Revista Coquetel Molotov 03

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Desenhos Cecília Torres 4 Bruna Canepa 66

Entrevistas Maxïmo Park 12 Coltrane Motion 16 Fujiya & Miyagi 17 Monodecks 18 Carlos Dafé 19 Rivotrill 20 Maquinado 21 All My Friends 22 Sebadoh 24 Parteum 26 Dean and Britta 28 Cibelle 30 Panda Bear 36 Poniboy 38 Lisa Li-Lund 40 Ludovic 43

Resenhas Bodes & Elefantes 50 Compactos de Vinil 62 Ao Vivo 64

Mais Editorial Diário de Turnê: Josh Abrams Sua Caixinha de Música: BNegão Programa de rádio: Boogie Night No Mix: Elma Top 20: Rogerman Quemasucabeza

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Ilustração: Victor Zalma

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Afasia (2007)

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Ilustração: Diana Gazatti

Editorial do Coquetel Molotov

Editorial da mooz

Fazer esta edição acontecer é como um capítulo feliz de um conto de fadas, onde, na fé para ver arte e música se concretizarem, a mágica dos nossos artistas é colocada em evidência ao recriar mundos estéticos que beiram a fantasia. Magia não apenas na beleza dos traços das diversas ilustrações que recheiam esta revista, mas nas sensações provocadas por uma música que com suas texturas e nuances permeiam toda uma rede de inspiração que se transforma em palavras.

Daniel: tu vive no msn né? oa, o que a gente vai colocar no editorial? Duda: eu não tenho nada pra falar Daniel: chama gustavo pra conversa... Duda: ele não tá online não po Daniel: tá sim... eita, tá mais não. bem, explica ae q ele tá viajando. ehheheh Duda: não quero falar que ele tá em atlanta assim no meio do editorial. a gente pode dizer meio no fim assim, como uma observação Daniel: hahahaha Duda: sério, a única coisa pra falar é que agora a revista tem lettering feito pelos próprios ilustradores. pelo menos a maioria Daniel: eu concordo com o que tu escrever... menos a lista de músicas Duda: hehehehehe pra mim o que ficou a cara da revista foi hello saferide e aquela música do assovio Daniel: tu ia colocar aquele disco bizarro que tu gosta... Duda: que disco? Daniel: aquele brega... cubano Duda: ahhhhhhh... hehehehehe aquilo era só pra tirar onda com aninha e tathi... killing me softly em espanhol Daniel: coloca aí pra ela ouvir. ela tá no atari... ela nem percebeu... Duda: é... deixa Daniel: acho q ela acha normal esse tipo de música Duda: hahahahahaha vamo fazer uma pausa e tomar sopa no posto? Daniel: de novo?

Na busca por um ser mágico, Cibelle acabou sendo uma escolha unânime. Queríamos uma mulher que representasse o Brasil de hoje sem cair nas categorias óbvias de bossa nova ou MPB. Alguém cuja música transcenda barreiras estéticas e atinja mundos distintos inclusive dos que adoram coisinhas estranhas e excêntricas como CocoRosie e a sua família de freak folk. Amamos a música de Cibelle e a oportunidade de assistir a um pequeno show da cantora em Paris foi como uma intervenção de fadas madrinhas conciliando desejos à ocasião. Nestes três meses de intervalo, realizamos uma pequena turnê com José González, lançamos o EP do Sweet Fanny Adams pela Bazuka Discos e já começamos a trabalhar no festival No Ar Coquetel Molotov 2007 que será realizado nos dias 14 e 15 de setembro no Centro de Convenções da UFPE, Recife/PE. Ah, vocês estão se perguntando como conseguimos fazer isso tudo? Bem, você acredita em mágica? * Esta revista é dedicada a todas as mulheres solteiras do Brasiiil!

EXPEDIENTE Editora: Ana Garcia (aninha@coquetelmolotov.com.br) Com colaboração de Filipe Luna (filipeluna@gmail.com) e Tathianna Nunes Projeto Gráfico: mooz (www.mooz.com.br) Editor de arte e fotografia: mooz Resenhas: Tathianna Nunes (tathi@coquetelmolotov.com.br) Ao Vivo: Jarmeson de Lima (jarmeson@coquetelmolotov.com.br) Revisor: Rafael Ramires (rafaelunicap@gmail.com) Jornalista Responsável: Jarmeson de Lima Nascimento DRT/PE 2970 Produção: Coquetel Molotov Editor on-line: Jarmeson de Lima Colaboradores: Ana Lira, André Balaio, Bruno Nogueira, Bruno Orsini, Bruno Taborda, Catalina Olivos, China, DJ Dolores, Felipe Rodrigues, Fernando Seixlack, Filipe Luna, Flávio Seixlack, Gilberto Custódio Jr, Guilherme Werneck, Josh Abrams, Kiki Ferreira, Leandro Vignoli, Luiz Otávio Pereira, Marcelo Damaso, Marcelo Garcia, Márcio Custódio, Melanie Cross, Rodrigo Santis, Rogerman, Thiago Cassis, Tiago Arantes Fotógrafos: Frederico Finelli (fred@submarinerecords.net) Jacob Hand (www.jacobhand.com) Josh Abrams (lospotreros@yahoo.com) Mayra Rowlands (mariekite@gmail.com) Patrícia Arvelos (www.patriciaarvelos.com) Patrícia Caggegi (www.flickr.com/patriciacaggegi)

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Ilustradores: Allan Szacher a.k.a. Zupi (allan@zupi.org) Bruna Canepa (www.flickr.com/brunacanepa) Carlos Reinoso (perropiedra@hotmail.com) Cecília Torres (cecilia.torres@gmail.com) Daniel Pinheiro (pinheiro.daniel@gmail.com) David Edmundson (platatop@hotmail.com Diana Gazatti (só com 18 anos) Frederico Melo (frederico.vms@gmail.com) Helena Garcia (www.helenagarcia.com) Julien Langendorff Lisa Li-Lund (www.myspace.com/lisalilund) Lulina (lulinaaa@yahoo.com.br) Maureen Gubia (www.paw-tracks.com) Ugo Palermo (ugopalermo@hotmail.com) Raul Aguiar (raul.aguiar@gmail.com) Victor Zalma (victorzalma@gmail.com)

Coquetel Molotov é: Ana Garcia, Jarmeson de Lima e Tathianna Nunes mooz é: Daniel Edmundson, Eduardo Rocha e Gustavo Gusmão Enviar material para: Coquetel Molotov Caixa Postal 6280 CEP: 52041-000 Recife-PE Site: www.coquetelmolotov.com.br Rádio: Todos os sábados das 11h às 12h na Universitária FM, 99.9 www.tvu.ufpe.br

Fotografia de capa: Patrícia Arvelos (www.patriciaarvelos.com) Ilustração de capa: mooz Impressão: CEPE Tiragem: 3.000 exemplares Agradecimentos: AESO, CEPE, Chesf, Prefeitura do Recife, Saraiva, Bar Central, Sensorial Discos, Rádio Universitária FM, Red Bull, UK Pub, Virtuosi, ST2, Swedish Institute, Trama Virtual, Zupi, Alf Olofsson, Bruno Nogueira, Cibelle, Cristian Araya, Diana Gazatti, Diogo Nunes, Emilien Aumard, Fred Lasmar, Gercina Silva, Lívio Meireles, Ramiro e Sol, Silvia Guimarães, Thaís Coimbra, Thiago Marinho, Tiago Arantes, Tomaz Alves, Viviane Menezes, família, amantes, amigos, colaboradores e você

Todos os textos, fotos e ilustrações estão no CC sob a Licença Creative Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Brazil Commons, exceto o que for de divulgação http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/br/ Patrocínio:

A REVISTA COQUETEL MOLOTOV É GRATUITA E NÃO PODE SER COMERCIALIZADA. LEIA E PASSE ADIANTE.


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Quarta-feira - 02/05/07 Não dormi. Tentei juntar todas as pontas que estavam soltas antes de viajar. Griffin (do grupo Icy Demons) me dá uma carona para o aeroporto, Layover em Houston, Texas. Lua cheia. Lendo Irving Goffman. Palavras: Josh Abrams Fotos: Josh Abrams e amigos Ilustração: mooz

Os meus amigos Maurício Takara (M. Takara, Hurtmold) e Luciano Valério (Desmonta Records) me convidaram para fazer algumas apresentações no Brasil. Eu escolhi criar algumas músicas novas para a ocasião. A maioria acabou centrada em um instrumento marroquino chamado Guimbri como também em programações no meu PC e teclado. Maurício participou do processo quando cheguei a São Paulo. E isso aqui é o que lembro… Muito amor e gratidão para Luciano, Maurício, a família Takara, os dois Guilhermes, Chankas e Lu, Roberta, toda a galera do Hurtmold e Richard por fazer as coisas acontecerem! 8

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Quinta-feira - 03/05/07 Aterrisso em São Paulo por volta das 9h30 da manhã. Fui recebido pelo Luciano, o seu irmão Guilherme, Jozzu e uma banda de Hare Krishnas. Festivo. Tirei algumas fotos instantaneamente. Logo entramos no carro laranja de Jozzu que é incrível. Passei a tarde com Luciano tomando caldo de cana com limão e andando pelo seu bairro. Fomos encontrar com Kiko e ele tocou um pouco das suas musicas novas. Soa tanto novo como clássico simultaneamente. Incrível! Três horas no Brasil e já estou ligado. Fui transferido para a nova casa de Maurício. Ele diz que tem espaço o suficiente para “todo o amor necessário”. Qual amor não é necessário? Tomamos conhaque e cerveja com Marcos e Guilherme enquanto escutávamos o novo disco do Hurtmold.


Sexta-feira - 04/05/07

Segunda-feira - 07/05/07

Fomos para o estúdio El Rocha para ensaiar (em Pinheiros). El Rocha é um local incrível. Tanto para estúdio, quanto ensaio dirigido pela família de Maurício. Sempre tem músicos e engenheiros entrando e saindo, ensaiando ou apenas curtindo o local. Parece ser um local incrível para muitas comunidades musicais e artísticas. O Guimbri está um pouco estranho por causa da viagem, mas consegui tocá-lo mesmo assim. Descanso e escuto Clara Nunes. Fui discotecar no Milo Garage com Guilherme, Marco, Chico e Nicolas. Dançamos até às cinco da manhã. A pinga estava fluindo no corpo.

Aniversário do meu pai. Maurício e eu ensaiamos por sete horas e a música estava se formando. Mau está tocando pandeiro, kalimba, teclado e bateria. Eu estava exausto, mas fui assistir Medications e Debate tocarem. Todos passaram a noite falando sobre o show dos Racionais.

Sábado - 05/05/07 Virada Cultural: música sem parar por toda São Paulo. Um dia completamente louco. Começamos na Casa de Ópera (com show de João Donato) e terminamos em caos (no show do Racionais MC). À meia-noite fomos escutar Maurício tocar uma trilha improvisada para Nosferatu, de Murnau, fora de um cemitério. Roger, Vir, Brian, Lu e eu andamos pela cidade. Eu sou apelidado de Joshiera. Às três da manhã, as ruas estão entupidas de gente dançando techno. Quando chegamos no centro, você podia olhar para a polícia e perceber que algo pesado estava acontecendo. Eles estavam com uma aura de que estavam bêbados e procurando por briga. Depois que os Racionais subiram no palco, não demorou muito para a merda acontecer. Garrafas começaram a voar. Metade do público entrou em pânico empurrando. Outra metade dançando com a musica. No meio de cem mil pessoas às quatro da manhã, eu me pergunto se é assim que as coisas são por aqui. Decidimos sair. Um pouco antes de chegar na entrada do metrô, a música pára e eu escuto tiros.

Fui almoçar com a família de Maurício. Nesta noite tocamos um concerto improvisado com Thomas no saxophone e violino e Miguel na guitarra e instrumentos eletrônicos. Eu toco baixo acústico e Guimbri enquanto Maurício toca bateria e teclado. A música flui facilmente entre nós quatro e o público parece amar. Eu me reencontro com a minha amiga Magda que eu não tenho visto por uns 15 anos. Ela agora é casada com Miguel. O mundo é muito pequeno. Nesta noite eu fiquei com Chankas, Luciana e Fieska.

Domingo - 13/05/07

Ensaio pela manhã. Fui procurar discos com Guilherme. A loja Disco Sete é muito boa. Tive aulas de português e telepatia.

Dia das Mães. Fomos fazer um show na Divina Comédia em Mogi. Um clube pequeno e a eletricidade é 220V. Tive que fazer alguns ajustes. Rola o show. As pessoas estão gritando. Enquanto voltamos para São Paulo, o nosso motorista Lucas recebe um telefonema de que a avó da sua esposa morreu. Foi pesado. Decidimos trocar de carro e escutar Tim Maia.

Quarta-feira - 09/05/07

Segunda-feira - 14/05/07

Está frio hoje. Tivemos o nosso último ensaio. Gravamos e escutamos o que tocamos. Um pessoal da televisão veio no ensaio e nos filmaram tocando. Foi um pouco do nada. Depois Kiko veio no estúdio e aprendemos três das suas musicas. No jantar, o irmão de Lu decidiu que o meu nome é secretamente Joshua Harmony e logo em seguida eu viro Jozzuca Harmonia. Depois fomos para o bar Ó do Borogodó para escutar Kiko tocar uns sambas.

Último dia em São Paulo. Acordei cedo, fiz uma música nova e fui ao parque.

Terça-feira - 08/05/07

Terça-feira - 15/05/07 Tive uma sessão de gravação bem cedo com Salum. Tomei sorvete de milho. Dirigimos para Taubaté, éramos Luciano, Maurício, Richard e eu. Richard tocou solo antes. Fizemos o show em uma casa antiga que agora é um café. Juntamos todos os equipamentos. Escutamos samba e A Love Supreme durante a viagem de volta.

Quinta-feira - 10/05/07 Dia do show no SESC. Fiquei nervoso. Muita gente veio assistir ao show, que foi ótimo, especialmente por ser o primeiro. A questão foi trazer todo mundo de volta do encanto depois de ter levado-os para algum outro lugar. Depois teve festa na casa de Chankas e Luciana.

Sexta-feira - 11/05/07 Roberta me leva para Place du Sunset. Foi tranqüilo. Bebi suco de abacaxi com menta. Fomos para o Milo Garage novamente. Guilherme tocou uma faixa do Reminder e coloca todo mundo para dançar.

Sábado - 12/05/07 Domingo - 06/05/07

a saírem e se expressarem. Roger canta um solo bonito. Nesta noite eu fui assistir Naná Vasconcelos tocar.

Tive um café da manhã incrível com Chankas e os dois Lus. Fiz um workshop de improvisação na periferia. Cerca de 30 pessoas compareceram e tinha uma grande variedade de idade. Crianças, mulheres de igrejas, estudantes universitários. Toquei sozinho, depois fiz um duo e coloquei todo mundo para tocar algo. Quando eu me viro, tem uma criança fazendo malabarismo. Música tem uma parte tão mais profunda na cultura daqui. Todo mundo tem muito mais coisa em comum através da musica do que nos Estados Unidos. Eu tento encorajar as pessoas

Quarta-feira - 16/05/07 Partimos pro Rio de Janeiro. Paramos na estrada para comer em um posto de gasolina. Eu não consigo acreditar como tudo é tão gostoso. A comida de estrada nos EUA é muito fraca. Entrando no Rio, somos parados pela policia. Eles procuram nas minhas coisas por drogas (ou estavam procurando por dinheiro?). Ficamos perdidos, mas encontramos o local, Audio Rebel. O show foi ótimo. Barulhento. Depois fomos tomar uma cerveja em algum local em Ipanema.

Quinta-feira - 17/05/07 Dirigimos para São Paulo. Eu fico silencioso, só pensando. Escuto um mix de música brasileira feito pelo DJ Nuts. Chegamos no El Rocha às 15h e eu tenho uma hora para fazer as malas e ir ao aeroporto. Hoje, todo mundo acha que eu pareço com Raul Seixas. Até a mulher do hotel. Até uma atendente do posto de gasolina diz que tem todos os meus CDs, achando que eu sou Raul Seixas, que já morreu. Lu e Maurício diz que eu pareço com esse cara também. Até quando eu fiz o check-in, a atendente diz que eu pareço com um músico brasileiro famoso.

www.myspace.com/reminderrr

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Testado por: Jarmeson de Lima Ilustração: Victor Zalma

Parliament Funkadelic “Do That Stuff” Funkadelic! Clássico demais! Você também tem uma coleção de discos deles? Praticamente. O Funkadelic é tipo pai de todos. Não tem jeito. Vi o show do George Clinton BNegão é um cara de um fôlego impressionante. Tem pelo menos dois trabalhos quando ele veio pro Rio pra oficiais: Seletores de Freqüência e Turbo Trio. Ainda se aventura por aí em colaborações um show com o Parliament especiais como no caso do show Instituto Racional e em participações em eventos e Funkadelic e foi do caralho. Isso debates como nas Info Sessions da RedBull que fez em algumas cidades, incluindo o foi em noventa e pouco. E ele Recife. Foi nesta breve passagem pela cidade que ele pôde ouvir algumas músicas e tava lá com todo mundo, todos os caras da formação clássica. comentar sobre o que rola por aí. E com sua experiência no mercado fonográfico, ele Muito bom! Ainda há pouco sabe hoje em dia escapar das roubadas e armadilhas das gravadoras com um fôlego tempo fui com os Seletores para conseguir armar, com a ajuda da Internet, shows em diversas partes do mundo e tocar em Barcelona e tivemos a com fãs de sua música contagiante. Sabendo da predileção de BNegão por soul, funk, chance de tocar no mesmo lugar hip hop e black music em geral, esta seleção de músicas trouxe algumas obviedades e que eles tinham tocado uma algumas surpresas. Só resta agora conferir para saber o que ele achou desse pequeno semana antes. E a gente esgotou bombardeio musical. os ingressos também lá no local do mesmo jeito que eles tinham Planet Hemp parece defasado sonoramente. Chambaril esgotado. Fiquei feliz com isso pra E essa não era, apesar de ser uma demo de “Som de Ladrão” caralho. 93. Até o Chico Science era fã dessa demo. Pode perguntar a galera do Nação Zumbi pra Não faço idéia do que seja mas é muito bom. Em Barcelona vocês já tinham um público confirmarem. Gostei. Sampleado e com várias coisas. formado? É uma banda daqui do Recife, Chambaril. Já ouvi falar. Muito bom. O cara faz várias colagens, não é isso?! Isso mesmo. E o que tu achas de trabalhar com samplers e colagens? Eu acho do caralho. Já dava pra fazer antes e hoje em dia é ainda mais fácil. O rap nasceu assim. Isso acontece muito no Seletores de Freqüência graças ao Rodrigues que é o DJ. Mas eu sempre prefiro compor do que fazer uma parada dessas. Fico pensando que vou lançar um disco e quando sair vai ser aquela dor de cabeça com a editora e tal. E como o disco vai para todo canto do mundo, de repente rola um processo de bobeira, sacou?! Mas o Rodrigues mete várias paradas clássicas que ele mesmo cria. Até porque ele é um dos DJs mais foda que conheço. É uma lenda viva de Niterói. Ele era do grupo original, da época da Hemp Family. Naquele tempo tinha o Funk Fuckers, Planet Hemp e Speed Freaks. No Speed Freaks era ele, o Black Alien e o Speed. Eles tinham uma demo que até hoje tá valendo ouvir. Foi um trabalho muito bem feito. E foi até gravado com 4-track. Era tão bem feita a parada que até o primeiro disco do

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E como era o som? Tinha o Speed e o Black Alien nos vocais, com Speed tocando baixo e o Rodrigues nas bases e nos samples. Cara, era tipo uma mistura de raggamuffin’ com hip hop pra frentex e funkão. Era coisa do outro mundo. Speed Freaks, né?! O nome já diz tudo. Engraçado que a gente tinha vindo de uma época em que tinha essa coisa dos anos 90 das bandas cantarem em inglês. O Planet Hemp começou cantando músicas em inglês muito toscamente. O Funk Fuckers nunca teve músicas em inglês. Mas o Speed Freaks cantava a maioria das músicas em inglês, já que o Gustavo [Black Alien] tinha um inglês bonzão e a banda era foda! O Rodrigues era quem fazia as bases. Ele fazia as paradas num esquema que hoje em dia virou ProTools num lance muito antes de existir o ProTools. Ele combinava e recombinava música com programa tosco de computador, 4-track, com uma luz, o escambau... O cara era tipo um Professor Pardal. Quando vi o Pro-Tools pela primeira vez, eu disse pro pessoal que tava comigo admirado com aquilo: “Cara, faz seis anos que conheço um cara lá em Niterói que faz tudo isso igualzinho aí”.

Isso foi uma parada muito louca. Da primeira vez que a gente tocou lá foi num lugar para 2 mil pessoas que a produção tinha armado. Quando cheguei lá, pensei “vai ser o maior fiasco da história”. Nunca que neguinho iria pra lá e pagar pra ver a gente tocando. Só que depois que a gente chegou e ensaiou e esttava pronto pra entrar no palco, o organizador do show disse que a gente tinha que esperar mais uns vinte minutos. E sem a gente entender o porquê. “A fila tava dando volta no quarteirão”, ele disse. E eu sem acreditar na história. Aí perguntava pra ele: “Tá bom, então vai ter outro show depois da gente? Os ingressos tão liberados e a bebida é de graça?”. Ele falou que não e que o ingresso custava 14 Euros. Bem, meio desconfiados, a gente foi nessa. Mas eu já tava imaginando que a galera que veio pro show tava esperando outra coisa. No mínimo tavam a fim de ver uma mulata rebolando no palco e ia se decepcionar com o negão aqui e ia embora. E daí não, sacou?! A galera já conhecia, gostava das músicas e foi um dos melhores shows que a gente já fez na vida. Foi um negócio de louco mesmo! E agora estamos indo pra lá tocar de novo.


Astrud Gilberto

The Good The Bad and The Queen

Negroove

“Take It Easy My Brother Charles”

“Herculean”

“Exu Aspartame”

É alguém levando uma com a música do Jorge Ben. Quem é?

Isso aqui não conheço, mas tou achando muito bom.

Bom demais isso aí. Mas tenho que confessar que não conheço.

É o trabalho novo de Damon Albarn. Ah, isso aqui é o The Good The Bad and The Queen. Com o Paul Simonon e Tony Allen. Clássico! Eu logo ia reconhecer pela voz do Damon Albarn. Sou fanzão de quase todos ali. Até mesmo o cara do The Verve, não posso dizer que sou fã, mas aí eu respeito. Inclusive já gravei com o Tony Allen e tudo. Teve umas três músicas que eu gravei com ele quando ele veio pro Brasil, em Salvador, no PercPan. Tinha eu, Catatau e Areia do Mundo Livre. A gente acompanhou o cara como uma banda e foi demais. A gente fez umas músicas novas e de responsa. Talvez nesse ano a gente vá lançar, mas nem sei como a gente vai fazer com esse material.

É de um pessoal do Recife. Negroove. Ah legal. Tenho que admitir agora que sei quem são, mas que ainda não saquei porque não consegui ouvir o disco. Peguei o disco na semana passada com um dos caras do Negroove lá no Rio. Queria muito ter visto algum show deles. O som tá muito bom. O arranjo também é bem bom.

Astrud Gilberto, numa gravação de 73, por aí... Bonito. É tipo gostosinho. Não é fenomenal, mas é muito bom de ouvir com essas paradas de bossa nova. É aquela coisa, se já era bom naquela época, imagina agora. Inclusive, se não fosse o Jorge Ben, não existia praticamente os anos 90 no Brasil. Porque pra carreira das bandas dessa época, duas coisas foram fundamentais na minha opinião. Sem o De Falla no underground até 92 e sem a carreira toda de Jorge Ben como Jorge Ben, não existiria os anos 90. Ia existir o quê? A gente no Brasil nessa geração dos anos 90 tá nisso por conta dessas influências. Pouquíssima gente pode dizer que não ficou marcado por isso. Acho que seria menos de 80% do que teria hoje. E Jorge Ben é fundamental. Ouço diariamente.

Móveis Coloniais de Acaju “Esquilo Não Samba” Isso aqui é sensacional. Já gostei da guitarra na introdução. Muito bom. Mas não tou reconhecendo. É o Móveis Coloniais de Acaju. Ah, Móveis! O Móveis hoje em dia tem um dos melhores shows do Brasil, se já não for o melhor. É demais! Toquei com o Turbo Trio junto com eles lá no Rio no Humaitá Pra Peixe. O show do Móveis foi uma parada de maluco. Coisa do outro mundo mesmo. Muito bom! E você já foi pra Brasília também tocar na festa do Móveis Convida? Não, mas já toquei por lá um dia antes de uma das festas desse projeto deles. Foi até num dia que rolou show com eles e o Los Hermanos. Eles têm tanta moral em Brasília, que eles tocaram depois do Los Hermanos e ficou tudo bem. É tipo assim, basta deixar os caras chegarem e eles arrebentam. Arrisco dizer que é uma das melhores bandas do Brasil sem sombra de dúvida. E em qualquer nível, não só entre as bandas independentes.

E esse disco vai acabar saindo independente, não é?! Você ficou com trauma de gravadoras? Provavelmente. O lance é que gravadora é um negócio muito bizarro. Foi até um motivo pelo qual fiz a música “Dança do Patinho”. O cara trabalha pra caralho e aí quando pinta uma chance, é chamado por uma gravadora. Acha que é o paraíso e vai finalmente aproveitar. Que nada! É bem o contrário. Se antes o cara fazia o trabalho dele e se dava bem, lá quem se dá bem é o dono em cima dele. E a música é isso, tem várias paradas que neguinho acredita e que na verdade é roubada. E hoje em dia gravadora nem é assim tão necessária assim. Os caras tão é apavorados sem saber o que fazer, perderam o chão total. E com isso dá pra conseguir muita coisa até na gringa por conta na Internet numa parada mais independente. Hoje em dia já começou uma parada clássica, onde, por exemplo, o Mombojó tá abrindo certas barreiras impressionantes. Tipo conseguir uma coisa no meio do caminho. Estar dentro de uma gravadora como a Trama e ao mesmo tempo liberar o disco em Creative Commons. E isso é uma flexibilidade que a galera tem que aprender a ter também.

Eles inclusive tem um projeto paralelo com músicas de Bezerra da Silva. Pode crer. É coisa que aparece nas influências da banda e fica impregnado no DNA do sujeito. Você acaba tendo que tirar aquelas estruturas da música e aquilo ali fica impregnado. Por isso achei que ficou também parecendo uns caras novos fazendo música de velho. Mas é responsa, curti muito.

www.bnegao.com.br

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É mais do que evidente que conforme a vida passa, nós seres humanos, vamos vencendo e perdendo, alternando momentos de prazer e dor. Quando finalmente alimentamos nossa avidez, tudo muda. Nossos ímpetos, desejos e metas, embora sempre presentes, vão se alterando à medida que ganhamos e perdemos no jogo da vida. Maxïmo Park, quinteto do nordeste da Inglaterra, sabe muito bem disso. Seu novo disco, Our Earthly Pleasures (Warp, 2007), é um guia completo sobre esses desejos: beijar, comprar, falar, dominar, cantar, beber, viajar. “Você não precisa negar seus anseios”, é a primeira linha da faixa “Your Urge”. Maxïmo Park é composto por Tom English (bateria), Duncan Loyd (guitarra), Archis Tiku (baixo), Lukas Wooller (teclados) e Paul Smith (vocais e letras). No dia dessa conversa, a banda tocou para mais de duas mil pessoas no The Forum, no norte de Londres, na terceira data de três shows consecutivos esgotados na capital inglesa. É em concertos como esse que se percebe quão marcante e adorado o Maxïmo Park é para a juventude inglesa. A noite foi um estrondo do começo ao fim,

tanto por parte de público como pela banda. Paul Smith é sem dúvida o melhor performer do rock atualmente, mesclando performance teatral, piruetas e caretas. A interação que rola entre ele e o público é espantosa. Durante a entrevista, sua simpatia foi magnífica. Sempre sorrindo, olhando nos olhos, conversando com vontade. Para um combo como Maxïmo Park, que relata sobre “nossos prazeres terrenos”, ficar apenas em seu habitat natural não é mesmo um exemplo a seguir. Assim que explodiram na cena musical inglesa há dois anos com o primeiro álbum, A Certain Trigger (Warp, 2005), possibilidades de conhecer o mundo surgiram, e a banda decidiu não pensar duas vezes em voar o planeta. Enquanto a maioria das bandas percorre apenas os mercados mais óbvios e lucrativos – como Europa, América do Norte e Japão – Maxïmo Park sentiu a necessidade de levar sua mensagem para o máximo de pessoas possíveis. O resultado foi uma aventureira turnê em países como Tailândia, Turquia, China, Rússia, Eslováquia, Polônia, Nova Zelândia, Austrália e Portugal, além dos lugares de praxe traçados por todos os outros

Palavras: Márcio Custódio Assistência: Patrícia Arvelos Fotos: Lisa Griffin / Divulgação Ilustração: mooz

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grupos. “Estivemos em Moscou, em Xangai, e nunca imaginávamos que um dia poderíamos estar nesses lugares. É muito excitante conhecer novas cidades”, reflete Paul. “As bandas geralmente vão para o Japão, mas para nós é essencial ir além - sair da rota usual de shows e explorar outros lugares. Definitivamente, o Brasil e a América do Sul são locais que queremos ir nessa nossa nova turnê. Sempre ouvimos comentários de outras bandas sobre como o Brasil é maravilhoso”. E o que você conhece do Brasil além do CSS? Paul: (Risos) Sinto muito, mas meu conhecimento de música brasileira é bem limitado; peguei o disco do CSS ano passado e adorei. Também conheço essa nova promessa, o Bonde do Rolê, mas só isso. Nem uma bossa-nova, um sambinha... Paul: Ah, sim. Gosto do tom da bossa-nova, é muito elegante. Comprei recentemente uma compilação de ritmos latinos, e tem algumas coisas de bossa-nova e tropicália, mas não muito. Acho bem interessante, tenho vontade de ir mais a fundo nisso. Mas você continua fã de Juninho (conhecido como “The Little Fella”, que foi jogador do Middlesbrough FC)? Paul: Eu adoro o Little Fella, ele é pura habilidade, além de ser uma pessoa excepcional. Fui vê-lo jogar no campo várias vezes. Nunca me esqueço de quando nosso time foi rebaixado. Ele chorou no meio do gramado, totalmente desolado, e deu pra ver o quanto se importava com o time, diferente de outros jogadores que só se importam com dinheiro. O que vocês acham de muitos britânicos não terem o hábito de escutar música cantada em outras línguas? Tom: Em minha opinião, quando a música é boa, a língua não é tão importante. Meu disco predileto do Super Furry Animals é em galês e adoro aquele disco, às vezes até canto junto (risos). Duncan: O Stereolab canta em francês e eu acho muito bom. Paul: Embora aprecie o Buena Vista Social Club, bandas turcas dos anos 60 e cantoras francesas, às vezes, como escritor e letrista, fico meio frustrado por não entender o que certos cantores estão dizendo. Gostaria de ser capaz de compreender a mensagem que estão passando, mas acho que isso não interfere no prazer da música. Em contrapartida, não iria escutar Leonard Cohen se não soubesse o significado das letras. Mas não há nada mais deplorável que bandas imitando outras bandas. Às vezes vejo em alguns países bandas tentando se vestir e cantar como britânicos, sem um pingo de originalidade; não acho isso legal. De cinco anos pra cá, as portas da Inglaterra estão abertas para imigrantes e estrangeiros. Em Londres, numa saída até o mercadinho da esquina você escuta uns dez dialetos diferentes, e esbarra em diversas nacionalidades. Como você vê essa Inglaterra multi-racial? Paul: É fascinante poder aprender e vivenciar outras culturas no seu próprio país. É uma grande integração e isso traz muitas coisas boas socialmente e culturalmente. Veja o caso de Dizzee Rascal e M.I.A. Você não pode chamar o que eles fazem simplesmente de rap ou hip-hop. É algo híbrido, integrando várias influências culturais. É bom ter pessoas que não seguem o padrão e interagem na sociedade com novas idéias e costumes, resultando em diferentes comportamentos e

arte com inovação. As pessoas tendem a vir mais para a capital e essa diversidade fica mais visível em Londres. Em Newcastle, a diversidade é menor, mas ainda sim é uma cidade bastante versátil culturalmente. E você não acha, às vezes, que esse choque cultural pode abalar a relação e a tolerância entre as pessoas? Paul: Em todos os lugares do mundo ocorre isso. Se você for a certas partes de Newcastle vestido de um jeito diferente, terá problemas. Óbvio que nem sempre é harmonioso esse encontro de culturas. Nenhum lugar está a salvo. A Inglaterra tem pontos negativos e positivos, mas prefiro apreciar os positivos e gosto da liberdade de expressão que existe aqui. Em certos países não é permitido nem ouvir rock, então acredito que a Grã-Bretanha não é dos piores, há bastante tolerância. Esta semana Tony Blair anunciou o final da sua era no poder da Inglaterra depois de 10 anos. Você concorda com a música do Jarvis Cocker “Running The World” (que diz que os líderes mundiais são todos uns cuzões)? Paul: Concordo em parte. Há muitos líderes e alguns deles são bons, outros não. Acho que é uma tarefa muito árdua liderar uma nação, então é complicado validar toda a amplitude de um mandato. Acho errado um líder ficar no poder por muito tempo, como o nosso Primeiro Ministro. É um tanto ditatorial, pois um governo sempre precisa recalcular as coisas, reavaliar questões, mudanças sempre tem que ser feitas. Pelo mundo afora, você vê o que acontece quando um líder fica no poder por muito tempo. Veja, por exemplo, Robert Mugabe no Zimbábue. Dá pra perceber o ressentimento histórico contra o colonialismo lá, mas, ao mesmo tempo, ele não é um homem democrático e as pessoas vêm o que acontece quando alguém da oposição tenta se fazer ouvir. E também é muito difícil confiar em líderes mundiais como um todo. Você pega o presidente dos Estados Unidos. Se ele é idiota o suficiente para fazer comentários estúpidos em público, imagina o que ele não fala a portas fechadas... E esses festivais como Live8, podemos esperar um dia o Maxïmo Park tocando nesses eventos politizados? Paul: Depende do evento. Quando é algo para arrecadar dinheiro para uma causa de caridade, é difícil dizer não, pois queremos estar envolvidos e ajudar pessoas. No caso do Live8, acho que eles queriam resolver certas coisas de uma forma simplista demais. Acho que há formas mais eficientes de passar uma mensagem do que ficar cantando e festejando num parque para milhões de pessoas. A gente com certeza se envolveria com algo genuíno para alertar as pessoas para uma causa, como participar de um abaixo-assinado. Mas acho que nossa música e desempenho passam mensagens positivas para as pessoas e fazemos isso do nosso jeito.

