Amelia Toledo Forma fluida

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DANIELA NAME E MARCUS DE LONTRA COSTA



DANIELA NAME E MARCUS DE LONTRA COSTA

PAÇO IMPERIAL | RIO DE JANEIRO 17 DE DEZEMBRO DE 2014 A 1 o DE MARÇO DE 2015

patrocínio

realização

apoio


Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro EDUARDO PAES

Vice-Prefeito

ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO PAÇO IMPERIAL

Plotagem PROFISINAL

Presidente

Mídia Digital

ADILSON PIRES

RICARDO COELHO TABOAÇO

NOVA MÍDIA SOLUÇÕES AUDIOVISUAIS

Secretário Municipal de Cultura

Vice-Presidente

Montagem

MARCELO CALERO

ARMANDO MARIANTE CARVALHO JÚNIOR

RENATO CECÍLIO DAS DORES

Chefe de Gabinete

Diretora Presidente

Revisão de textos

FLÁVIA PIANA

MARIA DO CARMO NABUCO DE ALMEIDA BRAGA

ROSALINA GOUVEA

Subsecretária de Cultura

Diretor Vice-Presidente

Tradução para inglês

DANIELLE BARRETO NIGROMONTE

CORINTHO DE ARRUDA FALCÃO NETO

RENATO REZENDE

Subsecretário de Gestão

Diretor Tesoureiro

Coordenação do Projeto Educativo

CARLOS CORRÊA COSTA

ALARICO SILVEIRA NETO

CRISTINA DE PÁDULA / TANIA QUEIROZ

Coordenadora de Equipamentos Culturais

Diretora Secretária

Mediadores

LUCIANA ADÃO DE PAULA ANDRADE RICHARD

VERÔNICA MEFEIROS NICKELE

LYZANDRO COELHO DE SOUZA /

Assessora de Comunicação

Diretores

ANDREIA LOPES

JONES BERGAMIN, ARMANDO STROZENBERG

Assessor de Imprensa

Conselho Fiscal

RAFAEL SÉ

JOSE PIO BORGES, GEORGE EDWARD MACHADO

Comunicação em redes sociais

KORNIS, LUIS PATRÍCIO MIRANDA DE AVILLEZ

NICE JOURDAN

Gerente de Projetos

Assessoria de imprensa

LUCIA DE OLIVEIRA

RAQUEL SILVA

CENTRO CULTURAL PAÇO IMPERIAL Ministra de Estado da Cultura

JUREMA DE SOUSA MACHADO

Diretor do DAF LUIZ PHILIPPE PERES TORELLY

EXPOSIÇÃO/CATÁLOGO Coordenação Geral MLC PRODUÇÕES CULTURAIS LTDA.

Curadoria DANIELA NAME E MARCUS DE LONTRA COSTA

PAÇO IMPERIAL Diretora CLAUDIA SALDANHA

Diretor Substituto ELIEZER GOMES DO NASCIMENTO

Setor de Exposições e Patrimônio SANDRA REGINA MAZZOLI, CAROLINE LODI, AMAURY DOS SANTOS

Equipe de Montagem ALEXANDRE SILVA, EDENILSON ANTONIO BAPTISTA, EDSON DE MACEDO DIAS,

Expografia MARCIO GOBBI / ISAIAS MARTINS

Assistente de curadoria ANDERSON ELEOTÉRIO

Fotografia MARIO GRISOLLI DU RIBEIRO (capa e p. 92)

LUCIA HELENA ALVES

Coordenador Administrativo RUBEM VERGETI LEITE

Setor de Segurança e Serviços Gerais REGINALDO FERNANDES DA SILVA

PRO AFFINITÉ CONSULTORIA E CORRETAGEM DE SEGUROS

Impressão GRÁFICA SANTA MARTA

AGRADECIMENTOS Os curadores agradecem especialmente a Mo Toledo e ao casal Fernando e Camila Abdalla. E também a Ada Schendel, Ana Lúcia Guimarães, Carol Ferreira, Fábio Faisal, José Olympio Pereira, Nazareno e Paula Pape. Dedicamos esta exposição a Baixinha e a Claudio Telles, amigos queridos, sempre.

ADRIANA CATALDO – CATALDO DESIGN

JOÃO WAITZ / LUIZ OTÁVIO ZAMPAR

Setor Educativo

Seguro de obras de arte

Identidade Visual Assistentes de produção

SANTOS (BRAZ), VALDECIR DE OLIVEIRA SILVA

MILLENIUM TRANSPORTE E LOGÍSTICA

MARCIA LONTRA

JOSÉ CARLOS DE CARVALHO, PAULO ROBERTO SEVERINO JOSÉ DA SILVA, VALDE ALVES DOS

ÁLVARO LOPES

Produção Executiva

FRANCISCO CRUZ DE SOUZA, JOEL ALVES, TEIXEIRA, RONALDO ADOLFO DA SILVA,

Administração

Transporte de obras de arte

ANA CRISTINA DA CUNHA WANZELER

Presidente do Iphan

IGOR GAVIOLE GIAROLA

Museologia HELOISA BIANCALANA – SÃO PAULO SANDRA SAUTTER – RIO DE JANEIRO

Iluminação ANTONIO MENDEL – ESPAÇO LUZ ILUMINAÇÃO EM ARTES

Cenotécnica MARCIO CALDAS

Toledo, Amelia, 1926. Amelia Toledo – Forma Fluida. Curadoria e Texto: Daniela Name e Marcus de Lontra Costa; versão para o inglês: Renato Rezende. – Paço Imperial Rio de Janeiro / ADUPLA, 2015. 92 p. Il. color. 27cm ISBN 978-85-64507-11-1 Catálogo da exposição Amelia Toledo – Forma Fluida, realizada no Paço Imperial Rio de Janeiro, de 17 de dezembro de 2014 a 1o de março de 2015. 1. Amelia Toledo, 1926. – Exposições. 2. Arte Brasileira – Séc. XX. 3. Name, Daniela 4. Costa, Marcus de Lontra I. Paço Imperial Rio de Janeiro. II. Título.


SUMÁRIO

AMELIA E FORMA FLUIDA

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SENHORA DA VERTIGEM

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Daniela Name TODAS AS MATÉRIAS DO MUNDO

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Marcus de Lontra Costa AMELIA, MIRA, LYGIA

80

TEXTOS EM INGLÊS | TEXTS IN ENGLISH 82


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AMELIA E FORMA FLUIDA

Amelia Toledo nasceu em São Paulo, em 1926. Filha única de Lucilia e Moacyr Amorim, ainda na adolescência foi profundamente influenciada pelo trabalho do pai, médico e cientista. Aprendeu com ele a manipular microscópios e a fazer cortes histológicos, e despertou aí sua paixão pelo fluxo da vida, sempre em movimento, e seu interesse pela investigação dos mais diversos materiais. No início dos anos 1940, frequentou o ateliê de Anita Malfatti e foi aluna de Yoshya Takaoka, iniciando seu trabalho como artista com pinturas em aquarela. Pouco tempo depois, tornou-se estagiária no escritório do arquiteto Villanova Artigas, onde conheceu Zanine Caldas e ampliou um olhar para as questões ligadas ao espaço. Nesse período, desenhou suas primeiras joias. Casou-se com o engenheiro Eustáquio Toledo em 1948, com quem estabeleceu intensas trocas afetivas, mas também intelectuais. Foi alimentada pelas trocas recíprocas entre os integrantes do círculo de amigos do casal, caso de Mira Schendel, Tomie Ohtake, Maria Bonomi, Alfredo Volpi, Willys de Castro e Hércules Barsotti. Mudou-se com Eustáquio para Brasília em 1962, e participou do processo de criação da UnB, capitaneado por Darcy Ribeiro. Amelia se mantém uma pesquisadora incansável do espaço e uma experimentadora dos fluxos da vida e dos materiais. Participante de cinco Bienais Internacionais de São Paulo, premiada nacional e internacionalmente, ainda não tinha sua obra exposta em exposição panorâmica no Rio de Janeiro. Esta é a proposta de “Forma fluida”, que mergulha no universo potente e singular desta grande artista. O projeto não seria possível sem a confiança e a parceria de Mo Toledo, Carol Ferreira e Ana Lúcia Guimarães e sem a generosidade dos colecionadores, em especial de Fernando e Camila Abdalla, que têm feito de seu acervo mais uma casa para a obra de Amelia. BAMBUÍ, edição de 2014 (detalhe) bobinas de aço espelhado e blocos de mármore dimensões variáveis coleção: F.A.A.

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SENHORA DA VERTIGEM

DANIELA NAME

Alice: Quanto tempo dura o eterno? Coelho: Às vezes apenas um segundo. Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas

Para Léo e Thomás, Flora, Mariana e Matheus, que experimentaram a fluidez de Amelia para as fotos deste livro

Corredor da estação de metrô Cardeal Arcoverde, no Rio, com intervenção cromática da artista

Entrar na estação Cardeal Arcoverde do metrô carioca é ter uma experiência muito diferente da que acontece em outras paradas do trem subterrâneo no Rio de Janeiro. Logo depois das catracas, o futuro viajante desce as escadas – serão muitas, em etapas – e precisa percorrer um longo caminho até a plataforma. Primeira estação em Copacabana para quem vem da Zona Norte ou do Centro pela Linha 1, a Arcoverde foi instalada em níveis bem profundos, graças às dificuldades encontradas no terreno arenoso e frágil, tão próximo ao mar. Também foi a única a receber a intervenção de uma artista: Amelia Toledo é a responsável pelo projeto que transforma a ida até o trem em um percurso sensorial. A caminhada até a plataforma é ladeada por painéis coloridos, cujos tons vão se modificando conforme nosso transeunte imaginário chega mais perto do ventre da terra. Na descida das primeiras escadas – aquelas do início deste texto, ele próprio uma pequena jornada –, painéis roxos vão sendo substituídos pelos de tons mais claros, que se comunicam com a proximidade da rua. Há verdes, como se as árvores da praça Cardeal Arcoverde também pudessem passar pelas roletas. Há tons de amarelo, vermelhos, azuis variados. E a proximidade entre as cores faz com que elas se contaminem e se enriqueçam. Se perto do amarelo o verde parece brilhar mais, como se a luz tivesse encontrado lugar nas frestas da folhagem, o amarelo se transforma em ouro e em sol do meio-dia quando se aproxima do laranja, a cor que o sucede. Amelia projetou blocos seriais pintados do mesmo tom de uma mesma cor, mas sabendo que essa uniformidade, sempre ilusória, deixa claramente de existir a partir da convivência entre as cores. Os alaranjados viram telha e goiaba perto dos vermelhos; os vermelhos viram sangue ao lado dos alaranjados, mas são cereja perto dos roxos; os roxos podem ser cada vez mais escuros na medida em que o vermelho vai ficando para trás. O passo a passo até o embarque não se dá em qualquer chão: Amelia criou o piso a partir de pedras aproveitadas da própria escavação para a passagem dos trens. O túnel volta e meia é visitado por gigantes centopeias elétricas e prateadas; ele foi mantido em estado bruto, sem qualquer revestimento. AMELIA TOLEDO

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Uma estação-caverna, que parece conciliar eras muito distintas em contraste com a velocidade das composições. Ao chegar neste ponto, nosso viajante já está acompanhado por paredes azuis. Um azul tão profundo quanto a plataforma onde ele finalmente se encontra, prestes a entrar no vagão. O projeto para Arcoverde, única intervenção pública de Amelia no Rio, dá aos cariocas a oportunidade de vivenciar aspectos cruciais para a obra da artista. Estão lá a ideia de ciclo e de uma experiência descontínua de tempo; a noção de uma espiral vertiginosa e descendente, eco dos labirintos e livros que tanto povoam sua trajetória; o encontro entre partes que se interpenetram e se modificam mutuamente, mesmo que na efemeridade de poucos instantes. O percurso no metrô ilumina o olhar sobre essa criadora de formas fluidas. Ao percorrer os painéis da estação, cada passageiro é um corpo que mergulha na cor e a perturba por um tempo – o seu tempo, aquele que vem do ritmo de seu deslocar naquele dia específico, exija ele a pressa para chegar a uma reunião ou o gozo de se misturar à multidão fantasiada em um domingo de carnaval. No conjunto de trabalhos batizado de Esferas hápticas, Amelia faz investigação semelhante à do projeto para a Cardeal Arcoverde. Nas Esferas, a artista experimentou inserir materiais variados em bolas feitas com resina colorida. A translucidez do material, misturada à densidade da cor escolhida, é testada ainda com o acréscimo de materiais como fios, esponjas de cozinha, pedaços de papel laminado e até mesmo uma meia-calça de náilon. Se na estação de metrô a artista fez da Terra útero para abrigar a cor, nessas esferas é a cor que se transforma em ventre fecundado pelas coisas da Terra – e Terra assim mesmo, com T maiúsculo, já que os trabalhos de Amelia abrigam um inventário de materiais triviais existentes neste mundo. Há nesses trabalhos o eco do que Rosalind Krauss chamou de “escultura no campo ampliado”, conceito vertido quase em clichê tamanha sua repetição nos artigos do meio de arte, mas que ainda me parece boa síntese das grandes transformações ocorridas na escultura do início do século XX até estes primeiros anos do XXI. Nas esferas de resina, Amelia testa os limites entre o dentro e o fora, afrontando as barreiras que separariam o que está do “lado de cá” do “lado 8 • AMELIA TOLEDO


