sob salvaguarda do Museu Antropológico (...). http://www.museu.ufg.br

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Nesta mesma perspectiva trazida pelas antropólogas que conceberam a exposição Lavras e Louvores, a de que “toda região é uma construção cultural ou simbólica à espera de interpretação e não uma realidade externa independente de nós”, trazemos outro exemplo para que possamos pensar a cidade, a região enquanto prática cultural e que podemos concebê-la numa dimensão educativa que está implícita nesses processos.

2.1.2 Exemplo 2: Projeto “Sabores e Línguas” de Antoni Miralda Durante a 27ª Bienal Internacional de São Paulo, tivemos a presença de um artista Catalão chamado Antoni Miralda. Trata-se de um artista contemporâneo que tem na “alimentação” um dos vieses da sua obra, cujo tema é recorrente. O projeto intitulado “Sabores e Línguas” consiste num resgate, numa “catação” muito pessoal que o artista faz, pelas cidades as quais visitas, de impressões sobre a cultura local. O artista faz uma palestra, expõe seu projeto e distribui, ao final, pratos em branco. Esses pratos deverão ser trabalhados pelos participantes e entregues para, em princípio, fazerem parte de exposições posteriores. Além da exposição dessa participação dos visitantes na própria bienal de São Paulo, tais peças foram expostas também em um museu na Espanha/Barcelona, chamado FoodCulturaMuseum. Muitos foram os exemplos de imagens, provenientes de diversas cidades que se fizeram presentes na mostra da Bienal, como Belém, Rio de janeiro, Brasília e Salvador, além de outras cidades da America Latina que fazem parte do projeto: Cidade do México, Caracas, Lima, Bogotá e Havana. Assim, cidades por onde ele andou estavam ali presentes, pratos que traziam esse imaginário de cada lugar, as impressões, as mais variadas formas pelas quais as pessoas concebiam e concebem seus lugares, suas culturas, suas tradições, suas culinárias. Ora, as imagens criadas se reportavam diretamente aos sabores do lugar, trazendo pratos típicos. Mas em outros momentos extrapolavam esse sentido somente da alimentação enquanto culinária e apareciam questões ligadas à religiosidade, aos problemas sociais, a sexualidade, a mídia, a fome, as dificuldades enfrentadas pelo cidadão comum, que produziu aquela determinada imagem (Ver Figura 2).

Figura 2 – Recortes da instalação “Sabores e Línguas”

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O projeto é uma possibilidade de vermos a maneira como determinada prática artística, concebida enquanto prática cultural, mostra esse imaginário destes diferentes lugares e vai nos revelando um intrigante e interessante panorama/painel sobre as questões relacionadas as identidades culturais, políticas, sociais, econômicas, religiosas. Questões cotidianas dessas cidades visitadas vão aparecendo enquanto testemunho cultural daquele que vive naquele lugar; daquele que pensa sobre seu lugar e sua condição no mundo e a representa sob forma de uma prática que também é cultural. Esse trabalho do Antoni Miralda nos aponta para uma questão importante na produção contemporânea de arte - do quanto ela vai incorporando esse espectador na construção da obra; no lugar de um espectador passivo, existe um convite para que esse espectador passe a condição de criador, de propositor, de participador. Em casos assim se o ‘espectador’ não se disponibiliza a participar, a obra não será realizada, pois ela não é completada, concluída. O projeto vai dando visibilidade a esse anônimo e vai também alterando esses lugares, essas temáticas, essas possibilidades da vida: o cotidiano ocupar lugar nas manifestações e práticas culturais e artísticas. De certa maneira e de outros modos, também vai legitimando esses fazeres, saberes, esses sabores, odores, gostos de cada lugar.

2.1.3 Exemplo 3: “Universos da Arte” de Fayga Ostrower Podemos também pensar no curso de História da Arte desenvolvido por Fayga Ostrower, com um grupo de funcionários da Encadernadora Primor S/A, fábrica situada na cidade do Rio de Janeiro. O desenvolvimento deste curso está registrado na publicação “Universos da Arte” e nos trás reflexões a partir de uma experiência que a artista teve com este grupo que, sem formação em arte, vão pouco a pouco se encantando com esta potencialidade humana e se inteirando do universo da História da Arte, no universo dos artistas, das suas sensibilidades, potencialidades. No texto inicial a autora descreve sua relutância em aceitar o convite para ministrar o curso. Ela fala sobre o medo, a insegurança e relata de forma sensível como as negociações e desenvolvimento do processo foram sendo construídas. As atividades, que se desenvolveram no período de sete meses, nos intervalos destinados ao horário de almoço dos funcionários, abordaram conteúdos relacionados aos princípios básicos da linguagem visual e análise crítica. Interligando explicações teóricas e exercícios práticos que mediaram a construção de saberes a partir da análise de imagens artísticas e estudo de informações dos artistas dos períodos estudados, o curso foi desenvolvido. As aulas deveriam ser realizadas no recinto da própria fábrica e em horário normal de trabalho. Não fazia sentido querer que as pessoas dedicassem seu tempo livre a algo quenão conheciam e que talvez nem julgassem pertinente. . ............................................................... Não se faria nenhuma seleção dos participantes à base de testes. De modo algum eu queria que o curso tivesse conotação de exames, ou pudesse reproduzir o contexto professor-aluno. De início, achei importante eliminar situações de competitividade. Quaisquer critérios de seleção, aplicados

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pela direção da empresa, deveriam ter em vista unicamente as pessoas e sua disponibilidade de tempo para poder acompanhar o curso durante um determinado período. Caso o curso se concretizasse, a continuidade seria fator relevante no êxito que fosse possível alcançar. O número de participantes foi estabelecido em torno de 25 pessoas, de várias faixas etárias. Não haveria chefes ou pessoas de “autoridade” presentes nas aulas. A fábrica arranjaria um quadro-negro e giz. O resto do material eu mesma levaria, seriam reproduções e livros. Não quis, neste curso, utilizar a projeção de slides como material didático, justamente para evitar a situação de conferencista falando no escuro para uma audiência passiva. Nós tínhamos que poder olhar um para o outro. (OSTROWER, 2004, p. 05) A metodologia partiu de problematizações que envolveram compreensões que deslocaram ações variantes entre o simples e o complexo. Neste contexto, os funcionários foram se inteirando também do direito que cada um tem de conhecer uma história da qual ele também faz parte. Essa é a Historia da Cultura Humana, história que, muitas vezes, não é vivenciada na instância educacional formal. Não há, neste caso, uma aproximação entre essa história legitimada e a história de cada um, mas sim do sujeito e de suas percepções mediadas pelo estudo do universo artístico.

2.1.4

Exemplo 4: Escola, Museu, Comunidade

O terceiro exemplo foi gestado na disciplina Estágio Supervisionado (IV e V) no curso de Artes Visuais – Licenciatura da Faculdade de Artes Visuais da UFG. O grupo de estagiárias formado por Daniela Garcia de Oliveira Flores, Juliana Salvador Coelho, Maria Lina de Oliveira Fernandes e Sonia Martins Lemes Moura resolveram fazer uma triangulação entre os espaços do Museu Antropológico, a escola San Damiano e a comunidade familiar dos alunos daquela escola. Estas alunas universitárias levantaram as seguintes questões: • Porque a comunidade em geral, não tem o hábito de freqüentar museus e exposições artísticas? • Como os museus, dentro de suas especificidades, nas suas funções sociais, educativas e culturais, podem democratizar efetivamente os seus espaços? • Porque em Goiânia, o arte-educador não intensifica a sua atuação, a sua presença em espaços culturais, como museus e galerias de arte? • Porque as escolas de nossa cidade, quase nunca investem na promoção de visitas a espaços culturais? • Como podemos contribuir, já neste estágio, nos aspectos de leitura e interpretação de imagens, com alunos que estão sendo educados nas escolas públicas de Goiânia? O projeto buscou desenvolver estratégias para a elaboração de ações educativas em artes visuais a serem trabalhadas no Museu Antropológico. A motivação desse grupo partiu dos seguintes pontos: Interesse pela função social dos museus; Ausência do arte educador nos museus; Ausência de uma disciplina específica sobre museus no currículo do curso de Licenciatu-

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ra em Artes Visuais da FAV; Interesse por questões ambientais, patrimoniais, culturais e históricas; Pela importância do Museu Antropológico como fonte de documentação e pesquisa científica. Movidas por essas questões as estagiárias projetaram para sua ação pedagógica o seguinte desafio: Como questões pertinentes ao Museu Antropológico podem ser exploradas no ensino de Artes Visuais num espaço de educação formal (escola)? Tendo já firmado a pareceria com o Museu Antropológico (as estagiárias acompanharam o processo de elaboração e montagem da exposição Lavras e Louvores) as estagiárias firmaram uma parceria com o Instituto San Damiano, entendendo escola como laboratório de conscientização para as questões de identidade, patrimônio cultural, memória, bem como a noção de museu. Na escola, depois de várias negociações de horários, turmas, espaços e colaborações, conseguiram desenvolver as seguintes etapas do projeto intulado CAIXA DE MEMÓRIA: Fase 1-pediram aos alunos que representassem por desenhos e escrevessem sobre os objetos de sua “caixinha de memória”. A intenção era fazer com que os alunos da escola San Damiano passassem pelas etapas possíveis que precedem uma exposição: escolha, preparação do objeto e local a ser exposto. Assim como os objetos institucionalizados nos museus, testemunham as narrativas, num sentido social e público, os objetos dos nossos alunos, também revelam suas narrativas sociais no âmbito pessoal e individual. Depois dos desenhos prontos, fizeram uma “catalogação” dos desenhos apresentados: Categorias

8ª A

8ª B

8ªC

Total de alunos

Achados Arqueológicos

Pedras, moedas antigas

Moedas antigas

Moedas antigas, pedras

12

Brinquedos (memórias de infância)

Bonecas, carrinhos, bola de gude

Piões, bolas, pipas

Trenzinho, moto

21

Caixas vazias

01

02

03

06

Cartas (memória /afeto)

04 recebidas de amigos

03 cartas para pai e mãe

07

Cartas de baralho

01

03

04

Coleções

Chaveiro, moedas, gibis

Cartão telefônico

Brinco, ingressos de cinema

11

Fotografias

Família, infância

Namorado, família

Família, ídolos

12

Grafite( grafismos)

Desenhos

spray

Letras, nomes

06

Memória de corpo

Dente, cabelo do namorado

Digital

Cabelo

04

Objeto afetivo

Chave, camisa de time, crucifixo

Faixa de miss,vestido de batizado

Ursinho, almofada, bichinho de pelúcia

10

Objeto de recordação

Colar, papel de bala, anel

Medalhão, papel de ovo de páscoa

Ovos enfeitados, discos,tênis

09

Obra de arte

Paisagem, planta

Pintura, escultura

Desenho de uma galeria de arte

07

caneta, pedras

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Fase 2: Partindo destas reflexões, foi proposto para o próximo encontro – segunda aula – a construção da “caixinha de memória” ou “museu pessoal”. As O museu pessoal ou caixa de memórias, parte do princípio de que cada um de nós tem o seu, pois, colecionamos, guardamos coisas, tentamos preservar tanto objetos em sua forma física quanto as lembranças e histórias que carregam em si. Neste sentido, foi solicitado aos alunos que montassem individualmente o seu museu, dentro de uma caixinha. A delimitação da caixa foi proposital para que eles passassem por um processo de seleção, colocando dentro dela o que lhes fosse mais significativo. Solicitamos caixas de sapato e diversos materiais que pudessem ser utilizados na ornamentação de sua caixa (fitas, papéis, recortes de revistas e outros de seu interesse). Orientamo-los para que selecionassem objetos pessoais que tivessem para si uma história significativa, e tais objetos seriam colocados neste “museu”. Na sequência partiram então para a construção dessa “caixa de memória”. Cada aluno de acordo com seu projeto inicial, construiu numa caixa de sapato (ou similar) seu pequeno “museu”. Cada etapa ia sendo discutida. Depois da caixa pronta os alunos construíam as justificativas das suas escolhas. Vejamos um exemplo: Uma das estudantes intitulou o seu texto “A chave antiga”, e afirmou: “Essa chave tem uma grande história, era ela que abria e fechava uma porta de uma casa velha. Essa casa era aonde os meus avós moravam, aquela época era boa. Depois que os meus avós partiram, derrubaram a casinha velha, e só sobrou essa chave, mesmo assim se não tivesse pego ela não estaria comigo”.

Figura 3 - Nelson Leiner. Você Faz Parte II, 1964.

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Figura 4 – Configuração imagética do texto: “A chave antiga”


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A partir de cada objeto foi proposto uma correlação com os procedimentos da construção artística na contemporaneidade, por meio de exemplos Aqui, o trabalho da estudante que propôs o texto “A chave antiga” dialoga com o objeto do artista Nelson Leirner. Os alunos ficaram surpreendidos ao ver que as coisas do dia a dia, de uso individual, coisas comuns, banais, que se codificam ou re-significam, que se assemelham ou se diferenciam, são recursos do contexto contemporâneo: “arte não é bicho de sete cabeças, ela faz parte de nossas vidas” ( afirmação da aluna Ana Márcia, turma 8ª A). Na segunda etapa, observaram se o trabalho feito anteriormente na escola, de fato preparou os alunos para um olhar mais consistente na visitação da exposição de longa duração “Lavras e Louvores” inaugurada em setembro de 2006. Os resultados da visita foram refletidos como informações importantes para a relação ensino de arte, museu e escola.

PROBLEMATIZANDO Reflita sobre os exemplos citados e elabore um comentário crítico apresentando suas percepções sobre os espaços de imersão da arte e da educação na cultura de cada um desses espaços de vivência.

Os quatro exemplos que trouxemos aqui mostram possibilidades do exercício docente crítico e problematizador de artes visuais em outras instâncias que não a escola. A maneira como a Instituição Museológica, neste caso o Museu Antropológico de Goiânia contribui para eliminar distâncias e lacunas entre o ensino e a arte. Aqui a Instituição lança mão de objetos contextualizados e faz uma leitura e uma organização por meio da exposição, no sentido de explorar a força, a memória, os saberes que emanam destes objetos. Faz com que nos reconheçamos e nos identifiquemos com aquilo que nos faz ser de um lugar e não de outro. Tanto o artista Antoni Miralda quanto a educadora/artista Fayga Ostrower trabalham as questões que envolvem arte, cultura e visualidades dos lugares e nos lugares. Miralda lança mão dos saberes e dos fazeres das “pessoas comuns” de diferentes lugares, regiões, países — pessoas que não necessariamente são artistas — para impregnar naqueles pratos as suas impressões, seus gostos, seus saberes há muito instalados, as maneiras singulares ou as janelas pelas quais cada um vê o mundo. Essas palavras a respeito dessas produções fazem-nos pensar – sob a mesma perspectiva - a cidade, a cultura do lugar, seus habitantes, seus ofícios e seus profissionais/mestres enquanto um conjunto que constrói um espaço, espaço que se constitui na confluência de pessoas, do trabalho, de seus modos de ser e de operar naquele lugar. Nessa dinâmica, convém retomarmos a metáfora da mola e os diferentes desenhos por ela formados na medida em que as curvas são colocadas em deslocamento (Ver Figura 1). Observe que as dinâmicas continuam a serem alteradas na medida em que o foco de imersão ora se afunila, ora se amplia, nos momentos de escolha.

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Vemos, assim, a cidade enquanto um espaço potencialmente possível de ser um lugar que educa, pois este lugar está carregado de símbolos, saberes e fazeres impregnados nas suas construções, na sua arquitetura, nos jeitos singulares do seu povo, mas suas tradições e costumes. Este é um lugar para se estabelecer diálogos, trocas, sejam elas simbólicas, afetivas, cognitivas; é lugar de reencontro junto ao outro e no outro, de modo que espaços internos e externos se abram para que o outro também se encontre em nós. Este processo de encontro com a cidade e o outro é o centro dos caminhos da nossa formação nesse estágio.

Figura 5– Dinâmicas provocadas pelos deslocamentos

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Unidade 3

DIMENSÕES EDUCATIVAS: CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA

Nesse momento da disciplina, convidamos vocês a desenvolverem um projeto a partir da idéia de cidade educativa para explorar possibilidades de um exercício pedagógico em artes visuais. Veja a quantidade de diferentes portas de entrada possíveis, para as dimensões educativas de sua cidade:

Figura 6 – metáforas para “portas de entradas” na cidade educativa

A sua porta de entrada pode ser uma pessoa em determinado contexto, que exerça desterminada profissão ou ofício ou ainda que tenha determinadas histórias que você considere importantes para nossa campo de artes visuais. Pode escolher um espaço não formal (galeria, museu, associações, ONGs, um circo, etc) ou espaços informais da cidade: praças, ruas, ou outros locais que você resolva potencializar pedagogicamente para uma experiência pedagógica e cultural com artes visuais. O desafio é pensar a cidade, seus espaços e seus atores, suas narrativas, seus conflitos, problemas, memórias, como um espaço educativo. Veja alguns exemplos de elementos para uma cidade: os espaços para o lazer, o tecido comunicativo, os espaços com a natureza: parques, bosques, praças; transporte e trânsitos, instituições de saúde, o trabalho – ofícios, profissionais e empresas, os lugares para alimentação, as associações de bairros e associações em geral, galerias, teatros... A educação artística, estética e cultural pode ter efeitos também aleatórios: pela efemeridade, fragmentação e heterogeneidade da cidade.

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Para escolher esse espaço, não se esqueça dos nossos sentidos sobre cidade educativa e sobre o estágio, do quanto eles se interpenetram. Acreditamos nesse sentido da cidade que educa e acreditamos que a escola é somente mais um dos espaços para a educação e formação dos indivíduos. Os exemplos que apresentamos são apenas indicadores de como aproximar da cultura e dos elementos de cada cidade. Como já dissemos, cada cidade tem especificidades que configuram desenhos identitários desse lugar. Alguns são mais visíveis, outros ficam velados. Nessa proposta, cabe a você descobrir caminhos e possibilidades de como percorrê-los. A idéia é aproximar-nos destas organizações, pessoas e ofícios com a compreensão de que elas, assim quanto seus saberes, fazeres e viveres compõem a cultura da cidade; ver aqui a cidade enquanto uma prática cultural, um grande texto que está aí para ser lido, compreendido, aprendido e ver também que esta apreensão se dá na interação.

3.1 Metodologia para o desenvolvimento da proposta Tais interações podem ser mais bem desenvolvidas por nós com as noções de “Arqueologias dos vestígios”, de Luciana Loponte. Pensemos sobre nossas motivações pessoais em nossas escolhas. Podemos fazer ‘garimpagens’ nesse grande texto de culturas que é a cidade, relacionando-o para as afinidades próprias de cada um(a) de nós. Assim, vamos construindo nossos trajetos, nas trilhas que configuramos para o Estágio Supervisionado 3. Feita essa escolha, passemos então a fazer o exercício da etnografia: conhecer, conversar, observar, produzir registros: anotar por escrito, desenhar, fotografar, etc. Entrar nos mistérios desse lugar. O que nos guia nesse exercício e nesse olhar é: • O que posso aprender aqui? Nesse lugar? Com essa organização? Com essas pessoas? Que tipos de troca posso fazer? Que diálogos podem ser estabelecidos? • O que eu sei e que posso trazer para conversar? O que eu vivo até hoje me ajuda a compreender as atividades / territorialidades desse lugar / organização? • O que daquilo que eu já tenho construído (que já conheço) que pode ser somado ao que acabo de conhecer? Que tipos de conexões posso fazer? • Quais são as dimensões dos saberes e as condições de trabalho da organização que escolhi? No que se refere à autonomia e controle sobre o trabalho, que relações podem ser estabelecidas com um trabalho docente? • *Como esse diálogo me enriquece como arte / educador(a)? O conceito de cidade educativa e a proposta de atuação em espaços não formais ou informais de educação, com essa disciplina, nos remetem de forma ainda mais incisiva a tipos de ambiências pedagógicas e ‘aulas’ ainda mais diretamente relacionadas com nossa imersão em campos culturais. Campos culturais onde, muitas vezes, temos nos sentido como “estranhos no ninho” (ESTÁGIO 1, p. 112). E é, justamente, em tais campos que temos o desafio de desenvolver as possibilidades democráticas fomentadas por essa complexidade cultural, em nossas interações / intervenções pedagógicas.

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Como no Estágio Supervisionado 1, consideramos que cultura é a prática cotidiana vivida. A cultura envolve sujeitos e relações sociais que carregam tensões, conflitos, inovações e mudanças reais e constantes. Estamos sugerindo que as atuais formas de ambiência terão de ser ressignificadas para que o estágio curricular possa existir nesse “novo” contexto de complexidade que a educação em rede instaura. Assim, temos também um novo desafio, o de desenvolver nossas competências para: [...] entender a importância das atividades interpretativas, para os exercícios dialógicos, para a construção de autonomias e de parcerias etc. Tudo isso nos leva a um alargamento da concepção de escola e de educação e, consequentemente, de estágio (ESTÁGIO I, p. 112). Além disso, chamamos a atenção para o conceito de estágio com o qual trabalhamos: etnografia e aproximação com a pesquisa qualitativa, para a construção da identidade docente como investigador(a). Com tais noções sobre como deve ser nossa atuação nesse campo para o Estágio Supervisionado 3, como poderemos planejar nossas ações, desde as primeiras visitas até a última, quando buscaremos interações para as avaliações / considerações finais? Para organizar sua ação você deve primeiro pensá-la em forma de projeto. Por exemplo, como seria uma dinâmica - a união do grupo - dependendo dos espaços / territorialidade? Como instalar essa ‘sala de aula’ - prazer, autonomia, liberdade, criticidade e nossas conseqüentes aprendizagens? Devemos imaginar tais espaços e imaginar também como lidar, interagir com esses espaços e pessoas / culturas: desde um parque infantil a um Centro de Convivência de Idosos, os chamados CCIs, tão presentes na cidade de Goiânia, por exemplo... Ou um hospital, uma empresa de transporte... Uma granja ou um laticínio, ou mesmo pequenos clubes de recreação, como os pesque-e-pagues, com lugares tão importantes e visitados, para as culturas do lugar... Para a elaboração da proposta e construção de planos de intervenção pedagógica, retomemos, mais uma vez, as orientações contidas no material do Estágilo Supervisionado 1: • Ter flexibilidade na elaboração e no desenvolvimento da proposta. • Buscar parcerias; considerar o diálogo da proposta ao contexto do espaço; • Checar a existência (ou a não-existência), a disponibilidade e funcionamento de lugares, salas, pátios, que pudessem funcionar para as necessidades de sua proposta, checar equipamentos, móveis... • Providenciar antecipadamente ferramentas; desenvolver materiais e recursos, • Insistência na busca de colaboradores, etc. E, sobretudo, devemos entender a elaboração do plano de intervenção como um processo a ser criado e recriado em várias etapas, de acordo com as condições do contexto pesquisado e aberto à participação de atores do espaço, da comunidade. Assim, escreva seu plano inicial, baseando-o nas perguntas fundamentais e dialógicas para o seu Planejamento: “Por quê?”, “Para quê?”, “O quê?”, “Como?”, “Para quem?”, “Onde”, “Quando?”...

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SAIBA MAIS Para ajudá-los nessa tarefa trouxemos as orientações da professora Jurema Sampaio sobre a construção de um projeto pedagógico em artes visuais. O que é um Projeto Pedagógico em Artes Visuais? Jurema Sampaio De acordo com as diretrizes curriculares para os cursos de artes visuais, uma das competências que se espera do aluno licenciado nestes cursos é a de ser capaz de desenvolver Projetos Pedagógicos em Artes Visuais. Ou seja, o aluno deve estar apto a desenvolver propostas para projetos pedagógicos de cursos e conteúdos curriculares contemplando as especificidades da área de artes visuais (área em que ele é formado), nos moldes do que é apresentado como necessidades mínimas nas diretrizes para sua própria formação. Há diversas formas de se desenvolver Projetos Pedagógicos nas diversas áreas de conhecimento. As Diretrizes Curriculares de Artes Visuais, sistematizadas pela Comissão de Especialistas de Ensino de Artes Visuais da SESu/MEC são, em linhas gerais, as orientações para o desenvolvimento de projetos pedagógicos consistentes e coerentes com a própria formação do profissional de artes visuais, procurando atender uma visão de formação contemplando as especificidades da área. Assim, o planejamento de um curso ou unidade de conteúdo, em Artes Visuais, é um arranjo de ações/atitudes/proposições para atender a uma proposição mínima de formação que, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abranjam os elementos estruturais e possa ajudar a construir um percurso. I – Objetivos. Nas diretrizes curriculares de artes visuais é chamado de “Objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções: institucional, política, geográfica e social”. Em linhas gerais, uma proposta consistente de projeto pedagógico parte que uma questão clara: o que se pretende ter sido alcançado ao fim do curso (unidade)? Tendo claro de onde se partiu no início do processo, onde, ao fim do percurso, terá o aluno chegado, em termos de resultados? Já os objetivos específicos são mais detalhados, mais delimitados quanto que se pretende ou que se espera que tenha se modificado, no aluno, após ter percorrido este percurso proposto. Ou seja: O que será alterado, no aluno, após terminar este curso planejado? II – Justificativa. A justificativa é, necessariamente, uma contextualização dos motivos que “explicam” a necessidade de se desenvolver uma proposta de projeto pedagógico daquela forma que está sendo feita. Diferente dos objetivos, que são o “aonde” se quer chegar, na justificativa deve estar claro o “por que” é importante chegar neste “lugar”. O que explica que seja necessário desenvolver esta proposta? Nela se encaixam, também, o que, nas diretrizes, é chamado de “condições objetivas de oferta e a vocação do curso” e o contexto de apresentação da proposta do projeto que pode, também, ser um item em separado, ai chamado de “introdução” ou “contextualização”. Uma justificativa bem escrita já é, em si, a introdução de um trabalho de projeto pedagógico, porém a separação dos itens pode ser necessária para um maior entendimento de algumas propostas. Justificativas consistentes têm bases teóricas que dão suporte à argumen-

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ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3 tação utilizada para defesa de uma proposta de projeto pedagógico. Nada, numa proposta pedagógica séria, é “porque sim”. A presença, ou não, de uma visão, idéia, teoria, método etc. deve estar diretamente relacionada e embasada em argumentações consistentes, apoiadas por teoria adequada que valide a proposição. III – Cronograma. Nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Artes Visuais, vemos um item que se chama “Cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso”. Este item, que também poderia ser chamado de “cronograma”, mais do que um calendário, com datas inflexíveis, o cronograma detalha justamente essas informações. Carga horária das atividades, descrição do modo como serão desenvolvidas, seqüenciamento das etapas/conteúdos, se são, ou não, pré-requisitos para etapas seguintes e se é necessário haver, ou não, conhecimentos anteriores para seu desenvolvimento. Em muitas propostas há, por exemplo, a necessidade de haver conhecimentos específicos anteriores. Por exemplo, se é a elaboração de uma proposta a ser desenvolvida em ensino médio, é necessário haver, previamente presentes, os conhecimentos do ensino fundamental. Pode ser interessante proporcionar um nivelamento de conhecimentos mínimos essenciais para o desenvolvimento da proposta que está sendo elaborada. Enfim, cronograma é o detalhamento mesmo, da previsão do processo. Pode (E deve!) ser flexível e trabalhar com valores percentuais e não absolutos, porém deve ser claro o suficiente para servir base para o estabelecimento dos critérios de avaliação, a serem desenvolvidos como auxiliares do processo pedagógico. IV – Metodologia. Neste campo deve ser descrita, detalhada e embasadamente, a forma como se pretendem trabalhar os conteúdos, dentro deste projeto pedagógico, a fim de atender os objetivos, reflexos da justificativa. Ou seja, a metodologia é a forma escolhida para processarem-se as ações que vão levar ao atendimento do que se espera ser atingido ao fim do processo. A escolha do método de trabalho a ser utilizado é importante, nos projetos pedagógicos, no sentido de que é pela aplicação correta do método que se alcançam os objetivos. Há uma série de métodos possíveis, a serem usados como base de trabalho em propostas pedagógicas consistentes, é importante refletir, antecipadamente, sobre o(s) mais adequado(s) ao que está sendo proposto pelo projeto pedagógico que está sendo desenvolvido. Algumas metodologias privilegiam um determinado aspecto. Em outras, outro, ou outros aspecto(s) é o mais evidenciado. Por isso, antes de escolher uma metodologia, é necessário conhecer, e bem, as possibilidades, objetivos, bases teóricas e, principalmente, características de pontos, fortes e/ou fracos, das propostas existentes e conhecidas. A presença da interdisciplinaridade nas propostas pedagógicas atuais tem sido notada como uma constante. O mesmo se repete nas diretrizes curriculares de artes visuais. Uma proposta de projeto pedagógico pode não ser feita com esta visão, e mesmo pode não pretender contemplar a interdisciplinaridade, porém as propostas em consonância com as diretrizes curriculares que, como já dito, orientam os projetos pedagógicos dos cursos de formação em artes visuais, têm se mostrado mais coerentes e efetivas no atendimento das necessidades contemporâneas de processos educativos mais efetivamente consistentes. Trabalhar com interdisciplinaridade é bem mais amplo que “trabalhar com várias disciplinas” e entende que a mesma só se processa de houver, além do trabalho, uma real interação entre as áreas de conhecimento, no sentido de atendimento dos objetivos. Nas diretrizes Curriculares o item “Formas de realização da interdisciplinaridade” pede que sejam esclarecidas as proposi-

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ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3 ções para que a interdisciplinaridade possa efetivamente ser contemplada. V – Modos de integração entre teoria e prática. Os projetos pedagógicos bem desenvolvidos devem apresentar bem definidas as separações e especificidades dos aspectos teóricos e práticos de um curso ou unidade de conhecimento, que esteja sendo tratado na proposta, assim como as formas de proporcionar a integração de ambas as áreas garantindo o atendimento dos objetivos da proposta. Não é necessário haver, num projeto pedagógico, um item específico para este fim, se a proposta de trabalho contemplar uma temática em uma das áreas somente, mas é interessante, mesmo nestas ocasiões, ter ciência da necessária integração entre teoria e prática, mesmo que esta seja esperada como conseqüência do aprendizado. Por exemplo, um curso/proposta de aprendizagem de uma técnica em especial, como uma técnica de pintura, pode não proporcionar, naquele momento, a integração com a teoria da pintura, mas é certo que deve refletir, como proposta, uma base teórica que sustenta o aprendizado e prática daquela técnica. O mesmo em sentido contrário. Uma teoria aprendida deve, em essência, proporcionar reflexos na prática á partir deste aprendizado. VI – Avaliação. As “Formas de avaliação do ensino e da aprendizagem”, faladas nas diretrizes curriculares é o item que costumamos chamar, de forma mais simplificada, de avaliação. A avaliação, com seus critérios que devem ser bem claros, é o que permite, ao fim da aplicação do projeto pedagógico, dimensionar se os objetivos foram, ou não, atendidos ao longo da proposta. Apresentadas num projeto pedagógico, as formas de avaliação são variáveis e tantas quantas forem possíveis de acordo com os objetivos. No entanto avaliação não é, nem deve ser “prêmio” ou “punição”. Cumprir uma etapa de uma proposta só deve merecer atribuição de valores se isto o cumprimento da etapa for condição para atendimento dos objetivos traçados originalmente. Avaliar tem sido ao longo do tempo uma das principais dificuldades dos profissionais de educação. De arte/educação inclusive. Tanto que existem vários e vários volumes escritos sobre o tema. Independente do tipo que seja escolhido para avaliar uma proposta é importante ter em mente que a clareza de critérios de avaliação é fator preponderante de sucesso de uma proposta pedagógica. Qualquer uma. Para avaliar é preciso saber o que avaliar! VII – Bibliografia A bibliografia é uma listagem dos documentos utilizados como referência na construção da proposta de projeto pedagógico. É pela bibliografia selecionada que se constroem as bases de sustentação teórica com que a proposta dialoga para efetiva construção de conhecimento depois de realizado o percurso. Há normas para a citação bibliográfica para os diversos tipos de materiais que podem ser vir de base de uma proposta. Livros, revistas, sites, discos e demais suportes e dispositivos multimídia, enfim, qualquer material utilizado como referenciação em uma proposta deve ser listado na bibliografia na forma como regulamente a ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. VIII – Esquema simplificado Cada uma das áreas de um projeto pedagógico deve, em essência, atender e responder a uma questão específica: 1.

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“onde estou?” – introdução.


ESTÁGIO SUPERVISIONADO 3 2.

“onde quero chegar?” – objetivos.

3.

“por que fazer?” – justificativa.

4.

“o quê fazer?” – cronograma.

5.

“como fazer?” – metodologia.

6.

“deu certo?” – avaliação.

7.

“quem me ajuda?” – bibliografia

Um bom projeto pedagógico elabora e procura responder a estas perguntas como forma de roteiro ao percurso a ser percorrido na aplicação do projeto. Jurema Sampaio é Mestre em Artes Visuais, especialista em Ensino e Produção de Arte, licenciada em Arte-Educação, Desenho e Artes Plásticas (PUCCampinas). Atualmente cursa Doutorado. Professora Universitária. As ações para nossa atuação com a cidade educativa devem ser distribuídas pelo tempo de curso da última unidade de estudos dessa disciplina: a efetivação das três etapas da ação pedagógica. Assim, sugerimos um esquema de cronograma para um Plano de Ação. Plano de Ação Etapas

Período

Ação

Objetivo

Interlocutores

Primeiros contatos Planejamento inicial Negociações Elaboração do projeto Realização Avaliação

3.2 Como pode ser nosso projeto com a cidade educativa? Você deve estar lembrado dos estudos sobre a arte brasileira, as vanguardas, os diferentes momentos da Historia da Arte. Vocês poderão ver que também na história, todas as produções artísticas também são frutos da cultura humana, localizadas, contextualizadas, e que os produtores destas obras também olharam para os seus lugares. Em algum momento olharam para as suas regiões, para os seus espaços e deixaram suas marcas, seus olhares, fazeres e pensares registrados sob forma de arte. A arte aqui é vista como parte da cultura humana, testemunhos destas diferentes apreensões do mundo e da vida. a) Retome o exercício etnográfico realizado na unidade 1.2, “Proposta II : Escolha de um espaço educativo não formal”, quando você escolheu um lugar / espaço / territorialidade para a instalação de sua ambiência educativa, em sua cidade; b) Detecte os saberes naquele espaço e como esses saberes e aprendizagens de organizam; c) Entreviste pessoas envolvidas naquele contexto e busque pelas suas histórias de vida; d) Agende uma reunião envolvendo os diversos atores: Diretor? Supervisor? Coordenador? Oficineiros? Gerente? O objetivo dessa reunião é, juntos, discutirem a elaboração de um projeto de intervenção pedagógica naquele lugar.