Com letras mais complexas, e uma sonoridade mais melódica e serena, ainda que pulsante em vários momentos, Our Earthly Pleasures é um álbum que desafia o ouvinte. Não é um álbum experimental, como muitos sugerem. Escrever as letras de forma mais poética com um vocabulário mais extenso, e ao mesmo tempo deixar a sonoridade menos rock, não significa que o disco é experimental. Veja por exemplo “Our Velocity” um

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verdadeiro canhão sônico, essa música é tão explosiva que quando ouço no meu aparelho, sai até fumaça de dentro das caixas de som. Em seguida o ritmo diminui com a linda “Books from Boxes”, uma excelente faixa remanescente dos melhores momentos de Morrissey, com a letra explorando o fim de um relacionamento: “Dois corpos em transição, é um fato, não foi feito para durar”. A estrondosa “Your Urge”, referenciando as tentações dessa vida, começa discreta, para depois fulminantemente desencadear em pura maestria. Possivelmente um dos melhores momentos do Maxïmo Park. No começo de certas faixas temos a impressão de que o motor realmente pode pifar a qualquer momento e que aqueles detratores tinham razão; até chegar o refrão e um frio atingir nossa espinha. É assim em “A Fortnights Time” e “Nosebleed”. Nessa hora ficamos com a certeza de que o Maxïmo Park jamais dará bola fora. Mas quem esperava um repeteco do explosivo A Certain Trigger, se deu mal. A mídia ficou dividida, uns não compreenderam muito bem. Foi o caso do semanário NME, que no ano passado convidou o Maxïmo Park para ser a banda principal em sua turnê anual, louvando o grupo e intitulando Paul Smith como gênio, mas agora no início de 2007, poucos meses depois, tentou enterrar a banda com argumentos poucos convincentes e muita falta de ética.

Foi uma decisão consciente diminuir o ritmo nesse segundo LP? Paul: Absolutamente. Não queríamos fazer o mesmo álbum duas vezes, somos o tipo de banda que sempre vai tentar algo diferente. Gostamos de dividir opinião, caso contrário não teríamos um som distinto, seriamos apenas uma banda mediana. Temos liberdade e fazemos o que queremos, temos todo o direito de fazer um disco que tenha uma faceta menos indie. Nesse novo trabalho, há faixas que soam diferentes do nosso álbum anterior, como “Karaokê”, “Plays” e “Your Urge”, mas se você for ver, ainda sim soa como Maxïmo Park. Qual foi a sua reação diante da visão da NME? Paul: Não respeito a opinião deles de maneira alguma, aquela resenha deu uma impressão totalmente errada do disco. Vamos deixar uma coisa bem clara: Our Earthly Pleasure não é um álbum experimental, muito pelo contrário. Tivemos diversas outras revistas que disseram que estamos mais melódicos e acessíveis do que nunca e eu concordo. Na semana anterior ao lançamento do nosso single, “Our Velocity”, a NME disse que não era uma faixa boa e que jamais iria estourar. E agora vemos que foi extremamente bem recebida pelo público e atualmente ela é super popular, é o nosso maior hit. Você um dia considera fazer novamente uma turnê com a NME?

Paul: (Sem hesitar) Definitivamente não. O lance é que a gente deu duro naquela turnê, tocamos para muitas pessoas e na época os jornalistas dessa revista disseram que éramos a melhor banda do país. Na semana seguinte, eles começaram a falar mal. Tudo bem, acho que eles não têm obrigação de gostar da gente. Mas fazer uma série

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de notas tirando sarro do nosso visual e falando mal por falar não está certo. Parece que eles armaram uma campanha para destruir o Maxïmo Park, mas não vão conseguir, estamos numa posição superior a deles. Acho justo se as pessoas vêm e falam que não gostaram do disco por causa disso e daquilo, mas ficar atacando minha pessoa sem razão nenhuma eu não aceito. O álbum Our Earthly Pleasures vazou na internet semanas antes de seu lançamento oficial. Como você reagiu a isso?

Paul: Não fiquei muito feliz com o vazamento do disco, pois queria que as pessoas escutassem o álbum com todo seu conceito, incluindo as letras, o trabalho gráfico e tudo. Mas depois pensei que, mesmo de forma incompleta, pelo menos estavam entrando em contato com nossa música, e nos escutando de alguma maneira. E o que você acha da cultura dos downloads? O vinil e o CD vão sobreviver até a próxima década? Paul: Adoro o vinil. Esses dias comprei vários discos em ótima condição! Coisas como Television, Arthur Russel e Neil Young. Quando encontro um vinil que estou a fim de comprar me sinto um mineiro encontrando ouro debaixo da terra! Mas gosto de CDs e MP3 também, desde que tenha a arte gráfica. Veja bem, eu datilografei todas as letras do nosso novo álbum na minha máquina de escrever em casa, como parte do projeto gráfico. Realmente me empenhei. Acho que a capa e encarte são de extrema importância sim, tão valiosos quanto as músicas. Mas acredito que no futuro vai ter opção para todos os gostos. E o próximo álbum, já estão apanhando idéias? Conseguem ser produtivos mesmo em turnê? Paul: Sim, em nossas viagens estamos sempre ligados, passando por experiências e rascunhando idéias. No momento estou ouvindo muita música folk, coisas como Anne Briggs e Lal Waterson. Nosso tecladista está bastante interessado em beats eletrônicos, então acho ainda prematuro tentar descrever como será nosso próximo trabalho. Faremos isso na hora certa.

www.maximopark.com


o batera mais foda da história, Mitch Mitchell. Numa nóia espacial, Hendrix cochicha o diálogo de Star Trek na gravação. Algo assim, perfeito e eterno. Aos cinéfilos cool, aparece naquela abertura massa de Os Sonhadores, do Bertolucci.

Band of Horses “Great Salt Lake”

Palavras: Leandro Vignoli Ilustração: mooz

Grinderman “No Pussy Blues” Nick Cave e mais três caras da Bad Seeds e o resultado é uma das músicas mais urgentes da década. Sem aquele ar austero e por demais letárgico, o australiano é só fúria aqui. Gritos de raiva de incrível senso auto-irônico (embora Cave não aparente ser um sujeito “sem buceta”), enfeitado por um ataque de microfonias de guitarra, baixo distorcido e alto, e em especial, alguma bateria simulacro de caldeirão do inferno, cortesia de Jim Sclavunos. Demente.

Stooges “Trollin’” Gravado por Steve Albini, isso soa culhudo como os autênticos Stooges. Proto-punk de riff simples e pegajoso perfeitamente aplicável ao status quo de “rock pra se dançar”. Iggy Pop mantém com dignidade uma voz que por óbvio não é a mesma de trintas e poucos anos atrás. Algo que no conjunto da obra ainda mantém o brilho da banda, envelhecida sim, mas de longe satisfatória, por exemplo, em comparação aquilo que andam chamando por aí de The Who.

Dinosaur Jr. “Almost Ready” Muito atemporal pra caralho, é como ouvir algo lançado meses após o Bug, de 88. Guitar-band no extremo senso do termo, o retorno do Dinosaur Jr original remete a um som que não se faz hoje em dia. Guitarras distorcidas de verdade (não sobrepujanças pasteurizadas) e recheadas com muitos solos. Adicione a voz chorosa de J.Mascis, o modo estalado de Lou Barlow tocar baixo, e a batera crua (e tosca) de Murph, e tenha nos ouvidos um legítimo hit em potencial. Ou, como sabemos, um potencial não-hit.

Arcade Fire “No Cars Go” O Arcade Fire sempre me lembra uma corda bamba. Algo difícil de ficar em cima, que cria suspense, mas não acontece nada se alguém cair dela. É uma música sempre pretensiosa, sempre recheada de hipotéticas erudições (como harpas), sempre com (outra vez) pretensa soturnidade. Mas não acontece nada se tirarmos isso. Parecido às redes de proteção da corda bamba, a música deles é rock-arena, que está ali,

pra impedir qualquer desastre. É o típico hard-rock da pós-modernidade, feito por e para intelectuais. E embora eu não seja intelectual, acho hard-rock muito massa.

Peter Bjorn & John “Young Folks” “Toca aquela do assovio” virou constância no programa. Não me admira. Pop, grudenta e agradável, é música pra despertar sensação imediata: mesmo de irritação, algo comum a fenômenos pop, em geral “catchy” demasiados. Com refrão repetido zilhares de vezes, bongôs que dão um leve toque de latinidade, e a voz angelical de Victoria do também sueco The Concretes, a música é tão boa que eleva o trio a uma condição certeira. One hit wonder eterno. Contraditório, não?

Grande indicativo de passagem no tempo aqui. Como se Neil Young fosse transportado direto prum álbum do Built To Spill, o que significa dizer que há vocal anasalado, há um guitar hero, há melodias lacrimais, e há um refrão lindo. Bela dica também é o vídeo da música no Youtube. Os caras, caipirescos, jogando beisebol. Um gorducho barbudo se estabacando no chão é o ápice. A cena, inclusive, dá a exata noção paradoxal entre o quão engraçado pode ser a desgraça, a alheia ou a sua própria.

Manic Street Preachers “Your Love Alone is Not Enough” Nova dos galeses, a primeira coisa que me disseram é que é “muito pop”. A primeira coisa que pensei foi “que bom”. E é exatamente isso mesmo. Ganchuda e irresistível, pop-refrão de primeira, é uma parceria do trio com Nina Persson, vocalista do Cardigans, que dá aquele charme massa a canção. Talvez seja o protótipo perfeito de música pra tocar no rádio. Outra vez acertaram.

Klaxons

Ultramen

“Golden Skans”

“Tubarãozinho”

Hype, moderninhos, new rave. Nem importa o nome, nem as chacotas possíveis de fazer com eles (ou com suas roupas, os cortes de cabelo – bem, tudo). A música é um chiclete, seja pra ouvir no rádio (algo a mim fundamental), seja numa festa. Pra ser bem didático, o Klaxons é como a verdura que tu não gosta sem nunca ter comido. Um dia alguém a coloca picadinha no prato, sem tu saber. Aí tu gosta e todos riem de ti. Mas sempre há a chance de tu cuspir e ainda

Do álbum deles recém lançado, Capa Preta. Quando ouço a expressão “mescla de estilos” sinto certo nojo, me dá caganeira mesmo, mas ao lembrar da Ultramen, isso passa fazer todo sentido. Uma banda de rock que toca soul, flerta no funk. Alguém diria que é o exato oposto, e sem errar. “Tubarãozinho” é um show instrumental, de cozinha black, percussão pesada, tecladeira a Tim Maia Racional. Ah, letra infantil, com o vocal de Tonho Croco (sempre ótimo) recheado de vocoders. Eu colocava na novela.

Superguidis “O Banana” Revelação nacional, a banda estreou aqui na rádio, e virou hit. Radiofônico o suficiente pro pop, sujo o bastante para os alternativos. Letra simples e juvenil sobre amor ao estilo power-pop. Mas que também encaixaria num emocore vagabundo, talvez numa MPB qualquer do Nordeste, e com pouco de imaginação, vinho e os mesmos três acordes de sempre, até num blues estilizado. O que significa dizer que música e banda são muito abrangentes, e na terra de onde venho, esse é o primeiro passo para se dominar as massas. Isso pra tristeza de Adorno e toda aquela tralha de Frankfurt.

Jimi Hendrix Experience “Third Stone From the Sun” Um dos primeiros sons fusion registrados, com

dizer “mas que merda é essa?”.

The Clash “Guns of Brixton” O reggae de branquelo mais negão da história, onde a banda enfim acertava a mão (após pífias tentativas resultantes em, oras, reggae de branquelo). Composta e cantada por Paul Simonon, “Guns of Brixton” não por mera coincidência possui aquela linha de baixo marcante, como poucas. Só ritmo, cadência, balanço, tudo o que precisa pra chapar o melão.

Boogie Night vai ao ar de segunda à sextafeira, entre 20h e 23h na Unisinos FM 103,3 [Porto Alegre e região], ou pelo site www.unisinos.br/radio. Apresentação e produção de Leandro Vignoli, também escriba de www.gordurama.com.br.

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Palavras: Jarmeson de Lima Foto: Jacob Hand / Divulgação

Coltrane Motion, apesar do nome, não é uma banda de jazz. Também não é uma banda de rock, nem de música eletrônica. Ou melhor, deveria começar dizendo que esta banda não é exclusivamente de nenhum desses estilos, o som deles traz diversos estilos e subgêneros da música pop contemporânea, basicamente com forte influência da tecnologia que evoluiu dos anos 90 até agora, sem descartar aquele velho método de ir juntando beats e guitarras para compor música pop feita em casa. Michael Bond, líder e mentor do Coltrane Motion, mora em Chicago e, quando viaja em shows, convida o guitarrista Matt Dennewitz e mais alguns colegas para performances que costumam impressionar platéias, e sobre o curioso nome, Michael revela: “Não gosto de procurar nenhum significado mais profundo no nome de nossa banda. Nossa preocupação é com a diversão e com fazer algo que seja bom”. A música feita pelo Coltrane Motion é para ouvir ou dançar? Ambos, espero. Estamos tentando quebrar um pouco essa barreira com nossas músicas. Não há regra que diga que músicas dançantes não possam ter muitas guitarras e vocais... E as pessoas costumavam dançar ao som do rock’n’roll. Isso era algo que eu gostaria de ver acontecer de novo. O que você me diz da descrição de sua banda como sendo um “mix de noisy indie rock, sixties pop e experimental hip hop”. Foi você quem escreveu isso? Isso parece muito com algo que disse alguma vez. Mas o fato é que, como banda, Matt e eu ouvimos um monte de coisas diferentes. Assim, acho que todo esse tipo de mistura aparece quando escrevemos as músicas. Nosso novo disco vai fazer mais sentido se você souber, por exemplo, que estava ouvindo muito no período da gravação grupos de garotas da Motown e noise japonês.

Quando você decidiu começar a tocar? Queria fazer cartazes de shows, mas, para isso, vi que precisaria ter uma banda antes. Quão divertido ou chato pode ser compor em casa? Não consigo escrever ou tocar bem em um ambiente branco estéril. Gravar em casa te dá o tempo e espaços necessários para que os erros se tornem parte da música e soem legítimos. Vocês mudam muito as músicas enquanto tocam ao vivo? Sim, nós fazemos muito barulho e acrescentamos uma porção de batidas eletrônicas enquanto estamos em turnê com um laptop em vez de uma bateria. Acho que isso surpreende um bocado o público que acha que shows com laptop são supostamente para ficar olhando para ao telões, ou para quem ainda espera uma banda completa e vê que são apenas dois de nós pulando nos sintetizadores. Quais são os seus cinco discos favoritos. Essa é uma pergunta difícil... Provavalmente são: Neutral Milk Hotel - In the Aeroplane Over the Sea; Weezer – Pinkerton; Hefner - Breaking God’s Heart; Beck - One Foot In The Grave; Quasi - Featuring “Birds”. Isso significa que ecos dos anos 90 podem ser encontrados na música do Coltrane Motion? Será que esse é o momento para um revival dos anos 90? Não estou bem certo sobre um revival agora, mas acho que se você olhar bem para a lista dos meus discos favoritos e ver de quando são, vai perceber de onde minhas influências surgem. Acredito que existe um grande potencial nos “subgêneros” da música como o trip-hop, big beat e o shoegazer que nunca realmente estouraram. Se você pudesse encontrar John Coltrane, o que diria para ele? “Você deveria parar de tomar essa heroína. Senão você vai morrer cedo e provavelmente não poderá impedir que jovens punks coloquem o seu nome em bandas depois que você não estiver mais aqui”.

www.datawaslost.net/motion

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E o que você escutava quando era adolescente? Comecei a escutar John Peel quando tinha 13 anos, então gostava de vários grupos legais como The Smiths e The Fall, tanto quanto Captain Beefheart. Depois comecei a gostar das bandas alemãs dos anos 70. Quando tinha 15 ou 16 anos, gostava muito do Dinosaur Jr., Pixies e Sonic Youth. Foi depois que escutei Aphex Twin e comecei a escutar pesado música eletrônica.

Palavras: Ana Garcia Foto: Divulgação

Fujiya & Miyagi foi fundado há uns oito anos por David Best e Steve Lewis. Eles chegaram a gravar o primeiro disco Electro Karaoke (Massive Advance Records, 2002) na casa de David e, na época, seu som era bem mais devagar e eletrônico. Mas se transformaram em algo completamente diferente quando começaram a tocar ao vivo. Novos integrantes entraram e saíram, mas hoje, Fujiya & Miyagi é: David no vocal, guitarra e Moog; Steve no teclado, beats e programação; e Matt Hainsby no baixo. Eles não sabem se um dia terão um baterista novamente. Apesar do nome japonês (“Miyagi” vem do filme norte-americano Karate Kid e “Fujiya” é o nome de um gravador de disco nipônico), eles são britânicos e branquelos. David até canta “estamos fazendo de conta que somos japoneses” em uma das suas músicas. O seu vocal lembra o de um oriental. Provavelmente porque eles são demasiadamente influenciados por Damo Suzuki, do Can. Conheci a banda através da rádio francesa Rádio Nova, que tem na

sua programação diária a música “Ankle Injuries”, do mais novo disco Transparent Things (Tirk, 2007). Detalhe: a rádio também toca os pernambucanos do Eddie – o que nenhuma rádio brasileira faz. Conversei com David antes dele começar a sua turnê Européia. David, eu amo o seu doce vocal. Onde você aprendeu a cantar assim? Steve me obrigou a cantar quando começamos o grupo. Tive algumas aulas há alguns anos, mas quase engoli a minha própria língua quando tentei cantar em falsete. Não estou realmente cantando, é mais como se estivesse murmurando. Quando tentei fazer de uma forma mais conveniente, não saiu como queria. Então, canto como falo. Não tem muito segredo. Aliás, acho que o segredo é não ser um bom cantor. Mas você sempre quis cantar? Sempre fui um guitarrista e nunca tive muita confiança em cantar. Escrevia todas as letras para as minhas bandas anteriores, mas não cantava em nenhuma. Posso tocar um pouco de synth agora, mas nada muito complicado. Gosto de fazer barulhos estranhos. Você vem de uma família musical? Não. A minha mãe escutava muito Carpenters quando eu era jovem.

Como você era nessa época? Introspectivo e tímido. Tinha cabelo muito longo durante a maior parte do tempo que cobria o meu rosto. Era, e ainda sou, muito ligado a futebol. Então, tinha um pé no campo dos nerds e outro com a turma dos amostrados. Quando vocês escreveram a primeira música? A primeira música do grupo foi “Simeone Slides” do primeiro àlbum. Queríamos combinar música eletrônica com grupos que gostávamos como Can. Ainda gosto muito dessa música e era a referência para as nossas primeiras músicas. Como foi conhecer Damo Suzuki, do Can. Damo Suzuki é uma ótima pessoa. Estava tão nervoso quando o conheci pela primeira vez, mas depois disso ficou normal. Você gosta de fazer turnês? Eu vi que o calendário está pesado! Passei a gostar. Ver outras partes do mundo é ótimo. Se não fosse o grupo, nunca teria feito isso porque sou muito preguiçoso. A pior parte é sentir falta das pessoas. E ficar todos juntos o tempo todo pode ser um pouco cansativo. Eu vi que um show em Paris foi cancelado, o que aconteceu? Foi inevitável, infelizmente. Queríamos tocar também, mas iremos voltar em breve. O que você recomenda um turista fazer em Paris? Fiquei no lado de fora da casa de Serge Gainsbourg uma vez. Recomendo fazer isso. Você é apaixonado por quem? Tenho uma deliciosa foto de Jane Birkin no meu laptop!

www.myspace.com/fujiyaandmiyagi coquetel molotov | julho 2007 | número 3

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Palavras: Jarmeson de Lima Ilustração: Ugo Palermo

Domingos Sávio, mais conhecido pelo pseudônimo artístico, D Mingus, é um dos idealizadores do Monodecks, a banda. O processo de transferência e mixagem sonora de deck / deck de fitas k7 que ele tanto fez e testou em sua egressa carreira musical batizou seu grupo que, assim como ele, experimenta linguagens sonoras e caminha nesse gênero controverso chamado post-rock. Apesar de terem gravado algumas músicas e lançado na Internet, o show de estréia da banda só aconteceu em 2005, na Sala Cine UFPE, dentro do festival No Ar Coquetel Molotov. Apesar da boa recepção, só fizeram mais um show em março de 2007. Ao longo da entrevista, Domingos explica como se forjou esse som do Monodecks e como essa transposição da experimentação musical em fitas k7 tomou corpo em um show ao vivo. Quando você começou a explorar as sonoridades instrumentais que você usa no Monodecks? Comecei a tocar violão aos 13 anos, mas desde muito cedo a música passou a se materializar efetivamente em minha vida através de vinis e fitas K7. Eu ouvia muito Kraftwerk, Front 242, Depeche Mode, uns miami bass, mas desconhecia totalmente os meios pra se produzir aqueles sons. Daí tentava sobrepor sons de alguma forma - tentando mixar na manha os botões do passa-disco com o do toca-fitas e fazer scratches (pra desespero da minha mãe). O uso de um instrumento, no meu caso, foi algo que surgiu bem depois do desejo de manipular sons. Então você meio que queria construir algo próprio nesse universo que já ouvia? Sim. Na época eu queria ser DJ e ter um soundsystem legal. Só que os meios estavam muito distantes. Daí eu comecei a ouvir bandas grunge, coisas de rock nacional e quis aprender a tocar guitarra. E aí eu ganhei um violão. Mas me vi numa baita encruzilhada, porque queria unir um lado dançante e eletrônico a outro meio marrento e eletro-acústico, só que não havia como... Mas hoje em dia você consegue fazer isso? Bem, hoje as minhas referências sonoras e estéticas são bem mais diversas. Acho que os registros que faço sob o pseudônimo D Mingus acabaram retomando naturalmente essa linha específica que foi largada, já que é um trabalho totalmente inflexivo. Pela facilidade que há hoje em dia pra se manipular, modificar e produzir sons através de PCs isso foi possível. Quando você começou a explorar as sonoridades instrumentais que você usa no Monodecks? Comecei a tocar violão aos 13 anos, mas desde muito cedo a música passou a se materializar efetivamente em minha vida através de vinis e fitas K7. Eu ouvia muito Kraftwerk, Front

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242, Depeche Mode, uns miami bass, mas desconhecia totalmente os meios pra se produzir aqueles sons. Daí tentava sobrepor sons de alguma forma - tentando mixar na manha os botões do passa-disco com o do toca-fitas e fazer scratches. O uso de um instrumento, no meu caso, foi algo que surgiu bem depois do desejo de manipular sons. Inclusive no ultimo show que vi, tinha outras coisas que se somavam ao som da banda. Na verdade, hoje a gente tá com mais duas pessoas na formação Ramiro no baixo e Leo numa terceira guitarra e teclados ocasionais. Como foram esses esquemas de gravação deck/deck que deu origem ao nome da banda? Vi outro dia, num documentário, o H.D. Mabuse falando dessa forma de gravação e do caráter “subversivo-hacker” dela. Que a partir do momento em que você re-utiliza uma tecnologia visando uma aplicação pra qual ela não é projetada, você está tendo uma atitude cyberpunk. Algo do tipo. Isso ele usou pra falar do pessoal do manguebeat. Mas mesmo assim me veio uma pontazinha de orgulho (risos). Na verdade, eu fico feliz quando encontro alguém que buscou os mesmos meios que busquei pra fazer música e gravar. Daqui eu sei de Mabuse, Cauê (guitarrista do Conceição Tchubas), parece que Tomaz do Profiterolis também era adepto do “ping-pong”... Claro que qualquer leigo sabe que a qualidade desse tipo de gravação é muito tosca, mas não deixa de ter um charme e uma sonoridade particular. Tanto é que eu já pensei em brincar de ter um selo que gravasse ou publicasse coisas gravadas nesse esquema.

www.myspace.com/monodecks


Ele fez parte da primeira geração daquilo que se pode chamar de soul music brasileira. Nos anos 70, incorporou elementos da música negra americana, presentes em seu disco Venha Matar Saudades, de 1978, em que canta acompanhado pela Banda Black Rio. Carlos Dafé é uma figura das mais importantes desta época, ao lado de Gerson King Combo, Cassiano e Tim Maia. Participou inclusive da gravação do lendário e polêmico disco Racional. Foi durante sua passagem pelo Recife, no Rec Beat 2007, no show tributo do Instituto Racional, que tivemos a oportunidade de entrevistar essa lenda viva do soul Palavras: China e Jarmeson de Lima nacional. Essa foi a primeira vez que você veio ao Recife? Não, de forma alguma. Eu vim ao Recife em várias ocasiões. De 1977 a 1979 pela Warner fazendo o circuito Salvador/Recife/Fortaleza/ Natal. Pouco tempo depois toquei com o Belchior por aqui no Teatro do Parque. Você participou do início de um movimento que meio que criou uma soul music brasileira. Como isso aconteceu? A gente ouvia as coisas de fora e meio que mesclava com as coisas nossas. No movimento que a gente fez com a Banda Black Rio, a pretensão era abrasileirar isso tudo. Afinal, a gente ia pros bailes e lá só tocava música americana. A gente viu então que tinha que aportuguesar essa parada aí. Tinha que abrasileirar mesmo. E isso fez um sucesso bom, não foi? Chamou a atenção do mercado exterior também? O mercado exterior sempre viu a gente, sempre gostou. O problema é que a gravadora daqui não deixava. Eles não queriam. Eles tinham a carta marcada deles e não deixavam o pessoal crescer. Na real, nem quando a gente estourou, eles deram atenção. A verdade é que rolava um racismo. Tipo assim, o cara da

gravadora ficava comentando “é, esse negão aí...”. Rolava um racismo mesmo naquela época. O negócio era muito duro. Mas chegaram a vender quantos discos naquela época? Na verdade, era tudo meio estranho. Porque a gente estava tocando em tudo que é lugar e as pessoas cantavam as músicas do meio do disco, que nem era aquela que tava tocando na rádio. A gente chegou a vender 30 mil cópias numa semana. Aí, no final de seis meses, eles me diziam que só tinha vendido aqueles 30 mil. Como é que pode? Pelo menos alguns de teus discos foram relançados pela coleção de Charles Gavin. Pois é, foi muito bom. Pena que teve uma tiragem limitada e não deu pra suprir quem quis. A partir de quando você começou a tocar com o Tim Maia? Começou na época do Racional? Não, eu já tocava com ele antes. Toquei com o Tim Maia em 73 e 74 e na época do terceiro disco dele, que tem a música “Canário do Reino”. Nesse disco, por sinal, tinha uma música minha também: “Já Era Tempo de

| Ilustração: mooz

Você”. O Racional quando foi gravado, foi no primeiro estúdio de 16 canais do Brasil, em São Paulo, no Eldorado. Foi um negócio incrível pra época. Era o Rubão Sabino, Luiz Carlos Batera, da Banda Black Rio, Paulinho Guitarra, Chacal e eu como tecladista. E como você vê hoje em dia toda essa aura mítica em torno do disco até por ele ter sido tão obscuro? Nem tanto. Esse disco vendeu muito. Milhares de cópias. Tocou muito também. O Racional só ficou obscuro porque o Tim Maia saiu de lá do esquema da religião e não quis mais saber disso. E ficou por isso mesmo... Mas eu diria até o seguinte. As coisas de hoje são de uma outra época e tem uma outra leitura. E as coisas daquele nosso tempo têm outra leitura. Até porque a gente não teve muito recurso técnico e de equipamento. A rapaziada de hoje fica assim querendo entender como o Black Rio, o Tim Maia e Dafé gravavam e o som saía daquele jeito. É a prática. A gente lutou muito pra conseguir gravar daquele jeito e com um som assim. Mas é aquele negócio: tem gente que não sabe dirigir um Fusca e já quer dirigir Mercedes... Assim não pode (risos).

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Palavras: Ana Lira Ilustração: mooz

trilhas e levar você para outro lugar. Uma coisa que aprendi com Naná é que a gente toca mais quando não toca”, empolga-se Lucas. Por isso, o grupo precisou de um bom tempo de experimentação até encontrar o tom do trabalho. “A gente fez um esforço grande para ver se ficava apenas o trio mesmo, porque a flauta é um instrumento melódico e precisava ver de que maneira haveria um diálogo entre ela, o baixo e a percussão. Mas a gente conseguiu, nunca vi nenhum grupo de música instrumental com essa formação. É um diferencial”, afirma Junior Crato.

Lucas dos Prazeres (percussão), Junior Crato (sax, flautas e teclado) e Rafael Duarte (contra-baixo elétrico), formam o Rivotrill, um estimulante grupo de música instrumental do Recife que recria mundos com suas canções. Na comumente dificuldade de escolher um nome, os meninos fizeram várias experimentações que incluíam na lista palavras como: Aroeira, Cabelo, Zona Azul, entre outros. Na última tentativa, Junior Crato estava viajando com a irmã e o pai, que é médico, para o Ceará e pediu que ele fosse citando nomes de remédio. “Minha irmã estava no banco de trás do carro e disse: quer um nome para o grupo? Não é um trio? Bota Rivotril. O som não é muito doido?”, conta o flautista. O nome da medicação de tarja preta, que é usada no combate à depressão, agradou os rapazes e o trio foi finalmente batizado. Mesmo estando na estrada há um ano e meio, o Rivotrill realizou apenas três shows em Recife: em Novembro do ano passado durante o IIo Recife Blues & Jazz Festival, em Fevereiro deste ano no Festival Rec Beat e a última na Casa Maloca na ocasião do lançamento do site oficial do grupo. “A gente não se apresentou antes por questão de oportunidade. A banda estava montando o show ainda. Tudo estava muito verde”, explica Crato. Mas, apesar dos poucos shows, a resposta foi bastante positiva. No Rec Beat, por exemplo, além dos aplausos do público, o grupo foi considerado pela crítica especializada como a grande revelação do festival.

