O Poder do Mito

Page 75

O PODER DO MITO _____________________________________ pela moldura das categorias de pensamento. Mas a coisa suprema (que não é coisa) com a qual estamos tentando entrar em contato não é limitada desse modo. Nós a limitamos na medida em que pensamos nela. O transcendente transcende todas essas categorias de pensamento. Ser e não ser são categorias. A palavra “Deus” se refere propriamente àquilo que transcende o pensamento, mas a palavra “Deus”, em si, é algo pensado. Pois bem, você pode personificar Deus de muitas e muitas maneiras. Existe um deus? Existem vários? Isso são meras categorias de pensamento. Aquilo de que você está falando, e tentando apreender pelo pensamento, transcende tudo isso. Um dos problemas com Jeová, como se dizia nos velhos textos gnósticos cristãos, é que ele se esqueceu de que era uma metáfora. Ele pensou que era um fato. E quando ele disse “Eu sou Deus”, ouviu se uma voz a dizer: “Você está enganado, Samuel”. “Samuel” significa “deus cego”, cego em termos da Luz infinita da qual ele é uma manifestação histórica, local. Isto é conhecido como a blasfêmia de Jeová – aquele que pensou que era Deus. MOYERS: Você está dizendo que Deus não pode ser conhecido? CAMPBELL: Eu digo que a coisa suprema, seja o que for, está além das categorias de ser e não ser. Ela é ou não é? Como disse o Buda, segundo testemunhas: “É e não é ao mesmo tempo; nem é nem deixa de ser”. Deus, como supremo mistério do ser, está além do pensamento. Há uma história belíssima, num dos Upanixades, sobre o deus Indra. Aconteceu, numa certa época, que um monstro gigantesco engoliu toda a água da terra, de modo que houve uma terrível seca e o mundo se viu em péssimas condições. Indra levou algum tempo até se dar conta de que possuía uma caixa repleta de raios e tudo o que tinha a fazer era lançar um deles sobre o monstro, fazendo o explodir. Quando ele fez isso, as águas jorraram e o mundo se refrescou. E Indra disse: “Que sujeito formidável eu sou!” Assim, pensando no sujeito formidável que era, Indra se dirige à montanha cósmica, que é a montanha do centro do mundo, e decide construir um palácio à altura do seu valor. O melhor carpinteiro dos deuses põe se a trabalhar e rapidamente o palácio está erguido e em excelentes condições. Mas cada vez que vai inspecioná-lo, Indra tem idéias mais ambiciosas a respeito de quão esplêndido e grandioso o palácio deveria ser. Por fim o carpinteiro exclama: “Meu Deus, ambos somos imortais, e não há limites para os desejos dele. Estou preso por toda a eternidade”. Então decide dirigir se a Brahma, o deus criador, para reclamar. Brahma está sentado num lótus, o símbolo da divina energia e da divina graça. O lótus cresce do umbigo de Vishnu, o deus adormecido, cujo sonho é o universo. Assim, o carpinteiro se aproxima da borda da grande lagoa de lótus do universo e conta sua história a Brahma. Brahma diz: “Pode ir para casa. Eu vou dar um jeito nisso”. Brahma deixa seu lótus e se ajoelha para se dirigir ao adormecido Vishnu. Vishnu apenas esboça um gesto e diz qualquer coisa como: “Ouça, fuja, alguma coisa vai acontecer”. – 75 –


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.