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Por que buscar pelas histórias de vida, nas entrevistas? Concordamos com Carlos Brandão e consideramos a pertinência de se “puxar” a entrevista pelo fio da vida, pois: Existem pessoas para quem o melhor caminho, em que elas se sentem respeitadas e valorizadas, é quando se perguntam coisas que têm a ver com a comunidade, a partir da experiência delas [...]. Muitas vezes é interessante num caso começar a pesquisa por um fio de vida, por uma história de vida (p.19). As ações pedagógicas são condicionadas pela visão de mundo de seu autor. Assim, as concepções que o(a) professor(a) de artes visuais tem sobre educação, cultura, escola, arte e ser humano condicionam o tipo de ação pedagógica que ele(a) planeja e que, efetivamente, realiza. Seus objetivos, conteúdos, os tipos de avaliação que empreende e, sobretudo, talvez, os métodos que constroem para sua atuação em ‘sala de aula’ (ou para quaisquer ambiências pedagógicas que sejam instaladas), serão, sem dúvida, também estabelecidos de acordo com tais concepções - de forma consciente ou não. Para o planejamento dessa intervenção pedagógica, reafirmamos a necessidade de revisões conceituais, já discutidas no Estágio 1 (Referência, p. 111), quais sejam: 1 - Repensar a educação na cena cultural contemporânea; 2 - Repensar os conceitos de arte / educação / cultura: aproximar os nossos conceitos com abordagens culturais para educação e a perspectiva da cultura visual para a arte. 3- Aproximação do conceito de comunidade; a escola expandida e o conceito de cidade educativa, conforme discussão das unidades anteriores deste texto; 4 - Repensar o sentido ou ressignificar a relação entre o aprender e o ensinar: repensar o papel do professor e do aluno, nesse contexto; 5 -Pensar com as ferramentas midiáticas: passagem de uma didática instrumental para uma Arte/Educação, aproximando-se de uma pedagogia crítica. Além desses seis itens, chamamos a atenção novamente para nossos conceitos sobre estágio (pesquisa qualitativa e etnografia; o professor como um investigador), conforme discutido na entrada dessa unidade. Contudo, Esses seis itens listados não esgotam nossa necessidade de revisão, mas servem, no momento, para indicar que precisamos investir em outro tipo de competência: a competência para não ter competências prontas, fixas. (ESTÁGIO I, p. 112). Competência para não ter competências prontas, fixas... E se nos depararmos com um espaço diferente do que estamos acostumado(a)s, com nossas ‘aulas’? Precisamos imaginar os mais variados espaços não formais por onde transitaremos, em nossas escolhas com a cidade educativa.Vamos refletir, por exemplo, com a experiência da professora Fayga Ostrower, com os trabalhadores de uma fábrica; em seu livro Universos da Arte ela nos conta

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que desenvolveu sua intervenção pedagógica em um galpão, em uma mesa de tábuas (onde os trabalhadores faziam suas refeições), utilizando figuras impressas (cartazes)... O trabalho pedagógico, como toda atividade humana, só pode ser considerado conseqüente se foi adequado ao fim pretendido, ou seja, só terá sido conseqüente se provocou a concretização daqueles objetivos estabelecidos. As intervenções pedagógicas realizadas até aqui não se constituíram com um fim em si mesmas, evidentemente. Mesmo nossas pequenas intervenções com esta disciplina são mediações com uma finalidade educacional. Para a avaliação de menores ou maiores êxitos em nossos processos de aprendizagem com a cidade educativa devemos buscar pela consecução dos objetivos. “Por isso é que se pode dizer que ensino e aprendizagem são duas faces de uma mesma moeda. Não pode existir uma, se não existe a outra. Não há ensino, se não se deu o aprendizado.” (PARO, 2001, p. 37). Consideramos que a avaliação educacional acontece em função do ensino aprendizagem. Assim, ela sempre se remete aos objetivos estabelecidos. Estes, por sua vez, remetem-se aos conceitos de educação, conceitos de arte e de ser humano, presentes na intervenção pedagógica proposta e de acordo com os valores e opções filosóficas de seu ator(a), futuro professor de artes visuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Qual é o valor de nossa intervenção, para nós e para as pessoas com as quais nos relacionamos, nesse lugar escolhido da cidade educativa? Durante todo o tempo estivemos avaliando: antes, durante e depois... Precisamos ter consciência dessa avaliação ‘contínua’, quando reorientamos o nosso caminhar, enquanto caminhamos mesmo: ajustamos a rota, a todo o momento. A necessidade dessa consciência e reflexão sobre as reorientações que acontecem, ‘naturalmente’ no processo, são muito necessárias: Como foi aquele espaço (fértil de aprendizagens), que ficou entre o plano que você fez para suas ações e os acontecimentos que, de fato, se efetivaram com você, no lugar que você escolheu? E, novamente: como foi a diferença entre seu plano de ‘aula’ e a intervenção que, de fato, se efetivou? Importa tomar consciência sobre as alterações do trajeto! Mas e agora? Qual o significado da ação - não só para nós, mas para todos os envolvidos? Quais foram as motivações? Todos tivemos consciência de estar no processo? Como os participantes (inclusive nós, evidentemente), depois de concluído o processo, nos apropriamos dos conhecimentos construídos, para nossas vidas pessoais, profissionais...? Quais foram as mudanças? Transformações? Tomadas de consciência? Qual é o valor de uma experiência como essa? Mesmo as mudanças que podemos considerar ‘pequenas’, devem ser acolhidas, consideradas, valorizadas: se transformou-se a parte, o todo também já não é mais o mesmo.... Assim, avançamos para uma compreensão mais realística do processo. Como diz Madalena Freire, se perdemos a ilusão é para revitalizar nossos sonhos, desenvolvendo condições e nos instrumentalizando para sonhos mais reais.

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Ateliê de Poéticas Visuais Contemporâneas Prof. Msc. Paulo Veiga Jordão


APRESENTAÇÃO

Caros Alunos,

Prof. Msc. Paulo Veiga Jordão

Por outro lado, o Capitalismo saíra renovado e fortalecido da grande catástrofe. Após terem enfrentado uma longa recessão mundial por toda a década de trinta, os agentes capitalistas (principalmente os EUA) viram na guerra uma boa oportunidade de aquecerem o mercado da indústria armamentista (e de toda uma vasta produção industrial exigida pelo estado de guerra, como, por exemplo, a metalurgia e a indústria têxtil), e encontraram na reconstrução dos territórios destruídos a oportunidade de solidificarem ali as suas bases ideológicas e mercadológicas. Este é o cenário onde surge e se desenvolve a Arte Contemporânea, o mundo capitalista da segunda metade do século (em constante Guerra Fria com o bloco comunista), que caminha para a pós-modernidade ; um mundo caracterizado pela proliferação de marcas e pela aceleração do consumo, pela diversificação e popularização dos canais de mídia, marcado pela corrida ao espaço, que chegaria ao auge com a conquista da Lua em 1969, e por intensas agitações políticas na América e na Europa, por guerras sangrentas como a do Vietnã, nos anos 60, ou tecnológicas como a Guerra do Golfo, no início dos anos 90, e pelo acirramento de um negativismo na cultura e na arte que permanece até hoje. Este negativismo cultural, que nos anos 60 foi chamado de Contracultura, é um dos elementos definidores da Arte Contemporânea. Qualquer obra, para ser contemporânea, deve conter esta célula contracultural, crítica, negativa. Neste sentido, a Arte Contemporânea descende diretamente das iniciativas antiartísticas da primeira metade do século, como as soirées futuristas, a iconoclastia dadaísta e, sobretudo, as operações de Marcel Duchamp. Em todos estes casos, o negativismo presente é tributado ao estado de desilusão e crise do século XX que, tendo já mostrado seus contornos na primeira metade do século, encontra sua forma definitiva na segunda metade.

*Curriculo: Artista plástico formado pela FAV-UFG (1991) é Mestre em Publicidade e Produção Simbólica pela ECA-USP (1998). Atua como professor na FAV desde 1994 nas áreas teóricas e práticas da Arte Contemporânea tendo experimentado desde 1990 diversas linguagens como artista plástico, sendo estas: pintura, escultura, instalação, performance e vídeo. Suas principais exposições coletivas são: Rumos - Itaú (2000), Panorama da arte Brasileira (2005), Projeto FIAT Mostra Brasil (2006). Atualmente, atua com o Grupo Empreza, coletivo dedicado a produção em performance e vídeo, com quem já se apresentou em diversas capitais brasileiras e também no exterior.

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ATELIÊ DE POÉTICAS VISUAIS CONTEMPORÂNEAS

Neste módulo, então, rastrearemos a arte que se nos mostra hoje, que comumente vemos nas Bienais, nos salões de arte e nas exposições de arte contemporânea ; é a arte que, nas últimas décadas, vem dando respostas e se posicionando diante de uma realidade pós-moderna e tecnológica caracterizada por mudanças velozes e drásticas. Bom estudo!

Dados da Disciplina Ementa Desenvolvimento do fazer artístico em variadas linguagens e manifestações; Laboratório de pesquisa sobre as poéticas contemporâneas; Investigação de inter-relações entre cultura erudita, popular e indústria cultural.

Unidades INTRODUÇÃO UNIDADE 1 – A NOVA ICONOGRAFIA 1.1 O Novo Realismo 1.2 O Neo-Dadaísmo 1.3 A Arte Pop UNIDADE 2 – TENDÊNCIAS REDUTORAS 2.1 A Op-Art 2.2 O Minimalismo 2.3 O Pós-Minimalismo 2.4 A Arte Povera 2.5 A Arte Conceitual UNIDADE 3 – NOVOS MEIOS E LINGUAGENS 3.1Intervenções na natureza e no meio urbano 3.2 O Happening 3.3 A Performance 3.4 Fotografia e Vídeo UNIDADE 4 – DOS 80 PARA CÁ 4.1 Neo-expressionismo 4.2 A Transvanguarda 4.3 O Neoísmo 4.4 Arte e Tecnologia/ Arte e Ciência

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Unidade 1

A Nova Iconografia

Figura 01 -.Mimmo Rotella. Marilyn – 1961.

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A Arte Moderna que vigorou na primeira metade do século XX foi, essencialmente, avessa à imagem da realidade. Entre as vanguardas, o Cubismo, o Expressionismo e a arte abstrata promoveram um distanciamento gradual e inexorável entre a imagem artística e as imagens da realidade e, de fato, apenas no Surrealismo poderemos encontrar alguma representação pictórica de objetos reais (sobretudo em Magritte e em Salvador Dalí), porém, contextualizados em situações surreais. Profundamente anti-realistas, os artistas modernos se negavam a olhar a impressionante revolução visual que passou a tomar as cidades : Automóveis, aviões, motocicletas, fotografia e cinema, a imprensa, produtos de consumo de toda ordem, além de cartazes (Ver Figura 01), fachadas, letreiros, rótulos, embalagens, etc ( o Capitalismo, usando como instrumentos, além da produção industrial serial, o Design, a Publicidade e os meios de comunicação, tornou-se o maior produtor de imagens de toda a história humana). A primeira metade do século XX veria, assim, surgir todo um novo repertório de imagens, de ícones próprios ao capitalismo industrial e à sociedade de consumo, sem que os artistas do período, em sua maioria, dessem conta disto. Dois artistas modernos, porém, tomaram o caminho oposto ao da maioria, e não só foram muito atentos ao vasto novo repertório visual da sociedade moderna, como se apropriaram destas imagens em seus trabalhos, eles são Marcel Duchamp e o dadaísta Kurt Schwitters. Duchamp usou produtos intrustrializados como um moderno vaso sanitário, uma roda de bicicleta, além de cartões postais e outros impressos em seus trabalhos. Não os representava numa pintura, mas capturava-os e os exibia como Ready-mades. Também Schwitters colecionava todo tipo de pequeno dejeto moderno que pudesse coletar nas ruas (Bilhetes de trem, pregos, grampos, fósforos, fragmentos de jornais e revistas, botões, arames e fios elétricos, etc.) com os quais montava suas assemblagens. Assim, enquanto um Mondriam levava às últimas consequências o ímpeto iconoclasta moderno, estes dois artistas tratavam de investigar a nova e impressionante geração de ícones (imagens) surgida no Capitalismo. Em meados dos anos 50, ainda na esteira do pós-guerra, jovens artistas na Europa e nos EUA viriam a recuperar e continuar o trabalho iniciado por Duchamp e Schwitters. Saturados com o sentimentalismo solitário e vazio do Expressionismo Abstrato, estes artistas, inspirados naqueles velhos mestres, elegeram a realidade social, a cidade e a rua, o supermercado e as salas de cinema, a


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publicidade e a indústria como campos onde recolheriam todo um novo e surpreendente repertório material e imagético para sua produção artística. Após estar décadas de olhos fechados para a realidade, a Arte novamente desperta e olha para fora. O novo e profundo envolvimento entre o artístico e o real que resultou daí seria o foco de pelo menos três movimentos dos anos 50 e 60 : O Novo Realismo, o Neo-dadaísmo e a Arte Pop.

1.1 O Novo Realismo No fim dos anos 50, em Paris, o crítico Pierre Restany (1930-2003) testemunhou uma sequência de eventos onde uma novíssima geração de artistas radicados na França propunha um caminho totalmente diverso daquele do então celebrado Tachismo. O primeiro destes eventos foi a exposição-manifesto “O Vazio“ de Yves Klein (1928-1962), ocorrida na Galeria Iris Clert, em 1958. Nesta exposição, Yves Klein, tendo pintado as paredes da galeria de branco, manteve-as rigirosamente nuas, e apenas sua presença (a do artista) no local, sensibilizava-o e tornava-o um espaço de arte. Em 1959, na Bienal de Paris, dois artistas se destacavam: Tinguely (1925-1991) surgiu com seus “Metamáticos“ (Ver Figura 02), que eram máquinas que desenhavam, usando um braço mecânico que segurava um lápis ou pincel; Raymond Hains (Figura 03) apresentou seus tapumes, retirados das ruas, cobertos de cartazes rasgados. No Salão de Maio, o escultor Cesar (1921-1998) apresentou seus carros apreendidos em ferros-velhos e prensados em blocos de metal retorcido. Em 1960, também na galeria Iris Clert, o artista Fernandez Arman (1928) realizou a exposição-resposta a Yves Klein: Encheu a galeria de lixo, até o teto, e intitulou a mostra de “O Cheio“. Restany percebeu nestes, e em outros artistas de sua geração, a influência do Dadaísmo e de Duchamp, bem como o ímpeto de trazer novamente uma reflexão sobre a realidade para a obra de arte e, em 1960, fundou o movimento “Nouveau Réalisme“, ou Novo Realismo. Seus principais integrantes foram Yves Klein, Tinguely, Cesar (Figura 04), Arman, Raymond Hains, Martial Raysse, Spoerri, Dufrene, Villeglé, Mimmo Rotella (1918) e Niki SaintPhalle (1930-2002). Posteriormente, o artista búlgaro Christo (1935), se juntaria ao grupo. O Novo Realismo durou apenas até 1963, tendo um vida curta mas ativa e influenciando determinantemente as futuras gerações. Como característica geral do movimento há o fato de todos estes artistas terem como estratégia artística o gesto de apropriação do real inaugurado por Duchamp; todos eles promoviam apropriações, ou seja, capturavam objetos e outros aspectos da realidade para elevá-los à condição de obras de arte. A começar por Klein que, segundo Restany, pretendia ativar uma “sensibilidade cósmica“ em sua obra. A intenção de Klein ficou clara quando ele elaborou e se apropriou de um pigmento industrial azul, propondo-o como arte; este pigmento é conhecido como IKB (International Klein‘s Blue), e Klein o utilizou para revestir diversos objetos, para produzir telas e para realizar suas célebres performances intituladas “Antropometrias“, em que ele usava mulheres nuas como pincéis vivos para pintar em grandes telas (Ver Figuras 05 e 06).

Figura 02 .Tinguely. Metamático – 1959.

Figura03. Raymond Hains. cartazes rasgados colados em folha de zinco - 1960.

Figura 04.Cesar. Compressão – 1960.

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Foram usadas as mais diversas estratégias para se apropriar da realidade contemporânea: Arman construía esculturas formadas a partir do acúmulo (repetição) de um mesmo objeto industrializado (Ver Figura 07), como ferros de passar, máquinas de escrever ou barbeadores elétricos, além de realizar performances onde destruía sistematicamente instrumentos musicais e aparelhos de televisão.

Figura 05 - Yves Klein. Antropometria – 1961.

Figura 06 - Yves Klein. Detalhe. Antropometria – 1961.

Rotella e Hains apropriavam-se de tapumes pichados e com muitas camadas de cartazes colados, retirando-os diretamente da rua para a galeria. César produziu uma grande série de carros comprimidos, e depois passou a realizar esculturas feitas com resinas industriais expansivas. Tinguely produziu um grande conjunto de máquinas, além de suas célebres máquinas de desenhar; como as suas máquinas auto-destruidoras, cujo melhor exemplo foi a que ele usou no Happening “Homenagem a N. York“, de 1960 : Uma torre onde se misturavam bicicletas, carrinhos, rádios, motores a explosão e até um piano de cauda, e que se auto desmantelou ruidosamente diante do público. Já Christo desenvolveu uma estratégia que utiliza até hoje: ele embrulha coisas; inicialmente objetos pequenos, depois grandes monumentos, tudo pode ser embrulhado pelo artista (Ver Figura 08). Ainda, Spoerri desenvolveu o conceito de superfície-armadilha: Numa mesa, por exemplo, tudo o que sobrou de um jantar, dos talheres às migalhas, é colado no lugar, e depois a mesa é exibida na vertical, como uma pintura (Figura 09).

OLHO VIVO Principais Artistas do neo-realismo são Yves Klein, Fernadez Arman, Tinguely, Cesar, Villeglé, Raymond Hains, Daniel Spoerri, Mimmo Rotella, Niki Saint-Phalle, Christo.

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1.2 O Neo-Dadaísmo O Neo-Dadaísmo ocorreu em N. York, a partir de meados dos anos 50, e foi fortemente ligado à cultura visual norte-americana. É um movimento irmão do Novo Realismo, tendo surgido no mesmo período, e com várias idéias em comum, como o uso recorrente das estratégias de Duchamp e Schwiters. Assim como seu correlato Francês, o Neo-Dadaísmo surgiu na América como uma reação ao Expressionismo Abstrato, então uma corrente hegemônica na arte. Seu gesto inicial pode ser considerado o de Robert Rauschemberg, em 1953, quando adquiriu um desenho de De Kooning, um dos mais célebres expressionistas abstratos e, uma vez em seu estúdio, apagou todo o desenho; depois emoldurou o papel branco e o chamou de “De Kooning apagado“. No início dos anos 60, os neo-dadaístas reencontraram Marcel Duchamp, então praticamente esquecido, morando em N. York e levando uma vida pacata como professor de francês e enxadrista. Os neo-dadaístas foram responsáveis pelo resgate de boa parte da obra do velho mestre, ainda antes de seu falecimento em 1968. O Neo-Dadaísmo tem em comum com o Novo Realismo a reutilização das manobras de Duchamp e Schwiters, bem como a extrema atenção dada ao repertório de imagens gerado pela sociedade contemporânea. Também pode se notar que ambos os movimentos herdaram do Dadaísmo uma aversão aos sistemas sociais burgueses, particularmente ao sistema de Arte.

Neste sentido, estes movimenos produzem obras que tendem a desafiar a noção corrente (burguesa) de “bom-gosto“ Os artistas querem cada vez mais dificultar que seus trabalhos sejam absorvidos pelo sistema como mero objetos comerciais; incorporação de lixo e sucata nos trabalhos, por exemplo, dificultam o seu apelo comercial. Rauschemberg é a figura mais controvertida do movimento. Além do gesto de apagar o desenho de De Kooning, ele ainda executa outro gesto fundador quando, em 1961, convidado a realizar o retrato da galerista Iris Clert, de Paris, ele enviou um telegrama com o seguinte texto: “Este é um retrato de Iris Clert, se eu disser que é“. Porém a volumosa obra de Rauschemberg é melhor ilustrada por suas assemblagens, onde ele acumulava os mais diverrsos elementos contemporâneos, como máquinas velhas e pneus, misturando-os a elementos mórbidos, como animais empalhados (Ver Figura 10); também capturava fotos e ilustrações de revistas, tranferindo-as para outra superfície com o uso de solvente e a técnica de frotagem. Por vezes, sobre tudo, ele ainda aspergia tinta, imitando sarcasticamente o gesto dos expressionistas abstratos. Jasper Johns é basicamente um pintor. De forma pioneira, ainda em meados dos anos 50 ele dirige seu olhar para o repertório visual do cotidiano, e decide pintar imagens emblemáticas e populares, como réplicas da bandeira norte-americana (Figura 11) e alvos. A figuração de Johns será uma das bases para a o aporte da Pop arte, anos mais tarde. Já Chamberlain vai se interessar pelas máquinas modernas, principalmente carros, assim como César. Mas, ao contrário de César, Chamberlain não comprime os carros, antes os desmancha, desmonta-os recortando suas latas, retorce-as e as expõe como esculturas (Ver Figura 12).

Figura 07 - Arman. Máquinas de escrever – 1962.

Figura 08 - Christo. Le Diable - 1963.

Figura 09 - Spoerri. S. Título - 1965.

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Figura 10 - Rauschemberg. Monograma – 1958.

Figura 12 - Chamberlain. Hatband – 1960.

Figura 11 - Jasper Johns. Flag – 1955.

Figura 13 - Hamilton. O que torna os lares de hoje tão atraentes? – 1956.

Figura 14 - Warhol. Nove Marilyns – 1967.

1.3 A Arte Pop Embora tenha se desenvolvido nos Estados Unidos, a Arte Pop nasceu na Inglaterra. A denominação Pop foi empregada em 1954 pelo crítico inglês Lawrence Alloway para referir-se aos produtos da cultura de massas. Também foi ali que organizou-se, ainda nos anos 50, o primeiro grupo de artistas pop, cujo nome mais destacado é o de Richard Hamilton (1922). O papel de Hamilton é fundamental: Ele era um entusiasta de Duchamp, e foi o primeiro a realizar uma retrospectiva do mestre em Londres; além disto, uma obra sua intitulada “O que torna os lares de hoje tão atraentes“ (Figura 13), de 1956, é considerada o primeiro trabalho de Pop-Arte. A partir do início dos anos 60, a Arte Pop se tornaria um fenômeno de sucesso, encontrando seus contornos definitivos nos Estados Unidos, principalmente em N. York. OLHO VIVO Os principais artistas do Neo-Dadaismo são Robert Rauschemberg (1925-2008), Jaspers Johns (1930) e John Chamberlain (1927).

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A Pop-Art (Arte Pop ou Pop-Arte), como o nome sugere, apropriou-se do aspecto visual mais popular da realidade contemporânea: A cultura dos meios de comunicação. Sua iconografia estampa o universo visual que, na década de 60, dominava o ocidente capitalista, composto de imagens oriundas da Publicidade, dos rótulos e marcas, dos objetos de consumo, das mídias impressas (jornais e revistas), da Televisão e do Cinema. Tendo tido enorme divulgação, a Pop- art vigorou por toda a década e também influenciou o Design e a Publicidade. Embora a Pop-Art produzisse esculturas e, em menor escala, objetos, instalações, performances e vídeos, sua linguagem preferencial é a pintura. Neste caso, os temas tradicionais da pintura são revistos em ótica contemporânea: Os célebres retratos dos nobres e ilustres do Renascimento, por exemplo, são substituídos por retrados de celebridades da mídia, como Marilyn Monroe. Também a técnica é revista; a forma tradicional de pintar é substituída, em muitos casos, pelo uso de estênceis, técnicas de impressão gráfica e de serigrafia (Ver Figura 14). Além de Hamilton, outro artista inglês com destaque na Arte Pop é David Hockney. Radicado nos Estados Unidos, Hockney especializou-se em retratar a vida ensolarada da burguesia californiana. São célebres as telas onde ele as piscinas das mansões com extremo virtuosismo (Ver Figura 15). Lichtenstein foi sempre fiel à sua técnica, onde reproduzia a estética das histórias em quadrinhos. Suas telas ão grandes e coloridas, reproduzem o que seria um único quadro extraído de uma HQ, inclusive os balões de diálogo (Ver Figura 16). A retícula gráfica utilizada nas impressões off-set também é ampliada e reproduzida. Aparentemente ingênuas, as obras de Lichtenstein revelam, num segundo momento, uma ironia fina que comenta a banalização da cultura. Claes Oldemburg é sueco de nascença, radicado nos Estados Unidos. Ao contrário da grande maioria dos artistas pop, que praticavam a pintura, Oldemburg escolheu a escultura. Inicialmente fazia réplicas de estantes de guloseimas e presuntos (Ver Figura 17); posteriormente desenvolveu a sua série de objetos moles, esculturas feitas em vinil costurado para parecer um telefone, um vaso sanitário, etc. Também é célebre a sua série de objetos gigantes, onde representações de obetos como uma pá de pedreiro são realizadas centenas de vezes acima da escala real. O resultado é a representação gigantesca de um objeto comum interferindo na paisagem. Andy Warhol foi figura mais conhecida e mais controvertida da Arte Pop; atuou com escultura e cinema, foi escritor, promoter, produtor musical, mas celebrizou-se como pintor. Mostrou sua concepção da produção mecânica da pintura em substituição ao trabalho manual em seu estúdio, chamado The Factory (A Fábrica), onde telas eram produzidas em serigrafia, em ritmo industrial. Seus motivos eram variados: Retratos de ídolos da música popular e do cinema, como Elvis Presley e Marilyn Monroe, imagens da publicidade de produtos populares como Coca-cola, Pepsi (Figura 18), Brillo (Figura 19) e Sopa Campbell (Figura 20), imagens de desastres e eventos políticos extraídas de jornais, etc.

Figura 15 - David Hockney. A Bigger Splash – 1967.

Figura 16 - Lichtenstein. Blam – 1962.

Figura 17 - Oldemburg. Floor burger - 1962.

Figura 18 - Warhol. Pepsi - 1962.

Figura 19 - Warhol. Caixas Brillo – 1964.

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Figura 20 - Andy Warhol. Sopa Campbell – 1964.

OLHO VIVO Os principais artistas da Pop Art são Richard Hamilton, David Hockney (1937), Andy Warhol (1928-1927), Roy Lichtenstein (1923-1997) e Claes Oldemburg (1929).

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UNIDADE 2

Tendências Redutoras

De maneira geral, a quase totalidade das vanguardas da primeira metade do século XX operaram com manobras redutoras, principalmente aquelas com tendência geométrica, como o Cubismo, o Suprematismo e o Neoplasticismo. Nestes casos, a obra de arte era cercada de preceitos rígidos, redutores; como é o caso extremo de Mondrian, para quem a pintura reduzia-se a um jogo de linhas horizontais e verticais, e cores primárias e neutras. A segunda metade do século verá ressurgir esta tendência redutora em novos movimentos, que veremos a partir de agora.

2.1 A Op-Art O nome Op-art vem do inglês optical art (arte óptica), e foi usado pela primeira vez em 1965, na revista Times, para designar uma tendência que, derivada da pintura geométrica abstrata da primeira metade do século XX, utilizava padrões geométricos para provocar efeitos visuais e ilusões de óptica (Ver Figura 21). Não houve um movimento coeso ou um grupo ligado à Op-Art; portanto, trata-se mais de uma tendência. Esta tendência ganhou força na metade da década de 1950, mas passou por um desenvolvimento relativamente lento. Enquanto o Pop era tremendamente popular, o Op era para poucos admiradores. Apenas em 1965 foi organizada a primeira exposição de Op Art, no Museu de Arte Moderna de Nova York. A mostra foi chamada “The Responsive Eye” (O Olho que Responde), título que aludia ao caráter interativo da Op-Art, uma vez que ela pede uma participação ativa do olho do espectador. Sem o ímpeto contestador e crítico dos novos realistas, ou da Arte Pop, a Op-Art parece excessivamente cerebral e sistemática, reduzindo o leque da obra de arte ao retirar dela qualquer possibilidade de “expressão“, deixando apenas os aspectos visuais. A Op-Art é basicamente geométrica e abstrata. Em suas pinturas, a repetição de padrões e formas gera imagens que exploram a falibilidade do nosso olho, provocam ilusões de movimento e sensações cromáticas conforme é possível perceber na Figura 22.

Figura 21 - Vasarely. Vega-nor - 1969.

OLHO VIVO Os principais artistas da Op Art são Victor Varasely, Richard Anusziewicz, Bridget Riley, Ad Reinhardt, Kenneth Noland e Larry Poons. Figura 22 - Bridget Riley. Movimento com quadrados – 1961.

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2.2 O Minimalismo O Minimalismo (Minimal Art) teve lugar no início dos 1960 em Nova York e se estenderia para além das Artes Plásticas, chegando à Música, ao Design, ao Teatro e à Dança. O termo firmou-se em 1966, depois que R. Wollheim se referiu à produção artística dos anos 60 como concebida a partir de “conteúdos mínimos”. Num cenário marcado pela emocionalidade do expressionismo abstrato, e pelo apelo popular da Arte Pop, o Mimalismo surge cerebral, programático e duro, herdeiro das estéticas rigorosas de Malevitch e Mondriam. Porém, enquanto as escolas geométricas abstratas da primeira metade do século davam preferência para a pintura, o Minimalismo será um movimento que enfatizará a escultura. Suas obras são quase sempre despojadas, neutras, modulares e acentuam a repetição. São formas elementares, geométricas, que recusam acentos ilusionistas e metafóricos, construídas com materiais industriais, como vidro, aço, acrílico, placas de metal ou de cerâmica (Ver Figuras 23 e 24), entre outros. Totalmente anti-semântico, o Minimalismo nega qualquer possibilidade de significado na obra de arte. Suas esculturas não contém sentidos ocultos, efeitos expressivos, elementos poéticos, formas simbólicas, nunca são figurativos e nunca devem comunicar rigorosamente nada, a não ser a sua simples presença física. A obra é o que é, um objeto material e não um veículo portador de idéias ou emoções; e nesta simplicidade mínima deve ser oferecida ao público. Judd é o minimalista mais conhecido de sua geração. Seu trabalho é preferencialmente realizado em metais como cobre, latão, aço; e invariavelmente se compõe de módulos geométricos, como caixas metálicas, que se repetem ordenadamente no espaço, em intervalos matematicamente calculados (Ver Figura 25).

Figura 25 - Donald Judd. S. tit. 1975.

Figura 23 - Donald Judd. S. tit. - 1970.

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Figura 24 - Carl Andre. Equivalent VIII – 1966.

Figura 26 - Carl Andre. Quadrado 10x10 de cobre – 1967.


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Figura 28 - Robert morris. Labirinto - 1974.

Figura 27 - Dan Flavin. S. Tit. - 1964.

Figura 29 - Robert Morris. Peça de feltro verde – 1984.

Andre também opta pelos módulos. Porém, ele evita construir ou encomendar a feitura de peças moduladas, preferindo apropriar-se de módulos industriais comercializados já prontos, como placas padronizadas de cobre ou aço, blocos de cerâmica ou de madeira. Normalmente, Andre dispõe estes blocos em conjunto, formando grandes quadrados ou retângulos no chão, ou ainda outras formas geométricas (Ver Figura 26). Flavin optou por trabalhar com uma única matéria: A luz. Luz esta produzida por lâmpadas fluorescentes coloridas que irradiam cromaticamente o ambiente (Figura 27). O resultado é um desenho na parede da sala, formado pelas lâmpadas, e uma sutil matéria luminosa que toma conta do ambiente a partir destas luzes, combinando uma ou várias cores utilizadas. Outro artista que também se utiliza de formas metálicas modulares é Morris, embora ele também gostasse de grandes peças metálicas únicas que irrompiam no espaço, sem pedestal (como em Brancusi), como pura presença material que se oferecia à nossa percepção. Na verdade Morris é um artista de transição; após alguns anos dentro do rígido programa minimalista, ele começa a flexionar seu trabalho. Para isto foi fundamental a descoberta do feltro como matéria para as esculturas; sendo mole e maleável, o feltro não é um bom material para o minimalismo. O resultado foi esculturas onde o rigor minimalista deixa-se contaminar pelo acaso e pelo orgânico (Ver Figuras 28 e 29).

OLHO VIVO Os principais artistas do Minimalismo são Donald Judd (1928), Carl Andre (1935), Dan Flavin (1933 - 1996), Robert Morris (1931).

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2.3 O Pós-Minimalismo O minimalismo “contaminado“ de Morris faz eco a toda uma nova geração de artistas que, assim como ele, permitiram o uso de formas e materiais orgânicos, com incorporação do acaso e do erro, em diálogos mais eloquentes com o espaço. Estes artistas foram indistitamente chamados de pós-minimalistas já a partir do fim dos anos 60. Eles ganhariam força por toda a década de 70, embora não formassem um movimento coeso e programaticamente coerente como seus antecessores minimalistas, e fossem mais uma tendência. Em comum com os minimalistas, esta nova geração tinha a idéia de uma obra que fosse pura presença física e sensorial, avessa a leituras, simbolismos e interpretações. Porém, o rigor formal minimalista é desprezado em favor de um repertório de formas menos rígidas, o que permitia a utilização de materiais industriais “moles“, como plásticos, borrachas e tecidos, por exemplo, e também de materiais “orgânicos“, como gravetos, pedras brutas, terra, etc. A Maioria dos pós minimalistas é ainda viva e atuante. Alguns mais conhecidos são James Turrell (1941), Ellsworth Kelly (1923), Eva Hesse (1936 - 1970) e Richard Serra (1939). Chamamos a atenção para Eva Hesse que, em uma década importante para o processo de emancipação feminima, surgiu com força em um cenário majoritariamente masculino, portadora de uma obra vigorosa (Ver Figura 30). Destacamos também Richard Serra, que ainda segue nos dias de hoje a sua estética pós-minimalista, produzindo gigantescas esculturas com placas de ferro que desenham curvas, círculos e elipses no espaço (Figura 31). Na Europa (França), o principal herdeiro da estética minimalista é Daniel Buren (1938), que segue, há décadas, a mesma manobra de interferir nos espaços com padrões de listras brancas e coloridas. Buren também encomenda industrialmente os tecidos listrados e os vende a metro, como se fossem pintura (Ver Figura 32).

Figura 30 - Eva Hesse. Accession II – 1968.

Figura 31 - Richard Serra. Diversos Trabalhos – 2007.

Figura 32 - Daniel Buren. S. Tit. – 2007.

2.4 A Arte Povera O termo Arte Povera, que traduz-se do italiano por “Arte Pobre“, foi criado pelo crítico Germano Celant, em 1967, para designar um grupo de artistas, a maioria radicados na Itália, que aplicavam princípos estéticos, técnicos e materiais redutores (pobres) em suas obras. O movimento tornou-se conhecido

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Figura 33 - Mario Merz. Ligotto - 1968.