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A boa recepção nos festivais (recentemente participaram do Festival de Música Instrumental de Guarulhos onde foram aplaudidos de pé) reforçou a certeza dos rapazes pela música instrumental. “A música instrumental tem uma relação diferente da música de poesia porque o uso de letra te mostra um caminho. Ela conta uma história e redireciona teu pensamento. A música instrumental também te sugere um tema, mas ela não te guia. ‘Curva de Vento’ fala sobre um tufão e ‘Chuva Verde’ é sobre uma chuva no sertão, mas o ouvinte não vai saber. Ele vai sentir e criar a história dele. A gente apenas traz a sugestão. É diferente, é muita liberdade”, esclarece Junior Crato. A autonomia com que eles trabalham, inclusive, é vista na escolha das influências que norteiam o som do Rivotrill. O grupo agregou elementos de música erudita e jazz com melodias da cultura afro-brasileira e do rock progressivo dos anos 70. “Quando eu conheci flauta no rock n´roll foi com Jethro Tull. Ian Anderson usa uns efeitos com voz, com os lábios e eu uso também no Rivotrill. Não é que eu copiei, eu faço do meu jeito, com meus timbres, mas a idéia é do cara. Ele me mostrou o que mais a flauta é capaz de fazer e eu achei legal”, afirma Crato. Outro aspecto importante para o som deles, veio da experiência de Lucas dos Prazeres na banda de Naná Vasconcelos. “É impressionante como ele consegue trabalhar com o silêncio. Ele sabe construir isso nas

Recentemente, os meninos terminaram de gravar o disco de estréia, Curva de Vento, que deve ser lançado em agosto. A única música gravada em estúdio foi “Espinho de Mandacaru”. O restante do disco foi gravado na casa de Fabrício Belo, em Itamaracá. A experiência foi incentivada por Naná e os músicos gostaram do processo. O mestre, por sinal, participa do disco que também conta participações de Yuri Queiroga, Renata Rosa e maestro Spok. “A gente quis trabalhar com ambiência. A gente quis gravar numa casa e captar som, por exemplo, dentro do banheiro, que tem um reverb lindo. Então, tem flauta gravada em banheiro, percussão em quarto, em sala, debaixo da escada. No primeiro dia, a gente saiu estudando a casa, onde os instrumentos ficavam mais legais e o que era mais viável”, lembra Crato. Essa relação entre imagem e música é muito importante no trabalho do Rivotrill e o grupo quer que o disco mostre isso. “A Floresta e o Duende”, por exemplo, tem um roteiro de animação pronto para se transformar em clipe. E outras canções também podem seguir esse caminho. Eles receberam apoio cultural e precisam concluir o álbum no prazo estipulado pelo contrato. “A arte ainda é uma coisa muito cara. Em cultura, o que não é caro é demorado. Isso que a gente está fazendo deveria ser uma pré-produção do disco, para a gente escutar, amadurecer e depois gravar. Porém, esta limitação financeira acaba interferindo no resultado final, mas estamos satisfeitos com o trabalho. O disco vai ficar bonito”, promete Junior Crato.

www.rivotrill.com.br


Palavras: Filipe Luna Foto: Divulgação

A cabeça de Lúcio Maia não pára. Notas, riffs, beats, acordes e idéias pulam de neurônio para neurônio sinapseando inquietude na alma do guitarrista pernambucano. Não é fácil segurar tanta coisa numa cabeça só e Lúcio não aspira ser nenhuma Itaipú. Melhor que represar é deixar as idéias fluírem e tomarem seu curso. No caso do rapaz, este atende por um nome: Maquinado. O projeto solo do instrumentista da Nação Zumbi levou alguns anos fermentando antes da massa ficar no ponto de entrar no forno. A receita de programações, sintetizadores, vocoders, samplers e guitarras climáticas com cremosa cobertura da voz do próprio Lúcio e de convidados como Felipe S. (do Mombojó), Rodrigo Brandão (do Mamelo Sound System), Speed, Siba e Jorge Du Peixe, deu no ótimo Homem Binário (Trama, 2007). O sabor da fatia musical é diferente da NZ, mas certamente vai agradar ao mais xiita dos fãs da banda pernambucana. Para entender melhor as maquinações do cérebro de Maia, conversamos com o rapaz. Você sentia necessidade de expor suas próprias idéias mais livremente? De jeito nenhum. O meu caso é que trabalho o tempo todo. Idéias sobrando. Foi difícil subir no palco e assumir o holofote como cabeça de um projeto? O mais difícil de me acostumar foi com ter que cantar. Subir num palco e tocar faço há mais de vinte anos. Mas cantar… O que lembra do show de estréia no Sarajevo? Praticamente pedi para tocar lá. Aluguei mais equipamentos do meu próprio bolso para o som rolar melhor e saí de lá com um prejuízozinho. Não estou reclamando porque acho que valeu muito. O que aconteceu na estréia em Recife? Foi uma decepção não ter rolado melhor na sua cidade? O Abril Pro Rock do ano passado foi um fiasco. Não vi nenhum show bom no dia do Maquinado. Nem o Cachorro Grande, nem a Orquestra Imperial foram bem também. Não tinha público, o som tava uma merda… Comigo não ia ser diferente. Esses projetos paralelos criam alguma tensão de ego dentro da Nação Zumbi? Não. Sempre fizemos planos pessoais fora da banda. As brigas de ego são para bandas iniciantes. Temos quinze anos juntos e muitas

diferenças já foram tiradas. Você tem falado em alguns shows da NZ que agora tocam mais lento porque estão ficando velhos e tal. Você se sente assim? Não estamos velhos, estamos gastos. As viagens de dezoito horas de ônibus já não são mais as mesmas. Três shows seguidos e a última noite já não é mais tão legal… Quanto a tocarmos mais lento as músicas é por reconstruí-las. Mas não se preocupem, ainda furaremos muitos couros por aí. É diferente ser um pai de família e músico/roqueiro ao mesmo tempo? A rebeldia rock’n’roll ainda faz sentido quando você deixa de ser um adolescente? Não me considero roqueiro, nem adolescente e muito menos rebelde. Tenho três filhos para sustentar, entro em fila de banco, conserto a descarga, limpo a bunda dos meus filhos e vou ao supermercado toda semana (o que mais odeio). Não há nenhum glamour fora do palco. Encaro a música como meio de vida e por isso estou sempre apto a novas idéias. Minha família se acostumou com o aparato da mídia e não dá a mínima mais se apareço na TV ou se toco no radio. Tenho 36 anos e me sinto cada vez mais próximo do auge do meu aproveitamento artístico. Até quando você se imagina tocando? Pensa no que fazer na aposentadoria? Pretendo tocar até os últimos dias de vida. Mas se eu ganhar muita grana, de repente paro antes para dar tempo de gastar o dinheiro. Música ainda pode mudar vidas? Ainda? Sempre mudará, sempre será importante como o cheiro das coisas que te fazem lembrar o passado. Música é um presente da natureza ao homem. Pontua os momentos da vida. É muito mais importante do que essas merdas de camisetas ou a discussão entre CDs originais e piratas. Em algumas entrevistas você parece ter um pouco de bode de músicos de universidade. Sua forma de fazer música é uma resposta a isso? Não sou contra ninguém, muito menos de quem estuda. Gostaria de ter estudado. Tenho bode de quem vai para essas escolas americanas de música e volta com o pensamento de lá. De repente todo mundo começa a acreditar que aquilo é a coisa mais sensacional do mundo e começam a se copiarem entre si até virarem um estereótipo. Uma fabriquinha de guitarristas. Compre três e leve quatro.

www.myspace.com/maquinado

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Palavras: Ana Garcia Ilustração: Helena Garcia

Que tipo de músico é você: http://home.iprimus.com.au/sparvin/indie.htm? “Eu sou ‘Mente Aberta’. Tenho uma noção geral de música. Gosto de música indie, claro, mas isso não é tudo. Escuto qualquer coisa antiga contanto que soe bem para mim. Não sou metido com relação à música, gosto do que gosto. Um pouco tedioso. Mas, curiosamente, isso me torna popular com o sexo oposto”, conta Garry Hoggan, o homem por trás do grupo inglês All My Friends. “Essa última parte não é verdade!”. O escocês Garry Hogan vem tocando em diversas bandas desde o seu segundo grau. “Todas medíocres ao absolutamente terrível”, brinca. Ele aprendeu a tocar e gravar sozinho, aos 18 anos, com um gravador barato de quatro canais e começou a fazer várias fitas demos. Tudo para os seus amigos (é o que eles sempre dizem!). Era inclusive do grupo The Butcher Boy. Mas foi quando Garry conheceu a doce Alison Eales que All My Friends criou vida. Para quem gosta de um pop lo-fi, o novo disco Get Hung Up é simplesmente delicioso, faz qualquer um lembrar de quando era mais ingênuo. Acabei de perceber como eu gostava dessa época... “Eu também”, concorda Garry, “mas escolhas difíceis e erros acabam com essa ingenuidade. Eu me sinto um pouco abalado por causa disso, é uma lição difícil de aprender”. É realmente difícil...

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Quando você percebeu que All My Friends realmente criou vida? Eu toco em bandas há muito tempo. Tenho cerca de 300 fitas espalhadas! Mas só quando conheci Alison que alguém realmente ficou animado com o que estava fazendo. Dei uma fita com a faixa “Fraught and Frantic” um dia e nessa mesma noite, mais tarde, ela me ligou e cantou o restante da letra. Nunca tinha escutado ela cantar e fiquei impressionado! As letras eram maravilhosas, melhor do que podia imaginar. Então continuamos trabalhando! O que você pode falar sobre o disco Get Hung Up? É uma pequena história. Alison escreveu a maioria das letras sobre coisas que aconteceram comigo, coisas que tínhamos discutido. Acho que por causa disso, elas são muito mais amorosas do que se eu tivesse as escrito. As músicas que escrevi são um pouco mais cruas também, talvez um pouco desconfortáveis para mim. Algo como “Waltz of West End Wendy”... Quero dizer, sei sobre quem é essa música. Comecei a mudar as letras porque estava preocupado com o que as pessoas iriam pensar sobre o que estava escrevendo. Na verdade, o meu amigo John (Hunt, do Butcher Boy) disse que fui longe demais. Mas Alison me encorajava a permanecer com as letras originais, que foi o que fizemos... Seria muito desonesto não fazer isso e estaria perdendo todo o objetivo do disco. Disseram que um dos ex-namorados dessa menina achou a música engraçada. Aliás, algumas amigas dela gostam mais dessa música. Adoro a música “Count My Blessings”. Obrigado! Amo os versos de Alison nessa música. Foi reescrita, na verdade. As primeiras eram letras bem óbvias sobre estar apaixonado. Conversamos sobre isso e pedi para ela fazer da música algo menos amorosa, algo que você sabe que não é realmente o que você quer porque você tem medo ou está sozinha. É fácil se apaixonar quando você é jovem. Qual é a sua faixa favorita? No momento, provavelmente “The Man Who Drew Cats”, que é sobre um pintor britânico chamado Louis Wain. A letra foi tirada de suas frases ou dos seus desenhos. Fiz a música na hora e foi a mais divertida para gravar. Acho que você pode perceber isso! Mas estou muito feliz com a forma que o álbum saiu. Fico feliz por Alison e eu podermos escrever algo assim. Sinto que é legítimo, fizemos algo para ficarmos orgulhosos. Como funciona a forma de compor? Eu não sento e tento escrever músicas... Vou caminhar e faço tudo na minha cabeça, escuto os arranjos, depois volto para casa e trabalho nelas na minha guitarra ou piano. Depois gravo a parte instrumental sozinho e entrego para Alison. Normalmente tenho algumas letras,

então digo sobre o que são e ela cria algo em cima disso, escrevendo sozinha. Neste álbum trabalhamos separadamente muito do tempo. Isso deve mudar para o próximo disco. Quais as vantagens e desvantagens de gravar em casa? Amo gravações caseiras, mas obviamente temos várias frustrações. Gravo em um quarto muito pequeno com um gravador muito barato, usando um microfone safado. Fico muito feliz com o som que conseguimos tirar, mas é bem mais difícil fazer do que precisa ser. É frustrante quando seu equipamento está quebrado ou é simplesmente ruim. Mas prefiro tomar o meu tempo para fazer as coisas certas sem me preocupar com quanto está custando o estúdio. Também quero produzir meus próprios discos e provavelmente iria perder muito desse controle em um estúdio. Quais são as suas motivações? Realmente amo música pop, não guardo nada tão perto do meu coração. Então queria fazer uma contribuição mais que qualquer coisa na minha vida. Esses são momentos sombrios que vivo: tenho estado paralisado pelo medo e depressão. Música é o que tira você disso, pode salvar você! Então sou motivado pela esperança de escrever uma música que pode ajudar alguém, caso ela sinta o que sinto. O que você pode falar sobre Alison? Alison é minha melhor amiga. Ela é incrível, muito talentosa e escreve músicas maravilhosas também. Espero que ela escreva algumas músicas para o próximo álbum. Veremos. Nunca me senti bem trabalhando com qualquer outra pessoa até encontrá-la. Bateu no mesmo instante. Temos o mesmo senso de humor, o que ajuda. Posso dizer o que quero na frente dela! O Reino Unido tem sido um bom local para fazer música pop? Sinceramente? Nem um pouco. Não existem bandas aqui que eu goste. Glasgow tem muitas bandas indies intelectualmente fracassadas, afetadas e caóticas. Não agüento, realmente. Ninguém também nunca percebeu a gente, o que me deixava chateado antes de termos MySpace. A maioria do estímulo que tivemos tem sido de pessoas de fora, como você. Já conhecemos pessoas incríveis de todo o mundo através do MySpace. Pessoas como Teenage Symphony, Plamo, Margo Guryan, The Heavy Blinkers... Isso é a nossa pequena cena, acho. Com certeza é bem mais vivo do que qualquer coisa que está acontecendo aqui onde moramos.

www.myspace.com/allmyfriendsmusic

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ross lanie C s: Me z a r v la Pa oo ção: m Ilustra ivulgação D : s Foto

Sem muito romantismo, Sebadoh retorna à cena graças aos relançamentos dos seus discos desaparecidos, III (1991) e The Freed Man (1989), pela Domino Records. Depois de 14 anos, o grupo decide tirar benefício da sua própria história. Com isso, não só deu vida, e luxo, aos discos históricos do grupo, como também a uma banda que estava dada como morta. Triste, violento e outras vezes estranhamente doce, Sebadoh sempre alimentou um som áspero, que não necessariamente procurava agradar. Os mesmos podem ser ditos sobre os concertos, notáveis e diferentes de outros. Os “doentes” ou “gênios” desenharam as linhas profundas do princípio do indie rock do final dos anos 80 aos 90. Conscientes desse honrável esboço, hoje retornam com a formação “clássica”, Lou Barlow, Jason Lowenstein e Eric Gaffney, aos baús empoeirados para mostrar o material perdido e tocar juntos, após mais de uma década parados. Conversei com Eric Gaffney, que junto a Lou Barlow, deu origem a um dos grupos mais emblemáticos do indie rock dos anos 90. Por que você está nervosa? Ninguém me conhece! Porque respeito muito a banda. Ah sim, mas ninguém me conhece! Ou conhecem (risos)? Por que a necessidade de dar vida a Sebadoh? Por que estragar algo tão bom?

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Por que necessitamos voltar a ver Sebadoh com vida novamente? Bem, para mim, fazer música é algo que tenho feito desde pequeno, desde os anos 80. Não fui para universidade, cresci com muitos estudantes ao meu redor, mas escolhi fazer música. Então, tenho tocado há 25 anos, desde 1983, em bandas, gravando a minha própria música, tocando ao vivo sozinho, você sabe, todas as coisas que necessitava fazer. É algo que faço como necessidade e essa banda em particular é parte da minha vida. Então... Então vocês são capazes de ganhar dinheiro com Sebadoh? Sim, não estaríamos fazendo se fosse o contrário. Não nesse momento. Isso dá dor de cabeça demais, tem muita coisa envolvida e custa muito dinheiro para organizar uma turnê. As pessoas precisam nos escutar porque somos a melhor banda de rock do Chile, não é (risos)? Não... Somos uma banda americana. Representamos os EUA... Mas de uma forma boa. Como você se sente tocando as músicas que foram gravadas depois que você saiu da banda? Tive que aprender a tocá-las na bateria. Além disso, o que não foi realmente algo inconveniente, está sendo bom. É um compromisso que fiz. Existem três álbuns [Bakesale (Sub Pop, 1994), Harmacy (Sub Pop, 1996) e The Sebadoh (Sire, 1999)] que foram lançados quando eu não estava no grupo e que se saíram bem. Deve ter alguns favoritos neles pros fãs... Como você se sentiu quando isso aconteceu? Que os discos se deram bem? Hum... Indo bem ou não na verdade não me afetou porque afeta quem estiver comprando o disco naquele período. Então, claro, se eles estavam indo bem enquanto eu não estava na banda, ótimo. Se tivessem separados, não estaríamos ainda aqui, acho. Existem muitos fatores quando uma banda decide dar um tempo ou terminar para depois voltar, mas, você sabe, estamos morando em três estados diferentes até recentemente. É difícil se reunir, ensaiar e ver se iremos conseguir (risos). Planejamos a turnê e os ensaios pela primeira vez em 14 anos. E daí se soamos tão ruins que não deveríamos ter continuado com a idéia (risos)? Mas trabalhamos com o

que temos e estamos montando o nosso som novamente, aprendendo o que fazíamos, nos re-familiarizando. E como você está se sentindo? (Respira fundo) Leva um tempo! A resposta tem sido boa nos primeiros shows, então isso foi bom. Não importa como soamos, podemos ser amados mesmo assim (risos). Mas não é sempre assim, claro. Oh, esqueci o que ia perguntar. Ah, tudo bem. Pode tomar o seu tempo... Vocês vão relançar algum outro disco? The Freed Man, que foi um dos nossos primeiros trabalhos. Este foi, em algum momento, um CD com um selo que tivemos certos problemas [Homestead Records]. O que fizemos agora foi voltar às fitas originais e remasterizá-las. The Freed Man foi o primeiro disco do Sebadoh e a metade era com músicas de Lou, a outra metade minhas, e nasceu de uma fita que fizemos e logo fizemos um CD. Esses CDs não existem mais, então tivemos que fazer tudo de novo! Este será um relançamento com 52 canções do The Freed Man, mais singles que nunca foram lançados que Lou e eu fizemos. Estou animado com isso. É bem lo-fi, gravação dentro do quarto, mas está mais claro e quente. Você pode realmente escutar de uma forma melhor que antigamente. Você se sente fortemente ligado com o que você fazia no Sebadoh? Sim! Eu estou tocando muitas músicas que escrevi há 15, 20 anos. O que é bom porque essas são as minhas músicas que eles sabem tocar, então eles podem me ajudar. Estou tocando algumas músicas novas também, e eles tocam bem nessas. Talvez tenha um novo disco do Sebadoh. Você gostaria de criar músicas novas com Sebadoh? Sim! Estamos indo no baú, pegando o que ninguém conseguia, as coisas nunca lançadas... Ou que não estão mais em catálogo. Isso tem sido o foco, passar por isso primeiro porque ninguém tem conseguido comprar estes discos dos quais faço parte, incluindo o III, que é o nosso disco mais famoso. Demorou esse tempo todo para isto acontecer e ah... Gravando ou não, iremos fazer músicas novas, iremos tocar algumas das minhas músicas durante os shows, coisas novas. E sempre

soamos um pouco diferente da outra noite, então é como se cada noite tivesse um som diferente do Sebadoh. Já temos tantas músicas e nem conseguimos tocar todas na turnê. Normalmente conseguimos tocar 20 a 25 por noite porque não tem espaço para cinco horas de show. Sinto que temos muito material, mas se tivermos que fazer outro disco, iremos. É bom fazer dinheiro através dessa música estranha que vocês fazem, não é? Sim! Eu estive quebrado durante a maior parte do tempo, se voltar aos últimos 10, 15, 20 anos. São 25 anos tocando. O mercado da música é um trabalho difícil e complicado, você pode pegar os seus amigos em uma mão e começar a fazer isso. É o que fazemos, acho. Temos uma ligação forte, aliás, e boas amizades dentro do grupo com pessoas que conhecemos durante os anos. Nesse momento estamos em uma boa situação. Quais os planos para o futuro? Vou comprar uma casa nova para morar, em um local que goste e que seja bem modesto. Sou da costa leste dos EUA, mas moro na costa oeste. Sinto falta de casa, de Massachusetts e Nova Iorque. Talvez volte para lá, não sei. E musicalmente? Bem, acabei de lançar um disco solo, Uncharged Waters, na Noruega e nos EUA. Esse disco saiu no ano passado, certo? Sim, em outubro. Tem sido um pouco devagar com esse disco. Tenho gravado muitos discos em um período curto. Em nove meses lancei uns quatro discos, incluindo o CD da Merge que fiz para a estrada. Então é mais como tirar uma pausa, talvez ver outras oportunidades acontecerem. Sabe, acho que essa turnê com Sebadoh ira gerar algum interesse no grupo e em nós individualmente. Sempre topo gravar um novo projeto, começar do zero. Já fiz alguns discos sozinho, o que também gosto. Ou talvez teremos mais tempo para ficar juntos e começar a gravar, para ver se sai alguma coisa (risos). Não... Não temos tempo. Tanto Jason como Lou estão muito ocupados com as suas bandas e a vida em casa. Então é diferente para mim. Posso fazer isso durante os 12 meses do ano.

www.myspace.com/sehbahdough

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Palavras: Ana Garcia Ilustração: Raul Aguiar

Quais são as cinco músicas que você tem mais escutado ultimamente? “Vou falar a real, vou pegar o meu I-Pod e ver, espera um pouco”, responde Fabio Luiz, Parteum, também integrante do Mzuri Sana, pelo telefone enquanto faz uma pausa no estúdio Ambulante, onde ele está no momento terminando o disco de Siba e a trilha da segunda temporada de Antônia. “A primeira música é ‘Business As Usual’ de uma dupla chamada Showbiz and AG, eu ripei de um vinil, é um single novo. É uma dupla que fez sucesso no começo dos anos 90. Eles são de uma turma de Nova Iorque chamada Diggin’ in the Crates [D.I.T.C.] e faz um tempo que não lançam nada juntos. O AG lançou um single no ano passado e o Showbiz é produtor, já produziu para muitos do hip hop mainstream de lá. Eles são mais conhecidos pelo pessoal da interna. O pessoal do Brasil conhece mais o segundo disco, Goodfellas, porque nessa época ainda passava o Yo! [MTV Raps] americano aqui no Brasil. Eu estou falando de 92, 93 e parte de 94” Era uma boa época? Era a época dourada do hip hop. É o que dizem. No mesmo ano, em 94, saiu o disco do Wu-Tang Clan, Fugees, Nas e depois acabou. Teve também o Midnight Marauders, do A Tribe Called Quest. Os mais puristas dizem que depois disso acabou, que o intervalo entre uma boa obra, realmente genuína, começou a crescer demais e começaram a entrar em esquema de gravadora e tal. Mas isso é lá fora. Showbiz e AG têm muito a ver com isso porque são bem consistentes. Como o negócio mudou bastante, provavelmente não terão uma distribuição multinacional, será um disco independente.

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Isso lembra um show que eu vi em Paris do Aloe Blacc... Ah, ele fala português, sabia? Ele adora Tom Jobim... Na primeira música do disco novo dele, Shine Through, ele fala de Tom Jobim. Ele tem conhecimento da nossa cultura. Bem, durante o show ele ficou falando que o hip hop não acabou. É porque o Nas lançou o disco Hip Hop Is Dead. Concordo com Nas, mesmo que ele esteja falando isso só para chocar. Tem muita coisa ali que não tem como descartar. As gravadoras conseguiram moldar o rap para

funcionar dentro do esquemão, isso lá fora. Estava até discutindo isso recentemente... Você conhece o site Banana Mecânica? O menino de lá fez uma resenha do novo Mzuri Sana e ele falou algumas coisas que não batiam. Disse que os melhores eram os instrumentais. Temos que respeitar, mas algumas pessoas responderam no blog e ele não deve ter gostado... Mas você não acha que o rap nacional está um pouco cansativo? É como estava tentando dizer, ele acha que estamos travando e não está evoluindo, mas esse é exatamente o limite... Não é a poesia que gerência o ritmo, é o contrário. Tem uma linha fina que separa os dois, para o que eu fale caia no ritmo. Ele não é a pessoa mais indicada para falar do disco. O Nas fala exatamente isso... O rap agora é um negócio de milhões, mas nunca teve uma mídia especializada. Não tem um cara, jornalista, que entenda do universo, mas ao mesmo tempo temos ajuda de muita gente. Não escuto só hip hop. Você não faz hip hop, você é hip hop. Ele quis fazer o contrário dos “jornalões”, mas ele está falando indiretamente do meu estilo de vida. Não está falando apenas de um disco, porque na pratica eu sou sócio do disco, fora do país eu tenho controle, o que tenho com a Trama é


um contrato de licenciamento. Ele deixou a música em segundo plano. E o Nas diz que o hip hop morreu porque ninguém quis ser o pai da criança. Todo mundo achou que agora estavam ganhando dinheiro, então não precisava mexer em nada. Mas ele estava se baseando nos parâmetros americanos, apesar de sofrermos um grande reflexo da cultura de lá. Concordo até certo ponto. Então você não concorda com Aloe? O hip hop vai morrer? Não vai morrer. Não existe como. O que o Nas fala também, e eu concordo, é que muitos b-boys não freqüentam mais o meio. Está todo mundo dividido. O DJ é obrigado a tocar em casa noturna sem tocar o que ele realmente curte. É assim que ele consegue bancar o que quer, fazer o disco dele, comprar equipamento. O fim não justifica o meio, mas é o que acontece. Mas basta ter um gostinho, quando o DJ toca o que gosta no meio do set, e é aí que o hip hop está vivo. Não discordo do Aloe e também não discordo do Nas. Tem um momento em que o hip hop vive. A nossa maior luta, se posso usar esse termo, é fazer com que todo mundo entenda que existe uma conta para que o que a gente fale caiba no ritmo que foi desenvolvido. Estamos criando uma conta para saber quanto o conhecimento pode entrar na rima e ainda fazer sentido... O que aborrece quem está de fora e entende um pouco menos é que as diferenças do que era feito há 10 ou 15 anos não são tão grandes se não for a fundo. Continua sendo ritmo e poesia... Não consigo enxergar isso. A parte fantástica está em fazer de uma forma que as pessoas entendam, mas sem subestimar a inteligência de ninguém. Tem que ter lugar para quem é da periferia, como eu, que consegui mais espaço, fui atrás para conhecer outra linha, como pro menino da cidade, que percebe a velocidade de como as coisas acontecem. Percebo que quando a gente abre a guarda leva dez porradas... Quando a gente fala é para todo mundo que faz hip hop. Se estou aqui podendo fazer essa entrevista é porque em algum momento da minha vida... Eu tive que tomar decisões. Lembro que eu pegava um ônibus para andar de skate. Do lado da parada tinha um local barra pesada e os meninos de lá diziam para não pegar ônibus lá porque eu era moleque bom e eles estavam fazendo algo errado ali. Nunca fui preso, mas amigos próximos já foram. Fica difícil tirar isso da minha vida, é carga adquirida das minhas decisões sobre o cara

que não escuta hip hop e que escuta o meu trabalho. Tem muitas coisas interessantes acontecendo no Brasil, fora do eixo Rio-SP, mas nem todo mundo consegue a atenção da mídia, lançar o disco decentemente, não é só a música... Tem algo mais acontecendo além da música. Na minha opção de artista independente faço o que quero e converso com a Trama sobre como colocar na rua. Acho que todo artista tem que ser diplomata. Mas aí a discussão vai para outro âmbito que não é da música. Tenho que ser um homem de negócios. É por isso que tenho que defender tudo que faço. Por isso que entendo o que os dois falam: Nas e Aloe. Tanto um como o outro quando sentam ali, escutam uma coisa, Run-DMC do começo, ou alguém de uma outra nacionalidade fala da cultura de hip hop, toda vez que isso acontece, não é Aloe ou Nas vivendo, é o amante da cultura de hip hop vivendo... Tem verdade entre os dois. Tem que ter uma conversa interna dentro do mundo do hip hop. Em 98, o Q-Tip já estava falando em entrevistas que o hip hop estava morrendo e ele falava que iria acontecer a mesma coisa que aconteceu com o jazz. Isso explica o fenômeno dos espaços maiores. Talvez essa seja a idéia que ele deu nessa entrevista porque as coisas mudaram e tem vários outros estilos musicais que usam um pouco da cultura hip hop. Como existe o jazz fusion, tem o jazz tradicional. Estamos nesse momento vivendo isso, mas não sabemos criar nomenclaturas. Como colocar isso numa caixinha depois de 30 anos na rua? Qual seria a segunda música? O single novo da Bjork, “Earth Intruders”, do novo disco Volta. Comprei pelo iTunes. A música foi produzida pelo Timbaland, que é um produtor de música pop e R&B. No podcast dela, ela fala porque gosta da produção dele, que foi engraçado achar que existia uma área de interseção do trabalho dos dois.

o tempo integral a ela. Sei que as meninas do Stereolab usam bastante o Moog. Tem um negócio que é bem próprio dos sintetizadores, que tenho estudado bastante para criar o meu próprio timbre... Não é muito complicado. Na música dos últimos 10 anos, quem melhor usa o Moog é o Stereolab. Estou fazendo um caminho maluco. Ouvia as coisas do começo do Stereolab, parei, escutei as músicas novas e agora estou voltando para as coisas antigas. Estamos em que número agora? Na quarta música... A quarta é “Bebê”, do Eumir Deodato, do disco Percepção. Acho que essa música é do Hermeto Pascoal. O Eumir fez um show há um mês no SESC Vila Mariana e ganhei convites do Rodrigo, do Mamelo (Sound System), e fui bem desencanado. Foi um dia depois do show do lançamento do Mzuri, que foi 30 de março. Ele não tocou esta música no show, mas tocou outras composições desse disco. O tempo todo ele falava que era produtor, que gosta de tocar piano, fazia tempo que não vinha pro Brasil. Ele contou a historia de cada uma das gravações. Tinha este disco há um tempo e coloquei agora no iPod. O disco inteiro é bom. Qual é a quinta música mais escutada? “Synchronicity”, do The Police. Aliás, “Synchronicity II” foi a que mais virou. Teve single, foi usado aqui nos anos 80 no comercial do cigarro Hollywood. Gosto muito do baterista do The Police. Estou contente com a volta do grupo. Nessa música, a divisão das tarefas, tanto dos vocais, como do baixo e da bateria é perfeita. Dá para todo mundo mostrar a versatilidade, eles sabem bem mais que uma banda simples de rock. Assisti na TV a apresentação deles. O meu grupo é também com três pessoas e muito que a gente faz no ensaio a gente quer levar pro palco. Tenho as contas para que isso soe direito no palco. O que me sempre deixou maluco é o som que sai deles três. Os caras estão ali ainda. É uma lição de longevidade...

www.myspace.com/parteum

E a terceira? Estou ouvindo também um disco antigo, do Stereolab. A música é “U.H.F.-MFP”. Tem muita coisa do Stereolab que tem a ver com o Moog. Comprei pela Peligro um DVD que é a história do Moog. Achei muito interessante como ele montava o circuit. São pessoas que fizeram a sua vida para a música, dedicaram

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Palavras: Tathianna Nunes Foto: Divulgação Ilustração: mooz

De estranhos a parceiros de banda até se apaixonarem e virarem amantes. Este é o resumo da história da baixista Britta Phillips e do guitarrista Dean Wareham, que se conheceram quando ela fez alguns testes para entrar na banda dele, Luna. Assim, em 2000, Britta começou a fazer parte da famosa banda nova-iorquina de dream-pop. Antes de se conhecerem, Britta não havia participado de nenhum grande grupo musical, mas ela se dividia em diversos projetos. Além de tocar baixo em bandas como Belltower e Ben Lee, participou do filme Satisfaction com Julia Roberts e Liam Neeson e fez a dublagem do personagem de desenho animado Jem (Jem & The Holograms). Já Dean, além de Luna, havia criado a Galaxie 500, um dos grupos mais significativos da era pós-punk, caracterizado por suas músicas enigmáticas e sonhadoras. Entre shows, viagens e discos, Dean e Britta não arrumaram tempo apenas para se apaixonar, como também começaram a desenvolver um projeto paralelo à Luna. Em 2003, eles haviam lançado L’Avventura (Jetset) - um disco fofo e romântico que reúne músicas originais e covers de um leque de artistas incluindo Buffy St. Marie, The Silver Jews, The Doors e Madonna. Luna acabou em 2004, mas eles continuaram trabalhando juntos no duo e em trilhas de filmes. Em março deste ano, lançaram o maravilhoso Back Numbers (Zoë), que surpreende a cada faixa pela doçura e casualidade no tratamento das músicas. Como o antecessor, reúne covers e originais. Das covers, destaque para a maravilhosa versão de “You Turned My Head Around”, música de Lee Hazlewood, interpretada originalmente por Ann Margret. Mas o forte mesmo do casal está nas composições próprias. “Words You Used to Say”, por exemplo, aumenta a saudade de Luna por sua leveza e “Crystal Blue R.I.P.” alcança a melhor forma do duo como letristas e compositores. 28

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Como a música entrou na sua vida? Britta: Era uma criança quando comecei a cantar e tocar piano. Minha mãe e meu pai eram bem musicais e foram os maiores responsáveis pela música na minha vida. Meu pai, por toda a vida dele, tocou piano e trombone profissionalmente. Minha mãe, minha irmã e eu costumávamos cantar juntas. Até meus 20 e poucos anos, ainda não tocava guitarra. Aprendi quando entrei na minha primeira banda e tenho que confessar que foi a coisa mais difícil que já fiz na minha vida. Pensava que nunca iria conseguir, até um dia quando tudo mudou de uma vez só, e eu realmente toquei guitarra.

Dean: Tinha uns 10 anos quando meu pai começou a me dar umas aulas horrorosas de música. Acabei desistindo de tanta frustração. Comecei minha primeira banda em 1981 e tocava covers de The Clash, Sex Pistols, Cramps e Gang of Four. O que aconteceu com a Luna? Vocês ainda mantêm contato com os outros músicos do grupo? Dean: Luna acabou. Nós poderíamos ter continuado gravando discos, mas terminar é algo que supostamente deve acontecer com as bandas. Acontece com praticamente todas, exceto Rolling Stones, R.E.M e U2 – que se tornaram grandes corporações. Mas ainda mantemos contato. Nos encontramos com o baterista Lee Wall em Los Angeles na semana passada. Ele mora por lá agora e está compondo trilhas para filmes e TV. Alguma chance do Galaxie 500 voltar a tocar junto ou gravar um disco?

Dean: Parece que este ano a moda é voltar a tocar junto: Dinosaur Jr., Jesus & Mary Chain, Rage Against the Machine. Boa sorte para todos. Não tem nenhum plano para a volta do Galaxie 500. Como surgiu a idéia de criar Dean & Britta?

Britta: Dean começou a trabalhar em um projeto solo e me chamou para tocar baixo. Depois de escutar algumas demos, ele perguntou se eu queria gravar essas músicas para um disco. Nós ficamos lembrando os nossos duetos em Luna e como nos divertíamos com ele. Então, Dean compôs “Night Nurse” e “Ginger Snaps” para cantarmos juntos. Assim, o projeto solo dele se transformou no nosso primeiro disco, L’Avventura de Britta Phillips e Dean Wareham. Qual a melhor coisa de ser um casal que trabalha junto? Dean: Foi algo novo e excitante fazer um álbum com Britta depois de


ter gravado sete álbuns ao lado dela em outra banda. Foi fácil e divertido, gostei mais que outras coisas que tinha feito em anos. Britta: É excitante e intimista, estarmos envolvidos juntos no processo criativo. Tenho muito respeito e amor por ele como artista e confio plenamente nas suas opiniões e escolhas. Acabam facilitando o nosso trabalho e fazendo disso algo divertido na maior parte do tempo. E qual é a pior? Vocês já enlouqueceram o outro com alguma mania? Dean: Não no estúdio. Todo mundo acaba enlouquecendo o outro quando está em turnê pelo país dentro de uma van. Britta: Às vezes enlouqueço o Dean. Sou muito esquecida e, de vez em quando, perco ou quebro alguma coisa dele. Vocês compõem juntos?

