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Nº 23 - setembro 2011

ACADEMIA DE LETRAS DO TRIÂNGULO MINEIRO DIRETORIA BIÊNIO 2011-2013 Presidente: José Humberto Silva Henriques Vice-presidente: Jorge Alberto Nabut 1º Secretário: Mário Salvador 2º Secretário: Antônio Pereira da Silva 1º Tesoureiro: Pedro Lima 2º Tesoureiro: Dimas da Cruz Oliveira

PROJETO GRÁFICO Távola Comunicação

IMPRESSÃO Gráfica 3 Pinti

NOSSA CAPA: As letras saindo do livro, que pode desvendar o mundo, formam o mapa do Triângulo Mineiro. Uma representação da ALTM. A variação de tipos de letras e quantidade mostram a grande variedade e riqueza de nossa literatura, cultura e criatividade. No destaque a citada homenagem ao Msr. Juvenal Arduini no Editorial.

Reprodução dos artigos permitida, desde que citada a fonte. “Os conceitos emitidos nos trabalhos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores."


Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

ÍNDICE José Humberto Henriques - EDITORIAL .................................................................................................................................09 Monsenhor Juvenal Arduini - PÁGINAS TRANSCRITAS ..........................................................................................................10 Agenor Gonzaga - A JANELA ..................................................................................................................................................14 Agenor Gonzaga - A ÁRVORE E O HOMEM............................................................................................................................15 Prof. João Lenis - IMPRESSÕES IMEDIATAS E INACABADAS DE SEREM.................................................................................16 Antônio Couto de Andrade - AMIZADE... AMOR AMADURECIDO ........................................................................................18 Guido Bilharinho - ARAGUAIA - Invenção e Decifração ........................................................................................................20 Guido Bilharinho - GEOGRAFIA DA PALAVRA - Uma Trajetória Poética................................................................................22 Dr. João Gilberto Rodrigues da Cunha - UM SEGURO-SOCIAL PARA A SAÚDE......................................................................23 Vilma Cunha Duarte - COMUNHÃO .......................................................................................................................................25 Luiz Cláudio Pádua Netto - A MINHA VELHA MOCHILA VERDE ............................................................................................26 Luiz Cláudio Pádua Netto - A FALTA QUE ELA ME FAZ ...........................................................................................................27 Terezinha Hueb de Menezes - AS CASAS TÊM VIDA ..............................................................................................................28 Murilo Pacheco de Menezes - EDUCAÇÃO E VIDA.................................................................................................................29 Renato Muniz Barretto de Carvalho - VOLTEM PARA OS SEUS LUGARES! ............................................................................30 Paulo Piau - A COMENDA DA PAZ CHICO XAVIER..................................................................................................................31 Ubirajara Franco - EUTANÁSIA...............................................................................................................................................33 Augusto Cesar Vanucci - O CHÃO DE FRANCELINO ...............................................................................................................35 Iná Bittencourt - RESENHA DO LIVRO “GÊMEOS... JOIO E TRIGO” .......................................................................................37 José Humberto Henriques - O TEMPO E O AVESSO DA ILUSÃO ............................................................................................39 Ubirajara Franco - EM DEFESA DO CASAMENTO...................................................................................................................41 Antônio Pereira da Silva - O JOGO DE CINTURA DE DOM EDUARDO....................................................................................42 Antônio Pereira da Silva - A VOLTA DO BOÊMIO ...................................................................................................................43 Lídia Prata Ciabotti - DISCURSO DE POSSE ............................................................................................................................45 Pedro lima - AS BOLSAS .........................................................................................................................................................47 Pedro lima - LITERATURA DE CORDEL....................................................................................................................................48 Marcos Bilharinho - MEDO ....................................................................................................................................................49 Marcos Bilharinho - A LINGUAGEM E O SABER .....................................................................................................................50 Paulo Fernando Silveira - A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA: SEUS INSTRUMENTOS PARA PREVENIR A DITADURA E A TIRANIA ..................................................................................52 Gessy Carísio de Paula - HAMLET - UMA VISÃO DRAMÁTICA ...............................................................................................56 Mário Edson Ferreira de Andrade - TEATRO EM UBERABA DE 1933 A 1968.........................................................................58 Hildebrando de Araújo Pontes - A IMPRENSA DE UBERABA (1874 – 1919)..........................................................................65 Cesar Vanucci - UM POETA EXTRAORDINÁRIO .....................................................................................................................75 Tiago de Melo Andrade - UMA ÁRVORE MÁGICA .................................................................................................................78


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ACADEMIA DE LETRAS DO TRIÂNGULO MINEIRO SÓCIOS EFETIVOS

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SÓCIOS CORRESPONDENTES

• Alessandro Abdala Santana

• José Rodrigues de Arruda

• Ani de Souza Arantes Santos

• Samir Cecílio

• Carlos Donizete Bertolucci

• Stella Alexandra Rodopoulos

• Dirce Miziara

• Suely Brás Costa

1 - Lincoln Borges de Carvalho

21 - Maria Antonieta Borges Lopes

• Geise Alvina Degraf Terra

• Tiago de Melo Andrade

2 - Agenor Gonzaga dos Santos

22 - Dom José Alberto Moura

• Iná Bittencourt de Sousa Barbosa

• Comendador Thiago Menezes

3 - Martha de Freitas Azevedo Pannunzio

23 - Ernane Fidélis dos Santos

• Dr. José Correia Tavares

• Vicente Rodrigues da Silva Filho

4 - Pe. Thomaz de Aquino Prata

24 - Elza Teixeira de Freitas

5 - Monsenhor Juvenal Arduini

25 - Ubirajara Batista Franco

6 - Jorge Alberto Nabut

26 - José Humberto Silva Henriques

7 – Lídia Prata Ciabotti

27 - Terezinha Hueb de Menezes

8 - Antônio Pereira da Silva

28 - Gessy Carísio de Paula

9 - César Vanucci

29 - Geraldo Dias da Cruz

10 - Consuelo Pereira Rezende do Nascimento

30 - Irmã Domitila Ribeiro Borges

11 – Nárcio Rodrigues da Silveira

31 - Mário Salvador

12 - Dimas da Cruz Oliveira

32 - João Eurípedes Sabino

13 - Vilma Terezinha Cunha Duarte

33 - Frei Francisco Maria de Uberaba

14 - Pedro Lima

34 - Oliveira Mello (Antônio de)

15 - Antônio Couto de Andrade

35 - Severino Muniz (Antônio)

16 - Edmar César Alves

36 - Ribeiro de Menezes (Valdemes)

17 - Luiz Cláudio de Pádua Neto

37 - Sebastião Teotônio Rezende

18 - Luiz Manoel da Costa Filho

38 - João Gilberto Rodrigues da Cunha

19 - Dom Benedito de Ulhoa Vieira

39 - Carlos Alberto Cerchi

20 - Paulo Fernando Silveira

40 - Guido Bilharinho

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EDITORIAL Doravante, cada número da Revista Convergência homenageará um acadêmico em particular. Cremos que esta é uma forma de resgatar aqueles que contribuíram de forma definitiva e sólida para o desenvolvimento da região. Quiçá, do país ou do mundo. Tomamos a iniciativa de fazê-lo porque temos figuras de grande vulto entre nós que mereceriam esse elogio. Como não tempos uma comenda e um nome de medalha a serem oferecidos, pensamos que a homenagem por meio da revista seria a forma mais sincera de nossa manifestação de admiração, o que não deixa de ser também uma manifestação de carinho, uma tarefa meio inconsútil nos dias de globalização e esfriamento humano, como costuma acontecer em dia de hoje. Esse tipo de assunto sempre foi alvo de interesse imediato do Monsenhor Juvenal Arduini, esse grande acadêmico, dono da cadeira número 5 da ALTM – Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

bondade, da misericórdia e da honestidade. Tudo isso ajuntado poderia redundar em honra e dignidade como definições de um plano universal de vida. Esse foi um tempo de glória para a prédica da Igreja Católica. Ocorre que o Monsenhor Juvenal Arduini não se resume a esses dias de pregação na Missa dos Universitários, de alegre e saudosa memória. Seu currículo é vasto, de professor a filósofo emérito. A peregrinação por esses caminhos foge ao escopo da revista. Por isso, deixamos apenas essa pequena e justíssima lembrança sobre a vida de um homem excepcional, em todos os sentidos destes adjetivos. A grandiosidade de quem soube revelar o sentido da boa vontade e da justiça a quem teve a fortuna de lho conviver. Por outra via das palavras, não deixa essa homenagem de tratar de um saudoso tempo. Escolhemos Monsenhor Juvenal para ser homenageado assim como escolheríamos qualquer outro que tivesse igual merecimento. São tantos acadêmicos merecedores dessa lembrança que ficaria deveras difícil escolher apenas um em função dos demais. Porém, tentamos ser justos e a vez de cada um se fará presente, basta que esse doravante que antecipa esse editorial seja relevante e a revista continue a mostrar a sua pujança.

Qualquer um que tenha convivido com ele em tempos da década de 70, os anos de ferro da Ditadura Militar, há de se lembrar de suas palavras tonitruantes durante a sua pregação na Missa dos Universitários, na Capela do Hospital São Domingos, quando a sala estava sempre cheia e atenta. Era uma pregação mágica, moderna, cheia de elementos sociais e fundamentos de filosofia pura. Na verdade, era uma aula inenarrável que o Monsenhor aplicava aos ouvidos boquiabertos dos interessados. Saía da textura pura da religião e aplicava os seus conhecimentos em função de despertar nos jovens daqueles dias uma maior afinidade com a aplicação da

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José Humberto Henriques Presidente ALTM

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Jornal da Manhã 16/05/2004

Jornal da Manhã 12/06/2005

Jornal da Manhã 17/07/2005

Jornal da Manhã 16/01/2005

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Jornal da Manhã 28/11/1999

Jornal da Manhã 12/07/1997

Jornal da Manhã 05/01/1997

Jornal da Manhã 19/01/2003

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Agenor Gonzaga Cadeira número 2 - Patos de Minas

Agenor Gonzaga Cadeira número 2 - Patos de Minas

A JANELA s vezes tenho a nítida impressão de que minha rua é mágica. Ela tem qualquer misterioso encanto que, ao passante distraído não revela, mas, a nós, privilegiados moradores dela, desvenda com a força de um conto de fadas.

bibelôs, tão raros andam esses bichanos.

À

Agora, existe na minha rua uma casa, casa que tem uma janela, janela que tem vasos, vasos que têm flores como nunca ninguém jamais viu em tempo algum. São flores comuns, domésticas, rosas-margaridas-beijos-violetas, com um pormenor inusitado: quem as cultiva é um homem, que mora num quartinho exíguo, sozinho, e tem por único companheiro um rádio eternamente sintonizado a uma nostálgica estação, e por únicas propriedades uma cansada bicicleta e a roupa do corpo. Um homem que se diverte a cultivar flores nos três centímetros quadrados de terra dos vasos, sem ligar que outros possuam quilômetros de áreas improdutivas. Um homem que está feliz só com essas alegrias miúdas e simples, humildes e puras como as coisas da rua... um ser que cultiva as suas flores de cada dia, monta a sua bicicleta de cada dia, liga o seu rádio de cada dia, e a cada dia é feliz, porque as rosas estão viçosas, o alecrim está enorme, a bicicleta anda sem problema e o rádio funciona macio e sem estática...

Da última vez que nos surpreendeu, minha rua desabrochou em árvores floridas, entidades pouco comuns nos dias atuais, e, por isso mesmo, revestidas desse halo de sonho e irrealidade que só se vê em certos quadros. Quando percebi as árvores da minha rua naquele despropositado anacronismo floral, tive ímpetos de chamá-las "frolidas". Aqui também já encontrei um cãozinho perdido e um gato vadio, igualmente criaturas pouco encontradiças em vias públicas, nos dias de hoje, pois os cães se aburguesaram, passaram a fazer parte da gorda família das madames, andam mesmo meio efeminados, com seu jeitinho cheiroso, suas coleirinhas macias e coloridas, seus lacinhos no pescoço, seu inconfundível "pedigree". Já os gatos, mais livres e mais egoístas, vendo como está a situação e não se dispondo a capitular, para não terem de abandonar uma vida de pura independência, ou se evaporaram (como dignos gatos de boa estirpe, com antepassados no Egito dos faraós) ou viraram

Nessa simplicidade, nessa alegria cotidiana, em pleno centro da cidade, enquanto caminhões esgoelam como dinossauros e carros chispam, sua janela é um oásis bucólico no coração da rua encantada...

A ÁRVORE E O HOMEM

O

homem teve alguns movimentos estranhos, remexeu-se no banco, virou-se de lado, quis dizer qualquer coisa a seu vizinho e não conseguiu. A boca apenas arremedou um balbucio, que pendeu bambo e desarticulado como um fruto podre que despenca. Um gesto também foi esboçado, um trêmulo gesto cujo esboço se perdeu nas mil linhas do ar, incompleto e indeciso como uma folha que se desprende e revoluteia ao vento. A cabeça do homem então pendeu sobre o peito, desceu para o tronco, os braços murcharam pouco a pouco, permanecendo absolutamente imóveis como galhos cortados. O sangue, como seiva, deixou de circular. Quando foram ver, o homem estava morto.

O chofer - Pra depois a família processar a Empresa? E o meu emprego, foi tirado na folia? O terceiro passageiro - Acho que a empresa devia... O motorista - Devia uma ova! Quem que ia pensar que um sujeito ia deixar pra morrer justo dentro do meu ônibus? Um quarto passageiro - Chama o Corpo de Bombeiros. O terceiro passageiro - Pra gente chegar mais atrasado ainda? Muito bonito! O motorista - Calma, gente, preciso raciocinar. (Acha bonita a palavra e repete) Raciocinar. O quarto passageiro - Só se a gente levasse ele assim como está pra garagem. Aí a empresa dava um jeito.

Um homem morto, dentro de um lotação. Primeiro, os documentos, era urgente ver de quem se tratava. Não se tratava de ninguém que algum documento pudesse identificar, porque lhe faltavam documentos. Algum conhecido, então? Ah, meu Deus do céu, e agora, como que eu vou fazer, só pra cima de mim que essas coisas acontecem (a voz do motorista condutor). E, a partir dessa fala, arma-se o drama:

O motorista - E o meu emprego? Tá pensando que caiu do céu? O cobrador - Vou ver direito nos bolsos dele se não tem algum documento. Um rapaz, - Não mexe nele que te complica.

Um passageiro - Verifica se ele está carregando alguma coisa que a gente possa ver quem ele é.

O terceiro passageiro - Vou chegar atrasado.,,

O cobrador - Está carregando, não. (Meditativo) - Essa agora foi de lascar.

A senhora - Bem que a empresa... (Nesse entrementes, lá fora se arma um pandemônio de buzinas, gritos, palavrões e apupos. Um guarda vem ver do que se trata. Entra e pergunta, inteira-se do problema, tira o quepe, coça a cabeça e sai do lotação dizendo que vai telefonar para a Central.

Outro passageiro - Por que não chama a polícia? O motorista - Deus me livre de chamar polícia! não vê que eles iam complicar a minha vida? Também quem mandou o cara esticar justo agora? Não podia esperar descer primeiro?

Enquanto isso, ausente e solene como uma árvore morta, o homem morto olha o nada. Não tem mais problemas particulares a resolver, empregos a conservar, providências a tomar, documentos a apresentar, horários a cumprir. Calado, imóvel e frio, sua única atitude agora se resume em estar, como uma árvore a que houvessem roubado os pássaros, as manhãs de orvalho e azul, a música do vento, as flores e os frutos...)

Um terceiro passageiro - Vou chegar atrasado. Uma senhora - Como que vai ficar, gente? A empresa devia tomar providência, a gente não é obrigada a esperar aqui a vida toda! O cobrador - Telefona pro Instituto Médico Legal. Eles que se arrumem!

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Prof. João Lenis Filósofo e crítico de arte - Uberaba - MG

IMPRESSÕES IMEDIATAS E INACABADAS DE SEREM Esta “orelhada”, portanto, não é uma tentativa de discorrer sobre as investidas criativas do escritor, são palavras em estado de fragmentos e impressões. Toda ela – esta “orelhada”-, apenas se reveste de breves considerações, aspectos: apenas impressões imediatas e inacabadas de serem. Talvez, dessa “orelha” e das relações entre o menor e o não menos importante, fica algum fincado de in-certo como se fosse efeitos de sentido redimensionados – quem sabe? – , algo parecido com o lugar em riso escondido onde germina e se dá os rebentos da fruta temporã? Talvez um conotativo de achado em polissemia, distante e não advinda do uso da (a)puração de resultados. Quem sabe?!?

“Tem lugar que pode ser que nem exista, embora haja um mapa dele na memória das alucinações”. (JH Henriques in “A Inutilidade da Estética”).

ONDE fundar-se ou funda qualquer tentativa necessária e que possibilita “orelhar” uma “orelha”, prefaciar ou pelo menos exercitar uma leitura de reflexão e análise sobre uma determinada obra literária?” “ONDE FUNDAR-SE?”, quando se trata de “orelhar” uma criação literária audaciosa, ousada de instigâncias e efeitos de sentido intermináveis e inacabados de serem? A exemplo, “PERNAIADA” - agora disponível aos leitores e estudiosos – com acentuada singularidade inovadora, alcançada pelo escritor JH Henriques?

“TANTOS E PROFUNDOS DESAFIOS !!!” Mesmo assim, tratar, discorrer sobre a criação literária do escritor JH. Henriques tornou e torna-se a cada instante um desafio há muito necessário para a reflexão crítica. E, por que não? Para o próprio entendimento, reconhecimento das e “nas que pernas andam” algum tecimento qualitativo/expressivo no interior da produtiva e criativa literatura brasileira? Esse desafio volta-se e atinge diretamente os “críticos” e fere, principalmente, os estudiosos especializados nas diferentes áreas do conhecimento no trato das questões do literário e da estética. Se estão adormecidos – não resta dúvida –, muitos já se afogaram em risco e tantos outros, quase todos fogem afogados pelo cerne do movediço!

“ENTÃO, POR ONDE COMEÇAR?” (JH Henriques in “A Inutilidade da Estética”), se todo “orelhar' roga e tem exigência de parentesco com a imposição receptiva, capaz de receber pequenas ou somente e diminutas informações?; “orelha” é muito apreciadora e quase sempre de denotativo e reveste como se tivesse significado de síntese, e depois, apresenta-se como possuidora e com a melhor coisa tratada e contida no bucho; “orelha”, na maioria das vezes, apresenta-se como se fosse um resumo muito destituído de importância, ou seja, carregado de breves e dispersas considerações. “Orelha”, está e fica muito propensa de conformar (in)utilidades!

Portanto, face e meio ao percurso criativo do escritor, ou seja, à fortuna literária Henriqueana, presente e expressa nos livros publicados e pouco estudada, temos por outro lado e pela frente, o acréscimo de inúmeras obras prontas e na espera de suas publicações. Esta incompletude para os críticos e estudiosos especializados aumenta ainda mais aquele desafio, instaura e fica em demasia um “Decifra-me ou te devoro!” E, desde já, para o “leitor desocupado” e/ou atento, fica a leitura de suas obras publicadas e o espaço dos indícios intermináveis e possibilitados, oferecidos pelo escritor rumo à despetrificação da sensibilidade estética.

“Caro amigo, Há conversa demais que devemos cumprir, pelo menos as menos importantes”. (Dedicatória a João Lenis no lançamento de “Insurrecto”, JH. Henriques/15/11/04)

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Na criação literária de J.H. Henriques, o tempo parece materializar-se no lugar/espaço, sem ocupação de fechamento ou qualquer noção de acabamento. É na relevância possibilitada pelas relações entre espaço e literatura e na construção de uma narrativa aprimorada, que a noção de lugar/espaço – como um dos elementos constitutivo da narrativa (enredo, personagem, ação, tempo) –, tem suas funções redimensionadas. Todos os elementos da narrativa circulam ou se apresentam, representam interagindo nas espacialidades. Esta materialização, também ocorre no romance “PERNAIADA” e, a tessitura do texto não fica ou se perde na superficialidade; não existe o suposto e o aleatório no arranjo e disposição dos capítulos. A noção ou presença de qualquer sentido de linearidade ou do cronológico, não tem espaço ou conformação na criativa e inventiva elaboração alcançada pelo escritor JH. Henriques.

JH.Henriques no exercício da sua criação literária, “(...) arrisca com o espírito da palavra o corriqueiro do espaço branco”. Entre outras considerações, sua composição criativa acentua-se na busca pelo efeito de sentido, onde as palavras são forjadas uma a uma como se fossem um metal precioso, ora manuseadas e trabalhadas, refinadas e destiladas por um mesmo escritor de prosa e poeta experiente. O que permitiu Duílio Gomes ressaltar que: “A arte de narrar, em José Humberto Henriques, é o seu grande trunfo. (...) A prosa é poética, de uma poesia sofisticada e lúdica. O autor se debruça sobre o lirismo para pescar, com rara habilidade, o insólito e o tragicômico”. (DUÍLIO GOMES in prefácio de “Geomorfosintaxe do Riso” - A COSTURA DO RISO). Nessa afirmativa, Duílio Gomes não problematiza e/ou polemiza a questão em torno da “prosa e da poética”, isto é, quanto à produção, construção e o permitido pela singularidade do literário. Duílio apenas reconhece o inerente, “uma inerência presente ou constitutiva na própria natureza” criativa de José Humberto Henriques. Acredito que o mesmo não abandonou tal singularidade, principalmente quando sabemos que “escolheu o conto como modalidade de literatura de sua preferência depois da poesia – o conto permitia-lhe o desfecho rápido e marcante da história que se contava, daí a sua predileção. Isso aconteceu, entretanto, antes dos romances serem produzidos com a intensidade que acabou por ser a marca do talento do escritor”. Enfim, este é um assunto para outras pescarias, abordagens ou veredas, ou seja, destituídas de qualquer efeito ou recurso didático tão propiciador de entendimento e interpretações confusas que fundam na separação e não permitem entrecruzamentos, entrelaçamentos, alguns tecimentos no momento mesmo do forjamento criativo entre a prosa e a poética.

Data de novembro 1994 (Santos/SP), o significativo prefácio elaborado por Narciso de Andrade e publicado na criação poética de J.H. Henriques, “O Úbere da Cidade”. Num trecho, assim dizia Narciso, naquela época, com coragem e acerto de verdade: “(...) Repito, então, o que já disse em artigo já citado: não tenho medo de afirmar que estou anunciando um grande poeta”. As criações literárias e poéticas do grande escritor brasileiro J.H. Henriques, ferem o muito e de maneira diferente e sempre propicia e (i)nova a sensibilidade estética do leitor. O romance “PERNAIADA”, também propicia tal tipo de ferimento literário e estético. As criações de J.H. Henriques, se muito fere a sensibilidade estética, muito mais despetrifica a sensibilidade do leitor face e meio às (in)utilidades estéticas.

Para tanto, a criação de José Humberto Henriques consegue e alcança, instaura ousadas dimensões carregadas de instigâncias. Fere profundamente com sublimação e dor que não dói, as entranhas da sensibilidade do leitor atento. Para tal feitio de forjamento ferino, é possível perceber – não somente nesse romance “PERNAIADA que também atesta originalidade, profunda ruptura do escritor com a prática do conformismo estilístico. Característica tão presente nas expressões literárias da maioria dos escritores, que pululam pela atualidade nos parâmetros da (in)utilidade estética.

AGORA, IMAGINEM!!!! As demais obras publicadas e aquelas prontas, outras tantas na espera de serem, pois estão na agulha do riscado da criação... (Uberaba 22/02/11) OBS.: EM TEMPO DE UM ADENDO: Este artigo, solicitado pelo escritor JH.Henriques e inicialmente intitulado “Orelhar: impressões imediatas e inacabas de serem”, devido a displicência do seu autor (João Lenis), não foi terminado dentro do tempo combinado e, portanto, publicado na orelha do romance PERNAIADA.

“O LUGAR ASSUMIA A COR DO TEMPO, uma placidez de todo eternamente, sendo que coubessem eternidades em trivial do ser acontecido e do que ser para o acontecer”. (JH. Henriques in “As Nascentes Das Pedras de Fogo”).

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Antônio Couto de Andrade Cadeira número 15 - Uberlândia

AMIZADE... AMOR AMADURECIDO

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no saber de que novidade de vida era o possível da humanidade, e que o menorzinho de todos, no seguimento daquele filho, era maior do que o maior dos nascidos de mulher.

das realizações do amor, que o mundo da humanidade vai amadurecendo no domínio das desobrigações. Num assim, no agora de lágrimas, de temores, de ansiedade, de injustiças. Num depois, na vontade dEle de feita na Terra, de como no Céu, numa leveza de libertação sem lágrimas, sem impaciência, sem temores, sem acusações, sem julgamento, numa justiça, numa paz, numa alegria de todos, envolvendo a todos, num amor de desapego. Assim, no amadurecido do conviver, de cada um no respeito de sua parte e no respeitado da parte do outro, que nem no apreciar da rosa que não há de como ignorar os espinhos dela, quem nem, pelo dito deixa de ser a rainha das flores. De modo tal, num constante de comunicar de como sempre juntos, podendo ter silêncio, tempo, distância, tudo num encontro que se fosse de agorinha mesmo, porque já tudo num compartilhamento de só, que o outro sou eu mesmo.

Minha mente, agora compungida de uma humildade, em razão, talvez daquele sentimento de pequenez que me acometera, de que tomei consciência, me fez lembrar dos dizeres de Jesus no tocante a João Batista e pude, oh! que intrusão, lembrar-me dos versos de meu primeiro livro impresso, o qual, embora muito pequeno, me abrira as portas do conviver amigo de letras. No entanto Senhor,

N

ão é que o costume de terminar o dia indo para a curva do Ribeiro das Pedras, naquele local que ainda dá para, sentado com os pés descalços, ouvir o marulhar das águas cantantes, os pássaros chilreando para os seus pousos e as palhetas do pôr do Sol, nunca por demais iguais, já rendeu alguns escritos, e agora mais este...

não tem ninguém distante, sem oceano algum que separe ou nuvem escura ou densa que for que encubra alguém do qual, num partilhar da mesma atmosfera... Assustei-me. Contive a tentação de virar-me... No amar de si mesmo, que não tem como o amar o outro sem este amor do próprio, que é isto mesmo no viver dele que é o viver de cada um. Que o Sol brilha e a chuva cai no ecumênico de todos. E os terremotos, os tsunames, os destrambelhar das atomicidades que se quer controladas para o suprir de energia, por mais distante, chegam a todas as praias, de continentes vários. Não há quem deixe de sofrer, senão no direto, mas no efeito do prato, no ar ou beber da água. Isso para deixar de falar em quem responde pelas contas de pessoas, firmas e países. Elas que não fecham e explodem nas notícias e que, mesmo que haja muito de querer, não impedem o desencadear de corrida para todo socorro, que é o socorrer a si mesmo, tirando da esfera do muito particular, do corporado do sistema, do sozinho da vida.

É que não sei se é minha imaginação que não se contem ou é mesmo um ente misterioso com sua linguagem, deveras um tanto arcaica, que suscita uns ensinamentos de obviedades tais que nos cuidados do dia a dia não dá para perceber, mas que seriam de muita utilidade para a humanidade se fossem corriqueiros. Muita perturbação, até deixaria de tirar a paz e temores se esvairiam. É. Minha linguagem já está contaminada com a dele ou seria mera extrapolação... Não é que a humanidade está assim nos cueiros, ainda sem domínio de suas desobrigações, que mãe tem paciência, que tudo vai e passa, chegando o dia de se rir de tudo.

Numa bem aventurança, Teu Filho nos afiança, Não serem deles,

Suas últimas palavras já não estavam tão próximas. Baixei os olhos do poente matizado e os fixei na outra margem do Riacho. Os pássaros pareciam silenciados por um instante e nem ouvi o marulhar das águas, nem senti o soprar de descanso da brisa. Estava enfurnado em mim mesmo e a voz que parecia ouvir era aquela que dizia: Abraão, meu amigo.

Dos poderosos aguerridos, Mas dos mansos e humildes, Da Terra, a herança. E lágrimas furtivas tomaram conta dos meus olhos. Antes de possibilitar-me uma visualização tão próxima naqueles entardeceres, ele já se fazia presente no meu pensamento, num privilégio que só o humilde considerar pode dar alguma noção.

Fiz-me a pergunta se aquele encontro me passava um estado, uma sintonia e... a mim me pareceu, sem que o visse mais, ouvir: É. De num resumo de que carecem os de apressamento, vale dizer que a amizade é o amor amadurecido, de que é mesmo um bem possível para o todo da humanidade.

No deveras é assim mesmo. Atrasam, mas não podem impedir o albor de um novo dia, a consecução do plano eterno. Acabam é trabalhando para os dos simples e dos humildes mesmos, sem dos quais e para felicidade deles, nada tem sentido. E aí é no compartilhar de esperança tal, no alimentar

Fiquei pensando...

Pensamento sarcástico veio a minha mente sobre os que julgam poder manter o controle nos concílios de Davos e outros mais. Então, tive certeza de que ele sabia o que estava na minha mente.

Era assim que ele sempre iniciava, no seu chegar sem se dar na vista e depois se afastava, atravessando o riacho sem que se notasse barulho nas águas ou vestes dele molhadas na margem do outro lado.

Os que acham que podem de tudo controlar, num maquinar constante e impondo receita de esmero única, como de que não houvesse mais de uma estação de terra que não é parada, só atrasam o evolver da lei única do amor, que é a lei procurada pelos de estudo da teórica física, já tendo quem como aquele sábio de notoriedade na criancice da língua de fora que tudo é movimento só...

É assim mesmo, o amor é a maior força do universo, sem o que nada tem prosseguir, mas nos melindres do relacionar, fica numa fedentina que até assusta e mais assusta no tanto de teorizar no sobre. Nunca me preocupei em lhe ver o rosto. Não virava o meu para o seu lado. Limitava-me a gozar de sua confortadora presença que completava aquele quadro bucólico do entardecer do dia, ou seria da minha alma...

Numa euforia para não me sentir por fora conclui que foi a Albert Einstein que se referia, lembrando-me que fez a junção de tempo e espaço e proclamou a fórmula da energia, e pulverizou a certeza da matéria. Mesmo me calando, firmei-me num conceito dele que não passou despercebido: Conhecer os pensamentos de Deus. O resto é detalhe. Mas me senti bem apequenado, ao fim.

Não tem de que, é assim mesmo que o mundo é. É para o conhecer das coisas do amor... Aí eu pensei no que disse São Paulo numa de suas cartas, que a questão é conhecer o amor de Deus revelado em Cristo, que excede todo entendimento, para sermos tomados da plenitude de Deus e ele, não sei se leu meu pensamento...

Houve um momento de silêncio. Não é que acharam de matar o filho do amor d’Ele, achando que tudo terminaria, no que foi apenas o começo de vir

E é isso mesmo, de amar o Pai acima de todas as coisas e o todo mundo que está perto, no que no estágio de agora

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Guido Bilharinho Cadeira número 40 - Uberaba

ARAGUAIA Invenção e Decifração

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epois que o modernismo brasileiro prosificou a poesia como constatou Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima), embaralharam-se na compreensão geral as fronteiras entre poesia e prosa, em prejuízo daquela.

não valoriza o saber, a cultura, a ciência e o estudo. Daí o desconhecimento, a nenhuma propagação dessa obra monumental realizada no dia a dia de Uberaba, geralmente ignorada, despercebida e inaproveitada, a não ser por alguns poucos atentos e privilegiados leitores, infensos às difundidas e predominantes ideologia e prática anti-culturais, anti-inventivas e anti-criativas responsáveis pela estandardização, massificação e o baixo nível do gosto e pela existência dos produtos de entretenimento fabricados aos milhões com o duplo objetivo de faturamento e de manutenção da ignorância e da alienação cultural.

A partir daí, cultivou-se muita prosa sob a pretensão de se estar fazendo poesia. A poesia, na literatura, que se materializa no poema, não se funde nem se confunde com a prosa, conforme o facilitário modernista difundiu e praticou. Na literatura essa tendência ou orientação artística negligenciou e abandonou a elaboração do poema, que se cinge à sofisticação da palavra e do pensamento visando produzir beleza estética, seu objetivo, propósito e limite. O poema em si constitui sua própria finalidade, configurando contrafação aparelhá-lo a serviço de ideário político, religioso, filosófico, social e quejandos ou à mera descrições e narrativas. Como arte suprema da palavra, o poema não a submete nem a instrumentaliza como meio e modo para atingir fins alheios à sua natureza. Pelo contrário, a entroniza e nucleia e com ela (e nela) trabalha.

* Num mundo desses, onde apenas, a duras penas, subsistem, como no livro de Ray Bradbury, de 1953, e no filme Fahrenheit 451 (1966), de Truffaut, isolados nichos de saber e de alta produção artística e científica, é natural que seja relegada ao oblívio obras como as de Silva Henriques e inumeráveis outras de valor, apenas conhecidas e usufruídas de poucos. Contudo, elas permanecerão e influenciarão, enquanto que os meros artefatos de entretenimento desaparecerão.

Todavia, entre a prosa e a poesia existe franja intermediária da mais alta significação, que se distingue de uma e outra, com elas não se confundindo, mas, contendo elementos de ambas, que é o texto, que, quando amplo e complexo, configura o ensaio poético.

*

É justamente disso que se trata em Araguaia (2010), de José Humberto Silva Henriques, o maior fenômeno literário já surgido no Brasil, com atualmente (março/2011) mais de 206 (duzentas e seis) obras escritas nos gêneros romance (o mais cultivado), conto, novela literária, textos, poemas, visuais, ensaios estéticos, peças de teatro e, agora, o ensaio poético. Claro que em obra tão extensa coexistem vários níveis qualitativos a partir de piso de considerável qualidade estética, mercê de capacidade formulatória altamente desenvolvida.