Figura 34 - Michelângelo Pistoletto. Vênus dos trapos - 1969.

com a exposição no Museu Cívico de Turim, Organizada por Celant e pela crítica norte americana Lucy Lippard, em 1970. O conceito de “pobreza“ estava ligada às manobras estéticas elementares, e ao uso de materiais simples extraídos do cotidiano e aparentemente estranhos ao universo da arte, como carvão, gravetos, areia, cavacos de madeira, trapos, jornais velhos, espelhos, etc. Materiais que queriam ultrapassar as distinções entre arte e vida, entre natureza e cultura, e eram manipulados por processos notadamente artesanais (Ver Figuras 33 e 34). Celant escreve no catálogo da exposição de 1970: Animais, vegetais e minerais participam do mundo da Arte. O artista sente-se atraído por suas possibilidades físicas, químicas e biológicas (...) – o nascimento de uma planta, a reaccão química de um mineral, o movimento de um rio, a grama, terra ou neve... Celant chama a atenção para o fato de que na Arte Povera o conceito de “efemeridade“ era bastante explorado. Muitas obras eram propositalmente efêmeras, e incorporavam sua fragilidade temporal e suas mudanças como parte de sua poética. São emblemáticos, por exemplo, o trabalho onde Giovanni Anselmo esmaga um pé de alface entre dois blocos de granito (Figura 35), e a exposição de Jannis Kounellis que consistia em doze cavalos vivos dentro da galeria (Figura 36).

Figura 35 - Anselmo. S. tit. – 1968.

Figura 36 - Kounellis. Cavalos - 1969.

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Figura 37 - Fontana. S. tit. – 1962.

A Arte Povera opunha-se ao Pop, uma vez que não manipulava ícones contemporâneos, e também ao minimalismo, uma vez que não adotava a ordem racional ou as superfícies impecavelmente polidas dos minimalistas. De fato, contrariando o vazio semântico proposto nas obras minimalistas e pós-minimalistas, os trabalhos de Arte Povera não se negam à elaboração de significados poéticos; o próprio conceito de pobreza, no caso, é entendido metaforicamente. Neste sentido, a Arte povera aproxima-se mais das manobras dos novos realistas e neo-dadaístas, como herdeira das lições de Duchamp e Schwiters. Os pioneiros são Fontana e Manzoni, ambos já falecidos quando da exposição de 1970. Fontana já havia algum tempo experimentava trabalhar uma pintura conceitual, ao mesmo tempo que física. Sua manobra era realizar um ou mais cortes precisos, feitos com estilete, em telas monocromáticas (Ver Figura 37). Já Manzoni escandalizou a arte italiana quando, ainda no início dos anos 60, realizou obras conceituais e performances. Seu trabalho mais polêmico é o conjunto de latas onde ele conservou industrialmente as próprias fezes; o trabalho se chama “merda de artista“ (Figura 38). Embora anteriores ao movimento, estes artistas foram incluídos por Celant no grupo de Arte Povera.

OLHO VIVO Os principais artistas da chamada Arte Povera são Giovanni Anselmo (1934), Alighiero Boetti (1940 – 1994), Luciano Fabro (1936 – 2007), Lucio Fontana (1899 – 1968), Jannis Kounellis (1936), Piero Manzoni (1933 – 1963), Mario Merz (1925 – 2003), Michelangelo Pistoletto (1933). Figura 38 - Manzoni. Merda de artista – 1961.

2.5 A Arte Conceitual

Figura 38 - Joseph Kosuth. Uma e três cadeiras – 1963.

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A Arte Conceitual surgiu na Europa e nos Estados Unidos na década de 1960. O termo “arte conceitual“ surgiu num texto de Henry Flynt, em 1961, onde ele defende que os conceitos são a matéria da arte e por isso ela estaria vinculada à linguagem. Porém, há que se dizer que toda a Arte Contemporânea é, pelo menos em parte, conceitual. Em movimentos como o Novo Realismo, O Neo-Dadaísmo, a Arte Povera, e mesmo entre os minimalistas e pós minimalistas, é possível perceber que as idéias e conceitos por trás da obra são, em muitos casos, mais importantes do que suas carcterísticas físicas ou estéticas. Já para Duchamp o conceito ou a atitude mental tinha prioridade em relação à aparência da obra. Neste sentido, a obra de Duchamp e Schwiters é essencialmente conceitual. No início da segunda metade do século, a ação de Rauschemberg, de apagar o desenho de Koonong, e, depois, de mandar um telegrama para Iris Clert, como se fosse o seu retrato, anunciava o recrudescimento desta posição, onde uma atitude mental era proposta como obra. Alguns anos depois do gesto de Rauschemberg, em 1963, Joseph Kosuth realizaria aquela que é considerada a primeira obra do novo movimento, chamada “Uma e três cadeiras“ (Figura 38). A Arte conceitual vigorou nas décadas de 60 e 70, e derivações de suas propostas são fortes até hoje.


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Para a Arte Conceitual o que importa é a invenção da obra, o conceito, que é elaborado antes de sua materialização. Caso a obra venha a ser realizada, não é exigido que seja construída pelas mãos do artista; ela pode ser realizada por um técnico, segundo determinações do projeto. Dentro da vasta produção dos anos 60 e 70, caraterizada pela diversidade, é difícil, muitas vezes, determinar os limites do que pode ou não ser considerado como arte conceitual. Porém, havia um núcleo radical no movimento, que propunha a quase total eliminação do objeto artístico, e sua substituição por elementos de linguagem, como frases, palavras, conceitos, textos, documentos. Quando se fala da Arte Conceitual como um movimento coeso, fala-se deste grupo, e é destes artistas que trataremos a seguir. Kosuth é considerado uma espécie de líder intelectual do movimento. Sua obra “Uma e três cadeiras“, de 1963 é considerada fundadora, e ele logo depois retiraria qualquer referência objetual em seus trabalhos, substituindo-os por conceitos. Em 1967, em sua série “Art as idea“ (Figura 39), as imagens são substituídas por impressões com definições extraídas do dicionário. Tornou-se célebre a exposição onde Kosuth ocupou as paredes da galeria com definições de dicionário das palavras “arte“, “pintura“, etc. Lawrence Weiner também trabalha no extremo da desmaterialização da obra. Sua manobra consiste em declarar frases que sugerem imagens mentais. Funciona assim: o espectador ouve ou lê uma frase, e uma imagem é formada instantaneamente na cabeça. Como, por exemplo: “Uma caneta comum lançada ao mar“. Weiner defende que, desta maneira, a obra não pode ser um objeto de consumo, e ninguém pode ser proprietário exclusivo de qualquer trabalho, uma vez que todos podem ter suas imagens mentais (Ver Figura 40).

Figura 39 - Kosuth. Art as idea – 1967.

Figura 40 - Lawrence Weiner. Tão longe quanto o olho pode ver - 2008.

Figura 41 - On Kawara. Today - 1967.

O Japonês On Kawara desenvolveu (e ainda desenvolve) várias séries de trabalhos conceituais. A série mais conhecida é a intitulada “Today“; nesta série, Kawara se propõe a pintar uma tela, todos os dias, onde conste apenas a data (dia, mês e ano) em que a tela foi pintada (Ver Figura 41). Da alemanha, temos Hans Haacke, o principal artista conceitual de origem européia. Haacke celebrizou-se pelo conteúdo explicitamente político dos seus trabalhos. Por exemplo, o trabalho Moma Poll, de 1970, que consiste de uma votação pública; o público deveria responder à pergunta que es-

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tava escrita na parede e depositar a cédula em uma das duas urnas expostas (Ver Figura 42). O texto era o seguinte: Would the fact that Governor Rockefeller has not denounced President Nixon’s Indochina policy be a reason for you not to vote for him in November ? O fato do Governador Rockefeller não haver denunciado a política do Presidente Nixon para a Indochina seria uma razão para você não votar nele em novembro?

Figura 42 Haacke. Moma Poll – 1970.

A Arte Conceitual influencia, ainda hoje, gerações de artistas. A mais notória herdeira contemporânea de suas propostas é a norte-americana Jenny Holzer (1950). Holzer trabalha preferencialmente em espaços públicos, promove intervenções urbanas usando canais de publicidade, como out-doors e painéis luminosos, para divulgar frases de efeito (Figura 43).

OLHO VIVO Os principais representantes da Arte Conceitual são Joseph Kosuth (1945), Lawrence Weiner (1942), On Kawara (1933) e Hans Haacke (1936). Figura 43 - Jenny Holzer. Protejame daquilo que eu quero – 1985.

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UNIDADE 3

Novos Meios e Linguagens

A Arte Contemporânea é marcada pela busca, por parte dos artistas, de novos meios de expressão, novos suportes, novos materiais e novas técnicas. Linguagens que haviam se mantido em estado embrionário, na primeira metade do séc. XX, como a Performance e a Fotografia, ressurgem com força, firmando território no cenário artístico; outras linguagens surgem devido a novas posições e idéias, como é o caso dos Happenings, e outras ainda surgem devido à conquistas de novas tecnologias, como é o caso do Vídeo.

3.1 Intervenções na natureza e no meio urbano Ainda na primeira metade do séc. XX, o Dadaísmo já desafiava conscientemente as noções de bom-gosto, de beleza e, particulamente, questionava a obra de arte como objeto de desejo e propriedade. O fato de que o burguês podia comprar arte em uma galeria com a mesma facilidade e superficialidade com que comprava carne no açougue indignava os artistas dadá que, como represália, passaram a aspirar a uma espécie de obra de arte invendável, que não pudesse ser comercializada e nem pudesse ser propriedade privada de um indivíduo. É verdade que esta vontade foi, em boa parte, frustrada, uma vez que, mesmo os mais anti-estéticos objetos produzidos pelos dadaístas foram, com o tempo, reconhecidos, valorizados, comercializados e colecionados, estando hoje em acervos particulares, ou em museus. De qualquer maneira, este sonho de uma obra de arte que não pudesse ser tratada como um objeto de consumo persistiu na segunda metade do século; já vimos como os neo-dadaístas e novos realistas reeditaram este projeto; também a aridez visual do Minimalismo e da Arte conceitual denotam uma tentativa de esvaziar as propriedades estéticas e o apelo mercadológico da obra. É neste contexto que surgem, na década de 60, os projetos de intervenção: os artistas começam a executar trabalhos em espaços públicos, na cidade e no campo, provocando uma intervenção na paisagem, ou no meio-ambiente. Estes trabalhos eram, algumas vezes, desmaterializados; outras vezes eram enormes; eram, enfim, cercados de manobras que tornavam impossível o deslocamento a venda e a propriedade privada da obra. Os trabalhos executados no meio natural ganharam o nome de Land-art, ou Earth-art (não há uma tradução para o português) conforme podemos observar nas Figuras 44 e 45; aos trabalhos realizados nas cidade, chamou-se Intervenção Urbana (Ver Figura 46).

Figura 44 - Robert Smithson. Spiral jetty – 1970.

Figura 45 - Christo. Islands Surroundeds – 1983.

Figura 47 - Vik Muniz. Nuvem – 2001

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Os trabalhos de caráter intervencionista perduraram dos anos 60 até os dias de hoje; ainda se fazem muitos trabalhos de Land-Art e as Intervenções Urbanas estão em alta. Um bom exemplo desta tendência na atualidade vem do fotógrafo brasileiro Vik Muniz (1961), que tem, recentemente, realizado e fotografado enormes desenhos feitos com pás mecânicas em grandes terrenos, e também usa aeroplanos para executar, com vapor, desenhos quase infantis de nuvens nos céus das cidades (Ver Figura 47). A Land-art é caractrizada pelos trabalhos excutados no meio natural (campo, praia, montanha, deserto, o céu, um lago, etc); os trabalhos podem ser gigantescos, mas também pequenos e delicados, também podem ser permanentes ou efêmeros. Na maior parte dos casos, estes trabalhos não contam com acréscimo de materiais estranhos ao ambiente, e são executados usando seus recursos naturais; porém, há exceccões, como é o caso das intervenções do artista Christo que, após o Novo Realismo, passa a executar grandes instalações ambientais efêmeras usando tecidos e plásticos (Ver Figura 48). Nos anos 60 e 70, era comum que os artistas escolhessem locais inóspitos, distantes, de difícil acesso, como os desertos, para realizarem os trabalhos. Isto fazia parte da tentativa de afastar a arte do circuito oficial e mercadológico; um trabalho feito longe da civilização, e que não pode ser removido de lá, parecia um tipo de obra ideal para não ser cooptada pelo sistema (Ver Figura 49). Já as Intervenções urbanas são necessáriamente efêmeras, uma vez que ocupam o espaço público das cidades, onde não podem estar permanentemente. Por sua natureza passageira, a Intervenção urbana pode assumir uma grande diversidade de formas; pode ser uma Performance que ocorre na rua, uma nuvem desenhada no céu da cidade, como fez Vik Muniz, Um out-door, como faz Barbara Krueger (1945) conforme podemos observar na Figura

Figura 46 - Gordon Matta-Clark. Splitting - 1974

Figura 49 - Richard Long. Linha no Saara – 1988

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Figura 48 - Christo. Ponte Neuf embrulhada - 1985

Figura 50 - Barbara Krueger. I shop therefore i am - 1987


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50, uma intervenção arquitetônica, como fazia Gordon Matta-Clark (1943 – 1978), que provocava cortes em casas comuns, chegando até ao Grafitti. Robert Smithson (1938 – 1973) é o mais celebrado artista da Land-art, e é dele aquela que talvez seja a obra de Land-art mais conhecida do mundo, a Spiral Jetty, uma gigantesca espiral de terra e pedras que avança sobra as águas do Lago salgado, em Utah (Ver Figura 44). Também Michael Heizer (1944), nos anos 60 e 70, trabalhou exaustivamente no deserto do meio-oeste norte-americano. Sua manobra básica consistia em abrir grandes buracos, recortados em formas geométricas, no solo do deserto (Figura 51). Seu trabalho mais conhecido é “Double negative“, de 1969, onde ele abriu duas grandes fendas nas encostas de uma montanha. O britânico Richard Long (1945) gosta igualmente de locais ermos. Já peregrinou por todos os desertos e cadeias montanhosas do mundo, em busca de sítios isolados onde realizar seus trabalhos, que depois são fotografados por ele próprio. É necessário dizer que tanto Long quanto os outros artistas da Land-art, ao decidirem fazer trabalhos invendáveis, corriam o risco de não conseguirem custear seus projetos e sua própria sobrevivência. Isto era resolvido com fotografias: Os artistas fotografavam os trabalhos, e vendiam cópias assinadas destas fotografias para galerias e colecionadores. Walter de Maria (1935) foi outro artista que optou por trabalhar no deserto norte-americano. Seu trabalho mais conhecido é “Ligtning field“, que consta de um quadrilátero de 1x1 km formado por pára-raios. Este campo atrai raios nas tempetades, que são registrados em fotografias (Ver Figura 52). Christo, que embrulhava os mais diversos objetos no Novo Realismo, ressurge com embrulhos enormes. Ele embrulha literalmente qualquer coisa, seja uma ponte em Paris, ou o prédio do parlamento em Berlim. Seu trabalho mais recente é “Gates“ de 2005, quando ele instalou 7.500 grandes estruturas metálicas com tecido laranja no Central Park, em N. York (Figura 53). O britânico Andy Goldsworthy (1956) é, além de artista, ambientalista militante. Embora construa também estrturas grandes e permanentes, sua especialidade são as esculturas delicadas e pequenas, desafiadoramente efêmeras, que ele contrói com gravetos, folhas, pétalas, sementes, etc. No inverno britânico, ele constrói também delicadas intervenções com esculturas feitas artesanalmente de gelo. Mais uma vez, aqui o objeto a ser comercializado, para a sobrevivência do artista, são fotos assinadas (Ver Figura 54).

Figura 52 - Walter de Maria. Ligtning field – 1977.

Figura 53 - Christo. Gates. 2005.

Figura 51 - Michael Heizer – Dissipate – 1968.

3.2 O Happening O termo happening surgiu no fim dos anos 1950; foi criado pelo americano Allan Kaprow (1927 – 2006) para designar uma forma de arte que, partindo da Performance, mistura artes visuais e teatro em apresentações multimidiáticas que necessariamente devem envolver ativamente o público. Seus precursores históricos são as soireés futuristas e dadaístas do iníciodo século. O primeiro Happening, de autoria do próprio Kaprow, intitulava-se “18 Happenings in 6 parts“ e ocorreu em N. York, em 1959. Durante várias noites, em ambientes preparados dentro da galeria com divisória plásticas e repletos de objetos inusitados, pessoas preparadas pelo artista executavam e envolviam o público em diversas ações.

Figura 54 - Andy Goldsworthy. I ce Spiral – 1990.

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Figura 55 - Allan Kaprow. Mulheres lambendo geléia da lataria de um carro – 1964.

Figura 56 - Kaprow. Yard – 1967.

Figura 57 - Wolf Vostell. Decollage – 1965.

Figura 58 - Ligia Clark. Nostalgia do corpo (teia) – 1974.

Assim como a Performance, o Happening alcançou grande projeção internacional e foi muito praticado nos anos 60 e 70; o próprio Kaprow realizou por volta de duzentos (Ver Figura 55 e 56) . Além dele, outros artistas como Claes Oldemburg e Robert Rauschemberg também realizaram happenings, e o grupo Fluxus elegeu o Happening como uma forma preferencial para os suas apresentações. Na Holanda, o grupo Provos realizou, no início dos anos 60, inúmeros happenings nas ruas de Amsterdã. Também os membros da Internacional Situacionista eram adeptos do Happening. O Situacionismo, movimento artístico e político criado na Europa no fim dos anos 50, propunha uma dissolução das fronteiras entre arte e vida, e alertava para o valor poético da “Situação“, ou seja, do momento vivido. Guy Debord (1931-1994) foi sua maior liderança. Entre os Happenings situacionistas estavam as “ Derivas“, onde era indicado às pessoas que, em uma cidade estranha, andassem à deriva e se perdessem, aproveitando os insigths da situação. Inicialmente, é preciso dizer que não houve um movimento coeso dedicado ao Happening, a não ser dentro de grupos como o Fluxus e a Internacional Situacionista. No mais, o Happening foi eventualmente praticado por artistas de todas as vertentes. O Happening congrega elementos das artes visuais e do teatro, podendo ainda agregar música, dança, e ainda outras linguagens. Trata-se de um evento coletivo, proposto por um artista ou grupo de artistas, mas que deve ser realizado pelo público. De fato, a participação ativa do público nos happenings é o que diferencia esta linguagem da Performance, uma vez que na Performance não há espaço para a participação do espectador. O principal executor e divulgador da nova linguagem é mesmo Allan Kaprow, que contruirá sua obra basicamente com a realização de happenings. Artistas de outros movimentos realizavam eventualmente happenings, como é o caso de Rauschemberg e Oldemburg, e também de Jim Dine (1935), que em 1960 realizará seu famoso Happening “Car crash“. No grupo Fluxus destaca-se o alemão Wolf Vostell (1932 – 1998) que será um dos principais promotores do Happening dentro do grupo (Ver Figura 57). No Brasil, a maior promotora de happenings nas décadas de 60 e 70 foi Ligia Clark (1920-1988), que por quase vinte anos desenvolveu sua proposta, chamada “Nostalgia do corpo“ (Figura 58), que envolvia a realização de vários happenings. Um dos mais conhecidos é “Baba antropofágica“ (Figura 59), onde uma pessoa é deitada e doze outras pessoas passam a retirar linhas cheias de saliva da boca e depositá-las sobre o corpo deitado.

3.3 A Performance

Figura 59 - Ligia Clark. Baba antropofágica - 1973.

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A Performance surge embrionariamente na primeira metade do século XX, nas soireés futuristas e dadaístas. Também Marcel Duchamp desenvolvia seu lado performático quando se travestia de Rrose Sélavy. Novas pesquisas com performance passam a ocorrer, no início dos anos 50, nos Estados Unidos, no Black Mountain College, com colaborações entre Rauschemberg, O músico John Cage (1912-1992), e o coreográfo Merce Cunningham (1919-2009). No Japão saído recentemente dos traumas da guerra, o grupo Gutai, fun-


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dado por Jiro Yoshihara (1905-1972), em 1954, aspirava a uma arte que fosse mais “concreta“, mais vital, e a Performance era a sua principal linguagem. Na primeira exibição do grupo, em 1955, foram marcantes as performances de Kazuo Shiraga (1924-2008), “Challenging mud“ (Ver Figura 60), onde o artista lutava com uma grande massa de argila, e também as performances de Atsuko Tanaka, que se vestia com dezenas de lâmpadas e válvulas, e dançava com todas elas acesas (Figuras 61 e 62). Na Europa, a Performance reaparece com Yves Klein que, além de artista afiliado ao Novo Realismo, era mestre em judô, o que o levava a fazer sucessivas viagens ao Japão e, consequentemente, a tomar contato com o trabalho do grupo Gutai. Em 1958, em sua exposição-performance “O vazio“, Klein inicia uma longa série de performances que continuariam com suas célebres antropometrias. Também Arman, entre os novos realistas, passará a fazer performances. No Brasil, as primeiras performances foram realizadas pelo artista Flávio de Carvalho (1899-1973). Tornou-se célebre a ocasião, em 1956, quando ele desfilou na Avenida Paulista usando o seu “Traje de verão“ (Figura 63). Desde a sua retomada histórica nos anos 50, a Performance permaneceu em voga até os dias de hoje, embora devamos notar que o seu momento de maior força foi nos anos 60 e 70. Isto porque estas foram décadas de instabilidade política em boa parte do globo, e a performance pareceu um meio adequado de expressão política para muitos artistas. De fato a Performance veio a tornar-se a mais “política“ das linguagens artísticas, contando, para isto, com o fato de ser instantânea e ocorrer ao vivo, sendo, portanto, perfeita para as correntes que pretendiam dissolver as barreiras entre arte e vida. Além disto, a Performance não é objetual; não é possível comprar e colecionar uma performance, o que a torna ideal para artistas que, como era comum na época, buscavam uma obra de arte que não pudesse virar mercadoria (aqui, mais uma vez, a sobrevivência dos artisas era garantida com a venda de fotos e filmes das ações. A Performance se caracteriza basicamente pela apresentação ao vivo e em tempo real de uma ação, por um ou mais artistas (ou performers convidados pelo autor), diante ou em meio ao público. Diferentemente do Happening, aqui o público não participa ativamente da ação. Embora contenha elementos de teatro, a Performance no campo das artes plásticas não comporta interpretações ou dramatizações, o trabalho do performer não é o mesmo de um ator; neste sentido, não há “representação“, mas a “apresentação“ de uma ação. Também podem entrar na Performance elementos de música, dança, vídeo, etc. Dentro da Performance, uma vertente acabou fundando uma sub-categoria que se chamou Body-Art. Atualmente, o termo Body-art está ligado à área das tatuagens e modificações corporais. Nos anos 60 e 70, entretanto, a body-art designava um tipo especial de performance onde o corpo não era apenas o veículo da ação, mas também o seu suporte; a ação era executada sobre o corpo, e muitas vezes contra ele. Muitas ações de Body-art comportam elementos como violência auto-inflingida, escatologia, esforços físicos extenuantes, etc. O grupo Gutai, no Japão, Yves Klein, na Europa, e Rauschemberg, nos EUA, são os pioneiros da retomada da Performance na segunda metade do Século XX. Como se vê, a Performance torna-se rapidamente internacional e, em meados dos anos 60, torna-se um fenô-

Figura 60 Kazuo Shiraga. Challenging mud - 1955.

Figura 61 - Atsuko Tanaka. Electric dress – 1955.

Figura 62 - Atsuko Tanaka. Electric dress. Detalhe de movimento – 1955.

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meno mundial, com adeptos que iam da América do Sul aos confins da Oceania. Nos EUA, podemos citar Bruce Nauman (1941) que, nos fins dos 60 e início dos 70, executou uma série de performances (exercícios corporais), hoje emblemáticas (Ver Figura 64). As performances de Nauman não eram realizadas em público; ele preferia a solidão do ateliê para executar os exercícios, que eram filmados. Os filmes, estes sim, eram exibidos publicamente. O também norte-americano Dennis Oppenheim (1938) executou, em 1970, sua performance mais política: Em “ Posição de leitura para queimadura de segundo grau“ ele deita-se ao sol, com parte do torso coberto por um livro de táticas militares de infantaria, retirado da biblioteca do exército, e deixa-se tostar até provocar queimaduras de segundo grau em sua pele (um trabalho de Body-art), numa clara a crítica à participação dos EUA na guerra do Vietnâ (Figura 65). Ainda entre os norte-americanos adeptos da Body-art, destaca-se Chris Burden (1946) que, no início dos anos 70 realiza uma série de performances radicais, como ficar cinco dias preso em um maleiro de rodoviária (Five days locked - 1971), ou ainda quando pede para um amigo dar um tiro em seu braço com uma carabina (Shot-1971) conforme podemos observar na Figura 66.

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Figura 63 - Flávio de Carvalho. Experiência n. 3: Traje de Verão – 1956.

Figura 64 - Bruce Nauman. Studies for holograms - 1970.

Figura 65 Dennis Oppenheim. Posição de leitura para queimadura de segundo grau – 1970

Figura 66 - Chris Burden. Shot – 1971.


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As performances de Vito Acconci (1940) são emblemáticas da Bodyart: em Trappings (1971), por exemplo, o artista leva horas vestindo o seu pênis com roupas de bonecas e conversando com ele. Em Seedbed (1970), masturba-se ininterruptamente sob uma plataforma de madeira, enquanto o público caminha por cima. Em outras performances ele explora questões ligadas à alteridade, como em Follow Piece (1969), quando ele segue ostensivamente pessoas na rua e em outros locais públicos (Figura 67). Carolee Schneeman (1939) usava particularmente as qualidades femininas de seu corpo em seus trabalhos de Body-art. Em uma época onde a emancipação social da mulher era um discurso corrente, ela levou ao extremo a sua feminilidade ao explorar o interior da própria vagina. Em Interior Scroll (1975), ela fica nua, pinta o corpo com lama, e depois começa a retirar lentamente uma fita de papel de dentro de sua vagina, enquanto lê o texto que está escrito ali (Figura 68). O grupo Fluxus, formado pelo lituano Georges Maciunas (1931-1978), em 1961, pregava a derrubada de fronteiras entre arte e vida, atentava vigorosamente contra os meios tradicionais da arte, e contra o seu caráter mercadológico. Fluxus (fluxo) se torna um movimento internacional, e tem na performance um dos seus principais veículos de expressão. Entre os performers de Fluxus podemos citar a japonesa Yoko Ono (1933), que em 1964 apresentou a sua performance Cut Piece, onde deixava que o público cortasse e levasse pedaços de sua roupa (Figura 69). Também ligado ao Fluxus temos o alemão Joseph Beuys (1921-1986). Beuys trabalhava com fotografia, desenho, escultura, instalação, performance, além de ser o autor de uma utopia artística onde cada ser humano se tornaria um artista. Sua obra é sagazmente política, como na performance “Coyote: I like America and America likes me“, de 1974: Ele entra em um transporte em Berlim, que o deixa diretamente em N. York, dentro de uma galeria, onde há um coiote recém capturado no oeste americano; o artista e o coiote conviveram durante quatro dias (Ver Figura 70). Na Áustria, o grupo de Viena, o Actionismus, reunia Rudolf Schwarzkogler (1941-1969), Günther Brüs (1938), Herman Nitsch (1938), entre outros, e usava uma estrutura mais ritualística e por vezes orgiástica em suas performances. Herman Nitsche, por exemplo, sacrificava e dissecava ritualisticamente animais diante do público, sobre um lençol branco. O lençol sujo de sangue, depois, era proposto como pintura (Ver Figura 71).Da Sérvia, Marina Abramovic (1946) surgiu no início dos anos 70 realizando performances em dupla com seu marido, Ulay. Nestas performances eram exploradas questões de gênero e de alteridade, bem como questões em torno da moral social que cerca o corpo. No trabalho intitulado Imponderabilia (1977), por exemplo, ambos ficam em um corredor, nus, de frente um para o outro, deixando apenas uma estreita passagem para o público que, se quisesse passar, teria que se espremer entre eles (Ver Figura 72). Hoje, Abramovic trabalha só; sua última grande obra de alcançe internacional foi Balkan Erotic Epic, uma série de vídeo-performances onde trabalha com visões poéticas da sexualidade, inspirada nas tradições populares de sua terra natal (Figura 73). Na Itália, Gina Pane (1939) executa, nos anos 70, uma série de incisões em seu corpo, feitas com lâminas, diante do público, tornando-se um expoente

Figura 67 - Acconci. Follow Piece – 1969.

Figura 68 - Carolee Schneeman. Interior Scroll – 1975.

Figura 69 - Yoko ono. Cut Piece - 1964.

Figura 70 - Joseph Beuys. Coyote: I like America and America likes me – 1974.

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Figura 71 - Herman Nitsche. Action 4 - 1969.

da body-art européia.Um dos trabalhos mais impactantes desta série é a marca de cesariana que auto-inflingiu, em 1974 (Figura 74). Na França, igualmente adepta da Body-art, a artista Orlan (1947) inicia, em 1990, o trabalho “Reencarnação de Santa Orlan“, que consiste em se submeter a uma série de cirurgias plásticas no rosto, cada parte modificada para se assemelhar a uma pintura (retrato de mulher) famosa na História da Arte. O cipriota radicado na Austrália Stelarc (1946) também surgiu no início dos anos 70, com suas performances de suspensão. Os fios eram presos em sua pele através de perfurações, como piercings (Figura 75). Hoje, ele trabalha com próteses robóticas e outros elementos de tecnologia avançada. O Brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980) também pode ser considerado um pioneiro da Performance. Ainda no início dos anos 60 ele já apresentava os seus Parangolés. O parangolé é uma escultura feita de tecidos, para ser vestida por um performer, que deve então desenvolver uma ação corporal, como dançar, enquanto veste a obra. Um dos mais notórios modelos usados por Oiticica em seus parangolés foi o famoso passista Nildo da mangueira (Ver Figura 76).

3.4 Fotografia e Vídeo

Figura 72 - Abramovic-Ulay. Imponderabilia – 1977.

Figura 73 - Abramovic. Balkan Erotic Epic – 2006.

Figura 74 - Gina Pane. Action Psyche – 1974.

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A Fotografia e o Vídeo seguiram trajetórias próprias até se firmarem como linguagens das artes plásticas. A Fotografia, invenção do séc XIX, desenvolveu um caminho paralelo ao da arte moderna, estando um tanto isolada das vanguardas artísticas da primeira metade do século XX. De fato, por déca das a fotografia foi vista mais como um documento visual do que uma obra de arte; os grandes fotógrafos do início do século passado são, em sua maioria, fotodocumentaristas ou foto-jornalistas (exceção seja feita para Man Ray). A partir dos anos 50, passa a haver um novo entrecruzamento entre arte e fotografia: Fotos oriundas da Publicidade passam a integrar obras de arte, como em Rauschemberg, em Mimmo Rotella e, depois, em Warhol. Nos anos 60, devido aos esforços de se retirar da obra seu apelo ou possibilidades comerciais, como na Arte Conceitual, na Land-art, nos Happenings e nas Performances, a Fotografia passou a ocupar um papel de destaque, uma vez que o documento fotográfico era, muitas vezes a única coisa que restava da obra, ou a única maneira de provar que a obra existiu. Como já dissemos, fotografias de obras de Land-art, ou de Performances eram assinadas pelos artistas e vendidas com status de obras de arte. Apenas a partir dos anos 70 a Fotografia assumiu autonomia, livre de seu papel documental, e se firmou como mais um meio de expressão das Artes Plásticas. Hoje em dia, com a multiplicação dos formatos, suportes e meios (inclusive digitais) de impressão, a Fotografia viu ampliadas suas possibilidades técnicas, estéticas e poéticas, e é uma linguagem constante nas exposições de Arte contemporânea (Ver Figura 77). O Vídeo começa a se popularizar na arte a partir dos anos 60, na mesma medida em que a TV se tornava um fenômeno nos lares do mundo. Neste período, apesar das experiências em vídeo de Warhol, por exemplo, esta mídia se prestava, majoritariamente , a um papel documental: muitos artistas de Land-art, Happening e Performance usaram do Vídeo para registrar os seus trabalhos. No final da década, artistas como Bruce Nauman, Vito Ac-


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conci e os membros do grupo de Viena, inventariam a Vídeo-performance: Ações que eram feitas em estúdio ou ateliê, longe dos olhos do público, apenas para as câmeras. O objeto final era um vídeo da ação, que passava a ganhar estatuto de obra de arte. Assim como a Fotografia, o Vídeo conquistou lentamente autonomia e teve, nestes últimos anos, grandes avanços tecnológicos. Hoje é uma das linguagens obrigatórias em qualquer exposição de arte Contemporânea. A cena contemporânea de Fotografia e de Vídeo é muito ampla, tendo se desenvolvido espantosamente nas três últimas décadas. Aqui, citaremos apenas alguns nomes exponenciais nestas linguagens. Robert Mapplethorpe (1946 – 1989) foi, indiscutivelmente o fotógrafo mais polêmico de sua geração (Figura 78). Homossexual assumido, descobriu, em meados da década de 80, que era portador do vírus HIV, o que naquela época era o mesmo que uma sentença de morte. Decidido a provocar e polemizar até o fim, Mapplethorpe, que vinha de uma bem sucedida carreira de fotógrafo de celebridades, além de produzir delicadas composições com flores e motivos clássicos, passou a explorar a sua sexualidade abertamente em suas fotos (Figura 79), produzindo imagens de um apelo homoerótico desconcertante, inclusive com registro de situações sado-masoquistas, prática da qual era adepto. Quando morreu, no final da década, Mapplethorpe havia já se tornado um dos nomes mais importantes da Arte Contemporânea. Em 1990, a polícia invadiu uma exposição póstuma, em Cincinnati, tornando-se o primeiro caso de um museu americano processado criminalmente por uma exposição. A obra de Mapplethorpe está inserida na tendência contemporânea chamada Multiculturalismo. Esta tendência dá expressão a minorias sociais e permite que artistas que vivem em situações excêntricas, como em guetos underground, possam documentar imageticamente o seu universo. Outra grande representante desta tendência é a fotógrafa Nan Goldin (1953). Goldin conviveu desde os anos 70 com personagens da cena underground, como travestis, prostitutas, drag-queens, viciados em drogas, os quais registrou com imensa sensibilidade. Na década de 80, Goldin acompanhou diversos casos de amigos seus que morreram em decorrência da AIDS, documentando sua luta e sua lenta decadência (Figura 80). Uma sequência fotográfica célebre de Goldin é aquela em que ela se registra após ter apanhado de seu amante, documentando dia após dia, a recuperação de seu rosto (Figura 81).Uma atitude rica em fetiche e subjetividade pode ser encontrada na obra da americana Cindy Sherman (1954). Sherman invariavelmente fotografa a si mesma em cenas calculadas para reproduzirem imagens que remetem ao cinema, à pintura, além de produzir imagens bizarras onde usa próteses de borracha. Em geral, suas fotografias, além de serem ricas em conteúdos psíquicos, dialogam com a cultura visual e com a História da Arte (Figuras 82 e 83). O trabalho de Sherrie Levine (1947) adota manobras bem mais cerebrais. Levando ao extremo o conceito duchampiano de apropriação, e querendo provocar os conceitos de autoria e de originalidade, Levine recorre ao recurso de reproduzir obras de artistas já consagrados. São bem conhecidas as reproduções que ela fez de trabalhos do fotógrafo norte-americano da primeira metade do séc. XX Walker Evans. Levine enquadrou a fotografia de

Figura 75 - Stelarc. Performance. Década de 1970.