Britta: Na verdade, tudo depende da música. Para algumas sentamos juntos, mas apenas um acaba escrevendo. Outras vezes, estamos em uma sintonia incrível e escrevemos juntos como aconteceu em “Crystal Blue R.I.P”. Como todo casal, tem horas que ficamos separados e assim vai. O que vocês procuram quando estão escrevendo uma música? Dean: Na maioria das vezes tudo o que uma música precisa é de um riff interessante. É o que procuro quando estou compondo... Britta: Realmente não sei o que procurar quando estou escrevendo. Às vezes, uso outra música como modelo ou inspiração, mas minhas composições aparecem mesmo quando estou sentada no teclado e procurando sons diferentes. Sempre começo a compor quando a música nasce fácil para mim. As letras são sempre mais complicadas e consomem mais tempo.

é mais nossa do que a de alguma banda que fizemos parte. O que Tony Visconti adicionou à sua música como produtor?

Dean: Ele é um produtor perfeito em todos os sentidos. É um grande engenheiro e é excelente na mixagem como também nos arranjos. É um grande músico. Produtores passam aquela impressão que são muito dominadores, mas ele está bem longe disso. Britta: Tony é como se fosse mais um integrante da banda. Ele sugere e nos ajuda a tomar decisões importantes no processo de gravação. Também colaborou com algumas guitarras e com algumas seqüências de baixo e ainda fez alguns backing vocals. Ele sabe mixar como ninguém! Às vezes, sentimos que tem algo que não está certo, como se estivesse flutuando, e ele faz a mágica dele e tudo fica no lugar que deveria estar. O que inspira vocês? Britta: Beleza. Alma. Dean. Dean: Britta, obrigado! Vocês são românticos?

Dean: No meu jeito petulante de ser. Britta: Sim, bastante. Mas isso provavelmente vem através da minha música, já que sou muito introvertida. Qual a melhor hora para escutar Dean & Britta? Britta: Na cama de manhã, na cama à noite. Dean, é verdade que seu filho detestou o nome Dean & Britta? O que ele falou? Dean: Ele disse que “Dean & Britta” é o pior nome de banda que ele já ouviu falar na vida dele. Tentamos explicar que não é necessariamente uma banda. É um projeto. O que vocês acham da indústria musical?

Dean: O mercado da música foi construído Como funciona o processo de gravação? Britta: Como Dean & Britta, o primeiro passo está nas demos que gravamos em casa. Como não sabíamos o que ia sair disso, começamos a gravar sem uma meta específica. O próximo passo foi saber que estávamos com um material que nos agradava e entrar no estúdio com Tony Visconti. Nossa, chegávamos ao estúdio umas dez da manhã e ficávamos até a hora de jantar. Matt Johnson tocou bateria nas nossas demos e depois nós adicionamos e trocamos algumas guitarras e vocais. Foi uma experiência interessante porque a música

sob o poder do dinheiro de adolescente do oeste – jovens com dinheiro disponível. O mercado ainda está assim, mas agora conseguimos nossa música de graça, o que é um problema também. É óbvio que estamos vivendo uma mudança que acontece rapidamente. A única coisa que me deixa um pouco triste é que o MP3 tem um som muito inferior ao do vinil de 12 polegadas. Então, os jovens de hoje têm uma maior comodidade na hora de escolher sua música, mas ela não soa tão bem como as de antigamente. Britta: Essa indústria é terrível, mas está

sofrendo uma mudança drástica. Para melhor, espero. Sou uma pessoa otimista. Quem sabe um dia grande parte dos bons músicos vai fazer parte da classe média. Afinal, é bem melhor do que hoje em que boa parte dos músicos são pobres ou ridiculamente ricos. Como sua vida tem mudado nos últimos anos?

Dean: A vida está ficando mais complicada. Há cinco anos, ela estava resumida a uma banda de rock. Agora, estamos num ciclo de fazer discos, entrar em turnê, voltar da turnê, fazer mais um disco, entrar em turnê novamente e é isso. Então, resolvi procurar trabalhos diferentes – produzir discos, trilhas, escrever um livro. Britta: Nossa, mudou muito mesmo. Há cinco anos, eu e Dean nem estávamos morando juntos ainda. Agora estamos casados! E tenho um lindo enteado de sete aninhos de idade. Realizar esses dois discos ao lado do Dean foi algo que me deixou muito feliz. Nem consigo explicar o quanto. Nós chegamos a produzir algumas trilhas em conjunto, o que é muito excitante e bem diferente de fazer discos. Amei a experiência de trabalhar em trilhas. Fazia um tempo que queria fazer algo do tipo e agora, eu espero fazer bem mais. O que vocês andam escutando? Dean: Bright Black Morning Light e Black Moth Super Rainbow. Britta: The Staple Singers e as compilações que Dean faz para escutarmos antes dos shows, durante as turnês. Vocês têm algum vício? Dean: Ainda fumo alguns cigarros, mas não faço parte do grupo de viciados ou pelo menos é disso que tento me convencer. Tenho que apertar um botão de “ligar” e depois ir para o de “desligar”. Britta: Botas, abacates e meu baby.

www.deanandbritta.com

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Palavras: Ana Garcia e Tathianna Nunes Fotos: Patricia Arvelos Ilustração: mooz

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Depois desta conversa, fica claro que Cibelle Cavalli entregou seu coração às artes e sua alma à música. Intuitiva e apaixonada pela vida, ela se inspira nas sutilezas do cotidiano para construir canções que soam como aqueles pequenos sonhos que invadem a mente durante a luz do dia. Cibelle está imersa em um mundo poético que começou a ser construído aos cinco anos de idade quando resolveu estudar violão por vontade própria. Impulsiva e sempre contando com uma forte presença materna, Cibelle trocou o violão pelo piano, substituído em seguida pela percussão, por sua vez deixada de lado por aulas de canto – não necessariamente nessa ordem. De instrumento em instrumento a inclinação pela música tomou um espaço incomensurável na infância simples e mágica que Cibelle viveu em São Paulo Morando em Londres desde 2002, Cibelle foi agraciada com o título de nova diva da música brasileira pela imprensa estrangeira. Um exílio voluntário que lhe trouxe uma carreira de artista e o reconhecimento de um trabalho que rejeita os rótulos preguiçosos de “neo bossa-nova”. Ironicamente, aqui na terrinha poucos conhecem o trabalho desta cantora de voz doce e suave que resolveu se entregar ao mundo. Apenas os conterrâneos mais curiosos ou de passagem por Paris ou Londres onde Cibelle se apresenta com certa regularidade. Ou, ainda, passantes e clientes de um salão de beleza em Boa Viagem, Recife, na saída do principal shopping da cidade, decorado (sabe-se lá porque) em sua modesta fachada com uma foto ampliada de Cibelle. Mas, nem ali, as manicures e cabeleireiras sabem a quem pertence o formoso rosto. Entre esmaltes e tinturas, Cibelle permanece uma ilustre desconhecida. E na sua vida de estrela da música, descobre a cada viagem, em cada cidade, o prazer de realizar seus sonhos de viver da arte e para a arte. “Eu cresci na Vila Mariana, em São Paulo. Iá ao colégio estadual até a oitava série, com exceção de dois anos que freqüentei escolas particulares por causa de uma greve de professores que durou quase um ano. Estudei um curso técnico de publicidade graças a um pacto que fiz com a minha mãe, pois já sabia que eu era das artes e não queria fazer uma faculdade ‘séria’ como diria o meu irmão mais velho (faculdade séria exclui: artes dramáticas, música, belas artes, cinema, antropologia, enfim, todas as faculdades que eu gostaria de ter feito). Concluindo o colégio técnico, já teria um diploma caso as artes não me levassem a lugar algum (segundo minha família), mas minha mãe sempre me incentivou a fazer o que quisesse com a minha vida, me educou para saber discernir o que é bom para mim e o que não é, ensinou a me conhecer e respeitar minha

individualidade. Minha mãe é incrível, difícil de convencer, na verdade, foi o resto dos irmãos... Sou a mais nova dos quatro filhos que minha mãe teve, eles são todos pelo menos 10 anos mais velhos, e meu pai desencarnou quando eu tinha apenas cinco anos de idade, transformando minha simples mãe, em super mãe”. O que os seus irmãos esperavam de você? Como eles vêem hoje a sua música? Acho que meus irmãos esperam que eu seja feliz e continue podendo morar e comer bem. Sei que meu irmão preferiria que cantasse algo mais careta – ele sempre reclama dos barulhinhos na música. As irmãs nunca reclamaram de nada, acho que gostam, e minha mãe ama, claro. Mãe sempre ama. Quais suas primeiras lembranças musicais? O disco verde de vinil meio transparente do Patrick Hernandez com o single “Born to be Alive”. Adorava aquele disco, adorava também as Zingaras, e ia ao teatro municipal aos domingos com a minha mãe assistir sinfonias e quartetos de cordas. Entrei no conservatório quando era bem novinha, com cinco ou seis anos, para estudar violão, mas seis meses depois resolvi mudar para o piano e permaneci lá até os 12/13 anos de idade. Durante esse tempo todo, não saía do conservatório, queria ficar lá o dia todo, entrar em todas as salas, brincar com todos os instrumentos que pudesse encontrar por lá. Adorava os sintetizadores da sala de aula de “teclado” como eles chamavam. Acho que eu era uma criança meio estranha... Meio nerd-criativa, vivia trancada no meu quarto pintando aquarela e ouvindo Litz e Brahms com 10 anos de idade. Lembro que detestava Bela Bartok. Depois de pintar, eu pegava a escova de cabelo, cantava, comprava lâmpadas coloridas pra “iluminação” do meu quarto e ficava inventando textos, improvisando longos monólogos dramáticos. Depois ia ser a palhaça da minha turma, fazia piada, imitava pessoas, me fingia de robô... Era sempre meio paradoxal – ainda sou talvez. Ao mesmo tempo em que era comunicativa e falava com todo mundo, tinha ataques de timidez enormes. Gostava de bagunçar com os amigos do prédio, mas também gostava de me esconder no meu universo e viver pelas leis dele. De vez em quando, ia pro hall do prédio, fingia que era uma galeria de arte e vendia meus desenhos por um cruzeiro para os que passassem por ali pra pegar o elevador, isso eu devia ter uns 11 anos... Quando saí do conservatório, lá pelos 13 anos, resolvi estudar piano sozinha e fui jogar vôlei. Aos domingos à tarde ia ao círculo militar de São Paulo para a matinê dançar break no chão numa roda de meninas. Amava meus beats, era fanzona de technotronic. Você vem de uma família musical? Não e sim. Não porque ninguém era muito de música. Minha mãe sempre gostou, mas não sabia muito a respeito. Por exemplo, fui descobrir Tom Jobim aos 17 anos de idade... Digamos que a coleção de discos na minha casa tinha apenas oito no máximo. Foi para nove quando comprei a trilha sonora de Alien. Dez quando comprei a trilha de Dirty Dancing. Mas minha mãe sempre cantou, minha tia cantou, minha avó cantava, claro, cantavam lavando roupa ou louça no mundinho machista de alguém.

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Você se lembra da sua primeira música? Lembro. Era um rap bobinho em homenagem ao meu grupo de amigas. Nós nos chamávamos “Boêmias”. Eram as amigas da roda de break, das meninas da matinê de domingo. Nós batizamos de “Boêmias” porque éramos novinhas e ficávamos na rua até tarde jogando truco. Lembro até do refrão: “Boêmias, fica na manha / Boêmias, fica na manhã”. Era uma rima bem anos oitenta. Lembro também da primeira vez na vida que um samba entrou na minha cabeça. Foi num carnaval, quando tinha 14 anos de idade, e tinha ficado tontinha tomando licor de menta pela primeira vez com as “Boêmias” em Santos. Nós sentamos num boteco com uma roda de samba e ficamos ali. Ao sairmos de lá, ouvi um samba nascendo na minha cabeça e pensei: “estranho, será que estou escrevendo uma música?”. Ignorei e voltamos caminhando na areia cantando uma música de uma banda de mulheres tipo Destiny’s Child, mas era no início dos anos 90... A primeira canção de verdade está gravada, se chama “Álcool” e dá para achar na internet. Normalmente você está cantando sobre o quê? Distorções de tempo, estórias, amor livre, espírito, sonhos surreais, conversas roubada de cafés. Além de piano e violão, o que mais você toca? Toco um pouco de tudo, mas nada bem o suficiente, acho... Quer dizer, não sou técnica. Sei ler o pentagrama pra tocar piano, mas estou enferrujada e leio devagar. Toco guitarra elétrica, violão, percussão leve, alfaia base no maracatu, flauta doce, brinquedos... Quero aprender a tocar baixo urgente. O que mais gosto é de comprar instrumentos exóticos nas minhas viagens e tocar do meu jeito, com a minha intuição. Que instrumentos exóticos você gosta de tocar? Putz, tenho muita tralha em casa..... Acabei de comprar um mini

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harmonium indiano, uma flauta de encantador de cobras, um xilofone da Malásia, uma melódica infantil, apitos de passarinho, megafone verde de voz de alien e robô, sininhos de porta poloneses, caixinhas de música, teclado infantil, beat box de criança. Mas gosto mesmo é de tocar uma coisa que parece uma harpa portátil que comprei na Polônia. Por que e quando você escolheu a música como uma forma de expressão? A música me seqüestrou, não foi bem eu que a escolhi. Eu me expresso por muitas veias artísticas, mas a música foi o que ficou público. Eu gosto muito de fazer gifs animados e videoarte – agora andei desenhado bastante, grafite apenas, nada de cor. Todo ano, no meu aniversário, dia 2 de janeiro, comemoro com meus amigos fazendo uma espécie de clube da pintura, bebemos vinho, champanhe e pintamos o dia inteiro. Você se considera ingênua? Sim, para o que se deve conservar assim. Você tem alguma atração pela sua infância? Gosto de manter a minha criança interna viva e ativa. Essa é a ingenuidade que precisa ser mantida: a falta de pretensão, o não julgamento, brincar com as coisas. Sou incrivelmente criançona. Qual é a sua concepção de beleza? O que é real, latente, vivo, livre, individual. Você se sente confortável com sua pessoa nesse mundo? Sei que meu corpo é uma manifestação da minha alma, então ele é um termômetro. Vendo o que rola na minha aparência, tenho dicas sobre o que se passa por dentro. Sou infinitamente interessada na nossa casca. Adoro fazer auto-retratos, registrar todos esses reflexos de mudanças em mim. Não é uma coisa de vaidade, de ficar se olhando e se achando o máximo e tal. É de ficar observando como nos seres humanos somos seres interessantes.


De onde vem a sua imaginação? Vem do meu escapismo, do meu viver no meu mundinho dentro da minha cabeça. Tenho meu próprio planetinha e nele tem muitas coisas e muita liberdade de ser o que for. Conta um pouco desse seu próprio planeta... O que acontece nele? É onde as coisas fazem sentido do meio jeito, não sei explicar melhor que isso. Você sente dor? Todo mundo sente dor. Eu também, mas procuro não guardar mágoas ou rancor. Procuro sublimar tudo, transcender, aceitar, entender a lição e seguir em frente. Sempre. O que você procura num amor? Liberdade total de ser quem sou e da outra pessoas ser quem ela é, sem possessividade. Estar junto porque “está-se junto” não porque “tem que estar junto”. Você acredita em mágica? Acredito que tudo é possível. O que a levou a sair do Brasil? Curiosidade, espírito meio cigano, e também quando saí, a cena independente do Brasil era praticamente inexistente. Nada como é agora, se fosse agora talvez não tivesse saído. Mas ao mesmo tempo, com esse meu espírito cigano, preciso estar viajando. Não moro em lugar nenhum, moro no meu corpo. Tenho um endereço em Londres, mas nunca estou no mesmo lugar por mais de dois meses. Mesmo quando não estou em turnê eu viajo, passo uma semana fora. Mas é claro que ter assinado com uma gravadora fora do Brasil colaborou muito para isso.

Como conheceu os músicos com os quais você toca hoje? Conheci o Vlad assim que cheguei a Londres. O Kris num café onde passávamos a tarde toda, todos os dias, fumando cigarros de enrolar, tomando café e falando da vida. O Bartolo, conheci através de uma amiga dele que me mandou uma mensagem no MySpace, e depois descobri que ele era amigo de amigos meus, portanto, meu amigo. E o Devendra Banhart? É uma pessoa maravilhosa, generosa, sensível, tranqüila. Tem muito amor no coração e adora ajudar as pessoas. Ele também é muito, muito livre. Você parece ter encontrado um bom grupo de amigos em Paris e em outras cidades. Poderia falar um pouco sobre quem são essas pessoas? É uma família enorme, a mesma da qual o Devendra faz parte também. Somos todos músicos de diferentes backgrounds. Pensamos parecidos, fazemos músicas baseadas em amor, intuição, respeito a nossa individualidade, dividimos isso com os amigos. É uma comunidade internacional de pessoas. Nessa família fazem parte o Spleen, CocoRosie, Vetiver, Rio en Medio, Antony and the Jonsons, YACHT, Ami Sioux, Steph Vicat, Brice. São músicos, artistas, bailarinos. A família é enorme e continua crescendo sempre. Como você entrou nessa família? Primeiro, conheci o Spleen (que é parceiro das CocoRosie - ambos estiveram no Brasil durante o No Ar 2006), armamos de tocar juntos, fazer algo juntos e ficamos amigos. Aí ele me falava do Devendra - não conhecia o trabalho dele ainda, fui conhecendo aos poucos - mas ainda não conhecia muito bem quando fui convidada para tocar com ele num programa de TV francês. Foi lá que conheci o Devendra e os outros meninos da família como o Luckey, que toca baixo. Através do Devendra e do Spleen, conheci muita gente como a Steph Vicat que me apresentou a Danielle (Rio en Medio). Fui para Nova Iorque na

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mesma época que o Spleen estava lá e passamos uma tarde tomando chá com a Bianca (CocoRosie) e enfim, a gente vai indo assim, se misturando. Com que outros artistas você tem colaborado? Teve algo com o Prefuse 73... Sim, fiz uma música com o Scott [Herren], mas sabe lá Deus quando isso vai pra rua. Estou planejando algo com a Danielle (Rio en Medio), ando escrevendo com The Clerkenwell Kid, do The Real Tuesday Weld. Qual é o maior juízo falso que alguém tem de você? Tem gente que me chama de “musa da eletrobossa”, como se a base universal do meu trabalho fosse a bossa nova. Não sou isso, não faço bossa nova e muito menos eletrobossa. Tenho uma ou outra faixa que leva inspiração da bossa, mas não baseio todo o meu trabalho nela. Meu trabalho é baseado na minha natureza de ser humano antropofágico, procuro absorver tudo ao meu redor, deixar passar pelo meu filtro interno e sair do jeito que bate verdadeiramente comigo. Não estou exclusivamente me metendo na eletrônica. Busco os sons, as texturas de acordo com o que se torna necessário, assim como os groves nascem do jeito deles. Não faço música dentro de uma caixinha onde as regras são restritas. Faço música e é só isso. Se você pudesse estar em qualquer lugar do mundo, qual seria? O que você quer dizer? Agora? Onde colocaria meu endereço ou onde gostaria de ir visitar agora... Adoraria passar mais tempo na Ásia, China, Camboja, Vietnã... Você é uma pessoa religiosa? O modo como você lida com a espiritualidade reflete de alguma forma na sua música? Sou espiritualista. Não gosto de sociedades religiosas, criadas, organizadas e comandadas por homens ou mulheres. Sou seguidora do desabrochar a minha própria centelha divina, desabrochar o amor incondicional, auto-conhecimento e compreensão. Libertar-me da mente coletiva, aprender a ser a minha própria pessoa cheia de amor para dar, compreendendo, amando e respeitando o próximo. Começando por me amar e me respeitar. E isso reflete na minha música muito, justamente porque faço música baseada em respeitar minha intuição, em me deixar ser, viver, estar sempre condizente com meu espírito e minha verdade relativa, praticar a liberdade de espírito, ter espontaneidade com a ingenuidade de uma criança, quer dizer, sem julgamentos. Se você não fosse uma cantora, você tem alguma idéia do que faria? Já faço... Me meto em toda e qualquer tipo de arte, se estivesse fora das artes iria ser antropóloga talvez, ou psicóloga...

Tem um lugar onde você sonha em tocar? Sonhava com o Carnegie Hall. Agora que esse já foi [ela tocou em 2006 com Devendra Banhart, CocoRosie, Vashti Bunyan e outros a convite de David Byrne], então daqui para frente o que vier é lucro. Mas no Carnegie Hall foi lindo, emocionante, parecia dia de formatura do colégio. Você consegue descrever o que você sente quando compõe? E quando toca? Quando nasce aquela track que bate perfeito com o meu coração, me dá um frio na barriga, daquele se tem lá com uns oito anos de idade quando você ganha aquela bicicleta que mais queria. Como são seus fãs? Em geral os que tive contato são sempre pessoas que têm uma energia tão boa... Rola muito amor. É recíproco. Como as músicas surgem para você? De várias maneiras, mas admito que funcione melhor, e até prefiro, compor num processo de jam session gravada ao-vivo com algum amigo bom de harmonia, intuitivo e livre musicalmente. Gosto de sair gravando texturas, experimentando tudo já em cima, para depois picotar tudo, colar e esculpir. Assim, quando as canções surgem, já nascem com uma roupagem, com o arranjo já pendurado nelas. Gosto de um arranjo orgânico, nascido junto com a canção que é apenas esculpido depois. Por isso, digo que faço colagem e escultura. Fazer um disco então não é um processo solitário. Você escuta opiniões de outras pessoas? Nunca mostro nada para muita gente. Acredito em conservar a energia. O que faço às vezes é mostrar para uma ou outra pessoa em algum momento bizarro sem explicar muito o que é e sem pedir opinião também. Mas gosto de ver como o corpo das pessoas reage, o que acontece no rosto, se a pessoa fica arrepiada ou não. Isso é melhor do que conselho. Quando você sobe no palco você se transforma? Não acho que me transforme. Acho que me intensifico e me condenso. O palco é uma continuação de mim intensificada, da minha sinceridade intensificada, o que acontece é que entro nas letras e vivo o mundo daquela canção, naquele momento profundamente. Tem algum projeto andando para os próximos meses? Estou trabalhando numa faixa para uma compilação do David Shrigley, compondo um pouco com o The Clerkenwell Kid e andando muito de bicicleta roxa em busca de inspiração para o próximo disco.

www.myspace.com/cibelleblackbird

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Palavras: Guilherme Werneck Ilustração: Maureen Gubia / Divulgação

Não alimente os animais. Noah Lennox, mais conhecido como Panda Bear, é um dos membros do Animal Collective, ao lado de Avey Tare, Geologist e Deakin. São todos amigos de escola e, em teoria, qualquer colaboração entre eles pode se tornar um álbum do Animal Collective. Só que de todos os membros do coletivo, o que mais produz fora da banda é mesmo Panda Bear. Além de seu último disco solo, Person Pitch (Paw Tracks, 2007), Panda Bear lançou outros dois álbuns: Panda Bear (Soccer Star, 1998) e Young Prayer (Paw Tracks, 2004). E, com o produtor de eletrônica Scott Mou, ele criou o projeto Jane e lançou o disco Berserker (Paw Tracks, 2005). O primeiro disco de Panda Bear, feito com Deakin, até precede o Animal Collective, mas, poderia muito bem estar na discografia do grupo, que inicia oficialmente em 2000 com Spirit They`re Gone, Spirit They`ve Vanished (Animal). Para o álbum de estréia, Lennox criou um selo, chamado Soccer Star – e, sim, ele gosta mais de futebol de verdade do que de futebol americano. A experiência de ser dono de selo e cuidar de suas próprias músicas foi outra característica desse embrião que contaminou o Animal Collective, que lança seus discos por um selo independente próprio, o Paw Tracks. Nos anos seguintes, Panda Bear se dedicou mais ao Animal Collective, e só voltou a lançar um disco solo depois da morte de seu pai. O álbum, tocante, mas não meloso, é Young Prayer, um disco em que a canção está mais limpa e a parte eletrônica tem um peso menor. No começo deste ano, Noah lançou seu melhor disco até agora: Person Pitch. É um disco hipnótico, que induz o ouvinte a estados alterados de consciência, a um lusco-fusco mental por onde cada nota ganha mais de um significado. Parece viagem, mas é assim mesmo que as coisas acontecem. Person Pitch é por si só um alucinógeno auditivo. E Lennox nos faz atingir esse nirvana sonoro criando uma mistura de samples que se dissolvem em imagens psicodélicas, letras mais diretas, harmonias que rendem homenagem ao rock solar dos anos 60 e um senso de pertencimento ao presente único. Person Pitch é também um registro da fase atual desse americano que mudou a vida toda, de Baltimore para Boston, de Boston para Nova York e de Nova York para o outro lado do Atlântico. Há uns dois anos, Lennox mora em Lisboa, Portugal, com a sua esposa e filha, e só encontra seus companheiros de coletivo para compor, gravar ou fazer shows. 36

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Há vários samples em Person Pitch, mas você mexe muito neles. Esconder as pegadas é parte da graça? Sim, claro que foi divertido tentar transformar os samples em coisas minhas e em alguns momentos foi muito difícil, mas eu me saí bem na maior parte. Ajudou muito colocar um monte de coisas juntas de forma que, em conjunto, elas se transformassem em algo novo, entende? Você gosta de gravar sons da cidade? Eu gosto, mas tenho de dizer que em Person Pitch todos os sons são tirados de algum outro lugar, não fiz nenhuma gravação eu mesmo. Gastei muito tempo procurando coisas em websites de efeitos especiais e, claro, tinham muitos sons bons para serem descobertos neles.


O que captura seus ouvidos em Lisboa? Tem uma coruja que mora na minha vizinhança, tipo nos prédios abandonados por perto (e acho que eles estão sendo reformados agora). No verão ela canta a noite toda e esse é um som muito legal. Tem também o zunido dos carros que passam pela ponte no pé do morro, mas eu acho que a minha mente acaba bloqueando esse som depois de um tempo. E há muitas construções na minha vizinhança, então os sons mais familiares para mim em casa, devo dizer, são britadeiras e sons realmente abrasivos. Você viveu em muitas cidades diferentes, de Baltimore até Lisboa. Que sons dessas cidades você ainda carrega? De Baltimore, as vozes do meu irmão e da minha irmã, da minha mãe e do meu pai. De Boston e Nova York, os sons que eu me lembro melhor são certamente as vozes dos meus amigos e de gente que eu não vejo mais tanto. Você consegue citar alguns dos discos que você estava ouvindo quando compôs e gravou Person Pitch? Sim, claro: Luomo (tudo), King Tubby (tudo), Moodyman (Forevernevermore), Black Dice (Broken Ear Record), Terrestrial Tones (Dead Drunk), Ariel Pink (tudo), Avey Tare (tudo), Cat Stevens (tudo), Roy Orbison (tudo). Acho que eu ficaria um bom tempo nessa lista. Eu devo dizer que eu não ouço música sempre, quer dizer, eu não coloco música para tocar durante o dia ou se eu estou fazendo outra coisa. Mas todas essas coisas estavam na minha cabeça quando eu estava fazendo o disco. Para mim, Young Prayer é mais coeso e, até certo ponto, mais sombrio que Person Pitch. O quanto o processo de fazer esses dois discos foi diferente? Em cada um dos discos, eu estava com a cabeça em coisas muito diferentes. Em Young Prayer, meu pai tinha acabado de morrer e eu estava fazendo canções para ele. Eu queria tentar ser o mais positivo possível com a música, mas acho que é impossível fugir da tristeza totalmente, entende? E acho que eu tenho sido uma pessoa muito feliz e saudável nos últimos dois anos e eu tentei tomar decisões que me fizessem feliz e também deixassem felizes as pessoas que mais importam para mim. Eu também estive num lugar (fisicamente) que é muito ensolarado e quente e eu penso que tudo isso aparece em Person Pitch, pelo menos um pouquinho.

Você toca muitos instrumentos. Qual foi o primeiro que você aprendeu? Você tem um instrumento favorito na hora de compor? O primeiro instrumento que eu aprendi a tocar foi o piano e tive aulas, foi uma coisa formal, saca? Atualmente, minha “coisa” favorita para fazer música é o sampler SP303. Eu fiz o Person Pitch inteiro em dois deles. Quando você era adolescente, tocou num coro de câmara. Você curtia? Eu curtia muito. Eu gostava muito de ver como todas aquelas seções do coro estudavam suas partes e, depois, de ver como tudo se ajustava. Era também muito interessante fazer um som naquele ambiente, e eu tenho que dizer que o som de muitas vozes é muito poderoso para mim. Você acha que ainda curtiria cantar num coro? Sim, claro. Eu poderia voltar para a cidade onde eu estudei e me juntar ao coro, algo como o coro da comunidade. Ia ser fantástico, mas ao mesmo tempo eu não acho que teria tempo para isso agora e tudo bem. Quando você começou a se interessar por mixagem e por música eletrônica? Eu comecei a gostar de música eletrônica na escola, eu devia ter uns 16 anos, por aí. Faz uns 12 anos. Eu preciso dizer que nunca usei tocadiscos antes. Eu nem saberia como “discotecar” e também nem tenho um toca-discos em casa. Bom, isso não é exatamente verdade, eu comprei um para ouvir as prensagens de teste do single de “Bros”, para ter certeza de que a música soaria bem. Mas é um toca-discos bem vagabundo e eu não usei ele para mais nada. Então não sei se conta ou não. Como nasceu o projeto Jane? Você realmente conheceu o Scott Mou quando vocês trabalhavam numa loja de discos? Sim, Scott e eu nos cruzamos porque trabalhávamos numa loja de discos. Nós conversávamos muito sobre música e descobrimos que muitas das coisas que nos deixavam excitados eram as mesmas. Um dia nós achamos que seria divertido tocar junto e foi assim que aconteceu. Scott é o máximo. Há planos de lançar mais músicas do Jane em breve? Provavelmente não, mas eu não sei ao certo. Eu e o Scott somos muito ocupados e, como hoje eu moro muito longe, é difícil fazer jams juntos. Nós devemos fazer um show em agosto

na França e eu acho que vai ser a primeira vez que vamos tocar juntos em um ano. Seu primeiro selo chamava Soccer Star Records. Você joga futebol em Lisboa? Quando eu mudei para Lisboa, joguei um tempo com um bando de seguranças e leõesde-chácara de um dos grandes clubes de dance music daqui. Eu nunca tinha jogado de verdade antes disso, mas eu me esforcei ao máximo e me diverti muito. Sou uma pessoa muito competitiva, então a coisa acaba sendo muito intensa para mim. E, claro, eu vejo muito futebol na TV. Sou meio obsessivo com isso. Pela internet, podemos comprar seus discos em MP3 sem nenhuma restrição. O que você pensa da troca de arquivos e do DRM (Digital Rights Management)? Fico chapado com o fato de as pessoas poderem ter um acesso tão fácil às coisas que eu faço. Mas, por outro lado, não fico chapado com o som de merda do MP3 nem com o fato de as pessoas não experimentarem a música com a arte, a capa, todas essas coisas, como seria ideal. Especialmente com relação ao Person Pitch, nós trabalhamos muito para fazer um design legal. Ao mesmo tempo, é impossível brecar os downloads. Por isso eu quero realmente abraçar esse mundo e trabalhar com essas limitações em vez de lutar contra, entende? Você está sempre em contato com os outros membros do Animal Collective? Trabalha em canções pela internet? Eu estou sempre em contato com esses caras, embora nós nos falemos mais antes e durante as turnês e depois de encontros por conta das coisas musicais. Nós começamos agora a mandar canções uns para os outros, são músicas em que estamos trabalhando sozinhos, para quando nós nos encontrarmos saberemos em que pé cada um está. O Animal Collective está fazendo um filme? Sobre o que é? Nós estamos no processo de fazer um filme, mas é mais uma coleção de cenas e de imagens com música do que um filme que tem um roteiro ou qualquer tipo de narrativa. Claro que eu estou maluco com ele, mas não sei quando vai terminar.

www.myspace.com/rippityrippity

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Palavras: Ana Garcia Ilustração: Daniel Pinheiro

Rafael Crespo começou a tocar em 91 com a banda Cold Turkey, em 93 formou o Planet Hemp e poucos anos depois criou o selo Spicy Records, que chegou a lançar discos de diversas bandas como Garage Fuzz, Againe e Pin Ups, entre outros. Hoje, toca bateria com Polara, criou o projeto solo Poniboy e mora no Rio de Janeiro onde cuida do seu estúdio Superfuzz.

As músicas são sobre o quê? As letras geralmente quem escreve é o Carlos, só tem uma letra minha por enquanto. Ele escreve sobre as situações que ele vive: tipo namoro, briga de amigos, deslumbres coletivos, relacionamentos virtuais. Coisas do nosso tempo. Minha letra fala sobre uma historinha que aconteceu quando eu morava com o Carlos. Sobre uma menina que ele namorava e que ia matar aula na nossa casa, e ela chegava sempre carregada com bebidas, drogas, e quem levava a má fama éramos nós.

Fala dos seus projetos musicais atuais. Bom, além do Poniboy, que parece perdido aqui no Rio de Janeiro sem saber bem o que fazer, tem o Polara. A gente está terminando de gravar nosso disco novo, e tem sido um esforço considerável gravar esse disco.

Você pode escrever um pouco da letra? “Eram dez horas da manhã, ele não queria levantar para ir trabalhar, o relógio despertou, mas ele nem ligou, parecia não se importar quando o interfone o acordou e o porteiro lhe falou - sua garota está subindo - o que será que ela faz aqui?”

Por que? Porque eu moro no Rio, então, fica complicado a gente ensaiar, compor as músicas. Para que isso aconteça a gente tem que marcar com antecedência, tirar umas datas certas para ir pro estúdio compor as músicas e graválas. Então, a banda já veio pro Rio em duas ocasiões para gravar aqui no meu estúdio, e em outras duas ocasiões eu fui para São Paulo gravar no estúdio de um amigo. É complicado conciliar a agenda de todo mundo. E o que mantém todos juntos? Pois é, às vezes fica complicado responder isso. Acho que a nossa amizade. A gente percorreu esse caminho até aqui. Acho que isso nos mantém juntos. Como têm sido as gravações? Essa parte tem sido muito gratificante porque a gente compõe as músicas praticamente durante as gravações, e logo depois a gente já escuta elas gravadas. É como assistir a um nascimento, você escuta tudo ali já certinho, todos ficam felizes.