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O que se trabalha nesse ensaio é o cerne que o constitui e as manifestações de vida que propicia no interior de seu leito e às suas margens, que ele conforma e confirma à sua imagem e semelhança.

Não é simples vestimenta que o cobre e o acompanha, mas sua própria pele, a ele aderida sem possibilidade de retirada e descarte. Pode-se ver e navegar o rio, nele pescar e mergulhar, mas nunca conhecê-lo e interpretá-lo sem o Araguaia de Silva Henriques, que não é outro Araguaia, mas, o próprio, observado, entendido e desvendado.

Se “a água desliza dentro de uma composição que de cor fizesse [....] enquanto o rio lambia a palavra que não podia ser repetida sem anacolutos de silêncio ou silepses de fulguração” (1º cap., alínea a), pode-se “supor a intenção de uma ave qualquer no bolsão do banho” (idem, alínea c) ou que “goles de vento assanham uma pena solta em varal de vento enquanto o cardume áspero do piau-açu, hércules, cumpre a refolga do senso” (idem, alínea d).

Nele, no poema, as palavras, como as águas, não se esgotam, não se esvaem, correndo sempre, contínua e persistentemente amolgadas à sua mais íntima natureza e consistência. Para sempre. A beleza eterna do rio propicia a beleza eterna da arte, por obra e graça da intervenção e da invenção humana.

O rio, a água, onipresenças, alicerces e fundamentos da monumental catedral gótica vocabular e nomenclatural da fauna e da flora, cujos espécimes vivem e vicejam às suas margens, tão viscerais quanto a massa d'água e que, ao mesmo tempo que a cercam por ela são formadas, conformando-se e se indispensabilizando uma à outra.

* Conquanto a obra seja compacta, mantendo igual nível do início ao fim, alguns textos (ou trechos) assumem-se mais poéticos do que os demais, a exemplo, no primeiro capítulo, os de letras c, y, q e s; no segundo, os de letras h e g; no terceiro, os de letras f, h, i, j, n, v e x; e, finalmente, no quarto os de letras x, v, u, r, q, n, m, w, k, i, f, c e b.

Se “o pássaro alberga o calor em fuso e fusível. estala e flamba, drapeja a decoada escura contra o sol poente. se vem um vento-vento não passa de malta entre as raiúras nervosas de sol” (idem, alínea h).

*

E assim se perfaz e assim prossegue a epopéia fluvial, nesse nível, nessa riqueza imaginativa e léxica, nessa pessoal e intransferível criação poética. Sobre o real existente, o rio e seus flancos, a fauna e a flora que criam e sustentam, constrói-se outra realidade, a da percepção e criação intelectual, que os valorizam, expõem e decifram.

Desfilam no poema, com seus usos e modos, os habitantes, hóspedes e usufrutuários do rio: biguás, piranhas, piaus, gaviões, vagalumes, jacarés, joão-congos, garças, araras, formigas, pacas, maritacas, maracanãs, macacos, capivaras, sucruiús, besouros, quatis, vespas, mariposas, cutias, borboletas, insetos, antas, saruês, aruanãs, baratas d'água, teiús, pererecas, moscardos, caititus, marimbondos, sardinhas, botos, canguçus, aranhas, pirararas, martins-pescadores, piauçus, mandis, micos, surubins, candirus, urubus, queixada, calangos, socós, saracuras, caranhas, ratos de brejo, grilos, muriçocas, saracuras, antas, patos, peixes-espadas, capivaras, jacutingas, quatis, mandaçaias, escaravelhos, escorpiões, paturis, tucunarés, taturanas, gaviões, arapuás, jacuaçus, jacus, gaivotas, perdizes, tracajás, pirapucus, emas, gafanhotos, sanhaços, tatus, capivaras, beija-flores, abelhas, juritis e frangos d'água.

Araguaia, de Silva Henriques, é invenção e decifração. Nada do que fala e expõe é descritivo e prosaico. Invenção e decifração, suma e súmula. Nele, no rio, deslizam as águas e vivem e sobrevivem espécies variadas. Desde esse ensaio, sobrepairam sobre essas águas e seus habitantes, agregados e marginais a palavra e a percepção poética, extraídas dessa e motivadas por essa realidade natural.

Araguaia, o grande rio que, unindo-se ao Tocantins, desagua na foz do Amazonas, é o tema do ensaio poético de Silva Henriques.

Inventiva, reveladora e compreensiva, a palavra de Silva Henriques percorre e discerne o rio e o qualifica e conceitua.

“O rio mais bonito do mundo”, como proclama, é revolvido desde as entranhas à beleza incontida do esplendor de sua portentosa massa líquida, desprezada, no entanto, toda descrição geográfica e meramente física, com entronização em seu lugar da beleza das palavras que o traduzem e o resumem em sua natureza, pertinência e constância, partilhando e compartilhando seu corpo aquático com a flora e a fauna que medram em seu interior, bordas, orlas e ares.

Desde então, desde que passou a existir, esse poemario, tão líquido, flexível, móbil e coleante quanto o caudal que contempla, canta e proclama, integrou-se à paisagem, não se podendo mais, pois, usufruir-se e inteirar-se do rio quem não se inteirar e usufruir do poema.

Além disso, perfila a rica vegetação: macaúba, baguaçu, guariroba, jenipapo, coqueiros, pimenteiras, cajás, pequis, cipós, ruibarbos, buritis, capim navalha, cogumelos, ipês, cedros, pitangas, jacarandás, tarumãs, jataís (também, espécie de abelhas), caraíbas e paus-terras, etc. Um mar de palavras para um mar de águas.

Tanto um (o rio) quanto outro (tudo o mais) não são mimetizados em prosaísmo naturalístico que se compraz em incursões meramente descritivas.

Nem é necessário dizer que a massacrada e alienada sociedade humana contemporânea (em todos os quadrantes)

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Guido Bilharinho Cadeira número 40 - Uberaba

GEOGRAFIA DA PALAVRA Uma Trajetória Poética

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os fins da década de 1960, ainda estudante secundarista, Jorge Alberto Nabut (Uberaba, 1947-) inicia percurso poético que o levaria nos anos e décadas seguintes a construir considerável e valiosa obra, vincada pelo inconformismo com o formulário gasto do fazer poético e caracterizada por forte poder criativo e vigorosa força expressional, contemplando variada e variável temática, submetida a processos inovadores.

No desdobramento e amplificação dessa vertente, revelando flexibilidade mental e metodológica, concebe a obraprima Branco em Fundo Ocre: Desemboque, poderosa síntese de inúmeras variáveis sistêmicas e autonomia formulativa, arrojada e amplamente exercitadas. A partir do dado concreto, do itinerário-viajante ao próprio arraial, Nabut evoca e imprime poeticidade aos arcanos mais profundos que formam e informam toda a saga do histórico povoado, matriz da civilização regional.

O grande escritor, como todo grande artista, é aquele que instaura processo pessoal de expressão, contribuindo para enriquecer o patrimônio artístico universal e não se limitando, como é costume, a apenas utilizar e palmilhar as vias artísticas abertas e percorridas por outros, sendo, pois, não seguidor, mas inaugurador de caminhos.

E faz isso com surpreendentes e inéditas variabilidade e flexibilidade expressional e rítmica. * Num outro momento, após exploradas e formatadas as possibilidades gerativas experimentais e visuais até então utilizadas, inflete pelas sendas inesgotáveis de neobarroco mesclado de elementos variados, hauridos nas fontes puras de impressões pautadas e conduzidas pela sensibilidade e racionalidade.

É o caso de Nabut, que baliza sua performance poética por informação, consciência artística, esforço e persistência, logrando atingir estádio superior de inventividade e expressão e incidindo em pelos menos (e principalmente) quatro vertentes, desde o experimental e o visual aos textos poéticos, infletindo, no intermédio, pelo neobarroco, estendendo no tempo e no espaço criativos sua faculdade conceptiva libertária e inventiva, aduzindo à poética – aqui tomada em seu âmbito universal e não apenas nacional ou local – modos procedimentais inéditos e distintos de experiências e experimentos de outros artistas, nacionais ou estrangeiros, constituindo criação e contribuição próprias para ampliação do fazer artístico.

* No entanto, não foram essas manifestações suficientes a capitalizar e preencher talento inventivo inquieto e em permanente ebulição, sob cuja pressão vão-se quebrando as amarras e afastados os limites que costumam cercear os processos artísticos.

Por volta de 1969, num primeiro momento, não meramente cronológico, que se entrecruza e, frequentemente, se mescla à enunciação articulada, elabora a série iniciada por Well-Gin x Ultra-M-Atic, que se distende por variada tematização integrada num corpus singularizado, demonstrando simultaneamente capacidade criadora aliada à utilização e síntese de vários elementos composicionais, a exemplo de fatos e pessoas da história local (“AlmanaqueGazeta” e “Historiador Kreponz”) e das estórias em quadrinhos, neste caso o próprio fio condutor da obra.

Nessa fase, expande-se por textos poéticos de considerável vigor expressional e complexa tessitura verbal, nos quais conteúdo, sentido e formulação atingem novo patamar conceptivo e expressional. * Toda essa riqueza poética construída em décadas de trabalho consciencioso e responsável, alicerçado no indispensável trinômio de informação, sensibilidade e criatividade estão, finalmente, reunida na requintada Geografia da Palavra, editada em 2010.

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Dr. João Gilberto Rodrigues da Cunha Cadeira número 38 - Uberaba

UM SEGURO-SOCIAL PARA A SAÚDE desnecessário comentar a insuficiência do atendimento médico prestado pelo SUS – a imprensa nacional bate diariamente neste aspecto. É apresentado um comentário com sugestões necessárias e aplicáveis ao plano assistencial à saúde.

Um segundo problema, este mais grave e próprio das cidades maiores: o hospital-escola. Criaram-se muitas escolas de medicina, e para o ensino um hospital é essencial. Entretanto, e aí está o nó górdio a resolver: hospital-escola é vocacionado e dirigido para ensinar alunos, e não para atender a massa popular. Em meus trinta anos de professor operava duas varizes por semana, para o ensino e alívio dos esperantes – eu era o único cirurgião vascular.

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Em primeiro lugar, o SUS foi criado pelo entusiasmo constitucional, emotivo porém sem estudo e conhecimento da situação e dos custos financeiros exigidos pela medicina “dos pobres” – que eram então da alçada das Santas Casas e ambulatórios de misericórdia. O SUS pretendeu dar-lhes um melhor status de atendimentos na própria rede hospitalar privada, através seus convênios. Um susto quando se descobriu que o dinheiro era insuficiente e insuportável. Nosso hospital atendeu o convenio SUS por nove anos, e simplesmente “quebrou”. Assumi sua presidência e dívidas, que estou quase recuperando. Dos procedimentos conveniados com o SUS preservei apenas a hemodiálise, que é insubstituível e a maior de Uberaba.

Hoje a nossa Faculdade Federal tem um belo e enorme hospital, um excelente curso e professores de cirurgia vascular – e basta-lhe para o “ensino” operar uma doente por semana. Na fila de espera devem ter 2000 varicosos, alguns com úlceras, muitos que só tem amigo pobre, etc, etc. É uma observação e conclusão para a nossa Presidenta: não se iludir com o atendimento social de hospitais de ensino, são indispensáveis, porém são muito caros e seletivos. Ainda é recente o caso INCOR-SP, que é certamente a nossa maior referência internacional. Restam, e como obrigação, estabelecer para as ocorrências graves e de internação, duas opções: reformular as tabelas e preços dos convênios com hospitais privados, permitindo-lhes sobrevivência, ou o investimento em hospitais próprios e sustentados pelo Governo. Qualquer uma destas hipóteses tem mérito e validade – e igualmente defeitos:

Acrescento em segundo lugar – e talvez maior importância – uma consideração nascida da experiência. No afã de cumprir a assistência médica social o poder público – por desconhecimento – cometeu e persiste em erros. A medicina SUS pretende assistência total, desde o ambulatório até a internação e resolução hospitalar. Aquilo que custa barato e serve “politicamente” está caminhando – o PSF e assistências ambulatoriais estão se organizando. É de se anotar que a população padece de uma embriaguez pela doença imaginária e psicotrópica, ricos e pobres – estes, infelizmente, rotacionando pelos ambulatórios SUS e prejudicando em filas intermináveis os pacientes verdadeiramente doentes e necessitados.

- hospitais privados exigem avaliação e fiscalização, coisa que os convênios de saúde sabem envolver permanente assistência. - h o s p i ta i s d e p ro p r i e d a d e e m a n u te n çã o governamental: um custo inicial no imobilizado e um definitivo nos custos operacionais.

Um segundo e mais grave acontecimento. Pacientes de maior complexidade e necessidade ficam frequentemente à míngua e espera – e muitos morrem, alguns enchendo páginas da imprensa de protesto. Duas razões básicas: a rede hospitalar privada não sobrevive financeiramente com as tabelas SUS – e quebra. Em Uberaba tínhamos nove hospitais nesta condição – sobrevivem três, o nosso um deles porque aboliu contrato exceto hemodiálise, e vamos pagando prestações das dívidas anteriores ao INSS (uns seis milhões, parece pouco... mas seriam fatais).

Qualquer uma destas resoluções poderá servir ao grande público e em qualquer cidade de porte/assistência regional. Os pacientes de risco e necessidade sairão das filas confusas e ambulatoriais para sua resolução. Existem alternativas que podem conciliar estas duas opções. - Na primeira, alterar os preços de convênio SUS. Serão necessários recursos que hoje não existem, incluindo a CPMF.

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- Na segunda hipótese: fazer hospital é bem mais fácil que administrá-lo. Pode-se desde logo imaginar o pessoal e a luta política pelos cargos e apadrinhamentos. Tornar particular a administração será mais eficiente e responsável.

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Vilma Cunha Duarte Cadeira número 13 - Araxá

saúde”. Verificados seus aportes e condições financeiras ele irá programar seus recursos. Pelo volume, será possível estudar, construir e manter verdadeiros hospitais públicos, plenamente modernos e equipados, e toda a assistência médica em suas especialidades e níveis.

Para o enfrentamento de qualquer hipótese será necessário estudar e conseguir o artigo primeiro: dinheiro, comentado a seguir.

Já existem projetos assistenciais, com corpo de trabalho e experiência, em saúde pública, em atendimento ambulatorial e hospitalar – o importante será ordená-los dentro desta sugestão. O contribuinte será sócio e destinatário deste “seguro-social” com seu crachá e inscrição de validade nacional ou definida. Os projetos dos atuais seguros particulares servirão como base para o paradigma governamental.

É apresentada a ideia nascida da constatação dos insuficientes recursos financeiros até agora disponibilizados – desde a CPMF até as UPAs, a farmácia popular e postos de saúde, PSF e demais iniciativas e tentativas. Em todos estes casos as louváveis atitudes governamentais terminavam por se esgotar e buscar novas soluções.

É possível uma resistência empresarial ao projeto deste “seguro”. O aspecto de obtenção da ordem constitucional “novo imposto” onde o Governo já impõe contribuições para a saúde não se aplica ao projeto que é de um “seguro-saúde” específico e intocável, em administração e finalidades. A adesão da classe trabalhadora, dentro deste custo-benefício, deverá ser total. Os grandes salários poderão alegar que sua contribuição será muito superior ao que lhes custaria um sofisticado seguro-social privado, que então seria de sua preferência – como já procedem. Será oportuno e até necessário comparar o volume financeiro captado via milhões de salários “pobres” e o volume/quantitativo dos salários “ricos” – uma nova medida da distribuição da pobreza e riqueza no meio empregatício. Importante, de início, é conhecer os volumes financeiros resultantes desta contribuição, e o que representarão como fator melhorador – vale reprisar: do dinheiro para saúde.

O principio básico da sugestão nasceu da constatação dos sucessos ocorridos com os “planos de saúde”. Aqui vale comprovar que a oferta do atendimento foi sempre desigual em função do custo e serviços ofertados e garantidos – ou seja, planos para ricos, sofisticados e abrangentes, e planos parciais ou apenas de sustentação. Esta verificação simples evidencia que a saúde tem profunda relação com o dinheiro – e que esta relação reduz os pobres à única possibilidade assistencial, ou seja, a saúde pública. Esta, por sua vez, vive de dotações governamentais e seus projetos e recursos – sempre insuficientes, quer na assistência primária, quer no desenvolvimento secundário ou hospitalar. Neste raciocínio, e reduzido à expressão mais simples, o maior problema na saúde... é o dinheiro. Dinheiro seguro, garantido e sustentado, o que não tem acontecido pelos programas políticos.

Em suma, a ideologia e aplicabilidade do projeto deverão exigir estudos e experiências. Estes, aliás, sempre existiram na vida pública da saúde. Apenas, e sempre, não tinham o que esta sugestão pretende: recurso financeiro e definitivo, itens únicos para qualquer projeto empresarial. A sugestão aqui apresentada deverá passar pelos estudos financeiros que estão aqui embutidos. Entretanto é inegável o desejo – e até necessidade – da população pobre acreditar e ter uma assistência médica ampla e de menor complexidade ou exigências. Ter em seu poder o cartão de contribuinte e a facilitação de seu atendimento é uma aspiração constante da classe pobre. Por um lado final é de se pensar que muitos assalariados irão exigir esta sistematização. Inclusive uma população operaria sempre ligada ao seguro-desemprego fajutado irá requerer a sua carteira de trabalho assinada para sua inserção no programa.

A sugestão apresentada pretende criar os recursos financeiros criando um “plano de saúde” obrigatório na subscrição e sustentação por todos os trabalhadores de carteira assinada: o desconto mensal de 1% (um por cento) do seu salário para este fundo. Não será difícil ao governo rever os milhões de assalariados oficiais de todos os níveis e por aí o representativo financeiro deste seguro. Não haverá fuga dos participantes, pelo contrário: trabalhadores exigirão sua carteira assinada, afinal um seguro-saúde a seu alcance. É evidente que será necessário estudar aspectos a nível governamental. De início, este “Fundo” deve ser administrado por uma entidade governamental específica, independente de ministérios e políticas ocasionais – é realmente um “seguro-

COMUNHÃO

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alavras são fertilíssimas parideiras. Personagens jamais ganhariam vida sem elas. Figuras de pensamento e linguagem vegetariam no nada, não fosse o milagre das palavras fazê-las existir. Livros não se multiplicariam, juras de amor secariam no peito, enfim mudez universal. Triste e estéril seria o planeta, as pessoas e suas bocas desprovidas de palavras.

ilusões, de sentimentos, de poesia. Ou literal assassino. Se bocas fofoqueiras trancassem palavras perigosamente provocadoras, impulsos devastadores dormiriam em paz. Todo cuidado é pouco no manejo das palavras, repito. Viver em lua de mel com as de despertar o melhor da gente, escolha de sossego interior.

A tentativa de comunicação pode ter nascido em cosmologia com o Big Bang, (Grande Explosão), há cerca de 13,7 bilhões de anos, segundo a teoria científica defensora do surgimento do universo como tal. Ou... Quem sabe... Noutros começos do mundo...

Comunhão: Lindeza de empatia com o divino e o humano. Liberta-me do peito a mesma imagem deslumbrante do pôr do sol. O Rei vermelho-dourado como a Hóstia Universal. Ora dançando, ora equilibrando-se na Patena do horizonte infinito.

Na Teoria Judaica e Cristã? Nas Islâmicas? Do Brâmane? Na Budista? Nos Mitos? Se crenças e conceitos variam, uma coisa é certa: Quando o homem deu conta de falar e escrever, ficou bem mais fácil. Inteligente e perspicaz instituiu a comunicação como a melhor e mais produtiva barganha planetária, com a moeda da palavra. Que vale de acordo com o uso.

Comunhão com o Corpo e Sangue de Jesus Cristo. Milagre e alimento da fé.

Femininas, não escapam do crivo indefectível: Lindas, bonitas, razoáveis, feias de doer. Magras, obesas, baixas, altas, cheirosas, gostosas, nervosas, suaves, antipáticas, perigosas.

Entre escritor e leitor, comunhão com poesia. Um amigo, escritor famoso, no troca-troca de mensagens desde 2001, diz: “Você chega mais perto, do quero passar nos meus escritos”.

Consigo sentir-lhes o gosto, aroma, textura, beleza, a forma...

Com leitores fidelíssimos e espertos a situação se repete. Eles me leem do direito, do avesso, nas entrelinhas e na sutileza. Ainda telefonam ou escrevem pra confirmar. Fantástico!

Comunhão entre pessoas, estado de felicidade fraterna.

Jaca, por exemplo: gorda. Primavera: perfumada. Fel: mal-humorada. Torre: Altura.

Há duas semanas, escrevi brincando com a nova ortografia e a perfeição utópica na escrita.

Viva a imaginação! Dependem também do jeito que escapam da boca ou são materializadas na escrita individual.

Fiz um teste. Deixei de propósito dois errinhos inocentes. Não deu outra. Um leitor, que me manda e-mail com pseudônimo há anos, matou a charada de cara:

Quando saem de parelha com o sorriso, irresistíveis.

“Deixou os pequenos tropeços pra ilustrar o tema, não

Sussurradas entre beijos, jogo ganho de sedução.

foi?”.

Embaladas na emoção que põe brilho nos olhos, farol a iluminar incertezas.

Claro que foi. As licenças poéticas enfeitam o estilo. Quem comunga comigo, percebeu o recurso tinhoso. Se não, passou batido. A maioria nem se tocou.

Adocicadas nos néctares da delicadeza e bom humor, endorfina de amenizar o todo dia.

Os leitores são estímulo e razão d'eu escrever feliz da vida.

Por outro lado, cuspidas em esgares raivosos, machucam feio.

Em comum união com Deus, o planeta e a Literatura.

Juntadas em falação de mal dos outros, ameaçam a fraternidade e cutucam a morte. Enredador é matador. De

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Sempre!

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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Luiz Cláudio Pádua Netto Cadeira número 17 - Araguari

Luiz Cláudio Pádua Netto Cadeira número 17 - Araguari

A MINHA VELHA MOCHILA VERDE

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a época em que eu a ganhei, meados da década de oitenta, ela era o último modelo da Company, a marca mais famosa da época. Com o tempo ela foi ficando desbotada, sem graça e até um pouco nojenta.

não caiu na plataforma. Trazia em uma das mãos a passagem e uma pequena mala e na outra uma lata de cerveja. Discutiu com o motorista, que não permitiu que ele entrasse com a lata de cerveja e com a camisa desabotoada. Assim que ele entrou na cabine, viu a linda moça a minha frente e a poltrona vazia ao seu lado, não teve dúvidas e se abancou por ali.

Voltava de ônibus para Belo Horizonte e a poltrona ao meu lado estava vazia. Coloquei a minha mochila na poltrona do corredor e me acomodei na da janela. Uma moça bonita, cabelos presos em um coque, olhos claros, tencionou se sentar ao meu lado, mas ao ver a minha velha mochila verde preferiu a poltrona da fileira a frente.

— O que faz um bombom fora da caixa? A moça ignorou a cantada barata e se espremeu de encontro à janela.

Notei que a sua escolha foi motivada por uma indisfarçável repulsa a minha mochila, que estava cheia de linguiça e queijo e confesso que não tinha um cheiro muito bom. A velha companheira ficou ocupando a poltrona, mas só até a próxima parada.

— Você é linda demais, deixa eu te dar um beijo? A moça se levantou em um movimento brusco, passando pelo bêbado como se ele ali não estivesse. Olhou para o fundo do ônibus e como estava todo ocupado, me perguntou se podia se sentar ao meu lado.

Rodoviária de cidade pequena, gente feia, cachorros latindo, pais se despedindo dos filhos que vão para a capital. Os primeiros com ar compenetrado, procurando no bolso da calça um último trocado para dar ao filho. Bermudas velhas, sandálias franciscanas e aquele ar de quem já está com a missão comprida e em breve, assim que o ônibus partir, voltará para casa e repousará na cama. Que inveja que eu tinha dessa gente.

— A minha mochila não lhe incomoda mais? Ela sorriu e até pediu desculpas. O bêbado continuou perturbando e foi colocado para fora na cidade seguinte. Mesmo com as poltronas vazias a moça permaneceu ao meu lado. — É melhor não arriscar, vai que entra outro chato...

Nos filhos se via o brilho nos olhos e a tristeza na alma. Ao menos era assim que eu me sentia quando deixava o meu pai acenando para o ônibus.

Não sei por onde anda a minha velha mochila verde. Talvez esteja esquecida em um armário do apartamento em que eu morava ou se perdeu na mudança. Foi de grande valia e quase se formou em medicina, mas no terceiro ano saiu por bom comportamento.

Porém, nem só de bucolismo são compostos os personagens de uma rodoviária, existe também e nesta ocasião não podia faltar, o bêbado inconveniente.

A FALTA QUE ELA ME FAZ

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assei a frequentar um restaurante com cardápio feito por nutricionista. No princípio achei uma tortura, mas acabei me acostumando, tudo em pró da boa saúde. Fiz o meu prato de salada e me sentei a uma mesa do canto. Pouco tempo depois, um senhor calvo, aparentando um pouco mais de cinquenta anos, puxa uma das cadeiras da mesa em frente, imitando o gesto feito pelo garçom para acomodar um cliente. Vai até o bufê de saladas, faz o seu prato e volta, sentando-se na cadeira em frente àquela que acabara de puxar.

Moça, uma coca cola por favor! Colocou um pouco do refrigerante no copo a sua frente, ralhou com a acompanhante por ter comido tão pouco e também se deu por satisfeito, passando o guardanapo na boca. Pegou a comanda com a despesa, agradeceu a moça, mencionou descer as escadas, mas retornou e voltou-se para minha mesa. — Posso me sentar? Fiz que sim com um gesto de cabeça.

Acabei o antepasto e voltei as minhas atenções para o tal senhor calvo. Ele fazia um gesto estranho com a mão esquerda, como se estivesse acariciando a mão de alguém à sua frente. De repente, me dirige um sorriso.

— O senhor com certeza estranhou o que acabou de presenciar. Queria apenas lhe deixar a par de minha situação... — Não se preocupe, nem sei ao que o senhor se refere.

Não retribuí, afinal de contas, nunca o tinha visto mais magro. Ele insistiu e mandou outro, acompanhado de um certo torcer de nariz.

— A pessoa com quem eu falava é minha esposa. Às vezes ela vem almoçar comigo. Eu sei que ela está morta, mas ela reluta em acreditar e eu não posso e não tenho o direito de lhe contrariar. Afinal de contas, só eu sei a falta que ela me faz.

Já ia me mudar de mesa, quando percebi que os sorrisos e o tal gesto de nariz não eram para mim. Ele começou a falar com uma pessoa supostamente sentada a sua frente.

— Ajudaria lhe mostrar uma prova contundente de sua morte; o atestado de óbito por exemplo.

— Bem que você podia começar a comer salada. Faz bem, todo mundo diz.

— Já pensei nisto, mas desisti. Deixe que ela continue aparecendo para almoçar.

A moça que serve os pratos serviu o meu, o do tal senhor calvo e colocou um outro prato a sua frente.

— Mas o senhor vai continuar bancando o maluco? — Como lhe disse, só eu sei a falta que ela me faz.

— Hoje, o bife está como você gosta... Quer beber algo?

Valeu companheira!

Percebi, mesmo antes dele entrar no ônibus, que tinha tomado todas. Despedia dos amigos em voz alta e por pouco

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Terezinha Hueb de Menezes Cadeira número 27 - Uberaba

Murilo Pacheco de Menezes Foi educador e vereador em Uberaba

AS CASAS TÊM VIDA

A

s casas têm vida. Elas se amoldam aos desejos e formatos de seus moradores. E recebem, com alegria, os raios de sol que lhes beijam as salas, os quartos, a varanda repleta de plantas, aquela árvore frondosa que adorna o quintal.

expõem, no jardim ou na fachada, nomes de empresas: sentimos, então, que as casas perderam o viço, apesar de bem cuidadas e limpas. Agora apenas a aparência fria de gente que entra e sai, mas nada possui em comum – o mundo empresarial não as une. Não são mais as famílias que, possivelmente, as construíram com dificuldade, moldadas aos seus elementos com cuidado.

Não importa ser a casa simples e pequena ou grande e mais confortável: a junção família/casa é tão profunda que se chama lar – é todo o contexto que envolve o núcleo familiar.

Ali, ainda perdura a pequena fonte que outrora jorrou contentamento; mais à frente, grande painel de azulejos lembra as origens de seus primeiros habitantes; mais adiante, no jardim interno, árvores plantadas com zelo, talvez ainda sofrendo a falta das crianças que se aninharam em suas frondes um dia.

As casas possuem tanta vida que, quando as vemos, vemos também o contorno de seus moradores adentrando o portão, os gritos infantis nos folguedos diários, aquela música sempre repetida, às vezes alta, parecendo querer alguém que ali reside compartilhá-la com os vizinhos. Ou o silêncio que envolve tantas casas, na solidão de um morador só em cada uma delas, muitas vezes janelas fechadas para a rua e para a vida.

Tudo se perde. As coisas passam, e nós passamos. Conosco, todo o acervo existencial que plasmou nossas vidas. Para muitos, por detrás das placas frias e insensíveis das empresas, por detrás do ir e vir alheio de empresários, funcionários e clientes, a história de cada família teima em permanecer na memória daqueles que, um dia, ouviram os ruídos da algazarra das crianças e viram os abraços de seus antigos moradores: quando tudo se vai, apesar da renovação decorativa, de novas luminárias e biombos solenes, de mesas pomposas e cadeiras confortáveis, talvez as casas chorem da saudade de um tempo em que elas possuíam vida.

Não importa o estilo de seus moradores: as casas se ajustam a ele, deixando entrever a alegria que os envolve, ou tornando-se triste e pensativa quando a tristeza ou o afastamento de um deles lhes modificam o jeito. Muitas vezes, entristeço-me quando passo pelo centro da cidade: casas que outrora abrigaram determinadas famílias, trazendo à nossa mente lembranças da alegria infantil, do amor dos casais que nelas viveram, casas antes repletas de vida, hoje

EDUCAÇÃO E VIDA

A

vida do ser humano é fruto de uma longa ca m i n h a d a , c u j o i n í c i o s e p e rd e n a indeterminação do tempo, e cujo fim coincide com o inevitável fim de sua própria existência.

livre do educando.” “É atividade criadora que visa a levar o ser humano a realizar as suas potencialidades físicas, intelectuais, morais, espirituais, abrangendo o homem integral, em todos os aspectos de seu corpo e de sua alma, ou seja, toda a extensão de sua vida sensível, espiritual, intelectual, moral, individual, doméstica e social, para elevá-la, regulá-la e aperfeiçoá-la”, destinando-a a uma convivência harmoniosa que desaguará na felicidade.

Ninguém existe sem um motivo. Ninguém caminha sem um destino. O homem nasce para ser feliz. O destino de sua caminhada é, pois, a felicidade.

Educação não é apenas comportamento, nem é fruto de uma ação isolada e repentina. É um processo em que a função do educador se faz mais presente pelo exemplo que pelas palavras. “Verba volant, exempla trahunt.” “As palavras voam, os exemplos permanecem.” As palavras impressionam pela dialética ou pela retórica, mas seus efeitos, no todo ou em parte, perdem-se como ondas que se diluem na amplidão das águas ou que esmaecem na largueza das praias. O exemplo, contudo, é sedimentário, é penetrante, é peremptório, é atraente, é persuasivo, é convincente. O educador se impõe mais pelo exemplo que pelo argumento; pela coerência de vida que por palavras; pelos atos que por discursos.

Essa caminhada constitui um processo, que se pode denominar, até e também, Educação, enquanto envolve aproveitamento de impulsos naturais e agentes positivos para se alcançar o verdadeiro crescimento do homem. Educação é, de fato, um processo. Etimologicamente, significa trazer para fora, “tirar de dentro de indivíduo”, arrancar do interior de cada um, para projetar-se na conformação vivencial do exterior. Ela resulta de fatores naturais inatos em cada ser humano e de um esmerado burilamento, fruto da aplicação de condicionamentos adquiridos.

Enfim, as palavras se desfazem com o tempo, e o exemplo permanece para sempre.

Há quem defina Educação como sendo “um conjunto de técnicas tendentes a dar pleno desenvolvimento à personalidade do indivíduo e realizar sua integração no meio social”.

Educação é, pois, uma preparação para a vida, para uma vida feliz. Pela Educação, o homem procura fazer tudo certo para que seja certo em tudo. Estaria, então, empreendendo uma caminhada certa, rumo à verdadeira felicidade.

Caracteriza-se, também, como a arte de despertar a potencialidade, as tendências e aptidões do ser humano, formando um processo de aproveitamento de todas as atividades, canalizando-se para uma convivência harmoniosa com Deus e com a sociedade. Ainda: “A Educação é um processo vital, para o qual concorrem forças naturais e espirituais, conjugadas pela ação consciente do educador e pela vontade

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NOTA: Texto do livro MURILO PACHECO DE MENEZES: O HOMEM E SEU LEGADO.

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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Paulo Piau Deputado Federal - PMDB-MG - Uberaba

Renato Muniz Barretto de Carvalho

VOLTEM PARA OS SEUS LUGARES!