ESFERAS HÁPTICAS CONEXÕES, 1968 esferas em resina poliéster com perfurações interligadas com corda de poliéster ø 9 cm coleção: Nara Roesler MARCIANITAS, 1968 / edição 2006 (detalhe) esferas em resina de poliéster e molas de resistência elétrica ø 12 cm coleções da artista e F.A.A.

de lá”. Nas Marcianitas, as esferas ganham características de série, flertando com o design e com as possibilidades massificadoras da indústria. Esse foi um namoro que fascinou toda a geração egressa dos anos 1950, e que de alguma maneira tangenciou as neovanguardas construtivas: objetos em série ou mesmo projetos claramente ligados ao design foram vistos pelos artistas como uma via de escoamento para as inquietações artísticas. Através de obras ou produtos, as relações entre arte, memória, imaginação e experiência podiam chegar de alguma maneira a camadas mais abrangentes da população, ultrapassando as paredes dos museus e galerias. Se Lygia Clark sonhava com seus Bichos vendidos em camelôs, e Lygia Pape levou o raciocínio visual de seu Balé neoconcreto e dos Metaesquemas do amigo Hélio Oiticica para a identidade visual dos biscoitos Piraquê, Amelia também queria ver Marcianitas espalhadas por todos os lares deste país. Nas Marcianitas, ela insere uma série de molas nas bolas de resina tingida de um laranja intenso, criando uma espécie de cabeleira black power e metálica, fricção quase extraterrestre em um objeto que é, com igual intensidade, produto em série e memória de um fazer artesanal. As molas, objetos elásticos sem começo nem fim, estão ao mesmo tempo dentro e fora da esfera. A parte de seu corpo mergulhada na resina se petrifica junto com ela; a parte do lado de fora anima a bola, fazendo-a dançar sutilmente, expandindo-se no espaço como movimento – a partir da manipulação ou mesmo da trepidação no ambiente. A expansão se dá ainda pela irradiação desse laranja brilhante e de projeções cro-

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máticas nas paredes, permitidas pela luz que atravessa o corpo do objeto translúcido. Com as Marcianitas, Amelia evidencia, nesse encontro entre materiais díspares, uma dinâmica que ocorre na vida. Qualquer acasalamento concilia uma usina de novas potências com um beijo de morte. Como na relação entre a mola-espermatozoide e a esfera-óvulo, um encontro de amor, de amizade ou mesmo uma parceria profissional exige que se perca um pouco de si mesmo para permitir a aproximação do outro. E, se esse outro por vezes parece mesmo um marciano, essa disposição para o convívio com a diferença, a surpresa e as pequenas mortes – não por acaso o nome que os franceses dão ao orgasmo – podem nos tornar mais expansivos e mais lúdicos, como as esferas de Amelia. A inquietude e a pesquisa incessante das possibilidades dos materiais são obsessões da artista desde seus primeiros trabalhos. Nos anos 1950, até o início dos anos 1960, Amelia, contemporânea ruidosa e nonsense dos neoconcretos, elaborou trabalhos que partem de um repertório bastante simbólico, quase arquetípico. Livros, labirintos, espirais, poços, caixas e a linha do horizonte são reincidentes. O pensamento fenomenológico que vai nortear toda a sua geração está presente nessas obras, que enfatizam a ideia de que a relação entre o observador e a obra de arte é uma experiência que se dá em tempos e espaços descontínuos, nada uniformes. O labirinto enfatiza as possibilidades de variação na percepção de observador para observador. Ao circular pelas Fatias de horizonte de Amelia ou percorrer visualmente as bifurcações de seu Mundo dos espelhos, o visitante de uma exposição é convidado para uma jornada parecida com a de caminhar por um penetrável de Hélio Oiticica, ultrapassar as obras de Richard Serra instaladas em uma praça ou flutuar por entre letras e números nos papéis artesanais de Mira Schendel, instalados no espaço expositivo como uma espécie de galáxia em expansão. A experiência desse espaço-tempo se dá através do corpo e da visão, mas também pelo despertar da memória, da imaginação e dos inventários subjetivos de quem se dispõe a enfrentar a odisseia. Os livros-objeto também são uma marca importante dessa geração, e o Livro da construção de Amelia tem a companhia de obras de Lygia Pape, Julio Plaza e, um pouco mais tarde, dos Gibis de Raymundo Collares, apenas para citar alguns exemplos. Há nessas obras uma transposição para o espaço da ideia de narrativa e de literatura, geralmente abordada como algo restrito à passagem linear tempo. No caso de Amelia, o Poço da memória, feito em homenagem ao pai cientista, e a espiral de Om, cuja sombra projetada na parede faz parte da obra,1 ressaltam uma ideia de vertigem. Poços e espirais são caminhos dos quais nunca se vê o fim. Já os horizontes, que Amelia retomaria décadas mais tarde através da pintura, são separações ilusórias entre dois planos e, mais do que isso, um lugar onde jamais será possível chegar. 10 • AMELIA TOLEDO

1 Embora seja um trabalho de 1982, Om é uma escultura em que Amelia revisita propostas seminais de seu trabalho. Por essa razão, os curadores da exposição “Amelia Toledo – Forma fluida” optaram por aproximá-la das peças dos anos 1950 e início dos anos 1960.


Quando nos debruçamos no Poço da memória, percebemos em sua espiral à la Vertigo a frase, escrita à mão, em vermelho: “Lembrei que esqueci”. É um recado interessante para enfrentar esse conjunto de trabalhos, sobretudo quando pensamos que Amelia escolhe plasmar seus labirintos, espirais e horizontes usando como material preponderante o metal reflexivo. Espelhos também são poços sem fundo, espirais, labirintos e, como o horizonte, linhas ilusórias de separação entre o que está deste lado e a imagem que enxergamos na superfície estranhamente funda. E, já que falamos de literatura e de narrativa, é impressionante como a obra seminal da jovem Amelia pode evocar personagens que desafiaram limites entre mundos distintos – no fundo barreiras rígidas de espaço e de tempo. O pai de todos é o viajante Ulisses (ou Odisseu), mas Orfeu vai ao inferno para tentar resgatar Eurídice; Hércules enfrenta o Minotauro nas bifurcações do labirinto; Pandora deixa o mundo em apuros ao destampar uma caixa. Brasileiríssimas, Narizinho deixa de ser tão menina ao mergulhar fundo no rio e se apaixonar por um príncipe-peixe no Reino das Águas Claras; e a indiazinha tupi Mani desafia a morte e passa a habitar dois mundos distintos ao se transformar na mandioca. Parte de seu corpo permaneceria enterrado no mundo invisível da terra, como tubérculo; a outra parte seria vistosa folhagem que rompe a superfície e reaparece em novo horizonte para alimentar sua aldeia. E o que dizer do jogo de refrações – de imagem e de voz – na tragédia de Eco e Narciso? Por fim, a curiosidade de Alice fez com que ela atravessasse o espelho e assim conhecesse o Cavaleiro Branco. Antes disso, a menina já havia mergulhado em um poço atrás do Coelho, com quem, aliás, travaria o diálogo interessante que serviu de epígrafe para este texto: “Quanto tempo dura o eterno?”, pergunta Alice. “Às vezes apenas um segundo”, responde o animal. Além de apresentarem o tecer narrativo de Penélope, fundindo o eterno com o efêmero, esses trabalhos de Amelia são ainda importantes investigações do espaço. Os móbiles da série Espaço elástico unem superfícies curvas espelhadas com molas. Estão sempre em sutil movimento e, espelhos distorcidos, engolem tudo o que os circunda de maneira irregular e caleidoscópica. Há em outros artistas brasileiros do mesmo período a mesma tentativa de fazer da escultura uma plataforma para expansão do espaço. Franz Weissmann enfatizou as áreas vazadas de suas peças geométricas coloridas e monumentais, fazendo desse “vazio ativo” uma espécie de pausa que cria a possibilidade de a obra ganhar novas volumetrias, sempre com o auxílio da imaginação de quem interage com elas. Os já citados Bichos de Lygia Clark são origamis e gambiarras que se reconstroem – e de certa forma reinventam o espaço à sua volta – a partir do encontro com o humano. Amilcar de Castro investiu na análise combinatória incessante de cortes e dobras. Com gestos muito simples e diretos, fez com que AMELIA TOLEDO

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a geometria revelasse planos físicos e virtuais antes invisíveis. Já que Amilcar me levou a falar diretamente de dobra, talvez seja incontornável pensar nas reflexões de Deleuze sobre o espaço e as separações e limites contidos em mapas, na geometria, na arte e na própria sociedade. Para o filósofo, há momentos labirínticos em que o espaço faz uma dobra sobre si mesmo, subvertendo o pensamento euclidiano e se transformando em “um espaço de montagem contínua”, em que o dentro também pode ser o lado de fora. No Parque do Ibirapuera, em São Paulo, Amelia criou Sete ondas, conjunto de esculturas públicas que se pretendia um projeto para ser espalhado por todos os cantos do mundo. Mais uma vez aparece em sua obra um forte conteúdo simbólico: o número 7, frequente em fábulas e em narrativas e símbolos religiosos e esotéricos; a tradição brasileira de se pular sete ondas do mar na noite do Ano Novo, superando problemas passados e investindo na sorte futura. A montagem das peças também reativa a ruptura de limites de que falei anteriormente, já que cada uma das ondas é uma dobra curva que se levanta no ar, mas faz sua arrebentação em território invisível. Cada onda termina dentro da terra, está enterrada abaixo da grama, e Amelia torna mole e quase inexistente uma linha dura entre a superfície da grama e seu subterrâneo. Seu gesto, no entanto, não é de anulação e sim de destaque: a onda que se transforma em cachoeira profunda revela os dois territórios – em cima, embaixo – para depois embaralhá-los. 12 • AMELIA TOLEDO

Vista da primeira sala de “Forma fluida”, com trabalhos dos anos 1950 e 1960, caso dos Espaços elásticos (presos ao teto) e do Livro da construção (base à esquerda)


Tanto as Sete ondas quanto os Espaços elásticos se aproximam da fita de Moebius, em que dentro e fora se indeterminam e trazem a lembrança das pesquisas da física moderna sobre o universo irregular e curvo, fractal. Moebius é dobra e também é símbolo de infinito, o que me leva às Caixinhas do sem-fim (Situação  ∞). Nesse trabalho, um cubo de acrílico transparente contém quatro cubos menores em seu interior. Cada um deles contém outros quatro e assim sucessivamente, até que se chega a cubinhos minúsculos. Uma sequência que tende ao infinito, como uma Matrioska russa que não cessasse de revelar bonequinhas, tirando de si mesma novas possibilidades. Sete ondas e a noção de fluxo contínuo das Caixinhas do sem-fim também se relacionam com os trabalhos líquidos e interativos que Amelia vai desenvolver a partir do fim dos anos 1960. Se nas Marcianitas e nas Esferas hápticas ela tira partido da resina, e nas Caixinhas revela as possibilidades à época pouco exploradas do acrílico, em trabalhos como Medusa e Discos tácteis vai tirar partido do plástico, material ordinário, que remete ao descartável, à embalagem, àquilo que não se aproveita. Na Medusa, outro ser mitológico é chamado para a cena, desta vez diretamente, pelo nome: a feiticeira que transformava quem a olhasse em pedra tinha vasta cabeleira de serpentes. Na obra de Amelia, os fios de cabelo divertem e acolhem em vez de assustar. O emaranhado de tubos de PVC é preenchido com água, óleo e corantes coloridos, e a proposta da artista é que a interação com esses fios se dê coletivamente: ao embaraçar ou desembaraçar as madeixas, o público pode ver as cores encontrando cursos variáveis dentro dos tubos. Pode também perceber que o movimento de quem mexe nas peças é acompanhado por uma dança das cores: pequeníssimos lagos azuis podem se formar dentro de um rio vermelho; pocinhas roxas salpicam um caminho verde; um fio de ouro amarelo ganha uma chuva azul. Se a Medusa mitológica imobilizava aqueles que tentavam se aproximar dela, aqui ocorre justamente o contrário. Qualquer um que se disponha a enfrentar a Medusa de Amelia adquire o poder de tirá-la do repouso, enfeitiçando-a numa dança líquida e cromática que jamais se repete, e reforçando a máxima de Heráclito: não é possível entrar duas vezes no mesmo rio. Não é um acaso lembrar Heráclito, um filósofo pré-socrático, quando eu também me disponho a mergulhar nos rios de Amelia. Os trabalhos aquáticos da artista exacerbam uma característica de toda a sua obra, que é estar afinada com tempo descontínuo de experiência e como uma ideia ritualística, em que a suposta repetição reinveste o ator e o seu entorno de poder, imantando de significados objetos, ambiente, ação e aquele que age. Tanto na Medusa quanto para os antigos gregos, refazer determinado gesto não significa homogeneizá-lo e sim enfrentar novamente a trilha de suas potências. O rio de Heráclito é muiAMELIA TOLEDO

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ONDAS, 2003 prismas de vidro óptico, cascalho de conchas, bandeja de ferro e mureta de concreto 120 x 67 x 12 cm coleção particular

to diferente da caverna de Platão, que se transformaria no protegido abrigo do pensamento racional do Ocidente. Em A onda e nos Discos tácteis, outros trabalhos líquidos e interativos, Amelia volta a percorrer o caminho da indeterminação, proibitivo para os racionais: quando se manipula o cilindro da Onda, duas zonas de líquido se empurram mutuamente, tentando ocupar uma o espaço da outra, emulando a variação das marés e a vertigem dos mergulhos. Vejam que voltei a falar de vertigem, sensação reincidente na obra de Amelia. Nos Discos tácteis, que no início dos anos 1970 dariam origem a uma série de produtos de design (jogos americanos e outros itens para a mesa de refeições), o público pode criar uma escrita empurrando e deslocando as bolhas de ar que se formam dentro de cada disco, funcionando como motor para a dança entre as duas cores contidas ali: uma dominante, de fundo, outra em pequenas áreas, que se mexem a partir da interação. É curioso perceber que nessas obras há a retomada de um raciocínio presente nas Esferas hápticas e nas Marcianitas. Nos trabalhos esféricos, a forma era emprenhada de objetos. Já na série líquida Amelia preenche o plástico com elementos distintos – ar, óleo, água, cores – que se recombinam infinitamente. A cada movimento, cria-se um novo universo, em um fluxo incessante de cosmogonias. Com esses trabalhos, a artista parece acessar a memória do pai, cientista que levava o microscópio para casa e fazia suas análises na mesa de jantar, enquanto comia. Ao compartilhar o aparelho com a filha, descortinou para ela um mundo de seres e combinações invisíveis.