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Quando foi essa época? Ah, foi numa época boa! Acho que era 97/98. E você consegue compor isso lá, na hora? Não, essa música foi diferente porque eu escrevi a letra e já fiz a música. As outras é que estão sendo mais complicadas, porque a gente tem feito coletivamente. E o Poniboy? Por que ele está perdido no Rio? Porque essa cidade é difícil. As pessoas aqui estão conectadas em outras coisas. Não sei, não me adapto bem, acho que é o calor. A novidade é um antigo projeto meu, uma banda chamada Elroy que estava parada há anos, com um disco pronto, talvez volte. Recebemos uma proposta para lançar esse disco, mas a gente tem muita dificuldade de se reunir e tocar juntos. O Elroy era eu, Sato, que toca no Polara também, e Mix. Quem é Mix? Bom, Mix era o baterista, sem ele é impossível tocar nossas músicas, e ele justamente é o

mais problemático. Quando agente parou em 2002, nós tínhamos acabado de gravar nosso disco, tínhamos voltado de uma turnê pela Argentina e Uruguay, só que Mix teve que parar. Bom, ele tem família, filhos. Então, ele começou a trabalhar como roadie do Falamansa, aquela banda de forró, que justamente nessa época fazia um sucesso monstruoso. Então, ele não tinha mais tempo nenhum para a banda, e não podíamos pedir para que ele abdicasse do emprego dele, porque não havia nenhuma perspectiva de ganhar algum dinheiro com o Elroy. Foi isso, o disco ficou na minha gaveta durante esses anos. Até que eu resolvi pôr algumas músicas no MySpace e chamou a atenção de algumas pessoas. Se tudo der certo, o disco deve ser lançado esse ano, daí nós faremos alguns shows de divulgação do disco. O que aconteceu com o grupo Wee? Ah, o Wee na verdade era um projeto da Patrícia, uma amiga de São Paulo. Ela tocava em algumas bandas de HC feminino em São Paulo e um dia vi um show dela solo, acústico. Quando eu ouvi as músicas dela eu pirei, não sabia que ela era tão talentosa. Um dia nos encontramos na balada, não éramos muito amigos, e eu cheguei e falei para ela que as suas músicas eram lindas, que deveria tocar mais, levar adiante esse trabalho. Ela disse que não achava ninguém para tocar com ela, então eu me ofereci na hora. Foi assim que rolou. No começo era só eu e ela. E não rola mais? Depois que eu voltei pro Rio, infelizmente eu perdi um pouco o contato com Patrícia, e depois ela foi tocar bateria [na banda The Dealers]. Enfim, esse projeto depende exclusivamente dela, acho que ela está mais interessada em outras coisas atualmente. O que é uma pena, porque ela é uma das pessoas mais talentosas que eu conheço.


Quando foi isso? O que aconteceu? Foi em 2004. Eu estava morando no Rio, tinha terminado um relacionamento, e não tinha muitas perspectivas sobre o futuro. Foi um momento muito sozinho, de introspecção. Então, eu não precisava de mais ninguém para fazer esse projeto. As primeiras músicas eram muito amargas, depois eu fui contornando tudo. Fui direcionando para um lado mais, digamos, coletivo. Como assim? Bom, no início eu escrevia só para tentar contornar esses sentimentos, não tinha a pretensão de mostrar para mais ninguém. Isso realmente acontece? Alguém faz músicas para mostrar para ninguém? Achei que a idéia era sempre mostrar para pelo menos uma pessoa. Na verdade eu fiz essas músicas para mostrar para uma única pessoa. Eram pessoais demais, nunca passou pela cabeça fazer um show com essas primeiras composições. Aliás, elas estão devidamente guardadas, algumas, não todas. Essa pessoa era a sua ex? Isso. Hoje em dia não faz tanto sentido. Então você disponibilizou as músicas mais “esperançosas”? Sim, depois de algum tempo. Eu amo “Terapia de Outono”. Essa música já não faz parte dessas primeiras. Essa já tem uma motivação diferente. Existe um hiato entre uma fase e outra. Depois das composições iniciais, que são umas oito, ou nove eu desisti de continuar. Aí eu coloquei depois de um tempo algumas delas disponíveis na internet. Para que o esforço todo não tivesse sido em vão. Um amigo ouviu e gostou muito das músicas e comentou que queria tocar comigo. Eu disse que não tinha feito mais nenhuma música para esse projeto, mas ele incomodou tanto que eu acabei compondo um material novo, e ironicamente

ele não participou. Não diretamente. Qual foi a motivação dessa segunda fase? Esse meu amigo principalmente. E o bom retorno que eu tive das músicas que eu disponibilizei. Então, comecei a escrever sobre coisas mais diversificadas, mas sempre com esse aspecto introspectivo. Poniboy está mais feliz agora? Olha, é difícil viver num lugar que você não gosta, mas eu estou tentando encontrar um lado positivo nisso tudo. O que você tem encontrado de positivo? Não falei que eu tenho encontrado, falei que eu estou tentando. Tenho certeza que deve ter esse lado. Deve ter... É só questão de mudar o olhar. Verdade, depois que eu tive a minha filha eu passei a gostar muito de Recife. Pois é, esse é um lado positivo. Eu tenho uma filha também, aqui eu estou perto dela. O difícil é me relacionar com as pessoas, eu não tenho nenhuma afinidade. Você se sente ligado a uma cena musical daí? Nem um pouco. Aliás, hoje em dia eu não me sinto ligado a cena musical nenhuma. Sinto cada vez mais distante do que acontece por aqui. E o pior é que as pessoas têm cada vez menos curiosidade para ouvir algo novo ou diferente. Antes o rock não era muito popular, mas as poucas pessoas que tinham, buscavam coisas originais, hoje é que todo mundo é roqueiro, as pessoas escutam sempre a mesma coisa. Você aprendeu alguma coisa sobre vida / amor durante essa sua época mais introspectiva? Você quer umas aulas? Bem... Olha, aprendi muito. Primeiro, a ser menos egoísta. Segundo, a ser menos ansioso. E estou num processo ainda, como eu falei, de aprender a olhar uma situação ruim com um olhar positivo. E isso tem me feito ser uma pessoa melhor, eu creio, e musicalmente me aprimorou muito, então, eu tive que me esforçar para me sair bem fazendo algo novo para mim.

www.myspace.com/rafaelcrespo

Foto: Divulgação

De onde vem Poniboy? É tão diferente do Polara e do Elroy. O nome vem de um livro, Vidas Sem Rumo da Susan E. Hinton. Pessoalmente, foi um momento que eu passei emocionalmente complicado da minha vida. E para me sentir melhor comecei a ouvir muita coisa acústica. Então, o processo natural foi começar a compor músicas com esse temperamento. No inicio foi mais como uma terapia.

Numa tarde de 2004, Rafael foi entrevistado por Nicolas (Chakahotnightz), Carlos (Polara) e outros amigos. Leia trechos dessa entrevista. Nicolas: Conta toda a sua história antes de ser o Rafael do Planet Hemp. Rafael: Comecei a tocar guitarra com 13 anos, mas na real queria tocar bateria. Em ‘87, conheci Formiga no Rio e montamos umas 30 bandas diferentes em menos de um ano, inclusive a nossa primeira banda séria, In Kolapse, que durou dois anos. Nicolas: Aí você montou o Cold Turkey? Rafael: Eu me mudei para SP e montei a Cold Turkey junto com Sandra e Mix. O som era influência de Babes in Toyland, L7 e outras bandas de mina. Nicolas: Daí você montou o Planet Hemp? Rafael: Eu voltei pro Rio em ‘93 e conheci Marcelo. Ele estava tentando montar uma banda. Ele e Skunk, que eu já conhecia. Aí marcamos um show depois de três ensaios, fizemos cinco músicas e fomos tocar. Depois foi aparecendo shows, matérias em jornais, festivais e quando nos demos conta, estávamos no escritório da gravadora negociando contrato. Carlos: E esse lance de bateria? Quando você resolveu agarrar as baquetas? Tem a ver com as brasilidades? Rafael: Não... Eu sempre quis ser batera, tocar rock. Nicolas: Mas que bandas você montou depois? Rafael: A primeira foi a Diluentes. Nicolas: Que era um dream team do grunge. Rafael: Era eu, Carlos, Flávinho, Zuleika e Luana. Eu e Carlos depois montamos o Polara, Flávio era do Pin Ups e hoje é do Forgotten Boys, eu e Luana montamos o Elroy. Depois ela saiu e foi pro Mamelo [Sound System]. Foi nessa época que eu saí do Planet. Carlos: Saiu porque estava muito louco dando pala e tocando The Cure no palco. Rafael: Saí porque eu não estava a fim de fazer rap, queria tocar rock, queria fazer um som alternativo e estava desiludido com o mainstream. Então, no dia que me falaram que eu estava fora do Planet, teve ensaio do Diluentes e eu fiquei mó orgulhoso. Então, na semana seguinte os caras foram presos. Nicolas: Conta da próxima banda que você montou. Foi o Elroy, não foi? Rafael: Foi. Encontrei Mix depois de mó cara que eu não o via e chamei-o pra fazer um som. Já tinha a Luana e eu chamei o Sato que era brother. Daí rolou o Elroy. Aí rolou a Spicy [Records], lancei o Againe, o Garage Fuzz, o Pin Ups e só não lancei os meus trampos. Depois de um tempo, rolou o Polara. Nicolas: Ana [CM] está mandando perguntar como você tem a manha de tocar numa banda de mina [Wee] e ao mesmo tempo tocar em uma porrada de banda que não tem nada a ver com o estilo. R: Meu, eu nunca fui um cara que só curtia um tipo de som. Desde moleque ouvia punk, metal, gótico, pós punk e rap. Sempre ouvi de tudo.

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Palavras: Ana Garcia Ilustração: Lisa Li-Lund / Julien Langendorff / Lulina / mooz

A primeira vez que escutei a doce voz de Lisa foi na música “I Wish That I Could See You Soon”, de Herman Dune. Isso foi em 2004. No início desse ano, um querido amigo francês enviou a versão dela da música, uma gravação caseira com apenas voz e piano. Fiquei apaixonada na mesma hora. Aproveitei a minha viagem para Paris em abril e combinei com Lisa para tomar um café, que depois se transformou em uma cerveja. Encontramos-nos no Chez Prune, que fica na 36 Rue Beaurepaire, um pequeno bar/restaurante perto do Canal Saint Martin. O encontro foi numa tarde quente, Lisa estava feliz porque tinha acabado de largar o seu emprego na American Apparel. Conversamos sobre a Suécia, onde ela nasceu, sua mudança para a França, sua paixão por bandas de metal e sua preocupação em juntar dinheiro para passar seis meses no Hawaii – a partir de outubro para participar de um clube de surf só para meninas. Ganhei de presente Li-Lund Ran Away e Broken Brooklyn, dois dos diversos discos que ela já lançou até hoje. A tarde terminou na casa de um amigo onde ela aproveitou o piano para tocar algumas músicas e conversar um pouco mais.

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Primeiro, você poderia explicar se você é francesa ou sueca? Eu sou sueca. Meu passaporte é sueco, mas cresci na França. Por quê? Foi para onde a minha família se mudou. Eu era um neném, mas ainda temos uma casa na Suécia, sempre vou algumas vezes durante o ano. Agora, moro metade do ano em Nova Iorque. É onde realmente gosto e onde as pessoas com quem faço música moram. Você gosta da França? Gosto, principalmente porque a minha família e o meu cachorro estão aqui. E é linda, mas sinto que a Cidade de Nova Iorque é melhor para mim.


De que forma? Primeiro porque é onde estão todos meus amigos com quem posso fazer música. Também amo a cidade em si, as ruas, as paredes... E amo a forma como você pode viver a sua vida. Você pode acordar uma manhã na maior cidade do mundo, pegar um trem por 40 minutos e ir nadar no oceano no Brooklyn, depois passar o dia na cidade e terminar a noite em um show. E tudo está aberto o tempo todo. Isso dá uma quantidade infinita de tempo para fazer tudo que você deseja fazer em um dia.

Quando você começou a fazer música? É difícil dizer, porque fiz música a minha vida inteira com minha família. Mas minha banda começou quando eu estava terminando o segundo grau.

E isso influencia você musicalmente? Sim, aquela cidade realmente me inspira. Toda vez que estou lá escrevo muitas músicas porque você passa por tantas experiências diferentes.

Vocês ainda tocam juntos? Ele não está mais na banda, mas às vezes ele toca bateria em alguns de meus shows.

Qual foi a última experiência que fez você escrever uma música? Hum... Eu preciso pensar. Ah, peguei uma carona de helicóptero com uma amiga no meu aniversário. Na realidade, ambas fazemos aniversário no mesmo dia. Decidimos fazer isso do nada no meio de uma tarde. Escrevi uma música porque vivi esse dia. Percebi que, durante uma semana em Nova Iorque, normalmente posso alcançar dez vezes o que posso alcançar em outro lugar. E, quando me sinto para baixo, ou algo, fico melhor quando olho para trás e vejo que tenho feito muitas coisas legais sem perceber. Você não acha que tem isso em Paris? Não quero dizer que Paris tem menos a oferecer, é uma ótima cidade, mas fico menos inclinada a fazer coisas quando estou aqui. Ainda faço, mas não tão intensamente. Por quê? Não sei... Há quanto tempo você está aqui? Algumas semanas... Por que você veio? Visitar a cidade, conhecer pessoas, fazer algumas reuniões. Tem algo que eu deva saber sobre os homens franceses? Não sei nada sobre eles. Não tive muitos namorados. Não sou uma entendida do assunto. Você tem quantos anos? Nem a minha mãe sabe disso!

Você começou tocando o quê? Bem, comecei a tocar piano e guitarra quando tinha 10 anos. Depois veio a banda que era Neman, do Herman Dune, e eu. Eu tocava guitarra, teclados e cantava, e ele tocava bateria e teclado. Tocava bateria eletrônica também e ele cantava também.

Como foi crescer com uma família de músicos? Bem, não sei como foi crescer com a minha família realmente porque não conheci nenhuma outra forma de crescer. É muito difícil ter uma visão objetiva da sua própria história. Mas posso dizer uma coisa: tem sido maravilhosa. E dividir música é a melhor coisa. Sempre me senti apoiada e inspirada por aqueles a minha volta. E, ao mesmo tempo, eles têm me dado bons exemplos e me fizeram querer fazer a minha própria coisa. Você tem uma lembrança favorita da sua infância? Não sei... Mas algo entre andar de bicicleta com os meus irmãos na nossa casa na Suécia e pegar onda com a minha família no Marrocos. Você cresceu escutando o quê? Muito hip hop, gostava muito. Muita música dos anos 60 e 70 também, como Velvet Underground, Elvis, e, claro, música dos anos 90, como Sonic Youth, Nirvana, Cypress Hill, Technotronic... Você lembra da sua primeira música? Sim, se chama “Poor Little Panda”. Era uma bateria eletrônica, muitos sons loucos de sintetizadores e o meu vocal. Está no meu primeiro disco. Escrevi quando tinha 17 anos. É uma história de um urso panda que está andando na areia no zoológico quando não deveria estar fazendo isso. Quem são os integrantes atuais da sua banda? Eles variam o tempo todo. Nos discos e nas turnês eles mudam de acordo com onde estou e com quem estou. O meu penúltimo álbum

foi gravado em Nova Iorque. Jack Lewis toca guitarra nele. Nan Turner, da Schwervon, toca bateria. Rachel Lopson faz a segunda voz. Sam Grossman, do Wowz, canta comigo também. Emmet Kelly, de Chicago, também. Depois fiz turnê desse disco acompanhada por uma banda inglesa chamada Oil Rig Catering. O meu último disco foi gravado em Chicago com Emmet Kelly e Lery Bach. Acabei de voltar de uma turnê com a banda The Wave Pictures na Inglaterra. Nossa, você deve ter muitos discos. Poderia fazer uma discografia? 900 Kilometers from Lund é um disco com 22 canções gravadas em dois dias. A minha primeira banda com Neman. Algumas das músicas ele que escreveu. Ele tocou bateria e cantou, enquanto toquei guitarra, teclados, bateria eletrônica e cantei. Lisa B Wants to Play Guitar With AHD que são músicas que escrevi e toquei com o meu irmão, Andre. Foi gravado em um mini disc. Lisa B and Hanna W são músicas escritas e feitas com a minha amiga americana Hannah. Li-Lund Lost It são músicas escritas e gravadas entre Paris e Chicago com Emmett Kelly. Li-Lund Ran Away é o meu primeiro álbum pela Smoking Gun Records. Foi gravado em Nova Iorque com Jack Lewis, Rachel Lipson, Nan Turner, Sam James e Emmett Kelly. O seguinte, gravado em Chicago, é Heavy Horse com Emmett Kelly e Leroy Bach. Broken Brooklyn foi gravado por mim em Nova Iorque. Angela, do Baby Skins, canta comigo. Kiss My Drummer foi gravado em Nova Iorque. Murder in Blur são músicas que escrevi e gravei com Jeff Lewis em Nova Iorque. É a nossa banda Heart of Blood. De onde vem o seu amor por animais? Não sei, sempre fez parte de mim. Qual é a sua motivação? Não sei. Música apenas sai naturalmente, é o que amo fazer. Não consigo pensar em não fazer música. Só faço. Em quem você buscava inspiração? Acho que sempre tive algo a expressar. Era muito preguiçosa para aprender música de outras pessoas e mesmo assim ainda sentia que queria tocar, então tive que escrever a minha própria música.

www.myspace.com/lisalilund

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JUNIOR BOYS Ana Garcia conversa com Jeremy Greenspan Foto: Divulgação Eu lembro de ter visto vocês bem tímidos durante o Sonar em São Paulo. Como foi a experiência? Eu amei o Brasil. Na verdade, eu tenho família em São Paulo, mas foi muito diferente do Canadá... Bem mais louco e mais perigoso, mas tivemos bons momentos. A comida é maravilhosa, mas às vezes estranha. Tipo o quê? Teve uma moça que cozinhou uma comida bem caseira, com arroz, feijão e uma lapada de uma bebida alcoólica muito ruim. Pitú? Sim. Mas eu comi o melhor sushi da minha vida. Você se sentiu deslocado? Isso é uma subestimação. Canadá é enorme e vazio e pode ser tão frio e desolador, enquanto Brasil é... Bem, praticamente o oposto. Você gosta de viajar? Depende do dia que você me pergunta. Eu fico cansado e doente e frustrado, mas eu também amo conhecer pessoas novas e ver os fãs nos shows. Você não sente que está perdendo algo em casa? O tempo todo, mas quando estou em casa eu sinto que estou perdendo algo na turnê. Você lembra do primeiro show? Eu não lembro... Eu acho que tocamos com uma banda que eram todos modelos masculinos... Então conta alguma história legal da sua turnê. Uma vez estávamos viajando durante dias sem pausa e quando finalmente nós chegamos à Califórnia, eu decidi ir para a praia e fui queimado por uma arraia. Outra vez estava tocando em Oklahoma e uma barata caiu na minha cabeça no meio de uma música. Você já quebrou o coração durante uma turnê? Sem comentários... Tá, que local você adora tocar? Eu gosto muito da Suécia e da Alemanha... Onde você tem mais fãs? Eu acho que temos mais fãs em cidades grandes americanas como Nova Iorque, Chicago, LA. Qual é a recomendação para fazer uma boa turnê? Leve muitas vitaminas. www.juniorboys.net

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Palavras: Fernando Seixlack Ilustração: mooz

Já faz um tempo que passo horas do dia baixando música na Internet, o Soulseek é meu programa preferido, lá pego em média três discos por dia e alguns vídeos. Pra ser sincero, não ando comprando muitos discos ultimamente, só algumas coisas que encontro em sebos. Escuto muito som no computador e o que eu mais gosto ou o que me chama mais atenção na primeira audição “queimo” em CD-R pra ouvir no carro (meu local predileto pra ouvir som). Talvez no Elma, eu seja o cara que tem o gosto musical mais diversificado, escuto de tudo um pouco. Ando ouvindo bastante o disco novo do Neurosis Given to the Rising que lembra os trabalhos mais antigos da banda, bem mais pesado que os últimos dois discos, ainda nem foi lançado. A volta do Dinosaur Jr. me agradou bastante. Apesar de parecer picaretagem esses retornos, achei o Beyond bem fiel ao estilo da banda. O disco novo do M. Takara, Conta, na minha humilde opinião o melhor que ele já gravou, mesmo sendo o mais pop e “acessível”. É difícil falar tudo, mas poderia incluir nessa lista mais esses aí ó: Senile Animal do Melvins - excelente disco, pra quem pensou que eles já estavam meio velhos, Year Zero do NIN - disco que tem mais a “pegada” dos antigos, We Were Dead Before the Ship Even Sank do Modest Mouse (uma das minhas bandas preferidas) - achei o disco mais animado que o último, Rap É Compromisso do Sabotage (o melhor disco de rap nacional) - mesmo não sendo um estilo que escuto muito, acho que todo mundo deveria ouvir pelo menos uma vez, A Fever You Can’t Sweat Out do Panic at the Disco - podem rir, mas adoro esses caras, Unbreakable (A Retrospective) do Afghan Whigs - não costumo gostar de coletâneas, mas a escolha das músicas dessa é muito boa e fiel à banda e por falar nelas (coletâneas), deixo aqui a dica de outras duas: Früher War Auch Nitch Alles Gut da banda Japanische Kampfhörspiele, que reúne musicas da fase 1998 - 2002 e The Destroyed Room B-Sides and Rarities do Sonic Youth, que no próprio título já deixa claro do que se trata. Isso sem contar os clássicos que vão e voltam, Cartola, Lemonheads, Shellac, Ratos de Porão, Helmet, Depeche Mode, Brutal Truth, Anthrax, Descendents, Nasum, Garage Fuzz, Napalm Death. Acho que também vale citar o que ando vendo e ouvindo na televisão, o novo DVD do Racionais MC’s 1000 trutas 1000 tretas que além de um show da banda conta com vários extras interessantes, como um documentário sobre a origem dos bailes black em São Paulo, o DVD do Isis Clearing the Eye com som perfeito e imagem mais “foda” ainda, o DVD do Tortoise ou o do Bad Brains do show no CBGB’s de 82, as coletâneas de vídeos baixados no You Tube em CD-Rs pra ver “tranqüilo” no DVD e por aí eu vou nesse ritmo “frenético”, anotando as dicas do meu parceiro Berna (viciado em som, guitarrista do Elma e baixista do Are You God?), sempre ouvindo coisas novas sem parar, mas sem perder as antigas referências.

www.myspace.com/hellma


Palavras: Tathianna Nunes Ilustração: Allan Szacher a.k.a. Zupi Fotos: Patrícia Caggegi

Encontrei Jair Naves, líder do Ludovic, em uma livraria na Av. Paulista, em São Paulo. Demorei um pouco para reconhecê-lo no meio da sessão de discos. Ele parecia tímido, um pouco desconfortável, bem diferente da impressão deixada pelos shows. Talvez a falta de costume com entrevistas ao vivo – normalmente ele responde por e-mail. Mas nada melhor que uma conversa cara a cara para a pessoa se abrir e mostrar, nem que seja um pouco, como ela é. Jair Naves é uma pessoa intensa que encontrou na

música uma forma de controlar seus sentimentos, contradições, fragilidades e incertezas. Por esses motivos, Ludovic caminha ao encontro de uma música que cada vez mais se torna “única” e incatalogável. Sua música direta, honesta e furiosa flui por diversos estilos musicais e faz do Ludovic uma banda querida para os amantes de hardcore, indie-rock, pop-rock, entre outros. Procurando falar de suas frustrações cotidianas e de suas limitações diante da vida, Jair se espelha em músicos que carregam uma áurea densa e pop como Jarvis Cocker, Morrisey e Renato Russo com sua Legião Urbana. coquetel molotov | julho 2007 | número 3

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Você lembra qual foi o primeiro disco que você comprou? Acho que o primeiro foi o Dois, da Legião Urbana. Em 86, a época que saiu, lembro que meus irmãos escutavam muito. Aí, no mesmo dia que minha mãe nos levou ao shopping, compramos outros discos: Cabeça de Dinossauro e Vivendo e Aprendendo. Tinha uns seis anos de idade, mas escutei o Cabeça de Dinossauro e achei a coisa mais revolucionária.

que não (risos), não estava, que ia ser prejudicial para ambas as partes, mas eles colocaram. Agora acho que as pessoas já estão acostumadas. Mas, o nosso nome não vem do filme Laranja Mecânica, vem de outro filme, um belga ou francês, não sei a origem do filme até hoje, mas se chama Minha Vida em Cor de Rosa. O protagonista se chama Ludovic. Gostei do filme, achei o nome sonoro.

Foi nessa época que a música entrou na sua vida? Como isso aconteceu? Foi através da minha família. Nunca pensei em ser músico. Sempre gostei mais de escrever do que de compor. Tive um professor de redação, na época do colegial, que me incentivava a escrever letras de música. Sempre gostei muito mais de bons letristas do que de bons músicos. Até por isso gostava de Legião Urbana quando era pequeno. Quando descobri o punk rock, já tinha estudado um pouco de inglês e entendia o que o cara estava falando. Aquilo me abriu portas. Foi muito definitivo na minha vida.

Incomodou a mudança de nome da banda para Ludov? Nossa, foi muito chato. Acho que para eles também deve ter sido, afinal os nomes são bem parecidos... A grafia é muito parecida, a pronuncia nem tanto. Logo no começo, quando estorou a história, no auge deles, a gente meio que falava mal deles dentro do show. Mas, normal, era uma brincadeira.

Como formou o Ludovic? Ludovic começou em 2000. Na época, tocava em outra banda de São Paulo, era baixista do Okotô. Tinha uns 17 anos, mas não era uma banda minha e, por isso, as músicas que escrevia ficavam a parte. Eu queria gravá-las, então, chamei dois colegas de escola. Mas foi algo muito despretensioso. Nós queríamos gravar só para ter o registro e colocar na internet para ver se alguém gostava. A formação da banda hoje não é a mesma daquela época e as pessoas que estão comigo agora conheci dividindo palco e estúdio com as bandas deles. Eduardo (guitarra) e Fábio (baixo) eram de outra banda chamada Bonnie Situation. Quando os conheci, eles eram muito menininhos, bem mais novos que eu. Zé (guitarra) era do Shed e Júlio (bateria) era do Dance of Days. Vocês conseguem ganhar dinheiro com shows? Notei que vocês conseguem manter uma boa agenda. São Paulo é uma cidade muito segmentada, você deve ter percebido isso. Banda de hardcore não toca com banda indie que não toca com guitar band e tal. Nós somos uma das pouquíssimas exceções que transitam por esses meios. Como a nossa banda é meio inclassificável, tem certa facilidade neste sentido. Um dia desses tocamos com o Supercordas, outro dia, sei lá, com o Cólera, outro dia com o Vanguart. Você acha que existe algum motivo especial para isso? Fábio “Nenê” Altro, do selo Teenage in a Box, escutou a primeira demo, que tinha quatro músicas, e adorou a banda. Na verdade, ele foi o responsável pela banda voltar. Na época, eu estava morando nos Estados Unidos, já tinha meio que desencanado de tudo e aí ele mandou um email falando que queria lançar o disco quando voltasse. Em 2003, voltei e chamei algumas das pessoas que estão na banda até hoje. Por isso que a gente toca muito no meio hardcore, a gente tocava e viajava muito com a banda dele. Então, essa coisa de tocar com bandas de estilos diferentes, eu acho ótimo. A última coisa que queria era ficar preso a um segmento. Vocês já foram confundidos com o Ludov? De onde vem o nome? Muito! Algumas pessoas sempre aparecem no show pensando que é o Ludov. Vai ver que é porque o Ludov surgiu depois. Eles eram os Maybees, depois virou Super-trunfo. Na época que eles foram o Supertrunfo, o Ludovic já tinha uns dois anos. Aí, um dia, a menina me ligou perguntando se estava tudo bem se eles passarem a usar Ludov. Eu falei

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Vocês chegaram a tirar onda! Vocês se apresentaram como Ludov uma vez! Sempre fazemos. Tocamos no Campari Rock, no ano passado, e vários sites comentaram que eu falei: “Ah, somos o Ludov”. Foi engraçado, mas, hoje evitamos fazer esse tipo de brincadeira. É, passou também... É, passou. Hoje, somos todos os grandinhos. Você tem um sonho de tocar com alguma banda? Têm tantas bandas que amo. Gosto muito do Supergrass e, no ano passado, tivemos a oportunidade de tocar com eles e, sei lá, foi legal. É bom conhecer os caras, mas tem aquele ditado “não conheça seus ídolos” e é bem por aí. Perde a magia... Nossa, perde muito a magia. Não consigo mais escutar hoje em dia. Mas eu gosto muito de tocar com bandas brasileiras. Nós estamos com uma safra muito boa de bandas. Tem umas que são até desafiadoras de tocar junto. O Vanguart é uma delas. Eles acabaram de se mudar para São Paulo. Tem dois deles morando comigo e a gente evita marcar show juntos por causa de uma admiração mútua. Tem a Charme Chulo de Curitiba que é uma das bandas que mais amo e acho sensacional. Você acredita que em alguns anos essa cena vai se estruturar? Não acho. O cenário nunca foi tão rico e diversificado, mas, ao mesmo tempo, poucas vezes foi tão difícil manter uma banda. A banda grava e lança uns dois discos e depois resolve parar por falta de incentivo e condições mesmo. Avançou um pouco porque descentralizou a questão do fora do eixo, mas ainda tem muito pilantra no meio, as bandas levam muitos calotes... Você já levou algum? Nossa, tantos! Tenho envelopinho com cheques sem fundo que guardo com carinho até hoje. Cita umas pessoas que assinaram esses cheques. Interior de São Paulo é bem complicado. A capital é mais confiável. Quando a distância é grande como Goiânia, e até mesmo o Nordeste, estamos pedindo para receber adiantado. É meio ingenuidade... Você acredita na palavra das pessoas. A gente já foi tocar em alguns lugares, naquele esquema de tocar 4h da madrugada e ficar esperando até às 7h para receber, morrendo de fome, longe de casa, às vezes você tem até que ir para o trabalho no dia seguinte, e aí o cara diz que vai fazer


o balanço da bilheteria e que deposita para você na segunda. Aí passa semanas e nada. A gente era muito novo, muito ingênuo. Estávamos ali pela música e achávamos que as pessoas também. Não sei se você já passou pela aquela fase na vida que as pessoas que gostam da mesma música que você são seus amigos, sabe? Como funciona o processo de composição dentro da banda? Até Idioma Morto [Travolta, 2006] era tudo muito centralizado porque eu fazia quase tudo. Por vários motivos, como ser o membro mais antigo e por ser maníaco por controle. Mas, com o passar do tempo, eles foram me inspirando mais confiança e hoje está mais descentralizado. Geralmente fazemos as músicas e faço as letras um pouco antes de gravarmos as vozes. Procuro dar uma importância gigantesca para as letras e tento fazer o melhor possível. Não que seja grande coisa nem nada, mas para que não me arrependa depois, embora às vezes aconteça. Sempre acontece... É, então. Sou fã do Smiths e é aquela coisa mais pessoal possível e você se ferra, se arrepende. As pessoas perguntam “ai, porque você falou isso”. Qual é a sua inspiração? As bandas que gosto. Tenho uma relação de posse com elas. Daniel Johnston, por exemplo, quando encontrei outro fã dele fiquei morrendo de ciúmes (risos). Ainda bem que a banda me ajuda neste sentido, aprendo a dividir com as outras pessoas. Até no processo de compor eles estão me ajudando. Somam influências diferentes e isso é bom. Não queremos ficar presos a rótulos de banda. “Ah, banda de rock pesado”. Já nos chamaram até de Joy Division brasileiro. Já nos chamaram de Fugazi, Titãs... Qual foi a pior coisa de que chamaram vocês? Ah, quando vai para aquele lado de Legião Urbana é sempre incômodo, até porque não acho que pareça muito. Mas, a pior coisa... Uma vez, falaram que tínhamos uma música que parecia System of Down. Nossa, eu perdi o sono (risos). Você parou de tocar essa música depois? Sim, coincidentemente, não está mais nos shows. A música é “Atrofiando/Recém-convertido/Ex-futuro Diplomata”. A primeira desse disco. A nossa tentativa de ópera-rock.

você? É um efeito muito mais forte do que gostaria. No começo, era muito difícil pelo fato de ser tão pessoal e eu sou uma pessoa tão tímida. Cantar essas letras exigia um esforço que não sabia lidar direito. Até hoje, com sete anos de banda, pela relação que tenho com a minha música, ainda é muito difícil. É uma experiência muito conflitante e terapêutica. Já até chorei no palco, já fiquei com vontade de morrer e outras coisas bem vergonhosas. Mas também cresci ouvindo The Smiths, Pulp e Bob Dylan. São bandas que gosto, que despertam algo em mim. Acho que esse é o problema de algumas bandas brasileiras que valorizam muito o hype e que, muitas vezes, não tem essência. Não vejo como alguém se identifica com essa coisa. Acho que hoje em dia a música não é a principal coisa para uma banda ser reconhecida e sim ela ter algo diferente como ter dois irmãos gêmeos albinos que tocam harpa distorcida. Alguém já chegou a você para falar o efeito que sua música teve nela? Sim, já, e é uma coisa que vale muito a pena. É engraçado, não dá para dizer que nunca pensamos em parar de tocar, por vários motivos, e chega alguém e fala alguma coisa comovente. Teve uma pessoa que me falou que a nossa música tem a mesma carga de “There is a Light that Nevers Goes Out” (do Smiths) e isso foi emocionante. Não somos uma banda popular, mas temos um público muito fiel, dedicado e, então, escutamos algumas coisas maravilhosas que ainda não sei como reagir. Você está um pouco pensativo. O que está pensando agora? Que o Campari Rock foi uma experiência muito difícil. Nós tocamos com bandas grandes, num equipamento pífio e recebemos críticas que foram demolidoras e fizeram nossa imagem no Brasil inteiro. Por exemplo, falo com uma pessoa de Porto Alegre que a gente nunca foi para lá e “eu conheço Ludovic e todo mundo fala que é uma merda”. Nós fomos tocar com Supergrass e nos deram um amplificador do tamanho de um radinho de pilha. Esse episódio meio que foi um divisor de água. Sentamos e “oh, a banda é assim, nem sempre vamos agradar todo mundo. Vocês querem continuar? Ah, então vamos continuar”. Sei lá, mas me orgulho muito do que a gente faz. Se fosse pensar em uma outra banda do mundo para tocar, não sei se iria encontrar uma em que me encaixasse mais.

www.ludovic.com.br

Idioma Morto tem um tema? É um disco que passa muito a idéia de abandono. Não só no sentido amoroso ou sentimental da coisa. É um disco bem mais complexo e diversificado que o anterior. Foi uma época bem difícil, estávamos passando por uma fase turbulenta. Nós éramos tidos como o underground do underground de São Paulo. Foi até um jornalista daqui, não lembro se foi o Lúcio (Ribeiro) ou o Finatti, que disse que éramos os expoentes disso. Só que aí, bem na época que estávamos gravando o disco, fomos convidados para tocar em festivais maiores. Fomos para um negócio da MTV, então teve um racha no nosso público. Aquela velha coisa do “vendido” e isso refletiu um pouco no clima do disco. Você parece se envolver muito com a sua música. Que efeito ela provoca em

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Palavras: Rogerman (Bonsucesso Samba Clube) Ilustração: Frederico Melo

Bem, quando fui convidado para fazer este Top 20 pensei como agruparia tantas vertentes do que estou ouvindo atualmente. Cheguei à conclusão de que seria o samba o mote maior, mas não aquele tão requentado e sim os que têm real importância e que deram origem à coisa. Outra corrente seria a dos sambas e autores com o pé no experimentalismo, no jazz, na Blue Note e arranjos de orquestras. De outro lado queria mostrar o reggae que não toca muito, os que têm larga influência tribal e a música que mudou o rumo da história na indústria fonográfica. Por fim tentei botar um pouco do que gosto e assim saiu esta seleção.

