O Poder do Mito

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JOSEPH CAMPBELL _____________________________________ Mas ela diz: “Não, não, não! Isto é um tremendo perigo. Toda a manada viria logo atrás de nós. Eu vou dar um jeito nisso. Agora deixe me voltar”. Assim ela apanha a água e volta. E o búfalo diz: “Fe, fi, fo, fum, eu sinto o cheiro do sangue de um índio” você sabe, esse tipo de coisas. E ela diz: “Não, nada disso”. E ele diz: “Ah, sim, com certeza!” Então ele dá um berro de búfalo, e todos os búfalos se levantam, começam a executar uma lenta dança de búfalos com as caudas erguidas, e depois se põem em marcha e pisoteiam aquele pobre homem até a morte, até que ele desapareça inteiramente, transformado num monte de pedaços. E se vão. A jovem chora e seu esposo búfalo diz: “Você está chorando?” “Sim”, ela diz, “ele é meu papai”. “Bem”, ele diz, “e nós? As nossas crianças lá estão, ao pé do rochedo, nossas esposas, nossos pais... e você chora por causa do seu paizinho.” Bem, ele aparentemente era um tipo de búfalo que se compadecia, e disse: “Está bem, se você conseguir trazer seu papai de volta à vida eu os deixarei ir”. Então ela se volta para a pega e diz: “Por favor, saia bicando por aí e veja se encontra um pedacinho do papai”. A pega assim o faz e retorna, por fim, com uma vértebra, apenas um ossinho. E a jovem diz: “Isto é o bastante”. Então ela coloca o osso no chão, cobre o com sua manta e canta uma canção revificadora, uma canção mágica, muito poderosa. E então... isso mesmo, surge um homem de sob a manta. Ela espia. “É papai, e está bem!” Mas ele ainda não está respirando. Ela canta mais algumas estrofes da canção que estava cantando e ele se ergue. Os búfalos ficam espantados, e dizem: “Bem, por que você não faz isso para nós? Ensinaremos a vocês a nossa dança de búfalo, e quando vocês tiverem matado nossas famílias, vocês dançarão essa dança e cantarão essa canção, e todos voltaremos a viver de novo”. E aí está a idéia básica – através do ritual, atinge se aquela dimensão que transcende a temporalidade, aquela dimensão da qual a vida provém e para a qual retorna. MOYERS: O que aconteceu há cerca de cem anos, quando o homem branco veio e dizimou esse animal que era objeto de reverência? CAMPBELL: Foi uma violação sacrílega. Em muitas das pinturas que George Catlin fez, no início do século passado, das grandes planícies do oeste, você vê centenas, milhares de búfalos, por toda parte. Então, em cinqüenta anos, os desbravadores de fronteiras, equipados com rifles de repetição, dizimaram manadas inteiras, tomando só as peles, para vender, e abandonando os corpos ali, apodrecendo. Isso foi um sacrilégio. MOYERS: Isso transformou o búfalo, de “alguém”...

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