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As Bolas-bolhas são um trabalho fronteiriço entre a pesquisa com PVC e a série marítima em que Amelia vai mergulhar nos anos 1970. Bolas plásticas transparentes são preenchidas com soro fisiológico e detergente e arranjadas no espaço expositivo como uma praça ou mandala. O público pode interagir com elas, e a primeira surpresa é perceber o peso que uma esfera transparente e cheia de espuma pode ter. Depois disso, a manipulação possibilita que cada um crie ondas em sua direção, vivenciando a alegria de “pegar um jacaré” ou “tomar um caldo” virtual. O parceiro mais próximo das Bolas-bolhas é o Glu-glu. Talvez a obra mais emblemática de Amelia, ele reúne muitos aspectos importantes no percurso da artista. Essa escultura de vidro tem a forma de uma ampulheta, mas não uma ampulheta qualquer: arredondada, feminina, ela tem a parte de cima menor que a parte de baixo, o que já aponta para uma contagem de tempo tão imprecisa e mutável quanto a água com espuma abrigada em seu interior. Manipular o Glu-Glu – ter a possibilidade de sacudi-lo ou girá-lo no próprio eixo – é fazer com que a água espumante que repousa no receptáculo maior da parte de baixo da peça crie bolhas de sabão que viajam até a parte de cima. É uma escultura evanescente e efêmera, movida pela sinestesia de pelo menos três sentidos: visão, tato e audição, esta última acionada pela sutileza do marulho da espuma e das bolhas explodindo contra a parede de vidro. Criado em 1968, Glu-Glu poderia ser um abre-alas para a pesquisa de Amelia sobre o mar. Nos anos 1970, a artista vem morar por um período no Rio

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de Janeiro. Desperta então um interesse pelas formas vindas da praia – conchas, caramujos, ostras. A investida em matéria-prima vinda da própria natureza se afirmaria na pesquisa de Amelia de modo fortíssimo, abrindo novas veredas em seu trabalho. Se por um lado tornou sua obra mais rica e plural, por outro a chegada do mar pode ter confundido a compreensão daqueles que fazem uma leitura apenas formalista da história e da obra de arte. Pode uma artista trabalhar com metal, depois investigar a transparência do acrílico e do vidro, ousar com o plástico e a seguir se apropriar de conchas? Amelia afirma que sim, é possível. E um olhar para além do formal mostra que a variação de materiais, em vez de ser disparidade, evidencia a profunda coerência de uma artista que sempre estruturou seu pensamento plástico a partir da matéria-prima com que ia constituir uma peça. Mas há questões ainda mais relevantes: se fizermos a ultrapassagem mais do que necessária de uma análise da arte estritamente formal, percebemos que a caminhada de Amelia pela praia retoma o repertório simbólico com que investiga espaço e tempo através dos ciclos heterogêneos, da suspensão e da vertigem. Há também a oportunidade de a artista investigar questões básicas para a escultura e de investir no artifício e na ilusão, sempre insinuados através do espelho, mas presentes nesses trabalhos de maneira mais radical. Em O cheio do oco, Amelia lembra que caramujos também são labirintos, também são uma forma vazia que um dia foi preenchida por vida. As relações entre dentro/fora e cheio/vazio são retomadas em novo mergulho cheio de frescor. A artista põe ainda na mesma caixa um caramujo recolhido à beira-mar e seu duplo moldado em borracha, criando uma relação espelhada e de desencaixe entre esse ready made natural e a forma criada pela mão do artista. Pocinha de estrelas enfatiza esse território de ambiguidades. Constituída por uma mesa circular baixa, próxima do chão, a obra agrupa estrelas do mar feitas em resina verde em cima de areia fina. As peças são instaladas de cabeça para baixo: a face que tem as ranhuras próprias das estrelas-do-mar fica voltada para a areia, enquanto o fundo liso fica para cima. Isso faz com que o observador perceba a volumetria de veios e a aspereza pontiaguda da casca pelo lado de dentro, mas ao mesmo tempo em uma vista de cima, que mais uma vez simula um mergulho. Um “chão de estrelas”, cheio de inversões, e a chance de pisar “nos astros, distraída”, como nos versos da clássica canção de Orestes Barbosa e Silvio Caldas. Roubaria de outra canção, esta de Adriana Calcanhotto, uma palavra-síntese para falar desse segmento da carreira de Amelia: Maritmo. O mar representa a retomada do rio de Heráclito, mas temperado com sal e agitado por águas mais turbulentas. A ideia de ritmo é exemplar em Gambiarra. Trata-se de um varal que atravessa o espaço expositivo com ostras de vários tamanhos penduradas. As menores ficam no ponto mais alto, as maiores na área mais baixa, com o fio descendo em curva, em uma quase-diagonal. Além de tratar da escala 16 • AMELIA TOLEDO


visual – do menor para o maior –, Gambiarra é também uma escala musical, já que as conchas podem ser manipuladas pelo público. Mesmo quando não há ninguém mexendo, oferecem música esporádica causada pelo vento ou por movimentos mais bruscos no ambiente. “Quem vem para beira do mar nunca mais quer voltar”, ensinou Dorival Caymmi. Depois de seus trabalhos marítimos, Amelia ficaria cada vez mais próxima das formas orgânicas e das texturas naturais. Ainda nos anos 1970, criou longa série de trabalhos em gesso, em que fragmentava partes do corpo humano. Na série Emergência, fez isso com bocas e ouvidos, moldados a partir do corpo de amigos artistas e assistentes do ateliê. Na Rosa dos ventos, criou um círculo de gesso feita com pés. No mesmo período a artista criou a série Pegada da onça, em que carimbava a pegada do felino em cima de folhas de jornal. Se a onça é clara resistência ao arbítrio e à censura da ditadura militar brasileira, os trabalhos com corpos fragmentados parecem menção sutil à tortura. Apesar de serem apresentados aos pedaços, pés e bocas são reunidos novamente pela escultura, em um gesto de Amelia que transcende a luta política direta e parte para um campo quase metafísico. Mandala de pés, a Rosa dos ventos aponta direções de bonança e tenta ser religare, o sentido mais profundo de religião: criar comunhão, mesmo quando há apenas destroços. Essa ideia de encontrar novo sentido nos esgarçamentos também está presente na série Fiapos, trabalhos híbridos entre o desenho, a colagem e o objeto em que Amelia trata lâminas de papel artesanal colorido como pele. Os pedaços desfiados ficam entre duas lâminas de vidro. É impossível não lembrar novamente do microscópio do pai da artista, e da importância que a infância – qualquer infância – tem no motor criativo dos seres humanos. A potência tátil dos Fiapos aparece na série de labirintos penetráveis que a artista vai criar com grandes painéis de juta colorida. Penetrável de terras, presente na exposição “Forma fluida”, é um convite para um passeio pela cor, mas também pela sensação imposta pelo material. A textura da fibra e o cheiro da juta se misturam à sucessão de painéis marrons, vermelhos, roxos e amarelos, fazendo do embate com a obra uma experiência plurissensorial. Há alguns parágrafos, convoquei Deleuze para um diálogo com Amelia para falar do conceito de “dobra” desenvolvido pelo pensador francês. Gostaria agora de chamá-lo novamente, citando parte de uma resposta que dá a Robert Maggiori no capítulo “Leibnitz” de Conversações. Ainda destrinchando seu pensamento sobre a “dobra” e as sobreposições de movimentos irregulares e não cronológicos, Deleuze fala das montanhas e de sua ilusória fixidez: “Nada é mais perturbador do que aquilo que parece imóvel”. Amelia trouxe à tona o que Leibnitz chamaria de “dança das partículas”, o movimento e as variações que podem existir na pedra. AMELIA TOLEDO

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Na série Impulsos, a artista estabelece uma ponte com uma obra pública importante – o Parque das cores do escuro, no Ibirapuera, em São Paulo. Os Impulsos são totens com base de cimento e em seu topo há pedras semipreciosas brasileiras, como quartzo rosa e jade. Amelia faz intervenções variáveis na pedra bruta, podendo tanto deixá-la como veio da natureza, quanto fazer mínimas intervenções de polimento em uma ou duas faces. Assim, quando reunidos em um mesmo ambiente, os Impulsos oferecem uma paleta de cores – azul, rosa, laranja, verde –, mas também uma gradação de tato, que encontra superfícies mais ou menos ásperas à medida que experimenta acariciar a pedra. A base de cada uma dessas peças mostra a compreensão e o respeito de Amelia a essas formas naturais. Em vez de tentar domar a pedra e fazê-la caber em um suporte previamente pensado, a artista cria sofisticado pensamento de encaixe, fazendo com que os totens não só acompanhem o desenho do entorno da pedra, ficando mais pontiagudos ou mais redondos em determinados pontos, e criando escavações no cimento que são o negativo da forma da pedra, um berço que serve para ela, e apenas para ela. No Parque das cores do escuro, Amelia cria praças coloridas com as pedras, transformadas em bancos, camas e mesas para a população que frequenta o Ibirapuera. Como insinua o nome do parque, ao escolher trabalhar com pedras semipreciosas a artista revela o que estava escondido no ventre da terra. Ao trazer as pedras para o mundo, é como se fizesse o parto das cores, dando-as para a luz. Mais uma vez há aqui a ambivalência entre conter e estar contido das Esferas hápticas, mas também um grande diálogo com o trabalho com que começamos a jornada deste texto: a intervenção na estação de metrô Cardeal Arcoverde, no Rio. Tanto nos Impulsos quanto no Parque ou na Arcoverde há uma combinação da cor e uma jornada do subterrâneo para a superfície – ou vice-versa. Há ainda uma aparente estabilidade, que se revela completamente falsa. Um quartzo rosa é produto de movimentos violentíssimos dentro da terra e continua tendo seu interior remexido, ainda que de modo invisível. Os painéis da Arcoverde parecem ter cores únicas, mas elas se misturam e se transformam a partir do movimento do corpo dos passageiros. No Paço Imperial do Rio de Janeiro, o fim do percurso da exposição “Forma fluida” se dava com a instalação Bambuí. Uma gigantesca lâmina de alumínio se desdobra a partir de dois rolos laterais, como se fosse um papiro, criando curvas que podem ser ampliadas ou diminuídas de acordo com as possibilidades e as dimensões do ambiente. Entre as curvas, pedras misturadas às esculturas da série Impulso banco criam praça para quem quiser experimentar a obra. As pedras e os bancos também ocupam a área próxima do lado de fora, e devem ser arranjados de modo a privilegiar conversas e interações em grupo. O metal espelhado e a forma espiralada de Bambuí, somados às suas pedras-abri18 • AMELIA TOLEDO

Vista da série Impulsos na exposição


go, fazem dessa obra uma possível síntese para uma odisseia navegante pelos percursos de Amelia. Voltam à cena, nessa praça lúdica, o labirinto, o livro, a beleza da sinuosidade imperfeita, as distorções e a ilusão dos espelhos e a importância das experiências e dos encontros. Se Bambuí é o fim de um percurso, também poderia nos levar, em espiral, de volta ao começo da jornada. Possível imagem refletida dos Espaços elásticos, de Om, das Fatias de horizonte e de Mundo dos espelhos, Bambuí reafirma que o poço em que mergulhamos para desvendar Amelia fica cada vez mais fundo quando se torna múltiplo. E, quanto mais é múltiplo, mais fortemente afirma sua unidade.

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Amelia Toledo TODAS AS MATÉRIAS DO MUNDO

MARCUS DE LONTRA COSTA

Monet segue o percurso interior da sensação visual, a sua evolução e mutação em estados de alma complexos e ramificados, na sobreposição e associação de diversos momentos do sentimento e da memória, de modo que o pintar já não consiste em reproduzir a sensação, mas em sensibilizar, a partir de dentro, a matéria pictórica. Giulio Carlo Argan, “A crise da representação”.