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Edu e Betânia

Roberto Silva

Elenco (Continental) Edu Lobo e Maria Bethânia bem novinhos e fazendo um som novo, melodias ricas e divisões maravilhosas. É música de agora. Música para sempre porque isso não tem tempo, não tem moda e nem precisa ser ressuscitada a cada dez anos. Apesar da pouca idade, a gente vê muita maturidade nos arranjos típicos daqueles que são predestinados.

Descendo O Morro (Copacabana) Samba como antigamente. Este disco faz lembrar a época em que o samba era coisa de degenerado. Apesar da dureza da vida, temos aqui muita poesia, retratos e relatos do dia a dia com voz forte e natural. É perfeito como um samba ainda mais cadenciado e até falado. Às vezes é bom para lembrar que a vida pode ter um ritmo diferente.

Elizeth e Zimbo Trio

Milton Banana

Balançam A Sucata (Copacabana) Gravado na “Buate Sucata”, a divina e o Zimbo Trio protagonizaram momento memorável para os que tiveram a sorte de estar no lugar certo e na hora certa. Uma música para iniciados. Coisa fina essa música levada ao ápice da técnica e emoção. Por causa dos senhores que aqui tocam, a música feita hoje em dia, seja acústica ou eletrônica, deve tudo ou quase tudo a eles: ritmo e melodia usados até os dias atuais.

Milton Banana (EMI) “Ladeira da Preguiça” de Gil, “Maracatu Atômico” de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, “Folhas Secas” de Nelson Cavaquinho, entre outras. Milton Banana envenena essas e outras músicas com seu estilo único e moderno de tocar bateria. Ele colocou o instrumento a serviço da música brasileira e deu a ela inovação e técnica, acompanhando de feras como o maestro José Briamonte. É um disco obrigatório para estudar o potencial da bateria na música brasileira.

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Elis Regina e Jair Rodrigues Dois na Bossa Vol.2 (Philips) Com o acompanhamento de Luis Loy Quinteto e Bossa Jazz Trio, o Dois na Bossa traz Elis e Jair Rodrigues em momentos mágicos. Devido ao enorme sucesso da primeira edição, este disco é a continuação do estrondoso sucesso da dupla que foi lançada ao patamar de estrelas em meados dos anos 60. Este projeto ajudou e muito a divulgar a nova musica brasileira que estava sendo feita, atingindo seu auge nos anos 70.

Clara Nunes Brasil Mestiço (EMI) Clara Nunes é a rainha-deusa da fusão afrobrasileira. Alegre, despretensioso e cheio de raiz, o disco contém a clássica “Morena de Angola”, de Chico Buarque. Brasil Mestiço coloca Clara Nunes no patamar das maiores estrelas da música brasileira. Junto a Martinho da Vila ela é uma das grandes representantes da popularização da cultura dos


Rico Rodriguez

Erasto Vanconcelos

Martinho da Vila (RCA-Victor) Dando seqüência à história do Samba, este pode ser o melhor disco de Martinho. Em primeiro lugar, ele é rico em todos os níveis de informação. Em segundo lugar, é totalmente atual. Em terceiro, tem uma das capas mais bonitas da época. Contém músicas de Martinho, Relado Hora, Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Um clássico.

Man From Wareika (Island) Ex-trombonista do lendário The Specials, Rico Rodriguez é a figura do trombone no ska. Seu disco traz ainda reggae e ritmos latinos. Seu som é quente e feroz ao mesmo tempo, cheio de nuances e melodias irresistíveis. Ele teve grande influência para o meu novo trabalho fazendo uma sonoridade simples sem parecer simplório. Como seria bom se músicos como ele fossem mais conhecidos no Brasil. Sua sonoridade tem muito a ver com o nosso clima e nossa cultura festiva. Perfeito para um verão ensolarado na beira da praia.

Jornal da Palmeira (Candeeiro Records) Erasto é para mim o maior compositor brasileiro vivo. Conversar com ele é uma experiência única e extremamente rica. Seu CD é um relato das suas melhores e piores fases. Erasto, que já tocou com nomes consagrados e morou fora do Brasil, fez um disco que fala dos seus quintais, provando que dependendo do olhar, o seu quintal, a sua cidade e a sua rua podem se comunicar com o mundo. Jornal da Palmeira é uma aula de simplicidade e cheio de histórias para contar. Disco obrigatório em qualquer festa em que a felicidade seja uma obrigação.

Rockers

Secos e Molhados

Siba e a Fuloresta do Samba

Soundtrack (Island) Anos 70, Jamaica. O reggae toma conta do mundo e lá nas terras de Bob Marley, um filme é rodado mostrando todo o cotidiano dos moradores das favelas e guetos jamaicanos. Muita música boa e aparições impagáveis de músicos que na época já trilhavam um caminho de sucesso como Gregory Issacs, Burning Spear, Leroy Wallace, Jacob Miller, Robbie Shakespeare, Augustus Pablo e muito mais. O mundo era rock, mas eles mudaram tudo.

A Volta de Secos e Molhados (Chanteclair) Não só foi a primeira grande banda brasileira, como foi a primeira a ser visada pelo mercado americano, tal a força dos quatro na época. Lotavam ginásios e estádios de futebol. No disco há clássicos como: “Sangue Latino”, “O Vira” e “Rosa de Hiroshima”. Disco muito importante por contar uma época do Brasil. Se não é considerada uma obra-prima, é, pelo menos, necessário para entender o futuro. E Ney Matogrosso é um dos maiores interpretes da música brasileira.

Siba e a Fuloresta do Samba (Independente) Siba ficou conhecido quando tocava com o grupo Mestre Ambrósio, onde já mostrava sua veia para a musica regional pernambucana. Tendo estudado música na Universidade Federal de Pernambuco, foi lá que descobriu a música do interior. Diferente de outras pessoas, Siba não se apropria da cultura desse povo, ele aprende com eles, compõe com eles e os coloca no circuito brasileiro e internacional. O disco é como se você estivesse em uma grande festa num sitio do interior de Pernambuco. É uma comemoração sem fim da cultura e da originalidade de um povo. Siba demonstra como deveria ser tratada uma informação tão preciosa, respeitando e divulgando aquilo que existe há séculos sem se tornar dono dela.

terreiros na música brasileira. Clara Nunes morreu cedo, mas deixou um legado musical e estético que soa contemporâneo até hoje.

Martinho da Vila

Bob Marley Catch a Fire (Island) Clássico dos clássicos. Pedra fundamental do que seria a música no mundo. Enquanto a América e a Europa ouviam Beatles e Rolling Stones, os jamaicanos nos deram uma nova possibilidade usando a mesma formação eternizada pelo rock: guitarra, baixo e bateria. O mais importante é que, sem o menor pudor, introduziram elemento de folk e R&B na sua música e deu no que deu. Pra mim, esse disco é o Dark Side Of The Moon do reggae. E sua vida útil não tem fim, pois a cada audição você descobre novos elementos, novos vocais e novas possibilidades. Em minha opinião, está entre os melhores discos de todos os tempos.

Sivuca Cabelo de Milho (Copacabana) Este disco é a revelação de que ser brasileiro é antes de tudo ter amor ao ritmo e às melodias complexas que só o mestre Sivuca poderia desenvolver. A música de Sivuca flerta com a música do mundo e me dá certeza de que a globalização é mais antiga que podemos imaginar. Ele mostra, sem pena, que nos interiores do Brasil, há muito tempo, a cultura popular é muito rica e que a cada dia cria deuses a granel.

Tim Maia

Things Fall Apart (MCA) Rap da melhor qualidade. Grooves de responsa com muito suingue e som para dançar muito. Rap para se divertir e botar em festas. Se o lance for descontrair, a melhor pedida é acordar pela manhã e colocar logo a faixa 3. The Roots se consolida ano após ano como uma banda de rap que, diferente de outras, aborda assuntos inteligentes e de real importância sempre fazendo parcerias e gravando discos criativos. Disco essencial para quem gosta de rap.

Racional (Universal) Quando Tim Maia resolveu falar com Deus, ele quase conseguiu. Digamos que ele chegou à ante-sala do Senhor. São dois discos que compõem uma das mais perfeitas obras de um compositor brasileiro. Muito funk, muito soul e vocais onde Tim Maia quase alcançou a perfeição. Mesmo tendo renegado este período da sua vida, não se pode negar que foi um dos melhores momentos da sua carreira. Quem proclama aos quatro cantos que gosta de música, tem que ter este documento intitulado Tim Maia Racional.

Moacir Santos

Céu

Coisas (Universal) Moacir Santos foi um pernambucano radicado nos EUA, saxofonista arranjador, instrumentista hábil e criativo. O disco Coisas, um instrumental com muita classe, possui arranjos riquíssimos e uma sonoridade típica da Blue Note. Foi a melhor mistura de música brasileira com música negra americana que já pude ouvir. Sempre acompanhado de feras, tanto brasileiros quanto americanos, Moacir infelizmente foi pouco conhecido no Brasil. Tom Jobim, João Gilberto e toda a Bossa Nova devem ter ouvido muito Moacir Santos, um gênio para o mundo, mas um desconhecido no Brasil.

Céu (Ambulante discos) Cantora e compositora da novíssima geração, Céu vem desenvolvendo um trabalho que pode se tornar um marco para a nova musica brasileira. Seu disco traz melodias que fazem relaxar com um instrumental muito agradável aos ouvidos e uma sonoridade que mistura o melhor da música eletrônica com o fino da música brasileira. Céu pode ser, em pouco tempo, alçada ao patamar das melhores intérpretes brasileiras. Com uma diferença: seu estilo não apenas cativa os ouvidos brasileiros, mas ainda tem potencial para agradar os ouvidos do mundo.

The Roots

Eddie Original Olinda Style (Independente) Na época, quando todos pensavam que o Eddie tinha acabado, Fabinho e cia nos presentearam com esse disco memorável, retrato singular de uma cidade, seu povo e seus costumes sem saudosismo ou tristeza. O Eddie faz uma homenagem calorosa, espiritual e colorida. O disco do Eddie traz Olinda em festa com suas gírias, suas garotas, seu futebol e uma cerveja bem gelada. Quem não gosta desse disco deve achar que o rock só deve falar de coisas tristes.

Lee Scratch Perry Arkology (Island) Arkology na verdade é uma caixa com três discos numa homenagem ao grande Lee Perry. Para quem não o conhece, ele foi responsável junto com a turma de Bob Marley e outros, pelo movimento reggae na Jamaica. Foi o mais importante inventor da pósprodução musical, elevando este processo a uma quase-música. Por conta dele, a cultura dos DJs e dos remixes propagou-se pelo mundo. Esta caixa traz um retrato fiel do trabalho desse gênio do estúdio. Você pode ouvir uma mesma música com até três ou quatro versões. E a partir disso você percebe sua importância no movimento da época. Mas este não é um disco para iniciantes, pois, de repente, podem achar cada disco é igual ao outro.

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Palavras: Rodrigo Santis Ilustração: Carlos Reinoso

Há quase dez anos, em 1998, nasceu Quemasucabeza com uma única ambição: lançar o primeiro trabalho da minha antiga banda, a Congelador. O lançamento do disco Congelador sob esta etiqueta foi a primeira etapa do selo. Logo em seguida, o Quemasucabeza começou a tomar forma ao lado de Walter Roblero e Jorge Santis. Nesta época, quase não existiam selos independentes no Chile, devido aos altos custos para registrar e lançar um disco de uma maneira moderadamente profissional. Até então, todas as tentativas apresentavam uma certa precariedade técnica que acabava por deixar os músicos insatisfeitos. Além disso, era uma época em que as gravadoras multinacionais apoiavam o que se conhecia massivamente como rock chileno, dando espaço a projetos que ocupavam os clichês dos grandes grupos estrangeiros que prevaleceram comercialmente naqueles anos. Mesmo assim, paralelamente, existiu um número interessante de bandas e artistas que apostavam nos próprios sons, explorando as diversas facetas da música: LEM, Yhajaira e Tobías Alcayota são alguns exemplos. Embora no começo as suas apresentações ao vivo congregavam um público reduzido, pouco a pouco o interesse por esses artistas foi crescendo pelas mídias especializadas de música (como as rádios universitárias e as pequenas revistas/zines) que deram mecanismos para uma cena se fortalecer na sombra, registrando as apresentações e promovendo os shows dessas bandas. Então, lançar um disco com influências dos estilos mais experimentais nessa época era considerado um atrevimento. Não somente porque a limitação dos recursos financeiros nos forçava a realizar gravações de baixa qualidade, como também os espaços onde se podiam mostrar uma obra dessa característica eram poucos. Mas aceitamos o desafio movidos pela necessidade de mostrar o que a Congelador fazia, embora os interessados fossem somente dez pessoas. Concluída a primeira etapa, o trabalho do selo se concentrou nos lançamentos dos discos da própria banda e a alguns dos nossos projetos paralelos. Aos poucos, as coisas foram mudando e não demoramos para estabelecer uma linha editorial que abriu as suas portas para outros grupos que compartilhavam as nossas necesidades e se deparavam com os mesmos obstáculos. Nessa dinâmica, além dos quatro álbuns do Congelador, demos luz a projetos pessoais de nomes como Rodrigo Santis / Campos de Hielo e Paranormal; ao único disco da banda punk desaparecida Dia Catorce, que foi o primeiro grupo a se influenciar pelo motim das Riot Grrrls (algumas das suas integrantes tocam hoje com o grupo Las Jonathan); ao breve projeto de rock instrumental da banda Griz e ao minimalismo do duo Mostro. Todos eram projetos que musicalmente renovaram a cena musical chilena com propostas muito diversas, mas que tinham como o denominador comum o compromisso com a gerência independente.

A chegada do novo século coincidiu com a abertura de novos espaços facilitados pela massificação da internet e pelo interesse de alguns meios de comunicação que começaram a ver nessa cena musical um nincho que aumentava cada vez mais com um público específico interessado apenas na música. O maior acesso a tecnologia que permitiu aperfeiçoar a qualidade das gravações também facilitou as coisas e tornou possível sonhar com a possibilidade de ampliar o catálogo do selo, que já estava sofrendo uma estagnação. Foi então que nos concentramos em unir as motivações realmente artísticas, que nos tinham inspirado desde o começo, com a necessidade de criar uma empresa que aspirasse a profissionalização. Essa aposta implicou uma reconstrução da Quemasucabeza, que se consolidou em 2005 com a presença de Rodrigo Madrid (diretor executivo), a jornalista Carla Arias (encarregada pela comunicação) e este que escreve o texto, agora como diretor artístico. Isso melhorou os aspectos mais fracos da operação, definindo claramente os funcionamentos de cada um daqueles que integram o selo e iniciando uma nova etapa, dessa vez não orientada apenas para lançamentos de discos, como também produção de eventos e trabalhos de booking dos seus artistas. A primeira referência deste período foi a compilação Panorama Neutral, o disco que nasceu com a idéia de divulgar para além das fronteiras do Chile as bandas que nos pareciam interesantes e dignas de serem reconhecidas pelo resto do mundo. Foi assim que, no começo de 2005, lançamos este disco com 12 faixas com os mais diversos estilos, desde o pop de Javiera Mena ao eletrônico abstrato de Diego Morales, passando por Fredi Michel, Dormitorio e Shogun. Esse disco conseguiu distribuição na Argentina, EUA, Japão e Europa. Neste mesmo ano, foi lançado o disco Gepinto, do cantor nacional Daniel Riveros, também conhecido como Gepe. O álbum foi um marco na história do selo, já que se transformou em um verdadeiro sucesso de crítica e popularidade. Os ecos deste fenômeno chegaram ao velho continente da Espanha pelo selo Astro Discos (casa das bandas Manta Ray, Steve Gin, The Columpio Asesino) – que havia lançado o disco Cuatro, da Congelador, em 2003. Astro Discos lançou a versão española de Gepinto e cuidaram da turnê de Gepe pela Espanha. Durante 2006, Quemasucabeza lançou os discos: Ensayo ≠ Error, de Familia Miranda, o segundo trabalho da Mostro, Consumido por Pájaros, e a estréia de Javiera Mena, Esquemas Juveniles. Com Mena ocorreu um fenômeno similar ao Gepe: o trabalho foi elogiado por diversas publicações como o disco do ano. Desde então, Quemasucabeza lançou Calmao, de Diego Morales, e o segundo álbum de Gepe, Hungría. A prioridade para o futuro é mostrar para o resto da América Latina os trabalhos dos músicos independetes do sul do continente que trabalham conosco, idéia que vai se materializando com as turnês que teremos nos próximos meses pelo México e Argentina.

www.quemasucabeza.com

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Foto: Frederico Finelli / Divulgação | Ilustração: mooz

hora que li isso o nome me saltou na frente. Mas não queria usar o nome em inglês também. Aí depois de um tempo resolvi usá-lo, só que em português. Como você estava no processo de gravação? O que você estava sentindo, seu humor...? O disco foi gravado no meu quarto, em cassete, em 4 canais durante um ano inteiro. Então, passei por vários humores e sensações diferentes enquanto gravava. Ter tudo ali do seu lado na hora que você quiser é muito bom. Às vezes é meio obsessivo, mas dá certo, pelo menos por enquanto. Fiz umas 40 músicas e escolhi as 13 que entraram para o disco. O que você pretende fazer com as outras músicas? Muitas delas são uma porcaria e não vou usar pra nada. Mas têm outras que eu acho que são lançáveis. De algum jeito elas vão aparecer por aí. Talvez um EP para download gratuito...

Bodes & Elefantes Bodes & Elefantes (Submarine) Chove e São Paulo vira um caos. Entre um universo de luzes, buzinas e conversas, entre outros barulhos, existe uma pessoa sozinha preparando seu jantar movido à uma boa música de fundo. Não é uma música calma, mas dinâmica e orgânica que o ajuda a manter a sanidade no meio do universo caótico que lhe é familiar e confortável. Imagine uma série de outros acontecimentos que mantém o equilíbrio de viver em uma metrópole. Esta é apenas uma das histórias que passaram pela minha cabeça enquanto escutava Bodes & Elefantes, primeiro disco solo do multi-instrumentista Guilheme Granado que, dentre outros trabalhos, integra a maravilhosa banda paulista Hurtmold. É um disco que além de reunir belas melodias e improvisos, ainda consegue elucidar o imaginário de quem o escuta com carinho e atenção. Munido de uma simples mesa de quatro canais, Guilherme Granado levou um ano para captar em fita cassete as 13 faixas do seu disco de estréia. Guilherme abusou de suas habilidades e diversidade como músico e tocou sozinho baixo, bateria, percussão e utilizou sintetizadores para criar um conjunto de melodias orgânicas e cativantes para suas histórias. “Ao Sol”, com a energia de suas batidas (tanto sampleadas ou na bateria), abre o disco que continua com a mesma vibe nas outras duas faixas que se seguem. Aí, o mundo de Bodes & Elefantes vira de cabeça para baixo e o MC Akin aparece inquieto recitando na faixa título (a mais curta do disco, com pouco menos de

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trinta segundos). Mas, logo na seguinte “Sombras Sobram Nesta Sala”, a inquietude cede lugar para batidas mais fortes e serenas que servem de base para a mais interessante música do disco, que no final é isso: uma mistura inventiva de combinações eletrônicas e orgânicas. Tathianna Nunes

Tathianna Nunes conversa com Guilherme Granado: O que te motivou a gravar um disco solo? Está tudo bem com o Hurtmold? O Hurtmold está muito bem. Acabamos de gravar um disco novo que deve sair em agosto. Motivações para criar música são varias, mas uma delas é escutar música. São tantas coisas boas que já foram criadas e isso só me dá vontade de retribuir o favor. Você chegou a mostrar as músicas para alguém da banda? O que eles acharam? Mostrei. Acho que eles gostaram. Não lembro se mostrei para todos. Agora que a master está pronta, preciso entregar umas cópias para todo mundo. Eles são importantíssimos também para esse disco. Todos me influenciam e influenciaram bastante. São família mesmo, pessoas que eu admiro e respeito. Você poderia explicar de onde você tirou o nome Bodes & Elefantes? Eu não queria usar meu nome para o disco. Um dia um amigo me mandou um texto sobre um disco do Albert Ayler. O cara que escreveu dizia que a música soava como um monte de “Goats and Elephants”. Na

Qual a importância desse disco na sua vida? É mais um trabalho. Mais uma maneira de se expressar. Sempre toquei em bandas onde todo mundo compõe junto. É bem diferente de você sozinho, no seu quarto tentando chegar num resultado bom e ao mesmo tempo não ter ninguém para te dizer se está legal ou uma merda. É um bom exercício para qualquer pessoa. Como são feitas as suas composições? O processo é bem caótico. Cada canção começa de um jeito. Nesse disco eu trabalhei bastante com loops, então eu diria que achar um bom loop era umas das minhas primeiras preocupações. Mas não tenho regra. Vou fazendo e vendo no que dá. Qual é a sua música favorita do novo disco? Por quê? A última faixa, “A & M”, eu fiz pensando nos meus pais. Eu a compus pensando na minha relação com eles, na relação deles entre eles e deles com o mundo. São as duas pessoas mais importantes da minha vida, então a idéia de fazer algo pensando neles vem carregada de significados. E eu acho que muitos desses significados nem eu descobri ainda. Você poderia falar um pouco das pessoas que participaram deste disco? O disco só tem uma participação que é o meu amigo Akin. Pedi para ele escrever algo bem aberto, sem um tema especifico. Queria uma faixa com voz e gostei do resultado. Outra pessoa que não necessariamente está no disco, mas me ajudou bastante, foi meu chapa Gustavo Abreu (Guab). Eu editei e finalizei o disco no estúdio dele, então o considero parte essencial desse projeto. A capa foi feita pelo meu amigo e companheiro do Hurtmold, Mário Cappi. Você pretende se apresentar com esse projeto? Sim. A idéia é fazer shows. Vai ser bem diferente do que o disco, porque será uma banda, o que muda completamente o resultado final.


Acoustic Ladyland Skinny Grin (V2) Depois do cabaret punk dos Dresden Dolls e do gipsy punk do Gogol Bordello, estou completamente viciado nesta música que só pode ser jazz punk. Os mais incautos poderão pensar que sou um viciado em punk à procura de todas as possíveis permutações do gênero, mas na realidade sou fanático das ditas permutações, ou seja, cada vez gosto menos dos “estilos” puros e mais dos resultados obtidos com a mistura dos sons de maior disparidade possível. Por isso, fui atrás desta banda e não descobri muita coisa. Apesar de este já ser o terceiro disco (o 2o - Last Chance Disco - também é imensamente recomendável), não tem muita informação deles por aí. Sei que o baterista também é membro do Polar Bear e pelo sotaque dos vocais diria que são ingleses, mas também pouco importa, porque a língua que falam é da música, e soam algo que nunca ouviram antes: post-punk (às vezes quase heavy metal) tocado com saxofone como instrumento principal, em vez da habitual guitarra. É lógico que não poderão deixar de ter referências e por aqui se ouvem traços de Coltrane e Morphine nas faixas mais calmas. O resultado é altamente motivante e entusiasmante e deve ser ouvido por todos que gostem que sua música soe diferente. Bruno Taborda

prova disso o clipe de “I Feel Worse When I’m With You” em que o alegre casal tenta se matar mutuamente inúmeras vezes). É um disco dançante onde os sintetizadores reinam com batidas fortes preenchidas com ruídos estranhos. Longe de ser um disco genial, contém três excelentes exemplos de terrorismo sônico como não ouvia há muito tempo (o já citado “I Feel Worse...”, “Inclined to Vomit” e “Plagued by Fear”). De forma doentia, é um disco bastante divertido, mas é prejudicado pelas faixas instrumentais mais experimentais que honestamente não me convencem. Mesmo assim, o melhor a se fazer é emprestar os nossos ouvidos a este “simpático” casal. Bruno Taborda

Albert Hammond Jr Yours to Keep (New Line Records) Gosto de pensar que Albert Hammond Jr. lançou, solo, o que deveria ser o segundo disco de sua banda original, os Strokes. Sob muitas formas, Yours to Keep é a seqüência perfeita para aquele gosto antigo de novidade que o “Is This It” causou na virada do milênio. Começa tímido, sem deixar pistas de que já na segunda faixa, “In Transit”, estão abertas possibilidades para um som deliciosamente viciante. A voz de Albert é tranqüila, num agudo leve, afogado em agradáveis melodias de guitarras. São 10 hits certos, que o cabeludo lança sem pretensão de se separar da banda que garantiu o salário e fama de novos salva-vidas do rock da geração 2000. Em uma seqüência devastadora, as cinco primeiras faixas têm o efeito imediato de transformar até o ouvinte desavisado em fã. Bruno Nogueira

ADULT. Why Bother? (Thrill Jockey) Nicola Kuperus e Adam Lee Miller são casados e juntos formam o ADULT., um duo de Michigan, Estados Unidos. Sua música é uma mistura de electropunk (com uma tendência para o experimentalismo vanguardista) e lembra uns nomes do pós-punk dos anos 80, como Bauhaus, Siouxsie & the Banshees, ou mesmo o New Order. A atmosfera que se desprende do disco é pesada, insana e carrega o mais escuro dos humores negros (sendo

de provar a que vieram e se eram ou não uma vítima aleatória do hype. O pior pesadelo favorito do título vai para os pessimistas. Em 12 faixas que superam com folga a qualidade do primeiro CD, eles conseguiram montar um repertório que cai bem em qualquer ocasião de festa. “Balaclava”, “D is for Dangerous” e “The Bad Thing” só comprovam o que single Brainstorm (Domino, 2007) previa: os Monkeys são definitivamente uma ótima banda pop. Esse disco é o melhor exemplo da dosagem certa de maldade que o rock precisa para se conquistar seu público. É fácil fechar os olhos em uma das músicas citadas e se sentir transportado automaticamente para a melhor festa do fim de semana. Ter repetido o sucesso de vendas, mesmo circulando inteiro na Internet, só comprova o sucesso. Bruno Nogueira

Arctic Monkeys Favourite Worst Nightmare (Domino Records) Poucas bandas tiveram uma pressão tão grande no segundo disco quanto os ingleses do Arctic Monkeys. Hora

Attack Fantasma (EP) Attack Fantasma (Independente) Elder Fernandes mudou de Castanhal, interior do Pará, para Belém junto a sua ex-banda, Suzana Flag. Baixista e autor de bons momentos do grupo, Elder pulou fora da banda às vésperas de lançar o segundo e esperadíssimo CD para dar vez a um novo vôo, o Attack Fantasma. Com cinco músicas no seu EP de lançamento, a banda já conquistou os fãs do Suzana Flag (que continua na ativa e muito bem intencionado) e mostrou que existe uma veia pop pulsando incessantemente dentro de Elder. Essa veia deu à cena roqueira paraense dois grandes hits: “Central” e “Amor Rock”. As outras três faixas que figuram no EP de estréia da banda, na verdade, são tão boas e pop hits quanto as duas, o que marca o lançamento do Attack Fantasma como um grande acontecimento. Músicas assim têm a missão de devolver ao pop a autoestima que ele perdeu no meio da guerra sem fim por fama, dinheiro e

uma tarde no Domingão do Faustão. Marcelo Damaso

Autoramas Teletransporte (Mondo 77) Segurem-se nas cadeiras, Gabriel Thomaz descobriu o que faz a máquina Autoramas funcionar e ativou o dispositivo na potência máxima. Teletransporte, de longe melhor disco da banda mais rocker do Brasil, traz o contagiante baixo elétrico da banda no volume mais alto em baladas hiper dançantes, despretensiosas e divertidas. “Já Cansei de Te Ouvir Falar” traz a baixista Selma Vieira agora em versão diva completa, cantando a melhor faixa. Tem produção de Kassin e Berna Ceppas, participação especial de Lafayette, dos Tremendões. Bruno Nogueira

Black Rebel Motorcycle Club Baby 81 (Sony) O moderno e o vintage se encontram aqui no trio de San Francisco que traz guitarras, microfonias e distorções na medida certa, junto à belas melodias vocais. Baby 81 é o quarto disco do grupo e traz de volta o peso dos dois primeiros álbuns, o que não faz do disco “apenas mais um disco de rock do Black Rebel Motorcycle Club”, mas talvez o melhor de sua carreira. “Lien On Your Dreams”, a faixa mais longa já gravada pela banda - com quase 10 minutos - é uma bela viagem ao universo barulhento do BRMC carregado de guitarra, voz limitada e riffs marcantes, com direito a queda e climax. “Weapon of Choice” e “666 Conducer” já despontam como os singles de Baby 81. “Berlin” e “Window” (que tem um piano matador) são grandes motivos para você acelerar mais fundo ao dirigir por uma estrada. Marcelo Damaso

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Ilustração: David Edmundson

Björk

Cachorro Grande

Volta (Atlantic) A voz hesitante, nervosa e delicada da islandesa mais famosa do mundo está de volta. E isso é mais que um trocadilho. Volta é pop e experimental como quase tudo que Björk costuma fazer. Mas nele a loucura e a doçura estão mais bem dosados do que em discos anteriores. Os arranjos são outro ponto alto do disco, indo de intrincadas orquestrações a mínimas repetições de sons eletrônicos. Entre os inúmeros convidados, destacam-se o inteligente produtor e “rei Midas” do pop Timbaland – que participa em três músicas, entre as quais o primeiro single “Earth Intruders”. Também está presente a inconfundível voz grave de Antony Hegarty, líder da Antony & The Johnsons, em “The Dull Flame of Desire” e “My Juvenile”. Hipnose. André Balaio

Todos os Tempos (Deckdisc) Ser surpreendido por um disco, no geral, costuma ser algo bom. Os gaúchos da Cachorro Grande mostraram no novo disco que o contrário também acontecem. Amadureceram. Ou, num trocadilho infame, foram domesticados. Fizeram um álbum de baladinhas, que não lembram nem de longe o rock louco e alucinante que já fez a fama da banda de destruidores de palco. Conversei com Beto Bruno, vocalista, que disse não ser uma comparação, mas o disco foi gravado igual o Álbum Branco dos Beatles. Miraram longe e, pelo visto, erraram o alvo. Bruno Nogueira