Figura 76 - Hélio Oiticica. Nildo da Mangueira veste Parangolé – 1964.

Figura 77 - Bruce Nauman. Square dance - 1967.

Figura 78- Robert Mapplethorpe. Louise Bourgeois -1982

Figura 79 - Mapplethorpe. Homem com terno de polyester – 1980.

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Figura 80 - Nan Goldin. Kotscho kissing Giles – 1993.

Figura 81 - Goldin. Um mês depois de ser surrada – 1983.

Figuras 82 e 83 - Cindy Sherman. S. título – 1990.

Figura 84 - Sherrie Levine. After Walker Evans – 1981.

Figura 85 - Oliviero Toscani. SIDA – 1992.

Figura 87 - Vanessa Beecroft. S. título – 2001.

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Evans em sua câmera, e a fotografou. O resultado foi uma fotografia idêntica ao seu modelo, a qual Levine assinou e intitulou After Walker Evans (Depois de Walker Evans). Criticada impiedosamente por sua atitude, a artista defendeu-se argumentando que qualquer fotógrafo aponta sua câmera para qualquer objeto do mundo, à sua escolha, e o fotografa; ela fizera a mesma coisa, apenas o objeto que ela escolheu foi uma foto de Walker Evans (Figura 84). O fotógrafo e publicitário italiano Oliviero Toscani (1942) criou para a marca Benetton, nos anos 90, uma das mais originais e polêmicas campanhas publicitárias, totalmente composta por fotografias de alto impacto, com inegável conteúdo político. As fotos de toscani denunciavam e criticavam questões como o preconceito racial, a homofobia, a guerra e a hipocrisia moral da sociedade como um todo. Suas imagens eram tais como a roupa ensanguentada de um soldado que morrera na guerra, um homem que morre vítima da AIDS cercado por seus familiares (Figura 85), um beijo entre um padre e uma freira, etc. Mais recentemente podemos citar o fotógrafo novaiorquino Spencer Tunick (1967). Tunick especializou-se no tema clássico do nu artístico, recontextualizando-o. Seus nus são registrados em espaços públicos, desafiando a moral social sobre o corpo, o que levou várias vezes à interferência da polícia. Podem ser individuais ou coletivos. As fotos de nus coletivos chegam a arrebanhar milhares de participantes e vêm sendo feitas no mundo todo, inclusive em São Paulo. Estas fotos demandam semanas de produção; todos os modelos são voluntários e ganham uma cópia da foto como pagamento (Ver Figura 86). Da Europa, temos a italiana Vanessa Beecroft (1969). Esta fotógrafa, assim como Tunick, promove happenings, onde pessoas são convidadas a integrarem a obra. No caso de Beecroft, ela prepara cenas coletivas, geralmente com mulheres semi-nuas que, embora expressem frieza, emanam também uma inegável atmosfera de sensualidade e fetiche. Seus grupos são organizados em formações simples, como filas, e as mulheres usam invariavelmente peças como meias-calças, perucas, sandálias, e outros itens do vestuário feminino misturados a peças incongruentes, artificiais. Suas aparências e poses são de manequins (Figura 87). O Brasil possui, na atualidade, pelo menos dois fotógrafos com renome internacional. São eles Sebastião Salgado (1944) e Vik Muniz (1961). Sebastião salgado é um fotógrafo rigorosamente clássico, que consegue dotar seus temas com dimensões épicas. Seus motivos preferidos são as migrações, as multidões, as massas em deslocamento ou em situação de trabalho (Figura 88), os movimentos sociais (como o MST) e os personagens anônimos que compõe estas sagas. As fotografias de Salgado são analógicas e em preto e branco, segundo a velha escola do foto-documentarismo, e passam por uma cuidadosa seleção antes de virem a público. Vik Muniz é um artista jovem radicado em Nova Iorque, onde estourou antes de ser conhecido por aqui. Sua manobra consiste em reproduzir imagens, algumas extraídas da História da Arte, outras da tradição cultural visual do Ocidente, em diversos materiais inusitados, como calda de chocolate, molho de tomate, açúcar, etc. Com estes materiais, Muniz desenha a imagem que quer, e depois a fotografa (Ver Figura 89). Assim, a obra final


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é a fotografia. Recentemente, Muniz vem realizando imensos desenhos em depósitos de lixo; desenhos que são fotografados do alto, e que se revelam minuciosamente executados . A Videoarte, como já foi dito, alcançou lentamente a sua autonomia. Na primeira metade do séc. XX foram feitos experimentos pioneiros, ainda com status de cinema, por dadaístas e surrealistas. Porém, é a partir dos anos 60 que encontraremos os primeiros trabalhos autônomos de Videoarte, a começar pelas experiências de Andy Warhol e também do grupo Fluxus. Esta linguagem passaria a ter uma presença mais constante no meio artístico a partir dos anos 80, até se tornar, hoje, em um dos meios mais importantes da Arte Contemporânea. Um dos principais videoartistas da atualidade é o norteamericano Bill Viola (1951). Viola trabalha com vídeo desde os anos 70, quando suas obras investigavam a luz, e aspectos da vida urbana. Posteriormente, sua poética amadureceu para uma investigação dos elementos, sobretudo a água. Podemos dizer, sem erro, que hoje Bill Viola é o maior poeta visual que tem na água seu principal material. Ele explora suas luzes, seus movimentos e reflexos, e estuda os movimentos dos corpos imersos na água, sua dança flutuante, o efeito de voar dentro do meio aquoso (Ver Figura 90). Normalmente, seus vídeos são feitos em altíssima resolução, e fazem uso constante da velocidade slow, o que potencializa seu efeito poético. Hoje em dia, é possível encontrar vários vídeos de Bill Viola hospedados no Youtube. Normalmente, os vídeos de Viola não são feitos para serem visualizados em uma TV. O artista prefere exibi-los em video-instalações, como em seu trabalho permanente no Museu Beaubourg, em Paris, Cinco Anjos para o milênio, onde pessoas vestidas de branco caem na água em uma velocidade superlenta, em cinco grandes projeções simultâneas em um mesmo ambiente (Figura 91). Outro grande artista do vídeo da atualidade é o também norteamericano Gary Hill (1951). Hill iniciou seus experimentos nos anos 70, tentando trabalhos que reunissem vídeo, texto e som, e evoluiu para uma investigação mais ampla, onde se interrelacionam linguagem, imagem, identidade e corpo. Atualmente, Hill também trabalha com vídeo-instalações em ambientes imersivos, como é o caso de seu trabalho Viewer, de 1996, onde, em um ambiente escuro, uma sequência de imagens de pessoas projetadas em tamanho natural nos observa e, esporadicamente, fazem movimentos que parecem se relacionar com a nossa presença no ambiente (Figura 92). Uma presença constante no circuito internacional também pode ser atribuída à videoartista suíça Pipilotti Rist (1962). Rist iniciou seus experimentos no formato Super-8, até evoluir para o vídeo. Seus trabalhos são quase sempre simples, e discutem gênero, sexualidade, identidade, feminilidade, pelo que é apontada por alguns críticos como sendo uma artista feminista. Em Pickelporn, trabalho de 1992 que lhe deu notoriedade, Rist opera com as questões do corpo feminino e da excitação sensorial e sexual. Uma câmera olho-depeixe passeia sobre os corpos de um casal nu. As imagens são ligeiramente distorcidas e muito aproximadas, o que causa ambiguidade. As cores são intensas, invocando o forte caráter sensorial do trabalho (Ver Figura 93).

Figura 88 - Sebastião Salgado. Subindo (Série Serra Pelada) – 1986.

Figura 89 - Vik Muniz.

Figura 90 - Bill Viola. Dissolution – 2005

Figura 91 - Bill Viola. Cinco Anjos para o Milênio – 2001.

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Figura 92 - Gary Hill. Viewer – 1996.

Figura 93 - Pipilotti Rist. Pickelporn – 1992

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UNIDADE 4

Dos 80 para cá

A escola expressionista é uma das mais fortes e constantes na arte. Ela deriva das experiências do Romantismo, na passagem dos sécs. XVIII para o XIX, e das experiências dos pós-impressionistas, como Van Gogh. No séc. XX, o Expressionismo ressurge inicialmente no Fauvismo francês e nos grupos alemães A Ponte e O Cavaleiro Azul. A partir da segunda década do século, ao lado da vertente expressionista figurativa, Kandinsky funda o Expressionismo Abstrato, baseado em manchas cromáticas. Sempre reciclado, o expressionismo permaneceria vivo, principalmente na alemanha, até a década de 30, quando foi oficialmente condenado pelo Nazismo. Porém, depois da Segunda Guerra, uma nova onda expressionista varreu o Ocidente, baseada nas lições abstratas de Kandinsky. Na Europa, esta vertente se chamou Tachismo, e nos EUA chamou-se Expressionismo Abstrato. Esta nova onda expreessionista vigorou por toda década de 50, arrefecendo diante das propostas fortemente conceituais dos anos 60. De fato, nos anos 60 não houve Expressionismo; ali pintava-se à maneira Op, Pop, ou pintava-se palavras e textos, como gostavam os artistas conceituais. Nos anos 70, entretanto, veríamos surgir uma novíssima retomada do expressionismo, agora francamente figurativo, inspirado nos artistas dos anos 20 e 30, a qual se chamou de Neo-expressionismo.

4.1 Neo-expressionismo O Neo-expressionismo surge na Alemanha, no início dos anos 70, e a partir dos anos 80 torna-se um movimento internacional. Na Alemanha, os neo-expressionistas se inspiraram no expressionismo figurativo histórico de Klee, Kokoschka, Kirchner e Nolde. Ali são retomadas as distorções dramáticas das figuras, as cores ácidas e desagradáveis, a pintura de pinceladas aparentemente grosseiras, e a atmosfera de decadência e niilismo, traduzindo o espírito trágico tão presente no povo germânico. No plano internacional, o Neo-expressionismo incorporou outras questões, chegando mesmo a tornar-se abstrato (como no Brasil, por exemplo); porém, sempre fiel em representar o estado de angústia contemporânea presente no final do séc XX. Na Alemanha destacam-se A. R. Penck (1939), com suas pinturas que lembram desenhos rupestres, símbolos tribais, cheios de seres híbridos e invocações aos símbolos nacionais alemães, como a águia (Ver Figura 94). O também alemão Georg Baselitz (1938) tem suas formas inspiradas em

Figura 94 - A. R. Penck . The way - 1989.

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Figura 95 - Baselitz. Clown – 1981.

Figura 96 - Anselm Kiefer. Nigredo – 1984.

Figura 97 - Guston. Head and bottle – 1975.

Figura 98 Julian Schnabel. Divan – 1979.

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Kokoschka e Nolde, e também na pintura do inglês Francis Bacon. Suas figuras são solitárias, fantasmagóricas, mesmo quando ele usa cores fortes e pinceladas grosseiras; neste sentido, lembra também a solidão obscena das figuras de Schiele. Nos anos 80, Baselitz notabilizou-se pela série em que pintava seus personagens de cabeça para baixo (Figura 95). Ainda da Alemanha vem aquele que é talvez o pintor neo-expressionista europeu mais conhecido: Anselm Kiefer (1945). Dono de uma cultura invejável, Kiefer faz aportar em suas pinturas gigantescas toda a tradição pictórica do Ocidente, ao mesmo tempo que invoca o espírito sombrio e romântico do povo alemão. Suas imagens nos mostram paisagens e vistas soturnas, plúmbeas, francamente decadentes do mundo contemporâneo e da tradição artística e filosófica de seu país (Ver Figura 96). Na América, encontramos um pioneiro do Neo-expressionismo em Philip Guston (1913-1980), um pintor canadense que, sendo da mesma geração de Francis Bacon e Dubuffet, diferenciou-se por anexar à dramaticidade do gesto e da figuração expressionista, o humor e o cinismo da arte Pop, o que antecipou a síntese que os neo-expressistas viriam a perseguir (Ver Figura 97). Nos Estados Unidos, encontramos um importante experimentador das possibilidades expressivas dos materiais e processos em Julian Schnabel (1951). Morador de Nova Iorque, Schnabel começou a agregar diversas matérias, como cacos de louça, às suas pinturas (Figura 98). O resultado é sempre uma imagem carregada, dúbia, com uma matéria urbana que domina a espontaneidade do gesto. O Neo-expressionismo, nos EUA, alcançou sua feição mais urbana, assumindo definitivamente a sua semelhança com o Grafite de rua, o que em Penck já era sinalizado. De fato, dois grafiteiros nova-iorquinos vieram a se tornar grandes representantes do Neo-expressionismo; eram eles Keith Haring (1958-1990) e Jean-Michel Basquiat (1960 – 1988). Basquiat é descendente de pai haitiano, de família pobre, tendo nascido em N. Iorque. Começou a grafitar na adolescência, com o pseudônimo SAMO (Same Old Shit). Já adulto, chegou a morar na rua e dormir no Central Park, vivendo da venda de pequenos desenhos que oferecia a pessoas em bares ou nas ruas. Gastava quase todo seu dinheiro comprando material para grafitar e desenhar. Seus desenhos são fortemente expressivos, quase primitivos, onde ele mistura elementos coletados na sociedade, como marcas, pessoas, números, palavras, objetos (Ver Figuras 99 e 100), entre outros simbolos gráficos. Seu trabalho passou a ser mais conhecido no começo dos anos 80, quando conseguiu se inserir no exigente circuito de Manhattan, e conheceu Andy Wahrol, de quem se tornou amigo. Sua ascenção foi espetacular; em poucos anos, Basquiat deixou de ser sem-teto para se tornar um dos mais festejados artistas do mundo. Seus quadros alcançaram preços astronômicos, embora ele gastasse quase tudo, na época, com drogas. As drogas terminariam por matá-lo em 1988, no auge de sua carreira. Keith Haring fez escola de Design, e era totalmente afeito ao estilo das artes gráficas, o qual ele empregava em seus grafites em Nova Iorque. Assim como Basquiat, após penar no anonimato por algum tempo, Haring foi descoberto pelo circuito nova-iorquino e alçado ao posto de artista internacional em um


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piscar de olhos. Sua obra é bem humorada, portadora de um traço quase infantil, mas com uma capacidade crítica desconcertante (Ver Figura 101). Também como Basquiat, Haring morreu jovem, vítima da AIDS, em 1989. O Neo-expressionismo chegou também na arte brasileira, dentro do período que ficou conhecido como Geração 80. Sem se alinharem exatamente com a vertente alemã, nem com a americana, os neo-expressionistas brasileiros encontraram seus próprios caminhos. Os principais expoentes da tentência no Brasil foram Iberê Camargo (1914-1994), que já era expressionista figurativo de longa data, mas que teve seu trabalho revalorizado nos anos 80; Jorge Guinle (1947-1987), que trabalhou um expressionismo mais abstrato, próximo de De Kooning (Ver Figura 102); Nuno Ramos (1960), que passou a agregar matérias como plásticos , borrachas e tecidos aos trabalhos, tensionando a pintura até o seu limite: e Leonilson (1957-1993), que tinha uma pintura forte, cujas formas lembram um pouco o desenho de Guston, mas de caráter mais intimista e lírico.

Figura 101 - Keith Haring. Pop Shop Quad – 1988.

4.2 A Transvanguarda Transvanguarda é o nome pensado por Achille Bonito Oliva, lançado em seu livro A Transvanguarda Italiana, para designar uma tendência que aportou na arte italiana a partir do fim dos anos 70, dentro do movimento internacional neo-expressionista. Não é exagero dizer que a Transvanguarda é o Neo-Expressionismo italiano. A Transvanguarda reagia e opunha-se ao cerebralismo conceitual da Arte Povera, movimento que vigorou na Itália nos anos 60 e 70. Ela celebrava o prazer da manufatura da obra, a experiência vigorosa e alegre de pintar (sempre quadros figurativos, nunca abstratos, e tendo o corpo humano como tema principal). O movimento teve grande repercussão na década de 80 e, embora tenha saído de cena alguns anos depois, nunca foi encerrada oficialmente, e seus artistas continuam ativos ainda hoje. A Transvanguarda foi um movimento de pintura e escultura caracterizado pela diversidade. As pinturas eram figurativas, com traços e formas que remetiam ao expressionismo histórico, mas também à Bad Paiting de Philip Guston, e invariavelmente exibiam situações com figuras humanas. Avessa à noção de estilo, e negando os conceitos da Vanguarda, a Transvanguarda propunha recorrer de maneira não linear à História da arte, subvertendo o movimento da vanguada histórica. Hipoteticamente, as pinturas deveriam conter elementos de vários estilos, primar pelo ecletismo e pela desarmonia, pela falta de virtuosismo técnico e pela rejeição de qualquer cerebralismo dogmático. Neste sentido, a Transvanguarda é um tipo de anti-movimento artístico, que não reconhece os rigores conceituais propostos pelos demais movimentos. No geral, os transvanguardistas usam elementos das vanguardas históricas, como o Fauvismo e o expressionismo, elementos de arte primitiva, da arte paleo-cristã e medieval, misturando tudo isto em suas pinturas (Ver Figuras 103 e 104). Os principais nomes da Transvanguarda Italiana são Francesco Clemente (1952), Sandro Chia (1946), Mimmo Palladino (1948), Enzo Cucchi (1949).

Figura 102 - Jorge Guinle. Parafernália – 1981

Figura 99 - Basquiat. GE – 1984

Figura 100 - Basquiat. Auto-retrato – 1985

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4.3 O Neoísmo

Figura 103 - Francesco Clemente. Água e Vinho – 1981.

Figura 104 - Sandro Chia. Figura - 2006

Figura 105 - Luther Blisset. Home trabalhando para Humanity in Ruins – 1988.

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O Neoísmo surgiu no início dos anos 80, inicialmente impulsionado pelas redes de Mail Art (Arte Postal), tornando-se rapidamente num movimento internacional; seu principal mentor e articulador é o britânico Stewart Home (1962). De maneira geral, o Neoísmo reeditava o espírito da Contracultura dos anos 60; propunha ações de desafio e confronto com as instituições, negava a sociedade burguesa, adotava abertamente a fraude e a sabotagem como estratégias válidas, revivendo também a fúria anti-capitalista e anti-burguesa do dadaísmo. Neste sentido, o Neoísmo é diametralmente oposto à Transvanguarda italiana; enquanto esta pretendia a superação das vanguardas, aquele propunha sua continuação em seu aspecto político mais feroz. Ao longo da década de 80 foram realizados diversos festivais neoístas, para onde ia gente do mundo todo, sempre em apartamentos. Os neoístas inventaram os Apartment Festival, onde um grupo de artistas convivia durante um certo tempo em uma residência, de maneira que todo o tempo ocorriam performances e outras intervenções, e tudo, inclusive as conversas informais era considerado arte, o que promovia uma sobreposição entre Arte e Vida. Em 1985, Stewart Home organizou o Festival do Plágio. O plágio, por sinal, era uma forma considerada válida e mesmo enaltecida pelos neoístas. No final da década de 80, os neoístas propuseram a Greve de Arte, o que significava que no Reino Unido não se realizaria nehum produto cultural entre 1990 e 1993 (não funcionou, mas eles tentaram). O Neoísmo não se encerrou oficialmente. Stewart Home está ainda ativo, escrevendo e provocando. O Neoísmo declarava ser herdeiro dos futuristas, dadaístas, surrealistas, situacionistas, do Fluxus e do Punk. Sua orientação é francamente alinhada com a esquerda anarquista originalmente vista no Dadaísmo e, também como em Dadá, havia uma aversão à produção de objetos estéticos, às instituições culturais sustentadas pelo capitalismo, e ao mercado e o sistema de arte. Combatia as noções de autoria, desconhecia direitos autorais ou qualquer outra legislação aplicada à arte. Repelia qualquer forma de culto à personalidade do artista: “Atacamos o culto ao indivíduo, os ´eu-mesmistas´, as tentativas de se apropriar de nomes e palavras para um uso exclusivo. Rejeitamos a noção de copyright. Pegue o que puder usar.“ Diz um trecho de seus manifestos. Programaticamente, o Neoísmo enaltecia o plágio: “Afirmamos que o plágio é o verdadeiro método artístico moderno. O plágio é o crime artístico contra a propriedade. É roubo, e, na sociedade ocidental, o roubo é um ato político”, diz outro dos manifestos do movimento. Assim, um dos principais métodos dos artistas dessa corrente consistia em apropriar-se da própria história da arte para criar um significado novo para o que consideravam um passado morto. Pregava-se uma forma de tornar vida e arte como experimentos existenciais, ou exercícios de filosofia prática. Esta Filosofia estava, entretanto, distante daquela encontrada nas universiades, considerada autoritária (mais fundamentada na retórica do que na observação factual), mas devia ser testada nos bares, nas ruas, na convivência. Por outro lado, os neoístas eram mais produtores de ações do que de ima-


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gens. Não há um acervo de obras neoístas, a não ser textos, fotos e documentos (Ver Figura 105). Em vez de se preocuparem com imagens, os performers Neoístas estavam interessados na relação social entre pessoas cujas vidas são mediadas por imagens: “O Neoísmo tem mais a ver com os usos sociais do mito do que com as formas pelas quais os mitos individuais são criados“. Porque eram avessos ao culto ao artista e à autoria, a maioria dos neoístas nunca participou dos eventos com seus verdadeiros nomes. Antes, eles adotavam nomes coletivos, ou seja, nomes escolhidos que podiam ser apropriados por qualquer um que quisesse se manifestar como neoísta. Qualquer pessoa podia virar um Neoísta simplesmente se declarando parte do movimento e adotando um nome coletivo. Os nomes coletivos mais usados eram: John Berndt, Luther Blissett, Monty Cantsin, Tentatively Convenience e Karen Eliot, este último um dos mais conhecidos pseudônimos do próprio Stewart Home.

4.4 Arte e Tecnologia/ Arte e Ciência O entrecruzamento da Arte com a tecnologia não é novo. A mistura de pigmentos usada pelos pintores rupestres, a maquinaria e procedimentos utilizados na construção das grandes pirâmides egípcias, a forma sofisticada com que os Incas lavravam a pedra, montando encaixes de cantaria até hoje inexplicáveis, são exemplos da parceria que, ao longo da história, a Arte formou com a Ciência, a tecnologia e a técnica. Houve, porém, um período pós-renascentista onde esta parceria estava quase esquecida. Se no Renascimento Arte e Ciência andavam juntas (o maior exemplo disto foi a personalidade singular de Da Vinci), no período posterior isto deixa de ser verdade. O Barroco era muito mais afeito á Retórica do que às outras ciências, e os movimentos que o sucederam, como o Romantismo, o Neo-classicismo e o Realismo tinham um vínculo fraco com o pensamento científico, sendo mais movimentos políticos. Esta história começou a mudar com o impressionismo, que voltou a buscar na Ciência respostas para questões estéticas, ao estudar as leis da óptica e os fenômenos da luz. No século XX, Arte e Tecnologia voltaram a se aproximar, como nos discos ópticos de Duchamp (Figura 106), nas parafernálias futuristas e na Bauhaus. Porém, após a metade do século XX, esta ligação ganharia contornos inéditos, e se tornaria uma tendência da arte. Nos anos 50 e 60 podemos ver a utilização de fotografias e vídeos pelos artistas, além de aparelhagens de som, luzes elétricas, máquinas as mais diversas e aparelhos de TV. Este acirramento da parceria entre a Arte, a Ciência e a Tecnologia continuaria nas décadas seguintes até que, no final do século surgiu a tendência chamada de Arte e Tecnologia, ou Arte e Ciência. Esta é, hoje em dia, a vertente mais aquecida da Arte Contemporânea; a cada avanço tecnológico ou científico, uma infinidade de possibilidades se apresentam para os artistas. A&T (Arte e Tecnologia) divide-se em dois grandes campos: No primeiro estão trabalhos e pesquisas feitos para o universo digital, como softwares, jogos, redes de trabalho na internet, imagens construídas e hospedadas na Web, trabalhos em telepresença, teleperformances, ambientes imersivos, realidade virtual, etc. No segundo campo estão práticas que, embora também se utilizem de ferramentas digitais, são centradas em outras ciências, como a Biologia, a

Figura 106 Duchamp. Disco rotativo – 1920.

Figura 107 - Stelarc. Projeto Orelha Extra – 2006.

Figura 108 - Orlan. Reencarnação de Santa Orlan ; sétima cirurgia – 1997.

Figura 109 Fujihata. Beyond pages – 1995.

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Figura 110 - Fujihata. Beyond pages – 1995.

Figura 111 - Davies. Osmose (detalhe) – 1995.

Figura 112 - Shaw. Legible City – 1988-91.

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Medicina, a Física, a Genética, a Engenharia, a Robótica, a Química, etc. A este segundo campo costuma-se mais comumente chamar de Arte e Ciência. Na atualidade, existem artistas dentro de laboratórios os mais diversos, no mundo inteiro, em projetos conjuntos com cientistas. Isto implica dizer que, agora, os resultados de experimentos científicos foram alçados ao status de obra de arte. Uma célula geneticamente modificada, um programa de computador, uma reação química, uma prótese, um evento atmosférico, um conjunto de cirurgias plásticas, uma transmissão via satélite, um hipertexto, uma máquina podem ser obras de arte. Os papéis de artista e de cientista não são, muitas vezes, bem definidos, o que faz do cientista um artista, e vice-versa. A A&T acompanha os avanços científicos e tecnológicos; neste sentido é justo pensar que, como a Ciência nunca pára, ela sempre fornecerá novas possibilidades para a Arte. A&T é, assim, um nicho da arte onde ainda há a possibilidade de alguma surpresa, na mesma medida em que nos surpreendemos com as novidades trazidas á luz pelos cientistas. Arte e Tecnologia, ou Arte e Ciência, enquanto movimentos, são ainda recentes, o que dificulta que se lance sobre eles um olhar histórico. Entretanto, é possível perceber ações, propostas e pesquisas que estabelecem novos parâmetros, que problematizam questões ainda impensadas, e que, por isto, se tornam referenciais. Tentaremos citar alguns dos artistas que estão nesta frente. Um dos artistas mais polêmicos a promover a união entre a Arte e a Ciência, na atualidade, é o artista cipriota Stelarc. Oriundo das experiências em Body-art ocorridas nos anos 70, Stelarc desenvolveu um conjunto de idéias de cunho ético, político, poético, filosófico e científico que se inscreve dentro das teorias contemporâneas do Pós-Humano. O Pós-humano propõe que a humanidade reconheça que seu corpo biológico é falido e obsoleto, e que não corresponde ás necessidades e desejos das pessoas na contemporaneidade. A solução seria alterar este corpo até torná-lo uma máquina híbrida, por natureza imortal, e com infinitas possibilidades que nosso corpo orgânico não proporciona. Stelarc realiza, hoje, performances cheias de equipamentos robóticos, como próteses. Em seu trabalho mais polêmico, Stelarc implantou uma orelha desenvolvida em laboratório em seu braço (Figura 107). Também oriunda da Body-Art, a francesa Orlan utiliza práticas da Medicina em seu trabalho, uma vez que adotou como programa artístico provocar ininterruptas modificações em seu corpo. Seu trabalho mais conhecido é a série de cirurgias plásticas a que se submeteu para modificar seu rosto, segundo o rosto de mulheres presentes em pinturas clássicas célebres (Ver Figura 108). Masaki Fujihata (1956) é um dos artistas pioneiros em Arte e Tecnologia no Japão, tendo iniciado suas experiências nos anos 80. Fujihata especializouse em instalações interativas com o uso de tecnologia digital de ponta, e recursos de realidade virtual. Seu trabalho mais conhecido é Beyond Pages, uma sala de leitura onde, sobre a superfície de uma mesa há a projeção de um livro. Com uma caneta especial é possível folhear este livro virtual. A cada página que é passada surge a imagem de uma maçã que é paulatinamente consumida, enquanto um dispositivo sonoro emite o som inconfundível de uma maçã sendo mordida e mastigada (Ver Figuras 109 e 110). A canadense, de Ontário, Char Davies (1954) também começou suas pequisas com recursos digitais nos anos 80. Seu trabalho Osmose, de 1995, con-


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vida o público a, usando um macacão e óculos especiais, mergulhar em um universo virtual, onde nos movemos com respiração e pequenas inclinações do corpo, e passeamos por campos, lagos e florestas (Figura 111). Jeffrey Shaw (1944) é australiano e também é um dos pioneiros na utilização de recursos digitais na arte. Geralmente, seus trabalhos são ambientes imersivos e interativos com projeções de imagens digitais. Uma instalação célebre de Shaw, Legible city, é um ambiente imersivo onde o espectador sobe em uma bicicleta fixa em uma plataforma e, à medida que pedala, vai passeando por um labirinto virtual, que surge em uma grande projeção diante dele. Este labirinto é formado por palavras escritas em grandes dimensões, dispostas como se fossem uma cidade. Enquanto passeia, o espectador vê as palavras e sentenças que vão formando um texto (Ver Figura 112). No Brasil, a cena da arte tecnológica é ainda jovem, embora nós também tenhamos artistas e teóricos pioneiros, como Waldemar Cordeiro (192573), que nos anos 60 já pesquisava a utilização de motores elétricos em suas obras, como em O Beijo (Figura 113), e também desenhos produzidos por computador, utilizando as antigas impressoras matriciais (Figura 114). Na atualidade, podemos citar Eduardo Kac (1962), brasileiro radicado em Chicago, que causou furor com seus trabalhos em arte transgênica. Kac especializou-se em trabalhos com manipulação genética e transgenia. Seu trabalho mais polmêmico é GPF Bunny, uma coelha transgênica, na qual foi acrescentada uma proteína fluorescente verde (GPF) que faz com a coelha emita luz verde quando está sob luz azul (Figura 115). Esses são alguns exemplos que abragem as reflexões sobre Arte e Tecnologia no atual contexto.

Figura 113 - Waldemar Cordeiro. O Beijo – 1967.

Figura 114 - Cordeiro. A Mulher que não é BB – 1971.

Figura 115 - Eduardo Kac. GPF Bunny – 2000.

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REferências Bibliográficas COTRIN, Cecilia. FERREIRA, Glória. Escritos de artistas – Anos 60 e 70. Rio de Janeiro : Zahar, 2009. DE FUSCO, Renato. História da Arte Contemporânea. Lisboa : Editorial Presença,1988. DOMINGUES, Diana (org.). A Arte no século XXI. São Paulo : Unesp, 1997. JANA, Reena. TRIBE, Mark. Arte y nuevas tecnologias. Colônia : Taschen, 2006. MORAIS, Frederico. Panorama das Artes Plásticas. Séculos XIX e XX. São Paulo : Instituto Cultural Itaú, 1989. MORRIS, Catherine. The essential Cindy Sherman. N. York : Abrams, 1999. RESTANY, Pierre. Os novos Realistas. São Paulo : Perspectiva, 1979. RUSH, Michael. New Media in late XXth century. London : Thames & Hudson, 1999.

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Psicologia da arte Profa. Dra. Terezinha Maria Losada Moreira


APRESENTAÇÃO

Caros (as) estudantes é com imensa satisfação que iniciamos a jornada rumo à compreensão e reflexão acerca das teorias que discutem as questões de criatividade e ensino de arte. Nosso foco será conhecer conceitos filosóficos que envolvem tais questões. Não se limitem as questões propostas. Pesquise, questione e amplie seu repertório para construção de novas reflexões. Terezinha Maria Losada Moreira*

Dra. Terezinha Maria Losada Moreira

DADOS DA DISCIPLINA Ementa:

Arte e experiência estética; Concepções sobre criatividade e expressão artística; Função criadora e diferentes concepções de criatividade; Cognição, percepção e imaginação.

Unidades UNIDADE 1 – CRIATIVIDADE NAS ARTES PLÁSTICAS 1.1 Conceitos de Gênio criativo 1.2 Conceitos de trabalho UNIDADE 2 – A QUESTÃO DA CRIATIVIDADE NA ARTE CONTEMPORÂNEA 2.1 Vertentes construtivistas, descontrutivistas e esteticista 2.2 Questões do pós-modernismo UNIDADE 3 – CRIATIVIDADE E O APRENDIZADO DA ARTE 3.1 Criatividade e Ensino de Arte

*Curriculo: Terezinha Losada (Londrina – PR, 1959) é artista plástica, com diversos prêmios e exposições realizadas, e professora do Instituto de Artes VIS\IdA\UnB. Mestre em educação linguagens pelo CCE\UFPI e doutora em arte pela ECA\USP - Hoehampton University de Londres. Publicou o livro artífice, artista, cientista, cidadão: Uma análise sobre a arte e o artista de vanguarda, EDUFPI, 1996.

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Unidade 1

cRIATIVIDADE NAS ARTES PLÁSTICAS

O conceito de criatividade ganha geralmente grande destaque quando se discute a identificação e avaliação das habilidades e talentos artísticos. Sobre esse tema, na obra criatividade e processos de criação, Fayga Ostrower comenta que “Retirando à arte o caráter de trabalho, ela é reduzida a algo supérfluo, enfeite talvez, porém prescindível” à existência humana. (...) Entretanto a atividade artística é considerada uma atividade sobretudo criativa, ou seja a noção de criatividade é desligada da idéia de trabalho” (1983, p.31). Esta advertência de Fayga Ostrower nos permite perguntar se a sobrevalorização da criatividade na arte é um mito, ou uma ideologia sustentada por motivações culturais, políticas e econômicas. Em torno de tal questão, buscarei no desenvolvimento desta Unidade desconstruir alguns pressupostos sobre as relações entre arte e criatividade, para, ao final da discussão, tentar reorganizá-los sobre outros parâmetros, tratando, particularmente, do campo das artes visuais.