DISCOS TÁCTEIS, 1970 (detalhe) plástico transparente soldado, água, óleo, ar e corantes ø 22 cm coleção da artista

Na arte moderna, os materiais do desenho, da pintura, da escultura e da arquitetura buscavam, desde o início, afirmar a sua autonomia, negando o mimetismo da arte tradicional figurativa. Liberto das amarras acadêmicas, o artista moderno empenhava-se na construção de um discurso autônomo, tendo como premissa a compreensão da arte como elemento essencial para a construção de um novo mundo que fosse, a uma vez, mais sensível, mais justo e mais racional. A verdade não mais existiria somente na emissão e na mensagem; ela se justificaria pelas qualidades essenciais da própria matéria, pelos fundamentos da realidade física como unidade dialética em constante transformação. Por isso o mundo não mais se organiza em materiais artísticos e não artísticos, pois todos eles trazem em sua estrutura interior a sua verdade, a sua capacidade de se transformar e de serem manipulados pela ação artística que revela a sua lógica, a sua composição, os seus limites, a sua força, a sua linguagem, a sua poética. O artista moderno transforma a matéria inerte em potência de imagem. Ele humaniza, por meio da ação dialética, qualquer coisa sobre a terra, agindo com a especial capacidade de dar voz ao silêncio. Na história da arte moderna os movimentos artísticos se sucedem regidos pelo diálogo permanente entre a inovação e a utopia. A maioria dos movimentos avant-garde busca construir e revelar a verdade das coisas pelo desnudamento da matéria artística: das tintas puras espalhadas com vigor na tela crua dos fauvistas, passando pela definição das formas ideais da Bauhaus, chegando aos desenhos de fumaça feitos pelos surrealistas nos seus jogos criativos. A própria cidade moderna, em todo momento, expressa seus materiais e suas estruturas: as paredes lisas, os pilotis, a simetria das estruturas de concreto armado e as amplas cortinas de vidro, recusam o ornamento e a alegoria, desprezam o desenho de figuras reconhecíveis e optam pela articulação de coordenadas espaciais e abstratas. AMELIA TOLEDO

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Em um primeiro momento, a ação artística de Amelia Toledo nos remete a essa autonomia moderna dos materiais e das formas. Mas, frequentemente, seus trabalhos nos colocam diante de artigos e construções que têm grande afinidade com objetos reconhecíveis, desde os que habitam há séculos o universo popular até os produzidos e postos em circulação na sociedade de consumo. Como não se lembrar da imagem de um brinquedo ou de uma lava lamp, ao observarmos os líquidos coloridos que dançam e se repelem lentamente no interior da membrana de PVC concebida pela artista na obra, de 1969, intitulada A onda – a piscina refrescante pode ser um abismo. O plástico, aliás, é um material da era tecnológica que é empregado no design não apenas por ser um componente prático, funcional e propício à produção serial, mas também por constituir um elemento altamente simbólico e emocional. Se, no passado, o brilho do metal simbolizou a eternidade de figuras sagradas como os deuses, os faraós e os imperadores bizantinos, o brilho do plástico remete à sedução fugaz do “novo”, da qual se vale a publicidade. Nas obras de Amelia Toledo, o plástico PVC, apesar de artificial, é uma substância “humana”, já que recria a organicidade de nossos corpos, fazendo com que nos sintamos próximos e nos reconheçamos nas membranas, células, peles e cabelos simulados por seus objetos. A juventude de Amelia Toledo se molda nos anos do pós-guerra. A proposta de reconstruir o mundo destruído pelo nazifascismo passa a exigir ações e comportamentos diferenciados. O modernismo em sua forma clássica já não responde aos apelos de um mundo destroçado, temeroso com a ameaça de uma bomba que destruía cidades por inteiro. O clima da guerra fria se instala no Ocidente, e os artistas atuam na construção de uma nova proposta estética que associe a ideia construtiva e racional com a necessidade de uma sensibilidade humanista mais evidente. A arte abstrata se desenvolve no Brasil a partir dos anos 50 com a implantação dos Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio, e, principalmente com a criação da Bienal Internacional de São Paulo. Os concretistas paulistas estabelecem provocantes interlocuções com procedimentos técnicos e conceituais em consonância com a lógica industrial. No Rio, intelectuais e artistas se organizam com a proposta de elaborar procedimentos artísticos pautados na experiência e na construção teórica estruturada durante o processo de elaboração do objeto artístico. Nessa década extraordinária que culmina com a construção de Brasília, Amelia bebe em fontes variadas e começa a sua importante trajetória profissional, dialogando com o seu tempo e construindo uma linguagem particular. A definição da personalidade artística de Amelia Toledo coincide com os inquietos anos 1960, a década crucial na suposta passagem da arte moderna para a contemporânea e por isso se distancia da rigidez de uma arte racionalista e purista. Foi uma época marcada pela euforia da expansão de bens produzi22 • AMELIA TOLEDO


ESFERA HÁPTICA, 1969 (detalhe) esfera em resina de poliéster com vazios ø 10 cm coleção da artista

dos em série e das telecomunicações, pelos lábios de Marilyn Monroe e pela geração Beat; mas também pelo avanço da neurótica Guerra Fria que desemboca na guerra do Vietnã. São dessa época os trabalhos da artista em placas metálicas curvadas que se estruturam no espaço como móbiles de grande vigor e encantamento tecnológico. Esses elementos cinéticos dialogam com as placas metálicas articuladas – Mundo dos espelhos – e também com as Caixas apresentadas ao público na Bienal de São Paulo. O esgotamento da verdade modernista em seu tom decidido e autoritário se justifica com a nova realidade de um mundo cansado de tantas verdades inconclusas e tantas guerras determinadas pelo capital. Os conflitos raciais nos EUA, o advento da pílula anticoncepcional que dava às mulheres o domínio do próprio corpo e a curiosidade por culturas e valores de vários quadrantes do mundo, em especial os do Oriente, possibilitam o surgimento de uma realidade artística e cultural mais próxima ao cotidiano das pessoas da época. Nesse momento a presença de Amelia Toledo se irradia no cenário artístico brasileiro como a grande dama da contracultura no Brasil. O movimento pop, surgido na Inglaterra e democratizado nos EUA, “a boba e risonha América”, reflete a iconografia dos mass media e também a tensão de jovens que se recusam a guerrear por ideologias que não concordam; por feministas que queimam seus sutiãs contra a opressão machista; por negros que se recusam a sentar nos bancos traseiros dos transportes coletivos; por estudantes que revivem a coragem de seus antepassados e ocupam com barricadas as ruas da capital francesa. No Brasil, o sonho havia acabado definitivamen-

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te. Militares formados pela ideologia da guerra fria e da existência “de um perigo comunista” ocupam o poder com o apoio de parcela considerável da classe média urbana brasileira, essa mesma que ainda hoje anda por aí se fingindo de democrata. O golpe de 1964 desrespeita as instituições democráticas, mas não destrói a esperança e a capacidade criativa dos jovens artistas brasileiros. A opção de Amelia Toledo em trabalhar com materiais como o plástico PVC é também uma ação estratégica e política. Ela busca a aproximação, o contato com as pessoas, a criação coletiva; Amelia enfrenta a repressão com as armas do afeto. Surgem então as esferas de resina, as Marcianitas e as Esferas hápticas, prenhas de poesia e sedução, objetos lúdicos à espera do toque, do abraço, do envolvimento. Apesar de empregar um material industrial muitas vezes descartável, a artista parece sugerir outro ideal de tempo, mais lento e interpretativo, distante da agilidade do fluxo dos veículos nas autoestradas e seus outdoors com mensagens de apelo direto e dominador, velocidade essa que a partir da internet passa a atuar, no mundo de hoje, na vida doméstica cotidiana. A duração exigida para a interação com suas obras não critica a tecnologia e sim a sua manipulação por um sistema de comunicação de massa que privilegia o usuário e o consumidor sem valorizar a sua capacidade questionadora e criativa. Temporalmente dilatada e cuidadosa, a obra de Amelia Toledo busca relacionar-se de maneira humana, demasiadamente humana, com o espectador, que é convertido em um parceiro das experiências sensoriais e semânticas da artista. São experiências, na maioria das vezes, lúdicas e despojadas de critérios e dos materiais eruditos, que poderiam vir a engessar as sinceras e afetuosas empreitadas abstratas da artista. Um exemplo disso é a utilização de bolhas de sabão dentro de “chocalhos” ou transparentes. Trata-se da série de Glu-glu (1968), que buscam o contato próximo com o espectador, a partir de um mergulho despudorado na dimensão lúdica da arte. Opção que se repete em Bolas-bolhas, instalação na qual o espectador é convidado a participar de um jogo curioso de movimentos que visam à descoberta do interior mutável das bolas e suas espumas. Nesse jogo não existem adversários, nem objetos são arremessados; trata-se de uma ação coletiva, próxima à dança, e o movimento acaba por criar um provocante jogo poético de corpos ritmados a criar um espetáculo instigante. Esses objetos criados por Amelia Toledo nos pedem, a todo o momento, que os toquemos, os manipulemos e os viremos de ponta-cabeça. A água e outros materiais no estado líquido são alguns dos principais artigos de seu repertório plástico, materializando a busca por uma arte semanticamente fluida e sensível. Além de Glu-glu, os líquidos aparecem em outras obras marcantes da carreira da artista, como Medusa, de 1969, em que fios de PVC preenchidos com água, óleo, corantes e ar, se entrelaçam criando um no24 • AMELIA TOLEDO


1 Che Guevara.

velo de cores, formas, texturas e sutis movimentos e que remetem à figura mitológica que habita o imaginário popular ao redor do globo. São também dessa época os Discos tácteis, círculos de plástico transparente nos quais a artista insere líquidos coloridos que se movimentam pela pressão dos dedos. Trata-se de ação inovadora no campo pictórico, nos conceitos definidos por Umberto Eco de obra aberta. Essa pintura mutável se desloca do quadro tradicional, cor e forma em movimento, objeto dessacralizado, referência fundamental na arte brasileira e que acabou, graças a sua genial simplicidade, apropriada pelo design que lhe garantiu amplo consumo popular. No início dos anos, 70 Amelia Toledo passa a residir no Rio de Janeiro. A proximidade com o mar acelerou na artista os seus naturais investimentos na concepção da arte como uma delicada equação entre o tempo e o espaço. O movimento das ondas, o ir e vir das marés, a salinidade que corrói os organismos, tudo isso é filtrado pela artista que executa com conchas e areia objetos de intenso vigor poético no qual esses elementos nativos e orgânicos criam curiosas relações com resinas plásticas e objetos surgidos na história do ser humano através da extração do petróleo. Neles perpassa majestaticamente belo, o tempo, a verdade, a permanente ideia da vida como passagem, como sopro e como vento, como tragos e tragadas baseados no afeto, na comunhão e na viagem que transforma matéria e espírito em substâncias complementares como a vida e a morte. Essa compreensão telúrica da realidade é também escudo e defesa contra tempos de chumbo, marcados pela intolerância, pela tortura institucionalizada e pelo desrespeito aos direitos humanos. A artista produz então alguns artefatos de conotação política mais evidente. A maioria deles reunidos na mostra “Emergências”, no MAM carioca, em 1975; neles se destacam moldagens de fragmentos do corpo humano, registros, pegadas, impressões, objetos artísticos que integram com precisão e sutileza a revolta política e a liberdade poética. “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”.1 Assim Amelia caminha pelas ruas de Santa Teresa, pelas terras e pelos mares, por todos os males, pela beleza, pela fumaça, pela arte, transformando e ressignificando a matéria do mundo, mulher de seu tempo, lúcida e apaixonada, guerreira e guerrilheira. Para o artista verdadeiro o mundo é um território repleto de inquietude e desafios. Para ele o tempo é amigo e parceiro, e ele se joga em experiências da vida com as armas da ciência, da pesquisa e da paixão. A arte de Amelia Toledo surge, portanto, em um laboratório artístico singular, recheado de substâncias diversificadas, que articulam diferentes aspectos da matéria: não apenas os líquidos, mas também os sólidos; os maleáveis e rígidos, os transparentes e opacos; os geométricos e orgânicos; os tonais e cromáticos; os naturais e industriais. Nesse sentido, conectam-se às pesquisas de certos artistas minimalistas/pós-minimalistas, como Robert Morris e suas obras de felAMELIA TOLEDO

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MEDUSA, 1971/2014 (detalhe) tubos de PVC, água, óleo, corantes e ar 100 cm coleção da artista

tro; Eva Hesse e Richard Serra, da land art; além de caminhar proximamente às investigações sensoriais e/ou materiais de Hélio Oiticica e dos cinéticos sul-americanos. No Brasil, sua obra reflete e dialoga com suas geniais companheiras de gênero e geração como Lygia Pape, Lygia Clark, Mira Schendel, Ana Bella Geiger e Ana Maria Maiolino, para as quais a arte sempre foi instrumento de experimentação e coragem. Entre essas referências, essenciais para qualquer grande artista, o diálogo com Eva Hesse merece ser destacado por apresentar referências e proximidades com Amelia Toledo: ambas são mulheres que, em uma mesma e inquieta época, se impuseram o desafio, outrora masculino e bruto, da escultura. São, acima de tudo, habilidosas manipuladoras da matéria inanimada, mas com o intuito de torná-la cada vez mais orgânica e viva em termos simbólicos. Flertam, de madeira despudorada, com uma diversidade de materiais, com destaque para os industriais e seus processos experimentais. Mas, se em Hesse é possível notar uma espécie de mal-estar informalista de origens europeias, em Amelia Toledo evidenciamos uma quietude meditativa que articula o pensamento zen com o lema de “paz e amor” hippie. A célebre escultura Accession II (1968) de Hesse, por exemplo, em que o interior vazio de um cubo de aço é preenchido com estranhos “pelos” de plástico, pode ser vista como uma prima-irmã, só que sombria e amedrontadora, de obras ludicamente alegres de Toledo como Medusa. AMELIA TOLEDO