S

etenta e cinco carteiras vazias, militarmente organizadas à minha frente. Estou numa sala de aula de tamanho razoável, na qual eu só tomei o cuidado de acender a luz que se situava em cima da única mesa, onde eu me sentara. Ninguém mais. Lá fora, escurecendo, armava-se o maior temporal. As árvores balançavam em todas as direções, folhas eram levadas pelo vento, as nuvens se enchiam, escuras, densas, ocupando todo o espaço visível do céu. Pássaros desesperados procuravam abrigo, papel e plástico voavam desordenadamente e bailavam para cima e para baixo sujando as ruas. Ouviam-se os trovões constantes ao fundo. Dezessete horas e quarenta e cinco minutos. Certamente a as pessoas se dirigiam às suas casas, após o trabalho, ocupadas em andar rápido, em chegar antes da chuva. Esbarravam-se, lembrando-se de guarda-chuvas perdidos, de compromissos que ficavam para trás. Da sala eu escutava o barulho de automóveis e ônibus ao longe, vez ou outra uma buzina.

mundo, quentes, abafadas. O mundo vai ficando um lugar apertado, sufocante, sem alternativas. Um lugar de liberdade vigiada, acessos controlados, muros, cercas, fitas e barras de ferro que limitam a passagem, câmeras indecentes, regras imbecis, sujas e desiguais. Ruas quadradas, ângulos retos, esquinas sem cara, com calçadas estreitas, imundas, sem árvores, casas muradas, como se fossem prisões. Dentro estão seres amedrontados, cada vez mais sozinhos e dependentes da televisão, do computador, da notícia efêmera, rápida, descartável, dependentes de remédios cada vez mais perigosos, dependentes de peitos de silicone e de comida congelada. Seres duros, inflexíveis, cansados... E eu na sala, olhando fixamente as setenta e cinco carteiras vazias, querendo extrair alguma lição pedagógica do fato. Ou então uma ficção barata. Mas nada disso ocorria, somente a impotência criativa alternada com revelações súbitas de autoritarismo tardio, pois afligia-me não poder ordenar silêncio, embora esta fosse minha vontade. Eu poderia gritar, mas achei que não ficaria bem nesta atitude. Eu poderia inverter a ordem das cadeiras, colocá-las em círculo, virar umas contra as outras, modificar a ordem estabelecida, criar uma dinâmica motivadora, inovar um projeto pedagógico, mas não me sentia motivado, apenas constrangido, tímido diante de tantos, e ao mesmo tempo nenhum, olhares, tão frios, tão distantes, tão próximos.

Fechei as janelas da sala, encostei a porta e acendi todas as luzes. Seria bom iniciar um diálogo. Com quem? Falamos a mesma língua? Olhei para cada uma das setenta e cinco carteiras, procurando identificar seus ocupantes, mas eles, de tantos que são já não têm rosto, já se misturaram, se mesclaram, são um povo, uma cidade, um grupo desuniforme. Uma ausência incômoda, um silêncio que intriga. Não sei o que querem, o que aceitam, o que negam, se entendem o que eu digo ou explico. Quem são? Leitores? Alunos? Colegas? Funcionários? Estranhos? Quem serão os próximos? O vizinho do condomínio ou o passageiro da poltrona do lado? Como se posicionam diante das notícias ou das lições escolares? Quais são seus desejos mais secretos?

Ok, por hoje chega, estão dispensadas, carteiras. Voltem para seus lugares!

O mundo moderno se transformou numa incógnita mutante. Quando pensamos que o compreendemos, ele muda. Ou negamos nossa incompetência ou nos confortamos com nossa ignorância, não há outra saída. Renato Muniz Barretto de Carvalho é geógrafo, professor universitário, escritor e ambientalista. Estudou e trabalhou em São Paulo, SP nas décadas de 1970 e 1980. Atualmente reside e trabalha em Uberaba, MG. É mestre em Geografia, especialista em Educação, bacharel em geografia e técnico em turismo. Escreveu os livros: “A cidade perdida”, “Crônicas impertinentes”, “Só letrando” e “Os bichos são gente boa” (Giz Editorial).

A sala vazia assemelha-se a uma rua escura, sem pedestres. Na verdade, as ruas é que se parecem com salas vazias, silenciosas, sem identidade. Salas vazias como escritórios em séries, baias para humanos desumanizados. Pessoas confinadas em seus cubículos, presos em seus quadrados apertados, sem ventilação, sem janelas para o

E-mail: renatombcarvalho@gmail.com.

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A COMENDA DA PAZ CHICO XAVIER

S

ereno, iluminado, um presente dos céus aos nossos tempos. Enriqueceu o mundo com a sua vida de exemplar cidadão e com milhões de mensagens psicográficas, que fertilizou o solo do planeta de paz, luz, amor e esclarecimento. São estas as razões que fazem Chico Xavier digno do nosso reconhecimento e da nossa homenagem.

entrou na Comissão de Constituição e Justiça, na qual passa primeiro qualquer projeto, houve um questionamento religioso. Começamos então um trabalho com as pessoas ligadas à igreja católica, à igreja presbiteriana, de dizer que Chico, embora praticasse a religião espírita, era ecumênico recebia a todos, passava sua mensagem de paz independente da religião. As pessoas entenderam que não se tratava de apologia a uma religião e o projeto acabou sendo aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

A sua rica história em Uberaba, e diante do seu estado de saúde fragilizado, comecei a pensar em uma forma de eternizar a sua trajetória para o povo mineiro. Imaginei três projetos: primeiro o projeto de construção do Memorial Chico Xavier para guardar o seu acervo, as obras literárias, a sua memória pelo que ele representa para Uberaba, para o Brasil e para o mundo. O memorial já está em construção. Esperamos que em 2012 já esteja pronto.

Quem sancionou esta lei foi o então governador Itamar Franco. Foi ele também o primeiro governador a entregar a primeira comenda. Inclusive o grande colar da comenda foi entregue ao próprio Chico em vida na porta da casa dele em uma solenidade debaixo de um sol escaldante, ocasião também em que o médico Adib Jatene foi orador.

Em segundo, veio a ideia de criar uma fundação para continuar a obra social, mas que hoje é suprida pela Casa da Prece.

Neste ano, 2011, foram agraciados com a medalha o espírita Arnaldo Rocha, a Casa de Auxilio e Fraternidade Olhos da Luz, Celia Maria dos Santos Pereira, os empresários Geraldo Lemos Neto e Olavo Machado Junior, as médicas Maria de Lourdes da Costa e Marlene Rossi Severino Nobre, o compositor Paulo Hugo Morais Sobrinho, os professores Tomaz de Andrade Nogueira e Wilson Chaves, “in memoriam, e a Associação de Combate ao Câncer do Brasil Central - Hospital Dr. Hélio Angotti, indicada por mim pelo relevante trabalho em prol da vida que há 50 anos realizam em Uberaba atendendo também toda a região.

E, em terceiro, surgiu a ideia da Comenda da Paz Chico Xavier. O Chico é uma pessoa de paz e a motivação veio do Prêmio Nobel da Paz, que agracia anualmente as pessoas ligadas à educação, à ciência, à cultura, a busca da paz, e também na Comenda Antônio Secundino São José que é concedida as pessoas que ajudaram no desenvolvimento do agronegócio. É uma comenda do governo do estado concedida toda Festa do Milho em Patos de Minas. Então, imaginei que a Comenda da Paz Chico Xavier poderia reunir estas duas e ser entregue em Uberaba, cidade que Chico escolheu para viver e trabalhar, para as pessoas que promovem a paz. O interessante é que esta comenda não foi instituída para agraciar o mais rico, o mais poderoso, o mais influente. Foi instituída para agraciar as pessoas que estão em busca da paz, que pode até ser um trabalho anônimo como uma cuidar de crianças e idosos ou um médico fazendo saúde, um cientista desenvolvimento um conhecimento que vai beneficiar a sociedade e, portanto, trazem a paz.

Eu diria que é uma comenda vitoriosa, pois desde que foi instituída não ficou nenhum ano sem ser realizada e hoje faz parte da agenda do Governo do Estado como uma comenda das mais importantes de MG. O humilde médium nasceu em Pedro Leopoldo- MG, em 2 de abril de 1910. Ficou órfão de mãe muito cedo e completou apenas o curso primário. Foi modesto funcionário do Ministério da Agricultura. Não se casou nem teve filhos, mas ajudou a criar 14 irmãos e vários sobrinhos. Teve um filho de criação, Eurípedes Humberto Higino dos Reis, que cuida do legado de Chico Xavier em Uberaba.

Nestas 11 versões, várias pessoas e instituições foram agraciadas. Todas merecedoras deste reconhecimento. A lei 13394/99 contempla 10 pessoas em cada edição. A matéria ficou no parlamento por alguns anos em discussão quando

Despertou para a mediunidade aos 17 anos. Aos 49, com problemas de saúde, mudou-se para Uberaba, onde ficou até a

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morte, em 30 de junho de 2002, aos 92 anos.

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Ubirajara Franco Cadeira número 25 - Uberaba

Estima-se que foram vendidos 50 milhões de exemplares dos seus livros em todo o mundo e todos os direitos autorais foram cedidos por ele a editoras e instituições espíritas.

Publicou 412 livros em vida, mas, com as obras póstumas, o total chega a 419 publicações. Psicografou obras de centenas de autores espirituais, abarcando os mais diversos e diferentes assuntos, entre poesias, romances, contos, crônicas, história geral e do Brasil, ciência, religião, filosofia, literatura infantil, entre outros assuntos.

Em 2000, foi considerado o “Mineiro do Século XX", ficando à frente de inventores, cientistas, escritores, políticos, atletas e figuras mundialmente famosas.

EUTANÁSIA

O

Dr. Silvério, que dormia num dos cômodos de seu consultório médico, despertou sobressaltado, com as fortes batidas na janela

por longas clareiras e, acolá, ensombradas brenhas que a palidez do clarão da lua emprestava um ar um tanto assustador, eis que, de repente, bateu leve brisa, molhada, gostosa...

Era um cavaleiro de chapéu de abas largas e que, a destra, trazia outro animal arreado. As pancadas em sua janela, certamente, foram dadas com o cabo do chicote pendurado na cabeça do arreio de seu cavalo, porque o homem não chegara a desmontar.

Ao vingar a ladeira do picadão encascalhado, em cujas encostas deslisava um corguinho que demarcava o começo de rica vegetação, o capim aflorando na terra roxa, ensombrado por algumas árvores, o médico divisou, já perto do curral, bem em frente do casarão, encostado na porteira, o homem de botas e chapéu preto. O camarada, abaixando a voz, disse-lhe que aquele era o Coroné Honorato.

de seu quarto.

– "O Coroné Honorato mandou buscá o Doutô, pra mode olhá a sua neta que está passando mal desdonte e num tem jeito de despachá," vociferou o cavaleiro.

– Boa noite, Coronel. Eu sou o doutor Silvério, que o senhor mandou chamar...

O Dr. Silvério, médico ainda novo, beirando os seus vinte e cinco... trinta janeiros, e que havia mudado para Santo Amaro do Monte, cidade pequena, a fim de iniciar a sua carreira, mal percebeu o desenrolar daquela novela, que modificaria a sua vida.

– Noite, respondeu secamente o Coronel, homem parrudo e que lavrava pelos seus cinquenta... cinquenta e cinco anos. – Eu tava mesmo te esperando... Assim que o camarada abriu a porteira, o homem internou-se curral adentro, rumo ao casarão, seguido pelo médico. Cheiro de estrume de gado, misturado com capim gordura.

– "O senhor espere um pouco, que vou colocar alguns medicamentos e ferramentas na minha valise." – "Bão, mas vigia se num delata, que o Coroné tem pressa..."

– O quarto da minha neta é este. O Senhor entra. Já no quarto da parturiente, moça nova e que gemia de dor, o médico solicitou às mulheres que ali estavam, que saíssem. A parteira, soletrando o Doutor de cima em baixo, saiu persignando-se.

– "O lugar é longe?" – perguntou o médico, já montando no cavalo. – "A fazenda do Coroné fica retirada, mais ou menos, duas horas daqui, tocando bem." Respondeu o homem, de pouca prosa.

O médico pediu duas ou três bacias com água morna e fervida e toalhas bem limpas e iniciou o seu trabalho.

Já, deixando a cidade, ganharam uma estradinha que serpenteava chapadão além, ladeada pelo riacho Lambaris, encachoeirado um pouco mais na frente e que vinha amenizar um pouco o calorão daquela noite abafada de lua crescente.

Sem querer, veio-lhe à lembrança seu velho professor de ginecologia que falava num português afrancesado. – "Parto, meus filhos, dizia o velho professor que era a favor da eutanásia, é coisa de Deus que criou outra vida. Nós somos apenas seu intermediário.

O silêncio, quebrado pelo tropel dos cavalos, de vez em vez, era invadido pelos estalos de galhos secos, que suportaram a soalheira daquele dia do mês de agosto, ou pelo agudo assobio de algum curiango e, mais adiante, pelo agourento piar de uma coruja.

Decorrido algum tempo, enxugando o suor que descia pelo rosto, olhos ardendo pela fraca luz do lampião, pois a criança não havia ainda dado sinais de nascer, o medico assustou-se com o vozeirão do Coronel que, perto da porta do quarto, queria saber a razão de tanta demora, já que o relógio

Depois de cansativa marcha chapadão afora, formado

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carrilhão da sala acabara de dar as seis da manhã.

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Augusto Cesar Vanucci Cadeira número 9

Ninguém ficaria sabendo. Não deixaria que o recémnascido sentisse a menor dor, até porque os seus neurônios eram ainda incipientes...

O tempo passava, ou melhor, arrastava-se num nervosismo incontrolável. A palidez da moça que perdia sangue, já era visível. A custo o médico conseguiu estancar a hemorragia, num desses milagres da medicina.

Já estava para apagar aquela pequena chama de vida, quando assustou-se com as batidas na porta. Era o Coronel, impaciente para ver o seu primeiro neto. Suando frio, despertou-se daquele horrível pesadelo. Pensou também na possibilidade de ser assassinado pelo Coronel, se lhe dissesse que a criança nascera morta.

Mas, quando tudo parecia perdido, a parturiente já quase sem forças, a despeito das injeções que lhe foram aplicadas, a criança começou a nascer. Seus primeiros vagidos ocasionaram verdadeira agitação nas pessoas que, do lado de fora, esperavam ansiosas.

O CHÃO DE FRANCELINO

Esquecendo-se de seus princípios acadêmicos, deixou que falasse mais alto a voz de seu coração. Terminado o parto normal, pediu que a parteira cuidasse do resto.

Todos riam. Todos, menos um: Era o Doutor que, indeciso, lutava com seus pensamentos. Na faculdade sempre defendera a eutanásia, para evitar maiores sofrimentos ao paciente. Era uma questão polêmica, mas todos conheciam o seu jeito pragmático e realista.

Passaram-se os anos. O Dr. Silvério que já estava mais velho, certo dia sofreu um acidente de carro e teve a sua perna direita seriamente machucada. Trouxeram famoso cirurgião que o operou com grande sucesso.

Agora, ali sozinho naquele quarto, a sua teoria estava na iminência de ser colocada em prática. É que o recém-nascido nascera sem uma perninha!

No dia seguinte, o Dr. Silvério notou que o cirurgião usava uma perna mecânica. Como foi que isso lhe aconteceu?

Quanto sofrimento, quantas frustrações e complexos aquela pobre criatura iria enfrentar neste mundo cruel. Até podia escutar as vozes de outros garotos gritando:

E o seu colega, olhar distante, espaçando as tragadas do cigarro, a voz um tanto emocionada: – "A minha mãe teve um parto muito difícil. Meu pai havia falecido e ela morava com o meu avô, o Coroné, como era conhecido, homem poderoso e destemido. Moravam numa fazenda perto daqui. O médico que a atendeu, moço formado há pouco, mas muito competente, chegou na fazenda a cavalo. Sim, colega, a cavalo! Chegou na companhia de um capataz do Coronel..."

"Perneta!... Ô perneta!... E o Dr. Silvério, cada vez mais indeciso, lutando com os seus princípios acadêmicos e com o seu grande coração, suave frio e, já perplexo, chegou a atarantar-se.

inovações e transformações. Cuidou de escrever com lisura ética, espírito público, bom senso, disposição progressista, o capítulo correspondente à sua participação. Bem dotado intelectualmente, hábil e conciliador, construiu pontes de relacionamento com correligionários e adversários, nas diferentes correntes políticas. Essas ligações se revelariam extremamente valiosas em horas cruciais.

“Nesta terra construí minha vida e meu destino.” (Francelino Pereira, referindo-se às Minas Gerais de seu eterno afeto)

C

hão a perder de vista. Chão áspero desbravado com indômita vontade por alguém predestinado a desempenhar uma missão relevante na história de seu país. Chão que, a partir de Angical, nas lonjuras piauienses, se encomprida pelas vastidões montanhosas do país das Gerais. Avança, ao depois, pelos chapadões sem fim do Planalto Central. Embica, adiante, por tudo quanto é canto do fascinante continente brasileiro. Chão palmilhado por Francelino Pereira. Um homem que se encantou, desde cedo, com a nobreza da ação política, abraçando-a com todas as forças como ideal de vida inteira, cobrindo um percurso extenso, pontuado de cintilações.

A sólida formação humanística de Francelino desponta em numerosos trechos da vibrante narrativa. Os autores captam flagrantes sem conta de seu jeito de ser afável, simples e descontraído. Nas culminâncias do poder, ele nunca se desapegou de hábitos que lhe garantiram, vida pública adentro, o apreço e admiração das ruas. Eu sei que, nos tempos de governador, Francelino costumava tomar do telefone para mensagens pessoais que, não poucas vezes, surpreendiam a pessoa contatada. Bate-me aqui, na memória, ainda agora, uma historinha que ouvi contar a propósito dessas chamadas. A esposa de um executivo atende, na manhã de um domingo, o telefone na sala e diz, num tom de voz meio desconfiado, para o marido: - Tem um cara aí falando que é o governador. Quer falar com você. Cumprimentá-lo pelo aniversário. Tou achando que é brincadeira de seu irmão. Ele não perde chance pra bagunçar o coreto...

O Kao Martins, com a colaboração do Paulino Assunção e Sebastião Martins, soube compor, ancorado em esplêndido trabalho de pesquisa, essa trajetória edificante do “menino, jovem e adulto que teve a audácia de sonhar um sonho impossível, a determinação de persegui-lo e – contra todas as previsões e evidências – realizá-lo integralmente”. O livro “O chão de Minas” ocupa-se, conforme anotam os autores, de uma saga inspiradora. Que saga! Descreve, com riqueza de pormenores, trazendo a lume muitas revelações inéditas, os caminhos trilhados por esse cidadão nascido no Piauí, mas mineiríssimo quanto os que mais o sejam, que por meio século afora desempenhou papéis de importância no palco dos acontecimentos. O pano de fundo da narrativa projeta pedaço de tempo de forte impacto na história brasileira. Tempo sacudido por turbulências ideológicas, entrechoques ferozes, emoções arrebatadas. Por clamorosas perdas de direitos essenciais, em instantes trevosos. E, em momentos posteriores, tempo também marcado, recompensadoramente, pela (re)conquista preciosa do regime democrático, com seus valores e imperfeições humanos, mas com suas insuplantaveis vantagens sobre quaisquer outras formas de governos.

Era brincadeira, não. Outra historinha singela que a leitura do livro (primorosamente ilustrado) reaviva na lembrança passou-se em meu escritório. Livro de minha autoria ganhara naquela manhã comentário no jornal. Estava acabando de lê-lo. Quem mesmo me surge, de repente, na porta da sala, à cata de um exemplar da obra? Francelino, o próprio. Com aquele seu estilo despachado de explicar a que vem, garantiu-me, fraternalmente, com a espontaneidade do inesperado e simpático gesto, duradoura satisfação. “O Chão de Minas” reporta-se a episódios menos conhecidos na atuação do biografado que só fazem enriquecerlhe a lenda pessoal, colocando à prova sua vocação cívica. Um deles: frente a frente com Costa e Silva, que o convidou para encontro no palácio presidencial, Francelino recusou-se a seguir a orientação dada pelo governo no caso da pretendida cassação

Como vereador, deputado federal, dirigente partidário, governador de Estado e senador, Francelino Pereira viveu de forma intensa a ebulição desse processo histórico carregado de

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do mandato do deputado Márcio Moreira Alves. Seu nome, por causa disso, chegou a ser incluído numa lista de cassações elaborada pouco depois da edição do dolorosamente célebre AI-5. Misteriosos desígnios impediram fosse a violência consumada. Adiante, Francelino empenhou-se de corpo e alma, como era costume dizer-se antigamente, na batalha pela reclamada distensão política, à hora da transição do regime autoritário para o estado de direito.

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Iná Bittencourt Ani Bittencourt Sócias correspondentes Uberaba

Tomando posse, por força de significativa contribuição cultural, na Academia Mineira de Letras, falou de sua enternecida paixão por Minas: “Nesta terra construí minha vida e meu destino. Desta Minas de tantos heróis, de tão belas e sóbrias tradições, recebi uma acolhida que nunca julgaria possível (...) A esse espírito e a essa alma mineira dediquei toda a minha vida e o melhor da minha capacidade.”

Em todas as funções exercidas, primando-se sempre pela austeridade, deixou evidenciada singular capacidade empreendedora. Atos marcantes de sua trepidante movimentação política anotam que ele sempre fez uso correto e harmonioso, nas intervenções e articulações, de uma dose de energia e outra dose de jeito.

Pura verdade. O livro “O chão de Minas” documenta tudo isso. Jornalista (cantonius@click21.com.br)

RESENHA DO LIVRO “GÊMEOS... JOIO E TRIGO”.

F

oi por ironia do destino que nossos olhos se voltaram para duas jovens, gêmeas idênticas, de expressões sombrias e olhos baixos. Eram, todavia, realmente lindas mas amuadas, introvertidas, e estavam de mãos dadas. A cena impressionou-nos profundamente, movendo-nos à piedade intencional de prestar a elas alguma ajuda. Quem sabe, não?... Aproximando-nos dela delas, nós ambas nos apresentamos cordialmente. Resultado: seus semblantes não revelaram surpresa nem interesse, assim como comunicação alguma manifestaram às pessoas que as rodeavam e também a nós ambas.

desciam até a cintura, belas, estavam no inferno, isto porque criaram um mundo só para elas e eram incompreendidas se bastavam. E vimos nelas parte da nossa história... duas em uma só! Queriam levar suas vidas independentes, mas, quando estavam juntas, dependiam demais uma da outra. Eram exatamente iguais em tudo que faziam. Mas existiam muitos conflitos entre elas: a luta pela individualidade. Este era exatamente o problema. Elas queriam ser um único ser humano – uma guerra silenciosa que nenhuma podia ganhar. (Nós só conseguimos superar isto, depois de uma TVP).

Sincronia plena, ligação integral: eram duas em uma! Instintivamente, afeitas em nossas pequisas sobre gêmeos e a lidar com crianças e adolescentes também especiais, impeliunos a intenção de tocá-las, mas naqueles rostos impassíveis não demonstraram ao menos um piscar de olhos de interesse ou compreensão!

Tivemos ensejo de efetuar observações; contudo, apesar de prematuramente, acreditamos que uma extraía a força da outra. Assim, uma parecia dominar, controlando a irmã como a um robô, outras vezes era a outra, mas sempre mediante rápidos sinais feitos com os olhos. Enquanto juntas, tal circuito não podia ser interrompido; portanto, com base na antiga experiência em casos semelhantes, ou seja, de duplas inconvenientes de alunos, a única maneira que havia de conseguir-se algum resultado pretendido – pensavam eles todos – seria separá-las.

Recordamos ... Éramos assim: um par idêntico. Professores e colegas gostavam de ver a nós duas em plena e ativa participação de festividades escolares. Desnecessário dizer que as coreografias ficavam por nossa conta. A verdade reside em que, involuntariamente, por constituirmos um par idêntico, enquanto dançávamos, a sincronia dos passos e dos gestos causava nas pessoas digamos – certa vertigem. Eis que, segundo elas afirmavam, nós dávamos a nítida impressão de estar alguém, uma pessoa, dançando em frente a um espelho!...

Recordarmos... Separá-las não era a melhor alternativa. Na nossa tenra idade de 11 aninhos, também na escola, ambas havíamos criado uma situação problemática e constante. Explicação: nosso código silencioso – um misto de olhares e gestos, ao par de outro código, este falado e escrito mas monossilábico – eis que passávamos as aulas inteira nos “comunicando” dentro da classe! Certas feita, a Professora, seriamente contrariada, nos mandou direto para a Diretoria!

Foi assim que nos identificamos com as gêmeas, e nos atraiu o desejo de pesquisar suas vidas. Só nós, gêmeas, sabíamos por que agiam de uma maneira tão estranha! Ambas queriam sobressair, eram inteligentes, perturbadas, pelo amor e pelo ódio que nutriam uma pela outra: “o joio e o trigo”.

Estão querendo nos separar! – deduzimos, quase a chorar. Vão nos colocar em salas diferentes!... Felizmente, o Diretor, competente e compreensivo, conjurou com segurança a ameaça:

Olhos negros qual faíscas, cabelos cor de mel que

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Ani e Iná não podem se separar!... São almas que devem caminhar juntas. Tentar separá-las é esforço nulo. Os laços supranormais que existem entre ambas não podem ser desfeitos...

Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

José Humberto Henriques Cadeira número 26 - Uberaba

univitelinos, impunha que deveríamos fazer alguma coisa. Recordamos... Era inevitável – mesmo gêmeas afins – que, com o correr do tempo, a múltipla relação intensa entre nós duas começasse a nos pesar e se desgastar, como que sugando forças uma da outra a nos pondo inquietas. Vez por outra, tínhamos a impressão de que vivíamos um círculo vicioso que precisava ser rompido.

Voltando à realidade ali circunstante e movida de intenção cooperadora, experimentamos efetuar a separação das enigmáticas gêmeas. Os pais e professores achavam a melhor solução, mas nós, que já havíamos passado por situação semelhante, sabíamos que esta seria a pior solução. “ Meninas, terão que aceitar essa separação...Será temporária!”

Mais ou menos com 15 anos, sentimos, de maneira unânime, a necessidade de nos separarmos provisoriamente. Por um semestre, enfrentamos essa separação. Foi, porém, inútil, além de infrutífera: ambas fracassamos nos estudos, perdemos peso, nosso aspecto era de tristeza, vivíamos caladas e sem conseguirmos nos integrar com os colegas na escola.

As gêmeas permaneceram imóveis. Em seguida, começaram a se movimentar devagar. Ambas lançaram um olhar de desespero uma para outra. Ainda ali sentadas, os músculos das mãos delas se enrijeceram. Os corpos das duas começaram a se arquear e se retesar. Olhos fixos uma na outra. Sentimos algo de maléfico na postura delas; pareciam dois gatos acuados, prontos para darem o feroz bote felino!

Era isto: nossos vínculos se revelaram fortes demais! Não era o momento propício de nos separarmos. Só o amadurecimento haveria de resolver o problema.

Nisto, porém, ficou nossa tentativa de ajudar. Nada mais.

Assim refletindo em retrospectiva, concluímos por nos identificarmos com o silêncio das gêmeas...

Como esquecermos aquelas gêmeas que tanto nos intrigaram?... Elas precisavam de ajuda! Nosso exigente sentimento de solidariedade, aliado a valiosas noções e recursos psicológicos de experientes pesquisas sobre gêmeos

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O TEMPO E O AVESSO DA ILUSÃO

H

os antigos cariocas elegantes. Sempre dentro do determinismo de uma vida com estabilidade e individualismo. Se queria ganhar, queria ganhar sim, mas num jogo grande e que o dispusesse como cidadão falado entre Laranjeiras e até além de Jacarepaguá. Seus olhos, nas tardes de sol do mês de abril, viravam as coisas do avesso. Estava se tornando um homem mais melancólico do que poderia adivinhar seus dias em que fora funcionário público em sítio de Marechal Hermes. Se bem pensasse, nem poderia ser diferente. Tinha escolhido a profissão alegórica de ser celibatário pelo resto de seus dias, isso quando ia aos trinta anos de idade e tivera uma desavença amorosa com Etelvina Dias dos Passos, como sempre ficava o nome completo em sua cabeça e sua alma depurada. Nunca deveria se casar. Jamais. Julgava que os amores somente se complementam uma vez na vida, que são únicos e que não mais devem se repetir segundo a lógica dessa unicidade. Se Etelvina Dias dos Passos fora a eleita e acabou por cuspir no prato que comeu, não seria ele a se trair por pouca coisa. O amor, sendo assim, único e determinado, não pode ser substituído por qualquer outra eventualidade feminina. Era a sua forma de pensar e não seria uma aventura absurda que o demoveria de um pensamento assim sublime e quase ortodoxo. Depois que tomava a sua cerveja em bar do Nadir, passava numa mercearia que vendia de maneira antiquada para aqueles dias de século novo e informática, apanhava as coisas menores que eram de sua rotina mantida. Pão, leite e alguma regalia que poderia distinguir seus momentos enquanto assista a um filme na televisão. Televisão em vida dos anciãos sempre atinge um pormenor de sensibilidade. Uma coisa freudiana. Da mesma maneira que os jogos de carta são desvios da sexualidade, ele dizia a si mesmo, a televisão é um desvio dos jogos de carta porque nem mesmo parceiros do mesmo sexo podem congratular com o pressuposto. Horácio Placidino do Amaral chegava em casa, atravessava o pequeno corredor que o levava à sala – casa pequena, adquirida na década de sessenta, quando os tempos eram mais favoráveis aos que queriam um lugar digno para habitar -, ia diretamente à cozinha, punha a água a ferver e pensava em preparar um café forte – daqueles de tirar pica-pau do oco -, embora fosse proibido de beber coisas assim reimosas pelo seu médico que dizia que solteirões sempre têm a próstata arruinada, malgrado a quantidade de bronhas a que se

orácio Placidino do Amaral ateve-se a vida inteira a um sonho que lhe especulasse para riqueza. Homem sucinto, tinha na acordeona o único resquício real de ousadia que se merece a um homem da sua idade. Tinha sessenta e nove anos de vida, aposentado por justa causa e serviços prestados de maneira honesta e garrida. Sem contar da acordeona, coisa que mais o fascinava era o jogo em loteria, dessas grandes que prometem o prêmio que vai desatolar o sujeito do barro. Bamburrei! Tinha as noites que sonhava, via-se no espectro daquele mundão de dinheiro verde que foi sugerido aos olhos dos que cobiçam depois dos dias de ouro dos anos sessenta. Horácio Placidino do Amaral podia se dar a tais encargos de tempo. Tinha vivido as regras da Revolução de 64. Tinha escutado sobre a morte de Getúlio. Tinha votado em Juscelino para presidente e tinha espiado toda a lambança política que fizera palco no país, doravante e sempre até os dias de hoje. Então, fizera história. Solteirão por acato a princípios de sua própria austeridade, mantinha uma vida quase ortodoxa. Quebravam-lhe os termos e os dias somente os acordes da sanfona. Não era perito no instrumento, nunca o fora, porém, satisfazia-se com os toques endurecidos que lhe permitiam os dedos. Com sessenta e nove anos na cacunda, qualquer homem adquire sestros que devem ser respeitados. Dias comuns, como agia, entrava em boteco do Nadir, fazia a sua fé no jogo do bicho, somente para que sua astúcia como eterno jogador não passasse em branco. Umas suas manias que vinham desde os dias mais antigos, quando aprendera que esse tipo de vício sempre contribui para uma certa decadência de pensamento. Todavia, era uma alegria desmesurada quando dizia que o burro deu na cabeça e não se fala mais no assunto. E que tinha sonhado com Maria Aparecida de Andrade, portanto, sujeito demais à borboleta e outros adendos. Rotina. Em bar do Nadir. Sentava-se ali para apreciar as criaturas que passavam, como naqueles dias em que o Rio de Janeiro era um lugar com a consideração de um mundo pacífico. A velha sanfona amenizava alguma coisa antiga de suas dores. Um homem como sessenta e nove na cacunda há de saber os teores e regalias de suas conquistas. Entretanto, não era esse jogo minguado do bicho que o poria a par de um sonho maior. Eram as faces das grandes loterias, como a federal e a estadual. E nem essas outras loterias alternativas. Gostava de agir de maneira clássica, como faziam

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

permitem quando são do ramo da solidão facilitada. Abria o pão fresco em duas fatias e enchia aquilo com a manteiga da geladeira, enchia um copo de leite e ajeitava os óculos de fundo de garrafa sobre o nariz. Comia e bebia até que o mundo lhe parecesse suficiente. Depois, ia ao televisor que estava sobre a cômoda no quarto de dormir e via o que a vida tinha para mostrar. Aquilo sim era vida que se preze. Não tinha que dar satisfações a quem quer que seja. Estava tudo dentro do espírito normativo de uma vida que ele chamava de descomplicada. Quando percebia que era a hora certa de fazê-lo – ali para a casa vizinha tinha se mudado uma rapariga de boa tonalidade, alourada e com cara de carente, muito jovem para seus beiços, porém, nunca impossível para seus desígnios -, tocava a acordeona e sonhava com os dias em que jogava na cobra e nunca ganhou nada além da devolução de seus bilhetes pagos com o suor sumário dos sonhos. Depois de jogar na loteria por sessenta anos, Horácio Placidino do Amaral descobriu que os sonhos são sempre um trauma inverso para quem quer fazer a sua fortuna diante dos prêmios da loteria federal. Nenhum daqueles mamíferos mamava nos mesmos frascos de leite que dele eram o manancial quando chegava em casa e assuntava os ares do mundo. Sonhara quinhentas vezes com a cobra e jogara nela, e qual fora o resultado? Peru, Vaca, Urso. Esses bichos que não têm nada a ver com uma coisa que rasteja e que avisa que há nada neles que sofram de premiação. Ia-se por água abaixo a cobra e seus rituais acabavam por se mostrar pequerruchos. Numa daquelas noites, depois que completara setenta e nove anos de vida e que os sinais de vitalidade estavam indo por água abaixo, Horácio Placidino do Amaral teve um sonho muito

esquisito. O sonho começou com a figura Etelvina Dias dos Passos e deslanchou para uma picada de perdições. Não dava para entender. A face dela, de repente disse palavras quaisquer e depois sorriu. Como se fora um corte de gravação em cinema ligeiro, num momento seguinte, surgiu uma vaquinha amarela dentro do sonho, a vaca era perseguida por muitos galgos e ele era um dos caçadores. Se não era – não tinha certeza disso -, era um assistente da peleja. Acordou sobressaltado e tirou umas remelas dos cantos dos olhos. Tinha setenta e nove anos de idade e quase nada para comemorar. Enfastiara-se da acordeona. Pela manhã, meio sonâmbulo foi ao bar do Nadir e pediu uma cerveja, apesar da hora muito atrevida, muito cedo. Veio de lá o Tiãozinho Cambista e estendeu diante de seu nariz aquela resma grande de cores de bilhete de loteria. Tu tens o veado aí? Perguntou, um tremor nas mãos que aparecera no último ano. Se a vaca que corria diante dos galgos não pudera ser apanhada, aquilo não era vaca, era veado. Horácio meteu a mão na algibeira e sacou o dinheiro para comprar o bilhete inteiro. Voltou para casa com aquele maço nas mãos. Tomado de uma grandeza de sentidos, escutava o rádio comum às cinco da tarde quando percebeu que a mão direita não mais lhe obedecia. Vomitou enquanto escutava que o primeiro prêmio saía para o veado, exatos números de suas oníricas interpretações. Com o bilhete vomitado nas mãos, quedou-se sentado e a olhar a desnecessidade que há em um homem em querer refazer o tempo que não pode definir uma coisa absurda, como a diferença entre uma vaca e um veado que galopam nas planícies de toda ilusão palpável.