Beastie Boys The Mix-up (Capitol) Pode chamar o Beastie Boys de uma banda preguiçosa. Eles demoram tanto para lançar novos trabalhos que dá saudade dos rapazes entre um disco e outro. Até que esse The Mix-up foi rápido para os padrões do trio novaiorquino. Apenas três anos separam esse novo produto do Oscilloscope Laboratories, estúdio da banda em Nova York, de To The 5 Boroughs (Capitol, 2004). Pode parecer pouco, mas o anterior não tinha sequer uma música instrumental, apenas beats trabalhados no computador e as rimas interpoladas dos MCs. Ou seja, são uns bons nove anos sem ouvir nada de novo deles, enquanto banda ao vivo. Daí toda a inquietude quando foi anunciado que o disco seria exclusivamente instrumental, sem nenhum vocal sequer. Depois de aos pioneiros MCs oitentistas em To the 5 Boroughs, prometeram uma homenagem ao póspunk com ecos de Gang of Four e P.I.L. Grande mal-entendido, de fato. Além de preguiçosos, os rapazes são bem enrolões. Dê o primeiro play no disco e estão lá os wacka-wackas da guitarra de Adrock, os riffs distorcidos do baixo de MCA, a batida quebrada da bateria de Mike D e o teclado climático e suingado de Money Mark. Nada mudou, mas, ao mesmo tempo, as coisas estão diferentes. E essa é a grande marca da banda, o que os torna impossível de rotular. Entre a abertura com “B for My Name”, música ponte entre os temas antigos e as novas canções, e o jazzfunk-latino ao estilo dub de “Suco de Tangerina”, a terceira faixa, são uma dezena de citações de gêneros, sub-gêneros, artistas e estilos dos mais diversos. Seja trabalhando beats no computador ou de baquetas e palhetas em punho, a banda sempre desova uma descomunal quantidade de influências no ouvinte. E tudo isso sem ser revisionista ou clichê. “Off the Grid”, “14th Street Break” e “The Rat Cage” levemente ecoam o pós-punk anunciado. Mas é pelas beiradas mesmo, a única grande mudança é que Adrock conduz essas músicas com a coisa mais próxima de um riff que sua guitarra emite na bolacha. É o disco que não se imaginava que eles fariam, mas que, se olharmos a trajetória do trio desde Licensed to Ill (Def Jam, 1986) é exatamente o que eles costumam fazer: mudar completamente o rumo. The Mix-up certamente tem lugar entre os melhores trabalhos da banda. Tem a originalidade e a criatividade de suas melhores faixas mostrando que chamá-los de preguiçosos é um pouco duro. Eles apenas tomam o tempo necessário para fazer, vão levando no seu próprio ritmo. Que não é rápido, mas envelhece bem que é uma beleza. Filipe Luna

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The Clientele

Bright Eyes Cassadaga (Saddle Creek) Há momentos na vida em que não conseguimos fugir das desilusões e das incertezas sobre nossos sentimentos, futuro, religião, entre outros assuntos. Algumas pessoas não sabem lidar muito bem com isso, mas outras sim. Este é o caso de Conor Oberst, o homem do Bright Eyes, que dos seus sentimentos confusos criou mais um disco magnífico, maduro, intenso e, ao mesmo tempo, cheio de paixão. A primeira música “Clairaudients (Kill or Be Killed)”, tanto na musicalidade como na substancialidade das letras, já nos insere no coração perturbado de Cassagada. Em “Make A Plan to Love Me”, uma doce e simples música de amor, Oberst encanta com arranjos carregados de emoção onde flautas se destacam e criam um ambiente até bem otimista. O ponto alto do disco está em “Four Winds” que, levada por guitarras acústicas, traz um Oberst liderando com seu vocal emocionado uma madura interpretação da vida.. Tathianna Nunes

God Save the Clientele (Merge) Desde que os londrinos do The Clientele lançaram seu brilhante álbum de estréia Suburban Lights (Merge, 2000), que na verdade era uma coletânea de singles, o mundo da música vem experimentando um som sonhador e único recheado de rock inglês que passeia por diferentes estilos musicais. Com God Save the Clientele, a turma liderada por Alasdair Maclean mantém a mágica, mas com uma nova luz. Talvez, a mudança esteja na troca de ares da gravação (de Londres para Nashville), na produção de Mark Nevers do Lambchop e na ajudinha de Pat Sansone (Autumn Defense). Esses detalhes só somam porque a maior qualidade do grupo está presente neste disco que continua inspirado pelo humor e pela sobriedade inglesa e traz músicas mergulhadas em um pop que remete aos anos 70. Aqui, os londrinos contam com um integrante a mais na figura de Mel Draisey no piano, violino e vocais, e com alguns arranjos de corda por conta de Loius Phillipe. A sua produção minuciosa e a grande variação de temas e letras articulam um rico e complexo mundo imerso em um realismo mágico, memorável


e às vezes nostálgico. Da charmosa e ensolarada música de abertura “Here Comes the Phantom”, passando pelas baladinhas mais calmas até chegar às músicas mais fortes e dinâmicas como “The Garden at Night”, The Clientele nunca esteve tão maravilhosa e consistente. Tathianna Nunes

ser agradável em The Adventures of Ghosthorse & Stillborn é quase irritante. Há faixas bonitas, claro, como “Bloody Twins”, “Sunshine” e “Miracle”, mas que não são suficientes pra salvar o álbum de ser medíocre. Flávio Seixlack

abre o álbum, remete a Flaming Lips e Sparklehorse, duas das principais influências da banda, enquanto “Dance for the Dead” seria perfeita para fechar um disco do Arcade Fire. Outros destaques são “Please Remain Calm”, que lembra os melhores momentos do Enon, e “Chemicals Collide”, uma balada fácil e grudenta: “I was out paying close attention / Or was I lost inside my thoughts? / These days it’s hard to tell / What’s outside from what’s in my mind”. Bruno Orsini

Cloud Cult CocoRosie The Adventures of Ghosthorse & Stillborn (Touch & Go) Depois do genial álbum de estréia La Maison de Mon Rêve (Touch & Go, 2004) e do médio Noah’s Ark (Touch & Go, 2005), o CocoRosie chega a seu terceiro disco mostrando estar cada vez mais distante do que sabe fazer melhor: folk ingênuo e simples. Traços de hip e trip hop percorrem o disco todo – esforço em vão que parece não levar as irmãs a lugar algum. Se um dia já houve pureza nas letras e delicadeza nas composições, aqui a história é diferente: o que deveria

The Meaning of 8 (Rebel Group) A ousadia é uma das mais marcantes características do Cloud Cult, projeto do americano Craig Minowa. A banda evita os caminhos fáceis, optando por álbuns longos e conceituais, com muitas faixas e influências. Advice from the Happy Hippopotamus (Baria, 2005), trabalho anterior do grupo, foi bem recebido por público e crítica, que freqüentemente comparam Craig a Conor Oberst (Bright Eyes) e Isaac Brock (Modest Mouse). As 19 faixas do trabalho novo parecem misturadas em uma salada estilística, que apesar de inconstante tem mais altos do que baixos. “Chain Reaction”, canção que

Dan Deacon Spiderman of the Rings (Carpack) Dan Deacon é um gênio. Se sua música não fosse tão esquisita, ele seria o estereotipo do gordinho nerd americano. Meio careca, com óculos gigantes e sempre trajando camisetas com estampas de personagens de desenho animado ou qualquer outra figura esquisita, Dan pode ser muita coisa, menos um sujeito comum.

Talvez por isso Spiderman of the Rings, seu disco de estréia, seja tão interessante. A primeira faixa traz a conhecida risada de Pica-Pau, repetidas vezes, sobre uma base delicada que cresce até quase explodir – uma mistura desconcertante de beleza e agonia. “The Crystal Cat”, a segunda, explora vozes finas e timbres quase vagabundos, resultando em uma verdadeira gororoba pop e bizarra na medida certa. “Wham City” – nome de seu coletivo de artes em Baltimore – dura doze intensos minutos de muita “causação”. Afinal, um kraut lo-fi e eletrônico com uma penca de gente cantando jamais poderia dar errado. Você pode até tentar fingir, mas é impossível chegar à terceira faixa do disco se sentindo indiferente. Muita coisa ainda acontece nas próximas seis canções, sendo que nada beira a normalidade. O melhor disso tudo é que o embrulho da maluquice toda é pop. Dá vontade de juntar os amigos, fazer uma maratona de videogame e encher a cara. Spiderman of the Rings é o disco mais feliz de 2007, carregando o tipo de alegria que não se vê todo dia. A alegria mais honesta de todas, a dos nerds. Dan não precisa provar nada a ninguém, ele só quer se divertir. E é de mais pessoas assim que a música de hoje precisa. Flávio Seixlack

Bonde do Rolê Bonde do Rolê With Lasers (Domino) Há uns dois anos, poucos acreditariam que o trio curitibano Bonde do Rolê estaria viajando pelo mundo, tocando para diferentes públicos e lançando um disco pelo renomado selo britânico Domino Records. Apadrinhados e descobertos quase por acaso pelo DJ Diplo (que participa da produção deste disco) e contando com a ajuda dos irmãos Ramos (Slag Records) que projetaram uma carreira internacional para o grupo, o trio acaba de lançar na Europa e Estados Unidos Bonde do Rolê With Lasers. Nele, a música do Bonde se distancia da produção grosseira (apesar de soar propositalmente tosca) e alcança uma roupagem para gringo ver e comprar. A criatividade e o escracho de Marina, Gorky e Pedro nas letras já são conhecidos aqui no Brasil, mas a qualidade do tratamento das faixas está a quilômetros de distância dos primeiros mp3s atrevidos disponíveis no MySpace. Afinal, além de Diplo na produção, o disco ainda conta com o trabalho de Egg Foo Young, DJ Chernobyl e Radio Clit.

Ilustração: mooz | Foto: Divulgação

Ironicamente, o maior problema do disco aparece exatamente neste excesso de cuidado nas faixas. A energia e a espontaneidade comuns ao grupo se perdem em meio a essa “rica” e sofisticada produção. O resultado é um disco repetitivo e com pouca dinâmica que acaba se limitando às faixas mais famosas e ainda divertidas como “Solta o Frango” e “Office Boy” (primeiro single). Desta produção, destacaria o uso de um guitarrista, no lugar apenas dos samplers, para gravar e recriar o sentimento do metal dos anos 80 que estão presentes em faixas como “Bondallica” e “Dança do Zumbi”. Outra baixa para With Lasers, pelo menos para o público brasileiro, é a falta das melhores composições do grupo, como “Melô do Tabaco”, “Melô do Vitiligo” e “Máquina de Ricota”, talvez por conta dos samplers não autorizados. Mesmo mantendo a temática engraçadinha e pornográfica aliada a fórmula de roubar riffs conhecidos e encaixá-las em uma estética funk pancadão, as novas músicas estão muito aquém da criatividade exibida até então pelo grupo. Embora, no meio das novidades, apareça uma auto-ironia que o grupo deveria trabalhar mais na divertida baladinha “Quero Te Amar”. Tathianna Nunes

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Dumb Luck (Sub Pop) Com o lançamento de seu segundo disco de estúdio, Dumb Luck, seis anos após do excelente e apaixonado Life Is Full of Possibilities (Plug Research), Jimmy Tamborello prova sua genialidade para a música. O intervalo aparentemente grande do primeiro para o segundo disco é apenas uma amostra da diversidade e grandiosidade de seu talento que flui em diferentes projetos em díspares gêneros musicais. Nesses seis anos, Tamborello estava envolvido (e à sombra) nos seus outros projetos (Postal Service e Figurine), mas agora retorna com seu solo DNTEL. Dumb Luck é uma adorável e impressionante coleção de dream pop e indie rock imersos em texturas e experimentações eletrônicas. Aqui Tamborello está acompanhado por um grande cast de ilustres cantores como Jenny Lewis (Rilo Kiley), Edward Droste (Grizzly Bear), Valerie Trebejahr e Markus Acher (Lali Puna), Mia Doi Todd, Grant Olsen e Sonya (Arthur & Yu), Andrew Broder (Fog), Conor Oberst (Bright Eyes) e Christopher e Jennifer Gunst (Mystic Chords of Memory). Mas, ele reservou “Dumb Luck”, a melhor faixa do disco, para si mesmo. Nela, sua voz charmosa cria um clima de desilusões e corações quebrados até chegar a um agradável fechamento quase espitirual. Em “Roll On”, a voz doce e perdida de Jenny Lewis dá o tom para o sentimento de autodestruição que emana a música. Sentimento que continua por outras faixas do disco e se intensifica em “Breakfast in Bed” liderada por uma interpretação emocionada de cortar o coração de Conor Oberst. A elegância e o charme da performance de Lali Puna em “I’d Like to Know”, como também a delicadeza dos vocais de Mia Doi Todd em “Rock My Boat”, fazem de Dumb Luck um disco lírico que, no meio de calorosas batitas eletrônicas, surpreende pelo tratamento singular da sensibilidade humana. Tathianna Nunes

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Foto: Divulgação

DNTEL

The Good the Bad and the Queen The Good the Bad and the Queen (EMI) Depois de liderar o Blur e Gorillaz, Damon Albarn volta com The Good The Bad and The Queen. Além do próprio Albarn nos vocais e nos teclados, a banda ainda traz Paul Simon (The Clash) no baixo, na guitarra Simon Tong (The Verve) e na bateria o africano Tony Allen (Fela Kuti). Segundo os músicos, a banda surge com a proposta de criar canções que funcionem como fotografias da Londres atual, proporcionando momentos como as nostálgicas “Eighties Life” e “Soldiers Tale”. Temas ligados a terra da rainha permeiam o disco todo como o Welfare State citado em “Herculean” ou “Kingdom of Doom” onde Albarn fala em “beber o dia inteiro, pois o país está em guerra”. Em “Tree Changes” o ritmo da bateria de Allen chama atenção, e a faixa que dá nome a banda e ao disco “The Good The Bad and The Queen” capricha na interação entre os músicos. Ainda sobra espaço para a frágil “Green Fields”, com Albarn perdido entre seus sentimentos. Thiago Cassis

Gui Boratto Chromophobia (Kompakt/ST2) Não tem ocasião melhor para ouvir um disco novo do que pelada. Não só despida de preconceitos, mas de pelos de fora, literalmente. Abaixe suas defensivas, deixe-se frágil e a música penetra você com mais facilidade. Outro dia eu estava num pequeno rolinho flashback com um alemão DJ fuleiro com quem saí um tempo. Ele tinha aquele jeito de europeu afrescalhado (curtia umas ligações estranhas), mas a bundinha era em cima e sempre tinha uma sacola de ecstasy pra gente se divertir. Enquanto desentupia minha boca com sua língua descontrolada, não parava de falar num brasileiro que tinha assinado com um selo da terra dele. Deu play no disco, me deu um E, o que fazer, dei pra ele. Ansioso e desajeitado como sempre, começou me babando os peitos, pescoço e afins. O disco ia no ritmo dele, meio chatinho sem nunca decolar muito. Eu delicadamente levando o rapaz para onde interessa e ele perdendo tempo com frivolidades. Quando já começava a perder a paciência e já pensava no absurdo de chutá-lo da cama e voltar pro meu chuveirinho, um beat diferente entrou no som. Bateu a faixa nove no CD (“Acróstico” era o nome, depois vim a saber) e o E na minha cabeça, me dando uma rasteira e deixando-me desconjuntada. Virei o galego na cama e tomei as rédeas da situação. “Xilo” vinha na seqüência e galopei o abestalhado como há tempos não fazia. “Beautiful Life” foi só alegria, fechou com chave de ouro. Demos repeat no disco, mas indo direto para as faixas finais. Como um amante enrolado, Gui Boratto quase me entediou numas preliminares burocráticas, mas, quando meus olhos já contemplavam o sono dos justos, me pegou pela cintura e quando vi o dia já era outro. O alemão não quero mais, mas Chromofobia roubei pra minha coleção. Kiki Ferreira

Ana Garcia conversa com Gui Boratto:

Hella There’s No 666 in Outer Space (Ipecac) Até este disco, o sétimo em seis anos de carreira, o Hella era um duo formado pelo guitarrista Spencer Seim e pelo baterista Zach Hill. Agora, é um quinteto do qual participam também o guitarrista Josh Hill (primo de Zach), o baixista Carson McWhirter e o vocalista Aaron Ross. Não sei ao certo se a nova formação vai além de There’s No 666 in Outer Space, mas posso afirmar com bastante convicção que não deu muito certo. A bateria de Hill continua caótica e a guitarra de Seim mantém a rapidez bizarra de sempre, mas, de alguma forma, adicionar três músicos os obrigaram a trabalhar em melodias simples que os distancia

De onde veio a sua inspiração para fazer Chromophobia? O fato é que fiz o álbum todo durante o dia. Logo após o café da manhã, com a minha filhinha linda Valentina, de dois aninhos, meio que brincando pela sala. Acho que ela foi a minha inspiração. Acho que por esse fato, o disco saiu lento e melódico. Meu álbum foi feito num momento de tranqüilidade, muito pelo fato da Valentina estar do meu lado e da minha mulher Luciana me incentivar para um lado que eu estive fora por um bom tempo. Como você se sentiu durante o processo? Cada dia você sente algo diferente. Há dias que você está feliz, outros nem tanto. Isso reflete na criação. No álbum, há músicas felizes e outras tristes. Esse é o reflexo do dia-a-dia. Quais são as idéias por trás das músicas? Não existe nada por trás. Está tudo ali, na cara mesmo. A música fala por si só. Mas você quer passar algo? Sim, cada música tem sua peculiaridade. Por exemplo, “Malá Strana” é um bairro de Praga, na República Tcheca. Assim que atravessei a ponte Carlov, tive essa melodia na minha cabeça. Assim como “The Verdict”, do Kafka, é como um epílogo. Resolvi batizar a última música do meu álbum disso. Acho que eu passo um pouco do meu momento, do que estou vivendo, através da minha música. Afinal de contas, arte é uma forma de expressão. Qual é o melhor momento para escutar o disco? Acho que pela manhã, no carro, indo viajar.


do estilo imprevisível e frenético desenvolvido pelo Hella para algo mais conservador e sem graça. Entre vários problemas, o maior deles encontrase nos vocais que não passa de uma experiência desastrosa. Ross tenta acompanhar o caos dos instrumentos, mas acaba perdido. Os músicos do Hella tocam com alma esbanjando suas habilidades técnicas que estão muito acima da interpretação sem emoção de Ross que arrasta o projeto inteiro para o buraco. Tathianna Nunes

Interpol Our Love to Admire (Capitol Records) Este é o terceiro disco do Interpol, banda que emergiu no meio de uma então chamada New York scene junto a outros grupos como Radio 4, Walkmen e Strokes. Embora nunca tenham obtido a popularidade desta última banda, construíram uma base de fãs sólida e gozavam de certo prestígio com a crítica, mesmo com algumas agulhadas em relação à suposta falta de originalidade. A primeira audição de Our Love to Admire já deixa claro que é um disco do Interpol, o que necessariamente não é uma vantagem. O velho clichê do sexo e drogas está explícito até mesmo no título das faixas (“No I in Threesome” e “Rest My Chemistry” não deixam muito espaço para abstrações), a primeira faixa de trabalho “The Heinrich Maneuver” tem uma pegada fácil e ao lado de “Who Do You Think?” forma a dupla mais rádio amigável do disco, só não dá para entender muito bem qual a razão do coro no fundo desta última, que soa um pouco deslocado. Já em “Rest My Chemistry” o que parece fora de lugar é um riff de guitarra bem parecido com o de “Where Is My Mind” do Pixies. A impressão final é que estamos escutando um Turn on the Bright Lights (Matador, 2002) que passou na mão de um produtor diferente, mas manteve os temas, o clima melancólico e o tom burocrático. Tiago Arantes

Justice † (Ed Banger) Paris: cidade das luzes, do amor, dos homens safados e filhos da... Quer dizer, a cidade da jóia Ed Banger Records (o dono é o empresário do grupo e de Daft Punk) e este ano eles voltam forte para fazer qualquer um balançar a cabeça, cansar os pés de tanto dançar e dançar com a dupla francesa Justice. Xavier de Rosnay e Gaspard Augé estão dominando as pistas do mundo com muito baixo, energia e distorção. Aliás, eles já fazem isso há um tempo: o remix de “Never Be Alone” de Simian foi lançado três vezes e chegou a ser a trilha de um comercial (“We Are Your Friends”), além dos remixes que fizeram para Britney Spears, Franz Ferdinand, Daft Punk e outros. Justice é o pai do que andam chamando de “blog house” (existe?), já que as músicas estão disponíveis em quase todos os blogs de MP3s. É essencialmente dance music, mas sob uma estética rockeira, apesar de nem ser o forte deles. É dance music de 2007, que na pista atrai um público indie, normalmente bêbado e com roupa néon. O álbum de estréia †, que eles mesmos dizem ser influenciado pelo Chic, é um passo diferente do single Waters of Nazareth, apesar de continuarem a fazer as gravações bem cruas. Aqui, temos faixas de disco bem energéticas com funk e melodias para fazer qualquer um dançar! O grande hit e meu grande vício do momento é “D.A.N.C.E.” – uma faixa cantada por um coro de crianças e uma óbvia homenagem a Michael Jackson (“Do the D.A.N.C.E. / Stick to the B.E.A.T. / Just easy as A.B.C. / Do the DANCE”). Mas o disco varia bastante, tem um épico dividido em dois chamado “Phantom”, um brilhante techno-pop “Let There Be Light”, o funk “New Jack”, etc. Ana Garcia

Reid (Reid não é para ser confundido com o mesmo do grupo de fusion brega dos anos 80 The Rippingtons). The Sun Never Sets (Álbum Version) é uma promo do disco recém lançado Tongues e é completamente modal. Tem um riff legal e a melodia também é bacana, mas um tanto repetitiva. É difícil falar sobre esse disco em termos de música improvisada ou de eletrônica. Se fosse jazz (eu pensaria que seria o correto já que o baterista Steve Reid era um bom baterista e líder de free jazz), seria bem chato. Existem uns desencontros entre o ritmo mecânico do sampler e o baterista. Parece erro, talvez seja, mas tem um resultado interessante. Fora isso, a música mais curta do disco não tem clímax em momento algum. São enfeites desconectados por cima de um mesmo ritmo como sons de batedeiras, de estática, enfim, de computador. Mas, esses sons não ajudam a direcionar a onda que está exatamente onde começou: sem contraste de timbre, de dinâmica, ritmo, sem apelo emocional ou intelectual. “The Sun Never Sets” é um pouco mais chatinha. Ela é mais acelerada, mais recheada de percussão e não é modal. Muda de tom através da aceleração do bpm. Parece coisa da Xuxa. A terceira e mais longa faixa “People Be Happy (Audion Remix)” (10:14) não se ouve a participação do Steve Reid e sim mais repeteco meio bate estaca. Gostei do projeto anterior a este EP, as Exchange Sessions que é mais sólido e convincente, apesar de sentir a mesma coisa, falta amadurecimento do formato desse duo. Dá para sentir que estão tentando chegar num lugar energético e intenso, mas a intensidade realmente só é alcançada quando aumentam o volume. Falta musicalidade. Marcelo Garcia

Kings of Leon

Kieran Hebden & Steve Reid The Sun Never Sets (Domino) Este é o projeto experimental do Kieran Hebden (Four Tet) e do baterista Steve

Because of Times (Sony) Acordei cedo em um belíssimo dia de chuva em Recife, liguei o computador, peguei meus fones e fui trabalhar enquanto escutava o novo disco do Kings of Leon. Depois de um tempo, fui notando que estava ficando impaciente, chateada e com uma dor de cabeça tremenda. A primeira vez que escutei este disco passou tão em branco que a única coisa que

me lembro, além das irritações e das náuseas, foi de não ter gostado da primeira música (a única que consegui prestar atenção). Alguns dias depois, resolvi escutar novamente e desta vez um pouco atenta. A conclusão: o disco é mesmo ruim. “Knocked”, a primeira faixa, começa ok, mas antes de chegar ao fim dos seus sete torturantes minutos, a voz peculiar de Caleb Followill fica tão enfadonha que dá vontade de mandar ele se calar. E o pior é que quando ele se cala vem uma bateria e um coro de “oohhh” dos infernos. Bem, as letras são tediosas, aquelas guitarras “eu sinto falta dos anos 70” torram a paciência, a bateria é sem graça e a banda não traz nada de novo além de um monte de músicas ruins que superaram o outro disco que já não era grande coisa. Tathianna Nunes

Lightning Dust Lightning Dust (Jagjaguwar) Há um tempo Amber Webber e Joshua Wells, ambos do Black Mountain, vêm criando juntos músicas mais simples e completamente diferente dos outros projetos paralelos. Eles já foram o Pink Mountaintops, passaram um tempo sem nome e hoje são o Lightning Dust. Este disco de estréia foi gravado parcialmente em uma caverna úmida e outra parte em uma casa azul brilhante, estou contando isso porque é muito óbvio quais das faixas foram gravadas em cada local. As dez músicas do disco mostram os vocais quase teatrais com multi camadas de Webber sobre uma programação orquestrada de Wells que lembra trilha de filme de terror com aquele órgão sinistro e synth. Muitas vezes o disco é sombrio principalmente em músicas como “Take Me Back” e “Breathe” onde os órgãos predominam. Mas, os altos são as faixas mais esperançosas como “Wind Me Up”, dá até vontade de pular, com a guitarra upbeat, a vozinha toda folky de Amber. “Heaven” lembra até um pouco as músicas do The Chiffons que também tem o Sr. Wells cantando junto com a Sra. Webber. É a minha música favorita. Ana Garcia

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Low Drums and Guns (Sub Pop) Ao ouvir casualmente Drums and Guns caí em um mundo de tragédias que diretamente não me dizem respeito, mas, mesmo assim, assombraram meus pensamentos e deixaram uma sensação amarga. Não foram exatamente as letras que provocaram esses sentimentos e sim o som que vem da guitarra criando uma ambientação apropriada para as mensagens de protesto às guerras. Aqui, a brevidade das canções passa a impressão de perda e os elementos eletrônicos parecem fantasmas, vultos que depois de marcarem presença por alguns minutos, desaparecem, mas voltam. A violência da guerra (principalmente a do Iraque) e suas conseqüências estão presentes desde a primeira linha do disco: “All the soldiers are all gonna die, all the babies are all gonna die.” Perguntei a Mimi Paker se podemos considerar Drums and Guns um disco político? Ela respondeu: “Antes de entrar no estúdio, nós tínhamos algumas músicas e sabíamos que parte delas estava voltada a violência e a questões morais em torno das guerras e assassinatos, mas apenas quando terminamos o disco que notamos o quão direto ele era. Não acho que seja um disco político – políticas são mentiras”.

banda engajada prova que para ter respeito não é preciso peitar ninguém, mas ter talento. Marcelo Damaso

Los Porongas Los Porongas (Senhor F) Vem do Acre a prova definitiva de que o novo pop brasileiro vem comendo pelas beiradas. Onze belas canções arranjadas pelo guitarrista João Eduardo, Maurício Magrão e Jorge Anzol, que junto à poesia bacana e sem firulas de Diogo Soares, trazem aos abençoados ouvintes - dos que se tornaram fãs após suas emocionantes apresentações - a perfeita combinação de melodia, letra e execução. Músicas como “Nada Além”, “O Escudo”, “Lego de Palavras”, “Tudo ao Contrário” e “Enquanto uns Dormem” mostram que é preciso muito talento para soar bem em estúdio e em cima de um palco.Todo aquele discurso fora-do-eixo pregado com veemência nos últimos tempos se faz veadeiro aqui, onde uma

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Lucy and the Popsonics A Fábula (ou a farsa?) de dois eletropandas (Monstro) Electro-pop. Um rótulo como este não poderia cair melhor para definir o som da dupla Lucy and the Popsonics. Batidas eletrônicas e riffs de guitarra bem construídos com aquele refrão que a música pop exige, mesmo aparentando uma certa ingenuidade. Não deixe que músicas com nome de “Meu Gatinho Chernobyl”, “Fashion Bloddy Fashion” ou “Eu Quero Ser Seu Tamagotchi” espantem sua vontade de ouvir o disco. São realmente muito

Este é um dos discos mais estimulantes e desafiadores do Low. Ainda, é mais acessível do que os anteriores deste trio de Minesota, EUA, mais até do que The Great Destroyed foi, porém sem comprometer a sinceridade e a pureza que Alan Sparhwak e Mimi Paker imprimiram durante sua carreira. Acompanhados pelo baixista Matt Livingston que assume o lugar de John Nichols, Drums and Guns também é o mais experimental da discografia do grupo. Os fãs do Low podem até estranhar a forte presença dos elementos eletrônicos, mas o que impressiona é como eles conseguiram casar esses elementos com a melancolia das letras e das melodias. “Breaker”, por exemplo, começa com percussão sintética acompanhada por palmas depois algumas notas do teclado começam a ranger até ficaram esculpidas na guitarra de Sparhawk. Tudo em um clima amargo e de desolação. Logo em seguida, vem “Dragonfly” que, se não for a música mais bela do disco, traz um belíssimo duo, provavelmente o mais bonito que você vai escutar esse ano. Drums and Guns, eventualmente, mergulha na delicadeza melancólica de sua última faixa, “Violent Past”, a mais terna do disco. Os arranjos das guitarras distorcidas e do teclado se moldam aos vocais de Sparhawk e Parker perdidos em um clima inoperante e pesado da morte. É um disco forte e se não for um dos melhores do Low até agora, sem dúvida está entre os mais necessários. Tathianna Nunes

boas. Sem falar das estruturas que remetem ainda àquelas experimentações dos primeiros discos do Pato Fu. O fato é que tudo funciona muito bem. Tudo tem a ver com o visual, a proposta e a sonoridade electro-fashion-neopop-retrô da dupla Fernanda e Pil. É um disco para ouvir direto, em casa ou nas pistas de dança, afinal ele combina com o que você quiser. Com oito faixas cuidadosamente selecionadas e pouco mais de vinte minutos, sendo bem direto, tenho que dizer que o disco de estréia do Lucy and the Popsonics é realmente muito legal. Pra que ficar enrolando? Não curto isso de ficar fazendo previsões e apostas, mas dessa vez posso afirmar que a dupla brasiliense logo em breve poderá trilhar o rumo de sucesso que o Montage, CSS e o Bonde do Rolê fazem por aí. Jarmeson de Lima

Ludov Disco Paralelo (Mondo 77) Não faz muito sentido para uma banda como a Ludov, que teve tantos altos e baixos na carreira, lançar um novo disco que não seja algo fantástico ou diferente. Depois do entra e sai de gravadoras e banho de água fria nas turnês, Disco Paralelo não tem cara de grande retorno. É apenas um disco comum, que não vai atrair muito mais do que os atuais fãs da banda. E depois dessa resfriada a gente sabe que esse foi um número que caiu bastante para o Ludov. Não é um disco ruim, é apenas sem propósito. Bruno Nogueira


Trompe-L’oeil (Bonsound/ City Slang) Malajube é mais nova boa surpresa de Montreal. Formada em 2005 por Julien Mineau (vocais e guitarras), Francis Mineau (bateria), Thomas Augustin (teclados e vocais) e Mathieu Cournoyer (baixo), Trompe-L’oeil é o segundo álbum deste quarteto. Lançado em 2006 por um selo local (Bonsound), este disco foi descoberto pelo selo europeu City Slang e depois caiu nas mãos do renomado V2 e Dare to Dare que lançaram suas edições no começo deste ano. Não à toa a música desses canadenses encantou tantos selos. Sua música é jovem, dinâmica e, ao contrário de seus conterrâneos, os meninos resolveram cantar em francês. Parte da novidade do Malajube encontra-se na bagunça que eles fazem de suas próprias influências. Das esquisitices do Franz Ferdinand e da musicalidade melancólica de grupos como Sigur Rós e Mew, eles parecem que herdaram o que há de melhor dessas bandas e fazem um som bagunçado, único e original. Destaque para a maravilhosa “Pâte Filo”, para o rock de “Ton Plat Favori” e para a dançante “Montreal -40oC”.. Tathianna Nunes

Maquinado Maquinado (Trama) Pressa é um troço complicado de se lidar. Lúcio Maia se apressou em lançar seu projeto solo, Maquinado, num show do Abril pro Rock do ano passado. Ficou a impressão que o projeto não vingaria. Agora, com o tempo devido, tudo que estava apenas na cabeça dele foi materializado num ótimo CD. Recheado de convidados, o guitarrista da Nação Zumbi conseguiu o trabalho impossível que sempre se espera dele. Trazer novas referências sonoras, novos contextos e experiências que dão certo. Deu até um frio na barriga em pensar que ele pode querer por essa boa idéia para frente e apertar “pausa” para a Nação. Bruno Nogueira

Marcelo Campello Projeções e Mais Duas Séries Para Violão de Sete Cordas (Independente) Antes de soar acadêmico ou cabeça demais, este disco solo de Marcelo Campello, mais conhecido como instrumentista do Mombojó, é um trabalho sincero. Quem conhece o rapaz sabe do afinco que ele tem com o instrumento violão e com um constante estudo na música para aperfeiçoar estruturas e arranjos. O disco então nos leva a conhecer essa outra faceta do jovem músico, fã de Canhoto da Paraíba, Garoto, Baden Powell e outros célebres violonistas brasileiros. A harmonia e a suavidade das cordas é o que chama a atenção neste trabalho tão autoral e intimista. Todas as músicas foram gravadas por Marcelo com um violão de sete cordas e nada mais. Sem efeitos, sem vocal e com toda a técnica que ele possui. O disco é dividido em três partes, que são, na verdade, três temas criados em fases diferentes da vida de Marcelo. A série que abre o disco “Projeções” possui composições mais recentes, com uma desenvoltura e andamento mais leve. Na segunda parte, “Soturnos”, as composições refletem uma fase mais triste da vida dele, pouco tempo depois que ele sofreu um acidente de carro, em 2004. Foi quando nesse estado de reflexão, surgiu uma urgência dele mesmo em gravar estas músicas e deixar o trabalho registrado. A última seqüência, “Sonhos”, possui, como ele mesmo define, “composições mais ingênuas”, da época em que ele começava a aprender a tocar o instrumento. E com essas três partes temos um disco que foge dos padrões, com músicas de duração média de 1 minuto e diversos momentos de silêncio entre os acordes. O que não deixa de ser um belo trabalho para se apreciar e realmente ouvir com atenção. Jarmeson de Lima

Modest Mouse We Were Dead Before the Ship Even Sank (Epic) Quando o Modest Mouse anunciou que havia assinado com a Epic, gravadora pertencente à Sony, restou a apreensão: será que a trupe americana cederia às pressões, abandonando as pequenas loucuras que fazem tanta diferença em suas músicas? A resposta veio em junho de 2000 com The Moon & Antarctica, o melhor álbum da banda. O trabalho seguinte, lançado em 2004 e capitaneado pelo single “Float On”, catapultou-os para o mainstream sem fazer concessões.