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Apesar do caráter pouco tradicional de grande parte das obras de Amelia Toledo, a artista se empenhou em traduzir as experiências de seus objetos para o plano da pintura. As telas da série Campos de cor são pulsantes superfícies cromáticas, preenchidas com inúmeras pinceladas, que articulam diferentes tonalidades de cor, remetendo ao vigor visual de uma obra pontilhista, às pinturas decorativas dos nabis, às ninfeias dissolvidas de Monet, à eloquência do expressionismo abstrato de Rothko e, ainda, aos espetaculares jogos visuais da op-art. Justamente, são pinturas que jogam não apenas com o espaço ilusório, atmosférico e profundo, do plano pictórico, mas também com a pulsação de suas cores que, ao se irradiarem, ganham o espaço real, para além do retângulo da pintura. Trata-se de uma artista inquieta, que busca a verdade do material por meio da pesquisa sobre a concretude e os limites da técnica. Por isso o seu conceito pictórico é amplo e generoso, fazendo com que as telas das pinturas transbordem dos chassis para constituírem grandes e sedutoras instalações penetráveis. Nesse sentido, espacial e instalativo da cor e da luz, a artista concebeu obras como Cortes na cor, em que desenha um labirinto orgânico e sinuoso pintado de cores quentes, no qual o espectador, ao invés de ser controlado e aprisionado, é sensibilizado e emancipado. A riqueza cromática e orgânica dessas obras nos desloca de nosso panorama cultural habitual para irmos de encontro ao caráter delirante da arte oriental, com destaque para a arte indiana. A Índia, aliás, sempre foi uma região marcada por uma infinidade de cheiros, sabores e outras sensações marcantes que nos recordam que a arte não deve tratar apenas das possibilidades retinianas. De forma semelhante, as obras de Amelia Toledo questionam a supremacia da visualidade, ao envolverem o corpo dos participantes de maneira mais ampla. Ao expandir ainda mais a capacidade da arte de se atrelar ao cotidiano, a artista concebeu obras de arte pública. Uma delas foi realizada aqui na cidade do Rio de Janeiro, na estação de metrô Arcoverde. Nessa obra, Amelia Toledo converte um dos corredores da estação em um túnel de cor e luz, criando uma passagem cromática harmônica e vibrante, uma grande paleta de cores habitável. Dessa forma, ela questiona o aspecto cinzento da arquitetura funcionalista, criando uma atmosfera envolvente em uma área antes desprezível e inexpressiva. Já Parque das cores do escuro, obra grandiosa de 2003, ocupa a parte inferior do intercruzamento de numerosos viadutos da região paulista conhecida como Cebolinha. Nesse trabalho urbano, a artista se vale de uma diversidade de rochas e minerais, com destaque para robustos e irregulares blocos de quartzo rosa e outras pedras, polidas para destacar seu belíssimo e natural desenho interno, que servem de assentos para o público. Cria, assim, uma espécie de jar28 • AMELIA TOLEDO


dim zen ou Stonehenge contemporâneo, que se expande orgânica e sensorialmente sobre o acromatismo do concreto urbano, como as afluentes de um rio nascem e se desdobram em curvas sobre a terra. Essa mesma situação de integração entre o indivíduo e a paisagem, entre o natural e o criado pelo homem encontra eco em Bambuí (2001), no qual um delicioso conjunto de bancos, de pedras roliças como seixos gigantescos de rio e placas metálicas sensualmente envolvendo o usuário, estabelece instigantes contatos com a arte, a filosofia, a religião, o tempo e o silêncio, o real e o imaginário, a emoção, o sentimento, a razão e o pensamento holisticamente trançados num canto imponente pela vida e sempre, como em tudo de Amelia, pelo generoso contato, e pela descoberta e valorização da experiência artística através da afetividade. Com essas obras grandiosas, e atentas aos fenômenos da natureza e sua relação com a cidade, Amelia Toledo se impõe o desafio de restabelecer a sensibilidade em umas áreas desumanas da metrópole. Todos os seus jardins são espaços reflexivos que têm como objetivo criar um espaço de convivência e de bem-estar, o que nos recorda as aspirações de Matisse, que buscava com suas pinturas promover uma espécie de cura, pela imersão do espectador, no caráter alegre e celebratório das cores de suas pinturas. Amelia Toledo vem criando ao longo de décadas, uma série de joias que a marca de uma impressão digital aparece como o principal artigo simbólico e ornamental. É mais um dos muitos elogios da artista ao seu interesse em fazer da arte uma instância essencial na vivência cotidiana do ser humano. Em tempos cínicos ou apocalípticos, as obras de Amelia Toledo constituem uma arte esperançosa e otimista. Mas, no lugar de afirmar uma crença irrestrita no sistema da arte tradicional, seus trabalhos buscam fluir organicamente sobre o terreno acidentado e movediço da arte contemporânea em sua essência multicultural e libertadora, recolhendo não apenas verdades sólidas, mas valiosas incertezas. E é no caráter poroso de suas peles pictóricas, na ambiguidade e nos sutis movimentos liquefeitos de seus objetos, que Amelia Toledo busca curvar a racionalidade excludente e rígida, para criar uma arte afetiva, transformadora, baseada na pesquisa, na poesia, e na certeza de que, somente através da inovação e da criatividade o ser humano supera os limites e a miserabilidade da existência.

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ROSA, 1999 chapas de ferro pintadas com verniz poliuretano 300 x 300 x 100 cm coleção: F.A.A

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FATIAS DE HORIZONTE, 1992 chapas de aço inox espelhado, parcialmente oxidadas com granalha de ferro 130 x 210 cm coleções: F.A.A. e Fábio Faisal

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POÇO DA MEMÓRIA – DEDICADO A MEU PAI, 1971

fiberglass, aço inox espelhado e cilindro acrílico 105 x ø 60 cm coleção da artista PLANO VOLUME 1, 1959 lâmina de cobre recortada e desdobrada 30 x 22 x 12 cm coleção: Nara Roesler INTERFACE, 1967 chapa de aço inox espelhado e chapa de acrílico 80 x 80 x 40 cm coleção: Nara Roesler

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PLANO VOLUME 2, 1959 / 2007 chapas de aço inox espelhado 100 x 30 cm coleção: Nara Roesler OM, 1982 chapa de inox espelhado cortada a fogo ø 100 cm coleção: Nara Roesler

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LIVRO DA CONSTRUÇÃO, 1959 / 1990 livro-objeto em papel-cartão recortado e papel de seda 22 x 20 cm coleção: F.A.A.

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CAIXINHA DO SEM-FIM / SITUAÇÃO  ∞, 1971/2004 caixa de acrílico com 8 caixas, e cada uma contém 8 caixas sucessivamente 19 x 19 x 19 cm coleção da artista

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MUNDO DOS ESPELHOS, 1966/1989 módulos em chapa de aço inox espelhado, recortados e perfurados 20 x 20 cm, cada total de 12 peças coleção: Nara Roesler ESPAÇO ELÁSTICO, 1966 chapa de aço inox espelhado e molas de aço 295 x 40 cm coleção: F.A.A.

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ESPAÇO ELÁSTICO, 1966 chapa de aço inox espelhado e molas de aço 30 x 100 cm coleção: F.A.A. IOIÔ NO ESPAÇO ELÁSTICO, 1969 esfera de poliéster, mola de aço e chapa de aço inox espelhado 30 x 60 x 25 cm coleção: F.A.A.

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MARCIANITAS, 1968 / edição 2006 esferas em resina de poliéster e molas de resistência elétrica ø 12 cm coleções da artista e F.A.A.

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ESFERA HÁPTICA, 1969 esfera em resina de poliéster com vazios ø 10 cm coleção da artista

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MEDUSA, 1971/2014 tubos de PVC, água, óleo, corantes e ar 100 cm coleção da artista

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DISCOS TÁCTEIS, 1970 plástico transparente soldado, água, óleo, ar e corantes ø 22 cm coleção da artista A ONDA – A PISCINA REFRESCANTE PODE SER UM ABISMO, 1969 cilindro em PVC, água, óleo e corantes 10 x 10 cm coleção da artista

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COLAGENS, 1959 sobreposição de papéis de seda 28 x 38 cm (cada) coleção da artista

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COLAGENS, 1958 sobreposição de papéis de seda 35 x 26 cm coleção: F.A.A.

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COLAGENS, 1958 sobreposição de papéis de seda 69 x 46 cm, cada coleção: F.A.A.

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BOLAS-BOLHAS, 1968/2014 PVC inflado, água e espumante ø 65 cm (cada) coleção da artista

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O CHEIO DO OCO, 1973 moldagem em borracha de silicone em caixa de angico, couro e vidro sobre cascas de trigo-sarraceno 9 x 20 x 33 cm coleção da artista GLU-GLU, 1968 vidro soprado, água e espumante 30 x ø 18 cm coleção da artista

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PERISCÓPIO, 1983 moldagem de concha em resina poliéster, ferro fundido e acrílico 132 x ø 32 cm coleção da artista

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ONDAS, 2003 prismas de vidro óptico, cascalho de conchas, bandeja de ferro e mureta de concreto 120 x 67 x 12 cm coleção particular

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GAMBIARRA, 1976 ostras e fios de náilon amarrado em fio de ferro dimensões variáveis coleção particular

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POCINHA DE ESTRELAS, 2004 moldagens em resina de poliéster, cilindro de ferro, areia e vidro 80 x 100 cm coleção: F.A.A. SÉRIE HORIZONTES, 2012 resina acrílica e pigmentos sobre linho 100 x 130 cm coleção da artista SÉRIE HORIZONTES, 2013 resina acrílica e pigmentos sobre linho 100 x 130 cm coleção da artista

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ROSA DOS VENTOS, 1973 moldagem em cimento ø 70 cm coleção: F.A.A.

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PENETRÁVEL DE TERRAS, 2014 resina acrílica e pigmentos secos sobre juta dimensões variáveis coleção da artista PEGADA DA ONÇA, 1972 impressão de carimbo em jornal 41 x 60 cm coleção: F.A.A. REUNIÃO, 1973 moldagens de gesso-pedra 104 x 14 cm (cada – 5 peças) coleção: F.A.A.

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FIAPOS, 1984 / 2001 polpa de iúca, linho, algodão e tela de náilon 120 x 120 cm coleção: F.A.A. FIAPOS, 1984 / 2001 polpa de iúca, linho, algodão e tela de náilon 90 x 90 cm coleção: F.A.A. CAMPO DE COR, 2013 resina acrílica e pigmentos sobre linho coleção da artista DIVINO MARAVILHOSO, PARA CAETANO VELOSO, 1971 livro-objeto em papel, acetato e fotomontagem 35 x 35 cm (fechado) coleção: F.A.A.

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SÉRIE IMPULSOS, 2012 bloco de fuchsita e base de concreto branco 57 x 130 x 23 cm coleção da artista SÉRIE IMPULSOS, 2001 bloco de calcita laranja parcialmente polida e base de concreto branco 30 x 129 x 25 cm coleção da artista

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SÉRIE IMPULSOS, 2012 bloco de quartzo rosa e base de concreto branco 120 x 32 x 31 cm coleção da artista SÉRIE IMPULSOS, 2001 bloco de quartzo azul parcialmente polido e concreto branco 147 x 40 x 43 cm coleção: Nara Roesler

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BAMBUÍ, edição de 2014 bobinas de aço espelhado e blocos de mármore dimensões variáveis coleção: F.A.A.

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Amelia, MIRA, LYGIA Os laços de amizade que Amelia Toledo manteve com Mira Schendel e Lygia Pape proporcionaram intensas reflexões sobre a arte e suas relações com a filosofia, a arquitetura, a experiência e até mesmo com o mercado. A dupla Amelia-Lygia tem em comum a grande inquietude no que diz respeito ao uso de materiais e variados suportes, o investimento vertiginoso nas experiências sensoriais e sinestésicas e o temperamento quente. Com Mira, Amelia esteve ligada pelos interesses filosóficos, semiológicos e pela investigação das fronteiras do sistema de linguagem que é o mundo das imagens com outros universos, caso da física, da matemática, da microbiologia e da semântica. Nas obras de ambas, a repetição de determinadas formas e procedimentos cria uma espécie de cosmos, cuja expansão se dá de maneira irregular e orgânica. Na página ao lado, é possível tomar contato com vestígios dessas fricções, por meio de um trecho de carta escrita por Mira e um poema visual de Lygia destinados a Amelia. (D.N.)