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Ubirajara Franco Cadeira número 25 - Uberaba

EM DEFESA DO CASAMENTO

D

iscutia-se, descontraída e alegremente, numa rodinha de universitários, a respeito da vida conjugal.

humano! É no amor, com efeito, em suas mais variadas acepções, em que se estriba toda a temática do matrimônio, em torno do qual, filósofos, sociólogos e juristas tecem os mais variados conceitos.

No calor da discussão, que nem sempre profliga as trevas, o casamento era malhado e antevia-se-lhe futuro incerto. A bem da verdade, para ele não havia mesmo futuro. Todos, ou pelo menos quase todos, eram acordes em firmar que o casamento é uma instituição fadada a desaparecer na noite dos tempos e que, na verdade, atualmente, não passa mesmo de mero contrato social, quando dois parceiros de sexos opostos, ocultando seus recônditos propósitos, buscam, sob a sua camuflagem, interesses outros.

É esta pequena centelha chamada amor que unindo duas pessoas do sexo oposto, posteriormente resplandece, qual cálido farol no seio da família unida, a guiar-lhe os destinos nos tortuosos caminho da vida... É, certamente, essa centelha divina que, brilhando suavemente, vem despertar o instinto da perpetuação da espécie, amalgamado nos recônditos do inconsciente do ser humano.

Essa assertiva recebeu calorosos aplausos, os quais foram logo substituídos por risos, quando alguém disse que o contrato não rezava a sua parte obscena. Evocou outro a espirituosa apreciação de Schopenhauer ao dizer que “em nosso hemisfério monógamo, casar é perder metade de seus direitos e duplicar seus deveres”.

É através do casamento que o homem realiza a sua inata e natural vontade de completar-se, pois, por mais forte que seja, muita vez sente-se inseguro e fraco, sem a fragilidade de uma mulher. Esta, por sua vez, busca no companheiro o afeto e a proteção de que tanto carece.

Eu estava matutando a um canto e pensei que todos nós, inclusive aqueles universitários, nascemos, com certeza, da união de duas pessoas que se casaram. Pensei que o mundo não pode estar em tanta derrocada, a ponto de reduzir a um simples contrato tão bela instituição, cuja eficácia jurídica está condicionada às normas legais que a regem.

Esse estado de coisas, perdoem-me, preclaros universitários, jamais seria possível estipular-se na frieza de simples contrato. Se hoje a eficácia do casamento está em xeque, é porque estão também em xeque os verdadeiros valores sociais.

Se o contrato é um acordo de vontades, criador de obrigações e pode ser celebrado entre duas pessoas, o casamento requer a intervenção do poder público, representado nas pessoas do Escrivão e do Juiz de Casamentos, somente podendo distratar-se em casos previstos na lei, o que não ocorre nos contratos, que são distratáveis por natureza.

Aí está o ponto de vista deste humilde cronista, que acredita que o casamento não é somente mera instituição, mas A INSTITUIÇÃO que gera a célula mater da sociedade que é a família, e nunca deverá ser menosprezado ou mesmo confundido ou reduzido à condição de contrato, mesmo porque, neste, os contraentes, devedor e credor, obrigam-se, em caráter transitório, a uma prestação de valor pecuniário.

Acima de tudo, o casamento, ao contrário dos contratos, não gera obrigações, mas sim direitos e deveres, mesmo porque o AMOR, viga mestra em que se apóia, a ninguém obriga, eis que é sentimento espontâneo, que emana livremente do ser

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Enquanto no casamento, nada mais se dá do que a si mesmo!

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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Antônio Pereira da Silva Cadeira número 8 - Uberlândia

Antônio Pereira da Silva Cadeira número 8 - Uberlândia

O JOGO DE CINTURA DE DOM EDUARDO

A VOLTA DO BOÊMIO as... Depois de velho?...

E

m 1857, Allan Kardek publicou o primeiro livro da codificação da Doutrina Espírita. No Brasil, o primeiro grupo de estudos da nova religião formou-se na Bahia, em 1865.

Espiritismo. José Joaquim era um homem muito liberal. A grande maioria dos casamentos feitos em sua zona, eram realizados em sua casa. Pessoa que tratava bem a todos que o procuravam.

Por essa época, formava-se em Uberabinha uma das primeiras famílias espíritas da cidade, os Oliveira Pinto. Uma filha de Antônio Maximiano Ferreira Pinto, Amélia Cândida de Paiva Pinto, casou-se com Cirilo Antônio de Oliveira cujos filhos dedicaram-se à nova religião.

O padre Theóphilo levou o fato ao conhecimento de Dom Eduardo Duarte da Silva, que foi o primeiro Bispo da Diocese de Uberaba. Na primeira oportunidade que teve, numa festa religiosa de roça, o padre levou consigo o bispo para hospedar-se na casa do espírita José Joaquim. Para o seu desencanto, em cima da escrivaninha do coronel estavam apenas jornais, uma Bíblia e revistas católicas. O bispo olhou, tocou nas publicações e comentou:

O espiritismo chegou à cidade pelas beiradas. Fazendeiros e sitiantes foram os pioneiros. Logo em seguida, começaram a surgir praticantes na cidade e, como nela é mais intenso o convívio, logo surgiram os primeiros centros. O primeiro, do qual nada restou, chamou-se Grupo Espírita Luz e Amor, foi fundado em 1907.

- Parabéns! Aqui se fazem boas leituras! E o coronel, lisonjeado: - Somos religiosos, senhor Bispo.

O segundo foi criado poucos anos depois. O tradicional Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade instalou-se oficialmente no dia 13 de setembro de 1913, mas o nome só foi confirmado em 1917, ou 19. Não há muita exatidão para esse fato.

Insatisfeito, o padre provocou o prelado: - Dizem os espíritas que os espíritos das pessoas que morrem voltam para consolar e aconselhar os que ficaram. Dom Eduardo tinha a mesma tolerância, delicadeza, respeito e jogo de cintura que eram as características marcantes, muito conhecidas, em nosso querido e saudoso Dom Almir Marques Ferreira. Ademais, era um momento festivo, a casa e o terreiro estavam cheios de visitantes. Dom Eduardo apenas confirmou o que disse o padre:

Um dos primeiros espíritas da zona rural uberabinhense foi o fazendeiro José Joaquim da Silva, cujos filhos foram muito dedicados. José Joaquim ia muito à fazenda de Antônio Alexandre, pai do estradeiro Fernando Vilela – outra família dedicada tradicionalmente ao espiritismo. Antônio Alexandre era estudioso da doutrina e indicava livros para o seu amigo.

- Os espíritos voltam, dão bons conselhos e confortam os familiares. Já existem bons livros a respeito. Os de Camille Flamarion, por exemplo, são obras excelentes.

No Sítio dos Poções, que era a sede da fazenda do José Joaquim, os padres, que realizavam casamentos na região, costumavam se hospedar. José Joaquim era pessoa de fartos bens e podia abrigar razoavelmente quem recebesse. Até bispos pousaram em sua fazenda.

O padre Theóphilo ficou meio desenxabido, mas o coronel exultou interiormente.

Lá um dia, o padre Theóphilo hospedou-se em sua residência e, entre surpreso e assustado, viu, sobre a escrivaninha do seu hospedeiro o livro O Evangelho Segundo o

E a festa continuou como se nenhum incidente desagradável tivesse perpassado por ela.

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destacava do barulho comum, parecia-lhe a explicação de um acidente. Estremecia, o coração pulsava-lhe à flor do peito. Os dedos engelhados cruzavam-se, as mãos postas pedindo a Deus, a santos, a almas poderosas.

Almerinda não entendia seu Joãozinho. De uns tempos para cá, só chegava à casa de madrugada, bêbado, conversando demais, alegre (ainda bem), todo sorrisos, querendo beijar a velha que se esquivava e reprovava:

Naquelas horas passadas da meia-noite, ela vivia a expectativa da desgraça. O tempo se arrastando. Velho desmiolado. Ficando besta às vésperas da morte - irritava-se de tanto sofrer aquele rápido momento em que o danado tinha que atravessar a avenida.

- Deixa de ser sem vergonha, Joãozinho. Onde é que você esteve? Fazendo o quê? - Ora, minha velha...

Por tanta reza, até parece que, no momento exato de seu Joãozinho atravessar a avenida, o trânsito diminuía. Ela pressentia e conversava consigo mesmo: “agora, ele vai chegar”.

Abraçava-a envolvendo-a no bafo alcoólico. Se lhe desse um empurrão, derrubava-o. Acabavam indo dormir, ele, entregando-se logo ao sono, ela, aborrecida com aquela extravagância do velho, mas não demorava muito acordada. Afinal, o seu sossego era quando seu Joãozinho chegava.

Sempre a mesma cena. Seu Joãozinho bêbado, uma fala mole, líquida, alegre, achando graça em tudo, querendo abraçar a velha, beijar (e quando o fazia, molhava-a de baba), despreocupado de qualquer explicação.

Logo depois do jantar, ele saía. Dar uma volta. Ela ficava vendo novelas e o sono vinha com os filmes. Deitava-se, mas, como dormir? Seu Joãozinho já passava dos sessenta e cinco, o que ficava fazendo pelas ruas? E o pior: bebendo. Se os filhos morassem por perto, pediria que o corrigissem, mas moravam todos longe, em outras cidades. Pensava as piores coisas: podiam abusar dele, tomar-lhe coisas, relógio, dinheiro, bater nele, meu Deus! quantas coisas podiam fazer! As horas passando, o sono desaparecendo; a tevê aborrecia porque não conseguia prestar atenção e o som não lhe permitia apurar os ouvidos para escutar os passinhos curtos e arrastados do velho chegando. E quanto mais a noite se aprofundava, mais preocupada ficava. É que seu Joãozinho tinha que atravessar a avenida de saída da cidade cujo trânsito não esmorecia em momento algum. Eram ruídos nervosos de automóveis e graves de caminhões. Depois das onze, conseguia discernir ruído por ruído; seria capaz de contar os veículos que passavam, ainda que fossem dois ou três juntos.

– Ora, minha velha... – Mas, onde, Joãozinho, por quê, Joãozinho? A gente fica num desespero... Tomava um café, se tinha. Jogava-se na cama, a cara iluminada, Almerinda aborrecida, mas sossegada da aflição. O dia seguinte era comum. Ela nunca falava da véspera cuidava da casa sem muita pressa, varria, cozinhava; ele ajeitava a hortazinha dos fundos, limpava o pequeno jardim da frente, cuidava de umas poucas galinhas, alisava o pelo do gato no sofá. Quando ela começava a varrer o alpendre, ele se sentava no degrau do jardim e ficava olhando as folhas que tremelicavam ao vento. Almerinda encostava-se no portão, vassoura descansando na parede. Ficavam longo tempo sem trocar palavra, quem sabe, ruminando coisas idas. Uma folha que caía despertava-os. Joãozinho despregava os olhos, Almerinda voltava à vassoura com um suspiro sem dor, nostálgico apenas.

Quanto mais tarde ficava, mais o perigo assombrava a velha porque o barulho aumentava. Depois da meia noite começava a cochichar rezas e a pedir a Deus que nada acontecesse. Só um bom anjo da guarda poderia guiar um velho bêbado atravessando aquela avenida. Cada ronco que se

Outras vezes, seu Joãozinho ficava rodeando a velha, principalmente quando ela estava na cozinha, conversando coisas sem importância. Um mandorová na horta, um

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

passarinho fazendo ninho na roseira, uma galinha que falhou na postura, o carteiro que deixou uma carta na casa da frente, uma dorzinha que sentiu em cima da boca do estômago, tomou um copo d'água e passou, o calo que anunciava mudanças climáticas. Almerinda resmungava respostas.

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Lídia Prata Ciabotti Cadeira número 7 - Uberaba

arrumadinhas cada uma no seu lugar. Depois do jantar havia um pequeno momento de tensão. Almerinda olhando enviesado para seu Joãozinho na expectativa do infalível. De repente, ele pegava o chapeuzinho, batia na palma da mão e olhava para Almerinda um olhar que subia se explicando, pedindo compreensão.

Depois do almoço, seu Joãozinho cochilava no sofá durante as notícias catastróficas da televisão. Almerinda fazia um tricô sem fim.

– Vou dar uma voltinha.

À tarde, a casa era fresquinha. Os velhos, dois bibelôs no sofá. A tevê parecia a única coisa dinâmica - o resto todo coisas

DISCURSO DE POSSE

Almerinda ia para a sala. Começava a novela das sete.

enhoras e senhores.

almoçar e jantar em casa, com a família. Todas as noites, antes se deitar, queria ouvir da filha as “notícias” do dia. O cotidiano na escola, as brincadeiras de criança, nada escapava à sua verve literária e à sua responsabilidade como pai.

Recebi com indisfarçável surpresa o convite da nossa querida presidente Terezinha Hueb de Menezes para integrar a Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

Foi um sujeito sensacional!

“Dona Terezinha, fico muito honrada com o convite. Mas não sou romancista, nem poeta. Sou jornalista, no máximo cronista do cotidiano. Nunca escrevi um livro.” – Tentei explicar a ela as razões pelas quais não poderia almejar uma cadeira na Academia ao lado de expoentes da cultura brasileira.

A Edson Prata dedico o “sim” à Academia de Letras do Triângulo Mineiro, que procurarei honrar sempre, ainda que limitada pela ausência de predicados pessoais para integrar seu seleto quadro de escritores. Senhoras e senhores,

Disse do meu constrangimento em suceder Eva Reis, exímia trovadora, e o insubstituível juiz Ari Rocha, seu primeiro ocupante.

Chego à Academia de Letras num momento de profundas transformações em sociedade. Estamos hoje no limiar de uma mudança nas comunicações humanas infinitamente mais poderosa que nossa inocente iniciação nas imagens eletrônicas de 1927, talvez mais significativa do que todas as transformações ocorridas no campo das informações desde a prensa de Gutemberg, ou da invenção do telégrafo, ou mesmo das grandes navegações e da revolução industrial. Não há precedente, exceto a energia elétrica, para a revolução digital que testemunhamos atualmente.

Dona Terezinha, pacientemente, ouviu todas as justificativas, deixando para o final o seu trunfo: “Seu pai ficaria tão feliz ao vê-la na Academia! Vou até consultar o Dr. Guido para saber se podemos fazer uma troca de cadeiras, para você ficar com 27, que pertenceu do Dr. Edson.” Nada mais me restava, senão perguntar a data da eleição!

Vivemos a era do “E”. O e-commerce, e-mail, e-ticket, ebook e outros “ES” que dominam nosso cotidiano, alterando definitivamente as relações interpessoais ao redor do planeta. Smartphones, tablets, blogs, redes sociais, conectividade invadem nosso vocabulário, tornando obrigatório o domínio da informática por todos aqueles que não quiserem para si o rótulo de analfabeto digital.

Assumir a cadeira nº 7 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro representa, para mim, a oportunidade de prestar uma homenagem à memória de Edson Prata, de quem tive o privilégio de ser filha. Embora tenhamos convivido por pouco mais de três décadas, posso assegurar que se tratava de um ser humano singular. Suas ideias e ideais estavam muito à frente do seu tempo, seus propósitos eram verdadeiros, suas lições, inesquecíveis. Sua insuperável habilidade com as palavras, raciocínio certeiro, facilidade de comunicação, a incontida generosidade e afeto o tornaram único e admirável. Desde as 4 da manhã já estava lá no seu escritório, trabalhando. Fatos corriqueiros se transformavam em “contos miúdos” deliciosos. Dedicado e estudioso, produziu trabalhos jurídicos primorosos, que o guindaram à plêiade de processualistas de maior relevância para o Direito brasileiro em todos os tempos. Professor, advogado, jornalista: Edson Prata era um homem plural. E, mesmo diante de tantas atividades, jamais deixou de

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Em Barcelona, esta semana, a principal feira de telecomunicações e internet móvel de 2011 mostrou novidades impensáveis, como o celular capaz de reconhecer pessoas em meio à multidão e conectá-las ao Facebook. Sim, isso será possível daqui a pouco, no mundo inteiro. Por um lado, a linguagem dos microcomputadores, dos chips, dos bytes, direciona a nova revolução das comunicações, tornando a informação cada vez mais acessível, abundante, variada e célere, a ponto de num curto espaço de tempo tornarse impossível ao cidadão comum distinguir entre o que é ser ou estar bem informado.

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

No mundo virtual da web, a notícia ganha a velocidade do fato, interligando verdadeiramente os povos, sobretudo a partir das redes sociais, que disponibilizam informações on time, como se viu na queda do ditador egípcio Hosni Mubarak, recentemente.

Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Pedro Lima Cadeira número 14 – Uberaba

em tablets? Ou talvez pen drives? Talvez no futuro sejamos forçados a usar o porão de nossas casas para formar uma espécie de biblioteca de computadores para podermos consultar trabalhos ou livros antigos, como fez aquele cineasta belga. Ou organizar estantes com pen drives catalogadas em ordem alfabética...

Por outro lado, a geração nascida da tecnologia certamente não terá o mesmo prazer que nós ainda hoje temos ao passar página por página um Guimarães Rosa, um Graciliano Ramos, nem saberá usar todos os sentidos para apreciar as poesias de Drummond impressas em alvas folhas de papel.

Se as sociedades do passado tinham de resolver os efeitos radicais do telégrafo, da imprensa, da televisão e do rádio, os quais subvertiam o sistema nervoso do poder, é certo que as futuras gerações dos microcomputadores, dos tablets, dos ipads terão de aprender a conjugar informação e ética, de modo a preservar os verdadeiros valores morais. Esse desafio de manter viva a essência das virtudes individuais dos cidadãos haverá de ser enfrentado e vencido.

Não tardará para que seja instalada definitivamente a era dos livros virtuais, da leitura na tela do computador. As transformações na sociedade vão se atropelando na mesma velocidade com que a internet invade nossas vidas. Estar conectado é obrigatório!

O futuro é imprevisível. O presente entrou numa metamorfose contínua. O passado, que deveria oferecer uma base de referência e reconforto, furta-se – já disse Umberto Eco.

Como já disse Umberto Eco, na sua obra “Não contem com o fim do livro”, a velocidade com que a tecnologia se renova impõe-nos um ritmo insustentável de reorganização contínua de nossos hábitos mentais. A cada dois anos será preciso mudar de computador, uma vez que é precisamente dessa forma que são concebidos esses aparelhos: para se tornarem obsoletos após um certo prazo, consertá-los custando mais caro que substitui-los. E cada nova tecnologia implica a aquisição de um novo sistema de reflexos, o qual nos exige novos esforços, e isso num prazo cada vez mais curto. Foi preciso quase um século para que as galinhas aprendessem a não atravessar a rua. A espécie terminou por se adaptar às novas condições de circulação. Mas nós não dispomos desse tempo.”

Se não podemos antever o futuro, pelo menos podemos lutar para que a era digital não destrua o prazer da leitura e, por outro lado, possa tornar mais acessíveis as obras literárias de qualidade, estabelecendo regras claras de respeito aos autores e aos seus direitos. É certo que o livro é uma espécie de roda do saber e do imaginário, que as temidas revoluções tecnológicas não conseguirão deter. Por isso, não contem com o fim do livro. Umberto Eco pode ter razão. Talvez mude apenas a forma de sua apresentação. Afinal, Gutemberg revolucionou a comunicação ao instituir papel e tinta, decretando o fim do papiro. Mas as ideias sobreviverão, como sobreviveram a Divina Comédia, a Odisséia, a Ilíada.

Aliás, tão avassalador quanto o império digital que hoje se observa é a constatação de que nossos jovens passaram a se comunicar através de uma linguagem própria, cifrada, diminuta, quase incompreensível. Tão preocupante quanto a nova “ética” que a internet nos impõe é pensar que, num futuro não muito distante, também teremos de aprender a nos comunicar através dessa inusitada linguagem.

Assim seja. Finalizando, agradeço à Professora Terezinha Hueb de Menezes, pela oportunidade desta homenagem que, somente algum tempo depois de ter recebido aquele convite eu pude entender e assimilar como mais um gesto de sincera amizade de sua parte. Foi, sem dúvida, mais uma lição desta grande mestra!

Resta-nos indagar, diante de tantas e tão profundas transformações, o que o futuro reservará às obras de Machado de Assis, Jorge Amado, Raquel de Queiroz e tantos outros escritores geniais, cuja leitura é indispensável à formação cultural de todos nós, brasileiros. Estarão suas obras abrigadas

AS BOLSAS

C

omo são generosos os nossos políticos. Para se elegerem com bolsas de todo tipo, que se transformam em voto, que é igual à eleição ganha e que é igual a poder. Daí pode-se tudo, até cortar o que tinha dentro das bolsas. E olhem bem meu caro leitor, que tem bolsa para todos os gostos, ou melhor, pra todas as necessidades.

Se ambos fossem vivos, tenho certeza que fariam esta com outra letra assim:

Se ganho bolsa família e bolsa escola, pra que trabaiá.

É bolsa casa, é bolsa escola, é bolsa remédios, é bolsa alimentação e etc.

São tantas bolsas que vai até me acostumá...

Na década de 1940, num incentivo que chamamos hoje de agricultura familiar, foi criado as feiras nas cidades menores, coisas que não tinham nos grandes centros. Numa alusão a este grande movimento comercial do momento, os poetas e músicos, Olegário Mariano e Joubert de Carvalho que, diga-se de passagem, nosso conterrâneo, com muito orgulho, lançaram um “Cateretê” intitulado “De papo pro á”, que foi um dos grandes sucessos e é até hoje. Na letra dizia:

Isto não quer dizer que eu particularmente, seja contra aos que realmente precisam de ajuda, longe disso. É um dever não só dos governos, como de todos nós, ajudarmos nossos irmãos nas horas difíceis. Só que nestes momentos tem muitos aproveitadores que não precisam, tirando da boca dos que realmente necessitam. Mais doutô, uma esmola a um homem que é são

Se compro na feira

ou lhe mata de vergonha

feijão, rapadura

ou vicia o cidadão.

pra que trabaiá...

(Zédantas)

Muito obrigada!

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Pedro Lima Cadeira número 14 – Uberaba

Marcos Bilharinho 20 /05 / 09 - Uberaba

LITERATURA DE CORDEL

Q

uando começamos a falar sobre literatura, que seja grega, romana, portuguesa, etc e etc, a grande razão destes fatos e que a sociedade iletrada sempre tiveram como único recurso, à memória. Daí a tendência de ordenar toda espécie de mensagem e manifestação em forma poética.

Literatura de Cordel. A Literatura de Cordel, que veio com os portugueses, principalmente no nordeste em forma de folhetos. E o que chama mais atenção, é que ela nasce do povo simples do meio dos engenhos de açúcar, homens que muitos nunca tiveram a oportunidade de frequentar uma escola. Mas que já nasceram com a alma do poeta, onde cantando sua poesia, descreve as coisas do seu sertão.

Em toda etnia, desde o começo da civilização, sempre tiveram uma forma de divisão: dominados e dominadores, elite e povo, mas todos com uma visão diferente da mesma coisa que os meios de comunicação. E uma sem dúvida é a poesia popular e a prosa.

Pra gente aqui ser poeta e fazer rima completa,

Só que a prosa teve início nas tropes, nos circo, e nos teatros populares no meio das ruas. Isto é, nas tribos e arredores das cidades. A prosa é composta de cantos e lendas e podia ser declamada, contada e ritmada.

não precisa de professor: basta vê no mês de maio, um poema em cada gaio

Já a poesia, ela pode ser fixa e móvel. A fixa é constituída por poema em forma de versos, que é decorada e passada adiante. Um exemplo: o “Parabéns pra você”. A móvel são os repentes que saem da boca do poeta repentista, e chamamos de

e um verso em cada flor. (Patativa do Assaré)

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MEDO

E

ncontrava-me preso ao leito apesar da vontade intensa de levantar. Porém, a cautela e o temor me mantinham a ele grudado. Protegido pelo cobertor, apenas o rosto emergia verificando com os olhos se haveria novo deslocamento. A face permanecia imóvel e congelada enquanto o cenário era mantido estático. Qualquer sinal de movimento fazia o gelo correr pelo corpo invadindo nervos, músculos e ossos que imploravam pelo termino do dilema. Levanto e o resolvo ou ele se soluciona por si? E não ocorria uma coisa nem outra, mantendo-se o mesmo ambiente. A impressão momentânea da mudança gerava o arrepio geral do sistema aumentando o fluxo de sangue que percorria as cavidades mais densas até se espalhar pelas extremidades e vias mais capilares. Um barulho qualquer desviava a visão para a direção do ruído, que se voltava num átimo para verificar se o som alterou a posição. Mas nada ocorria e o tempo passava passivo e os olhos permaneciam abertos. O vento gelado soprava no escuro da noite vazia. A vigília não cessava por nada e a noite corria em claro levando a preocupação ao extremo com a

indisposição que haveria no dia seguinte. Só que o temor, o medo e o asco suplantavam o receio das consequências a serem geradas no dia por vir que ainda levaria algumas horas para nascer. Estático ficava e assim também me deixava, mirandonos um ao outro como dois pistoleiros em duelo, cientes do desfecho inglório para um dos combatentes. E assim permanecemos pelo tempo que teimava em não fluir e que lentamente era medido pela pulsação ininterrupta das vias lotadas de um sangue grosso e agitado que, entretanto, não tangia o corpo, que se mantinha imóvel a não ser pelos poucos espasmos das órbitas oculares. A urina dilatava o volume do espaço pequeno de minha entranha, obrigando-me a segurar com a dor a saída de escala minúscula que o líquido insistente buscava romper. Então, num rompante, o cérebro agitado coordenou os movimentos para que o corpo obedecesse à mente e enfrentasse o desafio fazendo com que eu num surto de inesperada coragem e de forma veloz me erguesse da cama, pegasse um chinelo e esmagasse sem dó aquela barata nojenta.

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Marcos Bilharinho, Advogado, Escritor e Vice-Presidente do Conselho do Patrimônio Histórico de Uberaba 23/VII/04

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cinematográfica e musical.

O mesmo se deu com Alexandre Magno, rei da Macedônia, que o antecedeu, e que teve, nada mais nada menos como seu preceptor, o filosofo Aristóteles, o que dispensa tecer maiores considerações.

Mas, até por questão de espaço e conhecimento, restringimos a destacar a linguagem literária que, em certo aspecto, e, grosso modo, constitui-se em pré-requisito ao domínio das demais.

A LINGUAGEM E O SABER

N

ão é raro ouvirmos, vez ou outra, anunciarem o fim da literatura ou, aqueles menos catastróficos, dizerem ser o fim do romance, romance no sentido de peça de ficção de fôlego.

Se persistíssemos, a lista seria quase que interminável, o que demonstra a vitalidade do gênero que, ao revés do que se diz, vem se ampliando, tanto na quantidade quanto na qualidade.

Contudo, o que se assiste é justamente o contrário, pois a proliferação de livros de narrativa longa tem demonstrado expansão aritmética.

A exemplo da oferta de excelentes livros, acompanha tal fato o crescimento do número de leitores, ampliando, assim, o topo da pirâmide.

Para comprovar tal assertiva, basta se atentar para o verdadeiro boom editorial de romances escritos em língua inglesa que, tanto em razão do número de obras editadas quanto de qualidade estética e da ressonância global, vem, positivamente, inundando esse setor.

Entretanto, seria ilusão pensar que, pelo menos a curto e médio prazos, a alta literatura deixará de ser restrita a uma elite intelectual, o que não deve retirar os efeitos benéficos deste fenômeno. Talvez a maior barreira ao crescimento do acesso à cultura de alto nível, o que engloba a literatura no sentido geral, ou seja, contos, poemas, novelas, peças de teatro e o romance, é o excesso de entretenimento que, ao invés de informar e formar, desinforma e deforma a aquisição de cultura.

Tanto isso é verdade que podemos citar como exemplos o enorme número de autores norte-americanos que, mais que produção de uma hiper-potência global, atinge os lindes de verdadeira quantidade continental com o surgimento de autores como Don Delilo, Philip Roth, Cormac McCarthy, Toni Morrison, Thomas Pychon, Michael Cunnigham, John Updike, Jonathan Franzen, Jeffrey Eugenides e outros, relativos apenas à segunda metade do século XX, sendo todos eles estrelas de primeira grandeza na constelação literária.

É o oposto do que se deu na idade média, por exemplo, onde as elites dominantes, para terem o monopólio da cultura, só a veiculavam em latim, língua inacessível ao cidadão comum.

A historia é farta em nos fornecer outros nomes, tais como Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, Winston Churchill, Bismarck, etc.

Destaque-se, ainda, que a arte amplia os horizontes que o conhecimento técnico, strictu sensu, não alcança, o que o confirma o velho adágio que ensina que, muita das vezes, para solucionar determinado problema “mais vale a arte que a ciência”, sem que, contudo, uma exclua a outra, muito ao revés.

Um mais recente, e surpreendente, é o caso do expresidente Bill Clinton, que impressionou, num encontro ocorrido em Camp David, os já mencionados escritores Garcia Marques e Vargas Llosa, com seu enorme conhecimento literário.

A conjugação entre inteligência orgânica e conhecimento resulta em combinação explosiva, pois, como dizia Sartre: “o gênio não nasce, faz-se”, pois, enquanto a ignorância restringe, a cultura amplia a capacidade pessoal de qualquer um.

Em relação aos grandes líderes mundiais, a lista também seria interminável, mas o que se quer demonstrar é que o conhecimento (que só se potencializa com a leitura e com a capacidade intelectual), é verdadeira forma que se tem de domínio e libertação, isto é, muitos que o adquirem procuram monopolizá-lo para prevalecer-se sobre os demais de maneira sibilina, indireta e imperceptível.

Para se manter a ignorância das massas e a própria escravidão, era proibido ao servo de gleba aprender a ler e escrever, ocorrendo o mesmo com os escravos que, até mesmo nos Estados Unidos, antes da guerra de secessão, também não podiam se alfabetizar, já que, como se sabe, o acesso ao conhecimento é o primeiro passo para a libertação.

Por isso, o acesso à formação, que não se confunde com a mera informação fragmentária e descontextualizada, deve ser perseguido por todos e difundido por meio da educação de qualidade no mais alto grau da acepção da palavra.

Os grandes líderes mundiais, ao contrário do que se divulga, foram, preponderantemente, homens dotados de enorme sofisticação intelectual adquirida pela leitura, como o atesta Júlio César, a quem se atribui o domínio do conhecimento de praticamente todo o acervo cultural e literário produzido pelos gregos e romanos até a sua época. Não foi, pois, apenas atributos orgânicos que permitiram ao grande líder se tornar gênio ao mesmo tempo militar, político, administrativo e literário (neste caso ao escrever “De Bello Galico”), mas a enorme bagagem cultural que adquiriu.

Aliás, só a partir do conhecimento verdadeiro, é que se consegue entender e processar corretamente as informações, e, ao contrário do ocorrido na paradigmática idade das trevas, onde o saber era mantido no escuro, atualmente ele é ocultado de forma oposta por meio da ofuscação resultante dos produtos industriais de entretenimento.

O começo tímido dessa ruptura de deu com Dante (1265-1321) com a publicação da “A Divina Comédia” em italiano e a consequente ascensão das denominadas línguas vulgares que tornaram o conhecimento e a cultura um pouco mais acessíveis às pessoas comuns, podendo citar Geoffrey Chaucer (1340-1400), na língua inglesa, especialmente com “Os Contos de Canterbury”, séculos depois, Voltaire (1694-1778), com a publicação do “Dicionário Filosófico” em francês.