1.1. Conceito de Gênio criativo Enquadram-se no campo das artes visuais desde os grandes monumentos arquitetônicos, as esculturas, os murais, as pinturas, as gravuras, até os adereços e artefatos utilitários produzidos pelas diversas civilizações de todos os tempos históricos. Seja atrelada a funções ritualísticas, religiosas, ou concebida como uma atividade autônoma, como ocorre hoje, a preservação desses produtos em templos, palácios ou museus atestam seu grande prestígio nas diversas sociedades. O prestígio da obra de arte, contudo, não implica necessariamente que o trabalho do artista que a produziu tenha tido sempre igual consideração. A valorização do trabalho do artista muda de acordo com a função do que identificamos como arte em cada sociedade. Diante da qualidade técnica das pinturas rupestres paleolíticas, o historiador da arte Arnold Hauser (1973) - sempre interessado nas relações de trabalho, em razão de sua formação marxista - afirma que é plausível argumentar que, à época, a arte fosse uma atividade especializada. Isto é, um ofício aprendido e realizado por alguns poucos membros da sociedade, talvez um xamã, incumbido de funções mágicas. A simplicidade esquemática das imagens do posterior período neolítico poderia revelar, entretanto, que esta era uma atividade diletante, a qual se-

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PSICOLOGIA DA ARTE

ria realizada por todos ou grande parte dos membros de uma comunidade, os homens ou as mulheres, durante o interstício das atividades agrícolas de plantio e colheita, como ocorre em muitas sociedades primitivas atuais. A caligrafia e a pintura de motivos naturais na arte japonesa tradicional estavam estreitamente ligadas a concepções filosóficas e religiosas, e o artista era considerado uma pessoa de alta qualidade espiritual. No Egito antigo, há indícios de oficinas especializadas anexas aos grandes monumentos arquitetônicos, e nota-se que os artistas obedecem aos rigorosos cânones vinculados à representação religiosa, sem nela imprimir a marca individual da autoria. O anonimato do artista prevalece ao longo da Idade Média, não havendo distinção entre a arte e as demais atividades artesanais. Cresce, todavia, a força política e econômica do trabalho, por meio do surgimento das corporações. De todo modo, o prestígio que o artista adquire no início da era moderna na sociedade ocidental, sendo considerado um gênio, portador de habilidades e talentos quase divinos, é algo, até onde se sabe, sem precedentes na história da humanidade. Curiosamente, essa supervalorização ocorre no Renascimento, momento em que há um resgate da tradição clássica greco-romana, que estigmatizava as artes visuais como pertencente às artes servis, pelo seu caráter de trabalho manual. Esta se opunha às chamadas artes liberais, entre as quais pertencia a filosofia, a literatura e também a música. Hannah Arendt relaciona essa nova situação do artista ao advento do capitalismo comercial. Interessada em demonstrar a paulatina degradação da atividade política na sociedade ocidental, desde a Antigüidade clássica até a contemporaneidade, a filósofa afirma que: ... o fenômeno do gênio criativo parecia constituir a mais elevada legitimação da convicção do homo faber de que os produtos de um homem podem ser mais e essencialmente maiores que o próprio homem. (...) Em outras palavras, a transformação do gênio em ídolo encerra a mesma degradação da pessoa humana que os demais princípios reinantes na sociedade comercial (1991, p.222). Está implícito à noção de gênio, portanto, que doravante o homem vale por aquilo que é capaz de fabricar, e não mais por aquilo que ele é, ou seja, por seus atos e palavras, fundamento do conceito político de cidadão na Antigüidade clássica. Com essa análise perspicaz, Hannah Arendt conclui que, por causa das mudanças econômicas do início da era moderna, o trabalho adquire novo valor cultural, antes ocupado pela ação na Antiguidade clássica, tornando-se, então, a principal atividade pública da sociedade ocidental. Por maiores e mais importantes que sejam os talentos criativos para o desenvolvimento da humanidade, tema da presente publicação em seus diversos capítulos, deve-se reconhecer que há, na inversão analisada por Arendt, um empobrecimento da dimensão humana.

Problematizando Pesquise a biografia de Hannah Arendt

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PSICOLOGIA DA ARTE

1.2. Conceito de trabalho O conceito de trabalho para Hannah Arendt e suas relações com o campo da arte devem aqui ser destacados. A filósofa desenvolve essa análise na obra a condição humana a partir de três categorias teóricas: labor, trabalho e ação. Tais categorias são identificadas como atividades estruturais da vida social que, no entanto, assumem diferentes valores em cada momento histórico. O labor, ou a atividade do animal laborans, vincula-se ao reino da necessidade e ao processo biológico de manutenção da vida, a fim de torná-la mais fácil e longa. Seus produtos não têm nenhuma durabilidade, eles são consumidos quase imediatamente após sua produção, num processo contínuo e cíclico. O trabalho constrói o mundo, o tornado mais útil e belo. O homo faber, inventor de ferramentas e utensílios, é o autor de toda artificialidade e mundanidade. A durabilidade dos objetos de uso, em oposição à fugacidade dos bens de consumo, confere a dimensão cultural da humanidade, pois, “sem um mundo interposto entre os homens e a natureza, haveria eterno movimento, mas não objetividade” (Arendt, 1991, p.150). Por fim, a ação, com o complemento necessário do discurso, nada produz para o consumo ou para o uso, sendo a mais efêmera dessas atividades. É a esfera da política, da interação social, “sua realidade depende inteiramente da pluralidade humana, da presença constante de outros que possam ver e ouvir e, portanto, cuja existência possamos atestar” (Arendt, 1991, p.106). Das relações entre a ação e o trabalho, Arendt articula o conceito de mundo como construção cultural e, nesse bojo, o conceito de arte, pois, na sua utilidade e durabilidade, os objetos fabricados pelo trabalho representam nosso modo de viver. Para além de suas funções práticas, as vestimentas, os utensílios domésticos, as ferramentas de trabalho e as construções arquitetônica sintetizam visões de mundo, que evidenciam a pluralidade humana, configurando as diversas culturas. Nesse vasto universo de coisas fabricadas, chamamos de arte os objetos que normalmente não têm qualquer função ou utilidade, senão fazer essas representações dos valores culturais. Por essa razão, tais objetos são geralmente poupados dos desgastes do uso ordinário, sendo guardados em templos, praças, palácios ou museus, a fim de manter viva a identidade e a memória daquela sociedade. Assim, para Hannah Arendt, a arte é a reificação, ou seja, a materialização da efêmera ação humana, transformando-a em algo tangível, que pode ser lembrado e comentado no seu próprio tempo e pelas futuras gerações. Podemos observar, por conseguinte, estreita coerência entre as citações de Fayga Ostrower e Hannah Arendt aqui apresentadas, pois ambas as autoras subsumem o fundamento da arte a partir do conceito de trabalho. Em oposição ao caráter repetitivo e cíclico do labor, Arendt destaca a criatividade como definidora do conceito de trabalho, não só do artístico, mas também do trabalho científico, tecnológico e artesanal. Enfim, todos os registros do conhecimento e todas as formas que moldando a natureza criam a diversidade do mundo. A objeção de Ostrower consiste exatamente em verificar uma degradação do trabalho no mundo moderno, o qual vem tornando-se uma atividade destituída de seus atributos criativos fundamentais. Segundo a artista:

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Enquanto o fazer humano é reduzido ao nível de atividades não-criativas, joga-se para as artes uma imaginária supercriatividade, deformante também, em que já não existe delimitações, confins de materialidade. (...) Por isso mesmo, a arte permanece submersa num mar de subjetivismo (Ostrower,1883, p.39). Essa desqualificação do trabalho, tão bem estudada por Marx, ocorreu a partir da Revolução Industrial e foi, posteriormente, tratada por inúmeros autores, particularmente os filósofos da Escola de Frankfurt, que discutem os processos de crescente alienação e massificação do ser humano na modernidade tardia. Nesse momento, Arendt identifica uma nova mudança na vida social, caracterizada por ela como a vitória final do animal laborans, porque, segundo a autora numa sociedade de consumidores: ...o quer que façamos devemos fazê-lo a fim de ‘ganhar o próprio sustento’; este é o veredicto da sociedade, e o número de pessoas que poderiam desafiá-lo, especialmente nas profissões liberais, vem diminuindo consideravelmente. A única exceção que a sociedade está disposta a admitir é o artista que, propriamente falando é o único ‘trabalhador’ que restou numa sociedade de operários (Arendt, 1991, p.139).

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Unidade 2

A questão da criatividade na arte contemporânea

Nas últimas décadas, o termo criatividade sofreu grande desgaste nas discussões sobre a arte, tornando-se mesmo algo estigmatizado. É por essa via que muitos autores divisam as fases modernista e pós-modernista da cultura contemporânea. O modernismo é normalmente caracterizado pela exaltação da criatividade, a qual se traduz num intenso experimentalismo que visa à negação das tradições do passado em nome de novas formas artística. É possível identificar três tendências nesse movimento.

2.1. Vertentes construtivista, descontrutivistas e esteticista Guiada por princípios utópicos de construção de uma nova sociedade, o caráter construtivo da Bauhaus, escola alemã do início do século XX, que integra as artes e os ofícios, consuma essa vertente. Apesar das críticas que posteriormente foram feitas ao modernismo na arquitetura, especialmente por Charles Jencks (1987), que denuncia seu caráter universalizante e elitista, os artistas da Bauhaus, de fato, criaram os protótipos da visualidade do mundo moderno. Além de revolucionar a arquitetura, a racionalidade geométrica de suas pesquisas foram aplicadas também nas artes gráficas e no design de objetos cotidianos, desde mobiliário até utensílios domésticos. Diante disso, pode-se dizer que tais artistas romperam os limites da arte, entendida como produto único, puramente estético, súmula de uma expressão individual ou autoral. Com referência nos nexos entre ciência e tecnologia, verifica-se que seus ateliês-escola funcionaram como laboratórios de pesquisas onde - experimentalmente - foram testadas hipóteses e formuladas teorias que, posteriormente, redundaram em tecnologias de produção de objetos de uso em escala industrial. De volta aos conceitos de Hannah Arendt apresentados anteriormente, nota-se que a Bauhaus sintetiza o fundamento criativo do conceito de trabalho, não no sentido estrito de representação artística, mas no seu sentido lato de construção do mundo. No sentido oposto, observa-se o espírito desconstrutivista e mesmo niilista do Dadaísmo. Sem qualquer otimismo sobre os caminhos da sociedade moderna, o experimentalismo desse movimento não quer propriamente explorar os limites da arte, mas ultrapassá-lo, integrando arte e vida. Ao romper com os cânones artísticos, esta tendência quer, ao final, fustigar e subverter os valores da sociedade burguesa. Decorre de seu experimenta-

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PSICOLOGIA DA ARTE

lismo um crescente abandono da materialidade física da arte. Isso se dá inicialmente por meio da apropriação de elementos do cotidiano (ready-made) e, depois, nas vanguardas da década de 1960, pelo entendimento da arte como performance (ação), ou happening (acontecimento). Enquanto a Bauhaus promove a aplicação das pesquisas artística na produção de objetos de uso ordinário, nesse caso passa a haver uma crescente indeterminação entre o campo da arte e da ação política, conforme é definida por Hannah Arendt. Prova disso é fato de as performances e happenings, criadas pelos artistas nesse período, terem se transformado em expedientes corriqueiros dos movimentos sociais em suas manifestações públicas. São iniciativas como essas que caracterizam o ativismo político dos caras-pintadas no Brasil, as diversas manifestações do Green Peace ao longo do mundo, entre tantos outros exemplos. Cubismo, futurismo, surrealismo e abstracionismo são movimentos artísticos emblemáticos do modernismo. Nota-se que as vertentes construtivista e desconstrutivista promoveram, respectivamente, uma dissolução da arte na esfera dos objetos de uso cotidiano ou da ação política. Nesta terceira vertente, os atributos tradicionais do objeto estritamente estético e artístico foram preservados. Um dos aspectos normalmente salientados para discriminar essa tendência das demais é a manutenção dos materiais e suportes tradicionais da arte, tais como a tinta a óleo e o quadro de cavalete. Contudo, mais significativo na sua definição é verificar a manutenção do sentido de autonomia da obra de arte. Não há nela a ruptura dos limites entre arte e os objetos da realidade objetiva, ou entre a arte e a experiência humana. A obra de arte é neste caso estritamente uma representação, isto é, retificações que – simbolicamente - condensam a memória do mundo, conforme Arendt define o trabalho artístico. Por essa razão, as outras tendências apresentadas são chamadas por muitos autores como movimentos de antiarte. Após a II Guerra Mundial, houve uma radicalização do esteticismo. Isso se deu tanto na produção artística, quanto em suas formulações teóricas, especialmente nos diversos artigos de Greenberg (1997, Ferreira e Cotrin, Org.), crítico de arte norte-americano que postula total independência entre arte e realidade. Segundo ele, a arte devia se deter na pesquisa de suas próprias especificidades enquanto linguagem. De fato, há vários momentos da história da arte marcados por um extremo formalismo. Porém, a recusa em representar a realidade não deixa de ser uma forma de – negativamente – representá-la, como salienta Adorno (1988).

2.2. Questões do pós-modernismo A valorização da criatividade é o ponto de convergência das tendências apresentadas. Diante da exacerbação desse espírito experimental em suas diversas matrizes – construtivista, desconstrutivista e esteticista –, muitos teóricos viriam a denunciar, ainda na década de 1970, o esgotamento das vanguardas ou a situação aporética das artes na sociedade atual. Umberto Eco (1981) observa um distanciamento entre arte e público em razão do crescente hermetismo das pesquisas artísticas nas vanguardas. Adorno (1988), por sua vez, destaca que tal experimentalismo visa a romper com a

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lógica da racionalidade utilitarista da sociedade moderna, e que, entretanto, tal negatividade era sempre neutralizada e absorvida pelo próprio sistema como produto de consumo, concluindo que, na sociedade moderna, a arte encontra-se numa situação sem saída. A partir das discussões filosóficas entre Habermas e Lyotard, prosperam no início da década de 1980 as teorias sobre o pós-modernismo. A tese fundamental de Lyotard (1990), questionada por seu par, era a de que o projeto iluminista de redimir os problemas da sociedade com a luz da razão e do desenvolvimento da ciência havia se esgotado. Segundo ele, não era mais possível compreender e enfrentar a grande complexidade do mundo contemporâneo mediante o emprego de grandes teorias universalizantes, reivindicando um olhar pontual na pluralidade e diversidade humana. Novamente se delineiam muitas tendências na arte que, talvez pela sua atualidade, sequer permitem a formulação de classificações muito precisas. A recusa à obsessão modernista pelo novo inicialmente se manifesta pelo resgate do já feito, não como nostalgia ou culto aos valores da tradição, mas como pastiche, como negação da história, que ao mesmo tempo denuncia um descrédito sobre qualquer utopia de um futuro redentor. Avessas ao formalismo, surgem outras manifestações de cunho declaradamente político. Interessadas na diversidade cultural, elas tratam de questões de raça, gênero, sexualidade, entre outras. Tais manifestações ora assumem a estrutura desconstrutivista das performances e intervenções, ora as formas artísticas tradicionais. Numa análise mais radical, Vattimo (1985) afirma que, no contexto pósmoderno, o próprio conceito de artista vem se transformado. Segundo ele, o grande desenvolvimento dos meios tecnológicos provocou uma “generalização da estética”, de modo que a definição tradicional do artista como criador hoje se funde à figura do técnico, do comunicólogo, do vendedor e do animador cultural. Esta observação de Vattimo nos remete à Bauhaus e, bem mais aquém, ao panorama pré-moderno das corporações medievais, nas quais não havia a distinção entre as artes e os ofícios, pondo assim em pauta seus correlatos estigmas, particularmente a distinção entre arte erudita e arte popular, nesse caso, a cultura de massa. De fato, o desenvolvimento dos meios de comunicação, em especial a conexão do mundo em rede via internet, é uma das questões centrais e mais controvertidas do pós-modernismo. Este tema tem mobilizado a reflexão de filósofos, críticos de arte, artistas e também dos arte-educadores, pois, não considerá-la na educação, significa negar o universo cultural do jovem contemporâneo.

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Unidade 3

criatividade e o aprendizado na arte

Os itens anteriormente expostos visaram a problematizar historicamente a questão do talento criativo na arte. Nos dois primeiros foi discutida a origem do conceito de gênio no Renascimento e sua relação com a atividade do trabalho. No anterior, foi feito um breve panorama da arte recente, pontuando a questão da busca pelo novo nas diversas vertentes dos movimentos artísticos modernistas e pós-modernistas. Neste, serão levantados certos aspectos cognitivos sobre o processo de criação artística, derivando algumas implicações para o ensino de arte nas escolas. Nos seus estudos sobre a psicologia da representação, Ernest Gombrich (1986, p.24) afirma reiteradas vezes que “nenhum artista é independente de predecessores e modelos”. Esta afirmativa também desconstrói concepções ingênuas sobre a criatividade, que a tomam como pura inspiração ou algo livre de qualquer influência. Com esse argumento, Gombrich defende a tese de que a arte é uma linguagem, isto é, um código construído e transformado culturalmente. A título de provocação, apenas para contextualizar as idéias do autor, poderíamos perguntar, tendo sido Beethoven um músico tão criativo, por que ele nunca compôs um samba ou um tango? Será que ele poderia fazêlo? Ora, se isso fosse possível, a arte não teria uma história. Seria, sim, um conjunto disparatado de eventos criativos, sem qualquer conexão entre si, inviabilizando a própria noção de estilo. Num paralelo com a relação entre “língua” e “fala” na linguagem verbal, Gombrich defende que na linguagem visual os estilos funcionam como códigos desenvolvidos pela tradição artística de cada sociedade, sobre os quais o artista articula a sua expressão individual. O talento criativo, portanto, está na habilidade do artista em lidar com as estruturas de representação de que ele dispõe em sua cultura e época, enriquecendo-a e transformando-a. Levando Gombrich a endossar o argumento de Wölfflin (1984) de que na arte nem tudo é possível em toda época e lugar. Naturalmente, quanto mais informações o artista tem sobre a sua própria cultura e a de outros povos e tempos, mais rico se torna o seu repertório e suas possibilidades de experimentação. Esse trânsito de informações sempre influenciou os caminhos da arte e é fundamental no mundo contemporâneo, marcado pela globalização. Por isso a história da arte é um campo de pesquisa possível e reconhecido. Sua tarefa é estudar as características, as motivações contextuais e as influências que definem as manifestações artísticas das diferentes culturas e

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PSICOLOGIA DA ARTE

suas transformações ao longo do tempo. Em última análise, é esse lastro histórico que permite identificar o caráter excepcional do trabalho de alguns artistas, que criam novas possibilidades para a arte, subvertendo as regras vigentes em sua época. Diante disso, Gombrich afirma que, em termos estritamente cognitivos, a criação artística não é diferente da científica, ou de qualquer outro processo de descoberta. Para explicá-la, ele recorre à teoria do filósofo da ciência Karl Popper, a qual postula que toda descoberta decorre do jogo de ensaio e erro, também chamado de método hipotético-dedutivo. Dedicado ao estudo da lógica das descobertas científicas, Popper (1982) é autor de algumas afirmações aparentemente paradoxais. Uma delas é a de que a ciência não prova a verdade, mas a mentira. Outra postula que no processo de descoberta a resposta vem sempre antes da pergunta. Embora voltadas à reflexão sobre a ciência, ambas possibilitam paralelos que facilitam a compreensão do processo criativo na arte. A primeira afirmação busca revelar o caráter provisório do conhecimento. Popper sustenta que, como explicação dos fenômenos da natureza, uma teoria científica tem valor de verdade até seus pressupostos serem contestados pelos experimentos de uma nova teoria. De fato, a história da ciência se faz nesse movimento de conjecturas e refutações, título da obra em que o autor realiza essas reflexões. Enquanto representação simbólica da cultura humana, o mesmo ocorre com a arte. Cada estilo é súmula da visão de mundo do seu próprio lugar e tempo. Com a mudança das relações culturais, esses estilos passam a ser questionados pelos artistas, dando lugar a novas formulações artísticas. Um estilo pode se manter como o mais apropriado ou válido por milênios, como ocorre em muitas sociedades tradicionais já mencionadas, ou então pode se transformar, assumindo novas estruturas e estratégias de representação em alguns séculos, décadas, ou poucos anos, conforme já analisado na discussão sobre a arte moderna e pós-moderna. Essas transformações da arte não anulam o valor estético ou a qualidade artística das obras do passado. Ao mesmo tempo em que traduz o espírito de uma época, a arte também sintetiza valores e inquietações humanas atemporais, que são atualizadas pelo público de outros tempos e lugares. Muitas vezes essas atualizações são tão intensas, levando os artistas a buscar resgatar para o presente ideais artísticos do passado. Esse é o caso do classicismo grego, resgatado pelos artistas do Renascimento e depois, no século XVIII, pelo movimento neoclássico. A história, porém, não se repete. Na pretensão de restaurar o passado, cada uma dessas iniciativas condensa aspectos sintáticos e semânticos de sua atualidade, configurando um novo estilo. Existe ainda o estrito sentido estético da beleza, do exótico, que nos leva a admirar obras de culturas distantes, mesmo quando não temos acesso aos seus significados e funções originais. A segunda afirmação de Popper pretende situar o método hipotéticodedutivo. Segundo ele, sempre que formulamos uma pergunta é porque já imaginamos uma resposta hipotética para ela. A título de exemplo, apenas quando imaginou a existência de uma força de atração, Newton pode formular a lei gravitacional, respondendo à questão da queda dos corpos. Com

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isso Popper, busca negar a convicção positivista de que a ciência é construída por meio do método indutivo, que vai do particular para o geral. Seu argumento é o de que as descobertas ocorrem no sentido inverso – do geral para o particular -, por meio do jogo de ensaio e erro, típico do pensamento hipotético dedutivo. Gombrich, apropriando-se dessa teoria, afirma não ser diferente o processo de criação artística. Não se pode perder de vista que, embora a arte represente o universo de questões culturais de uma sociedade, não é a sociedade que muda a arte, como faz crer algumas explicações sociológicas reducionistas, mas o artista, por meio de seu trabalho concreto. O artista, portanto, cria e recria a arte, formulando e testando hipóteses que geram diferentes esquemas de representação. Assim foram desenvolvidas as várias modalidades de desenho plano, os diversos tipos de representação em perspectiva, a configuração fragmentada do cubismo, as possibilidades das formas puras na arte abstrata, entre tantas outras estratégias representativas. O artista, para tanto, precisa testar as possibilidades expressivas dos diversos materiais e suportes, tais como o carvão e pigmentos sobre a parede da caverna, a tinta óleo sobre a tela de tecido, ou a combinação de pixels num suporte eletrônico. Nesse exercício experimental contínuo, são testados, por fim, os próprios limites do conceito de arte, como atestam as pesquisas sobre os ready-mades, performances, happenings e instalações, mencionadas em nosso breve histórico da arte atual. Nenhuma dessas mudanças ocorre de forma natural ou espontânea. Ao contrário, elas são escolhas, fruto das hipóteses que os artistas formulam. Por essa razão, Fayga Ostrower afirma que “criar é um pensar específico sobre um fazer concreto” (1983, p. 73). Em suma, no aprendizado e desenvolvimento práticos da arte, material e idéia, assim como forma e conteúdo, estão sempre indissociavelmente ligados, de modo que pesquisas puramente sintáticas - muitas vezes consideradas um esteticismo fútil - redundam na formulação de novos valores semânticos e vice-versa. Pontuando, para concluir, o problema da educação, pode-se dizer que, apenas quando a escola romper com a visão mecanicista e indutivista do conhecimento, ela poderá vir a protagonizar o desenvolvimento de talentos e altas habilidades, não só no campo das artes, mas em todas as áreas. Muitas teorias educacionais já discutiram esse assunto, criticando a convicção do ensino tradicional de que o conhecimento é construído pelo mero repasse de informações prontas, ou pela indução de comportamentos condicionados. Podem aí serem citados o caráter exploratório, tipicamente hipotético-dedutivo, das fases do desenvolvimento infantil, formuladas por Piaget, o socioconstrutivismo de Vigotisky e a ênfase nas contextualizações culturais presentes nas teorias e métodos educacionais desenvolvidos por Paulo Freire.

3.1. Criatividade e Ensino de Arte No campo específico do ensino de artes, os princípios da Escola Nova representam a primeira iniciativa de ruptura com a educação tradicional. Filiada ao ideário modernista do início do século XX, essa tendência preconiza

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a livre expressão, desvinculada de regras, de modelos artísticos e influências teóricas, desenvolvendo um ensino pautado no trabalho prático nos ateliês. A partir da década de 1980, os pressupostos escolanovistas são criticados por correntes ligadas ao pensamento pós-moderno. O grupo norte-americano denominado Ensino de Arte Baseado em Disciplinas (DBAE) destaca o estudo da história da arte, da apreciação de obras artísticas e do trabalho nos ateliês como áreas que possuem uma autonomia disciplinar que precisam ser contempladas no ensino. Outros educadores põem em pauta a questão da diversidade cultural. Reivindicam, questionando a ênfase do ensino de arte na cultura ocidental, branca e masculina, abordagens mais amplas e representativas. Deriva-se, então, um movimento mais radical, que, substituindo o termo “arte” por “cultura visual”, investiga o vasto espectro das manifestações da cultura popular e de massa na constituição da identidade do jovem contemporâneo. Se a principal restrição ao escolanovismo é sua ênfase excessiva na criatividade, abordada muitas vezes de forma ingênua e descontextualizada, questiona-se, nessas novas tendências, certa redução do ensino de arte a discussões teórico-críticas, em detrimento da experiência concreta do fazer artístico. Os fundamentos cognitivos da Abordagem Triangular formulada por Ana Mae Barbosa (1991) tem ajudado os professores a enfrentarem essa questão. Nela, a autora destaca que na prática do ensino devem sempre estar integrados a apreciação estética, a contextualização histórico-cultural e o fazer artístico, entendidos como vértices da unidade sensível, crítica e criativa da arte. De todo modo, cada uma dessas tendências representa uma nova hipótese que, dialogando com a tradição, delineiam novas possibilidades para educação no mundo contemporâneo.

Considerações Finais Por meio das desconstruções apresentadas neste texto, não se quis minimizar o valor da criatividade nem as especificidades do fazer artístico e seu ensino. Teve-se, sim, como objetivo contextualizar esses temas nas diversas formas de trabalho. Do mesmo modo, não se buscou negar a importância das altas habilidades ou a existência do gênio criativo. Felizmente, ao longo da história da humanidade sempre houve talentos que - superando todas as adversidades e mesmo prescindindo das formulações aqui apresentadas desenvolveram suas atividades, revolucionando e recriando o mundo. Porém, se desejamos a expansão do mundo em toda a sua riqueza e pluralidade, devemos cultivar os fundamentos críticos e criativos do trabalho em geral e assim manter viva a potência identitária da arte, o que torna as discussões dos diversos capítulos deste livro uma atitude política da maior importância.

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Referências biBliográficas ADORNO, T. (1988). Teoria estética. São Paulo: Martins Fontes. ARENDT, H. (1991). A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária. BARBOSA, A. M. (1991). A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva. ECO, U. (1981). A definição da arte. São Paulo: Martins Fontes. FERREIRA, G. e COTRIN,C. (1997). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Zahar. GOMBRICH, E. (1986). Arte e ilusão. São Paulo: Martins Fontes. HAUSER, A. (1973). História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Mestre Jou. JENCKS, C. (1987). The post-modernism: the new classicism in art and architecture. Londres: Academy. LOSADA, T. Artífice, artista, cientista, cidadão: uma análise sobre a arte e o artista de vanguarda. Teresina: EDUFI. LYOTARD, J. (1990). O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olympio. OSTROWER, F. (1983). Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Ed. Vozes. POPPER, K. (1982). Conjecturas e Refutações. Brasília: Ed. UnB. VATTIMO, G. (1985) La fine della modernitá. Milão:Garzanti. WÖLFFLIN, H. (1984) Conceitos fundamentais da história da arte. São Paulo: Martins Fontes.

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Quest천es multiculturais para o ensino de arte Prof. Dr. Imanol Aguirre Arriaga


APRESENTAÇÃO

Caro(a) estudante,

Dr. Imanol Aguirre Arriaga

A disciplina Questões Multiculturais para o Ensino de Arte insere-se como conteúdo fundamental para compreensão do Projeto Pedagógico deste curso. O conceito de Multiculturalismo propõe a ser um eixo integrador entre as diferentes experiências já vivenciadas, tanto nas disciplinas de História da Arte quanto nas relativas ao debates envolvendo questões específicas relacionadas ao campo do ensino de Artes Visuais e, também das disciplinas de Estágio Supervisionado. Com base nestas reflexões, o professor Imanol Aguirre propõe uma série de questões envolvendo a preocupação com as diferenças culturais e a importância do diálogo entre tais diferenças, no universo do ensino da arte. Durante o curso outras disciplinas já tocaram nessas questões: Teorias da Arte e da Cultura, Arte e Cultura Visual, Fundamentos da Arte Educação. Muitos exercícios também foram propostos para provocar as reflexões sobre as questões multiculturais. A diferença é que agora, temos um maior aporfundamento dessas questões em relação ao ensinar arte, ao ser professor, da qual depende a maneira como vamos entender a produção artística. Assim, o professor Imanol discute as obras de arte como relatos abertos, relembra a necessidade de experimentá-las em seu contexto histórico e cultural, e não como elementos isolados, e importância de compreendê-las em termos de experiências de vida (Dewey, 1934). Contarmos com a participação do professor Imanol Aguirre como conteudista certamente enriquece nosso curso e mostra que as inquietações que animam o nosso currículo tem alcance nacional e internacional conferindo atualidade na formação de nossos futuros professores(as) de artes visuais. Profa. Dra. Leda Guimarães

*Curriculo: Doutor pela Universidade do País Basco e professor de Arte e Educação na Universidade Pública de Navarrar. Dirigiu vários projetos de pesquisa, sendo o último deles “A formação nas artes visuais nas instituições sociais e culturais da cidade de Montividéo” , financiado pela AECID. É autor do livro Teorias y Praticas en educación artística e de diversos artigos sobre o tema em revistas nacionais e internacionais. Tem colaborado frequentemente com o Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da UFG.

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QUESTÕES MULTICULTURAIS

Dados da Disciplina Ementa:

Cultura como perspectiva de análise de processos de ensino e aprendizagem da arte; Pós-Modernidade, estética do cotidiano e reflexão contemporânea sobre princípios e funções da arte na educação.

Unidades UNIDADE 1 – POR QUE O PRAGMATISMO? IMAGINANDO NOVAS FORMAS DE ENSINO DA ARTE 1.1. A Arte como experiência e relato aberto 1.2. O debate sobre o campo de estudo: Artes canônicas, cultura visual, arte popular 1.2.2 O diálogo com a arte popular UNIDADE 2 – O debate sobre o multiculturalismo no ensino da arte 2.1. O debate metodológico: a questão da interpretação 2.1.1. O enriquecimento das “molas” da experiência estética e de vida 2.1.2. O jogo dialético e a redescrição ironista como fundamento de uma nova atuação docente 2.1.3. “Leitura inspirada”: O reequilíbrio entre a análise e a emoção 2.2. O debate sobre a finalidade da educação: A criação de um “eu” próprio e a participação solidária em um “nós” 2.2.1. O debate sobre o poder da arte e seu valor para a reconstrução social 2.1.2. Algumas conseqüências

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Unidade 1

POR QUE O PRAGMATISMO? IMAGINANDO NOVAS FORMAS DE ENSINO DA ARTE

Sempre tentei manter certa distância de classificações e designações de princípios normativos de qualquer espécie. Por isso, devo esclarecer que, quando falo de uma perspectiva próxima às idéias desdobradas pelo pragmatismo filosófico, não tenho a intenção de divulgar uma nova crença, nem pretendo, evidentemente, inventar um novo modelo (mais um) para o ensino da arte. De fato, o que me interessa especialmente no pragmatismo, como perspectiva filosófica para abordar os desafios da educação artística atual e repensar uma renovação da mesma, é justamente seu caráter antinormativo, sua posição crítica ante a ditadura do método e sua nula pretensão de ser um modelo de explicação da realidade. Espero que ninguém acredite que estamos diante de uma nova doutrina na busca de soluções para os problemas do ensino da arte, porque as razões que me possibilitaram encontrar idéias como as de Rorty, Dewey, Shusterman ou Greene, são completamente circunstanciais, e como tais, podem deixar de servir no futuro. O importante destes encontros, e o motivo pelo qual sou grato a esses autores, é que me permitiram enriquecer meu olhar, mudar meu jogo de metáforas, como diria Nietzsche, por outras mais úteis e confortáveis com meu aqui e agora. Esta mudança têm me permitido aprofundar em formas de entender o ensino da arte, que, humildemente acredito, podem contribuir com esta tarefa que há anos nossos colegas vêm realizando. São várias as idéias pragmatistas que, acredito, podem ser uma sentinela para se repensar o ensino da arte: O questionamento do instituído: Uma perspectiva pragmatista nos força a manter alerta diante do conhecimento já estabelecido e olhar sem medo para uma mudança de paradigmas. Dewey e Shusterman nos mostram que cada teoria da arte é uma resposta intelectual a determinadas condições socioculturais e às perplexidades diárias, nos convidando a soltar as amarras conceituais e ir em busca da teoria da arte que corresponda ao nosso tempo.