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‘COMO SE FOSSE MINHA IRMÃ’ Nesta carta de 19 de outubro de 1966, as quatro páginas foram manuscritas por Mira Schendel em papel timbrado do hotel Herzog Christoph. Mira comunica a Amelia Toledo o convite para que ela faça uma exposição em Stuttgart, na Alemanha, e serve de intermediária entre a amiga brasileira e o filósofo Max Bense (1910-1990). Um dos grandes formuladores de um pensamento estético ligado à fenomenologia, Bense também associou a filosofia à física e à matemática. A carta narra não apenas o interesse de Bense em realizar a exposição no instituto que dirigia, mas também o de comprar uma peça de Amelia para sua coleção particular. Entre 1965 e 1966, Amelia morou em Lisboa com o marido e os dois filhos. Na capital portuguesa, organizou a montagem de uma exposição com 93 monotipias de Mira. [...] Bem, você está de parabéns. Não economicamente, mas artisticamente. E também economicamente, não é de todo mal ter vendido uma peça ao Bense. Elisabeth1 não queria fazer a troca, mas eu a convenci que objetivamente era boa para você, para ela e para mim. Objetivamente ela concordou que eu tinha razão suficiente, pois ela fará conhecer seu trabalho aqui. Ademais disse que, se o Instituto tiver verbas, eles farão o possível para pagar sua passagem em ocasião da exposição... Acho que aqui podemos confiar. Eles não prometem milagres [...] Quanto a mim também farei exposição, catálogo e um número de ROTH, o livrinho que eles editam: de alto nível. Aí publicaram o Cabral,2 o Haroldo3 [...], poesia concreta internacional, o próprio Bense [...] O resto zero para você e zero para mim. As galerias são uma peste. Nossa desgraça. Continue seu trabalho com afinco. Ótimo. Agora tem onde expor, com responsabilidade intelectual. Talvez até venda. Você não imagina a alegria que tive quando eles

falaram em seu trabalho. Aí pensei: além do respeito, eu quero bem àquela danada da Amelia com se fosse minha irmã. Tenho que estar em Lisboa dia 3. Ainda com cólica, resfriada e cansada. E preocupada com a terrinha4. E você? Um abraço da Mira

1 Elisabeth Walter era assistente de Max Bense. Cuidou dos detalhes da organização da exposição e também de uma permuta proposta por Mira a Bense em relação à compra de uma peça de Amelia. 2 Referência ao poeta João Cabral de Melo Neto. 3 Referência ao poeta Haroldo de Campos. 4 Pela data da carta, 1966, Mira pode estar se referindo ao regime autoritário do Estado Novo, instituído em Portugal por Antonio Salazar em 1933 e concluído apenas quatro anos depois da morte do ditador, em 1974.

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VERTIGO LADY

DANIELA NAME

Alice: How long is forever? White Rabbit: Sometimes, just one second. Lewis Carroll, Alice’s Adventures in Wonderland

Entering the Cardeal Arcoverde subway station is a very different experience from when we enter other underground stations in Rio de Janeiro. Right after the turnstiles, the future traveller walks down the stairs – there will be many, in stages – and needs to walk a long way to the platform. Arcoverde is the first station in Copacabana for those who take Line 1 on the subway from the North Zone or from the City Centre; it was built very deeply, due to the difficulties found in the sandy and fragile ground, so close to the sea. It was also the only station to receive the intervention of an artist: Amelia Toledo is responsible for the project which turns the way to the train into a sensory journey. The path to the platform is flanked by coloured panels, whose shades change as our imaginary passerby gets closer to the depths of the earth. On the way down the first stairs – those of the beginning of this text, a short journey itself –, one is welcomed to the streets by green panels, as if the trees of the square where the entrance is located could walk through the turnstiles as well. Green is followed by yellow, and the proximity of the colours makes them contaminate and enrich one another. If, next to yellow, green seems brighter, as if light had found a place in the gaps of the foliage, yellow turns into gold and into midday sun when it gets closer to orange, the colour coming next. Amelia designed serial blocks painted the same shade of the same colour,

but knowing that this uniformity, always illusory, clearly ceases to exist in the interaction of different colours. Orange becomes tile red and guava near the red; the red becomes blood beside orange, but is cherry near purple; purple can be increasingly dark as red is left behind. The walk toward the platform does not take place on any floor: Amelia created the flooring with stones found in the excavation of the subway tunnels themselves. Now and then the tunnel is visited by giant electrical silver centipedes; it was kept rough, without any coating. A cave-station, which seems to combine very different eras in contrast to the speed of the compositions. When our traveller gets to this point, he stands next to blue walls. A blue as deep as the platform where he finally arrives, about to enter the coach. The project for the Arcoverde station, the only public intervention of the artist in Rio, provides the locals with the opportunity to experience crucial aspects of Amelia’s work. It includes the notion of cycle and of a discontinuous experience of time; the notion of a dizzying downward spiral, an echo of the mazes and books that are so common in her oeuvre; the meeting of parts that intertwine and change one another, even if in the ephemerality of a few instants. The walk through the subway illuminates the view of this creator of fluid shapes. By moving along the panels of the station, each passerby is a body that dives into colour and momentarily disturbs it – his time, which comes from the pace of his movements on that specific day, whether he is in a hurry to get to a meeting or joyous about mingling with the crowd in costume on a Carnival sunday. In the series of works titled Esferas Hápticas [Haptic Spheres], Amelia carries

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out an investigation similar to her project for the Cardeal Arcoverde station. In those works, she inserted varied materials into balls of coloured resin. The translucency of the material, mixed with the density of the colour, is also tested with the addition of materials such as threads, kitchen sponges, tin foil pieces, and even a nylon pantyhose. If in the subway station Amelia turned the earth into a womb to shelter colour, in those spheres it is colour that becomes a womb fertilised by the things of the Earth – Earth with a capital E, since Amelia’s works include an inventory of trivial materials that exist in this world. In these works, there is an echo of what Rosalind Krauss called “sculpture in the expanded field,” a concept turned almost into a cliché since it was so abused in articles about art, but which still seems a good synthesis of the great transformations that took place in sculptural works from the early twentieth to the early twenty-first century. In the resin spheres, Amelia tests the boundaries between inside and outside, confronting the barriers separating what is “on this side” from what is “on the other side.” In Marcianitas, the spheres acquire a serial quality, flirting with design and with the massifying possibilities of the industry. This relationship fascinated the entire 1950s generation, and was somehow tangent to the constructive neovanguards: serial objects or even projects clearly linked to design were viewed by artists as an outlet for artistic concern. Through artworks or products, the connections between art, memory, imagination, and experience could somehow reach broader strata of the population, going beyond the the walls of museums. If Lygia Clark dreamed of having her Bichos [Critters] sold by street vendors, and Lygia Pape brought the visual thinking of her Balé Neoconcreto and the Metaesquemas of her friend Hélio Oiticica to the visual identity of Piraquê cookies, Amelia also wanted to see her Marcianitas inside all homes of this country. In Marcianitas, she inserts a series of springs into the resin balls dyed an intense

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orange, creating a kind of metallic black power head of hair, an almost extraterrestrial friction in an object that is, with equal intensity, a serial product and memory of a handicraft. The springs, elastic objects with no beginning or end, are at the same time inside and outside the sphere. The part of its body dipped in resin petrifies with it; the part which is outside animates the ball, making it subtly dance, expanding in space as movement – from the manipulation or even trepidation in the environment. The expansion takes place also through the irradiation of the bright orange and chromatic projections on the walls, enabled by the light going through the body of the translucent object. With Marcianitas, Amelia makes evident, in this meeting of disparate materials, a dynamic which occurs in life. Any form of breeding combines a powerhouse of new forces with a kiss of death. Like in the relationship between the spring-sperm and the sphere-egg, an encounter of love, friendship, or even professional partnership requires that one loses a little of oneself to allow the approach of the other. And, if this other at times seems to be a Martian, this eagerness to live with what is different, surprising, and small deaths – not coincidentally the French expression for orgasm – can make us more expansive and playful, like Amelia’s orange spheres. Restlessness and incessant research on the possibilities of new materials have been some of Amelia’s obsessions since her first works. In the 1950s and into the early 1960s, Amelia, a noisy and nonsense contemporary of neo-concrete artists, made works based on a very symbolic, almost archetypal repertoire. Books, mazes, spirals, wells, boxes, and the horizon are recurring elements. The phenomenological thought which would guide her entire generation is present in those works, that emphasize the idea that the relationship between observer and artwork is an experience which occurs in discontinuous times and spaces. The maze emphasizes the possibilities of variation in perception from observer to observ-

er. By walking around Amelia’s Fatias de Horizonte [Horizon Slices] or visually wondering through the bifurcations of Mundo dos Espelhos [World of Mirrors], the visitor of an exhibition is invited to a journey similar to a penetrable by Hélio Oiticica, crossing Richard Serra’s works installed in a square, or fluctuating between letters and numbers in the handmade papers of Mira Schendel, installed in the space of a museum or gallery as a kind of expanding galaxy. The experience of this space-time takes place through the body and sight, but also through the awakening of memory, of the imagination, and of the subjective inventories of every one who feels determined to face the odyssey. The book-objects are also an important characteristic of that generation, and Amelia’s Livro da Construção [Construction Book] is a companion to the works of Lygia Pape, Julio Plaza and, a little later, of the Gibis [Cartoons] of Raymundo Collares, just to name a few. In these works there is a transposition to space of the idea of narrative and literature, generally addressed as something restricted to the linear passage of time. In Amelia’s case, Poço da Memória [Well of Memory], made as an homage to her scientist father, and the spiral of Om, whose shadow projected on the wall is part of the work,1 highlight an idea of vertigo. Wells and spirals are ways that seem endless. The horizons, in turn, which Amelia would resume decades later through painting, are illusory separations between two planes and, more than that, a place than can never be reached. When one leans over Well of Memory, one notices in its spiral à la Vertigo the sentence handwritten in red: “I remembered

1 Although it is a work from 1982, Om is a sculpture in which Amelia revisits seminal proposals of her work. Therefore, the curators of the exhibition “Amelia Toledo – Forma Fluida” chose to place it close to the pieces from the 1950s and early 1960s.


that I forgot.” It is an interesting comment to face this set of works, above all when we think that Amelia chooses to shape her mazes, spirals, and horizons using reflective metal as her main material. Mirrors are also bottomless wells, spirals, mazes and, like the horizon, illusory lines of separation between what is on this side and the image we see on the strangely deep surface. Since we are talking about literature and narrative, it is impressive how the seminal work of the young Amelia is capable of evoking characters who pushed the boundaries between different worlds – deep down, rigid barriers of space and time. The father of all is the traveller Ulysses (or Odysseus), but Orpheus goes to hell to try to rescue Eurydice; Hercules faces the Minotaur in the bifurcations of the maze; Pandora brings trouble to the world as she opens a box. Very Brazilian, Narizinho is no longer so girlish as she dives deep into the river and falls in love with a fish-prince in the Kingdom of Clear Waters; and the little indian girl Mani challenges death and inhabits two different worlds by turning into a cassava. Part of her body would remain buried in the invisible world of the earth, like the tuber; the other part, showy leaves that break the surface and reappear in a new horizon to feed her village. And what to say about game of refractions – of image and voice – in the tragedy of Echo and Narcissus? Finally, Alice’s curiosity made her cross the mirror and thus get to know the White Knight. Before that, the girl had already gone down a hole after the White Rabbit, with whom she would have the interesting dialogue used in the epigraph of this text: “How long is forever?” Alice asked. “Sometimes, just one second,” answered the animal. In addition to presenting the narrative fabric of Penelope, merging the eternal with the ephemeral, these works by Amelia are also important investigations on spatiality. The mobiles of the series Espaço Elástico [Elastic Space] combine curved mirrored surfaces and springs. They are always subtly moving and, as they are distorted mir-

rors, swallow up everything that surrounds them irregularly and kaleidoscopically. Other Brazilian artists of the same period reveal the same attempt to turn sculpture into a platform of expansion of space. Franz Weissmann emphasized the hollow areas of his geometric and colourful monumental pieces, turning this “active void” into a kind of pause which creates the possibility for the work to achieve new kinds of volume from the imagination of those who stand in front of them. The aforementioned Critters by Lygia Clark are origamis and workarounds which reconstruct themselves in space – and somehow reinvent the space around themselves – from the encounter with humans. Amilcar de Castro relied on the incessant combinatorics of cutting and folding, making geometry reveal physical and virtual planes that seemed to be invisible. All that from very simple gestures. Since Amilcar made me talk directly to the fold, it may be unavoidable to think of the Deleuze’s considerations of space and the separations and limits contained in maps, geometry, art, and society itself. For the philosopher, there are labyrinthine moments in which space folds onto itself, subverting Euclidean thought and becoming a “space of continuous assemblage,” in which the inside can also be also the outside. In Ibirapuera Park, São Paulo, Amelia created Sete Ondas [Seven Waves], a set of public sculptures which was supposed to be installed in many places around the world. Once again her work reveal a strongly symbolic content: number 7, which appears both in fables and in sacred religious and esoteric texts; the Brazilian tradition of jumping over seven waves of the sea on New Year’s eve, overcoming past problems and bringing good fortune. The setup of the pieces also reactivates the breaking of boundaries I mentioned earlier, since each wave is a curved fold which rises in the air, but breaks on invisible territory. Each wave ends in the earth, it is buried under the grass, and Amelia turns this hard line between the grass surface and its under-

ground into something soft and nearly nonexistent. Her gesture, however, is not of annulment but of emphasis: the wave which turns into a deep waterfall reveals both territories – above and beneath – and then shuffles them. Both Seven Waves and Elastic Spaces resemble the Möbius strip, in which inside and outside are indeterminate, resembling modern physics research on the irregular, curved, and fractal universe. Möbius is a fold and a symbol of infinity, which brings me to the Caixinhas do Sem-Fim (Situação  ∞) [Little Boxes of Endlessness (Situation  ∞)]. In this work, a transparent acrylic cube contains four smaller cubes. Each of them contains four more cubes and so on, until there are tiny cubes. A sequence tending to infinity, like a Russian Matryoshka doll which never ceases to reveal new dolls, extracting new possibilities out of itself. Seven Waves and the notion of continuous flow of the Little Boxes of Endlessness are also related to the liquid and interactive works Amelia would develop from the 1960s onwards. If in the Marcianitas and Haptic Spheres she takes advantage of resin, while in the Little Boxes she reveals the possibilities of acrylic, little explored at the time, in works like Medusa and Discos Tácteis [Tactile Disks] she makes use of plastic, an ordinary material, which refers to the disposable, to packaging, to things one throws away. In Medusa, another mythological being is called upon, this time directly, by name: the witch, turned anyone who looked at her into stone had a full head of snakes, in Amelia’s work, however, the hairs amuse and welcome rather than frighten. The tangle of PVC tubing is filled with water, oil, and colourful dyes; the intention of the artist is that interaction with these threads is collective: by tangling and untangling the “hairs,” the users watch as colours find different ways within the tubing. They can also see that the movement of those who handle the pieces is followed by a dance of colours:

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tiny blue lakes may form inside a red river; a green path is dotted with tiny purple puddles; a golden yellow thread receives a blue shower. If the mythological Medusa immobilized those who tried to approach her, here it is just the opposite. Anyone willing to face Amelia’s Medusa acquires the power to take her away from her rest, bewitching her into a liquid dance which never repeats itself, reinforcing Heraclitus’ aphorism that it is impossible the step twice into the same river. It is no coincidence to recall Heraclitus, a pre-Socratic philosopher, when I am also willing to dive into Amelia’s rivers. Her watery works exacerbate a characteristic of her entire oeuvre, which is that she is attuned to the discontinuous time of experience like something ritualistic, in which supposed repetition gives back power to the agent and their surrounding, magnetising their meanings. But both in Medusa and for the ancient Greeks, repeating a certain gesture does not mean making it homogenous, but facing again the trail of its powers. Heraclitus’ river is very different from Plato’s cave, which would become the protected shelter of Western rational thought. In The Wave and Tactile Disks, other liquid and interactive works, Amelia returns to indeterminacy, a forbidden place for the rationals: when one manipulates the cylinder of The Wave, two liquid areas push one another, trying to occupy the space of the other, emulating the variation of tides and the vertigo – again in Amelia’s work – of diving. In Tactile Disks, which in the early 1970s would result in a series of design products (placemats and other dining table items), the public can write by pushing air bubbles forming inside each disk, functioning as an engine for the dance between two colours contained therein: a dominant one, in the background, and another in small areas that move as they are manipulated. It is interesting to see that these works return to a way of thinking present in the Haptic Spheres and Marcianitas. In previous works, the form was impregnat-

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ed with objects. In the liquid series, Amelia fills the plastic container with different elements – air, water, colours – which endlessly recombine. At each move, a new universe is created, in an incessant flow of cosmogonies. With these works, Amelia seems to access the memory of her father, a scientist who took his microscope home and made analyses on the dinner table while he ate. By sharing the instrument with his daughter, he made her unveil a world of beings and invisible combinations. Bolas-Bolhas [Bubble-Balls] is a work which borders experiments with PVC and the maritime series into which Amelia dives in the 1970s. Transparent plastic balls are filled with physiological saline and detergent and arranged in the exhibition space in a large set. The public can interact with them, and the first surprise comes from feeling the weight of a transparent sphere filled with foam. After that, manipulation enables each one to create waves toward themselves, experiencing the joy of virtual “body surfing” or “being knocked over under the water.” The closest partner of Bubble-Balls is Glu-Glu. Perhaps Amelia’s most emblematic work, which brings together many important aspects of her career. This glass sculpture is shaped like an hourglass, but it is not any hourglass: rounded, female, its upper part is smaller than the lower part, which indicates a timing as inaccurate as the foamy water inside it. Handling Glu-Glu – having the possibility to shake it or turn it on its own axis – causes the foamy water resting inside the lower part of the piece to create bubbles that move upwards. It is an evanescent and ephemeral sculpture, driven by synaesthesia between at least three senses: sight, touch, and hearing, the latter triggered by the subtle sound of foam swelling and bubbles bursting against the glass wall. Created in 1968, Glu-Glu could be an introduction to Amelia’s research on the sea. In the 1970s she moved to Rio de Janeiro, where she became interested in the shapes she found on the beach – shells, snails, and

oysters. The use of raw material from nature itself would establish itself in Amelia’s research in a very strong way, opening new pathways in her work. If, on the one hand, it made her work richer and more plural, on the other, the arrival of the sea may be mixed up with the understanding of those who interpret art history and art works in a merely formalistic way. Can an artist work with metal, investigate the transparency of acrylic and glass, and then dare to use plastic and appropriate shells? Amelia shows that it is, indeed, possible. And a more than formal gaze reveals that the variation of materials, rather than a disparity, is a sign of the deep coherence of an artist who always structured her artistic thought from the raw material with which she would make a new piece. But there are even more relevant issues: if we go over the more than necessary and strictly formal analysis of art, we come to realise that Amelia’s walk along the beach resumes the symbolic repertoire with which she investigates space and time through heterogeneous cycles, of suspension and vertigo. They are also her opportunity to investigate basic sculptural issues, always insinuated through the mirror, but present in these works in a more radical way. In O Cheio do Oco [The Full of the Hollow], Amelia reminds us that snails are also mazes, they are also an empty shape which was once filled with life. The relationships between inside and outside, full and void, return in a new and very fresh dive. Amelia puts inside the same container a snail collected from the seashore and its double moulded in rubber, creating a relation of mirroring and detachedness between this natural readymade and the shape created by the artist. The work Pocinha de Estrelas [Puddle of Stars] highlights this territory of ambiguities. Formed by a low circular table, near the floor, the work brings together starfish made of green resin on fine sand. The pieces are installed upside down, the side with the grooves of the starfish are in contact with the sand, while the smooth


bottom faces up. This causes the observer to perceive the volume of veins and the pointy roughness of the shell on the inside, but at the same time in a top view, which once again simulates a dive. A “floor of stars,” full of inversions, and the chance to step “on the stars, distractedly,” like in the verses of the classic song by Orestes Barbosa and Silvio Caldas. I could steal from another song, this time by Adriana Calcanhoto, a word-synthesis to talk about this stage of Amelia’s career: Maritime. The sea represents the return to Heraclitus’ river, but seasoned with salt and stirred by more turbulent waters. The idea of pace is exemplary in Gambiarra [Workaround]. It is a clothesline of oysters of different sizes across the exhibition space. The smallest are higher, and the biggest lower, with the cord descending in a curve, almost diagonally. In addition to being a visual scale – from smallest to biggest –, Workaround is also a musical scale, since the shells can be manipulated by the public. Even when they are not, they create sporadic music caused by the wind or sudden movements in the environment. “Those who come to the seashore never want to go back,” taught us Dorival Caymmi. After her maritime works, Amelia would get closer and closer to organic forms and natural textures. Still in the 1970s, she created a long series of plaster works, in which she fragmented parts of the human body. In the series Emergência [Emergency], she did that using mouths and ears, moulded from the bodies of artist friends and studio assistants. In Rosa dos Ventos [Compass Rose], she made a circle of plaster feet. During the same period, she created the series Pegada da Onça [Jaguar Footprint], in which she stamped the feline’s footprint on newspaper pages. If the jaguar is clear resistance to the arbitrariness and censorship of the Brazilian military dictatorship, the works with fragmented bodies seem to be a subtle mention to torture. Although they are presented in pieces, feet and mouths are reunited in sculptures, in

a gesture which transcends direct political struggle, entering an almost metaphysical field. A mandala of feet, the Compass Rose points towards bonanza and tries to be religare, the deepest meaning of religion: to create communion, even in the face of pure devastation. This idea of finding new meaning in expansions is also present in the series Fiapos [Fine Threads], hybrids between drawing, collage, and object in which Amelia treats colourful sheets of handmade paper like skin. The shredded pieces are placed between two glass slides. One cannot help recalling again Amelia’s father, and the importance childhood – any childhood – has in the creative drive of any human being. The tactile power of the Shreds appears in the series of penetrable mazes she created with large panels of coloured jute. Pene­ trável de Terras [Penetrable of Dirts], included in the exhibition “Forma Fluida,” is an invitation to walk through colour, but also through the sensation imposed by the material. The jute fibre and its smell mix with the succession of brown, red, purple, and yellow panels, turning the clash with the work into a multi-sensory experience. A few paragraphs earlier, I called upon Deleuze for a dialogue with Amelia to talk about the concept of “fold” developed by the French thinker. I would like to call him again now, citing part of an answer he gave Robert Maggiori in the chapter “On Leibniz” of Negotiations (Pourparlers). Still unraveling his ideas about the “fold” and the overlapping of irregular and non-chronological movements, Deleuze talks about mountains and their illusory fixedness: “Nothing is more disturbing than the incessant movements of what seems immobile.” Amelia brought to the surface what Leibniz would call “dance of particles,” the movement and variations that can take place in stone. In the series Impulsos, Amelia creates a bridge with an important public work – the Parque das Cores do Escuro [Park of Colours of Darkness], in the Ibirapuera park, in São Paulo. The Impulsos are totems with

a cement base on top of which are Brazilian semi-precious stones, such as rose quartz and jade. Amelia makes variable interventions on the rough stones, like minimally polishing one or two of their faces. Thus, when gathered in the same environment, the Impulsos provide a colour palette – blue, pink, orange, green –, but also a gamut of touch, which finds rougher or smoother surfaces as one touches the stones. The bases of each of these pieces reveals Amelia’s understanding and respect to these natural shapes. Instead of trying to tame the stone and make it fit a previously determined support, the artist created a sophisticated fitting artifice, making the totems not only follow the pattern surrounding the stone, becoming pointier or rounder at certain points; they have negative shapes of stones in the cement, a crib that serves only for them. In Park of Colours of Darkness, Amelia creates colourful plazas with the stones, turned into benches and tables for the population who frequents the Ibirapuera park. As the name of the park insinuates, she reveals what was hidden in the womb of the earth. By bringing the stones into the world, it is as if she gave birth to colours, bringing them to light. Again, here is the the ambivalence of containing and being contained in the Haptic Spheres, but also a long dialogue with the work with which we began the journey of this text: the intervention at the Cardeal Arcoverde subway station, in Rio. Both in the Impulsos and in the Park or Arcoverde station, there is a combination between colours and a journey from the underground to the surface – or vice-versa. There is also apparent stability, which proves to be completely false. Rose quartz is the product of extremely violent movements within the earth and its interior is still stirred up, though invisibly. The panels in the Arcoverde station seem to have unique colours, but they merge into one another and are transformed by the movement of the bodies of passengers. At the Paço Imperial in Rio de Janeiro, the walk through the exhibition “Forma

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Fluida” ended with the installation Bambuí. A gigantic aluminium sheet unfolds from two side rolls, as if it were a papyrus, creating curves that can be enlarged or diminished according to the possibilities and dimensions of the environment. Between the curves, stones and sculptures of the series Impulso Banco create a plaza for those who want to experience the work. The stones and the white colour also occupy the area near the outside, and should be arranged so as to favour conversations and group interaction. The mirrored metal and the spiral shape of Bambuí, along with its shelter-stones, make this work a possible synthesis for the odyssey of walking through the work of an artist as important as Amelia Toledo. This playful plaza sees the return of the maze, the book, and the beauty of imperfection and sinuosity, the distortions and illusions of mirrors, and the importance of experience and encounters. If Bambuí is the end of a journey, it could also take us, along a spiral, back to the beginning. A possible reflected image of Elastic Spaces, Om, Horizon Slices, and World of Mirrors, Bambuí reaffirms that the well into which we dive to unravel Amelia is increasingly deep as it becomes multiple. And, the more multiple it is, the more strongly it asserts its unity.

To Léo and Thomás, Flora, Mariana and Matheus, who experienced the fluidity of Amelia on the pictures of this book.