Em outros países de língua inglesa o fenômeno não é diferente, podendo-se mencionar nomes como Nadiner Gordimer e J.M. Coetzee (sul-africanos), Margaret Atwood (canadense), Martin Amis e Ian McEwan (ingleses), Peter Carey (australiano), V.S. Naipaul (indiano), etc. Na literatura hispânica ocorre o mesmo, com o surgimento de monstros sagrados como Juan Carlos Onetti (uruguaio), Gabriel Garcia Marquez (colombiano), Mario Vargas Llosa (peruano), Jorge Luís Borges e Julio Cortazar (argentinos), Roa Bastos (paraguaio), Miguel Angelo Astúrias (guatemalteco), Carlos Fuentes e Juan Rulfo (mexicanos), Cabrera Infante (cubano) e outros.

Outro fato que trouxe mudança qualitativa fundamental na disseminação do acesso ao saber, foi o surgimento da imprensa, que tornou fisicamente viável se editar livros em grande escala. Cabe fazer-se um parêntese para se destacar o papel da linguagem, que possibilitou ao homem, isto é, aos seus ancestrais remotos, a se destacarem e evoluírem de maneira logarítmica em relação aos outros animais. Ressalte-se que a linguagem não se restringe à escrita, já que esta é inerente a todas as demais formas de arte e de comunicação, que se desdobram na linguagem pictórica (pintura), corporal (dança),

A literatura portuguesa, se perde em número, se iguala na qualidade com autores da estatura de Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Mia Couto (moçambicano), Pepetela (angolano), Antônio Lobo Antunes e José Saramago (portugueses).

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Paulo Fernando Silveira Cadeira número 20 - Uberaba

A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA: SEUS INSTRUMENTOS PARA PREVENIR A DITADURA E A TIRANIA

A

fim de se evitar a ditadura e a tirania, o poder político – que antes residia uno, absoluto e intocável nas mãos do rei, imperador, tirano ou ditador – foi dividido de duas formas. Num corte horizontal, foram fixadas as competências legislativas e materiais, privativas ou concorrentes, da União, Estados-Membros e Municípios, com o surgimento do federalismo (CF-Arts.1º, 18, 21/25 e 30). Verticalmente, o fracionamento ocorreu entre os ramos legislativo, executivo e judiciário, gerando o princípio da separação dos poderes (CF-Art.2º). Assim, tendo sido o poder político duplamente dividido, impossibilitou-se a sua concentração nas mãos despóticas de um só homem ou nas de um só grupo de pessoas que estejam chefiando um ente político ou um ramo do governo.

modernos veículos de comunicação da mídia (rádio, televisão, internet etc.) e, notadamente, pelo meio exponencial de exercício da cidadania: o voto. Então, debaixo dessas doutrinas e visando dar efetividade plena a esses princípios constitucionais (democracia, federalismo e separação dos poderes), faz-se necessário que cada ente político ou ramo governamental lute para preservar sua competência constitucional. Não se pode permitir, impunemente, que o detentor de uma fatia de poder abocanhe parte atribuída a outro. O agredido, ao ficar inerte, está admitindo e dando legitimidade à intrusão, à invasão e à usurpação indevida e não permitida pela Carta Política. Com isso, o que está em jogo são a própria democracia e, por conseqüência, a liberdade individual.

Para completar o controle do poder político, de modo a não permitir que algum ramo do governo, ou mesmo que um ente político, sobreponha-se aos outros, aumentando, ilegitimamente, o seu limite de atuação e, com isso, pondo em risco a democracia, surgiu, ancilarmente, a doutrina dos freios e contrapesos (checks and balances). Por meio dela, cada detentor do poder exerce severa vigilância sobre os demais, a fim de preservar sua competência constitucional e evitar os indevidos avanços, os abusos e as intrusões, ficando claro que a Carta Magna outorgou ao judiciário o poder final de se pronunciar sobre a validade das leis (judicial review), podendo, consequentemente, anulá-las, sendo que as suas decisões finais só podem ser suplantadas por emendas constitucionais.

Já ensinava James Madison, no The Federalist Papers, nº 51, que a grande segurança contra a gradual concentração de muitos poderes no mesmo departamento consiste em dar àqueles que administram cada departamento os meios constitucionais e motivos pessoais para resistir aos avanços dos outros. (But the great security against a gradual concentration of the several powers in the same department, consist in giving to those who administer each department the necessary constitutional means and personal motives to resist encroachments of the others.) Nesse contexto, ao lado da separação dos poderes e a instituição da república, o federalismo constitui a pedra angular em que se assenta a democracia, porque reparte, e descentraliza, o poder de uma forma equilibrada entre a União e os Estados-Membros. Portanto, o Estado, para melhor preservar a liberdade de seus cidadãos contra o despotismo central do governo, deve ser organizado à luz do federalismo: União forte, balanceada com Estados-Membros também fortes. A doutrina esteia-se na convicção – comprovada pela história – de que a

Objetivando alcançar a democratização desse poder não eleito, instituiu-se o tribunal do júri, que, num verdadeiro governo do povo para o povo, deveria ser competente para todos os julgamentos criminais (exceto os sujeitos a transações penais) e os cíveis de maior vulto financeiro. Nenhum poder político, porém, fica acima da sociedade civil, que o controla principalmente pela imprensa livre, aí compreendidos os

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concentração do poder no governo central, principalmente numa grande república, com variados costumes e distintas necessidades locais, é extremamente perigosa para a liberdade individual e garantia dos direitos fundamentais. Ao lado da separação dos poderes e dos direitos individuais, o federalismo é claramente um dos três pilares da estrutura constitucional americana, ensina Andrzej Rapaczynski.

Constituição americana de 1787 que, fazendo renascer a república como forma de governo, inaugurou no mundo uma nova forma de federalismo, consistente num novo tipo de equilíbrio de poder nunca obtido em qualquer outro lugar, consistente na descentralização e repartição do poder entre os Entes que compõem a federação, cada um resguardando sua esfera própria e irrenunciável de atuação. Sugestiva, a propósito, a analogia empregada por Alexander Hamilton, referindo-se ao federalismo como a imagem dos planetas em volta do sol, retendo, cada um, todavia, seu separado status.

Alexis de Tocqueville observou, em sua famosa viagem pela América do Norte, que “o amor e a prática pelo governo republicano nasceu nas cidades e nas assembléias provinciais”.(It is indeed incontetable that in the United States the taste for and practice in republican government were born in townships and provincial assemblies). Uma das vantagens que viu no sistema federal americano – diferente do modelo unitário francês – é que “ em grandes nações centralizadas, ao legislador é permitido dar às leis um caráter uniforme, que não se adequa às diversidades de lugares e costumes; nunca tendo estudado casos particulares, ele pode apenas proceder por regras gerais; assim, os homens curvam-se aos objetivos das leis, pois a legislação não tem a habilidade de se adaptar às necessidades e costumes dos homens; e daí resulta muitos problemas e infelicidades”. (In large centralized nations the lawgiver is bound to give the laws a uniform character which does not fit the diversity of places and of mores; having never studied particular cases, he can only proceed by general rules; so men must bend to the needs of legislation, for the legislation has no skill to adapt to the needs and mores of men; and from this, much trouble and unhappiness results).

Os pais da democracia republicana e federalista americana estavam a par das grandes obras políticas de seu tempo, tais como as de Locke, Montesquieu e Russeau. Mas, também, estavam atentos à advertência feita por Machiavel (1469/1527), no tocante ao excesso de centralização do poder político e da necessidade de corpos intermediários, a fim de haver maior interação direta com o povo. Maquiavel, de modo objetivo e magistral, comparou o governo turco com o francês de seu tempo, não o da monarquia absoluta implantada a partir de Luís XIV. O governo Turco, governado pelo príncipe e seus ministros, de modo centralizado e hierarquizado – ao estilo brasileiro – sendo o povo escravo e, o francês, pelo rei e pela nobreza, como corpo intermediário, mais acessível ao povo, que, por atender seus pleitos de justiça, o estima e respeita. (He, therefore, who considers the different character of these two States, will perceive that it would be difficult to gain possession of that of the Turk, but that once won it might be easily held. The obstacles to its conquest are that the invader cannot be called in by a native nobility, nor expect his enterprise to be aided by the defection of those whom the sovereign has around him. And this for the various reasons already given, namely, that all being slaves and under obligations they are not easily corrupted, of if corrupted can render little assistance, being unable, as I have already explained, to carry the people with them. Whoever, therefore, attacks the Turk must reckon on finding a united people, and must trust rather to his own strength than to divisions on the other side. But were his adversary once overcome and defeated in the field, so that he could not repair his armies, no cause for anxiety would remain, except in the family of the Prince; which being extirpated, there would be none else to fear; for since all beside are without credit with the people, the invader, as before his victory he had nothing to hope from them, so after it has nothing to dread. But the contrary is the casein kingdoms governed like that of France, into which, because men who are discontented and desirous of change are always to be found, you may readily procure an entrance by gaining over some Baron of the Realm. Such persons, for the reasons already given, are able to open the way to you for the invasion of their country and to render its conquest easy. But afterwards the effort to hold your ground involves you in endless difficulties, as well in respect of those who have helped you, as of those whom you have overthrown. Nor will it be enough to have destroyed the family of the Prince, since all those other Lords remain to put themselves at the read of new movements; whom being unable either to content or destroy,

Já o professor Richard Steward tem sugerido uma estreita correlação entre a defesa da autonomia do EstadoMembro, contra a dominação da União, com os direitos individuais, aos quais se acha atada. Ele identifica quatro aspectos da estrutura federal descentralizada que podem ser considerados valores que o indivíduo desejaria implementar: a grande precisão com que o tomador de decisão local pode operar como útil calculador dos custos e benefícios; a maior proteção da liberdade que a tomada de decisão estadual descentralizada alcança ao dificultar que qualquer grupo de pessoas assenhore-se do poder total nacional; o maior grau de comunidade, alavancado pela oportunidade de participação política que a decentralização torna possível; e a maior diversificação que a descentralização encoraja.(He identifies four features of a decentralized federal structure which cam be stated as values an individual would wish to further: the greater accuracy with which a local decisionmaker can operate as a utilitarian calculator of costs and benefits; the greater protection of liberty which the state's decentralized decisionmaking affords by making it harder for any one group to seize total national power; the greater degree of community fostered by the opportunity for political participation that decentralization makes possible; and the greater diversity which decentralization fosters). O federalismo surgiu, pela primeira vez, com a

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you lose the State whenever occasion serves them).

dividing and subdividing these republics from the great national one down through all its subordinations, until it ends in de administration of every man's farm by himself; by placing under every one what his own eye may superintend, that all will be done for the best). À evidência, que com a repartição do poder, aproximando-se a tomada de decisão do lugar onde será executada, evita-se, naturalmente, com a fiscalização direta, a malversação do dinheiro público, a corrupção e a tirania. Como é óbvio, ante a manifestação de Jefferson, pai da república, os americanos historicamente têm desconfiado da concentração do poder num governo central (“americans have historically been distrustful of the concentration of power in a central government”).

Essa observação tem se comprovado acertada no Brasil, onde, efetivamente, por duas vezes – sem falar das inúmeras tentativas – na república, o poder foi tomado pelos militares (ditadura Vargas –l930/45 e ditadura militar –l964/l985), sem que houvesse resistência por parte do povo, isso porque, embora o país fosse nominalmente uma federação, na realidade continuava unitário como no tempo do império. Face a isso, não havia corpos políticos intermediários. Derrubada a antiga cabeça, o corpo passa, automaticamente, a seguir a nova. Isso é, e sempre foi, um perigo real e presente tanto para a liberdade do país, em relação ao domínio estrangeiro, como à democracia interna.

Por isso, mesmo sendo a Constituição assinada em 17/9/1787 por 39 dos 55 delegados, ela só foi ratificada pelos Estados e aceita, após muito debate, em 1788. Em razão disso, os americanos, tendo à frente Thomas Jefferson, fizeram aditar à Constituição, em 1791, suas dez primeiras emendas, conhecidas como Bill of Rights, cuja função primordial era de contenção do governo central, já que o indivíduo estava garantido pelos Bill of Rights estaduais.

Essa concepção foi abraçada pelos elaboradores da Constituição americana, que acreditavam que a liberdade pessoal seria mais efetivamente assegurada pela descentralização poder do que pelo comando único centralizado. Eles tinham a convicção de que os direitos humanos poderiam ser melhor preservados pela inação do governo e sua ação indireta. Seriam protegidos ficando atrás de um escudo formado por deliberados centros fragmentados de contrapoder. Para eles, a acumulação centralizada de poder em alguma pessoa, ou grupos singulares de pessoas, significava tirania; a divisão e separação do poder, tanto verticalmente (seguindo o eixo da autoridade federal, estadual e local), como horizontalmente (considerado o eixo das autoridades do Legislativo, Executivo e Judiciário) queria dizer liberdade.

Da conceituação do federalismo, três princípios se erigem como seus pilares: a) desconcentração do poder entre os entes políticos; b) intervenção mínima do governo central, como exceção (poderes enunciados) competindo ao EstadoMembro todos os demais restantes (poderes remanescentes); c) equilíbrio de poderes entre o ente central e os periféricos.

Por sua vez, Jefferson defendia, como característica vital de um bom governo, a gradação da autoridade, com divisão específica das atribuições, de modo que se colocasse “sob cada um o que seus próprios olhos podem dirigir”. Textualmente, disse ele, em correspondência remetida a Joseph C. Cabell, em 02.02.1816: “Não, meu amigo, o modo para se ter um bom e seguro governo, não é confiando-o todo a um, mas dividindo-o entre muitos, distribuindo a cada um exatamente as funções que ele for competente para. Deixe o governo nacional ser incumbido da defesa da nação, e sua relações estrangeiras e federais; os governos dos Estados-Membros com os direitos civis, leis, polícia, e administração daquilo que concerne ao Estado genericamente; os condados com seus interesses locais, e cada distrito administra os interesses próprios. É pela divisão e subdivisão destas repúblicas, desde a grande nacional descendo através de toda sua subordinação, até terminar na administração de cada fazenda individual por si próprio; ao colocar sob cada um aquilo que seu próprio olho poder administrar, então tudo será feito para o melhor”.(No, my friend, the way to have good and safe government, is not to trust it all to one, but to divideit among the many, distributing to every one exactly the functions he is competent to. Let the national government be entrusted with the defence of the nation, and its foreign and federal relations; the State government with the civil rights, laws, police, and administration of what concerns the State generally; the counties with the local concerns of the counties, and each ward direct the interests within itself. It is by

Foi considerando tudo isso que o Justice Black da Suprema Corte americana, citado por Tony Freyer, asseverou: "Nosso conceito de federalismo assenta-se na política básica de evitar concentração excessiva de poder no governo, federal ou estadual". (Our concepts of federalism rested on the basic policy of avoiding excess concentration of power in government, federal or state.) Maeva Marcus fornece a marcante visão do Justice Brandeis sobre o federalismo, que ressalta o aspecto laboratorial de cada estado, onde cada experimento (leis locais) pode ser conduzido e testado, sem comprometer o país como um todo. Com isso, as inteligências e as habilidades locais para superar dificuldades são não só aproveitadas pelos outros Estados, mas estimuladas, como meio de participação do povo no exercício da cidadania. Com isso, evita-se que o povo fique omisso, ou inteiramente dependente de decisões da cúpula do governo federal : “Unidade é, certamente, essencial para nosso sucesso. Mas as essencialidades da unidade variam de acordo com o tempo, o lugar e o objetivo do nosso esforço. A unidade não implica necessariamente uniformidade, como também não implica necessariamente concentração de poder. Os fins pelos quais nos unimos, às vezes são melhores obtidos pela diversidade de meios e métodos do que pela uniformidade. Eles podem ser algumas vezes melhor obtidos pela distribuição do poder do que por sua concentração.” (Unity is, of course, essential to our success. But the essentials of unity vary according to the time, the place and the subject matter of our

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effort. Unity does not necessarily imply uniformity. Nor does it necessarily imply concentration of power. Ends for which we unite may sometimes be attained better by diversity in means and methods than by uniformity; they may sometimes be attained better by distribution of power than by its concentration.) Salientou ela, a seguir, a preocupação de Brandeis, no sentido de que “a presente tendência centralizadora deve ser sobrestada, se quisermos alcançar os ideais americanos, devendo ser substituída pelo inteiro desenvolvimento da vida através de atividades em diversos Estados e localidades”. (The present tendency toward centralization must be arrested, if we are to attain the American ideals, and that for it must be substituted intense development of life through activities in the several States and localities.) Concluiu, então, Brandeis seu pensamento sobre o federalismo, preconizando o sistema laboratorial: “A América tem a grande fortuna de o seu sistema federal fornecer aos 48 Estados laboratórios sociais e políticos nos quais essas invenções podem ser trabalhadas e testadas separadamente, assim multiplicando as oportunidades para os inventores e minimizando os perigos de fracassos.” (It is America's good fortune that her federal system furnishes in the forty-eight states political and social laboratories in which these inventions may be separately worked out and tested, thus multiplying the opportunities for inventors and minimizing the dangers of failure.)

preservação da autonomia estadual – ou soberania ou integridade – numa extensão suficiente para providenciar poder de base insular e alternativo, é importante mesmo no curso regular dos negócios. Ele supre os meios pelos quais as ideias, programas e candidatos diferentes daqueles dominantes em nível nacional, podem emergir, desenvolver e adquirir força.” (The preservation o state autonomy – or sovereignty or integrity – to an extent sufficient to provide insulated, alternative power bases is important even in the regular course of affairs. It provides the means by which ideas, programs, and candidates different from those dominant at the national level, can emerge, develop, and acquire strength.) No Brasil, ao se instituir a República, através da Constituição de 1891, surgiu, pela primeira vez, a forma federalista de Estado, já que antes, no tempo do Império, adotava-se a forma unitária. Apesar de ter como modelo a Constituição dos Estados Unidos da América, como confessou Prudente de Morais, o federalismo aqui, na realidade, “nunca vingou de todo, diante da dispersão do poder num país continental e das tendências unitaristas”, que remontam aos Governos Gerais, a começar de Tomé de Souza. Como no Brasil a federação se formou pela desagregação do Estado Unitário – diferentemente de seu modelo americano, onde se iniciou pela união das 13 Colônias, cada uma independente politicamente da outra –, nosso federalismo ainda falta consolidar-se. Isso porque, na fase colonial houve a dispersão do poder político, com concentração no poder local, oligárquico. Já no Império aconteceu descomunal centralização do poder nas mãos do imperador, que exercia o poder moderador, que era a chave de toda a organização política estatal (CF/1824, art. 98). Aliás, essa centralização havia começado na própria fase colonial, seja com a instituição dos governadoresgerais, quer pela Corte portuguesa, que garroteava a economia brasileira, inclusive pela proibição de indústria manufatureira e pela cobrança excessiva de imposto – um quinto do outro extraído nas minas –, que levou à Inconfidência Mineira de l789. Portanto, por mais de um século, antes da República (1889), a centralização sempre foi asfixiante. Porém, a só descentralização formal preconizada na carta política de 189l não foi suficiente para superar o forte apelo monárquico e oligárquico cultural.Em face desse descompasso histórico, a Constituição republicana de 1891, na realidade, não instituiu no Brasil o federalismo em uma de suas formas clássicas: centrípeta (transferência do poder dos Estados para a União, como no modelo americano), ou centrífuga (da União, originária do Estado Unitário para os Estados-Membros federados), mas um arremedo, pois, perplexo, o governo central não estava preparado para a democracia republicana federalista, que impunha a desconcentração dos poderes. Formalmente, apenas, essa forma de Estado, adotada no Brasil desde a Constituição de 1891 (art. 1º), foi mantida em todas as demais (1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988). Na atual Constituição, o federalismo constitui cláusula pétrea, significando dizer que não se admitirá emenda à Constituição tendente a aboli-lo (CF, art. 60, § 4º, inciso I).

A própria força da lei reside basicamente no epicentro do federalismo, que é o ente local, como asseverou o Chief Justice Taft (1921/30), já que leis genéricas, em um país continental, têm pouco grau de adequação à realidade vivenciada e, portanto, pouca eficácia e quase que nenhuma executividade: “A experiência tem demonstrado que a lei desse tipo, de aspecto oneroso, só pode ser propriamente executada nos distritos nos quais a maioria do povo é a seu favor e, portanto, a favor de sua execução. Mas nos distritos onde a maioria do povo se opõe a ela, e não simpatiza com suas provisões, a lei onerosa se transformará, por certo, em letra morta. Todos devem reconhecer o desmoralizante efeito da edição de leis e sua tentativa de execução e seu fracasso por falta de opinião pública para suportar os agentes da lei na tentativa de sua execução. (Experience has shown that a law of this kind, sumptuary in character, can only be properly enforced in districts in which a majority of the people favor the law, and, therefore, favor its enforcement; but in a district where the majority of the people are opposed to the law, and do not sympathize with its provisions a sumptuary law is almost certain to become a dead letter. Now every one must recognize the demoralizing effect of the enactment of laws and their attempted enforcement and their failure because of the lack of public opinion to support the officers of the law in attempting such enforcement.) Recordando o valor do federalismo no campo político, função indispensável para a democratização do poder central, pelo alavancamento das lideranças locais que, gradativamente, à medida que vão escalando o poder, em níveis local e regional, substituem aquelas, antigas, do poder central, de visão política já superadas no tempo, com agudeza observou que: “A

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Gessy Carísio de Paula Cadeira número 28 - Araguari

HAMLET – UMA VISÃO DRAMÁTICA

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Por que... Por que... Por quê?... e as perguntas ficam sem respostas, na medida que o homem caminha, preocupado somente com o TER – material, despreocupando-se com o seu futuro o SER – transcendental.

quase sempre com finais tristes e dolorosos. Com Hamlet não foi diferente. Tendo que enfrentar o inimigo frente a frente em um duelo, morre pelo veneno atroz colocado na ponta da espada que o feriu.

Diante de toda a obra desse monstro sagrado da dramaturgia do século XV, não há quem ainda não se sentiu enlevado ou levado a refletir sobre todos os seus questionamentos: OTELO, MACBETH, ROMEU E JULIETA... todas elas fazendo da vida um trágico horror, dado o envolvimento das figuras dramáticas e as intrigas que de ordinário caminhavam pelas alas palacianas.

Em proporções diametralmente opostas, o pequeno ferimento se fez veículo na gota de sangue, infiltrando-se pelo seu corpo, espalhando a poderosa peçonha. Em toda sua obra Shakespeare foi genial, mas em Hamlet foi além do “Magnificat”. Segundo Anatole France (1948:262), “ele foi o poeta da humanidade, cujo lugar está em toda parte, onde haja homens capazes de sentir o belo e o verdadeiro.”

Contrapondo a toda diversidade, os amores ardentes e impossíveis marcaram a vida e a história dos personagens,

N

ão é sem motivo que a humanidade reverencia, admira e homenageia esse autor inglês, que vem encantando e seduzindo platéias em todo mundo, desde sempre – SHAKESPEARE.

pede-lhe vingança sem, contudo, dar conhecimento a outras pessoas do que se passa. Em sua revelação, roga-lhe que poupe sua mãe, pois, embora tenha se deixado levar pelo envolvimento sedutor do cunhado, não havia tido participação em sua morte.

Quando se está assistindo à uma peça teatral sua, um filme ou uma Ópera baseado em seus escritos, envolvemo-nos emocionalmente com cada personagem, suas falas, expressões faciais, presença de palco, cenários, vestuários de época, emoções continuadas a cada quadro apresentado, surpresas de conteúdo nos diálogos e monólogos, autêntico monumento literário e artístico constituído em verdadeira obra-prima que nos fascina.

E o jovem príncipe começa a viver de tal forma, inconformado com a situação, passando a buscar alternativas para vingar o crime que lhe tirara a presença paterna. Taxado como louco, vem sendo vigiado e até ameaçado de ser morto pelos aliados do rei, que lhe seguem os passos no castelo sem entenderem sua conduta mais que normal, para quem guarda um terrível segredo sem poder se manifestar ou pedir contas aos verdugos.

Não só pela interpretação técnica de cada ator, muito mais pelo gênio que concebeu e escreveu tal história.

Dói-lhe também à alma, a separação de sua amada, filha de um dos conselheiros próximos ao monarca, que impede a filha de estar com quem ama, pois o jovem “demente” não é partido fiel e seguro para si.

Seria somente uma história para entreter pessoas àquela época, ainda sem maiores desenvolvimentos tecnológicos e cinematográficos, com os quais as pessoas pudessem se divertir ou mesmo adquirir cultura? Seria somente para preencher o tempo do autor que, sentindo-se inspirado resolveu passar para o papel seus dramas íntimos, suas idiossincrasias, suas emoções?

O drama e a trama se entrelaçam em dualidades, entre o bem e o mal, o amor e o ódio, a luz e as trevas, a riqueza e a miséria, pensamentos monologados longamente pelo personagem principal que dá nome à peça – Hamlet.

Seja por que motivo for, o mundo se enriqueceu com sua obra que vence o tempo, as gerações e as mais cultas humanidades.

A filosofia dos questionamentos: o da caridade e o da indiferença culposa; da fidelidade e da traição; do poder e da submissão; do esquecimento ou da vingança, tudo se passa no coração e no pensamento do jovem, dramas estes que não eram dele somente, mas de todos nós.

No caso do Príncipe Hamlet, sentimos sua dor em descobrir, através do espírito de seu pai, já morto, que sua morte não tinha sido natural, mas ocasionada. Sua voz grave, profunda e angustiada revela que nada mais nada menos fora assassinado pelo próprio irmão, cobiçando a coroa e sua amada esposa. É por demais trágico para aquele filho, ainda nas aflições da perda do pai, sua ausência, sua falta, descobrindo tal horror, causado pelo tio tão próximo, agora na condição de pai, que lhe roubara também a mãe, num casamento às pressa, pois entre o funeral e as bodas, transcorrera-se apenas trinta dias... É por demais doído para aquele jovem amoroso e sensível, pois ele também era artista, possuía uma alma generosa e delicada, sem entrar pelos caminhos da perversão.

A dúvida do SER OU NÃO SER- Eis a questão, famosa em todos os tempos, traz-nos reflexões atuais em nossas vidas. Por que tanta dificuldade para se viver? Porque as pessoas simplesmente não se amam e se entendem de maneira a viverem em paz e harmonia? Porque a ambição e o poder fazem do homem verdugos de seus próprios irmãos, causandolhes dor e sofrimentos atrozes? Onde a consciência? Onde o remorso? Onde as Leis de Deus, esquecidas, que servem de barreiras pesadas e difíceis de serem transpostas, fazendo com que as coisas simples da vida tornem-se tão distantes e utópicas, quase inacessíveis aos homens?

Como conviver com tal drama? Seu pai, em espírito,

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Mário Edson Ferreira de Andrade

TEATRO EM UBERABA DE 1933 A 1968 À memória de Alexandre Dessen Orsolini (Filhinho) Maurilo Cunha Campos de Morais e Castro José Sexto Batista de Andrade e Márcio Pális Horta

1. ANTECEDENTES

quantia, além de doar as tintas para a pintura do pano de boca, elaborada por Ernesto Pena. Por isso a Associação Dramática resolveu homenageá-lo, dando o nome ao prédio de teatro São Luís, localizado onde se encontra o cine teatro São Luís, na praça Rui Barbosa.

No Almanaque Uberabense de 1907, Hildebrando Pontes informa que as representações teatrais começaram em 1835, sob a direção do padre Zeferino Batista do Carmo. “Toda festa mineira da época é sempre um espetáculo total e o teatro tem aí um papel de destaque, com ele se encerrando habitualmente as programações iniciadas com as missas solenes, os Te-Deuns. Teatro e religião, unidos como já remoto elo dos primórdios da colonização do país, confundem-se portanto no amanhecer cultural de Minas” (Afonso Ávila, in Barroco nº 9, p. 54)

Em 1897 a Associação Dramática Uberabense decrescia em número de participantes, resolvendo os associados doar o prédio para a Câmara Municipal, que o reformou. Durante a gestão do prefeito Menelique de Carvalho, em 1937, verificou-se a cessão definitiva daquele próprio para a Cia. Cinematográfica São Luís. A formação de grupos de arte cênica em Uberaba quase sempre obedeceu a longo espaçamento temporal, de modo casual e duração efêmera. Por volta de 1915, o dr. João Teixeira Álvares, pai de Pedro Ludovico, fundador de Goiânia, construiu nos fundos de sua residência na rua Artur Machado, nº 157, posteriormente Casa Donato Cicci, um teatro de arena nos moldes de um teatro grego. As peças, quase sempre de cunho religioso, eram escritas por ele e contavam no seu elenco, como atores, Joaquim Gasparino, Anatólio Magalhães, Vilibaldo Magalhães, entre outros. Este grupo durou entre três a quatro anos.

A primeira peça notadamente uberabense foi escrita pelo sargento Antônio Cesário da Silva e Oliveira, somente levada à cena em 1863. Após a sua morte, mesmo assim depois de receber cortes feitos pelo seu filho major Antônio Cesário da Silva e Oliveira e pelo delegado de polícia José da Costa Rangel, pois “a fiscalização de espetáculos públicos já estava prevista na lei geral do Império de 1º de outubro de 1828, art.66, parágrafo 12, matéria depois disciplinada pelo regulamento n°120, de 31 de janeiro de 1842, em sua secção VI” (Afonso Ávila, op. cit., p. 95). Em 1862, fundou-se a Companhia Dramática Uberabense, que às custas da venda de 50 ações a 50$000 réis cada, levantou os recursos para a construção do teatro, inaugurado, em maio de 1864, com o drama Os Renegados e a comédia A Feira de Sorocaba. Ao que parece, as referidas peças eram de autoria dos integrantes da Companhia, como era o costume da época.

2. O GRUPO DRAMÁTICO ARTUR AZEVEDO 2.1. Fundação e Primeiras Apresentações Em março de 1933, o maestro Renato Frateschi, que já ensaiava um grupo de amadores, convidou um outro grupo, denominado Teatro Uberabense, liderado pelos jovens Alexandre Dessen Orsolini (Filhinho) e Orlando Nascimento (Terenço), que a 10 de maio do mesmo ano, no cine teatro Roial, levou o drama de Napoleão Goulart A Órfã de Goiás. Dada a repercussão do referido espetáculo, resolveu o maestro Frateschi fazer uma reunião em sua casa a fim de discutir a formação de um só grupo. Tal evento se deu no dia 14 subsequente, na praça Comendador Quintino nº15, residência

A casa se encontrava em condições precárias, prestes a desabar, quando, em 1877, foi criada a Associação Dramática Uberabense. Como se previam, as obras eram de grande vulto e os recursos financeiros minguados não deram para a sua reconstrução. Socorreu-lhe o comerciante Luís Soares Pinheiro, que encetou uma campanha de subscrição voluntária, mas ao final teve ele mesmo de arcar, do próprio bolso, dispendiosa

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do maestro, quando fundaram o Grupo Artur Azevedo, ocasião em que se procedeu a leitura do estatuto pelo prof. Artêmio Magalhães. O estatuto previa duas diretorias: uma interna para dirigir os trabalhos, outra externa, composta de pessoas de prestígio, com o intuito de salvaguardar o grupo em todos os sentidos.

2.2. Repercussão na Imprensa A imprensa local sempre deu destaque para as apresentações do Artur Azevedo, como denotam as citações abaixo: “O aplaudido e simpático conjunto de amadores que compõem o Grupo Dramático Artur Azevedo, desta cidade, dános hoje no palco do S. Luís mais um dos seus magníficos espetáculos” (Lavoura e Comércio, de 12 de junho).

A primeira diretoria eleita por aclamação ficou constituída do maestro Renato Frateschi, presidente; Antônio José Davi, vice-presidente; Artêmio Magalhães, diretor de cena; José Mário Andrade, 1º secretário; Arnaldo Riccioppo, 2º secretário; Alaor Gomes, tesoureiro; Orlando Nascimento e João dos Santos, diretores de variedades; Alexandre Dessen, maquinista; Renato Toneli, zelador; Iolanda Frateschi, Estela Fernandes e Sílvia Riccioppo (estrelas orientadoras).

“Com uma concorrência regular, realizou-se 4ª feira, no S.Luís, um excelente festival do nosso já querido grupo de amadores” (A Gazeta de Uberaba, a 3ª com essa denominação, de 16 de julho). “Dado o sucesso que esse espetáculo, naquele dia, conseguiu alcançar, é de esperar uma grande enchente, amanhã, para o elegante teatro do bairro Estados Unidos” (Lavoura e Comércio, de 1º de agosto).

No dia 28 do mesmo mês, os componentes se reuniram no Roial e elegeram por aclamação a diretoria externa, que assim se constituiu: Orlando Rodrigues da Cunha, presidente; Eduardo Palmério, vice-presidente; Alceu de Sousa Novais, diretor de publicidade; José Sebastião da Costa, Sebastião Fleuri e Odorico Costa (membros de honra).

“Demos por bem empregadas as horas que passamos no elegante teatrinho, pois que, além de nos deleitarem o espírito com as artísticas manifestações...” (O Jornal, de 1º de outubro).

Foram ainda aceitas as senhoritas Diva Fernandes, Venina Duarte, Sílvia Nascimento e Alice Fernandes como estrelas orientadoras.

“São dignos do mais franco apoio de nosso povo os nobres esforços do Grupo Artur Azevedo, que com tanto desvelo se empenha em organizar esses festivais artísticos e de honesta alegria, que vem quebrar a monotonia de nossa vida tão cheia de trabalhos e preocupações” (O Sorriso, de 8 de outubro).