1. O Oriente, nesse sentido, é entendido como tudo que não é europeu.

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1. A impossibilidade da verdade: Uma visão como a do pragmatismo, mesmo estando longe da pretensão de alcançar uma verdade definitiva que explique tudo, proporciona uma certa tranquilidade ao nosso trabalho como educadores e pesquisadores, tornando possível que aceitemos a nós mesmos como construtores de discurso, entrelaçadores de idéias e experiências, e não como transmissores de certezas, já que essas quase sempre se chocam com a realidade. 2. O uso da dialética como forma de construção do conhecimento: O valor dado pelo pragmatismo às formas menos usuais de expressão


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do conhecimento, como a ironia, por exemplo, nos permite situar nossa atuação educativa numa posição muito próxima das formas de produzir e refletir no campo das artes, sendo possível assim uma maior familiaridade conceitual e metodológica com o objeto do nosso trabalho. 3. A idéia de arte como experiência: Finalmente, a proposta deweyana de conceber a arte como experiência nos proporciona, na minha opinião, a visão mais adequada para enquadrar claramente a natureza “esquizóide” do gosto, as práticas culturais e a experiência estética da maioria daqueles que estão comprometidos com o ensino da arte. De fato, um dos principais dilemas da educação artística – a escolha do tema – vem da natureza fragmentada de nossa experiência estética, já que, por um lado convivemos e desfrutamos de formas culturais muito distantes dos modelos de arte culta, ao mesmo tempo que, como professores, somos formados para valorizar as formas estéticas da aristocracia culturalmente mais refinada. Veremos agora, de forma mais detalhada, como essas idéias podem nos ajudar a reformular nosso discurso e atuação no ensino da arte:

1.1. A Arte como experiência e relato aberto Para começar, é preciso tirar a arte e suas obras da dimensão transcendental onde a tradição moderna as colocou – o que Dewey (1934) descreve como “a concepção museística da arte” ou a “idéia esotérica de Belas Artes”. Diante da tradição acadêmica, que considera os trabalhos artísticos como “obras”, os organiza em discursos, como por exemplo o historicista, e determina seus significados (Barthes, 1971), acredito que seja mais adequado conceber as produções artísticas como relatos abertos à investigação criativa. Proponho que a abordagem da obra de arte seja feita, não como uma mensagem cifrada que podemos desvendar, mas como um resumo de experiências que podem ter infinitas interpretações, pois a essência e o valor da arte não está na obra em si, senão na atividade experimental através da qual essa obra foi criada e é observada ou utilizada. Conceber as obras de arte como relatos abertos pressupõe: 1. Neutralizar seu caráter elitista (Greene, 2005), vivenciando-as como exemplos de experiências estéticas que alcançaram um grau de consenso social que as tornaram aceitas pela maioria. Nisso, Shusterman (1992) coincide com Dewey (1934), quando afirma que a experiência estética está nas possibilidades e que a arte intencionalmente materializa essas possibilidades de maneira clara, coerente, apaixonada e especial. 2. Experimentá-las em seu contexto histórico e cultural, e não como elementos isolados, aceitando que seus significados podem mudar com a mudança dos hábitos e realidades que influenciam nossas experiências (Dewey, 1934, Geertz, 1983, Barthes, 1971). Compartilho com Rorty a idéia de que todas as práticas culturais, que na história têm pretendido ser resultado de uma evolução da lógica e da razão, podem ser repensadas como “distinções entre conjuntos de práticas de existência contingente ou estratégias empregadas dentro de tais práticas” (Rorty, 1989:101). Isto implica reescrever a própria história da arte, que deixaria de ser concebida como

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uma sucessão de momentos classificados por estilos, fechados e em uma progressão lógica, para ser vista como uma sucessão de jogos metafóricos que vêm e vão em função de contingências históricas e culturais. 3. Compreendê-las em termos de experiências de vida (Dewey, 1934), tratando-as como tecidos de crenças e desejos. Assim, a obra de arte não faz mais do que desenvolver e acentuar o que é significativamente valioso nas coisas que apreciamos diariamente. Esse ponto de vista de Dewey é particularmente interessante porque nos permite estabelecer que nossa tarefa como educadores será restaurar a continuidade entre as formas refinadas e intensas da experiência – as obras de arte – e os acontecimentos que constroem a experiência cotidiana. Efetivamente, conceber as práticas artísticas a partir deste ponto de vista e, com ele, recuperar a união da experiência estética com outros processos vitais, também tem conseqüências que afetam nossas concepções educativas. Para Dewey, cobrar essa continuidade entre a experiência estética e a vida, é uma forma de romper com a “concepção fragmentada das belas artes”. Com isso, segundo Shusterman, Dewey “não apenas destruía as dicotomias arte/ciência e arte/vida, como também insistia na continuidade fundamental de um conjunto de noções binárias e distinções genéricas tradicionais, cuja oposição e contraste amplamente assumidos estruturou grande parte da filosofia estética: forma/conteúdo, belas artes/artesanato, cultura elevada/cultura popular, artes espaciais/artes temporais, artista/espectador, para citar apenas algumas” (Greene, 2005).

1.2. O debate sobre o campo de estudo: Artes canônicas, cultura visual, arte popular Um dos aspectos especialmente interessantes que as concepções estéticas comentadas podem trazer para o nosso trabalho como educadores, é a de nos estimular a promover a restauração da continuidade entre as formas refinadas e intensas da experiência – ou seja, as obras de arte – e os fatos que constituem a experiência cotidiana, quebrada pela estética da modernidade. É justamente nesse terreno que encontramos os fundamentos da resposta a um dos dilemas mais vivos do ensino da arte atual: a delimitação do campo de estudo. Certamente, buscar a continuidade da experiência estética com outros processos vitais, traz como conseqüência que nos vejamos agradavelmente encorajados a ampliar nosso campo de estudo para todos os produtos artísticos geradores deste tipo de experiência, sejam eles das belas artes, das artes populares ou da chamada cultura visual.

1.2.1. O diálogo com a Cultura Visual Na minha opinião, esta que acabo de expor é a principal razão porque um ensino da arte renovado deve incluir em seus estudos a cultura visual. Ao contrário do que frequentemente recomenda a educação artística de viés pós-moderno, não vejo contradição em fazer essa inclusão e propiciar simultaneamente o envolvimento experimental dos estudantes com as formas de arte tradicionalmente aceitas.

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Os estudos de cultura visual abriram o foco dos pesquisadores de arte – filósofos, historiadores, antropólogos ou educadores – para formas culturais muito mais vitais para a experiência estética da maioria da população contemporânea. Nisso, sua contribuição é digna de grande reconhecimento. Contudo, como disse Shusterman, “o projeto pragmatista para a estética não é abolir a instituição da arte, e sim, transformá-la” (Shusterman, 2002:185). E pretende fazer isso de duas maneiras: primeiro, como venho comentando, abrindo para a inclusão de outras formas de produção estética. Em segundo lugar, porque “precisamos de uma maior abertura para os meios pelos quais a grande arte pode promover uma agenda ética e sociopolítica progressista” (Shusterman, 2002:185). É nesse mesmo sentido, que há anos venho mostrando que é um erro apresentar o estudo da cultura visual como um campo alternativo e distinto do estudo da arte culta. O que faz de um estudo algo alternativo e distinto não é a seleção de um novo tema, mas sim, o olhar que projetamos sobre essas formas culturais da experiência, e para esse olhar, nenhuma forma de arte é insignificante. A questão relevante para nossos objetivos como educadores não é se as artes pertencem ou não ao universo da cultura visual, se devem ser estudadas separadamente ou em conjunto como parte de um mesmo universo. O que, na minha opinião, as equipara no âmbito educacional não é seu caráter sociocultural, que obviamente é diferente, mas sim o seu potencial didático. A arte erudita foi e ainda é usada como instrumento legitimador de certas ideologias hegemônicas e reforçador do status quo de uma aristocracia cultural. Porém, isso não exclui a possibilidade de aplicações diferentes e é a isso que se refere Shusterman quando afirma ser possível promover uma agenda ética a partir da arte culta. É curioso me ver defendendo as possibilidades didáticas da arte erudita. Às vezes, tenho recebido críticas por isso, mas concordo com Shusterman na idéia de que não há significados e aplicações perversos inerentes ao trabalho com as artes cultas, perante significados e aplicações educacionais independentes no caso da cultura visual. Por isso, acredito ser mais frutífero o diálogo, a dialética que podemos articular a partir do ensino nesses campos, do que a estratégia de confronto entre eles. Não são os objetos de estudo que devem enfrentar-se, mas os modelos pedagógicos com os quais os abordamos. Artes, cultura visual e outras formas de cultura estética podem compartilhar o mesmo espaço educacional. O problema não está no objeto de estudo, senão no uso que fazemos dele. Concebidas através da perspectiva da experiência, as imagens da cultura visual atual, o legado artístico herdado e as formas mais premiadas da arte canônica são apenas respostas humanas, em formato estético, aos problemas vitais de hoje e de sempre ou à circunstâncias semelhantes àquelas que vivenciamos em algum momento. Todas essas formas de manifestação cultural – sejam populares, cultas, canônicas ou de massas – constituem diferentes respostas a necessidades de expressão cultural e experiências estéticas parecidas, mediadas por um contexto que lhes dá sentido. Nisso reside, na minha opinião, o principal impacto de seu interesse educacional, já que essas respostas podem ser usadas como modelos

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para a revitalização e o começo de suas próprias experiências e, desse modo, podem ser submetidas à uma análise crítica e à desconstrução de suas relações com as redes de supremacia e poder. O fato de que algumas formas de expressão cultural ocupem um lugar de destaque no imaginário dos jovens estudantes ou nas classes mais populares da sociedade também faz com que um educador responsável se dedique à elas, porém, não acredito que esta seja, como se diz frequentemente, a razão principal para essa dedicação.

1.2.2 O diálogo com a arte popular A estética de Shusterman (2002) representa o fracasso do projeto modernista para superar o rompimento entre a arte culta e a vida. Projetos de integração entre a vida cotidiana e as expressões artísticas populares, como as de Picasso, Duchamp, os surrealistas ou os performáticos, não apenas não permitiram que se fechasse a lacuna, como aprofundaram as diferenças entre os usuários das artes erudita e popular. Segundo Shusterman, esses e outros ensaios foram absorvidos pelo próprio sistema, aprofundando sem querer a separação entre as aristocracias culturais e a população culturalmente submissa, reforçando ainda mais seu sentimento de ignorância e inferioridade. Shusterman continua dizendo que quando a arte erudita se opõe à arte popular, surge um elemento configurador de um novo cenário para o rompimento desta hegemonia cultural e a transformação da concepção de arte que dominou durante séculos. Temos assim, a arte popular completamente inserida no debate da estética contemporânea. Agora, penso que a análise de Shusterman é precisa, porém incompleta, porque no meu entendimento não representa a razão do fracasso. Como no caso da cultura visual, acredito que novamente nos deparamos com a crença de que mudar o objeto de estudo ou incluir novas formas culturais, necessariamente implica mudar sua utilização. Se alguma coisa nos mostrou a mostrou a modernidade, foi a capacidade fagocitária das instituições de arte de incorporar em seu seio a si mesmas e o seu oposto. Nenhuma forma de expressão estética que tenha se apresentado como alternativa, não havia sido incorporada e institucionalizada. Por que não aconteceria o mesmo com a arte popular? Na minha opinião, o problema ao qual se deve estar alerta, é novamente que se mudarmos apenas o objeto e não o ponto de vista, a arte popular também pode acabar fagocitada pela estética antes aristocrática e agora burguesa. Esta mudança de olhar é especialmente necessária na educação, onde frequentemente se pretende que uma simples substituição de currículo represente um novo conceito de educação. Mais uma vez, creio que a estética pragmatista pode nos ajudar na mudança de foco, tirando-o da atenção ao objeto para direcioná-lo a atenção à experiência que envolve e estimula. Novamente devemos afirmar que o encontro da arte com a vida (fundamental para que seja útil educacionalmente) não resulta da natureza do objeto artístico, e sim do uso que fazemos dele.

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Unidade 2

O debate sobre o multiculturalismo no ensino da arte

Na Unidade anterior assinalei que, considerar as obras de arte como geradoras de experiências estéticas, possibilita aproximar-se das borradas fronteiras entre as diferentes formas de arte e cultura de uma maneira diferente e mais enriquecedora do que aquela baseada em critérios classificadores tradicionais. Algo parecido ocorre quando abordamos o fenômeno da multiculturalidade através da percepção da arte como sistema cultural e experiência estética. O pensamento de Geertz (1983) nos mostra que o interessante da obra cultural não é tanto seu caráter prescritivo, definidor de um estilo de vida, mas a constante interação sistêmica com todas as áreas simbólicas que a compõe, sejam vindas do interior de seus personagens, como da incorporação de elementos daqueles contextos culturais e simbólicos, cujos significados não são familiares. Adotar essa perspectiva supõe aceitar que também são borradas as fronteiras onde estão organizadas as propostas de educação multicultural. Pela perspectiva que estou desenvolvendo, não podemos dizer que há culturas fechadas, senão sistemas em contínua e fluente interação, em que se cruzam imaginários, gerando constantemente novos significados e renovando incessantemente as relações. O que é interessante nesse ponto de vista não são os limites entre as culturas, mas sim as transgressões dos mesmos, ou seja, as ressignificações, que deveriam ser o eixo do estudo. Tudo é questão de mudança de foco e acredito que na educação – e no ensino da arte também – focar na construção de sentido, nas aplicações, mais que nos valores ou traços culturais, nos coloca em posição muito melhor para abordar fenômenos culturalmente tão complexos como os que são vivenciados em praticamente todas as sociedades do mundo. Do ponto de vista educacional, é inútil prestar atenção nas essências culturais, enquanto suas aplicações estão constantemente lhe atribuindo novos significados. Em minha tese de doutorado sobre arte basca e identidade cultural, pude explorar como foi construída no imaginário coletivo a identidade étnica basca e, sobretudo, pude detectar claramente aqueles que contribuíram com esse processo. É por isso que, quando me deparo com alguma situação educacional em que é preciso usar definições ou significados culturais, é inevitável me questionar sobre a autoria de tais conceitos. Acredito que é bom para as propostas multiculturalistas em educação, que nunca se perda de vista o questionamento sobre a origem dos valores que muitas vezes se

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apresentam como essenciais ou característicos de uma cultura, assim como sobre a posição que ocupam seus defensores no jogo das hegemonias sociais, políticas e econômicas presentes em seus contextos culturais. Para explicar melhor, vou citar apenas um exemplo, e espero que seja suficientemente significativo: Uma das autoras que, com mais autoridade e sabedoria, abordou a questão da multiculturalidade no campo das artes e da educação é, sem dúvida, Jacqueline Chanda (2004). Em seu trabalho intitulado “Ver o outro através de nossos próprios olhos: problemas na educação multicultural”, a célebre educadora norte-americana lamenta a forma inadequada como a educação artística de seu país incorporou elementos de outros contextos culturais, especialmente africanos, em seus estudos de arte. Especificamente, se refere a certa incapacidade de alguns de seus colegas de ver o “outro” e suas produções artísticas à partir do seu próprio contexto de origem. Concordo com Chanda em seu repúdio ao fato destes produtos ou eventos artísticos serem analisados sem uma abordagem do contexto em que foram produzidos, no entanto, minha perplexidade surge quando Chanda vincula a legitimidade de qualquer interpretação desses produtos culturais com os respectivos significados de seus contextos: “É necessário contemplar o objeto com os olhos do outro e sentir o desejo de compreender suas crenças e suas formas de pensar (.../ ...) Infelizmente, em geral, vemos as obras de arte com os olhos da cultura dominante, porque a princípio estamos condicionados a pensar dentro de uma perspectiva normativa. As descrições e as interpretações de um objeto artístico visto com os olhos de alguém que não está familiarizado com a cultura de origem do objeto, refletirá unicamente os conceitos filosóficos, ideais e história desta pessoa, e não da cultura que se está estudando. Uma estátua Ikenga, criada pelo povo Igbo na Nigéria, será percebida de maneiras diferentes por um nativo do povo Igbo e um etnógrafo britânico do século XIX”.(Chanda, 2004:3) Não é difícil concordar com algumas das afirmações que acabo de citar, mas sua apresentação me causa perplexidade porque há, na minha opinião, pelo menos duas questões que escapam à educadora norte-americana: A primeira é que considerar muitos desses produtos como arte já é uma ressignificação própria de formas culturais distintas, a maioria das vezes, do contexto em que esses produtos foram criados. A segunda é que quando falamos de “os olhos do outro”, ou qualquer termo equivalente, referindo-nos a contextos culturais diferentes do nosso, não estamos submetendo a críticas o jogo de legitimação das distintas vozes que, sem dúvida, existe na comunidade de origem de tais produtos. Ela faz distinção entre um Igbo e um etnógrafo do século XIX, mas não ficam claras as diferenças entre os próprios Igbo, porque, nesse ponto, quando nos referimos ao outro como sinônimo de outra cultura, devemos nos perguntar: Quais são os significados de uma cultura? De seus líderes? Dos especialistas? Dos produtores? Dos usuários? Quais são as vozes legitimadas de cada cultura e quais são os mecanismos que as legitimam? Raramente essas questões são levadas em conta nas propostas de intervenção multiculturalista no ensino da arte, por serem muito críticas. Aqueles que, como Chanda, não acreditam nas essências culturais ou nos valores permanentes da cultura, mas sim, em uma constante transformação e res-

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significação dos mesmos por seus usuários, deveriam mudar o foco do problema da idéia de permanência cultural para a interação dinâmica dos significados. O que nos interessa são as transformações de sentido e suas razões, os jogos de poder e hegemonia que perpetuam ou transgridem. É por isso que digo que as fronteiras interculturais estão indefinidas, porque quando focamos nesse jogo, percebemos que as mudanças de sentido não ocorrem necessariamente próximas aos limites tradicionais entre as culturas, se é que isso existe, mas se dão com a mesma intensidade tanto no interior dessas fronteiras, como em seu contato com o que está fora delas. A própria Jacqueline Chanda se descreve como “um produto de, no mínimo, três culturas, a cultura norte-americana, em geral, a afro-americana e a indiana.” (Chanda, 2004:3) Uma identidade tripla que lhe permite observar e entender as obras de arte através de várias lentes distintas. Certamente isso torna o problema da multiculturalidade um fato mais complexo, como ela mesma afirma, porém, essa complexidade não é nada comparada ao resultado de uma descrição que ultrapasse as coordenadas tradicionais das classificações etnográficas. Porque além de ser afro-americana ou indiana, Jacqueline Chanda também é, por exemplo, mulher e professora universitária, detalhes identificadores que podem ter tanto peso em suas experiências estéticas, ou até mais, do que as etnias auto atribuídas. Pode haver quem encontre nesta perspectiva resquícios de um velho subjetivismo. Estou disposto a aceitar isso, sempre que considerarmos um sujeito, uma pessoa, uma encruzilhada e um ponto de encontro de diferentes contextos simbólicos e culturais ou múltiplas biografias, mas agora não posso desenvolver melhor essa idéia. Enfim, o que digo é que uma das principais funções que podemos outorgar ao ensino da arte centrado na experiência é a de possibilitar que todas as vozes sejam ouvidas (melhor assim do que dizer ouvir todas as culturas), inclusive aquelas que as práticas tradicionais de ensino ignoram ou minimizam. Se trata, portanto, de romper as dinâmicas escolares tradicionais, que buscam perpetuar os discursos e as relações de poder já estabelecidos, favorecendo a presença curricular de algumas pessoas (ou camadas culturais), em detrimento de outras, e assim perpetuar discursos e relações de poder.

2.1. O debate metodológico: a questão da interpretação Para este fim, a partir da concepção da arte como experiência e relato aberto, combinada com uma perspectiva crítica da educação, podem se articular diferentes estratégias metodológicas cujos fundamentos podem ser, pelo menos, três: • O enriquecimento das “molas” (influências) da experiência estética e de vida; • O jogo dialético e a redescrição ironista; • O reequilíbrio entre a análise e a emoção, através da prática da “leitura inspirada”.

2.1.1. O enriquecimento das “molas” da experiência estética e de vida Considerando que a experiência estética surge nos contextos mais diversos, sejam artísticos ou de outra ordem cultural, parece adequado, como já foi dito, ampliar a familiarização e a sensibilidade dos estudantes frente a todas

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as formas de expressão artística ou estética. Tal familiaridade possibilitará que eles sejam capazes de encontrar os discursos ideológicos, sociais e culturais que constituem as obras, assim como os estímulos sensíveis e as narrativas que lhes dão forma material. Na educação artística é decisivo, portanto, criar em torno dos estudantes, um ambiente culturalmente rico, e fazer da arte, e em geral de todo o conhecimento, um cenário onde se pode recriar, testar e representar experiências de vida. Afinal, os usuários da arte não devem viver como mundos distintos – típicos de gênios criativos, aficionados ou povos distantes – das respostas a impulsos vitais parecidos e necessidades psíquicas, ideológicas e, até mesmo, políticas semelhantes às suas.

2.1.2. O jogo dialético e a redescrição ironista como fundamento de uma nova atuação docente A metáfora de Richard Rorty sobre a atitude ironista é uma das mais bem sucedidas dos últimos tempos na capacidade de renovar meu pensamento. Rorty descreve essa atitude como a prática consciente e constante da dúvida ou da descrença. Ironista é para Rorty aquele que, na tarefa de conhecer, exclui toda a pretensão de fazer com a verdade. A postura do ironista em relação às descrições e fatos da experiência é a de aceitar que não são histórias vindas diretamente da realidade, mas apenas jogos de linguagem sobre a mesma. Por isso, é corrosivo para os princípios e práticas o jogo dialético na sua tarefa de representar o mundo. O ironista descrito por Rorty usa a técnica de provocar mudanças inesperadas de configuração por meio da transição entre terminologias: “Seu método é a descrição e não a dedução (lógica) (…/…) de objetos e acontecimentos em um jargão formado, em parte, por neologismos, na esperança de encorajar as pessoas a adotá-lo e difundi-lo.” (Rorty, 1989:96). Esta nessa forma de pensar o jogo dialético que Rorty coloca a crítica literária, que conforme suas abordagens, não consiste em “explicar o verdadeiro significado dos livros”, senão situá-los no contexto de outros livros, ou ainda situar figuras no contexto de outras figuras. Desse modo podemos dizer que um dos pilares do método ironista é a redescrição, convertida em uma espécie de “crítica cultural”. O interessante sobre o ironista rotyano, cujas características foram brevemente apresentadas, é que oferece um bom material para tecer um novo perfil do educador artístico e fundamentar nossas práticas educativas de forma mais adequada às diferentes condições sociais e culturais. Partir de uma atitude ironista nos leva, entre outras coisas, a considerar escritores, filósofos ou artistas plásticos e suas obras, não como canais que nos conduzem para a verdade, mas sim, com exemplificações ou “abreviaturas de determinados léxicos modernos e das formas de crenças e desejos típicos de seus usuários” (Rorty, 1989:97). Visto assim, o estudo da arte ou da cultura visual deveria se transformar em uma maneira de fazer amizade com pessoas estranhas, com experiências distantes, que nos ajudem a rever e renovar as nossas: “Nada pode servir como crítica a uma pessoa, a não ser outra pessoa, ou como crítica de uma cultura, salvo uma cultura alternativa, pois, para nós, povos e culturas são vocabulários encarnados” (Rorty, 1989: 98).

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Uma educação orientada por esses critérios constantemente encoraja o surgimento de novos jogos de linguagem e o confronto dialético, não porque estão em busca de uma finalidade, mas porque essa estratégia traz novas maneiras de ver o mundo e liberta a imaginação (Greene, 2005). Para realizar esse trabalho de confronto de vocabulários ou criação de novos jargões, segundo o método de ação do ironista, poderíamos recorrer a diversos recursos sistemáticos como a manipulação do contexto e a redefinição, a desconstrução, o jogo entre símbolos, ou qualquer outra estratégia de interpretação, sempre despojadas de sua pretensão de atingir alguma verdade fora do seu próprio discurso. Além disso, a adequação de uma perspectiva ironista ao campo do ensino da arte, como a que estou demonstrando, nos convida a repensar nossa idéia de interpretação e, sobretudo, de “compreensão” em nossa atuação como docentes. Deste ponto de vista, entender as obras de arte não seria necessariamente atribuir-lhes algum sentido preestabelecido, mas ser capaz de descrevê-las, envolvendo-as com as influências estéticas que constituem a experiência de vida de cada um. O cenário de produção das obras de arte ou das imagens pode ser importante para uma idéia de compreensão que procure dar conta de seus significados fixos e definitivos. No entanto, na minha opinião, o contexto pessoal ou social de aplicação é o que realmente tem relevância para os educadores artísticos, pois é nesse contexto que as imagens podem se tornar alimento para o imaginário juvenil e elementos ativos na formação da sua identidade. Em termos rortyanos, o que nós educadores buscamos em nossa interação com as obras de arte é redescrevê-las em um novo jargão, com a esperança de que esse jargão possa se espalhar e abrir caminho para novos jargões. Ou seja, temos esperança de progredir na mudança de vocabulário que está fazendo de nós e de nosso meio, os melhores possíveis.

2.1.3. “Leitura inspirada”: O reequilíbrio entre a análise e a emoção Já vimos que, tanto Dewey como Rorty, dão a tônica sobre a interação entre a obra de arte e a experiência de vida, considerando que esta ligação constitui a finalidade de nossa relação com as artes. Ambos indicam claramente que, depois da crítica analítica, chegou o momento de nos deixarmos levar sem medo para “vivenciarmos” as obras de arte, para nos envolver cognitiva e emocionalmente com elas, desenvolvendo em sua plenitude cada experiência estética. Coerente com esta idéia e indo para o campo específico da prática educativa, considero que as estratégias de compreensão não devem ficar exclusivamente no nível analítico-cognitivo, como é habitual na perspectiva crítica, também devem progredir simultaneamente no nível emotivo-estético. Na base da compreensão estética está a capacidade humana de participar imaginativamente – de viver esteticamente – cada um dos atos de sua vida, e é nesse contexto que o ser humano se prepara para participar e transformar o seu ambiente social, porque, como disse Dewey (1934:12) “a obra de arte desenvolve e ressalta o que é significativamente valioso nas coisas que apreciamos diariamente”.

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Da perspectiva pragmatista, o propósito da compreensão estética seria o enriquecimento da experiência, ao passo que a análise deveria ficar em segundo plano. Para ele, seria muito pobre uma proposta de ensino da arte, cuja finalidade fosse buscar a interpretação precisa ou encontrar a chave do significado das obras de arte; que isso seja feito atendendo a intenção do autor, ao sentido da própria obra ou aos valores culturais que poderiam ter no contexto, onde originalmente se dotou de significado. Contudo, isso não significa ignorar o valor que a análise de conteúdo, a desconstrução ou qualquer outra forma de interpretação possam vir a ter, como estratégias que provocam nossa imaginação e nos ajudam a chegar além do que já sabemos no ato da compreensão. A teorização e a análise crítica podem ser, sem dúvida, ferramentas eficazes para romper o conformismo e favorecer a compreensão na educação artística. Mas, a análise não é a compreensão, da mesma forma que a história da produção de uma obra de arte não é suficiente para explicar esta obra ou lhe atribuir significado. A análise deve servir para situar a obra em um contexto cultural, nunca para substituir ou reproduzir plenamente a experiência da obra de arte. Do ponto de vista que estou expondo, ver obras de arte (assim como ler textos literários ou escutar peças musicais) não é apenas tentar achar o seu significado, mas sim, vê-las à luz de outras obras de arte, de outros textos, de experiências passadas ou das experiências de outras pessoas. Essa é a diferença entre o que Rorty chama de leituras metódicas – as que sabem exatamente o querem de uma obra de arte – e as leituras inspiradas – ou seja, aquelas guiadas pelo “apetite por poesia”, feliz expressão de Kermode. As primeiras projetam o conhecimento do espectador sobre a obra analisada, já o segundo tipo de leitura consiste em se colocar diante das obras de arte disposto a querer algo diferente, algo que lhe estimule a mudar, melhorar, ampliar ou diversificar seus objetivos e, assim, sua própria vida.

2.2. O debate sobre a finalidade da educação: A criação de um “eu” próprio e a participação solidária em um “nós” Os fundamentos estéticos, filosóficos e educativos que estou apresentando trazem como consequência a necessidade de projetar nossos objetivos educacionais para além da alfabetização visual, do conhecimento da arte, por mais profundo que este seja, ou da sempre indispensável crítica cultural. Mesmo sem negar o interesse que cada um desses objetivos pode ter para orientar a formação dos nossos alunos, na minha opinião, a finalidade do ensino da arte deveria ser criar competência, critérios e sensibilidade para fazer uso das experiências transmitidas pela arte ou pela cultura visual. Se o ensino da arte tem algo interessante a oferecer, certamente é a oportunidade perfeita de enriquecer nossos próprios projetos de vida com as tramas tecidas por outros autores, cruzando suas experiências estéticas com as nossas. Definir a arte como experiência nos força a estabelecer necessariamente uma relação com as produções estéticas e os seus autores, baseada exclusivamente no conhecimento, seja analítico formal ou desconstrutivo. O encontro com as obras de outros autores pode nos levar a estabelecer um tipo de relacionamento que contribua para a satisfação de dois objeti-

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vos educacionais complementares e convergentes: por um lado, o enriquecimento da própria experiência pessoal, ou como disse Rorty, “a criação de si mesmo”; e o surgimento da solidariedade baseada na ampliação do “nós”, uma forma mais democrática que a mera aceitação do “outro”. Na minha opinião, ambos os objetivos indicam muito bem o caminho que a educação artística deve tomar para oferecer alternativas de melhoria para os diversos tipos de sociedade e de estudantes que hoje temos diante de nós. O valor da arte na geração do “eu” se dá enquanto todo artefato estético, como mostrei anteriormente, é suscetível a converter-se em um resumo simbólico, no qual se pode cristalizar sentimentos, formar valores ou ter experiências estéticas. Todo objeto, ação ou discurso, inclusive as obras de arte, pode se aliar à história de vida de alguém para produzir uma experiência, que pode ou não ser estética, mas que de qualquer forma afeta a criação do “eu”: “Tudo, do som de uma palavra ao contato com a pele, passando pela cor das folhas, pode servir, de acordo com Freud, para dramatizar ou cristalizar o sentido que um ser humano dá a sua própria identidade. Porque qualquer coisa pode desempenhar na vida de alguém o papel que, para os filósofos, poderia ou, pelo menos, deveria ser desempenhado unicamente por coisas universais, comuns a todos. Tudo isso pode simbolizar a marca cega que conduz todas as nossas ações” (Rorty, 1989: 56-57). Por isso, buscar o significado dos produtos estéticos no seu contexto de origem, como sugerem algumas didáticas multicuturalistas, é apenas uma das possibilidades de trabalho oferecidas, pois o fato de compreendê-los como mediadores de valores, crenças, desejos e fantasias, nos estimula a tirar muito mais proveito de suas qualidades estéticas ou artísticas. Pelo contrário, como disse antes, é mediante a redescrição dos outros ou através do envolvimento com suas obras, que se realiza sua própria construção. O processo começa quando desejamos saber se temos que adotar a imagem daqueles que nos surpreenderam e buscamos essa resposta experimentando jogos de linguagem e metáforas elaboradas por eles. No jogo com esse novo vocabulário redescobrimos a nós mesmos, nosso passado, o contexto em que estamos e comparamos os resultados a outras redescrições alternativas. Fazemos tudo isso, pois esperamos que essas redescrições façam do nós o melhor eu possível (Rorty, 1989:98). Aliás, enquanto nós cultivamos nossa identidade, nos tornamos sensíveis à linguagem dos outros, nos equipando com uma bagagem cognitiva e afetiva que nos ajude a evitar uma humilhação. É desta forma, através da redescrição, que a linguagem dos outros fica gravada em nós mesmos. Os “outros” já não estranhos, alguém que devemos entender ou tolerar, mas uma extensão de nós mesmos.

2.2.1. O debate sobre o poder da arte e seu valor para a reconstrução social Ensinar a compreender as obras de arte não é, portanto, apenas desvendar os mecanismos de poder implícitos nas obras e, assim, libertar os indivíduos, e sim, fornecer informações completas sobre os princípios, crenças e desejos alheios, de forma que esse conhecimento nos possibilite ser solidários às causas justas. A ação educativa de compreender a cultura estéti-

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ca (nossa e dos outros) deve ter como missão ampliar o espectro do “nós”, única forma possível de concretizar a solidariedade diante do sofrimento. Esse é o meio mais eficaz de nos identificar com o outro e “fazê-lo nosso”. Nesse sentido, o ensino da arte é ideal para desenvolver uma identidade leve, casual, permeável e aberta à aceitação do outro, bem como, eficaz na transformação e reconstrução social, enquanto esse tipo de identificação nos predispõe a ser sensíveis à humilhação. No meu entendimento, não é através de um suposto exercício de ação direta da arte, mas sim, com a educação frente à desigualdade, que o ensino da arte pode contribuir com a reconstrução social. É a capacidade da arte de evocar o contingente e imaginar novas linguagens que torna possível extendendo nossa sensibilidade para as contingências do outro e, com isso, expandir-nos – em vez de “compreender o outro” – ampliando, desse modo, o leque de opções do que consideramos objeto de nossa solidariedade. As experiências estéticas não resolvem nada por si mesmas, tampouco a arte, mas contribuem para uma diversificação e expansão das crenças pessoais, além do crescimento da sensibilidade, que em última instância e de acordo com um paradigma moral baseado na igualdade, respeito pelos outros, etc., podem levar à melhoria das relações sociais, uma maior identificação com a sensibilidade estética do outro e, assim, com sua maneira de estar no mundo e lidar com ele.

2.1.2. Algumas conseqüências Finalmente gostaria de comentar que, por trás dessa concepção que estou sugerindo, existe algo além de um método para discriminar os limites do nosso campo de estudo e nossos objetivos educacionais, porque quando decidimos qual é o espaço da nossa ação educativa, estamos assumindo um compromisso com a ética. A forte carga ética e estética que acompanha muitos dos produtos culturais atualmente consumidos por nossos estudantes, nos estimula a enfrentar a situação partindo de onde a experiência estética tem lugar, ou seja, produtos e situações derivados dessa experiência. Repensar nossa atuação como educadores e os eixos do nosso trabalho são os grandes desafios que temos pela frente. Porém, não é uma tarefa fácil em razão das próprias características do território onde devemos desenvolver nossa ação e pelo peso que ainda tem em nossa cultura o antigo imaginário escolar. Por sorte, acredito que uma visão pragmatista pode nos proporcionar o matéria-prima necessária para gerar novas linguagens, novas formas de imaginar a educação e nos reinventarmos nela. Por um lado, nos mostra que não é importante definir se o objeto de estudo do nosso campo de trabalho é a arte visual ou a cultura visual. Na verdade, não há contradição entre os dois termos, nem entre cultura popular e cultura erudita, se esse tipo de produto for considerado um compêndio de experiências. Também nos permite evitar a necessidade de impor formas de arte supostamente refinadas à outras que achamos que não são. Ao contrário, uma perspectiva pragmatista nos incita a buscar a melhoria da capacidade sensível para viver esteticamente (e eticamente), como centro das ações educacionais; e aperfeiçoar o desenvolvimento de uma ferramenta

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para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, ou seja, uma ferramenta útil para melhorar a vida. Os trabalhos de Rorty têm me dado a possibilidade de experimentar uma renovação de linguagem e, com ela, do imaginário respeito ao professor e às atividades educativas. Tentei adaptar o modelo de pensamento e ação ironista, destacado Rorty, para essa finalidade e o resultado foi um tipo de educador muito diferente daquele que habita o imaginário atual. Longe de considerar o professor como aquele que sabe tudo e tem como única missão transmitir seus conhecimentos, do ponto de vista do modelo ironista, vemos um professor muito peculiar: • Intrigante, • Instigador, • Aberto às necessidades e • Criador de relações inéditas. Esse mesmo modelo também possibilita imaginar de outra maneira as práticas e, principalmente, os objetivos educacionais, centrados não apenas na aquisição de conhecimento, mas na preparação para a vida. Sei que esta tarefa não deveria ser exclusivamente assumida por educadores de arte, mas este deve ser o marco de uma ação educativa geral. Também sei que nesse caso, poderia acontecer de nos ser exigido tratar unicamente das artes visuais. Mas o principal é não manter a idéia ultrapassada de que cabe a nós ensinar arte e apenas arte. Porque sem uma proposta didática de formação de pessoas capazes, competentes, bem equipadas e preparadas para as novas realidades que vamos encontrar, se torna irrelevante que os estudantes saibam mais ou menos sobre arte, assim como não importa que saibam muita álgebra, trigonometria ou os nomes dos artistas do barroco brasileiro. Talvez seja a hora de perceber que a escola de hoje, se não abrir suas portas e romper com seus costumes, no seu papel de cofre intransponível do conhecimento, de costas para a vida; não será o lugar mais apropriado para aproximar os estudantes do legado cultural e muito menos para tornar esse legado, parte do seu imaginário estético e útil para suas experiências de vida.

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Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais Professor autor Ms. Fernando Ant么nio Gon莽alves de Azevedo


APRESENTAÇÃO

Prólogo ou primeiras conversas...

