O Poder do Mito

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JOSEPH CAMPBELL _____________________________________ MOYERS: Então, quando a escritura fala sobre o homem como tendo sido feito à imagem de Deus, está falando de certas qualidades de todo ser humano, não importa qual seja sua religião, cultura, geografia ou herança. CAMPBELL: Deus seria a idéia quintessencial do homem. MOYERS: A necessidade primordial. CAMPBELL: E nós somos todos feitos à imagem de Deus, que é o arquétipo último do homem. MOYERS: Eliot fala do ponto imóvel do mundo giratório, onde movimento e repouso estão juntos, o centro onde o movimento do tempo e a imobilidade da eternidade estão juntos. CAMPBELL: É o centro inexaurível, representado pelo Graal. Quando a vida ingressa no ser, não há nem medo nem desejo, apenas vir a ser. Então o ser começa a existir e a sentir medo e desejo. Quando você consegue livrar se do medo e do desejo e retorna ao lugar do seu vir a ser, aí você está no caminho certo. Goethe diz que a divindade é efetiva nos vivos e não nos mortos, no vir a ser e no que é mutável, não naquilo que já foi feito e ficou consolidado. Desse modo, a razão, afirma ele, relaciona se com o esforço em direção ao divino através do vir a ser e do mutável; enquanto a inteligência se move no campo do estabelecido, daquilo que é conhecível e conhecido para, desse modo, traçar o perfil de uma vida. Porém, a meta da busca do autoconhecimento encontra se naquele ponto de combustão em você mesmo, naquele transformar se que está em você mesmo, que é inocente dos bens e dos males já estabelecidos no mundo e, portanto, destituído de desejo e medo. Essa é a condição do guerreiro de plena coragem indo para a guerra. É a vida em movimento. E a essência do misticismo tanto da guerra como do crescimento de uma planta. Eu penso na grama... você sabe, a cada duas semanas vem um camarada com um cortador de grama e a deita fora. Suponha que a grama pudesse dizer: “Pelo amor de Deus, qual é a utilidade de crescer se você continua a me cortar?” Em vez disso, ela continua a crescer. Eis o sentido da energia do centro. Eis o significado da imagem do Graal, da fonte inexaurível, da causa primeira. Sendo ela a geradora do ser, não se preocupa com o que acontece a partir daí. O que conta é o dar se ao ser; esse é o momento da vida emergindo em você. Isso é o que todos os mitos procuram dizer. No estudo da mitologia comparada, comparamos as imagens de um sistema com as de outro e ambos se iluminam, porque um acentuará e dará uma expressão mais clara ao significado do outro, e assim sucessivamente. Eles se esclarecem uns aos outros. Quando comecei a ensinar mitologia comparada, tive receio de que pudesse destruir as crenças religiosas de meus estudantes, mas o que aconteceu foi justamente o oposto. – 238


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