O panfleto que anunciava A Órfã de Goiás no dia 10 frisava no rodapé que o Grupo faria em breve sua estréia oficial. De fato, no dia dezoito seguinte, voltava ele a se apresentar com a mesma peça, desta feita no cine teatro São Luís, assim comentada pelo jornal O Sorriso do dia 21: “O Grupo Dramático Artur Azevedo, pela segunda vez que se apresenta em palco, foi bem sucedido, e o nosso povo deve encorajá-lo, pois é um futuro bem para a nossa cidade”. No entanto, o articulista reclamava da plateia que não sabia se comportar, com gargalhadas que prejudicaram um tanto quanto o desempenho. Desta encenação participaram Antônio Daví, Artêmio Magalhães, José Mário Andrade, Alaor Gomes, Nair Silva, Iolanda Frateschi, Arnaldo Riccioppo e Alexandre Dessen. “Nos entreatos tomarão parte os aplaudidos amadores uberabenses João dos Santos, com suas lindas canções, e Orlando Nascimento, com suas mentiras”, dizia o panfleto. É importante destacar que a programação obedecia a seguinte sequência: na tela era levada uma obra cinematográfica, depois, no palco, uma peça teatral e, encerrando, um ato variado composto de esquetes, declamações, números musicais e orquestrais. Assim, por exemplo: no dia 29 de julho foi levada à tela Entre Dois Fogos, com Joan Bennett e Ben Lyon, no palco a comédia Zazá, de César de Mendonça, e nos papeis Estela Fernandes, Alaor Gomes, Orlando Nascimento e Artêmio Magalhães. Do ato de variedades participaram Terenço (Orlando Nascimento), João dos Santos, Aparecida de Almeida, Venina Duarte, Sílvia Nascimento, Deia de Almeida, Salim Said Cima e Renato Toneli.

“ M o ç o s e Ve l h o s , n o q u a l p a t e n t e o u incontestavelmente um amadorismo tão avançado, que chegou a tocar as raias da arte profissional!...” (Gazeta de Uberaba, a 3ª, de 27 de julho).

2.3. Outras Encenações em 1933 Ainda durante o ano de 1933, foram montadas as seguintes peças: Moços e Velhos – 12 de junho – comédia de Rangel de Lima, com Antônio Daví, Orlando Nascimento, Alaor Gomes, Alexandre Dessen, Diva e Estela Fernandes. Zazá – 29 de julho – comédia de César Mendonça, com Estela Fernandes, Orlando Nascimento, Artêmio Magalhães e Alaor Gomes. Almas do Outro Mundo – 27 de setembro – comédia de F. Napoleão da Vitória, com Antônio Daví, Belmiro Pereira, José Fernandes Soares, Alaor Gomes, Diva Fernandes e Lurdes Parreira. Sinhá – 11 de outubro – comédia de Santana, com Alaor Gomes, Orlando Nascimento, Alexandre Dessen, Noemi Junqueira e Maria Júlia Junqueira. Fura Vidas – 4 de novembro – comédia de Maximiliano

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de Azevedo, com Heitor Meireles, Elvira Valente, Arnaldo Riccioppo, Mário Andrade, José Fernandes Soares, Aziz Filipe.

É de se lamentar que fatores endógenos fizessem com que o maestro, desgostoso, viesse a abandonar o Grupo. Este continuou a ser dirigido pelo prof. Artêmio Magalhães e Alexandre Orsolini, com apresentações somente na Casa do Rosário, que desde o início servia de local para ensaio.

Um Erro Judiciário – dias 20, 22 e 27 de dezembro e 22 de janeiro de 1934 – drama de Batista Diniz, com Alaor Gomes, Heitor Meireles, Arnaldo Riccioppo, Antônio Daví, Mário Andrade, Estela Fernandes, Renato Toneli, Isaac Salum, Aziz Filipe, Lunsa Cassi e Epilef Ziza.

Ainda em 1934, prosseguiram as atividades do Grupo com as seguintes representações:

Ao que tudo indica este foi o maior e melhor espetáculo do grupo e notável foi a repercussão que alcançou, conforme registra a imprensa da época:

Ladrão de Casa, de Veloso Costa, e Casa de Estróinas, de F. Napoleão de Vitória – 10 de junho. O Tio Falot – 4 de novembro, com Arnaldo Riccioppo, Heitor Meireles, Renato Frateschi (filho), Alaor Gomes, Mário Andrade, Isaac Salum, Aziz Filipe, Aires e Tolentino.

“O sucesso do último espetáculo do Grupo Dramático Artur Azevedo repercutiu de maneira extraordinária na cidade. Em virtude disso e a instantes pedidos dos que não puderam assistir Um Erro Judiciário, no próximo dia 27 será levada à cena mais uma vez a vitoriosa comédia (sic) de Batista Diniz” (Lavoura e Comércio).

2.5. Encenação em 1935 Simplício, Castanha & Cia. – 1º de janeiro de 1935 – de G. Costamagna, com Heitor Meireles, Arnaldo Riccioppo, Alaor Gomes, Mário Andrade e Isaac Salum. Interessante, assim como em Presunção e Água Benta só havia mulheres, neste programa só havia homens, inclusive no ato variado.

“A enorme e seleta assistência não foi iludida em sua expectativa: Um Erro Judiciário confirmou naquele dia, e com certa vantagem, o legítimo triunfo anteriormente obtido em nosso máximo teatro. Aos valentes amadores não foram regateados aplausos, sendo cada final de ato do drama coroado por vibrantes e prolongadas salvas de palmas” (Gazeta de Uberaba).

Valentes e Medrosos – 4 de agosto – de Dupont de Sousa, com Isaac Salum, Heitor Meireles, Alaor Gomes e Mário Andrade. Como complemento, outra comédia, Por Um Triz, de Eduardo Garrido, com Mário Andrade, Isaac Salum e Alaor Gomes.

“A representação da peça anunciada foi impecável. Chegou a comover a enorme assistência. Podemos garantir que, atualmente, bem poucas companhias teatrais no Brasil levam à cena, com tamanho sucesso, um drama como o que esse grupo de amadores levou” (O Reflexo).

2.6. A Última Encenação

Após um ano de vida, o Grupo Dramático Artur Azevedo havia apresentado quinze espetáculos, como afirmava o Lavoura e Comércio.

Após cinco meses o Grupo Artur Azevedo volta a se apresentar, no dia 1º de Janeiro de 1936, com a peça O Filho Pródigo, de José da Câmara, com Mário Andrade, Ibraim Damasceno, Hélio Grande Pousa, Alaor Gomes, Heitor Meireles e Renato Frateschi filho. Como complemento, a comédia Por Um Triz.

2.4. Encenações em 1934 No dia 3 de fevereiro de 1934. foi encenada a comédia Presunção e Água Benta, com Estela Fernandes, Venina Duarte, Diva Fernandes, Deia Almeida, Lurdes Parreira e Alice Fernandes. Cabe ressaltar que as mesmas atrizes que vivenciaram a referida função também executaram o ato variado.

Assim despedia-se o Grupo Dramático Artur Azevedo, sem auferir nada com as suas atividades culturais, trabalhando sempre em benefício de alguma instituição, inclusive para a reforma da igreja Matriz. O ato variado consistia principalmente de esquetes, escritas por Filhinho (Alexandre Orsolini) e Terenço (Orlando Nascimento), o maior cômico que Uberaba já teve, e números musicais de cujo elenco constava Elvira Valente, Aparecida Almeida, Sílvia Nascimento, Deia Almeida, Isaac Salum, Gil Alegria, Venina Duarte, Alice Fernandes, Renato Toneli, Iolanda Martins, João dos Santos, José Isaac e Santos Júnior. Faz-se mister ressaltar as vozes privilegiadas de Aparecida Almeida, Venina Duarte, Sílvia Nascimento, João dos Santos, Gil Alegria e Isaac Salum, que ainda cantou durante muitos anos e felizmente se encontra entre nós.

Por essa ocasião o maestro Frateschi já havia escrito e ensaiava a sua opereta. Em entrevista ao jornal O Dia, de Uberaba, explicava a estrutura da peça: “Não se trata propriamente de uma opereta, no sentido estrito do termo, pois modernamente as peças teatrais desta categoria constam invariavelmente de três atos; ao passo que a minha não difira daquelas no estilo, é todavia de menores proporções, e por isso deve caber-lhe um nome mais modesto – burletta, por exemplo”. O seu título era Uma Campanha Eleitoral e se resumia na luta política entre duas facções que desde os remotos tempos do Império se digladiavam em acirradas contendas eleitorais.

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3. O TEATRO DE BRINQUEDO E OUTROS GRUPOS

1949 não passaram da apresentação da revista do Vannucci, como informa Reinaldo Domingos Ferreira, o qual, por sua vez, com a ajuda de Pedro Santana, então presidente da União Estudantil Uberabense, criou em 1954 o Teatro do Estudante, Grupo Quita Próspero. Sua estreia se deu no cine teatro São Luís, com a comédia A Incrível Genoveva, cujo autor, Franklin Botelho, era natural de Patrocínio, também levada na cidade de Sacramento. Montaram-se ainda O Maluco nº 4, de Armando Gonzaga, e Irene, de Pedro Bloch.

Com o término do Grupo Dramático Artur Azevedo, Filhinho e Terenço, juntamente com alguns remanescentes do citado Grupo, constituíram o Grupo Coelho Neto, que poucas vezes se apresentou com esse nome, pois primava por montar exclusivamente atos variados, passando a ser mais conhecido como Festival do Filhinho. Devido a rotatividade de participantes ser grande, ficam anotados apenas os nomes mais constantes dos programas: Orlando Nascimento, Mariazinha Silva, Aldo Sartini, Gil Alegria, Zilda Melo, Geralda Nascimento, Susana Borges, Isaac Salum, Deia Almeida, Sílvia Riccioppo, Domingas Boareto, Aparecida Caparelli, Renato Toneli e Irmalda Dorça, além das bandas Jazz Bueno e Vilaça Júnior.

* Alexandre Dessen Orsolini, o Filhinho, apaixonado por motores, fotografia e música, aprendeu a concertar instrumentos musicais para atender a banda Estrela Uberabense, criada no Lar Espírita, entidade filantrópica dirigida por sua irmã dona Daltiza, composta exclusivamente de meninas sob a batuta do sargento Elias Antônio Daia. Foi ele também quem fez, ainda ao tempo do Artur Azevedo, experiências com iluminação alternativa, extasiando o público como demonstra a imprensa daquela época. Filhinho fez tudo no teatro, escreveu, produziu, dirigiu, atuou, fez cenografia, maquilagem, iluminação e nunca se furtou em contribuir com qualquer outro Grupo. Foi um batalhador pela construção do teatro municipal, tanto é que em 1957 montava, no Roial, a revista Sai ou Não Sai o Teatro....Municipal? Espírita, idealista, filantropo, juntamente com os seus colaboradores sempre levou os seus espetáculos em beneficio das diversas instituições de caridade. Pela sua persistência durante anos, o teatro uberabense lhe deve muito.

De certa feita, em dezembro de 1937, viajou a companhia até Uberlândia para se apresentar no cine Avenida, de propriedade de José Pepe, pai dos professores Carlos e José Pepe Jr., quando ele sugeriu ao Filhinho para dar-lhe o nome de Teatro de Brinquedo, que assim continuou durante vinte anos mais ou menos. No dia 11 de maio de 1940, Augusto César Vannucci, então com treze anos, faz sua estreia no Teatro de Brinquedo, cantando a rumba Rua América do Sul. * A União Estudantil Uberabense instituiu em abril de 1949 o Teatro do Estudante, cujas atividades são descritas pelo jornal A Flama: “Já se acham contratados os serviços de arte e técnicas teatrais de Alexandre (Filhinho) Orsolini, como ensaiador da seleção de artistas amadores, e Ovídio Fernandes, na execução da parte de cenografia, dos quais a reconhecida competência dispensa, cremos, maiores referências”. Acrescentava ainda o jornal que “finalmente, como fator de coroação do espetáculo de debut, citemos a autoria da revista a se apresentar como pertencente a César Vannucci, esse jovem inteligente e dinâmico, que tem sido “a alma da festa”.

4. O NÚCLEO ARTÍSTICO E CULTURAL DA JUVENTUDE Em 1955 fundou-se, sob a presidência de Eleusa Fonseca, o Núcleo Artístico e Cultural da Juventude, com direção teatral de Reinaldo Domingos Ferreira, que encenou as seguintes peças: Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen; Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado; O Banquete, de Lúcia Benedetti; O Macaco da Vizinha, de Joaquim Manuel de Macedo; O Pedido de Casamento, de Anton Tchecov; e Uma Lição de Botânica, de Machado de Assis. Ainda, em parceria com Petrônio Borges, dirigiu Assim É, Se Lhe Parece, de Pirandello. O seu elenco era composto por Orison Bernardes, Lamar Lamounier, Hermilo Nóbrega, Lídia Varanda, José Idelfonso, Jaime Ferreira, José Aluísio Magalhães, Venina Nunes, Luzia Resende e Linda Cavalini.

* Por iniciativa do Dr. Odilon Fernandes e Dalva Guido Fernandes, diretores do Instituto de Cegos do Brasil Central, ali foi formado em 1952 o Grupo Luís Braille. Lá estava o Filhinho emprestando os seus conhecimentos e a sua colaboração. Faziam parte desse Grupo, entre outros, Wilson Roberto (Palhinha), Aparecida Afonso, Aparecida Cardoso, Antônia Guimarães, Odilberto Guido Fernandes, Carlos Masson, Nicola Riposati, Vália T. Vieira, Conceição Faquinelli e Adelaide Novais. O Luís Braille, de curta existência, levou as seguintes peças: A Comédia da Felicidade, de Paulo Magalhães; O Marido da Candinha, de Álvaro Peres e Júlio Moreno; Cala a Boca, Etelvina, de Armando Sousa; A Cigana Me Enganou e Chica Boa, de Paulo Magalhães.

Em 25 de março de 1956 o Núcleo encenou no adro da igreja Matriz a peça de Eleusa Fonseca, Cristo Entre Nós. Participaram do espetáculo oitenta crianças, sob a direção de Eleusa, Geraldo Miguel, Lídia Varanda, Teresinha Teixeira, Vicente Paula Cardoso e Eni Ferreira Mendes.

* Ao que parece, as atividades do Teatro do Estudante de

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5. O NATA

ilustrado através de textos. Como o NATA já se sentisse bastante onerado com o aluguel do São Luís, a diretoria resolveu aceitar a sugestão de Sérgio para fazer as suas representações em teatro de arena. Para tanto mandou confeccionar vinte e quatro praticáveis, que foram utilizados pela primeira vez na Sociedade Sírio Libanesa, quando da remontagem do Auto da Compadecida, em agosto de 1964. Ainda em dezembro do mesmo ano criaram-se os Jograis do NATA, coral de declamação baseado nos Jograis de São Paulo que aqui esteve e cujo diretor, Rui Afonso, ensinou alguns exercícios de dicção para os integrantes do grupo. O primeiro recital de poesias se deu a 15 de dezembro de 1964 no palco da Associação Comercial e Industrial de Uberaba (ACIU), com poemas de Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Leonardo Smeele, Cassiano Ricardo, Campos de Carvalho, Castro Alves, Manuel Bandeira, Márcio Pális Horta, José Haroldo de Lima e Mário de Andrade. Seus integrantes eram José Haroldo, Luís Carlos Andrade, Márcio Pális Horta e Romeu Sérgio Meneghello, com direção de Deusedino Martins. Os Jograis ainda ilustraram diversas palestras proferidas pelos acadêmicos Leonardo Smeele e João Cunha no âmbito da Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

5.1. Antecedentes Um grupo de alunos do diretório estudantil do Colégio Diocesano de Uberaba, sob a orientação do irmão Vicente, posteriormente Vítor Regatieri, criou em 1963 o Conjunto Teatral 2 de Maio. Sua estréia se deu no dia 20 de junho de 1963, no cine Metrópole, com a peça de Diego Fabri, O Grande Processo, de cujo elenco participaram João Antônio de Lima Esteves, Isa Tiradentes, Elisabete Fantato, Márcio Pális Horta, Romeu Sérgio Meneghello, José Haroldo de Lima, Luís Alberto Barcelos de Sousa, Edmar Luís da Costa, Ana Cristina Nogueira Maluf, Avenor Montandon, Sebastião Domingos Machado, Célia Maluf, Ilceia Andrade Borba, Inocêncio Cordeiro de Oliveira, Jonas Sanchez, João Luís Rocha, João Batista, José Augusto Fleuri, Ivã Afonso, Joaquim Rodrigues Alves, José Márcio Ribeiro, Demilton Dib, Sandra Maluf, José Américo Canassa, José Eustáquio Almeida, Anísio Santiago, João Rescalla Sabbag, Luís Carlos Ferreira de Andrade, Elisete Fantato, Ricardo Pereia, Ivani Idaló, Regina Nogueira e Carlos Alberto Nabut, tendo como diretor Deusedino Martins. Todas as atrizes foram convidadas, bem como o diretor.

5.3. Teatro de Arena

5.2. Surge o NATA

Tendo em vista as grandes vantagens do teatro de arena, entre elas a sua fácil montagem, desmontagem e transporte, bem como a maior interação entre os personagens e a plateia, optou-se por ele definitivamente.

A partir de 1º de julho do mesmo ano o Conjunto Teatral 2 de Maio passou a se chamar Núcleo Artístico de Teatro Amador – NATA e ficou independente daquele diretório. Seu primeiro presidente foi Deusedino Martins e a sua primeira atividade foi a remontagem de O Grande Processo, praticamente com o mesmo elenco, no dia 28 de agosto de 1963 no São Luís e também em Goiânia. Nos dias 2 e 3 de outubro encenou-se de William Faulkner, Oração Para Uma Negra, com Luís Antônio Rossetti, Mirtes Delminda, Ivani Idaló e Deusedino Martins (também diretor), e cenários de Demilton Dib. Ainda a 15 de novembro do mesmo ano montou-se no palco do São Luís O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, cujo elenco era composto por Demilton Dib, Márcio Pális Horta, José Haroldo de Lima, João Antônio de Lima Esteves, Romeu Sérgio Meneghello, José Augusto Montandon, Sebastião Domingos, Ivani Idaló, Luís Carlos Andrade, Helvécio Moreira, Cleômenes Gomes de Matos, João Batista Resende, Ivã Afonso Barbosa, Avenor Montandon, Dácio Tarquínio, Cristina Maluf, com direção de Deusedino Martins.

No dia 25 de março de 1965, a arena foi montada no salão de festas do Uberaba Tênis, para ser levada à cena a obra de Tennessee Wlliams, À Margem da Vida. Esta, que seria considerada a melhor montagem do NATA, teve nos papéis principais Elisa Soares Angoti e Luís Antônio Rossetti, direção de Deusedino Martins, cenários e figurinos de Demilton Dib, iluminação de Gilberto Dib e Rubens Rodrigues da Cunha. No Uberaba Tênis foram 12 noites consecutivas com a casa literalmente lotada. Mas continuava ainda o problema com gastos de aluguel, pois para esta montagem no UTC, o salão fora alugado por Cr$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros). Tendo em vista que o edifício Delta (atual Abadia Salomão), localizado na esquina da av. Leopoldino de Oliveira com a rua Major Eustáquio, possuía grande área térrea e cuja obra se encontrava paralisada, a direção entrou em contato com a ETEL, construtora responsável, que lhe cedeu aquele espaço, onde foi remontada a referida peça. Ao todo foi contabilizada plateia superior a 2.300 espectadores, um recorde para época.

José Sexto Batista de Andrade, naquela época vicepresidente do Jóquei Clube, implementou as atividades culturais na entidade, promovendo apresentações de renomados valores das artes nacionais como o Madrigal Renascentista, com regência de Isaac Karabtchevisky, espetáculos teatrais com os atores Sérgio Cardoso, Juca de Oliveira, Raul Cortês, Líbero Rípoli, Plínio Marcos, etc. Destacase, ainda, que o Banco do Triângulo Mineiro, durante a sua presidência, sempre prestigiou os eventos culturais da cidade. O ator Sérgio Cardoso veio para proferir curso sobre Shakespeare,

O Santo Milagroso, de Lauro César Muniz, entrou em cartaz no dia 28 de maio daquele ano, sob a direção de José Haroldo de Lima, sendo o elenco composto por João Antônio, Luís Carlos Andrade, Ivani Idaló, Nélson Zaidan, Sebastião Domingos, Helvécio Moreira, Isa Tiradentes, Régio Goulart, cenários de Demilton Dib e iluminação de Gilberto Dib e Rubens Rodrigues da Cunha.

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A partir de 1966 o NATA alugou pelo preço de Cr$300.000,00 (trezentos mil cruzeiros) o auditório da Rádio Difusora, cito à avenida Fidélis Reis, 145. Luís Antônio Rossetti, na primeira reunião como presidente, solicitou a cooperação de todos para manter viva a sede e criou a sociedade mantenedora, em que cada associado contribuiria com uma quantia entre Cr$ 5.000,00 e Cr$ 10.000,00. Nesta reunião também foram organizadas as seguintes equipes de trabalho: 1ª – Direção e Escolha de Peças: José Haroldo de Lima, Márcio Pális Horta, Deusedino Martins, Luís Antônio Rossetti e Demilton Dib; 2ª – Sede e Iluminação: Sebastião Domingos, Mário Edson Ferreira de Andrade, Rubens Rodrigues da Cunha e Heli Rocha; 3ª – Propaganda: José Haroldo de Lima, Heli Rocha, João Antônio, Ivani Idaló e Romeu Sérgio Meneghello. Faziam parte desta diretoria, presidente: Luís Antônio Rossetti; vice-presidente: Marta Mendes Marquês; secretário: Luís Carlos Ferreira de Andrade; tesoureiro: José Haroldo de Lima; bibliotecário: Sebastião Domingos Machado; diretor cultural: Gildo Lacerda; diretor social: Carlos Alberto Nabut.

5.4. A Última Encenação A última encenação do Núcleo em Uberaba foi a treze de maio de 1968, com The Zoo Story, de Edward Albee, com João Antônio, Márcio Pális Horta, direção de Deusedino Martins e iluminação de Sebastião Domingos. Esta peça, após quatro semanas de sucesso em Uberaba, recebeu convite da Federação de Teatro Amador da Alta Mojiana, com sede em Ribeirão Preto, para participar de curso sobre teatro, ministrado por profissionais da capital paulista. A fim de ilustrar o referido curso participaram grupos da capital com obras conhecidas, como Navalha na Carne e Dois na Gangorra. Esta apresentação se deu a 1º de junho para uma plateia aproximada de quinhentas pessoas. No dia vinte e dois do mesmo mês também foi levada à cena no teatro da Universidade de Brasília, com duas sessões. Na minha coluna “Arte é Vida”, do jornal Correio Católico, escrevia: “Como em Uberaba e Ribeirão Preto é de se esperar desde já o seu inevitável êxito, o que de maneira particular nos honra, visto que o NATA é o primeiro grupo do interior a se apresentar na capital brasileira”.

A 18 de janeiro de 1967 foi instituído o setor de teatro infantil, que ficou a cargo de José Haroldo de Lima. A peça escolhida para abrir as suas apresentações foi A Bruxinha Que Era Boa, de Maria Clara Machado, com direção de Carlos Alberto Nabut e levada ao palco na Casa do Rosário. Neste ano se fez ainda apresentar o NATA Canta e Conta, espetáculo de música e poesia.

5.5. Última Diretoria Mas esse êxito cessou por aí. O fantasma da inadimplência avantajava-se cada vez mais. Já em março de 1968 a dívida era muito grande e como único recurso foi procurar o prefeito João Guido, que passou o assunto para o secretário Maurilo Cunha Campos de Morais e Castro. Este, no impedimento administrativo de ressarcir aluguéis, sugeriu, como última solução, que o grupo utilizasse as dependências do Teatro Experimental de Uberaba. Mas a esta altura a dispersão era quase total. Muitos elementos participaram do seu staff, curiosos, poucos os que sobraram, com a sua última diretoria, composta de presidente: João Antônio de Lima Esteves; vicepresidente: Márcio Pális Horta; tesoureiro: José Haroldo de Lima; secretário: Luís Carlos Ferreira de Andrade; diretor cultural: Maria de Lurdes de Melo Prais; diretor social: Roberto Bessa de Siqueira; bibliotecário: Sebastião Domingos Machado Neto.

Como a comissão de leitura de peças ainda não havia chegado a um denominador comum quanto à próxima peça a ser montada, optou-se pela remontagem da Oração Para Uma Negra, em abril de 1967. O elenco foi constituído por Maurício Sartori, Valdoaldro Borges, Mirtes Delminda e Vilma Moreira. A iluminação ficou a cargo de Rubens Rodrigues da Cunha e a sonoplastia de Heli Rocha. Havia três estórias em Procura-se Uma Rosa. A primeira, de Vinícius de Morais, foi descartada. A segunda, de Pedro Bloch, teve no elenco João Cid, Valdoaldro Borges, Isa Tiradentes, Jorge da Cruz, Regina Rosa, cenário e figurino de Demilton Dib, iluminação de Rubens R. da Cunha, sonoplastia de Heli Rocha e direção de João Antônio. A terceira, de Gláucio Gil, com o elenco composto por José Haroldo de Lima, Luís Carlos Andrade, Elisabete Fantato, Sebastião Domingos, Roberto Bessa, Luís Carlos Abreu, Mário Edson Ferreira de Andrade, Ivani Idaló, iluminação de Rubens Rodrigues da Cunha, sonoplastia de Heli Rocha e direção de Luís Antônio Rossetti. A peça foi levada em junho de 1967. Ainda em agosto do referido ano estreou, de Anton Tchekhov, Um Pedido de Casamento, com Mário Edson Ferreira de Andrade, Gilson Fidélis e Regina Rosa. Pari passu encenou-se A Lição, de Eugene Ionesco, com João Antônio, Elisete Fantato e Regina Rosa, cenários da equipe NATA, figurinos de Demilton Dib, sonoplastia de Heli Rocha, iluminação de Rubens Rodrigues da Cunha, assistência de direção de Luís Rossetti e direção de João Antônio.

O NATA se apresentou nas seguintes cidades: Goiânia, Araguari, Ituiutaba, Frutal, Campina Verde, Uberlândia, Araxá, Ituverava, Franca, Ribeirão Preto e Brasília.

6. O TEATRO E SEUS TEATROS 6.1. O Cine Teatro Roial O alto dos Estados Unidos era o maior bairro de classe média no início do século passado. Havia grande número de imigrantes, principalmente italianos, haja vista a existência da Società di Mutuo Soccorso Fratellanza Italiana, na rua 7 de Setembro, que se incendiou na década de 40 ou 50, bem como a loja maçônica Estrela Uberabense. Com antevisão empresarial, o português dr. José Sebastião da Costa fez construir um prédio

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que alugou para a Cia. Cinematográfica São Luís. Em 1950 o cine Roial, como era chamado, servia de palco para diversas apresentações, principalmente para o Teatro de Brinquedo. Neste ano, encontrava-se em sua porta um grupo de pessoas conversando, entre as quais o dr. Sebastião da Costa. No decorrer da conversa ele manifestou o desejo de vender aquele imóvel por qualquer preço. Emanuel Chaves, o Lilito, argumentou que ele falava aquilo da boca pra fora, pois daria “100 contos”, recebendo a concordância como resposta. Passados alguns dias, Lilito efetivou a compra em nome da União da Mocidade Espírita de Uberaba de um imóvel que valia pelo menos duas vezes mais. Infelizmente, na década de 70 foi revendido e deixou de ter as suas finalidades.

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Hildebrando de Araújo Pontes

Ferreira; 1º secretário: Mirtes Viana Bruno; 2º secretário: pe. José de Araújo; 1º tesoureiro: Carlos Fontoura; 2º tesoureiro: Orlando Parolini; diretor de teatro: Reinaldo Domingos Ferreira; diretor de teatro mirim: José Ildefonso Pereira. Depois de vários contratempos, não conseguindo o seu intento, a diretoria requereu à Prefeitura a ocupação de barracão abandonado, de sua propriedade, localizado na rua 13 de Maio. Deferido o pedido sob o regime de comodato, todo o trabalho de reforma foi executado pelos integrantes do grupo. O Teatro de Bolso, assim chamado por ser pequeno, foi inaugurado em maio de 1958, com a peça de Bernardo Shaw, Cândida.

A IMPRENSA DE UBERABA (1874 – 1919)

6.3. O Teatro do NATA É quase certeza que perpassa na existência dos grupos teatrais a construção de sede própria. Assim, em setembro de 1965, o NATA encetou campanha visando a construção do seu teatro. Para esse fim, pretendia adquirir terreno, medindo 16x25, situado na esquina da rua Vigário Silva com Floriano Peixoto. O projeto, que custou Cr$ 60.000,00 (sessenta mil cruzeiros) foi concebido pelo arquiteto Plínio Schroeder. A empresa Andes Estruturas Metálicas, de Uberlândia, calculou em Cr$ 3.300,00 (três mil e trezentos cruzeiros) o orçamento para a fabricação de estrutura destinada a suportar a cobertura de duzentos metros quadrados aproximadamente. O custo total da empreitada somava Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros). Visando tal objetivo, pretendia-se a emissão de 100 títulos de sócios beneméritos, no valor de Cr$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros) cada, com direito a duas permanentes nominais. A correspondência endereçada a várias pessoas, comércio e indústria locais muito pouco obteve como resposta, impossibilitando sua consecução.

6.2. O Teatro de Bolso Pela ata de 1º de março de 1957, o vereador José Martins encaminhou à mesa da Câmara uma justificativa sobre a necessidade da construção do teatro municipal. Segundo ele, aquela Casa já havia aprovado projeto de lei, de autoria do vereador Dioclécio Campos, e que “até a presente data, nenhuma providência fora tomada visando a sua execução”. Argumentou, também, que a cidade em plena comemoração do seu centenário, ainda não possuía teatro digno a fim de beneficiar, não só os grupos amadores e demais reuniões artísticas, mas, sobretudo, para receber os grandes espetáculos nacionais. Pedindo a palavra, o vereador J.S. Rodrigues da Cunha solicitou que o prefeito pusesse em execução a lei nº 439, de 19 de novembro de 1955, em vez de construir abrigos para pontos de ônibus no local designado para o teatro. Como se vê, no decorrer dos anos de nada adiantou a referida lei. Concomitantemente, o Núcleo Artístico e Cultural da Juventude empreendia campanha para a construção de um teatro de alumínio, cuja planta fora elaborada pelo arquiteto Germano Gutzgolf, pleiteando para isso o mesmo espaço sugerido pela Câmara, ou seja, na Praça Manuel Terra em frente à igreja de Santa Rita.

Brasília, junho de 2006. (in Jornal de Uberaba, Página de

Nessa ocasião a diretoria do Núcleo era constituída de presidente: Iná de Sousa; vice presidente: Reinaldo Domingos

Cultura, 8, 15,22 e 29 outubro 2006)

N

o dia 1º de outubro de 1874 a população de Uberaba assistiu, jubilosa, a impressão d'O Paranaíba, primeiro jornal editado nos sertões da Farinha Podre. O empreendedor de tão louvável tentame foi o infatigável médico Dr. Henrique Raimundo des Genettes, francês ilustre, muito afeito aos ideais de agigantado vulto.

imprimir nas próprias oficinas onde trabalhavam na composição dos grandes periódicos. Parecia até um luxo se tirar um jornal mignon durante um, dois e três meses e, no fim desse tempo, mudar-lhe o título. Asseverou-me um ilustre cavalheiro, que aqui teve jornal, quando tipógrafo, que os seus colegas quando se viam em crise financeira lançavam mão desse meio; cobrado, entretanto, o primeiro trimestre, com ele findava a existência de mais uma folha.

Ao O Paranaíba sucederam muitas outras folhas de formato pequeno e de efêmera duração, visando cada uma a propaganda de um ideal qualquer. Porém, uma das causas que mais eficazmente contribuíram para o progresso da imprensa de Uberaba foi a política, cujos situacionistas, do jornal se valiam para divulgar e defender os ideais de seus partidos.

Alguns jornais aqui foram editados com o fim de se comemorar um fato auspicioso, limitando-se a tiragem, como é presumível, a uma única edição. Outros, não foram além da segunda, por não haver aceitação pelo público que, em princípio, mal compenetrado da leitura de jornal, o devolvia à redação, quando a distribuição se fazia, simplesmente, no perímetro urbano da cidade. Compreende-se que estes fatos só poderiam ter se dado, em princípio, quando a nossa população pouco afeita à leitura, achava no fato de ler jornal, pagando, uma coisa desnecessária.

O primeiro jornal político aqui fundado foi o Beija-Flor, seguindo-se-lhe o Correio Uberabense, órgão do Partido Liberal. Este jornal sustentou renhida e prolongada luta com a Gazeta de Uberaba, então defensora dos interesses dos Conservadores. As múltiplas fases da política local determinaram quase sempre o aparecimento de outros tantos periódicos, em os quais se travavam, acaloradas, as discussões partidárias. Dessas lutas pela pena alguns jornalistas tiveram de pagar graves tributos consequentes de violentas explosões emanadas das partes ofendidas. Tirante essas violências, um fato digno de registro é o de nunca se haver em Uberaba empastelado tipografia alguma de jornal, por mais violenta que fosse a linguagem de seus redatores.

Hoje, graças ao benéfico influxo da civilização, que à imprensa se deve a maior parte, a leitura de jornais é tão necessária como o alimento que dá vida e força ao organismo. Um fato parece não ter importância se dele não se ocupa a imprensa. Em Uberaba, tem-se editado jornais para toda a sorte de propaganda e dentre eles diversos de distribuição gratuita, como reclame de casas comerciais, empresas, associações, comemoração de fatos auspiciosos, etc.

Tais campanhas políticas criando sempre novos e grandes jornais para a defesa de partidos nos legaram, depois de cessada a luta, em consequência do enfraquecimento ou fusão desses mesmos partidos, excelentes tipografias, onde até hoje se imprimem jornais incolores uns, políticos outros.