Prof. Ms. Fernando Antônio Gonçalves de Azevedo*

E eis que surgem as primeiras questões: quem são os meus interlocutores? Que história de vida pessoal e profissional construíram? O que fazer para estabelecer o diálogo? Dizer de mim primeiro é reforçar a relação mando-obediência, ou seja, é reafirmar a ideia de professor que sabe e estudante que não sabe, por isso quero começar dizendo que parto da ideia de dialogicidade apreendida de Paulo Freire: No terceiro capítulo da obra Pedagogia do Oprimido (2005) encontramos o ponto preciso para que conexões, laços, conflitos e reelaborações de aprendizagens possam ser estabelecidas no sentido da transformação e da emancipação humana. No caso desta disciplina, a possibilidade de construção da passagem da concepção de educação excludente para uma concepção de educação inclusiva. Portanto, proponho começarmos pelo princípio da “dialogicidade”. Você já leu algum texto sobre esse assunto? Sabe algo sobre o papel de Noemia Varela para o campo da Arte/Educação? Já estudou algum texto sobre a relação de Paulo Freire com o campo do ensino da Arte? Sabe que existe uma conexão entre o pensamento de Paulo Freire com Noemia Varela e Ana Mae Barbosa? Para inicio de diálogo pensei em contar um pouco de minha história de arte/educador. O texto que inicia a Unidade 1 faz parte de minha dissertação de mestrado (ECA/USP) que tem como título Movimento Escolinhas de Arte: em cena memória de Noemia Varela e Ana Mae Barbosa. Sigamos nosso diálogo!

* Currículo: Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (1976) e mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (2001). Doutorando em Educação pela CE/UFPE. Atualmente é professor titular do Governo do Estado de Pernambuco, professor - Faculdades Integradas da Vitória do Santo Antão e professor titular da Faculdade Decisão. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Ensino de Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: arte educação, educação especial, ensino de arte, formação continuada de professores e inclusão social e cultural, além de Filosofia e Filosofia da Educação.

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Dados da Disciplina ementa:

Estudo da história das articulações entre a Arte/Educação com a Educação Especial. Compreensão dos trânsitos históricos, políticos e conceituais entre a concepção de Arte na Educação Especial para a concepção de Arte na Educação Inclusiva. objetivos

• •

Destacar na História da Arte/Educação brasileira as contribuições de Noemia de Araújo Varela sobre a Arte na educação de pessoas com necessidades especiais; Construir uma visão crítica da passagem histórica da concepção de Educação Especial para a concepção de Educação Inclusiva; Reconhecer a importância da Arte seu ensino e sua história na formação do ser humano a partir de seu caráter aberto ao experimento e a inventividade.

Unidades UNIDADE 1 – Arte Educação e Educação Especial: Histórias do Ensinar 1.1. Fio da Memória e da Narração 1.2. Noemia Varela: uma vida, fazeres e pensares UNIDADE 2 – Arte Educação e Educação Especial: Questões Políticas 2.1. Base Legal UNIDADE 3 – Arte Educação e Educação Especial: Reflexões 3.1. Arte e Provocações

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UNIDADE 1

Arte Educação e Educação Especial: Histórias do Ensinar

“Talvez seja importante nessa dissertação você narrar também sua própria história de arte/educador”. Essas palavras estão escritas, com a própria letra de Mariazinha Fusari, em meu relatório de qualificação e ficaram em minha cabeça como um eco que muitas vezes me acordou no meio da noite. Foi em uma dessas madrugadas que resolvi começar a reinventar minha história de aluno, de aprendiz, e da vontade de ser arte/educador. Como se contasse uma história de uma personagem, fui construindo minha narrativa: recurso para que a exposição em que me empenho, neste momento, fosse, de certa forma, aliviando a dor e reforçando a delícia de recordar meus primeiros contatos com a Arte, com a Educação e com a vida. Parti avidamente para a aventura, sem nenhuma preocupação de escrever/narrar ou inventar/reinventar esta minha história com veracidade: muito mais que isso, tentei perseguir um veio poético e ficcional, fragmentado e contraditório, reconstruído a duras penas, e por isso mesmo mais dialógico. Tudo começa com um tênue fio que possibilitou tecer esta história carregada de ambiguidades e provisoriedades. Eis, aqui, parte dela. Um reino de brincadeiras espalhado em um quintal, que a meus olhos de criança era enorme. Fantasias e cenários inventados das coisas mais velhas que eram jogadas num quartinho no fundo do quintal. Era um resgate, minha forma de brincar – diferente da dos meus irmãos – desde muito cedo, fomos nos diferenciando; eles, com nossos pais, em uma casa grande com cachorro, árvores de frutas das mais variadas e uma cocheira com um casal de cavalos; eu, em um pequeno apartamento, único companheiro de uma avó separada (era assim que chamavam as mulheres descasadas na época, termo inclusive carregado de preconceito). Minha avó gostava de ouvir ópera, ir ao teatro e tomar chá lendo poesia. Esse foi o meu mundo primeiro, o primeiro olhar às coisas: toques, cheiros, contato com o entorno – minha primeira consciência de um universo muito peculiar. Não sabia ler direito as letras e os números, e nem me importava com isso, talvez nem precisasse, adivinhava o futuro. O que gostava mesmo era de juntar roupas usadas e com elas representar personagens diferentes diante de um espelho enorme – possibilidade de inventar novos gestos, lembrando as peças infantis, os artistas de cinema, as pessoas que via na rua e me chamavam a atenção, pessoas diferentes, personagens diferentes. Havia em mim uma espécie de fascínio pelo diferente, em um mundo que já primava pelo igual, pela média, pelo medíocre.

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Trancado em nosso único quarto (meu e de minha avó), desafiava o mundo do lado de fora a cada nova personagem, que, com uma lógica muito especial e própria, apenas pela emoção da brincadeira, reinventava, improvisava, envolvido no prazer de brincar. Minha avó assistia as minhas representações, discutia as tramas, criticava o excesso de meneios, propondo novos gestos, novos tons, e, assim, eu continuava sem saber ler direito nem letras, nem números, mas fascinado pelas cores, pela possibilidade de desenhar, pela teatralidade da própria vida a que assistia da janela de nosso quarto. Quando a professora vinha dar aulas, pagas por meu avô, eu me sentia cansado, chateado com o exagero de realidade de separar as sílabas, de juntá-las, de ler só as letras e desprezar as imagens das lições, de somar e dividir bolinhas. Essa professora vinha do subúrbio, algo que era enfatizado por minha avó como muito distante, quase um outro mundo, e isso me fazia sonhar. A professora não tinha nenhum respeito por meu inventar histórias, e eu percebia, que escondida, de minha avó, ela ria dessas histórias. Um dia, fomos buscar meus pais no aeroporto, primeira vez que ia vê-los depois de quatro anos, mais ou menos. Minha avó dizia a todo instante na preparação do encontro: “Se comporte bem, finja que eu estou sempre com você, não diga a ninguém que eu saio à noite...” e mais uma série de recomendações. Esse reencontro me causou medo e eu não compreendia bem por que, do caminho do aeroporto até o hotel em que eles (meus pais) iriam ficar pairava um clima de desconforto, de tensões entre minha mãe e minha avó, até que minha mãe disse alto e severamente dirigindo-se à minha avó: “Você tornou esse menino uma coisa diferente.” Segundo eles, acuado, cheio de medos, muito delicado (demais), e, acima de tudo, sem saber ler. Daquele primeiro dia até a volta para Recife, passaram-se trinta e dois dias de intensas negociações entre minha avó e meus pais, nas quais, minha avó sempre saía perdendo diante dos argumentos deles. Voltei a contragosto com meus pais e, quase que imediatamente à chegada, fui levado para fazer testes na escola Ulisses Pernambucano (famosa escola de educação especial do Estado de Pernambuco). Passaram-se muitos dias; eu, triste e assustado, fui colocado na escola de crianças excepcionais da APAE. Nessa escola, fui atendido em sessões de estudo, principalmente de leitura, pela própria diretora, professora Anita Pereira da Costa1. Passei também por sessões de fonoaudiologia, oficina de marcenaria e horas maravilhosas de desenhar, pintar, trabalhar com mamulengos. A hora do lanche também era mágica: todos juntos, ostensivamente diferentes, uma festa de crianças com as quais, pela primeira vez em minha vida, eu sentia a segurança de estar em uma espécie indizível de fraternidade. Mas devo dizer que, a princípio, tinha muito medo das crianças mongolóides, defeituosas demais, para meus olhos desacostumados; então, eu ficava me lembrando de um filme a que havia assistido sobre crianças cruelmente tratadas em um campo de concentração nazista, arrancadas de seus pais durante o holocausto. Dessa escola, no entanto, trago os primeiros conhecimentos sistemáticos de Arte. O primeiro mamulengo que construí, da massa até a representação atrás da caixa mágica, e o prazer de aprender.

1. Anita Pereira da Costa participou da Liga de Higiene Mental criada por Ulisses Pernambucano e estava no grupo de educadores pernambucanos que foi com Noemia Varela para o Rio de Janeiro em 1949 participar de um Congresso da Sociedade Pestalozzi.

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Para mim, era engraçado, porque o que fazia escondido com a minha avó, agora eu podia fazer na escola, podia representar, criar histórias, fantasiar. A professora, como minha avó, perguntava sobre a minha criação, criticava com jeito, melhorava. Em dias muito felizes – especiais, podíamos representar para muitas pessoas e também para os pais. Também os meus. Não, apenas para minha mãe, e ela simplesmente detestava aquilo. Ela não me dizia, mas eu percebia que ela não gostava. Ela escondia sua humilhação. Voltávamos sempre para casa com um ar pesado entre nós. É curioso, porque ela nunca levou nenhum de meus irmãos para assistir a algumas daquelas festas de minha escola – escola de crianças excepcionais. No fundo, eu sabia, porque ela me dizia sempre que eu não podia falar que estudava lá, mas eu nem ligava para isso, já estava acostumado com vida secreta, aprendera tão bem com minha avó a não contar sobre seus namorados a ninguém e no fundo não me interessava muito pelo mundo, que, na ocasião, era-me imposto. Por isso, buscava o fundo do quintal daquela velha casa, hoje demolida e transformada em uma igreja dessas religiões novas. Na escola, criei uma continuação de meu mundo lúdico e onírico sem o glamour de ver minha avó se enfeitar e sair para ir ao teatro, ao cinema ou namorar, mas, com a liberdade de poder lidar com tintas e pincéis, massa de modelar, vestir os bonecos, criar histórias, participar da bandinha, tudo pelo prazer de brincar. Com meus pais, nunca fui ao teatro e ao cinema, apenas podia assistir aos filmes de que meu pai gostava. Portanto, com tintas e pincéis, tinha contato em minha maravilhosa escola de crianças diferentes – excepcionais – que modernamente trabalhava, hoje sei, a livre expressão da criança, inclusive das crianças diferentes. Essa escola foi muito importante em minha vida. Lá aprendi a amar a leitura, a respeitar as diferenças, as pessoas, a gostar da escola, e lá descobri que em tudo pode haver mágica e mistério, principalmente no aprender a ler a vida. Hoje, penso que exatamente porque se trabalhava ali a leitura e a escrita de outros códigos – as linhas, os movimentos, as cores, os gestos e as sonoridades – pude escolher ser arte/educador, porque ficou gravado para sempre em minha memória que aprender tem a ver com aventura e que a escola deve ser esse lugar privilegiado que impulsiona o aventurar-se ao conhecimento, e que ela não pode ser opressiva e excludente, ao contrário, ela tem que incluir todos – na aventura de aprender – com suas ricas e infinitas diferenças. Esse fragmento narrativo de minha história é uma resposta não apenas à professora Mariazinha (da qual todos nós guardamos belos ensinamentos), mas também à forma que encontrei de me incluir mais enfaticamente neste trabalho de pesquisa sobre o Movimento Escolinhas de Arte, através do depoimento de duas arte/educadoras, (Noemia Varela e Ana Mae), que, entre outras, construíram a história desse movimento, contribuindo para a difusão da Arte/Educação em nosso país.

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Esta unidade pretende colocar alguns aspectos históricos que provavelmente ajudam a ampliar nossos conhecimentos sobre a Arte, seu ensino e sua história. Proponho começarmos assistindo ao vídeo intitulado Noemia Varela: uma vida, fazeres e pensares, material que foi elaborado para compor o módulo da exposição – uma vida – organizada em homenagem a grande arte/educadora brasileira Noemia de Araújo Varela. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=oekplNIgedQ

saiba mais Vocês também podem acessar outro vídeo com uma entrevista concedida por Noemia Varela ao Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais: http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.Navigat ionServlet?publicationCode=16&pageCode=441&textCode=1848&date=cur rentDate Neste endereço eletrônico há também entrevistas com outros arte/educadores: Gisélia Sátiro, Fernando Azevedo, Rejane Coutinho, Jaisa Farias.

E agora? Vamos refletir um pouco sobre a História da Arte/Educação no Brasil? Vou começar pelo fio da memória e da narração. Esta é, apenas, uma versão, um ângulo da História, mas um fragmento que é de extrema importância para o estudo e a pesquisa nesta disciplina...

1.1 Fio da Memória e da Narração Vamos, então, iniciar com um trecho do texto de Walter Benjamin, um dos integrantes da famosa Escola de Frankfurt. Escola que criou a teoria crítica. Este pensador afirma sobre o ato de narrar:

A narrativa, [...] – é, por assim dizer, uma forma artesanal de comunicação. Sua intenção primeira não é transmitir a substância pura do conteúdo, como o faz uma informação ou uma notícia. Pelo contrário, emerge essa substância na vida do narrador para, em seguida, tirá-la dele próprio. Assim a narrativa revelará sempre a marca do narrador, assim como a mão do artista é percebida, por exemplo, na obra de cerâmica. Trata-se da inclinação dos narradores de iniciarem sua história com uma apresentação das circunstâncias nas quais foram informados daquilo que em seguida passam a contar; isto quando não apresentam todo o relato como produto de experiências próprias [...] Assim, sua marca pessoal revela-se nitidamente na narrativa, pelo menos como relator, se não como alguém que tenha sido diretamente envolvido nas circunstâncias apresentadas (1975, p. 69) .

Em sua obra recente, Ensino da Arte: memória e história, Ana Mae Barbosa afirma: “Na arte e na vida memória e história são personagens do mesmo cenário temporal, mas cada uma se veste a seu modo. [...] A história intelectu-

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al e formal, usa a vestimenta acadêmica, enquanto a memória não respeita regras nem metodologias, é afetiva e revive a cada lembrança (2008, p.01)”. Acrescento a compreensão de Ana Mae uma afirmação de Marilena Chauí sobre a história [...] é descontínua e não progressiva cada sociedade tem sua história própria em vez de ser apenas uma etapa numa história universal das civilizações (2005, p. 50). Neste amálgama não posso esquecer as lições de minha professora Ecléa Bosi, com quem aprendi o sentido de história como memória, presente em sua obra Memória e Sociedade: lembranças de velhos, da qual ressalto: “Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa acompanhá-lo para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição (1994, p. 81)”. E para fechar esta introdução, ressalto António Nóvoa em Vidas de professores “[...] não é possível separar o eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores e ideais e muito exigentes do ponto de vista do empenhamento e da relação humana (1995, p.16)”. É, pois, no sentido de trazer a luz fragmentos de memórias, colhidas junto a Noemia Varela, portanto, sem obedecer a uma linha de tempo linear, que convido vocês a tecer suas próprias considerações: juntando partes, tecer tramas, reinventar a história estabelecendo seus fios condutores, pois como chama atenção Ana Mae à memória não respeita regras nem metodologias, ela é afetiva . Eis minha narração... Refletir sobre o papel de Noemia Varela na História da Arte/Educação brasileira exige trazer a tona seus laços afetivo-intelectuais, pois nossa personagem trabalha sempre em grupo, respeitando e valorizando a diversidade de contribuições e as decisões do coletivo, ou seja, refletir sobre sua história pessoal é também refletir sobre os contextos de sua história profissional e consequentemente sobre contextos da história que construímos em Arte/Educação. Noemia Varela é nordestina da cidade de Macau, no Rio Grande do Norte; cedo foi morar em Pernambuco e por isso se diz culturalmente pernambucana, em Recife formou-se em Pedagogia. Um destaque significativo de sua vida pessoal/profissional – de arte/educadora – diz respeito ao seu encontro com a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Na verdade a primeira e grande paixão em Arte/Educação de Noemia Varela. Este encontro aconteceu em 1949, quando Noemia Varela recém formada em pedagogia, foi ao Rio de Janeiro para participar do I Congresso Nacional da Sociedade Pestalozzi, presidida por Helena Antipoff, e entre suas descobertas conheceu a EAB. A EAB foi criada um ano antes, em 1948, no Rio de Janeiro (então Distrito Federal), pelo artista plástico e poeta pernambucano Augusto Rodrigues juntamente com a professora de Arte gaucha Lúcia de Alencastro Valentim e a escultora norte-americana Margareth Spencer. Sobre o contexto de fundação da EAB trago o próprio Augusto Rodrigues que em tom poético enfatiza:

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Quando a escolinha realmente começou, creio que a tendência era ela se chamar Escolinha Castro Alves, porque estava na Biblioteca Castro Alves. Mas eu não quis dar nome à Escolinha. Estávamos realmente fazendo uma experiência em aberto, até o momento em que começamos a sentir que precisava de um nome. Aí é que surgem as crianças que já começavam a dizer: ‘amanhã eu vou à Escolinha’, e elas só chamavam de escolinha. Percebi de imediato que elas faziam uma distinção entre a escola institucional e aquele lugar que elas passavam a chamar de Escolinha. Escolinha, no diminutivo, com o componente afetivo. Uma era a escola onde ela ia aprender, a outra onde ela ia viver experiências, expandir-se, projetar-se. Então foram elas mesmas que deram o nome (1980, p. 39).

Para que fique mais claro o encontro marcante de Noemia Varela com a EAB e sua compreensão crítica do significado da filosofia e da prática desenvolvida na escolinha ressalto o que afirma Noemia Varela:

A fidelidade da Escolinha de Arte ao nome [...] realmente foi muito positiva porque mostrou, com acuidade de compreensão, que não é o nome que vai dar importância à experiência, é quem está na experiência, e o que é feito, e o resultado e o processo dela, em termos de suas conseqüências no sistema educacional brasileiro...

Na verdade, muitos artistas e educadores no Brasil e na América Latina fizeram experiências e pesquisas na área de educação e arte... O que a Escolinha de Arte do Brasil fez [...] de singular para mim é apresentar-se como proposta aberta, modelo gerador de novas Escolinhas de Arte, modelo no sentido científico, não para ser imitado, mas para ser o ponto de partida para a mudança. Ela nunca propôs a nenhuma Escolinha: ‘faça o que eu faço’. Mas: ‘tenha os fins, a expectativa, leve as atitudes geradoras de uma experiência coerente com o seu meio’. Modelo gerador de novas Escolinhas de Arte diversificadas na medida do sonho e da força criadora de seus fundadores. [...]

E se cada Escolinha – pelos seus ideais e princípios – se liga à experiência-mãe da Escolinha de Arte do Brasil, por outro lado caminha independentemente em seu processo de desenvolvimento, autônomo na dimensão que lhe conferem aqueles que a constituem, que fundamentam e orientam a experiência (1980, p.70-71).

Assim, não posso negar que provavelmente esta viagem foi marcante para a sua formação profissional: como pedagoga já demonstrava interesse pela educação de pessoas com deficiência, não é por acaso sua ida ao congresso da Pestalozzi, pois já tinha algum conhecimento, sobre as contribuições de Helena Antipoff, para a educação especial articulada a Arte. Ela

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não sabia, no entanto, que havia uma escolinha de arte (EAB) que trabalhava atividades artísticas também com pessoas com deficiência e que Augusto Rodrigues (que conheceu na referida viagem) era sempre convidado por Helana Antipoff para ministrar cursos de Arte Plasticas na Sociedade Pestalozzi. A seguir destaco suas impressões poéticas de seu encontro com a EAB:

[...] havia plantas, havia as mesmas mesinhas que estão hoje lá, havia uma arrumação mais livre. [...] vinte, vinte e cinco crianças de idades diferentes e uma jovem professora – Lucia Alencastro Valentim – atendendo aquelas crianças sem assistentes. E elas livremente apanhando seus diários, fazendo as suas pinturas.

[...] Enquanto eu olhava as crianças trabalharem tão poeticamente, eu ouvia a voz de Augusto falando de Herbert Read, as experiências, o interesse e a importância da auto-expressão. Aquilo tudo me encantou – mas me encantou o ato, o fazer, a ação da expressão da criança (1978. p.88).

Penso que o testemunho crítico/poético e ao mesmo tempo apaixonado de Noemia Varela deixa claro não apenas a experiência inovadora e pioneira da EAB e consequentemente do Movimento Escolinhas de Arte, mas também o papel que as escolinhas tiveram na formação das novas gerações de arte/educadores. Não sendo por acaso o fato de Noemia Varela ter coordenado, durante anos, o Curso Intensivo de Arte na Educação (CIAE), oferecido pela EAB, dirigido para a formação de arte/educadores do Brasil inteiro. Segundo Ana Mae, ao longo de anos o único curso que formava realmente no campo da Arte/Educação. Em sua volta a Recife Noemia Varela criou na Escola de Educação Especial Ulisses Pernambucano um atelier de Arte para crianças consideradas fora do padrão de normalidade, crianças que na época eram denominadas de excepcionais. Este acontecimento possibilitou ser reconhecida na História do ensino da Arte como a primeira arte/educadora brasileira a articular Arte/ Educação com Educação Especial. Cabe um parêntese para enfatizar que na História mais ampla do Ensino da Arte o trabalho elaborado por Victor Lowenfeld com crianças cegas na Áustria é também um marco muito significativo da articulação entre Educação Especial e Arte/Educação. Outro aspecto importante que deve ser ressaltado da vida de Noemia Varela está relacionado aos vínculos que estabeleceu ao longo de sua história pessoal e profissional. Em Pernambuco, seu contato com Paulo Freire foi significativo para a Arte/Educação brasileira. Paulo Freire não foi apenas contemporâneo de Noemia Varela na Universidade do Recife na Escola de Belas Artes, foi ele quem a indicou para ministrar a disciplina Prática de Ensino em Artes Plásticas, no curso de professorado de Desenho, do qual o próprio Paulo Freire era professor da disciplina Filosofia e História da Educação. Amizade selada entre ambos foram professores de outros cursos, entre esses destaco o que ministraram para preparar candidatos ao cargo de professores da rede de ensino do estado de Pernambuco, que ocorreu no Instituto

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Capibaribe (escola criada pelo casal – Paulo e Elza Freire – e Raquel de Crasto) em Recife. Neste curso uma das estudantes/candidatas era Ana Mae Barbosa. Sobre o contexto do encontro com Paulo Freire e Noemia Varela, decisivo para vida pessoal e profissional, de Ana Mae Barbosa prefiro ser fiel ao texto Narrativa Circunstanciada, documento escrito pala própria para a obternção de livre docência da Universidade de São Paulo. Não havia uma vasta escolha profissional naquele tempo em Recife. As Faculdades de Filosofia ainda não tinham credibilidade. Um aluno, primeiro lugar da classe, para não desperdiçar seu talento era, invariavelmente, aconselhado por seus mestres a escolher dentre as três mais importantes carreiras: Medicina, Engenharia ou Direito. Para mim, [...], restou a vala comum do Direito.Para esta escola iam todos os aspirantes a atividades humanísticas. A interferência da família continuou na base de negação de apoio financeiro para meus estudos. Resolvi, então, trabalhar, mas a única função externa que meus familiares consideravam digna para uma mulher, era o magistério. Surgiu um concurso para professores primários da Secretaria de Educação de Pernambuco. Estes concursos eram extremamente concorridos porque a professora primária, na década de 50, ainda tinha status e reconhecimento social. Vários cursos preparatórios para o concurso foram organizados. No Instituto Capibaribe, [...]. A primeira aula foi dada por Paulo Freire que simplesmente pediu que escrevessemos explicando por que queríamos ser professores. Meu texto foi o inverso: procurei explicar por que não queria ser professora. Paulo Freire me chamou então para uma conversa individual e me convenceu de que educação não era o que eu tinha tido; era outra coisa que procuraríamos descobrir durante o curso. Descobri, sim, que educação é uma constante descoberta de si, dos outros e do mundo (Narrativa Circunstanciada, s/d) (grifo meu). Das conexões entre Paulo Freire, Noemia Varela e Ana Mae Barbosa, portanto, nasceu a concepção de Arte/Educação crítica – que se caracteriza por um postura contra-ideológica – e vem contribuindo fortemente para a constituição da concepção de Arte/Educação pós-crítica – que se caracteriza por uma visão inter/multicultural trazendo para o espaço da formação do arte/educador as questões de gênero, raça, etnia, sexualidade. Neste sentido abrindo o debate para a inclusão das e pessoas com deficiência. Para finalizar esta unidade trago um pouco da exposição em homenagem a Noemia Varela destacando o texto de parede a seguir e algumas fotos.

1.2 Noemia Varela: uma vida, fazeres e pensares No trecho abaixo, o objeto evocado e encantado que se deseja revelar é uma pessoa, uma historia de vida: Noemia de Araújo Varela.

Educar com arte para arte, esse fazer devemos, no Brasil, muito de seu desenvolvimento a Noemia Varela. A formação aberta e sem demarcação de fronteiras: da psicologia, da filosofia, da história da arte, da música, da pintura, da cerâmica à educação, inclusive, à educação especial, eleva a obra desta professora, mestra de todos os que se interessam pelo ensino, a uma rica fonte de reflexão sobre o

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sentido da arte na sociedade contemporânea.

Porém, ainda assustando a muitos, para essa pensadora, a arte não é compreendida com o uma disciplina que possa ser compartimentada o que largamente nos evidenciou os anos instigantes da Escolinha de Arte do Brasil, que tiveram uma missão pioneira em nosso país. (Lucimar Belo, 2001, p.11)

Noemia (ou D. Noemia, como chamamos nos seus aprendizes, em sinal de reverência) dedicou sua vida a relações de aprendizagens, ao delicado ato concreto/mágico e humanizador de ensinar Arte. Sua história de vida pessoal confunde-se maravilhosamente com a sua história de vida profissional.

1. Depois da morte da Drª Nise da Silveira em 30 de novembro de 1999, o Grupo de Estudos passou a ser denominado com os nomes de Jung e Silveira. 2. Helena Antipoff, segundo Augusto Rodrigues foi médica e educadora Russa, que veio ao Brasil a convite de Francisco Campos (Secretário de Educação de Minas Gerais, um dos líderes do Movimento Escola Nova). Em 1945 Helena veio ao Rio de Janeiro e a exemplo do que fizera em Minas Gerais criou a Sociedade Peslalozzi do Brasil. São inúmeras suas contribuições a Educação brasileira embora seja injustamente esquecida pela História da Educação nacional. Entre as principais contribuições destaco: criou cursos de recreação, teatro infantil, logopedia e cursos especializados para professores de pessoas com necessidades especiais. Criou também um dos primeiros cursos de Psicologia em nível superior – o de Psicopedagógico – e foi professora do Instituto de Serviços Sociais da Universidade do Brasil. Ele ajudou a trazer para o nosso país grandes especialitas entre eles Claparède de quem foi assistente em Genebra, lá foi professora de Psicologia entre os anos de 1926 a 1929. Sua ligação com o movimento de Arte/educação brasileiro deve-se a amizade com Augusto Rodrigues e mais tarde com Noemia Varela.

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Por ser múltipla podemos apresentá-la por meio de variadas maneiras. Este é, portanto, um modo, apenas, de apresentar a homenageada desta exposição. Eis uma outra maneira: Noemia Varela nasceu no interior do Rio Grande do Norte, formou-se em Pedagogia em Recife, morou alguns anos no Rio de Janeiro, onde trabalhou na Escolinha de Arte do Brasil(EAB) ao lado de seu criador, o poeta e artista plástico, pernambucano, Augusto Rodrigues e no Conservatório Brasileiro de Música. Lá, entre os inúmeros amigos que fez, estabeleceu laços afetivos e intelectuais com a Drª Nise da Silveira , tendo participado do famoso Grupo de Estudos Carl Gustav Jung durante todo o tempo em que morou no Rio Sua história de professora é também uma história de amor ao estudo e a vida: sempre atenta aos desafios da vida e da careira tem sempre como principio olhar o outro pelo ângulo das suas capacidades inventivas, nunca pelo ângulo da falta, da perda, da deficiência. Foi também no Rio de Janeiro que conheceu e se apaixonou por Arte/Educação, quando participando de um Congresso da Sociedade Pestalozzi conheceu a EAB e ao voltar para Recife, cheia de idéias, criou na atual Escola de Educação Especial Ulisses Pernambucano um atelier de Arte para crianças especiais – marco que a faz ser reconhecida com a primeira arte/educadora brasileira a trabalhar com Arte na Educação Especial. O amor à educação como possibilidade de libertação a fez juntar-se ao grande Paulo Freire. Assim não é por acaso que em seu memorial para obtenção da livre-docência da Universidade de São Paulo Ana Mae Barbosa tenha registrado o fato de escolher educação por ter sido fortemente influenciada pela pedagogia libertaria de Paulo e pela maneira libertária de conceber Arte/Educação de Noemia Varela. A exposição foi organizada em dois módulos articulados – uma vida e desenhos que contam histórias. Para o módulo uma vida, elaboramos um ví-


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deo, cujo roteiro buscou ressaltar laços estabelecidos por Noemia Varela ao longo de sua existência. Nesse, ela fala em tom de encantamento, sobre a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Também faz parte desse módulo uma vitrina em que as fotografias de família e de amigos, textos escritos em livros, jornais e revistas de sua autoria e sobre seu trabalho compõem de maneira não linear a história de sua vida. A exposição Uma vida e desenhos que contam histórias, foi pensada, em

saiba mais Busque no seguinte endereço www..funarte.gov.br o caderno de textos 1 Arte sem Barreiras ( ano 1 nº1 setembro/dezembro 2002) os seguintes textos: Abordagem histórica: do ensino da Arte especial ao ensino de arte inclusivo de AZEVEDO, Fernando A. G. As artes visuais e a educação inclusiva de MARTIS, Alice F. Convergências: educação, arte inclusão? De AGUIAR, Ritamaria Observação: neste mesmo endereço vocês podem encontrar outros textos sobre Arte, educação e inclusão.

DICA DE LEITURA Busque no seguinte endereço www..funarte.gov.br o caderno de textos 1 Arte sem Barreiras ( ano 1 nº1 setembro/dezembro 2002) os seguintes textos: Abordagem histórica: do ensino da Arte especial ao ensino de arte inclusivo de AZEVEDO, Fernando A. G. As artes visuais e a educação inclusiva de MARTIS, Alice F. Convergências: educação, arte inclusão? De AGUIAR, Ritamaria Observação: neste mesmo endereço vocês podem encontrar outros textos sobre Arte, educação e inclusão.

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UNIDADE 2

Arte Educação e Educação Especial – Questões Políticas.

Inicio esta segunda unidade propondo a vocês uma reflexão sobre alguns pontos muito significativos para a teoria e prática “arteducativa”, pontos que estão conectados com a política da diversidade cultural. Esta política possui como fundamento os objetivos e princípios da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprovada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura, em sua 33ª reunião, celebrada em Paris, de 03 a 21 de outubro de 2005, afirmando a diversidade cultural como: característica essencial da humanidade. O Brasil retificou esta política por meio do Decreto Legislativo 485/2006. http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224POR.pdf

2.1 BASE LEGAL A base legal deste curso toma os Objetivos e Princípios diretores da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais: Artigo 1 – OBJETIVOS Os objetivos da presente Convenção são: (a) proteger e promover a diversidade das expressões culturais; (b) criar condições para que as culturas floresçam e interajam livremente em benefício mútuo; (c) encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâmbios culturais mais amplos e equilibrados no mundo em favor do respeito intercultural e de uma cultura da paz; (d) fomentar a interculturalidade de forma a desenvolver a interação cultural, no espírito de construir pontes entre os povos; (e) promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a conscientização de seu valor nos planos local, nacional e internacional; (f) reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvolvimento para todos os países, especialmente para países em desenvolvimento, e encorajar as ações empreendidas no plano nacional e internacional para que se reconheça o autêntico valor desse vínculo; (g) reconhecer natureza específica das atividades, bens e serviços culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados; (h) reafirmar o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e medidas que considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seu território;

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(i) fortalecer a cooperação e a solidariedade internacionais em um espírito de parceria visando, especialmente, o aprimoramento das capacidades dos países em desenvolvimento de protegerem e de promoverem a diversidade das expressões culturais. Artigo 2 – PRINCÍPIOS DIRETORES 1. Princípio do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais, tais como a liberdade de expressão, informação e comunicação, bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais. Ninguém poderá invocar as disposições da presente Convenção para atentar contra os direitos do homem e as liberdades fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantidos pelo direito internacional, ou para limitar o âmbito de sua aplicação. 2. Princípio da soberania De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, os Estados têm o direito soberano de adotar medidas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seus respectivos territórios. 3. Princípio da igual dignidade e do respeito por todas as culturas A proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais pressupõem o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por todas as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e as dos povos indígenas. 4. Princípio da solidariedade e cooperação internacionais A cooperação e a solidariedade internacionais devem permitir a todos os países, em particular os países em desenvolvimento, criarem e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural – incluindo as indústrias culturais, sejam elas nascentes ou estabelecidas – nos planos local, nacional e internacional. 5. Princípio da complementaridade dos aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento Sendo a cultura um dos motores fundamentais do desenvolvimento, os aspectos culturais deste são tão importantes quanto os seus aspectos econômicos, e os indivíduos e povos têm o direito fundamental de dele participarem e se beneficiarem. 6. Princípio do desenvolvimento sustentável A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades. A proteção, promoção e manutenção da diversidade cultural é condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefício das gerações atuais e futuras. 7. Princípio do acesso eqüitativo O acesso eqüitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo o mundo e o acesso das culturas aos meios, de expressão e de difusão constituem importantes elementos para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendimento mútuo. 8. Princípio da abertura e do equilíbrio Ao adotarem medidas para favorecer a diversidade das expressões culturais, os Estados buscarão promover, de modo apropriado, a abertura a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam em conformidade com os objetivos perseguidos pela presente Convenção.

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PARA REFLETIR A partir dos objetivos e princípios apontados por este documento proponho uma reflexão sobre pontos norteadores da articulação entre Arte/ Educação e Educação Inclusiva. Para tanto cito Ana Mae Barbosa e Paulo Freire no terceiro capítulo da obra Pedagogia do Oprimido sabiamente coloca:

A política cultural euroamericana, segmentada e separatista, que impede pensar a arte como fenômeno mais amplo, tornou necessário que se criasse um museu de arte só para mulheres, um só para hispâno-americano, um para a arte popular, outro para a arte industrial, outro para as relações de arte com antropologia, outro para a arte indígena etc. Esta política já não serve para eles próprios neste momento histórico [...] e serve muito menos para nós, que podemos tomar partido da flexibilidade intercultural, que caracterizou o movimento imigratório no Brasil e que se assentou entre nós como costume comportamental (Ana Mae Barbosa, 1998, p. 100)

Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim?

