O Poder do Mito

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O PODER DO MITO _____________________________________ permitido. Portanto, se a escolha é entre o céu e o inferno, bem, dê me o céu para sempre. Mas quando você percebe que o céu é a contemplação da imagem beatificada de Deus... então esse seria um momento atemporal. O tempo explode e, mais uma vez, a eternidade não é algo duradouro. Você pode sentir isso aqui e agora, em meio à sua experiência das relações terrenas. Perdi muitos amigos, assim como a meus pais. Entretanto, veio me uma compreensão muito aguda de que na verdade não os perdi. Aquele momento que eu partilhei com eles teve uma qualidade de duração que ainda agora perdura em mim. O que aquele momento me deu permanece em mim, e há nele uma espécie de sugestão de imortalidade. Há uma história do Buda segundo a qual ele encontrou uma mulher que perdera seu filho e sentia por isso grande aflição. O Buda disse: “Eu sugiro que você procure à sua volta alguém que não tenha perdido uma criança adorada, o marido, um parente ou um amigo”. Aceitar a morte de algo que, para você, transcende a mortalidade é uma tarefa difícil. MOYERS: Os mitos estão repletos de de sejo de imortalidade, não estão? CAMPBELL: Sim. Entretanto, quando a imortalidade é mal compreendida, como se fosse um corpo duradouro, isso se torna um ato desvirtuado. Por outro lado, quando a imortalidade é compreendida como a identificação com o que há de eternidade em sua vida de agora, então aí sim você tem algo valioso. MOYERS: Você disse que toda a questão da vida se move em torno da oposição entre o ser e o vir a ser. CAMPBELL: Sim. O vir a ser é sempre parcial e o ser é total. MOYERS: O que quer dizer isso? CAMPBELL: Bem, digamos que você vai se tornar um homem completo. Nos primeiros anos de vida você é uma criança, o que corresponde a apenas uma fração do ser humano. Depois de alguns anos, você é um adolescente e isso é certamente mais uma fração do ser. Na maturidade, você é ainda incompleto; não é uma criança, mas ainda não é velho. Nos Upanixades há uma imagem da energia original, concentrada, responsável pela grande explosão da criação que produziu o mundo, destinando todas as coisas à fragmentação temporal. Mas ver, através dos fragmentos do tempo, o poder total do ser original – essa é a função da arte.

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