O aumento de população da cidade determinou inadiáveis melhoramentos na nossa imprensa. Assim é que se multiplicaram as aquisições de excelentes marinonis, etc., para copiosas tiragens de folhas de grande formato, duas e três vezes por semana e de 1903 a 1914, dois diários.

A imprensa com isso muito lucrou. Das folhas que Uberaba tem tido % são de pequeno formato e existência curta que, no máximo, atingiam um ano. Tais folhas eram sempre tiradas por tipógrafos que as faziam

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Em todos esses órgãos de grande circulação, se

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encontram seções especiais em que se tratam, com sumo interesse, de todos os ramos da atividade humana, além de um bem informado serviço telegráfico.

empastelada. Dias depois chegava de Moji-Mirim, a chamado do mesmo doutor, o perito tipógrafo José Alexandre de Paiva Teixeira, o expansivo Casusa, que tomou conta da direção da oficina entrando como aprendizes tipógrafos o autor destas linhas e seu parente e amigo (hoje redator desta folha - O Araguari), e pouco depois como impressor um moço cujo nome a nossa memória infiel não recorda, tal pelo fato de ser ele conhecido e chamado por todos – o Campista; só nos lembramos de ser ele um moço de ar tristonho mas afável e de trato ameno e atrativo. Era um excelente companheiro.”

Anexo às suas oficinas executam-se, com rapidez, trabalhos tipográficos que nada deixam a desejar aos melhores das grandes cidades do país. Com isso avolumou-se a briosa classe tipográfica que já teve a sua Associação de Beneficência Mútua, cujos serviços prestados não foram de pequeno valor. Infelizmente, a vida curta de quase todas as boas instituições criadas entre nós não permitiu que essa Associação existisse por mais de dois anos.

A tipografia custara ao Dr. des Genettes a importância de quatro contos de réis.

A seguir, dou a descrição de................ folhas até hoje publicadas nesta cidade, segundo a ordem cronológica de seu aparecimento.

O prelo era manual, com alavanca e pesos, e os pés ou suportes, em cruz. Este singelo prelinho serviu à impressão de diversos outros jornais de Uberaba, dentre os quais, O Eco do Sertão, o Beija-Flor, O Bobo, a Gazeta de Uberaba (lª), o Uberabense (1º) e O Relâmpago.

São elas: O PARANAÍBA - Publicado a 1º de outubro de 1874, sob a direção e redação de seu fundador - o doutor Henrique Raimundo des Genettes. Era jornal “dedicado aos interesses comerciais, agrícolas, industriais e fabris de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso” publicado “uma vez por semana ou regularmente 5 vezes por mês”. Recebia toda e qualquer publicação de interesse particular devidamente legalizada e em termos comedidos. Tinha as oficinas e redação no prédio nº 13, da rua Direita, posteriormente Municipal e hoje Coronel Júlio Bueno Brandão.

Quando o Dr. des Genettes adquiriu o segundo prelo de maiores proporções, passou o antigo a servir na tipografia Americana, de obras, a cargo de J. A. de Paiva Teixeira (Casusa), sendo aí impresso O Progresso. Em 1881, foi o antigo prelinho vendido por 800$000 ao Sr. major Querubino Santos, da Bagagem, atual Estrela do Sul. Nele ali se imprimiram os seguintes periódicos: Estrela do Sul, em 1881; Esperança, em 1883; a Bagagem, em 1884; O Paládio e O Garimpeiro, em 1886; O Evangelista, em 1889; O Canário, O Familiar e Filho da Luz, em 1891, e Jati, em 1893. Em 1894, foi vendido ao Sr. major Tertu1iano Goulart que o transportou para a cidade de Araguari onde, a 21 de abril do mesmo ano, tirou o jornal com a mesma denominação do local e que também foi o primeiro que ali se publicou.

Apenas se publicaram três edições com a denominação de O Paranaíba, sendo cada uma delas de 200 exemplares. O doutor des Genettes dando ao primeiro jornal editado nos sertões da Farinha Podre a denominação de O Paranaíba, quis com isso testemunhar a simpatia que devotava ao seu mui ilustre e jovem amigo José Paranaíba, que dentro em pouco deveria unir-se em matrimônio a uma de suas mais próximas parentas, segundo nô-lo afirmou um ilustre cavalheiro desta cidade, que teve como preceptor o mesmo Dr. des Genettes.

No velho e histórico prelo d'O Paranaíba, ainda se imprimiram, em Araguari, diversos outros periódicos, dentre os quais podemos nos lembrar d'A Miosótis. Em 1906, passou a ser propriedade do Sr. major Augusto de Lima, que nele imprimiu o O Triângulo, de Araguari.

Entretanto, não é desta opinião o brilhante jornalista do Triângulo, Sr. major Querubino Santos, pois, segundo escreveu em o hebdomadário o O Araguari, a propósito da “Imprensa de Uberaba”, “o Dr. des Genettes escolhera para o seu jornal o nome de O Paranaíba, por causa do rio que divide este do Estado de Goiás, querendo torná-lo simpático àquele povo vizinho; o pai do autor destas linhas, porém, sugeriu-lhe a ideia de mudar o nome do periódico para O Eco do Sertão, visto como era o primeiro eco do progresso que repercutia nestes sertões, sendo por ele aceito este alvitre”.

Até há pouco, gasto pela idade e cansado pelo trabalho, o histórico prelinho, que serviu à fundação da imprensa em três cidades do Triângulo Mineiro, jazia atirado a um canto das oficinas da Cidade de Araguari. É um herói que vencido pela idade e pelo trabalho ali descansa vendo e ouvindo, sem despeito, o ranger do seu sucessor. O ECO DO SERTÃO - Este periódico é a continuação do precedente, a partir do nº 4, distribuído a 18 de outubro de 1874. O seu formato por página impressa, media 0,32 x 0,20, e como O Paranaíba, teve as suas tiragens de 200 exemplares, até o nº 14, distribuído a 18 de dezembro do mesmo ano, passando

“A tipografia [escreve ainda o mesmo Sr. major Q. Santos] fora comprada pelo nosso parente e amigo João Modesto Batista dos Santos, no Rio de Janeiro, e por ele vendida ao Dr. des Genettes, tendo uma grande parte dos tipos chegado

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então a ser de 600 exemplares. O Paranaíba e O Eco do Sertão sempre tiveram como redator o mesmo Dr. des Genettes e como colaboradores, dentre outros, os Srs. tenente-coronel Antônio Borges Sampaio e J. A. de Paiva Teixeira.

antecedente, por termos sido forçados a mudar a tipografia para o prédio onde agora está estabelecida, e aí montar-se o novo prelo. Por esta falta sobrevinda independentemente da nossa vontade, pedimos desculpas.

Foi n'O Eco do Sertão que o Dr. des Genettes aventou e, largamente discutiu, a conveniência da separação do Triângulo, de Minas, e sua imediata anexação a São Paulo.

Em compensação aumentaremos o formato da folha.” Sob o título “A Nossa Empresa”, o Uberabense, em artigo de fundo, subscrito pelos senhores José Alexandre de Paiva Teixeira, Antônio Hermógenes S. Ribeiro e Antônio Augusto Pereira de Magalhães, diz o seguinte: “O fundador da empresa Eco do Sertão, o Sr. Dr. Henrique Raimundo des Genettes, cedeu aos novos proprietários Antônio Hermógenes Silva Ribeiro e Antônio Augusto Pereira de Magalhães, a parte que nela tinha, como o mesmo nosso amigo já o declarou em artigo publicado no nº 66 do dito jornal, em cuja ocasião patenteou as razões que teve para efetuar a cedência.

Do nº 24 em diante começou a se publicar com o formato um pouco maior, isto é, de 0,38 x 0,27, e uma tiragem de 650 exemplares, declarando-se “periódico imparcial”, “recebendo toda e qualquer publicação de interesse particular, vindo ela competentemente legalizada e em termos comedidos”. Escritório da redação à rua Direita, nº 13 (sobrado). Findou a sua publicação com o nº 66, em meados de março de 1876, passando a denominar-se Uberabense, cuja primeira edição saiu a 30 de março do mesmo ano, com o nº 67. Antes desse tempo o formato d'O Eco do Sertão havia se reduzido ao primitivo. Assinaturas: Para Uberaba – Ano 8$000 – Semestre - 5$000. Para fora – Ano - 10$000 – Semestre 6$000.

Coincidindo aquela circunstância com a chegada a esta cidade do novo, sólido e espaçoso prelo e diverso material que o fundador da empresa com o seu sócio Paiva Teixeira tinham encomendado nos Estados Unidos, e do qual a empresa atual fez aquisição, vai ela entrar em nova fase, continuando na direção da oficina, como impressor responsável, o antigo associado José Alexandre de Paiva Teixeira em sociedade com os cessionários, sob a razão social de Paiva Teixeira, Ribeiro & Magalhães.

BEIJA-FLOR - Publicado em fevereiro de 1875. Periódico recreativo, crítico, literário, comercial e político gerido por José Alexandre de Paiva Teixeira. Formato: 0,35 x 0,24. Este semanário, impresso em papel colorido, durou seis meses e se substituiu pelo imediato.

Este melhoramento facultou à nova empresa o amento no formato do jornal; então entendeu ela dever assinalar no país esta época, que marcava mais um ponto na vida do progresso, mudando o título do periódico.

GAZETA DE UBERABA - Este semanário, editado na tipografia d'O Eco do Sertão, apareceu em dias de agosto de 1875, tendo como diretor e redator José Alexandre de Paiva Teixeira. Formato - 0,33 x 0,25. Publicou-se até fevereiro de 1876.

O Eco do Sertão passa a chamar-se Uberabense, designando assim a única cidade conhecida no Império com o nome de Uberaba, e cuja importância comercial, posição geográfica, riqueza do solo, salubridade do clima, crédito financeiro e recursos naturais, lhe profetizam um futuro grandioso.

O RELÂMPAGO - Este semanário, impresso nas antigas oficinas do O Eco do Sertão, dirigido e redigido pelos Srs. Dr. Henrique Raimundo des Genettes e José Augusto de Paiva Teixeira (o mesmo José Alexandre), foi distribuído a 13 de fevereiro de 1876. Tinha como redator-chefe o tenente-coronel Antônio Borges Sampaio e como colaboradores Antônio Hermógenes da Silva Ribeiro, Zeferino Borges Sampaio, Antônio Augusto Pereira de Magalhães e outros.

Mas a mudança no título do jornal, bem como o acréscimo no formato, não importa aumento no preço das assinaturas, que continua a ser o mesmo das do Eco do Sertão. Assim como a cessão da parte da empresa aos novos proprietários não prejudicará aos assinantes do Eco, pois que estes continuarão a receber o Uberabense até 30 de setembro do corrente ano sem novo pagamento.

Era órgão crítico, humorístico, recreativo, satírico, literário, noticioso e comercial. UBERABENSE - Hebdomadário de grande formato (0,35 x 0,25 por página impressa), aqui publicado a 30 de março de 1876, em continuação ao O Eco do Sertão, a partir do nº 67. Propriedade de Paiva Teixeira, Ribeiro Magalhães; editorresponsável: J. A. de Paiva Teixeira; gerente: Antônio Augusto Pereira de Magalhães e redator: tenente-coronel Antônio Borges Sampaio.

É do programa do Uberabense o continuar a ser advogado das províncias de Minas, Goiás e Mato Grosso, e da parte da de São Paulo que lhe fica limítrofe.

Quatro páginas a três colunas, margens largas.

A lavoura, o comércio, as artes, a indústria do sertão, hão de merecer a atenção da redação, tanto quanto lho permitir suas forças.

Em “Aviso aos Senhores Assinantes”, diz o seguinte: “Não pudemos conseguir a publicação do jornal na semana

A religião do Estado, a instrução pública, a política geral, e tudo o que for relativo ao desenvolvimento material e moral

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do país, será tratado com o interesse que merecem questões desta ordem, em prol da sociedade em geral e da família em particular. Aceitará a análise razoável dos princípios e usos religiosos, como o permite a Constituição do Império.

* Com o desaparecimento do Uberabense, no segundo semestre de 1876, ficou Uberaba sem imprensa até o dia em que se publicou O Progresso, que se segue imediatamente.

Em sua parte editorial guardará o Uberabense cuidadosa neutralidade na luta dos partidos políticos aceitando, em seção livre, a discussão sobre defesa deles, qualquer que seja a opinião que manifestar-se, sendo comedida, decente e responsabilizada para isentar o impressor nos termos do cód. criminal.

Foi no Uberabense que o seu redator Paiva Teixeira deu a Uberaba a denominação de Princesa do Sertão. O PROGRESSO - Publicado a 15 de março de 1878. Semanário imparcial e noticioso redigido pelos senhores Dr. Tomás Pimentel de Ulhoa, Joaquim Antônio Gomes da Silva Júnior e Venceslau Pereira de Oliveira; editado por J. A. de Paiva Teixeira, na tipografia Americana.

Com estas mesmas condições publicará quaisquer censuras aos atos da pública administração, bem como a análise das leis, não se provocando a desobediência a elas.

O Progresso publicou-se até princípios de 1879.

Em todos os casos e debaixo dos mesmos princípios, franqueará a defesa, ainda que seja a respeito da própria redação.

Por pouco tempo Uberaba ficou novamente sem imprensa até o aparecimento da Gazeta de Uberaba (2ª) imediata.

Os escritos de interesse geral, qualquer que seja a matéria de que tratarem, serão recebidos pela redação com muito agrado. Conhece a empresa que no interior do país há ilustrações amantes do progresso, há oprimidos e há pessoas que desejam comunicar as injustiças cometidas em algumas localidades, mas que receiam-se de que seus escritos sejam conhecidos antes de ajuizados. Querendo a empresa conservar os foros de honestidade e inteireza, mas em harmonia com a justiça e os direitos dos seus concidadãos, ela garantirá, tanto quanto estiver na sua parte, absoluta reserva dos autógrafos anônimos até a execução judiciária, quando isto lhe for especialmente recomendado: levará neste ponto o sigilo ao ponto de copiar novamente o escrito antes de ir para a oficina de composição.

GAZETA DE UBERABA (2ª) – Diário de grande formato, fundado a 27 de abril de 1879, pelos senhores Dr. João Caetano & Rosa. A Gazeta de Uberaba, fundando-se sem cor política, para a defesa dos interesses de Uberaba e zonas circunvizinhas, por diversas vezes se bateu, ardorosamente, por causas políticas, entrando em lutas partidárias um ano depois, com o Correio Uberabense, a cuja redação figuravam as adamantinas penas dos talentosos literatos Srs. Joaquim Antônio Gomes da Silva Júnior e J. Gaspar da Silva, pelo Partido Liberal, enquanto que aquela era não menos brilhantemente redigida pelos ilustrados jornalistas doutores João Caetano de Oliveira e Sousa, Tomás Pimentel de Ulhoa, João José Frederico Ludovice e tenente Venceslau Pereira de Oliveira.

Enfim, a nova empresa promete satisfazer a este compromisso, porque quer obter os foros de jornalismo acreditado na opinião do país. Pequeno no espaço assim mesmo o Uberabense ambiciona concorrer com o seu óbolo para o grande edifício do progresso.

Estas lutas de verdadeiros Titãs, de longe acompanhadas, deram renome a Uberaba. A eleição do Dr. João Caetano para deputado à Assembléia Mineira, em 1885, veio retirá-lo da imprensa de Uberaba, ficando, então, à frente da folha aqueles mesmos senhores e mais o notabilíssimo jornalista Dr. Juventino Policarpo Aires de Lima, a esse tempo juiz municipal desta cidade.

Para chegar ao fim que se propõe, não poupará sacrifícios. O ter a empresa conseguido do Sr. tenente-coronel Antônio Borges Sampaio que faça parte da redação já é uma garantia. O Sr. Sampaio é bem conhecido pelo seu amor ao trabalho, à verdade, à justiça e respeito as leis; distingue-o o seu caráter ilibado, espírito de ordem, notável moderação, e o hábito de escrever para a imprensa desde muito anos.

Político conservador, o Dr. Juventino sustentou mais ardorosamente a luta que o adversário lhe movia pelas colunas do Monitor Uberabense e quando finda a existência deste, continuou-a pelas da Gazetinha Mineira, politicamente redigida pelo venerando Sr. tenente-coronel Antônio Borges Sampaio, do Partido Liberal.

O público, que benévolo costuma acolher os trabalhadores do progresso se dignará auxiliar a empresa, que agora se lhe apresenta saudando-o; e, com o seu concurso, conseguirá levar ao fim a árdua tarefa que empreendeu.”

A nomeação do Dr. Juventino para a juizança de direito do Araxá, veio, se bem que por pouco tempo, afastá-lo da política local, até que removido para a comarca de Entre-Rios, no governo de Cesário Alvim, exonerou-se, voltando novamente a redigir a Gazeta de Uberaba, a cuja frente esteve até o seu passamento, em 1890.

A edição número 73 do Uberabense, de 4 de junho de 1876, traz o nome do editor-responsável José Alexandre de Paiva Teixeira mudado para José Augusto de Paiva Teixeira.

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Substituiu-o por mais de um ano o Sr. professor de geografia Alexandre de Sousa Barbosa, sucedido pelo Sr. Dr. Joaquim José de Saraiva Júnior, promotor da justiça pública de Uberaba, até a sua remoção para igual cargo, na cidade de Monte Alegre.

políticos os senhores Drs. Lauro de Oliveira Borges e Alaor Prata Soares, cessando a sua publicação em 1912. O Sr. coronel Tobias Antônio Rosa fundando em 23 de novembro de 1913 a Gazeta do Triângulo, passou, por transação comercial, em 10 de outubro do ano seguinte, a propriedade desta folha a uma Associação Anônima do Partido Republicando Mineiro Democrata.

Passou a folha, daí por diante, a ser redigida pelo Dr. Crispiniano Tavares, José Maria Teixeira de Azevedo Júnior, Artur Lobo, Manuel Pinto Ferreira Júnior e outros, defendendo a esse tempo o Partido Republicano Mineiro chefiado pelo coronel José Francisco da Silva e Oliveira.

Havendo em 25 de dezembro de 1915 uma profunda desinteligência entre os acionistas do jornal e o seu fundador, este desligou-se da gerência da Gazeta do Triângulo, do Partido Republicando Mineiro Democrata e reencetou, com o nº 3.759, a publicação da Gazeta de Uberaba, como órgão do Partido da Concentração Municipal de Uberaba. Nesta atitude esteve até 1917, desaparecendo com a morte de seu fundador.

Em princípios de 1895, circunstâncias de ordem privada levaram Tobias Antônio Rosa, proprietário da Gazeta de Uberaba, a transportar-se para Ribeirão Preto e aí continuar a publicação da folha com o título de São Paulo e Minas e dois anos depois - a 7 de setembro de 1897, reencetar a publicação da mesma, nesta cidade.

* A Gazeta de Uberaba iniciou a sua publicação com o formato um pouco menor que o que tinha ao findar-se a sua existência, de 0,55 x 0,38,5. Era periódico-semanal. Depois de 30 de novembro de 1894, passou a ser publicada seis vezes por mês, assim continuando até ser transferida para Ribeirão Preto, onde, com o título de São Paulo e Minas, distribuiu a sua primeira edição (correspondente ao nº 1.032 da Gazeta) a 14 de abril de 1895.

Terminando-se então o mandato Bias Fortes à presidência de Minas, sucedeu-o Silviano Brandão, cuja administração criou, em Uberaba, um forte partido - o da Lavoura, em oposição ao seu governo. A Gazeta, então redigida pelo agrônomo Dr. Militino Pinto de Carvalho, pôs-se ao lado de Silviano, em férrea luta com o Lavoura e Comércio, criado para a defesa daquela facção política, e redigido pelo doutor Antônio Garcia de Adjuto.

Transferida para Uberaba em 1897, a Gazeta passou a ser impressa até 21 de janeiro de 1910 em prelo marinoni, adquirido ao proprietário da extinta Cidade de Uberaba.

Nesse posto esteve até a fusão dos partidos – Republicano Mineiro e da Lavoura, em primeiros dias de janeiro de 1903, dedicando-se daí por diante, até maio de 1909, à defesa dos interesses gerais, alheia à política local.

Em 1º de janeiro de 1903, tornou-se diária, com o formato bastante reduzido (0,40 x 0,28); quatro páginas, a cinco colunas cada uma. Em fevereiro seguinte aumentou o formato para 0,46 x 0,34, a seis colunas e, finalmente, em 1º de janeiro de 1907, tomou as proporções de uma grande folha, a sete colunas, medindo o formato 0,55,5 x 0,38,5. Nas suas oficinas, montadas a capricho, à rua Tristão de Castro, nº 2, executavamse excelentes trabalhos de arte tipográfica. A tiragem então era de 1.200 exemplares, impressos a quatro e seis páginas.

Durante esse tempo, redigiram-na: José Maria Teixeira de Azevedo Júnior, Dr. Acrísio da Gama e Silva, Desidério Ferreira de Melo, doutores José Maria dos Reis, Fidélis dos Reis, Hildebrando de Araújo Pontes, Filipe Aché e João Elói da Costa Camelo. A indicação dos candidatos da Convenção Nacional de 22 de maio de 1909, à presidência da República, estando em desacordo com as ideias dos diretores e redatores da Gazeta de Uberaba, tornou esta folha defensora do nascente Partido Civilista, redigida politicamente por Sílvio, pseudônimo do Sr. Dr. Filipe Aché.

A coleção completa da folha consta de mais de quarenta volumes ricamente encadernados. Nos trinta e oito anos de sua publicação, a Gazeta de Uberaba conta um numeroso corpo de colaboração representado por distintos jornalistas nacionais e estrangeiros, podendo-nos apenas lembrarmos dos seguintes, além dos muitos que já foram mencionados: Alexandre de Sousa Barbosa, Randolfo Ribeiro, Dr. Joaquim Antônio de Oliveira Botelho, Dr. João Teixeira Álvares, Elisiário de Vasconcelos, Dr. Frederico Maurício Draenert, Francisco Jardim, Dr. Fidélis dos Reis, M. Machado, Dr. Ricardo Ernesto Ferreira de Carvalho, J. Gaspar da Silva, Dr. J. Amândio Sobral, Dr. Estêvão Leão Bourroul, Dr. Militino Pinto de Carvalho, Desidério Ferreira de Melo, Dr. José Maria dos Reis, Dr. Gabriel Laurindo de Paiva, Domingos Fernandes Machado, Pio Goulart Brum, Dr. Alaor Prata Soares, Diocleciano Vieira, Pinheiro Machado Nunes, Joaquim de

Entretanto, por transação comercial efetuada em 21 de janeiro do ano seguinte, entre os seus diretores Srs. Tobias Rosa & Filho e o coronel Américo Brasileiro Fleuri, passou a ser a Gazeta de Uberaba, desse dia em diante, propriedade do último. Esta transação inverteu diametralmente os polos de defesa política da folha, que passou a ser órgão francamente hermista, politicamente redigida pelo Sr. deputado Dr. Afrânio de Melo Franco e literariamente pelo Sr. Dr. José Afonso de Azevedo. Cessada a campanha hermista, continuou como órgão do Partido Republicano Mineiro, tendo como redatores-

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Araújo Vaz de Melo Júnior, Augusto César, Oscar Leal, Artur Goulart, Dr. J. S. Rodrigues da Cunha, Dr. Álvaro Caldeira, Dr. Alexandre da Cunha Campos, Dr. Pádua Resende, Teófilo Barbosa, Artur Costa, Manuel Pinto Ferreira Júnior, Coelho Júnior, Lucas do Prado, Dr. J. Felício Buarque de Macedo, Lafaiete de Toledo, Gustavo Teófilo Alves Ribeiro, Dr. Joviano de Morais, d. Maria Amaro Ribeiro, d. Camila , Francisco de Paula e Oliveira França, José da Mata, Noraldino Lima, Artur R. da Silva, Teófilo de Godói, Júlio Mirabeau, José Morbeck, Dr. Hildebrando de Araújo Pontes, Artur de Brito Machado, Valdemiro Speridião, José Gonçalves Valim Piraí, Nicolau Soares, Dr. Filipe Aché, Acácio Azevedo, Francisco de Melo Franco, Dr. Maximiano Otávio de Lemos, monsenhor Inácio Xavier da Silva, Atanásio Saltão, Manuel Filipe de Sousa, cel. Manuel Fernandes Machado, cel. Eduardo Daniel Ferreira Dias, Dr. José Godofredo de Moura Rangel, Alfonsus de Guimarães, Eugênio Rubião, Dr. José Júlio de Freitas Coutinho, Guerim Pucci, etc., etc.

colaboradores Joaquim Antônio Gomes da Silva Júnior, J. Gaspar da Silva e J. A. de Paiva Teixeira. Durou pouco a sua publicação. O TIRADENTES - A 21 de abril de 1881, foi distribuído um pequeno jornal com este título, em homenagem ao Protomártir da Liberdade. O Tiradentes foi o primeiro jornal republicano publicado em Uberaba. Durou cerca de ano e meio. A MOÇA – Órgão de pequeniníssimo formato, dedicado ao belo-sexo uberabense. A sua única edição impressa em papel de linho, sob a redação do Sr. João Setúba1, tipógrafo das oficinas da Gazeta de Uberaba, foi distribuída a 30 de outubro de 1881. MONITOR UBERABENSE - Órgão político, literário, noticioso e comercial de grande formato: 0,54 x 0,38. Publicou a sua primeira edição, com o número 89, a 19 de fevereiro de 1882, em continuação do Correio Uberabense. A propósito, na primeira edição do Monitor, em artigo de fundo subscrito pelos Srs. J. A. Gomes da Silva e J. A. de Paiva Teixeira, sob o título “A Nossa Folha”, lê-se o seguinte: “Na melhor harmonia e por acordo amigável, retirou-se da empresa do Correio Uberabense o nosso prestimoso amigo major Joaquim José de Oliveira Pena, entrando como seu sucessor, o redator político - Gomes da Silva.

O RECREIO - O primeiro número deste jornalzinho, impresso nas oficinas da Gazeta de Uberaba, foi distribuído a 29 de fevereiro de 1880. Publicava-se em dias indeterminados e sempre em papel colorido. Tinha o cabeçalho, por baixo, ornado de figurinhas carnavalescas. A série de 10 números custava 1$000. Foi fundado e redigido pelo tipógrafo paulista Francisco dos Santos Bastos. Formato: 0,25 x 0,17. CORREIO UBERABENSE - Este semanário político, literário, noticioso e comercial, de grande formato (0,54 x 0,38), de propriedade dos Srs. Oliveira, Pena & Teixeira, distribuiu o seu primeiro número a 30 de maio de 1880.

A nova empresa do Monitor Uberabense aparecerá sob a firma de Gomes & Teixeira. À sua primitiva redação alia-se o respeitável nome do nosso distinto correligionário tenente-coronel Antônio Borges Sampaio, cujo devotamento à prosperidade e manutenção do bem público, é assás conhecido; e, por isso, é mais uma garantia para a estabilidade do nosso jornal na pugna da imprensa.

Como órgão do Partido Liberal sustentou, pelo pena de seu redator político Joaquim Antônio Gomes da Silva Júnior, renhidíssima e prolongada luta com a Gazeta de Uberaba, do Partido Conservador, então politicamente redigida pelo brilhante jornalista dr. Juventino Policarpo Aires de Lima.

O Monitor Uberabense, continuador do Correio Uberabense, desenvolverá o mesmo programa que submetemos à apreciação do público, quando publicamos o primeiro número deste último jornal.

O Correio Uberabense, ultimamente, trazia duas penas desenhadas no título; por isso o humorismo do adversário crismou-o por “Correio das Penas” ou “Correio das Penúrias”.

Alenta-nos a esperança de que, inspirados no amor que votamos à causa do desenvolvimento moral e material do país, e especialmente da zona sertaneja que habitamos, possamos manter com inquebrantável fidelidade a confiança e o lisonjeiro acolhimento com que nos tem honrado a opinião pública”.

Era, literariamente, redigido pelo notável poeta português J. Gaspar da Silva, posteriormente visconde de São Boaventura, hoje falecido em Portugal. O Correio Uberabense publicou 88 edições, sendo a última a 12 de fevereiro de 1882, substituindo-se pelo Monitor Uberabense, distribuído a 19 dos mesmos mês e ano, trazendo a sua primeira edição o nº 89.

O Monitor Uberabense tinha o escritório e tipografia à rua São Sebastião, 3, passando ultimamente a redação para a rua Vigário Silva, nº 13. Cessou a sua publicação em 1885.

O MINEIRO - Publicado em 1881. Jornal humorístico, crítico e noticioso de formato mignon que pouco durou. Era, segundo nos informaram, impresso nas oficinas tipográficas do Correio Uberabense, e redigido por Eduardo Bernardes.

“Anúncios e outras publicações 100 réis por linha; metade nas repetições. Não se publicam anúncios de fuga de escravos.

A VESPA - Semanário de formato mignon, impresso nas oficinas do Correio Uberabense, e propriedade de Dario de Paiva, publicado a 9 de março de 1881. Teve como

Não se restituem autógrafos.

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Toda e qualquer reclamação relativa à empresa do Monitor Uberabense, deverá ser dirigida aos seus proprietários Gomes & Teixeira.

A partir do 2º ano, O Volitivo que tinha o formato de 0,20 x 0,15, duplicou-o para 0,38 x 0,28. Impresso na Gazeta de Uberaba.

Redator-político Antônio Borges Sampaio; redatorchefe Joaquim Antônio Gomes da Silva e redator-literário J. Gaspar da Silva.”

O DENTISTA - Primeiro jornal reclame publicado em Uberaba, a 9 de novembro de 1884. Este órgão humorístico, bastante chistoso, era redigido pelo seu proprietário sr. Oscar Leal. Publicava-se em lugares e dias indeterminados por não ter, como disse, “domicílio certo”, editando-se nos lugares onde o seu redator chegava.

A VIOLETA - Semanário de pequeno formato (0,18 x 0,12), impresso em tipografia própria, publicado a 8 de janeiro de 1882, sob a direção e propriedade de Cecílio Antônio da Silva.

Recentemente (16 de junho de 1919) achando-nos em Lisboa, a manusear catálogos de um grande número de livrarias, encontramos, com prazer, dentre os livros raros, a Viagem ao Centro do Brasil, de Oscar Leal, a cuja página 65, se lê:

Foi a A Violeta o primeiro jornal de Uberaba que aventou a ideia de se ajardinar a praça da Matriz. Teve como colaboradores J. A. Gomes da Silva, J. A. de Paiva Teixeira, doutores Juventino Policarpo Aires de Lima, João José Ludovice Frederico e outros.

“No dia 6 de novembro (de 1884) fez um mês que me achava em Uberaba.

O CARRAPATO - Semanário mignon impresso nas oficinas do Correio Uberabense, distribuído a 23 de abril de 1882.

Uma idéia naturalíssima veio despertar-me nas horas vagas durante alguns dias. Consistia na publicação de uma folha viajante como prática do sistema americano e propaganda da arte dentária. Seria talvez a primeira neste sentido publicada no Brasil, e seria, também, jornal de distribuição gratuita e sem dia marcado de publicação.

Publicou dez números, sob a direção e redação de Reduleiro. Era órgão humorístico e crítico. O DENUNCIANTE - Deste pequeno jornal distribuiu-se uma única edição, a 29 de outubro de 1882.

Pus mãos à obra e a nove do mesmo mês era espalhado o primeiro número em pequeno formato”.

Ignoramos os fins a que era destinado bem como o nome de seu fundador e redator.

Presumimos que aqui só se houvesse publicado essa edição, visto como o sr. Oscar Leal, redator proprietário d'O Dentista, deixava Uberaba no dia 15 seguinte, em demanda de Paracatu.

O NEVOEIRO - Como o precedente só sabemos ter sido o O Nevoeiro publicado em 1882. O RAIO - Órgão crítico, chistoso e literário, impresso nas oficinas do Monitor Uberabense, sob a redação de Francisco dos Santos Bastos. Formato mignon.

FILHO DO POVO - Hebdomadário em substituição do O Waggon, tendo como este, os mesmos redatores Manuel Filipe de Sousa e J. A. de Paiva Teixeira. O seu primeiro nº distribuiu-se a 8 de março de 1885 e o último (50º) a 14 de abril de 1886.

O seu primeiro número distribuiu-se a 14 de janeiro de 1883. Publicação indeterminada.

Do nº 25 em diante passou a redigi-lo Randolfo

O PALADINO - Hebdomadário recreativo, literário, publicado a 9 de julho de 1883, de propriedade dos Srs. Alves & Vannier, tipógrafos do Monitor Uberabense, onde era impresso.

Ribeiro. O CAIPIRA – Pequeno semanário, com formato de 0,30 x 0,20, sem crença política, “propondo-se a advogar especialmente a classe rude, cujo nome adotou, prometendo ser imparcial sempre que tratar de qualquer assunto”. Apareceu a 19 de maio de 1885 e desapareceu a 19 de setembro seguinte. Redatores: João Rodrigues Fernandes e Randolfo Ribeiro, e colaboradores, além de outros, Otaviano de Toledo.

Colaboradores: Otaviano de Toledo e outros. Formato: 0,29 x 0,20. O WAGGON - Semanário crítico, literário, dedicado aos interesses de Uberaba, Prata, Monte Alegre e Sul de Goiás, alheio à política. Sua divisa era: “Pensar e agir”. Apareceu a 3 de fevereiro de 1884 e cessou a sua publicação com o nº 52 distribuído a lº de fevereiro de 1885. Redigido por Manuel Filipe de Sousa e J. A. de Paiva Teixeira. Formato: 0,37 x 0,25.

Era impresso nas oficinas do Monitor Uberabense. GAZETINHA MINEIRA - Publicada a 17 de maio de 1886, sob a direção e redação dos senhores Manuel Filipe de Sousa e J. A. de Paiva Teixeira, e gerência de Dário de Paiva.