Como posso dialogar, se me admito como homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros ‘isto’, em quem não reconheço outros eu?

Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são ‘essa gente’, ou são ‘nativos inferiores’?

Como posso dialogar, se parto de que a pronuncia do mundo, é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar?

Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?

É recorrente entre professores a seguinte argumentação: para se trabalhar com estudantes especiais é necessário um preparo adequado a cada uma das “deficiências” e complementam tal argumento dizendo que a ideia de inclusão é imposição de políticas governamentais. Na realidade a transformação que vem ocorrendo atualmente com relação à inclusão cultural e social de grupos minoritários, e tem rebatimento na

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escola, diz respeito à luta e a organização de grupos sociais que não tinham “nem vez nem voz” e hoje começam a ser considerados no contexto mais amplo da sociedade. Neste sentido, os estudos culturais, o multiculturalismo crítico ou o interculturalismo têm ajudado estudantes e educadores a compreenderem a escola como um grande palco de negociações entre diferentes sujeitos culturais e sociais, desconstruindo o mito da turma ou grupo homogêneo e chamando a atenção para a riqueza que é a heterogeneidade cultural e social. Cabe, aqui, uma importante diferenciação entre a concepção de inclusão e a concepção de integração partindo da ideia de que a pessoa com deficiência é apenas diferente, mas não desigual do ponto de vista de seus direitos, como enfatiza o trecho do documento Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e o fragmento de texto de Ana Mae e Paulo Freire que convida TODOS ao diáogo. Para iniciar o diálogo esclareço: a concepção de inclusão não é sinônima da concepção de integração, como o senso comum insiste em afirmar. A primeira coloca em debate valores, preconceitos e crenças construídas no plano do senso comum, provocando um movimento de crítica e desconstrução dos modelos de instituições sociais que legitimam o padrão hegemônico de normalidade, padrão que exclui todos aqueles que estão fora de tal modelo. A inclusão surge desse modo, como uma “nova” atitude social de respeito ao Outro – ao diferente – com sua historia de vida singular, suas potencialidades, seus direitos. É o reconhecimento do diferente como semelhante, ou melhor, do Outro como diferente, mas nunca como desigual em sua condição humana, em seus direitos – do respeito ao outro nascem possíveis e enriquecedores diálogos que mudam a face da sociedade fazendo-nos pensar que um mundo mais justo e solidário pode se tornar real. A concepção de integração impõe ao diferente, isto é, aqueles que estão fora dos modelos preestabelecidos pela hegemonia cultural e social uma busca – desumanizadora – de adaptar-se aos padrões dominantes, a média, aos valores hegemônicos da sociedade, ou seja, se constrói a partir de preconceitos, crenças e pré-juízos desconsiderando a diversidade humana. No campo da Arte/Educação brasileiro os estudos culturais vêm sendo pesquisados por Ana Mae Barbosa (1988, 2002) e Ivone Mendes Richter (2003). As autoras em destaque usam as expressões multiculturalismo e interculturalismo, evidenciando que a primeira expressão tem que ser acompanhada do adjetivo “crítico”. Quanto à segunda expressão, destaca Ivone Richter

Atualmente, vem sendo utilizado o termo ‘interculturalismo’, que implica uma inter-relação de reciprocidade entre culturas [...]. Esse termo seria, portanto, o mais adequado a um ensino-aprendizagem em artes que se propunha a estabelecer a inter-relação entre os códigos culturais de diferentes grupos culturais (2003 p. 19).

Ivone Richter afirma ainda que a denominação multicultural é a que está consagrada na literatura, do campo mais amplo da educação e no campo

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específico da Arte/Educação. O senso comum no âmbito da Arte/Educação tem difundido uma compreensão do multiculturalismo como sendo, apenas, uma postura de respeito e tolerância para com os diferentes sujeitos culturais e sociais, ou seja, enfatiza-se o respeito por todas as expressões culturais que não são hegemônicas, escamoteando, assim, os conflitos e as lutas simbólicas travadas no palco da vida social e no palco da escola em nome do politicamente correto. Conflitos que, por sua vez, exigem o enfrentamento, e este em Arte/Educação vai exigir a construção de uma compreensão estética e artística não hierárquica, humanizadora, mais dialogal, mais plural. O fato de desconsiderar os conflitos entre diferentes sujeitos culturais sob a alegação da postura de respeito e de tolerância para com a diversidade – celebrando as diferenças – tem sido uma maneira pela qual as culturas dominantes manifestam sua arrogância e supremacia sobre as culturas minoritárias, calando as vozes dos diferentes, pois suas vozes vindas dos porões da sociedade não encontram eco nas camadas superiores – são os filhos do silêncio, os deserdados do direito à palavra. Foram privados, por-

PROBLEMATIZANDO O que significa para Paulo Freire as expressões “pronuncia do mundo” e “cultura do silêncio”? E o que estas expressões têm haver com Arte, Educação e Inclusão?

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UNIDADE 3

Arte Educação e Educação Especial –Reflexões

A Arte é fundamental a vida? A Arte transporta a gente para um mundo diferente? Para um mundo de sonho? A Arte provoca a reflexão? A Arte nos tira da zona de conforto e nos faz pensar? Ou a Arte simplesmente acomoda? Diante destas questões pensem sobre o texto a seguir. Texto colhido pela artista, carioca de origem armênia, Rosana Palazyan, nas ruas de São Paulo para seu trabalho intitulado O homem do Realejo. O autor é o Profeta Raimundo, morador de rua que cultiva o hábito da leitura. O texto faz parte de um projeto de Arte pública, desenvolvido pela artista (2003/2004) e exposto na 26ª Bienal de São Paulo em 2004.

A arte em si não conduz a nada. Uma cozinheira é mais importante do que uma poetisa, do que uma pintura, do que uma música, do que uma escultura. Ninguém precisa de música, ninguém precisa de arte, ninguém precisa de pintura, ninguém precisa de escultura. Mas precisa de uma comida bem feita. Mas, ao mesmo tempo, a arte transporta a gente para um mundo diferente, um mundo de sonho, a gente se altera todo. A única coisa é que não são fundamentais à vida. Porque nós podemos passar a vida sem arte. As artes são muito distintas, mas é atividade de mendigo.

Figura 01 - Desenhos elaborados pela artista para o projeto, escameados do catálogo nacional da Bienal de 26ª Bienal de SP (2004).

Transcrevo do catálogo da 26ª Bienal de SP (2004) a crítica do curador Paulo Herkenhoff:

A “sorte” - frases da gente de rua no bilhetinho escolhido pelo papagaio de “O Realejo” - é a possibilidade de relações de alteridade. A “sorte” é excentricidade incômoda. É ouvir uma voz da rua: “A arte em si não conduz a nada. Uma cozinheira é mais importante do que uma poetisa, do que uma pintura, do que uma música, do que uma escultura. Ninguém precisa de música, ninguém precisa de arte, ninguém precisa de pintura, ninguém precisa de escultura. Mas precisa de uma comida bem feita. Mas, ao mesmo tempo, a arte transporta a gente para um mundo diferente, um mundo

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A obra Homem do Realejo ou simplesmente O realejo é um projeto desenvolvido pela artista que busca trazer para o debate as vozes dos moradores de rua da cidade de São Paulo, ou seja, sua proposição foi provocar o publico (leitor) da Bienal a entrar em contato com os personagens invisíveis da grande metrópole. Quando o publico pensava está tirando sua sorte no realejo, deparava-se com textos colhidos pela artista que foram escritos por moradores de rua. Textos provocativos o suficiente para nos fazer pensar que seres humanos, mesmo em situação de exclusão pensam, sentem, criticam e têm sonhos, desejos e indignações. Penso que a artista por meio do delicado ato de estabelecer conexões com essas pessoas e suas histórias de vida (singulares) encontra uma espécie de canal de sintonia – a condição humana – entre ela e o Outro – entre ela e seus “retratados” – e consequentemente entre esses e o público. Esta é precisamente a razão que proponho a reflexão da expressão Normal é ser diferente – trazendo para vocês o Homem do Realejo, ou seja, chamando a atenção para a ideia de que o debate sobre inclusão cultural e social ultrapassa o campo da Educação Especial e requer de todos os envolvidos, nessa tarefa política de enfrentar e quebrar preconceitos, uma compreensão do ato de educar diferenciada, mas que pode ser (e deve ser?) articulada entre o poético e o político. Busca, nesse sentido, a emancipação humana Se no passado o modelo de Educação Especial se baseava em uma visão da pessoa com deficiência como incapaz, que merecia apenas um cuidado especial, o modelo de inclusão parte do seguinte princípio: somos todos diferentes e únicos – singulares – por isso temos também potencialidades diversas. Esta lógica leva a uma compreensão heterogênea de sociedade, de certa maneira possibilitando compreender a riqueza que é o convívio entre diferentes sujeitos culturais e sociais. No entanto é importante lembrar uma discussão decorrente da argumentação anterior, muito presente na escola, a partir dos questionamentos: A escola deve flexibilizar o currículo para “facilitar” o processo de aprendizagem de pessoas com deficiência? A escola deve adaptar seu currículo as necessidades de pessoas com deficiência? Ou o verdadeiro papel inclusivo da escola seria (É) construir possibilidades de lidar com as diferenças assumindo o papel de educar na perspectiva da emancipação? Frente a tais questões trago para a nossa proposta de reflexão dois autores: o primeiro é Tomaz Tadeu da Silva, estudioso e pesquisador do currículo e o segundo é Paulo Freire ressignificado por Carlos Rodrigues Brandão. Na obra Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo (1999), do primeiro autor, tomo como referência para fundamentar a discussão, um quadro proposto em que Tomaz Tadeu da Silva enfatiza as palavras-chave que constituem o currículo tradicional, crítico e pós-crítico. Nesta direção o autor chama a atenção para a questão: “As teorias críticas e pós-críticas estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder” (1999, p. 16). O currículo na perspectiva crítica, segundo o autor, ressalta o peso da ideologia dominante e seu papel de reprodutora cultural e social na educação, sendo necessário a construção de um processo contra-ideológico, de resistência, visando à emancipação, à libertação humana, ou seja, é um currículo

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identificado com a compreensão de educação como processo de humanização. Já o currículo pós-crítico enfatiza a constituição das identidades e das diferenças (de gênero, de raça, de etnia, de orientação sexual) apontando para as questões multiculturais. Assim colocando em cena o debate sobre as conexões entre saber, identidade e poder e neste sentido abrindo para as construções culturais de pessoas com deficiência. Partido deste ponto de vista defendo que o currículo tanto na perspectiva crítica quanto pós-crítica se complementam, ou melhor, eles se encontram visando o processo de educação como processo emancipatório e humanizador e não como processo de exclusão dos que não se adaptam ao modelo legitimado pelo neoliberalismo de competência, segundo as exigências do mercado. Educar nesta preceptiva requer postura política, pois é necessária uma atitude crítica com relação aos valores hegemônicos da sociedade, ou melhor, não podemos partir do modelo de normalidade estabelecido.

OLHO VIVO Na disciplina Cultura, Currículo e Avaliação, integrante do Módulo 04 da sua coleção de estudo, a profa. Dra. Irene Tourinho apresenta referencial teórico para reflexão acerca dos diferentes currículos presentes nos espaços escolares. Que tal retomar a leitura e formular novas reflexões a respeito?

Do pensamento de Paulo Freire, reelaborado por Carlos Rodrigues Brandão, para a obra Dicionário Paulo Freire (2008) destaco os quatro princípios dos círculos de cultura:

• Cada pessoa é uma fonte original e única de uma forma própria de saber, e qualquer que seja a qualidade deste saber, ele possui um valor em si por representar à representação de uma experiência individual de vida e de partilha na vida social;

• Assim, também cada cultura representa um modo de vida e uma forma original e autêntica de ser, de viver, de sentir e de pensar de uma ou várias comunidades sociais. Cada cultura só se explica de seu interior para fora e os seus componentes ‘vividos e pensados’ devem ser o fundamento de qualquer programa de educação ou transformação social;

• Ninguém educa ninguém, mas também ninguém se educa sozinho, embora pessoas possam aprender e se instruir em algo por conta própria. As pessoas [...] educam-se umas as

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outras e mutuamente se ensinam e aprendem, através de um diálogo midiatizado por mundos de vivência e de cultura entre seres humanos, grupos e comunidades diferentes, mas nunca desiguais;

• Alfabetizar-se, educar-se (e nunca: ‘ser alfabetizado’, ‘ser educado’) significa algo mais do que apenas aprender a ler palavras e desenvolver certas habilidades instrumentais. Significa aprender a ler crítica e criativamente ‘o seu próprio mundo’. Significa aprender, a partir de um processo dialógico em que importa mais o próprio acontecer partilhado e participativo do processo do que os conteúdos com que se trabalha, a tomar consciência de si mesmo (Quem de fato e de verdade sou eu? Qual o valor de ser quem sou?). Tomar consciência do outro (quem são os outros com quem convivo e partilho a vida? Em que situação e posições nós nos relacionamos? E o que isso significa?); e tomar consciência do mundo (o que é o mundo em que vivo? Como ele foi e segue sendo socialmente construído para haver-se tornado assim como é agora? O que nós podemos fazer para transformá-lo?) (2008, p. 77/78).

Articulando estes dois autores por meio de seus posicionamentos teóri-

PROBLEMATIZANDO Lembram do documentário, Janela da Alma, que vocês assistiram? Documentário, no qual seus autores João Jardim e Valter Carvalho, propõem uma profunda reflexão sobre o olhar do ponto de vista daqueles que são cegos ou vêm com dificuldade. Gostaria de colocar algumas questões sobre o tema: José Saramago, escritor português autor de Ensaio sobre a cegueira, obra que foi apropriada para o filme, com o mesmo título pelo cineasta brasileiro Fernando Meireles (TAMBÉM SUGESTÃO DE LEITURA) coloca mais ou menos assim:... Hoje vivemos mais acorrentados na Caverna de Platão (referindo-se ao Mito da Caverna de Platão) do que na época do filosofo grego... Sugiro que revejam o filme, considerando que uma obra de arte é um discurso aberto e por isso mesmo, cada vez que vemos/lemos podemos elaborar outras interpretações, às vezes mais ricas que as anteriores. Imaginem se deixássemos de ler os grandes clássicos por que já sabemos de seus enredos? Considero o documentário em foco um clássico e por isso vocês já assistiram mais de uma vez, ou ele foi referência mais de uma vez em outras disciplinas. Caso queiram ler o Mito da Caverna de Platão podem encontra no livro Convite à Filosofia de Marilena Chaui (2005), editora: Ática. Na Arte existem alguns bons exemplos do que é lutar pela vida enfrentando barreiras e quebrando limites: o filme enfatiza o exemplo de Bavcar, fotógrafo cego.

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3.1 Arte e Provocações Na história multicultural da Arte brasileira encontramos: Artur Bispo do Rosário e sua obra, elaborada ao longo de 50 anos dentro da Colônia Juliano Moreira no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que mostra a dificuldade presente em nossa sociedade de saber lidar com as diferenças aponta também para um problema da história da arte. Como pode um “louco” ser considerado artista? Como pode um louco criar confinado em sua “doença” e em sua privação do mundo? Para a pesquisadora Patrícia Burrowes, em seu livro com o sugestivo título, O universo segundo Arthur Bispo do Rosário:

O universo de Bispo comove pela força poética que extrai das banalidades. Coisas do uso cotidiano, comum; coisas triviais, quase vulgares, aparecem ali em sua seriedade, uma solene pobreza. Os materiais são rudes, toscos: a madeira vem sobretudo de caixas de feira e cabos de vassoura; o tecido vem dos lençóis e cobertores do hospital; a linha azul é desfiada dos uniformes. Utilitários de plástico, copos, cestos, garrafas; canecas e talheres de metal; produtos de uso pessoal descartável como canetas esferográficas, isqueiros pentes, aparelhos de barbear; pacas de carro e outras máquinas desfeitas; vestuário, calçados; ferramentas; brinquedos de plástico; moedas; embalagens de alimentos, coisas dispensadas, sucata, lixo. Tudo isso é recriado, transformado, ressuscitado em aglomerados de peças que compõem a obra (1999, p. 14)

O trabalho artístico de Bispo do Rosário coloca um problema para a História da Arte, pelo menos para uma visão mais conservadora dessa história, pois ele é além de negro, considerado “louco” e construiu sua obra dentro dos muros de um hospital psiquiátrico, enquanto a visão conservadora coloca o poder da criação artística privilegiando a perspectiva eurocêntrica:

OLHO VIVO Querem conhecer a obra e Bispo do Rosário? Pesquisem nos seguintes endereços eletrônicos: www.proa.org/exhibiciones/.../id_salabispo.html pt.wikipedia.org/wiki/Bispo_do_Rosário www.pr.gov.br/mon/exposicoes/bispo.htm

branca e pertencente às elites culturais. Retomando a obra de Bispo como provocativa para uma visão conservadora de história da arte proponho um exercício a vocês de relacioná-la com outro artista desafiador. A partir deste ponto de vista podemos estabelecer um paralelo entre Bispo e sua obra com o próprio Marcel Duchamp? Ou melhor, a obra “A Fonte” que provocou uma mudança de rumo na História da Arte colocando em xeque o paradigma da originalidade e trazendo para o universo da Arte a ideia de objeto de arte, assim ampliando o fazer e o pensar artístico. A seguir cito

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o historiador da Arte Aguinaldo Farias destacando sua visão da obra a Fonte:

Duchamp implodiu a lógica do sistema artístico, introduzindo-lhe um objeto que não era pintura nem escultura, um objeto industrial, anônimo - um objeto apenas - com isso, demonstrou que a produção de sentido, o interesse estético, é também prerrogativa de quem olha, e não necessariamente de quem faz (2002, p.17).

OLHO VIVO Voces podem encontrar imagens do famoso “ready-made” de Duchamp acessando os endereços: • www.rainhadapaz.g12.br/projetos/.../fountain.htm • educacao.uol.com.br/.../Marcel-Duchamp.jhtm • pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp E também de Nelson Leirner nos endereços: • pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1595,1.shl • forumpermanente.incubadora.fapesp.br/.../conf01_integra_ph/?...

Continuando a proposta de problematização pesquisem também sobre o “Porco Empalhado” que é um objeto de arte do artista brasileiro Nelson Leirner. Sobre o Porco Empalhado e o seu criador (ou seria mais correta a expressão recriador?). Pensem sobre isso lendo :

Um mal-estar ronda o percurso de Nelson Leirner. Nascido em São Paulo, em 1932, em atividade há cerca de 40 anos, o artista, que atravessou os anos da ditadura militar no Brasil comuma linguagem contudente, é o próprio agente desse incômodo.O estigma remonta ao ano de 1967 quando, ao ter sua obra aceita no IV Salão de Arte Moderna de Brasília, Leirnar interpela publicamente o júri constituído de vários críticos, exigindo que justifique seus critérios de seleção. De saída, portanto, uma discussão, na mais afiada tradução duchampiana,da autoria e da estratégia da arte – termonologia inserida no vocábulo da pós-modernidade ( Lisette Lagnado, 1999, p.41)

A lógica para esta discussão/reflexão é a ideia de quebrar limites, colocar em

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debate modelos estabelecidos, a ideia de conservadorismo. Tanto Duchamp, no âmbito mais amplo da história da arte, quanto Leirner, no âmbito brasileiro propuseram rever o valor da tradição modernista da ORIGINALIDADE. Surge, então, a questão: A obra de Bispo, de certo modo, não pode ser relacionada às obras em estudo ? Penso que assim como Duchamp e Leirner, Bispo nos leva a pensar em outros rumos para nossas intrepretaçãoes sobre sua obra. O que vocês pensam sobre a produção de sentido, do discurso das Artes Visuais, para a educação do olhar fundada em uma compreensão do papel do arte/educador como um mediador entre o universo da Arte e os estudantes? E quando esse estudante é uma pessoa com algum tipo de deficiência? Será que não vale partir da desafiadora expressão: Normal é ser diferente? Para alargar nosso campo de reflexões e, portanto, nossos horizontes sobre o papel do arte/educador na constituição e luta por uma escola inclusiva vamos ler um e-mail que recebi da arte/educadora, amiga e colega de mestrado, a quem dedico este trabalho. Seu nome é Ana Amália Tavares Bastos Barbosa.

SOU PROFESSORA DE ARTES DE UM GRUPO DE CRIANÇAS CADEIRANTES, ASSIM COMO EU.

ESTAMOS PROGRAMANDO UMA VISITA AO JARDIM DAS ESCULTURAS NO PARQUE DA LUZ, A ESCOLA FICA EM PERDIZES. SIMPLES! VAMOS DE TREM!

AO PROGRAMAR UMA VISITA EU GOSTO DE FAZER, ANTES, O TRAJETO PARA EVITAR TRANSTORNOS. QUERIA QUE AS CRIANÇAS FOSSEM DA ESTAÇÃO BARRA FUNDA À ESTAÇÃO DA LUZ DE TREM, ESSA EH UMA EXPERIÊNCIA QUE TODO PAULISTANO DEVERIA TER, MAS...

APESAR DE TEREM INDICAÇÃO DE ACESSIBILIDADE, OS TRENS SÃO INACESSIVEIS.

EU TENTEI PEGAR O TREM, MAS OS TRÊS QUE PASSARAM NÃO TINHAM COMO ENTRAR, POIS A DISTÂNCIA ENTRE A PLATAFORMA E O TREM ERA ENORME. ACHAVA QUE ISSO JAH TIVESSE SIDO RESOLVIDO, MAS PARECE QUE NÃO! FUI DE MÊTRO, NÃO EH A MESMA COISA!

NÃO ENTENDO PQ OS CADEIRANTES NÃO TEM OS MESMOS DIREITOS DOS ANDANTES, A UNICA DIFERENÇA EH A CADEIRA SOMOS TODOS HUMANOS!

ANA AMALIA http://amaliabarbosa.zip.net/ www.sba.art.br

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www.nossosonho.org.br/oficina_arte_informatizada.html# http://aa-barbosa.nafoto.net/photo20080529183740.html

CONSIDERAÇÕES FINAIS Na realidade essas considerações vocês vão construir, são os atores e atrizes deste processo. O que me cabe, neste momento, é agradecer a atenção retomando um trecho do prólogo para lembrar que todo o discurso organizado na disciplina foi impulsionado pelo desejo de possibilitar a construção da passagem de uma concepção de educação excludente para uma concepção de educação inclusiva.. Espero, sinceramente, que o contato com a história de Noemia Varela,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Ana Mae (org.) Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002. ____ (org.) Memória e história.São Paulo: Perspectiva, 2008. FRANGE, Lucimar Bello.Noemia Varela e a Arte. Belo Horizonte:C/ Arte,2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. RODRIGUES, Augusto. Escolinha de Arte do Brasil: análise de uma experiência no processo educacional brasileiro. Rio de Janeiro: EAB, 1980. RILK, Rainer Maria. Cartas do Poeta sobre a vida. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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Texto Complementar Professor autor ms Ana Amรกlia Tavares Bastos


“SER PROFESSOR É SABER, SABER SER E SABER FAZER”

Profa. Ms. Ana Amália Tavares Bastos

ESSA PESQUISA É UM TANTO QUANTO AUTO-BIOGRAFICA, ELA SURGE A PARTIR DA MINHA PROPRIA EXPERIÊNCIA. O ARTISTA QUE SOFRE UMA LESÃO, E CONTINUA SEU TRABALHO, NO COMEÇO ERA APENAS ISSO, SÓ TINHA PERGUNTAS E ESTAVA BUSCANDO AS RESPOSTAS INICIALMENTE NA MINHA PRAXIS. ACREDITANDO NA IDÉIA DE GRAMISH QUE A TEORIA É A CONSCIÊNCIA DA PRÁTICA. DEPOIS DO AVC FIQUEI “VICIADA” EM COMPUTADOR, PENSO NA TECNOLOGIA COMO UMA FERRAMENTA PARA A PINTURA. ELA É MUITO UTIL CASO A LESÃO SEJA GRAVE, NO MEU CASO SERIA MENOS CANSATIVO E MAIS RAPIDO CRIAR UTILIZANDO O COMPUTADOR, MAS FACILITAM ALGUMAS COISAS NÃO TODAS. NO CASO DE CRIANÇAS ELAS PRECISAM DE UM ESTIMULO SENSORIAL “CÁ ENTRE NÓS, EU TAMBÉM”. TODAS AS MINHAS ATIVIDADES DOCENTES ATUALMENTE SÃO NO SENTIDO DE BUSCAR ESSAS RESPOSTAS. AFINAL, MEU TRABALHO COMO ARTISTA DEPENDE MUITO DA MINHA ATUAÇÃO COMO PROFESSORA, UM ALIMENTA O OUTRO. DESDE O FIM DE 2007, VENHO DESENVOLVENDO AS ATIVIDADES DA OFICINA DE ARTES JUNTO A TERAPIA OCUPACIONAL DA DIVISÃO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS, COM ADULTOS. EU PREPARO UM ROTEIRO LEVO CINCO COPIAS IMPRESSAS, O PROFESSOR RESPONSÁVEL LÊ COM OS ALUNOS, ELES TIRAM DUVIDAS, PEGAM O MATERIAL E COMEÇAM O TRABALHO, NO FINAL OLHAMOS TUDO E COMENTAMOS.

*Curriculo: Ana Amália Tavares Bastos Barbosa é artísta plástica e arte/educadora formada pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP/SP), em 1991. Também estudou História da Arte na Texas University at Austin, Design na School of Visual Arts e Litografia na Columbia University em New York/USA e fez diversos cursos extra curriculares no Brasil com professores como Paulo Portella, Carmela Gross, Evandro Carlos Jardim, Carlos Fajardo, Paulo Von Poser e Carlos Basualdo, entre outros. Fundou a empresa “Arteducação Produções”, e tem sempre feito parte da equipe desde 2001. É mestre pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Além disso também atuou na área de ensino de línguas, dando aulas de inglês e fazendo traduções simultâneas e escritas. Atualmente é doutoranda na ECA/USP. Em 2 de julho de 2002 teve um acidente vascular cerebral de tronco e como seqüela adquiriu a síndrome do locked in, ou seja, ficou tetraplégica, muda e disfágica mas inteiramente consciente e com a cognição plenamente preservada.

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TEXTO COMPLEMENTAR

HA MUITO TEMPO QUE VENHO PESQUISANDO A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO, DE COMO OS OUTROS LEÊM MEUS DESENHOS, HOJE EM DIA ME PREOCUPO MUITO COM A LEITURA DO QUE EU ESCREVO, PORQUE DEPEDENDO DO MEU INTERPRETE PODE SER APENAS UMA TRADUÇÃO LITERAL. A PESSOA QUE ESTIVER SENDO MEU INTÉRPRETE PRECISA ESTAR EM SINTONIA COMIGO. UMA TRADUÇÃO INTERPRETATIVA REQUER QUE A PESSOA CONHEÇA BEM O ASSUNTO E QUE AO MESMO TEMPO EM QUE SE COLOQUE, TAMBÉM COLOQUE MINHAS IDÉIAS. QUANDO RETOMEI O DESENHO, FIQUEI IMPRESSIONADA AO VER QUE TINHA ABERTO UM CANAL PARA ME COMUNICAR COM MINHA FILHA, QUE AINDA ERA PEQUENA E, PORTANTO NÃO ALFABETIZADA.

FIGURA 1 - DESENHO DE ANA LIA

FIGURA 1 - FOTONARRATIVA: DESENHOS DE ANA LIA.

ESSA EXPERIÊNCIA FOI ESSÊNCIAL QUANDO COMECEI A TRABALHAR NO INICIO DE 2008 COM AS CRIANÇAS DA ASSOCIAÇÃO NOSSO SONHO (CRIANÇAS TETRAPLEGICAS, COM DEFICT VISUAL E PARALISIA CEREBRAL), PQ ELAS TEM QUE UTILIZAR A LINGUAGEM NÃO VERBAL ASSIM COMO EU. ALÉM DOS CONTEÚDOS DA ARTE EU ENSINO AS CRIANÇAS A USAREM TODO O CONHECIMENTO QUE ADQUIREM PARA SUPERAR SUAS LIMITAÇÕES. QUANDO EU COMECEI A LECIONAR, EM 1985, UMA PROFESSORA MUITO MAIS EXPERIENTE DO QUE EU ME DISSE QUE “SER PROFESSOR É SABER, SABER SER E SABER FAZER”, PORTANTO, EU TINHA QUE APRENDER A SABER SER E FAZER NA ATUAL CIRCUNSTÂNCIA, OU SEJA, EU SABIA COMO DAR AULA PARA CRIANÇAS QUE RESPONDEM VERBALMENTE, E COMO ATUAR VERBALMENTE, MAS NÃO ERA ESSE O CASO.

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TEXTO COMPLEMENTAR

ASSOCIAÇÃO NOSSO SONHO A ASSOCIAÇÃO NOSSO SONHO É UMA INSTITUIÇÃO FILANTRÓPICA QUE VISA A INCLUSÃO DE CRIANÇAS E JOVENS COM PARALISIA CEREBRAL (PC), TANTO NA SOCIEDADE COMO NO MERCADO DE TRABALHO. http://www.nossosonho.org.br/associacao.html NESTA FAIXA ETÁRIA O IMPORTANTE É EXPOR AS CRIANÇAS À ARTE E PROPICIAR EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS. E O FATO DE EU TAMBÉM SER TETRAPLÉGICA NOS APROXIMA.

FIGURA 2 - FOTONARRATIVA: ATIVIDADES DE EXPERIMENTAÇÃO

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TEXTO COMPLEMENTAR

RESOLVI COMEÇAR PELAS CORES E PELO EXPRESSIONISMO ABSTRATO. DEPOIS DE CONHECER AS CRIANÇAS, PENSEI NO QUE ANA LIA (MINHA FILHA) GOSTA E DEVE APRENDER EM TERMOS DE ARTE, ELA ADORA TINTA E PAPEL COLORIDO (É CLARO QUE TAMBÉM É PARA ME IMITAR), OUTRA COISA DA QUAL ELA GOSTA É DE OUVIR A HISTÓRIA DO ARTISTA. NO PRIMEIRO SEMESTRE TRABALHAMOS COM AS CORES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS E VIMOS AS OBRAS DE ASHILE GORKY, PHILIP GUSTON E CLYFFORD STILL. NO COMEÇO, NEM EU NEM AS CRIANÇAS SABÍAMOS COMO “SER”. ERA UMA SITUAÇÃO TOTALMENTE NOVA PARA TODOS NÓS, MAS MESMO SEM O VERBAL NÓS NOS ENTENDEMOS. QUANDO EU CHEGO, ELES VÊEM DE LONGE A CADEIRA COM UM ADULTO E SABEM QUE SOU EU, A MAIORIA ME RECEBE SORRINDO. ESSES SÃO OS TRABALHOS FINAIS DO PRIMEIRO SEMESTRE:

FIGURA 3 - FOTONARRATIVA: TRABALHOS FINAIS DO PRIMEIRO BIMESTRE

SEGUNDO SEMESTRE - REFLEXÃO EU SEMPRE ME PERGUNTAVA POR QUE EU FAÇO TANTA QUESTÃO DE PINTAR DE FORMA TRADICIONAL SENDO QUE É FISICAMENTE EXAUSTIVO: EU SÓ PINTO UMA VEZ POR SEMANA COM A T.O., ÀS VEZES LEVO MAIS DE UM MÊS PRA TERMINAR UM DESENHO MAS HOJE, AO FAZER O PLANEJAMENTO DO CURSO

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TEXTO COMPLEMENTAR

PARA AS CRIANÇAS DA “NOSSO SONHO”, PERCEBI QUE APESAR DE NÃO PODER TOCAR NA TINTA, EU SINTO O CHEIRO DA TINTA E POSSO SENTIR SUA TEXTURA, TEMPERATURA, ETC., E É ISSO QUE EU QUERO QUE AS CRIANÇAS POSSAM SENTIR. O COMPUTADOR NÃO PERMITE ESSAS SENSAÇÕES, MAS FACILITA MUITO. AO MESMO TEMPO EM QUE ACHO QUE AS CRIANÇAS SÓ TERÃO TOTAL AUTONOMIA PARA DESENHAR SE USAREM O COMPUTADOR, EU TAMBÉM ACHO QUE ELAS TÊM O DIREITO A EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS. PORTANTO... NO SEGUNDO SEMESTRE TRABALHAMOS O CORPO COMO INSTRUMENTO E SUPORTE. A PRIMEIRA ATIVIDADE FOI CONTORNAR NOSSOS CORPOS, DESENHANDO – OS NO PAPEL. DEPOIS, USANDO NOSSAS TABELAS DE CORES, PINTAMOS POR PARTES (CABEÇA, BRAÇOS, MÃOS, TRONCO, PERNAS E PÉS).

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TEXTO COMPLEMENTAR

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TEXTO COMPLEMENTAR

FIGURA 4 - FOTONARRATIVA: O CORPO COMO INSTRUMENTO

A SEGUNDA ATIVIDADE FOI FAZER UM PORTA-RETRATOS, PINTÁLO COM OS DEDOS, BATER A FOTO E COLOCÁ-LA NO PORTA-

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TEXTO COMPLEMENTAR

FIGURA 5 - FOTONARRATIVA: SÉRIE DE PORTA RETRATOS

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TEXTO COMPLEMENTAR

RETRATOS. EM SEGUIDA, CONVIDAMOS UM ATOR PARA PINTAR AS CRIAN-

FIGURA 6 - FOTONARRATIVA: O CORPO COMO SUPORTE

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TEXTO COMPLEMENTAR

ÇAS (O CORPO COMO SUPORTE). POR FIM, APÓS ASSISTIREM AO FILME DA PERFORMANCE DE YVES

FIGURA 7 - FOTONARRATIVA: PERFORMANCE

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TEXTO COMPLEMENTAR

KLEIN, ELES CARIMBARAM O PAPEL COM O PRÓPRIO CORPO. APESAR DO POUCO CONTATO QUE TENHO COM ELES, PUDE PERCEBER UMA MAIOR CONSCIÊNCIA CORPORAL E UMA INVENTIVIDADE PARA ULTRAPASSAR OS LIMITES DO PRÓPRIO CORPO. OBSERVEI ISTO NO CASO DE UMA MENINA QUE VIVIA COLOCANDO O POLEGAR NA BOCA E, PARA QUE ELA NÃO SE FERISSE, ENROLARAM A MÃO DELA, MAS ELA ARRANCOU O PANO COM OS DENTES. ERA A ÚNICA MANEIRA DELA SE DESVINCILHAR DE ALGO INCÔMODO NO CORPO AO QUAL ESTAVA ACOSTUMADA, SEU CORPO.

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TEXTO COMPLEMENTAR

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