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Amelia Toledo ALL THE MATERIALS IN THE WORLD

MARCUS DE LONTRA COSTA

Monet follows the inner journey of visual sensation, its evolution and mutation into complex and ramified moods, in the superposition and association of several moments of feeling and memory, thus painting is no longer reproduction of sensation, but sensitising, from the inside, the pictorial material. Giulio Carlo Argan, “A crise da representação” In modern art, the materials of drawing, painting, sculpture, and architecture have sought, from the beginning, to assert their independence, rejecting the mimetism of traditional figurative art. Free from academic hindrances, the modern artist struggled for the construction of an autonomous discourse, having as principles the understanding of art as an essential element for the construction of a new world that was, at once, more perceptual, just, and rational. The truth would no longer exist only in enunciation and message; it would be justified by the essential qualities of matter itself, by the foundations of physical reality as a dialectical unity in constant transformation. Therefore, the world is no longer organised in the form of artistic and non-artistic materials, as all of them bring in their inner structure their own truth, their capacity of self-transformation and their capacity of being manipulated by the artistic action which reveals its logic, its constitution, its limits, its strength, its language, and its poetics. The modern artist transforms inert matter into visual power. They humanise, by means of dialectical action, anything on earth, acting with the special capacity of giving a voice to silence. In the history of modern art the artistic movements succeed one another gov-

erned by permanent dialogue between innovation and utopia. Most avant-garde movements seek to construct and reveal the truth of things by making the artistic material explicit: from the pure paints vigorously applied on the raw canvas of the Fauves, to the definition of ideal forms of the Bauhaus, to the smoke drawings by the Surrealists in their creative games. The modern city itself, at all times, expresses its materials and structures: smooth walls, pilotis, the symmetry of reinforced concrete structures and large glass walls, reject ornaments and allegory, despise recognizable shapes and choose the articulation of spatial and abstract coordinates. At first, Amelia Toledo’s art practice leads us to the modern autonomy of materials and shapes. But, frequently, her works put us before articles and constructions that have great affinity with recognizable objects, from the ones that have been around for centuries in the popular universe to those produced and put into circulation in the consumer society. How not to recall the image of a toy or of a lava lamp, when we observe the colourful liquids which dance, slowly repealing one another inside a PVC membrane conceived by Amelia in the 1969 work entitled A Onda – a Piscina Refrescante Pode Ser Um Abismo [The Wave – the Refreshing Pool Could Be an Abyss]. Plastic, besides, is a material of the technological era which is used in design not only because is a practical and functional element, appropriate for serial production, but also because it is highly symbolic and sentimental. If, in the past, the shining metal symbolised the eternity of sacred figures like the gods, pharaos, and Byzantine emperors, the brightness of plastic resembles the fleeting seduction of the “new,” employed by advertising. In Amelia Toledo’s works, PVC plastic, although ar-


tificial, is a “human” substance, since it resembles the organicity of our bodies, making us feel close and recognise ourselves in the membranes, cells, skins, and hairs simulated by her objects. Amelia Toledo’s young years are shaped in the post-war period. Reconstruction of the world destroyed by Nazi Fascism requires different actions and behaviours. Modernism in its classical form no longer addresses the appeals of a devastated world, fearful of the threat of a bomb which could destroy entire cities. The Cold War atmosphere settles in the West, and artists work on the construction of a new aesthetic proposal to associate the constructive and rational idea with the need for more evident humanistic sensibility. Abstract art is developed in Brazil from the 1950s onwards with the inauguration of Modern Art Museums in São Paulo and Rio, and, especially with the creation of the São Paulo International Biennial. The Concretist artists of São Paulo establish provocative dialogues with technical and conceptual procedures in line with industrial logic. In Rio, intellectuals and artists organise around the proposal to elaborate artistic procedures guided by experience and in theoretical construction structured during elaboration of the art object. In this extraordinary decade which culminates with the construction of Brasília, Amelia draws from varied sources and begins her important professional career, dialoguing with her time and developing a unique language. The development of Amelia Toledo’s artistic personality coincides with the restless 1960s, a decade which was crucial in the

supposed transition from modern to contemporary art and therefore moves away from the rigidness of rationalist and purist art. It was a time marked by the euphoria of the expansion of serial production of goods and telecommunications, by Marilyn Monroe lips, and by the Beat generation; but also by worsening of the Cold War which leads to the Vietnam War. During that time, Amelia made works with curved metallic plates structured in space like very vigorous and technologically fascinating mobiles. Those kinetic elements dialogue with the articulated metal plates – Mundo dos Espelhos [World of Mirrors] – and also with the Caixas [Boxes] presented at the São Paulo Biennial. The depletion of modernist truth in its decisive and authoritative tone is justified by the new reality of a world tired of so many inconclusive truths and so many wars determined by capital. Racial conflicts in the USA, the advent of the contraceptive pill, which gave women power over their own bodies, and curiosity for cultures and values from various parts of the world, especially the East, enabled the emergence of an artistic and cultural reality which was closer to the daily lives of people of that time. At this point, Amelia Toledo’s presence irradiates on the Brazilian art scene like the great queen of Brazilian counterculture. The pop movement, which emerged in England and was popularised in the USA, “the giddy and giggly America,” reflects the iconography of the mass media and also the tension of young people who oppose going to war for ideologies they do not agree with;

of feminists burning their bras against gender oppression; of black people who refuse to sit on the back seats of public transport; of students who revive the courage of their ancestors and occupy with barricades the streets of the French capital. In Brazil, the dream had definitely ended. The military, influenced by Cold War ideology and due to the existence of a “communist threat,” take power with support of a considerable portion of Brazilian urban middle classes, the same that still go around pretending to be in favour of democracy. The 1964 coup disrespects the democratic institutions, but does not destroy the hope and creative capacity of Brazilian young artists. Amelia Toledo’s choice of working with materials such as PVC plastic is also a strategic and political action. She seeks to get closer, to touch people, to create collaboratively; Amelia faces repression using the weapons of affection. That was the time she made her resin spheres, Marcianitas and Esferas Hápticas [Haptic Spheres], full of poetry and seduction, playful objects waiting to be touched, embraced, and engaged. Despite employing an often disposable industrial material, Amelia seems to suggest another ideal of time, slower and more interpretive, distant from the flow of vehicles on motorways and their billboards with appealing and dominating messages, a speed which after the internet, starts to act, in today’s world, in everyday domestic life. The duration required by interaction with her works does not criticise technology, but its manipulation by a system of mass communication which privileges the user and

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the consumer without taking into consideration their capacity to question and create. Temporally dilated and careful, Amelia Toledo’s work wants to relate in a human, all too human way, with the viewer, who becomes a partner of the sensory and semantic experiences of the artist. Those are often playful experiences, without the criteria of traditional materials, which could possibly stifle Amelia’s sincere and affectionate abstract works. An example of that is the use of soap bubbles inside “shakers” or transparent objects. It is the case of the Glu-Glu series (1968), which seek close contact with the spectator, from a shameless dive in to the playful dimension of art. This choice is repeated in Bolas-Bolhas [Bubble-Balls], an installation in which the spectator is invited to participate in a curious movement game aiming at the discovery of the changing interior of the balls and their foams. In this game, there are neither adversaries nor objects being thrown; it is a collective action, close to dance, and the movement ends up creating a provocative poetic game of rhythmic bodies creating a thought-provoking spectacle. The objects created by Amelia Toledo ask us to constantly touch them, manipulate them, and turn them upside down. Water and other materials in liquid state are some of the main items of her plastic repertoire, materialising the search for a semantically fluid and sensitive art. Besides Glu-Glu, liquids appear in other remarkable works during her career, like Medusa, from 1969, in which PVC tubing filled with water, oil, dyes, and air, interlace creating a yarn of colours, shapes, textures, and subtle movements that resemble the mythological figure of popular imagination around the globe. From that time are also the Discos Tácteis [Tactile Disks], transparent plastic circles in which Amelia inserts colourful liquids that move by finger pressure. It is an innovative action in the pictorial field, following Umberto Eco’s concept of open work. This changeable painting moves away from the traditional picture, moving colour and shapes, it is a desecrated

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object, an essential reference in Brazilian art which ended up, thanks to its brilliant simplicity, appropriated by design, which ensured its wide popular consumption. In the early 1970s, Amelia Toledo moved to Rio de Janeiro. Proximity to the sea accelerated her natural inclination toward art as a delicate equation between time and space. The movement of the waves, the to and fro of tides, the salt which corrodes the organisms, all that is filtered by Amelia who makes works with shells and sand objects of intense poetic value in which these native and organic elements create curious relationships with plastic resins and objects developed in the history of mankind through oil extraction. They are beautifully permeated by time, truth, the permanent idea of life as something ephemeral, like a blowing wind, like long drafts based on affection, in the communion and the journey which transforms matter and spirit into complementary substances, like life and death. This telluric understanding of reality is also a shield and defence against leaden times, marked by intolerance, institutionalised torture, and human rights violations. Amelia produces then some artefacts of a more evident political connotation. Most of them were brought together in the show “Emergências,” at the MAM in Rio, in 1975, including moldings of human body fragments, records, footprints, prints, art objects that integrate with precision and subtlety the political revolt and poetic freedom of the time. “We must grow tough without losing our tenderness.”1 This is how Amelia walks the streets of Santa Teresa, through lands and seas, through all evils, through beauty, through smoke, through art, transforming and giving new meanings to the matter of the world, a woman of her time, lucid and passionate, a warrior and a guerrilla fighter.

1 Che Guevara. “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.”

For the true artist, the world is a territory full of unrest and challenges. For them, time is a friend and a partner, and they dive into life experiences with the weapons of science, research, and passion. Amelia Toledo’s art emerges, therefore, in a unique art laboratory, packed with varied substances, which articulate different aspects of matter: not only liquid, but also solid materials; malleable and rigid, transparent and opaque; geometric and organic; tonal and chromatic; natural and industrial. In this sense, they can be linked with the research of Minimalist/post-Minimalist artists, such as Robert Morris and his felt works; Eva Hesse and Richard Serra, and Land Art; in addition to moving very close to the sensory and/or material investigations of Hélio Oiticica and South American kinetic artists. In Brazil, her work reflects and dialogues with her brilliant companions of gender and generation like Lygia Pape, Lygia Clark, Miriam Schendel, Ana Bella Geiger, and Ana Maria Maiolino, for whom art has always been a tool for experimentation and courage. Among these references, essential for any great artist, dialogue with Eva Hesse is worthy of attention as it presents references and proximities to Amelia Toledo: both are women who, at the same unrestful time, took on the once male and crude challenge of sculpture. They are, above all, skilled manipulators of inanimate matter, but seeking to make it ever more organic and alive in symbolic terms. They flirt, unashamedly, with diversity of materials, especially industrial ones and their experimental processes. But, if in Hesse’s works one may see a kind of informalist European malaise, Amelia Toledo reveals a meditative stillness which articulates Zen teachings and the “peace and love” motto of the hippie community. Hesse’s famous sculpture Accession II (1968), for example, in which the empty interior of an iron cube is filled with strange plastic “hairs,” can be seen as a cousin, only dark and fearful, of Toledo’s playfully cheerful works like Medusa.


Despite the non-traditional character of many of Amelia Toledo’s works, she strove to translate the experiences of her objects into the plane of painting. The series Campos de Cor [Colour Fields] are pulsating chromatic surfaces, filled with numerous brushstrokes, which articulate different shades of colour, resembling the visual vigour of Pointillism, the Nabis’ decorative paintings, Monet’s dissolved water lillies, the eloquence of Rothko’s abstract expressionism, and the spectacular visual games of Op-Art. Precisely, those are paintings that play not only with the illusory, atmospheric, and deep space of the pictorial plane, but also with the pulsation of their colours that, by irradiating themselves, dominate the real space beyond the painting’s rectangle. She is a restless artist, who seeks the truth of the material by experimenting with the concreteness and limits of technique. Thus, her pictorial concept is wide and generous, making her paintings overflow from their frames to become large and seductive penetrable installations. In this spatial and installative sense of colour and light, she conceived works like Cortes na Cor [Cuts in the Colour], in which she makes an organic and winding labyrinth of warm colours, where the spectator, instead of being controlled and imprisoned, is sensitised and emancipated. The chromatic and organic richness of those works move away from our usual cultural panorama towards the delirious character of Oriental Art, especially Indian Art. India, besides, has always been a region marked by infinite scents, flavours, and other remarkable sensations that remind us that art should not deal only with retinal possibilities. Similarly, Amelia Toledo’s works question the supremacy of visuality, by involving the body of the participants in a broader way. By further expanding the capacity of art to connect to everyday life, she conceived public art works. One of them was executed here in the city of Rio de Janeiro, at the Arcoverde subway station. In this work,

Amelia Toledo converts one of the corridors of the station into a tunnel of colour and light, creating a harmonic and vibrating chromatic passageway, a large inhabitable colour palette. In this way, she questions the grey aspect of functionalist architecture, creating an immersive atmosphere in a previously insignificant and inexpressive area. Parque das Cores do Escuro [Park of Colours of Darkness], in turn, a large work from 2003, occupies the lower part of the junction of numerous viaducts of the São Paulo region known as Cebolinha. In this urban work, the artist uses a variety of rocks and minerals, especially robust and irregular blocks of pink quartz and other stones, polished to highlight their beautiful and natural inner patterns, which serve as seats for the public. Thus, she creates a kind of contemporary Zen garden or Stonehenge, which expands organically and sensorially over the colourlessness of urban concrete, like the tributaries of a river are born and unfold in curves throughout the earth. This same situation of integration between the individual and the landscape, between natural and man-made finds an echo in Bambuí (2001), in which a delightful set of benches, of plump stones like gigantic river pebbles and metal plates sensually involving the user, establishes thought-provoking contacts with art, philosophy, religion, time, and silence, the real and the imaginary, emotion, feeling, reason and thought holistically intertwined in an imposing corner through life and always, like everything Amelia creates, through generous contact, and through the discovery and appreciation of the artistic experience through affection. With these great works, attentive to natural phenomena and their relationship with the city, Amelia Toledo accepts the challenge to restore sensitivity to some inhumane areas of the metropolis. All her gardens are spaces for reflection whose goal is to create a space for conviviality and well-being, which reminds us of the aspirations of Matisse, who sought with his paint-

ings to promote a kind of healing, through immersion of the spectator into the joyous and celebratory character of the colours of his paintings. Amelia Toledo has created over the decades, a series of jewels in which a fingerprint appears as the main symbolic and ornamental article. It is yet another of her many praises in her interest in turning art into an essential instance in the everyday life of human beings. In cynical or apocalyptic times, Amelia Toledo’s works are a hopeful and optimistic form of art. But, instead of affirming unrestricted belief in the traditional art system, her works seek to flow organically over the rough and shifting terrain of contemporary art in its multicultural and liberating essence, collecting not only solid truths, but valuable uncertainties. It is in the porous character of her pictorial skins, in the ambiguity and subtle watery movements of her objects, that Amelia Toledo seeks to overcome rigid and excluding rationality, in order to create an affective and transformative art, based on research, poetry, and the certainty that only through innovation and creativity are human beings able to overcome the limits and misery of existence.

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