Foi substituído pelo Filho do Povo. O VOLITIVO - Folha semanal, literária, crítica e noticiosa; propriedade de L. de Toledo & Comp.; redigida por Silvério J. Silva, Lafaiete e Otaviano de Toledo. Publicado a 3 de agosto de 1884. Cessou a sua publicação com o nº 61, distribuído a 27 de setembro do ano seguinte.

Em artigo programa diz: “Adota sem restrição o mesmo programa dos seus antecessores - O Waggon e Filho do Povo - e, como eles, fará consistir o seu principal melindre na completa isenção de paixões políticas”. Publicou-se por espaço de dois anos, tornando-se antes desse tempo órgão do Partido

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Liberal. Politicamente era redigido pelo tenente-coronel Antônio Borges Sampaio, o qual aí travou com a Gazeta de Uberaba, acalorada discussão política.

regularmente. O seu formato era menor que o do precedente, impresso em tipografia própria. O BREAK – Órgão crítico, literário, muito espirituoso. Colaboradores diversos.

Por fim, o formato da Gazetinha Mineira foi aumentado para 0,47 x 0,33 e o cabeçalho em tipo manuscrito, com um traço por baixo.

Propriedade de S. J. da Silva. Distribuiu-se em maio de 1889, durando um trimestre

O RABEQUISTA – “Órgão do club carnavalesco Valete de Ouros. Publicação anual. - Redatores e colaboradores - os que se apresentarem”.

apenas. A MARCHA - Foi o segundo jornal republicano de Uberaba, publicado a 11 de agosto de 1889. Distribuiu-se aos domingos.

A primeira e única tiragem de dez mil exemplares, foi distribuída a 20 de fevereiro de 1887.

No expediente do jornal lê-se o seguinte:

No expediente lia-se o seguinte:

“A Marcha foi criada para a defesa e divulgação da ideia republicana. São seus principais redatores os doutores José de Oliveira Ferreira e Manuel Raimundo de Melo Meneses. Colaboradores diversos.

“O Rabequista distribui-se gratuitamente. Não aceita anúncios de escravos fugidos. Anúncios e outras publicações a 5$000 por linha. Os autógrafos ainda que não sejam publicados não serão restituídos.

Para alargamento de sua circulação estabeleceu um preço módico para as assinaturas, esperando, portanto, a proteção de todos.

Se algum dos cavalheiros a quem foi distribuído este número d'O Rabequista, apesar da barateza da assinatura, não quiser assiná-lo, sirva-se devolvê-lo ao nosso escritório.

É propriedade de Elisiário de Vasconcelos a quem deve ser dirigida toda a correspondência.”

Toda e qualquer correspondência deve ser dirigida à

O formato curto deste jornal (0,42 x 0,33) faz lembrar a aparência de certos indivíduos que apertam o cinturão no tórax.

redação.

Era, a A Marcha, impressa em tipografia própria.

Não se aceitam assinaturas por menos de um ano.”

O CLARIM - Pequeno e interessante semanário crítico, dedicado ao belo sexo, propondo-se a “dizer a verdade nua e crua”, distribuído a 27 de outubro de 1889. Redigido pelos jovens Joaquim de Araújo Vaz de Melo Júnior e Teófilo José da Silva, tipógrafos da A Marcha, em cujas oficinas era impresso.

Formato: - 0,40 x 0,27. Traz algumas ilustrações. AURORA MINEIRA - Das oficinas tipográficas da Gazeta de Uberaba, sob a direção e redação dos tipógrafos José Antônio de Paula Júnior e Francelino Cardoso, surgiu à luz da publicidade, em 1887, a Aurora Mineira, semanário de pequeno formato e efêmera duração.

Teve duração efêmera. O DIA - Jornal manuscrito, de formato pequeno, tirado em papel xadrez custando apenas 1$000 o trimestre.

REVISTA DA SEMANA - Órgão popular, de propriedade de José Antônio de Paula Júnior & Compª. Publicava-se em dias indeterminados. Redatores diversos.

Este semanário, distribuído em 1890, era órgão católico e de propriedade dos alunos da Escola Magalhães. Tiragem: 100 exemplares. Publicou-se por espaço de quatro meses. Foi o primeiro jornal manuscrito de Uberaba.

Em expediente declara o único número que temos à vista, que: “'Toda a correspondência deve ser dirigida aos seus proprietários José Antônio de Paula Júnior e Francelino Cardoso, na tipografia da Gazeta de Uberaba, onde é impressa”. Publicou-se em 1887, por espaço de, mais ou menos, seis meses.

O CAIPIRA - Segundo deste nome. Semanário manuscrito ilustrado, in 8º, com uma tiragem de 20 exemplares, ao preço de 1$500 por trimestre, quanto durou. O COMÉRCIO - Semanário distribuído a 7 de setembro de 1890, dedicado aos interesses de onde tira o nome.

JORNAL DE UBERABA - À cerca da distribuição deste jornal, a 19 de maio de 1889, assim se pronunciou a Gazeta de Uberaba: “É um pequeno e interessante semanário, órgão imparcial noticioso e comercial do sr. João de Aquino da Silva e Oliveira. É seu redator Manuel Filipe de Sousa que redigiu há pouco a Gazetinha Mineira”.

Formato: 0,33 x 0,24. Propriedade de Oliveira & França. Impresso em tip. própria, a rua Vigário Silva. Publicou-se por espaço de cinco meses.

Publicou, segundo nos consta, cinco números,

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dos tipógrafos Campos & Gonçalves (respectivamente Romão Leal de Campos e Eduardo Gonçalves de Oliveira), impresso nas oficinas d'O Comércio.

periódico que só publicou duas edições, sendo a primeira a 5 de fevereiro de 1893, assim se pronunciou a Gazeta de Uberaba: “Distribuiu-se o prospecto deste nosso colega de imprensa. É de esperar-se que a nova folha se firme e preste relevantes serviços atendendo ao critério, inteligência e tenacidade de seu redator nosso amigo José Rodrigues da Costa, cavalheiro trabalhador, dedicado e perseverante.

Distribuiu-se a 7 de outubro de 1890; cessando a sua publicação cinco meses depois. REVISTA UBERABENSE - Semanário distribuído em maio de 1891, em substituição ao O Povo. Era propriedade de Romão Leal, impresso em tipografia própria que servira para a tiragem do Jornal de Uberaba, de João de Aquino da Silva e Oliveira. Eram seus redatores os jovens: Francisco da Cunha Peixoto Leal (posteriormente sacerdote), Firmo Velasco, Luís Inácio de Sousa Lima, João Augusto Chaves, Joaquim de Araújo Vaz de Melo Júnior e Vicente Anconi.

O seu programa é o seguinte: Não será louvaminheiro; será publicado duas vezes por mês e não terá pornografias. Não julguem que A Procela será cheia de tempestades; muito bonançosa, seu intuito e não ofender alguém; inda que trocista nunca será uma barraquinha de feira.

Publicou-se por espaço de seis meses.

Este prospecto é distribuído gratuitamente, bem como o foram gratuitamente todos os anúncios nele inseridos.”

A REVISTA - Este semanário, de maiores dimensões que o precedente, do qual foi a continuação, era redigido pelo mesmo Romão Leal, seu proprietário. Publicou-se a 20 de fevereiro de 1892 e desapareceu ao fim de seis meses.

Expediente: “O próximo número saíra a 26 deste e só será assinante quem se inscrever. Todas as publicações serão feitas por ajuste, sendo que os anúncios deste prospecto só serão publicados por ordem expressa dos seus donos.

A ESPERA - Semanário crítico, noticioso e humorístico, publicado a 5 de agosto de 1892. Redator-proprietário: Romão Leal.

A assinatura será de 3$500 anuais para a cidade e 4$500 sujeitos a porte; vender-se-á avulso por 220 rs.”

Publicou-se por espaço de quatro meses e sempre em papel colorido.

Formato: 0,29 x 0,19.

O POPULAR - Hebdomadário redigido por Antônio Pereira de Artiaga e Desidério Ferreira de Melo.

Impressa na tip. da Gazeta de Uberaba. O TEMPO - Semanário literário, noticioso, publicado a 6 de março de 1893, sob a redação de J. Q. (Joaquim Quintino) e propriedade do seu editor Romão Leal.

O Popular apareceu mais ou menos em outubro de 1892. Em fevereiro seguinte associaram-se à empresa do jornal o coronel José Francisco da Silva e Oliveira e Teófilo de Medeiros, constituindo-se então a firma social de Oliveira, Medeiros & Compª. Todo o expediente da folha ficou a cargo do sócio Artiaga.

Era impresso na tipografia em que também o foram a Revista Uberabense, A Revista, A Espera, etc., a rua do Comércio - 14. O formato das 19 primeiras edições media 0,22 x 0,16, sendo o das demais duplamente aumentado. Publicou 29 edições, sendo a última a 28 de agosto do mesmo ano. A esse tempo já se declarava órgão imparcial, redigido e colaborado por diversos.

Da organização desta firma resultou a aquisição de um grande e excelente prelo para a impressão, mais copiosa, de um periódico de maiores dimensões, com outro título, em sucessão ao O Popular - a A Tribuna do Povo. O Popular, que contava excelente corpo de colaboradores, publicou-se até meados de junho seguinte.

TRIBUNA DO POVO - Semanário de grande formato (0,54 x 0,39), editado em tipografia própria, em substituição ao O Popular, sob a direção e redação de Antônio Pereira de Artiaga, Desidério Ferreira de Melo e outro. Durou um ano e pouco, sendo ultimamente redigido por Antônio de Sousa Guimarães. Redação a rua do Comércio, nº 6.

GAZETINHA - Este pequeno jornal, que só distribuiu uma única edição no dia 15 de janeiro de 1893, dizia-se semanário crítico, noticioso. Redator-proprietário - Romão Leal; colaboradores: Elisiário de Vasconcelos e Teófilo de Medeiros. Logo após a distribuição da folha, alguém que se julgou ofendido com as ideias expendidas por um dos redatores da mesma, arremeteu-se agressivamente com o autor.

OX... Jornal de formato mignon, impresso nas oficinas da Tribuna do Povo, sob a redação de Artur Lobo. Distribuiu-se em 1894.

A Gazetinha reencetou a sua publicação em 4 de março do ano seguinte, tendo como diretor e redator-chefe José Augusto de Paiva Teixeira (Casusa).

GAZETINHA - Órgão provisório do Club Parlamentarista Quatro de Março, distribuído neste dia do ano de 1894, sob a redação de José Augusto de Paiva Teixeira (Casusa) e gerência de Firmino Meireles. É o segundo periódico

A PROCELA - Sobre o aparecimento deste pequeno

O POVO - Semanário in 8º, de propriedade e redação 72

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Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

do mesmo nome e em cuja continuação vem. Publicava-se semanalmente, havendo, contudo ocasiões de circular duas, três e mais vezes por semana. O seu formato foi de 0,27 x 0,19 durante ano e tanto, duplicando-se daí por diante.

Convergência - nº 23 - setembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro

Cesar Vanucci - Acadêmico Cadeira número 09 - Belo Horizonte

Constitucional, chefiado pelo coronel José Francisco da Silva e Oliveira. Fez a propaganda da candidatura Silviano Brandão à presidência do Estado; defendeu sempre os direitos da República. Impresso em prelo marinoni, com oficinas próprias, a rua Vigário Silva e de propriedade do seu editor Cecílio Antônio da Silva.

Publicou-se por cerca de mais ou menos quatro anos, substituindo-se então pelo Triângulo Mineiro. No seu corpo de colaboradores se contavam: dr. João Caetano de Oliveira e Sousa, Manuel Filipe de Sousa, Gustavo Teófilo Alves Ribeiro, tenente-coronel Antônio Borges Sampaio, Miguel de Leonissa, dr. Frederico Maurício Draennert, dr. Crispiniano Tavares, Otávio Augusto de Paiva Teixeira, etc., etc. Imprimia-se em tip. própria a rua Marechal Deodoro (antiga do Imperador) e atual Saldanha Marinho, em singelo prelo manual. Discutia assuntos de interesses vários, notadamente agricultura, tendo em princípio sido órgão político.

Esse prelo, posteriormente adquirido pela Gazeta de Uberaba onde passou a ser impresso, foi mais tarde vendido para a empresa editora do Brasil Central, desta cidade, em 1911. A Cidade de Uberaba teve como redatores e colaboradores os senhores: Antônio Pereira de Artiaga, Desidério Ferreira de Melo, Artur Lobo, Teófilo Luís de Medeiros, Gustavo Teófilo Alves Ribeiro, Antônio Cesário da Silva e Oliveira, José Maria Teixeira de Azevedo Júnior, Francisco Itagiba, Bráulio Prego, Atanásio Saltão, Dr. José de Oliveira Ferreira, Dr. Mário Pio Guimarães Torinho, Venceslau Pereira de Oliveira , Antônio Mamede de Oliveira Coutinho, Dr. José Luís Álvares da Silva, Antônio Borges Sampaio, Dr. Alexandre da Cunha Campos, José Dias Soares, coronel João Quintino Teixeira, Astolfo Vasconcelos, Artur Costa, Aurélio de Araújo Vaz de Melo, Dr. Moisés Correia do Amaral, Joaquim Néri, Macário Antônio dos Santos, Aurélio Lara e outros muitos.

A SOGRA - Periódico semanal, literário, crítico e noticioso dedicado aos interesses sociais, impresso na tip. da Gazetinha, sob a redação do jovem Fausto de Paiva (Nandaca). Distribuiu-se o seu primeiro número a 3 de junho de 1894. A princípio as dimensões do seu formato apenas mediam: 0,12 x 8 e as do último 0,19 x 0,14. Por três vezes interrompeu-se a sua publicação; reapareceu a segunda vez em 7 de março de 1896, e a última em 20 de março de 1898, e já com o título de órgão político dedicado aos interesses sociais, redigido pelo mesmo Fausto de Paiva e Adelardo Rodrigues.

Durante os 18 meses de sua existência a Cidade de Uberaba publicou cerca de 80 números, com o formato de 0,51 x 0,34. Distribuía-se aos domingos. A GARGALHADA - Semanário literário, noticioso, publicado em junho de 1895, sob a direção e redação de Aurélio de Araújo Vaz de Melo. Impresso em tip. própria e prelo Imperial, a rua Vigário Silva. Formato: 0,24 x 0,18. Editou-se por espaço de cinco meses.

Assinaturas - Trimestre - 2$000. Antes, a série de 10 números – 1$000, para a cidade, e fora - 1$500. Editou em todo esse tempo cerca de 50 e poucos números, cessando a

O JASMIM - Hebdomadário dominical dirigido por Altino de Araújo Vaz de Melo, redigido por Francisco de Araújo Vaz de Melo e Sílvio Mauro Savastano, publicado a 8 de março de 1896. Distribuiu cinco edições, sendo as três primeiras com formato de 0,12 x 0,9 e as demais com o mesmo triplicado. Impresso na tip. dos Irmãos Vaz de Melo, a rua de São Miguel.

sua publicação em meados de 1898. O PREGO - Semanário de formato 0,19 x 0,13, distribuído a 18 de setembro de 1894, redigido pelo jovem Afonso Modesto dos Santos, tendo como colaboradores, dentre outros, Antônio de Sousa Guimarães. Impresso nas oficinas da Tribuna do Povo. Publicaram-se cinco números.

A LUTA - Publicada a três de maio de 1896. Órgão literário e recreativo, redigido e gerido por Joaquim de Araújo Vaz de Melo Júnior (Tatim).

CIDADE DE UBERABA - Com uma tiragem de 2.400 exemplares este hebdomadário publicou o seu primeiro número a 21 de abril de 1895. Era órgão do Partido Republicano

UM POETA EXTRAORDINÁRIO “Ficou comigo a saudade / que é o sol dos tristes, a estrela das tardes de cinza e jade.” (Honório Armond, “príncipe dos poetas mineiros”)

A

migos diletos os responsáveis pelos momentos de fruição intelectual genuína e arrebatadora vividos num fim de semana. Roberto Henrique Corrieri, engenheiro renomado, companheiro de terapêuticas andanças matinais, e esposa Ângela, ela neta do poeta, brindaram-me com uma coletânea da magistral obra literária de alguém nada mais nada menos que Honório Armond. Poeta nascido em 1891 e falecido em 1958, considerado o “Príncipe dos poetas mineiros”.

procurar infatigavelmente ideais serenos que conduzam à Paz e ao Amor. O caudal da poesia “armondiana” é carregado de erudição e saborosos achados líricos. Revela autor na força plena de seu potencial criativo. Parece ajustar-se com precisão ao seu perfil uma definição que Shakespeare faz dos poetas em “Sonho de uma noite de verão”, quando registra “que o olhar do poeta, girando em delírio, / vai do Céu para a Terra, da Terra para o Céu; / e no que a imaginação vai tomando corpo, / sua pena cativa a essência das coisas desconhecidas (...)”

Em cada página percorrida tem-se um primoroso exercício de fluidez sonora, com tinturas ricas e imagens empolgantes. O conjunto dos poemas faz dessas “Obras poéticas”, livro lançado em 1991, ao ensejo da celebração do centenário de Honório, uma perfeita e acabada obra prima. Não incorrem, seguramente, em exagero os especialistas em versos “armondianos”, quando entendem apontar no poeta barbacenense um discípulo autêntico de Bandelaire. Já não fosse suficiente sua reconhecida e confessa sintonia no plano das idéias com Valery, Mallarmé, Verlaine e Rimbaud. Não causa surpresa alguma igualmente seja comparado por muita gente do ramo, nas latitudes poéticas brasileiras, a Cruz e Souza e Alphonsus de Guimaraens. Ou que haja arrancado entusiásticos louvores, vida afora, nas avaliações do conteúdo de sua refinada arte, de escritores, poetas, críticos literários do porte de Agripino Grieco, Tristão de Ataíde, Abgar Renault, Pedro Nava, Belmiro Braga, Humberto de Campos, Carlos Dummond de Andrade e João de Guimarães Rosa. Os dois últimos, seus colegas fraternais.

Vejam se não essa exatamente a sensação que passam esses admiráveis versos iniciais do poema “In princípio... erat apud Deum...”; “Quando a primeira célula vibrava / por entre a salsa espumarada, escrava / das correntes, das ondas, da maré; / olhando a rude vida embrionária / bradei: - ó vida, és minha! Homem, ó pária! / Sum qui sum... eu já sou pois quem alguém é!” Ou neste “Credo de um monista”: “Creio na vida universal que emana / do protoplasma de onde o Ser deriva... / Creio na eterna essência, informe e esquiva. / que o fungus fez e fez a Espécie Humana... / Creio na Evolução... dela dimana / o Homo-Sapiens, da ameba primitiva... / e creio que o que morre hoje, reviva / para outra luta mais tenaz e insana!... / Creio em Ti, causa prima: Deus... acaso / Inconsciência das coisas, que nos levas / do Nada para a luz onde fulguras... / e creio que, em chegado o meu ocaso, / eu sobreviverei à morte e às trevas / para outras vidas e outras desventuras...”

Artista consumado do verso, reunindo precioso acervo de peças elaboradas no mais requintado lavor, Honório Armond, integrante da Academia Mineira de Letras, ombreia-se, sem qualquer sombra de dúvida, com os maiores poetas brasileiros de todos os tempos. Domina exemplarmente a palavra. Seus poemas projetam pujante sopro humanístico. Se, por um lado, denunciam a inquietude intelectual de um homem na cata de respostas diante das inesgotáveis interrogações da aventura humana, por outro revelam que o autor, ancorado na esperança que move montanhas e representa um impulso heróico da alma, mostra-se disposto, o tempo todo, a celebrar a beleza, a

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Carta de Guimarães Rosa “... este soneto é uma rajada apocalyptica, um vôo de águia.” (Guimarães Rosa, dirigindo-se a Honório Armond)

Roberto e Ângela Corrieri, amigos deste desajeitado escriba, forneceram-me cópia da carta. Transcrevo-a,

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adicionando alguns esclarecimentos.

Jesus calou-se... E olhando o céo broslado, / escampo, azul, sereno, alto, infinito, / poz-se a pensar, talves, no seu passado... / na sua fuga para o adusto Egypto... / - Que responder? E o Grande Illuminado, / perdido no seu sonho, áureo e bendito, / viu que a Verdade é um verbo indecifrado! / ... si elle também morria por um mytho... / Verdade! Verbo vago e multifário! / Empós teu gesto os seculos se somem / destas ânsias e luctas através! / que eu lembrando o Pretorio e o arduo Calvario / vejo que pode neste mundo um homem / morrer, por Ti, sem penetrar o que és...”

“Honório ingrato, Seguem as formidáveis peças da poesia nacional: / Une Femme passa (Complainte). Tibi, carissime Johannes, / in memoriam fraternae / amicitiae, dicat, offert, / consccient certus memor / que amicus, Honorie (depois da dedicatória, em latim, vista acima, vem o poema em francês). O soneto seguinte tem como título “Mon âme a tou âme...”. Todo, também em francês. Guimarães Rosa capricha na caligrafia ao transcrevê-lo. Registra, após, as considerações abaixo, que obedecem à ortografia vigente na época.

Honório Armond - dá pra perceber pelos descoloridos registros que, à falta de maior engenho, andei conseguindo transportar para este espaço, de seu incomensurável e coruscante talento - foi um poeta magnífico. Dos mais importantes de nossa crônica literária. Firmou um estilo. A linguagem armondiana, de beleza irretocável. Vemo-la estampada em versos como estes aqui (poema “Ventura de esperar”), com certo toque de presságio, que asseguram a permanência de sua arte na memória literária: “Depois da morte, eu sei! Serás, ó meu espírito uma chama, um clarão ideal – num mundo olímpico – o Sol eterno para nunca anoitecer!” Um clarão ideal! Haverá palavra melhor para descrever a trajetória deste poeta?

“Nota do copiador: este soneto é simplesmente, admirável, “chef-d´ouvre”, é uma rajada apocalyptica, um vôo de águia. Prompto! Estou fremindo de enthusiasmo,e nem comprehendo como foi possível que duas maravilhas dessas pudessem ter sido dedicadas a mim! Milagres da amizade!... É escusado dizer que faço absoluta, terminante, feroz questão de que sejam publicados com as dedicatórias! Veja lá! Recomende expressamente aos seus amigos da revista! Quando muito, você poderá, si achar melhor, encurtar a dedicatória latina da “Complainte”, si a achar muito louca! Si forem sem dedicatória, irei ahi para desafial-o em duelo!...

A escolha do “Príncipe dos poetas”

Outra coisa: faço questão de receber o número da revista que os publicar! Olhe que isso é um assumpto muito sério...essas poesias são minhas! Não escrevo carta, porque eu ainda estou esperando resposta da minha!...

“Qual será, dos poetas, o mais nobre, aquele que a Bilac se compare?” (Carlos Drummond de Andrade explicando como ocorreu a escolha do “Príncipe dos poetas mineiros”)

Temos aqui outros preciosos achados literários “armondianos”. Vem primeiro um poema magistral, inédito, de abril de 1958, há 53 anos, portanto, produzido pelo “Príncipe dos poetas mineiros”. Ao depois, vem a historieta (extremamente saborosa) sobre como esse honroso título foi acrescentado ao já refulgente currículo do grande poeta barbacenense Honório Armond. A narrativa de como a escolha se deu foi feita em crônicas de Carlos Drummond de Andrade. Uma, estampada em 3 de fevereiro de 1979 no “JB”. Outra, no “Estado de Minas”, edição de 19 de novembro de 1977.

Recomendações à exma. sra. Abraços para Zezé e Beatriz. Um apertado abraço de seu Guimarães Rosa.” E já que continuamos a adentrar o território das criações literárias fascinantes palmilhado por este mestre das letras chamado Honório Armond, que tal nos deleitarmos, outra vez ainda, com mais versos de sua lavra constantes das “Obras Poéticas”, edição lançada ao ensejo do centenário de seu nascimento? Esses aqui, por exemplo:

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Luar!...”

grandeza.

A palavra agora é passada para o fabuloso Drummond de Andrade. A crônica mencionada (publicada no JB) traz por título “O príncipe dos poetas”. Reproduzimo-la na íntegra.

Votação carregada elege-o com destaque. Muito bem. Mas Honório, mineiro cem por cento, sem recusar redondamente a láurea, responde: “Eu, príncipe? De quê? Só se for, por distinção latina, Princeps Promptorum”... E continuou sereno, silencioso, em seu rosa-lar de Barbacena.”

“Fazer. É preciso fazer alguma coisa que pelo menos risque um círculo efêmero na água morta da cidade.

Na crônica do “Estado de Minas”, que recebeu o mesmo título, Carlos Drummond aborda numerosos aspectos de sua passagem, com outros intelectuais de relevo, pela redação do antigo “Diário de Minas”. O divertido trecho concernente ao tema de que agora nos ocupamos é este: “Nós, redatores jovens, assimilávamos o famoso senso mineiro da ordem, para uso da matéria política. No mais, éramos uns desmandados. Inventamos um concurso para eleição dos poetas mineiros (o que havia de mais incompatível com o modernismo) e mediante processos eleitorais facilmente compreensíveis, demos o título a Honório Armond, poeta discreto que, lá de Barbacena, onde vivia, agradeceu polidamente mas tirou o corpo fora: “De coração, meu bom amigo, acho que esta eleição não representa a verdade. Isto é cabala de estudantes, meus amigos e alunos, e bem sabe que o voto, para nós, nada significa”. E assinou: “Honório Armond, Princeps Promptorum”. Convém esclarecer que pronto, na gíria de então, era o indivíduo sem dinheiro: avalie o que não seria o príncipe dos prontos de Minas Gerais.”

Vamos eleger o Príncipe dos Poetas Mineiros? Na redação, em mesas próximas, João Alphonsus emite seu sorriso enigmático. Emílio Moura, recém-chegado de galáxia, aprova com doçura. Mãos à obra! O eleitorado é quem quiser ser eleitor, principalmente nós, inelegíveis de nascença. Pingam votos esparsos. Desconfiança. Isso é brincadeira de irresponsáveis futuristas? É sério, gente. Votos para Belmiro Braga, o velho Augusto de Lima e Noraldino e Mário Matos. Poeta nenhum deixa de ter o seu votinho, menos nós, questão de ética ou de tática? Abgar, nosso amigo, cresce em números, mas se for escolhido vão dizer que a eleição, como as outras, nada vale. Em apuros estamos. Afinal, qual será, dos poetas, o mais nobre, aquele que a Bilac se compare? Um não serve por isto ou por aquilo. Outro passou de moda. Outro é feroz contemptor de experiências modernistas. E um príncipe hostil não apetece à nossa moderada veia lúdica. O estalo nos salva: Honório Armond em sua Barbacena roseiral é altivo, é discreto, é bom poeta. Dará ao fraco título

“Uma nuvem no Ocaso...” é o título do poema. Armond convida-nos, por assim dizer, a um banho de imersão em poesia pura: “Viste, acaso, um suavíssimo Poente, / de cinza e rosa, em gemas merencórias, / iluminar-se, inesperadamente, / numa rajada de clarões e glórias?/

“Quid est veritas? (1) À sala do Pretório, onde Pilatos, / delegado de Roma, judicava, / trouxeram Jesus Christo a rudes tratos / qual si elle fôra uma alimária brava. / “Quem es tu?” – “Rei dos Reis” – e eis que ullulava / a infame turba insciente dos ingratos... / -“Galileu, que fizeste?” – “O Bem!” – Responde / “esta pergunta que te faço e que há de / ser por ti desnevoada de seu véo...” / “Jesus de Nazareth, sabes tu onde / vive e fulge, immortal e alma, a Verdade?” / ... Jesus, porém calou-se, olhando o céo...”

...uma nuvem pequena, alta e morrente, / lembrando auroras, madrugadas flóreas, / foi tocada do Sol, subitamente, / e eis que rutila em chamas ilusórias.../ Há-de, em breve, apagar-se, ao vir da treva / que a lento e lento, coleante, adensa, / mortalhando o céu crepuscular.../

E mais estes:

Mas, ao sumir-se, no bulcão que a leva, / que sonhos trouxe!... que ternura imensa!.../ quanta palavra reflorindo ao

“Jesus, antem, tacebat (II)

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Tiago de Melo Andrade

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Laurinda ainda tinha o desplante de pedir:

Nunca mais o mágico teve outro ataque de sonâmbulo e dormia como um passarinho. Problema foi que na fria pancada de alumínio, Durval acordou e sonâmbulo quando é acordado de maneira abrupta fica maluco definitivo. Laurinda, contudo, não reclamava. O novo trabalho do esposo dava muito menos preocupação:

– Grita baixo que ele não pode acordar!

UMA ÁRVORE MÁGICA Trecho adaptado do livro Carne Quebrada, Editora Melhoramentos

D

urval era mágico de alta voltagem e grandes prodígios: não havia no mundo coisa grande o suficiente para não caber em sua cartola, de onde já tirara, puxando pela tromba, um elefante. Vivia de piscar o terceiro olho, dando shows mundo a fora: fazendo sumir e aparecer coisas e pessoas, dobrando metais e mentes com a força de seu pensamento...

Numa guinada inesperada, conseguiu o sonâmbulo entocar Carmelinda na frente da prefeitura. Fez aquele segundo de suspense, povo topo esperando começar o serra-serra, mas qual nada, a salgadeira havia trazido, para sua defesa pessoal, a frigideira especial de fritar coxinha. Num golpe certeiro, bem no central da testa de Durval, desmontou o sonambulismo dele em mil caquinhos finos que o vento carregou.

– Durval agora cismou que é árvore. Fica o dia inteiro plantado na praça. Só larga do novo ofício às oito da noite, quando vai para casa dormir. Muito raramente tem uma recaída de mágico e sai por aí, entortando garfo e colher, mas é só.

Não é que o duro da frigideira foi um santo remédio?

Rua das Acácias e disparou do seu chapéu mágico um foguetório com estouros e estrelinhas muito maiores e melhores que os de Copacabana, no 31 de dezembro. De outra feita, metido numa cueca samba-canção de seda, estacionou à porta da matriz e desembestou a tirar de dentro das ceroulas coloridos lenços de crepe amarrados pelas pontas. Como não se pode acordar um sonâmbulo, Durval ficou fabricando paninhos bem umas três horas, de modo que o ataque daquela noite rendeu três caminhões-baús e um fusca até o teto de lenços.

Com esse labor encantado Durval fez fortuna! Dinheirama que há anos escondia do leão. Mas adveio ao mundo a praga dos computadores. Armaram uma teia tão pegajosa, que nem mesmo a sonegação mágica conseguiu escapar. O Fisco pegou pelo rabo o gato escondido do mágico. Era dívida grande, gorda, nutrida de anos e anos de juros e juros, coisa assim de deixar Durval com o pires na mão.

Enquanto os surtos do mágico se restringiam às ruas, o povo tolerava, mas quando o doente começou a desrespeitar o avesso das paredes dos outros, a coisa ficou feia. Invadia os quartos nos momentos mais inoportunos e danava a soltar cartas de baralho pelas mangas do pijama, ou então infestava a casa com uma pavorosa raça de pombos cagadores. Mais enfurecida das vítimas era Rosalva Barbirato:

Não dormia mais com tamanha preocupação pisando seu sono. E tal da preocupação-de-travesseiro é um bicho danado, facilitado de procriar. Machos e fêmeas não perdem tempo. Já surgem nus e têm fome de coelho para se reproduzirem. Vão enroscando uns nos outros, roçando se esfregando, se misturando, fornicando, enquanto flutuam no sem gravidade da mente. Desse embolado de aflições, dessa l u c u b ra ç ã o p e n s a m e n t o s a , n a s c e m , a o s s a l t o s , preocupaçõezinhas já cabeludinhas e dotadas de rabicó revestido de espinhos e bocão de muitos e pontiagudos dentes para devorar as noites de sono do cidadão.

– Nem o banheiro esse sonâmbulo de uma figa respeita mais! Tem que prender na cadeia! – espumava a mulher que fora flagrada pelo sonâmbulo dando um tapa de talco em sua graciosa rodela. – Mas não há tijolo que segura esse danado, dona Rosalva. – contra-argumentava o delegado. – Amarra com corrente, então! Prende a canela dele naquelas bolotas de meia tonelada. Quero ver esse maldito aprontar, arrastando um contrapeso desses.

Diversão maior dessa horda é grudar na tela mental retrato daquilo que não queremos ver, aquilo de ruim que pode acontecer... Se o padecente não coloca cabresto nos pensamentos e puxa o freio, corre risco de ficar atrapalhado das idéias, como foi o caso de Durval. Quando o pobre conseguia dormir, desenvolvia nele o tal do sonambulismo. No escuro da noite, desandou a sair de casa e fazer shows pelas ruas de Campos. De início, Laurinda achou que bastava trancar a porta do quarto e esconder a chave. Contudo, o estratagema se revelou ineficaz, uma vez que o magiquismo dele era capaz de atravessar as paredes.

– Acorda gente! Acorda gente! Que o mágico solâmgulo fugiu e está de serrote na mão!

No seu primeiro ataque, às três horas da manhã, saiu de cartola, pijama e pantufas. Parou em frente ao número 30, da

Foi um salseiro o povo fugindo do serrote. Durval ia para um lado e a cidade, de camisola e touca, corria para o outro.

Delegado aceitou a idéia de prender Durval a ferros. Mas que tolice! Todo mágico que se preze sabe escapulir de nó de correntes, cadeados e fechaduras. Num zás-trás, se libertou e ganhou as ruas do município com intenção de fazer ilusionismos de maiores expressões. Onório, que estava de plantão na cadeia, deu alerta:

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