Foto: Divulgação

Malajube

Por tudo isso, e também por contar com a participação de ninguém menos que Johnny Marr, dos Smiths, We Were Dead Before the Ship Even Sank era um dos discos mais esperados de 2007. O primeiro single do álbum, “Dashboard”, virou hit em festas de rock pelo país e representa bem a essência da banda: riffs entrelaçados de guitarra são acompanhados dos vocais emotivos de Isaac Brock e da bateria pulsante de Jeremiah Green. Outras faixas de destaque são “Fire it Up”, “Little Motel” e “Missed the Boat” - essa última, melhor música do disco, conta com backing vocals de James Mercer (The Shins). No conjunto da obra, mesmo sem atingir os vôos mais altos alcançados pelo grupo entre 1996 e 2000, o trabalho é bom e deve satisfazer novos e velhos fãs. Bruno Orsini

Melt-Banana Bambi’s Dilemma (A-Zap) Discos anteriores do Melt-Banana já foram produzidos por gente feito o ex-Sonic Youther Jim O’Rourke e o saxofonista John Zorn do selo experimental Tzadik. Esse novo lançamento não tem o brilho do anterior, o Cell-Scape (A-Zap, 2003), um disco cheio de soundscapes eletrônico misturado com fúria punk-rock militricamente calculada. Mas Bambi’s Dilemma oferece um amadurecimento nas composições e musicalidade e uma volta ao estado roots da banda: caos, noise, punk com muita melodia, e uma pitada de... pop! O disco, em alguns momentos, poderia até ser rotulado como uma espécie de Beastie Boys japoneses pela maneira que a cantora Yasuko O. flerta com o hip hop (sem falar da voz a la mickey mouse estridente é parecida com a de Mike D.). O ponto alto do disco é “Cracked Plaster Cast”, uma mistura de harmonia e acordes melosos a la Thurston Moore com explosões sincopadissimas, rápidas e certeiras. O que surpreende é o ritmo e precisão da Yasuko O. em relação ao resto da banda (sem falar no baterista). Adrenalina musical. “Crow’s Paint Brush (Color Repair)” poderia ser uma canção para crianças: super brincalhona, ela soa como um pequeno hino de um parque de escola, até revelar o outro lado de sua pertubadora dupla personalidade e explodir no ouvido batidas e acordes emprestados do Minor Threat, só que bem mais rápido... “Dog Song”... Hmmm... O título fala por si mesmo. Só ouvindo. “Last Target on the Last Day” é simplesmente épica, permutação ritmica digna de Pansonic, cometas voando e a Yasuko, autoritarissima, soa como um verdadeiro general comandando força sonoras de outro mundo. Som intenso, espesso, e muito bem desenvolvido. Está bacana a Banana. Marcelo Garcia

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certa: o disco deve aparecer em várias listas de melhores do ano, pelo menos nas que se prezem. Flávio Seixlack

Tanto sua música quanto seu discurso passam sinceridade. Luiz Otávio Pereira

The National

Patti Smith

Boxer (Beggars Banquet) Depois de alcançar a perfeição com Alligator (Beggars Banquet, 2005), os norte-americanos do National estão de volta com Boxer, quarto álbum de sua carreira. Essencialmente, trata-se do disco mais calmo e triste já lançado pelo grupo. Não que isso seja ruim, já que o quinteto continua com a mesma força de sempre. A bateria é surpreendente em todos os aspectos: precisa e muito criativa, ela não apenas colabora com a levada das músicas como praticamente define o rumo a ser tomado. O vocalista Matt Berninger, afiado com sua poesia despretensiosa e delicada, dá um espetáculo com as cordas vocais – as melodias de voz são simplesmente de tirar o fôlego. Suas letras singelas permeiam todo o álbum. Não por acaso, é fácil se emocionar e se identificar com cada verso, estrofe e refrão. Do lado instrumental, basta dizer que todo o cuidado com os arranjos faz de Boxer um álbum extremamente precioso. Há naipes de metal, violinos, acordeon, violões e pianos que, somados à formação guitarra-baixo-bateria enchem os ouvidos com tamanha beleza. Difícil escolher uma preferida, difícil apontar o que faz com que Boxer seja tão especial. Mas uma coisa é

Twelve (Columbia) Resistir à tentação de fazer um disco de covers deve ser algo difícil. Vez por outra algum artista, quase sempre em um momento estável na carreira, opta por revisitar músicas já gravadas por outros. Na maioria dos exemplos, por melhor que seja o resultado, pouco se acrescenta a carreira. Mas sempre surge a curiosidade: “como terá ficado essa ou aquela versão”. E Patti Smith fez boas versões de músicas bem conhecidas. De Beatles e Rolling Stones a Tears For Fears. De Jefferson Ariplane a Stevie Wonder. Ela conseguiu uma lista variada, mas que ao mesmo tempo soam exatamente Patti Smith. Vale lembrar que “Gloria” a música que abria seu álbum de estréia (Horses, 1975), era um cover – quase uma reinvenção – de uma música de Van Morrison. Aqui ela faz um trabalho parecido com “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana ao transformá-la em um bluegrass e acrescentar um poema recitado no meio da letra original. E fazer versões de Bob Dylan deve ser uma experiência especial, a releitura “Changing Of The Guards” é, ao lado de “Helpless” (Neil Young), o ponto alto. Luiz Otávio Pereira

Pagoda

Norah Jones Not Too Late (Blue Note/EMI) Logo ao ouvir sua voz lânguida em “Wish I Could”, uma balada folk sobre um amor separado pela guerra, fica claro que, em seu terceiro disco, Norah Jones resolveu apostar mais uma vez na simplicidade. Mas engana-se quem pensa que Not Too Late repousa sobre o sucesso de Come Away With Me, seu disco de estréia. As treze músicas presentes no disco são composições da própria Norah Jones - algumas em parceria -, o que já o transformaria no seu trabalho mais autoral. Mas vai além disso ao apresentar-se econômico e preciso nos arranjos. “Broken” é o exemplo mais claro dessa proposta com Norah Jones dedilhando uma guitarra elétrica acompanhada por um cello e um baixo acústico. “Sinkin’ Soon” soa como uma antiga canção de cabaré com direito a surdina no trombone. Not Too Late ousa justamente por ir mais fundo na simplicidade. O disco tem um subtexto político, bastante direto em “My Dear Country”, mas sem forçar a barra.

Pagoda (Ecstatic Peace) Esse disco lembra a minha época nos EUA, quando usava o meu allstar preto, calça jeans rasgada, camiseta com uma blusa de flanela. O meu cabelo tinha as pontas pintadas de verde. Era o meio dos anos 90. Mas eu não gostava muito de Nirvana e achava perdedores quem gostava de Pearl Jam. Então, normal EU não ter paciência para escutar este disco, mas quem curtiu esta época, pode gostar. Pelo menos da música “Lesson Learned” que tem uma pegada legal com a uma voz rouquinha. Mas bem, quem melhor interpreta esta época dos anos 90? O ator loirinho Michael Pitt, claro, que fez o papel de Kurt Cobain nos seus últimos dias no filme Last Days de Gus Van Sant. Sim, a banda é dele (vocal e guitarra) com mais três amigos e o debut teve o prestígio de ser lançado pela Ecstatic Peace de Thurston Moore do Sonic Youth, ícone dos anos 90. Só podia, né? Ana Garcia

Foto: Divulgação

The Radio Dept.

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Pet Grief (Labrador) The Radio Dept. é mais uma banda que integra a diversidade do cenário musical sueco atual e se no seu primeiro álbum Lesser Matters (Labrador, 2003) chamava atenção a estética shoegaze e os muros de guitarras distorcidas, este terceiro disco Pet grief (Labrador, 2006) vem marcado pelos sintetizadores e drum machines, criando um clima mais oitentista e que flerta com o dream pop. Um trecho do primeiro single do disco, Worst Taste in Music (“But he’s got the worst taste in music / If I didn’t know this I’d lose it”) se referindo ao gosto musical do novo namorado da ex dá uma boa idéia do conteúdo das letras, simples e diretas, sobre sentimentos pouco lapidados, até um pouco adolescentes. Se as deliciosas distorções do primeiro disco estão atenuadas, está mantido o vocal despretensioso e delicado, que parece o de alguém que timidamente canta uma música ao pé do ouvido, dando uma suavidade e intimidade que contrasta com as melodias frias e herméticas, tornando a sonoridade desta banda tão especial. Facilmente podemos criticar uma banda quando esta repete a fórmula de álbuns anteriores ou quando acontece o oposto, a banda muda o foco de forma tão importante que mais parece que criou uma outra personalidade. Em Pet Grief a banda mostrou que tem uma identidade que pode ser percebida mesmo em músicas de diferentes formatos, seja com guitarras distorcidas ou sintetizadores. The Radio Dept. conseguiu manejar brilhantemente o dilema do segundo disco, mesmo com uma estética diferente do álbum de estréia, consegue-se perceber claramente que o espírito da banda tem sua integridade preservada, não importando se os instrumentos ou integrantes da banda tenham mudado. Preparando agora o seu terceiro disco, com perspectivas de lançamento no final deste ano, a banda nos deixa aguardando ansiosamente por novidades... E shows pelo Brasil! Tiago Arantes


Good Idea (Dessous) Para muitos, o nome de Phonique entrou no repertório musical há pouco tempo e graças à colaboração de Erlend Øye em seu disco Identification (Dessous, 2004). Michael Vater, a.k.a Phonique, tem mais de 10 anos de carreira, como produtor e DJ. Desde que decidiu formar parte da cena de Berlim nunca deixou de lado a sua busca musical, caracterizada por melodias perto da casa do deep house com influências de hip hop e da música dos anos 90. Não somente tem lançado discos em selos importantes como Komfort Musik (Berlim), Seasons (EUA), Brique Rouge (Paris) e Crosstown Rebels (Londres, com o famoso Where’s the Party At de 2004) como é também um dos fundadores do coletivo Jazzanova. O interessante de Phonique é que além de animar as principais pistas de música eletrônica, ele é também capaz de realizar álbuns versáteis como os que foram lançados pelo Dessous. Good Idea é uma confirmação impecável, com 14 faixas que incluem colaborações variadas e toques de house “old school”. O disco conta músicas impregnadas de electro com sons dos anos 90, como “Always Wanted” – com a participação de Richard Davis – e “Casualities” – junto com Erlend Øye. Logo ele passa pelas influências de hip hop e funk como em “Roses” e “Computer Kids”. Good Idea é uma co-produção de Phonique e de seu eterno companheiro Alex Kruger. Tranqüilamente, este disco estará entre os melhores de 2007. Catalina Olivos

Ilustração: mooz

Phonique

palcos) e uma instrumentação em algum lugar entre Broken Social Scene e Arcade Fire (estes últimos só pela presença do violoncelo e violino). As músicas têm uma pegada fácil e despretensiosa, carregadas de um frescor que estava meio esquecido em tempos de indie rock sujinho e angustiado (vide Strokes e Libertines). Mesmo com uma história de vida curta, o Ra Ra Riot já carrega uma grande perda, a trágica morte do seu baterista John Pike, fato de dimensões imensuráveis e que pode levar a mudanças no rumo de qualquer banda e em qualquer momento de sua carreira. O EP de estréia lançado recentemente conta com seis músicas que carregam aquele frescor de primeira gravação, porém com uma consistência e qualidade técnica que muitas vezes não é encontrada em bandas jovens, uma audição mais que agradável e que nos deixa torcendo por novos lançamentos. Tiago Arantes

Siba e a Fuloresta do Samba Toda Vez Que Dou Um Passo, o Mundo Sai do Lugar (Ambulante Discos) Uma das coisas que mais me fascina em Siba é a sua capacidade de percorrer as estradas escuras das diferenças sócio-culturais. Filho da classe média, mas com um pé no interior do estado, viu-se subitamente em busca de um elo perdido, de uma raiz mais que biológica, também existencial e, em sua busca, foi parar na Zona da Mata de Pernambuco - região inóspita, amaldiçoada pela monocultura da cana-de-açúcar, onde os trabalhadores até hoje vivem em regime de semiescravidão. O resultado é uma cultura peculiar onde o lamento de dor e o riso ecoam com a mesma facilidade. Os discos de Siba e a Fuloresta são uma prova de que a tradição não é estática, mas se renova e dialoga com o mundo num espontâneo gesto de auto-sobrevivência. Estão lá as fanfarras do leste europeu, o lamento blues dos negros escravos, a energia catalisadora da dança que nos consola nas madrugadas escuras, e por que não dizê-lo, um certo vigor que o rock contemporâneo trouxe para as nossas vidas. Em Toda Vez Que Dou Um Passo, o Mundo Sai do Lugar o senso de humor jocoso predomina, mesmo que o assunto seja a morte como em “Capa Preta” ou na descrição do agourento Urubu como um ser humano e na explícita “Meu time foi rebaixado para a terceira divisão”. O lirismo do disco anterior dá lugar a graça implacável que ilumina os dias acinzentados pela dor, igualmente recorrente nas cirandas e maracatus. As letras são diretas e a poesia soa forte, ancoradas por rhodes, guitarras, dubs e uma bela orquestra que permite arranjos mais elaborados e ousados. Até mesmo o frevo, estilo “sagrado” em Pernambuco não aparece aqui com a estrutura convencional, mas a serviço da poesia segundo a lógica dos matutos.

River Raid The River Raid (Mr Mouse / RedTraxxx) O fim dos anos 90 levou, sem piedade, o macete que o rock and roll tinha de fazer som pesado, mas com uma pegada pop. Tudo se separou em extremos, enquanto as referências cresceram de maneira exagerada. Se fizermos uma paródia de que o rock entrou numa pista desgovernada, então River Raid seria o freio. 12 faixas, cantadas em português e inglês, que esse elogiável cuidado de soar acessível. Space/Nerd Rock, com distorção forte de guitarra, coro nos refrões, e clima de diversão. Difícil ouvir uma música sem dar uma de lagartixa. Cabeça para cima e para baixo, arriscando ritmo e vontade de se divertir. Bruno Nogueira

Ra Ra Riot Ra Ra Riot (Rebel Group) Este sexteto americano vem sendo considerado como uma das apostas do indie rock atual. Influências claras no post-punk e uma sonoridade que apresenta semelhanças com algumas bandas canadenses, como os contemporâneos do Tokyo Police Club (com quem vem dividindo alguns

As participações especiais da cantora Céu, do produtor Beto Vilares, de Fernado Catatau e Marcelo Pretto dão à gravação um inesperado tom cosmopolita. Ao vivo a Fuloresta evoca sua terra e oferece ao espectador aquela noite hedonista que só a gente da Zona-da-Mata – assim como os povos que convivem com o sofrimento diário - sabem como fazer: louca e inesperada, repleta de belas imagens e improvisos libertos do fundo da alma. No universo dos maracatus, cheio de reis e rainhas, eu não hesitaria em reconhecer em Siba o semblante de um príncipe e assim, súdito que sou do seu trabalho, saúdo-o. Longa vida a Siba e a Fuloresta! DJ Dolores

Rogério Skylab Skylab VII (Independente) Até este lançamento, tivemos seis doses cavalares de suas músicas perturbadas e bastante desconfortáveis de se ouvir junto a famílias numa sala de jantar.

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Sua performance propositalmente trash e suas letras despudoradas são um mérito a se reconhecer. No entanto, como tudo em excesso cansa e enjoa, percebo sinais de esgotamento de uma fórmula que o próprio Skylab inventou. Afinal, quem conhece a obra deste compositor carioca não se espanta mais com versos peculiares do tipo “Hei, moço, já matou uma velhinha hoje?”. Mas, Skylab já esteve em melhor forma, com mais criatividade e ousadia, soando aqui um pouco mais “comportado”. Até na capa ele pegou leve. Ao invés de um feto, uma cara arrebentada ou alien esquisito, vemos um cachorro deitado na grama!! E olhe que o disco teve colaborações de peso como Zé Felipe e Marlos Salustiano (ambos do Zumbi do Mato) e Maurício Pereira (Mulheres Negras), que por sinal assina em parceria com Rogério Skylab a melhor música do disco “O Mundo Tá Sempre Girando”. Depois dela, resta-nos agora aguardar pelo próximo trabalho deste artista louco que poderia fazer jus à fama da Desciclopédia, que o descreve como um “profeta que come cocô, curte sexo bizarro, mata e tortura pessoas”. Jarmeson de Lima

Satanique Samba Trio Sangrou (Amplitude) Enquanto ouvia o disco, tentava pensar numa boa metáfora para tentar descrever o quão surreal é o som deste grupo vindo de lá de Brasília. O “satanique” do nome vem bem a calhar num grupo que experimenta novas estruturas daquilo que podemos ouvir no disco e arriscar dizer que seja “samba”. Mas nada ali é convencional. Esqueça o que sabe sobre refrão, música alegre para dançar ou melodias assobiáveis. Até porque na própria capa eles escrevem “Saturações, scrocs, arritmias, texturas distorcidas e dissonâncias absolutamente propositais. Não reclame, agradeça”. O que mais seria preciso dizer? Eu pessoalmente curto tudo isso. Ritmos quebrados com um ritmo e estilo particular entrecortado por pífano, viola de

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doze cordas, trompete, cavaquinho e até um didjeridoo a serviço do mal. Ainda em busca da metáfora perfeita, que tal dizer que o Satanique Samba Trio seria o filho pródigo de um casamento entre Hermeto Pascoal e John Zorn tendo Arrigo Barnabé como padrinho? Só isso explicaria músicas como “Chuva de Sangue em Exu” e “Comendo Faca”, sem falar de outras como “Morre, Brasília” e “Salsa em carne-viva”. Precisa mais? Jarmeson de Lima

com o Anthony Burr, Orri Jónsson (Slowblow), e Gunnar Tynes (múm). O islandês já é influência nos músicos de nossa geração na Islândia e, atualmente, trabalha com o Sakamoto, Blonde Readhead, Jim Black, Anthony Burr, Kitchen Motors etc. Marcelo Garcia

Sonic Youth

Skúli Sverrisson Sería (12 tónar) Skúli Sverrisson é um baixista famoso mundialmente e esse é seu segundo trabalho solo tão esperado por nós, fãs de seus projetos como baixista. Conheci Sverrisson através do projeto do baterista Jim Black, AlasNoAxis, e do seu trabalho com uma das minhas bandas de rock prediletas, o Blonde Redhead. Ele é tecnicamente maravilhoso, além de misturar a dosagem correta de sabores do oriente médio, tocando rajas e escalas orientais no baixo, tudo num contexto de post-rock com jazz avant-garde. Sería, entretanto, é mais do que um simples disco. É um relato musical da mais alta ordem que levou dois anos para ficar pronto e conta com músicos incríveis: Amadeo Pace (Blonde Redhead), Anthony Burr, Eyvind Kang, Peter Scherer, Ted Reichmann, Hildur Ingveldardóttir Guònadóttir, Johánn Jóhannsson, Hilmar Jensson e Ólöf Arnalds. As músicas são lindas, amadurecidas e ponderadas. “Nineteen Centuries”, por exemplo, é uma jornada sonicamente melancólica magnífica que não tem altos nem baixos, clímax ou preparações para refrões ou nada disso. Simplesmente é e não poderia ser diferente. Outro exemplo de excelência musical é “Ólöf Arnalds” com o vocal e letras de Geislar Hennar que empresta sua voz para mais outras duas canções neste disco quase instrumental. Esta faixa é suave e divina. Antes de ver fotos dessa cantora, achava que ela tinha duas asas com penas gigantes e andava por ai dando pulinhos duradouros. Todas as músicas aqui são belas e especiais. Poderia escrever sobre cada uma com entusiasmo igual. O disco foi produzido pelo próprio Sverrisson

The Destroyed Room: B-sides and Rarities (Geffen) Ao se depararar com The Destroyed Room: B-sides and Rarities nem pense duas vezes: compre! A essência da banda está ali. Belas jam sessions e sessões de improvisação com guitarra e muito noise que faz a alegria do público em apresentações ao vivo. E este é um dos motivos pelo qual o disco soa tão bom, tão primitivo e visceral. Numa boa sintonia entre eles, músicos excepcionais que são, conseguem até mesmo neste caos sonoro extrair uma ordem e uma beleza para você selecionar até mesmo alguns “hits”. E vale salientar que estas são “sobras” de estúdio e gravações que aparentemente não teriam um rumo certo. No entanto, músicas como “Fauxhemians” e “Queen Anne Chair” bem que poderiam figurar no “Murray Street”, de onde elas praticamente nasceram, uma vez que foi nas sessões de gravação deste disco que foram tocadas. Temos aqui dez anos de outtakes, de 93 (da época do Experimental Jet Set Trash and No Star) até 2003 (do disco Sonic Nurse). Como se não fosse bastante ter dez faixas com raridades, a música que encerra o disco é “The Diamond Sea” em versão estendida com muitos minutos a mais para a satisfação de fãs e apreciadores do Sonic Youth. Jarmeson de Lima

Thee Butchers’ Orchestra Stop Talking About Music Let’s Celebrate This Shit (Ordinary / Pisces / Läjä) Produzido por Tim Kerr, uma espécie de lenda viva do rock da garagem norte-americano que já tocou em tantas

bandas que é impossível citar numa resenha, esse álbum, o quinto da explosiva carreira, certamente é o melhor e mais empolgante do trio paulista. A produção realmente fez a diferença e preencheu as canções com detalhes enriquecedores, como gritos ao fundo, um maior peso das guitarras e um som de bateria bem encorpado. Lançado na Europa por uma gravadora suíça, a Voodoo Rhythm (com uma capinha diferente muito mais bonita, além do formato vinil), o álbum mostra que em se tratando se garage punk, não tem para ninguém: os Thee Butchers’ Orchestra são os melhores do Brasil. Disparados. Gilberto Custódio Jr

Thee More Shallows Book of Bad Breaks (Anticon) De São Francisco, estes Thee More Shallows são responsáveis por um dos melhores e mais belos discos que poucos conheceram: More Deep Cuts (Turn, 2005). Um álbum épico que demorou três anos para ser gravado onde a atenção aos detalhes enriquece as canções. Já lhes tentaram colar muitas etiquetas: prog-indie, indierock, indie electronic, chamber rock, mas na realidade todas são bastantes redutoras face à mistura de rock / clássica / electrónica / folk que caracteriza o som bastante original da banda. Neste 3o disco é nítida a procura de caminhos mais experimentais para as suas músicas, com a introdução de mais efeitos eletrônicos e mais guitarra distorcida. No entanto esta procura tanto obtém efeitos absolutamente geniais, como a faixa “Int. 1” que antecede “Proud Turkeys” em que um belo trecho de cordas se decompõe digitalmente para dar lugar a guitarras bem distorcidas, como em outros momentos acaba por servir apenas para roubar alguma da beleza das canções. Mesmo assim, quando a mistura funciona, os resultados são brilhantes, como se pode ouvir em “Night At The Knight School”. Não é um disco fácil, mas


também não é estranho ao ponto de assustar às primeiras audições e, aos poucos, ele desperta a curiosidade para uma audição continuada. Bruno Taborda

V.A. Music for Hairy Scary Monsters (Morr Music) Antes de tudo, o monstrinho na capa do disco é muito fofo e não dá medo. Dá uma vontade enorme de agarrá-lo e trazê-lo para cama dormir. Ah, eu adoro os discos da Morr, sempre tão delicados, classy e simples. Esse é um presente para a Islândia de alguns músicos islandeses e outros amigos da Morr Music. Cada artista, são cinco ao todo, colaboram com duas músicas. Esta compilação foi feita originalmente por causa de duas noites que a Morr organiza na Islância, uma em Reykjavik e outra em Akureyri. Ambas terminaram no início de junho deste ano, sob o brilho do sol que nunca se acaba nessa época. Clima perfeito para essas músicas. Benni Hemm Hemm abre o disco com “Aldrei”, uma música que já foi lançada em sete polegadas e traz a doce voz de Jens Lekman cantando em sueco - parece uma música de ninar. A segunda, “Skavars”, também de Benni Hemm Hemm, é uma versão da primeira, só que mais chuvosa e instrumental. The Go Find continua com um pop elegant recheada de piano e barulhinhos e com uma cover da clássica “Perfume V” do Pavement. Isan, que vem do sul da Inglaterra, continua sem usar palavras, criando um lindo ambiente eletrônico, com referência à Islândia – fazendo um remix de uma música do Múm. De Reykjavik, tem Seabear – a mais nova banda da Morr. Viola, guitarras e outros instrumentos, é mais um grupo do complexo mundo do pop. Por fim, Tarwater, de Berlin, fechando o disco com “Dia” e “The Place”, ambas do Spider Smile. Ana Garcia

Palavras: Ana Garcia Ilustração: mooz

Club 8 “Whatever You Want” O duo sueco Club 8 de Karolina Komstedt e John Anergard chegou a lançar quatro álbuns, três EPs, ganhou um cultuado grupo de fãs pela Europa e EUA e sumiu. Agora eles voltaram com esta música e tudo continua lá: a linda voz de Karolina sobre guitarra, piano e barulhinhos eletrônicos. Depois de cinco anos, o casal voltou e deve lançar um disco completo em breve!

Figurines “Hey, Girl” Os dinamarqueses mantêm a mesma pegada do último disco Skeleton, rock básico, meio anos 90, mas agora tem influências de surf music, com um pé mais nos anos 60 – um pop psicodélico. Este é o primeiro single que estará no próximo disco, ainda sem nome.

Lulina “Chico”, “Silêncio” e “Watermelon Sugar” Eu pedi para a fofa da Lulina enviar uma música que estará no novo e próximo disco Aceitação do 14 e recebi três pérolas, todas apenas em voz e violão com participações esporádicas do seu amigo Leo. A primeira música, “Chico” (ou “Palavras Para Que Te Quero”, como ela diz no início da gravação) fala da apatia e de como palavras não podem salvar um sentimento. Esta será a música de abertura do disco. “Silêncio” já fala do uso de palavras e do barulho para fugir de pensamentos. Lulina canta esta música quase em falsete, com uma escaleta no fundo enquanto ela canta “silêncio me faz ouvir besteiras que estão aqui dentro / dentro de mim querendo me dar uma lição / mas tenho problemas de audição / melhor cantar qualquer canção”. A música “Watermelon Sugar” é em inglês, mais uma parceria

que ela fez por e-mail com o seu amigo americano Matt Love. Acho que essa música é sobre distância... Essa é a Lulina mais madura... Ah, brincando, acho que as outras músicas devem ter um monte de barulhinhos e coisinhas sem noção!

Jens Lekman “Friday Night At the Drive-In Bingo” Consegue imaginar como seria deixar a vida da cidade e começar uma nova na fazenda numa comunidade com os seus amigos, brincando de bingo, sujando as suas calças de lama e vendo coelhinhos serem coelhinhos? Tudo isso com saxofone, piano, cordas, palminhas e a voz doce do Jens Lekman. Não seria um sonho? Essa é a grande volta de Jens Lekman, depois dele ter ameaçado parar tudo e ir trabalhar em um bingo. O novo disco sai em setembro, mas este single de 7” já pode ser encontrado em lojas na Suécia.

Richard Reagh “Hangin’ On A Limb” No blog do Richard Reagh, http://richardreagh. blogspot.com/, você pode escutar partes das 14 faixas que estarão no próximo disco Is This the Blues I’m Singing. Ele é um pouco chato e tedioso, mas tem a maravilhosa Sarah do El Perro del Mar cantando junto, o que deixa qualquer música mais linda!

Will Stratton “Katydid” O primeiro álbum do compositor e músico Will Stratton, What the Night Said será lançado pela Stunning Models on Display no final de julho. “Katydid” tem Sufjan Stevens tocando oboé. O disco conta também com o violoncelista Tony Roigers, conhecido pelas suas colaborações nos discos de Jens Lekman.

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Palavras: Gilberto Custódio Jr. Ilustração: mooz

Aí está uma geral nos compactos que foram lançados recentemente por gravadoras nacionais. Puro fetiche pop, objetos de colecionador, pequenas obras de arte. É assim que todos vêem os outrora famosos disquinhos de vinil. Estão todos certos. E numa época quando a música é virtual e o CD fica cada vez mais sem graça (sempre foi), o vinil renasce despretensiosamente em tiragens limitadas e muitas vezes disputadas a tapa. Pode perguntar para quem lança os disquinhos: as 500 cópias sempre esgotam. Privilégio de poucos. Sabendo disso, cada vez mais bandas e gravadoras apostam nesse formato. Perguntei para o Ruivo, do BestaFera, a razão pela qual ele lançou um split 7”, ele respondeu com três razões: “No caso desse split foi uma escolha interessante para as duas bandas. Em primeiro lugar porque todos nós gostamos de vinil e queríamos ver nossas bandas nesse formato. Em segundo lugar porque as duas bandas são relativamente novas e talvez não fosse à hora de investir em um álbum completo individual, além disso, unir forças na divulgação tem sido bem importante. Em terceiro lugar, vivemos a era do MP3 em que se a gente lança 1000 CDs de bandas bem desconhecidas vamos vender no máximo uns 500 e guardar os outros 500 embaixo da cama ou dar de presente para as nossas tias. Fazendo 500 compactos acho que vamos vender facilmente o disco pra quem curte o formato aqui no Brasil e fazer umas boas trocas com bandas gringas que também lançam em vinil, que ainda é bem forte lá fora (pelo menos na cena de rock independente). Nada contra MP3 especificamente, mas a gente precisa recuperar a grana pra continuar lançando outras coisas. Depois que tivermos vendido bastante, nós disponibilizaremos tudo na internet, sem grilo”.

Besta-Fera / Arma Laranja Split 7” (Faca Cega Discos) Vinil laranja, capa linda e três músicas pra cada banda. Os paulistanos do Besta-Fera poderiam ter feito parte da SST, caso eles existissem em meados dos anos 80, já que a música deles lembra uma mistura de três bandas da legendária gravadora: Minutemen, Black Flag e Meat Puppets. E eles ainda dividem os vocais num esquema dueto masculino e feminino! A canção “Caminhos Cinzentos” é um verdadeiro hit do atual hardcore nacional. Os curitibanos do Arma Laranja percorre um caminho parecido, com um som igualmente rápido e punk rock, sendo que o vocal predominante é feminino, gritado daquele jeito característico, mas de certa forma melódico. Entre as influências a banda cita Hüsker Dü, Saints, Germs, Mercenárias, Wipers, ou seja, bom gosto a banda tem de sobra e isso transparece no som, que é ótimo. Se você for adquirir somente um compacto dessa página, escolha esse. www.myspace.com/bestafera www.myspace.com/armalaranja

The Dead Rocks Tiki Twist (Monstro Discos) Na página do MySpace eles se auto-intitulam como o “The Best Brazilian Surf Music Combo!”, tudo em maiúscula mesmo. São um tanto pretensiosos, já que o Brasil deve ter umas 547 bandas de surf music. Se eles são ou não são os melhores eu não sei, o que sei é que eles são bastante parecidos com os outros 547 combos de surf music, ou seja, conseguem animar uma festa como ninguém com canções instrumentais

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e aqueles mesmos acordes de sempre que todo surf rock tem que ter. Fãs do estilo irão se acabar com as quatro canções do compacto e quem não é fã provavelmente também vai, porque esse é o tipo de música irresistível, não dá pra ficar parado. Que venham mais compactos de surf music! www.myspace.com/thedeadrocks

I Shit On Your Face / XXXManiak Split 7” (The Hole Productions) Esse compacto split chama atenção pela capa, que no melhor estilo gore, mostra o desenho muito bem feito de uma orgia aonde tem tudo que existe de mais nojento e repugnante em matéria de fetiche e sexo. Mas também, olha o nome das bandas: I Shit On Your Face e XXXManiak. O negócio é pesado e bastante sujo, vai além da violência que é o “usual” grindcore, chegando num estilo chamado goregrind, que provavelmente só é conhecido e apreciado nos buracos mais escuros, arregaçados e fedidos desse planeta. Essas duas bandas são de longe os troços mais doentes que já ouvi e isso não é um elogio. I Shit On Your Face é auto-explicativo (a banda é de Vitória-ES). No lado do XXXManiak, ouve-se diálogos de uma criança chorando enquanto um homem pede pra ela arrancar as calças fora e parar de chorar feito bichinha, enquanto o nome das músicas são “Honk Kong Fantasy”, “I Must Fuck Everything”, “Slutty Vag Tiny Tits” e “I’m Scared of My Uncle Barry” (nessa última o tio Barry se oferece para brincar com o pintinho do sobrinho). É tudo tão absurdo que só pode ser uma crítica feita às avessas. Mas se a banda não aponta nenhum sinal de que é uma crítica, ela

se expõe de um modo que só doentes mentais são atraídos por ela. Não seja um deles. Mas tudo pode ser uma piada de mau gosto. Suscita dúvidas. www.myspace.com/theholeprods

Crazy Legs Rockabilly Trio (Rocket Records) O trio paulista de rockabilly, apesar de já ter quatro CDs, somente agora lança o primeiro compacto da carreira, em vinil vermelho e com selo que homenageia a Sun Record Company de Memphis. Já era hora. O formato tem tudo a ver com o som que eles fazem: o mais autêntico rockabilly, que fãs do estilo afirmam ser o melhor do Brasil. Nesse compacto encontramos quatro canções. A boa notícia é que a banda pretende lançar mais três sete polegadas num futuro próximo. Esperamos ansiosamente! www.myspace.com/crazylegs

I Shot Cyrus / Kriegstanz Hate the Police Split 7” (Pecúlio Discos) De um lado temos o I Shot Cyrus, banda paulista que mistura thrash metal com hardcore (velocidade multiplicada por mil). Deles temos quatro faixas que, segundo o release, “não te deixa nem pensar direito no que está acontecendo”. E é verdade! Não iniciados certamente só vão ouvir barulhos incompreensíveis, gritos raivosos e bateria bate-estaca ultrarápida. Mas com um pouco de atenção dá para encontrar riffs matadores, solos nonsense e letras do tipo “eu odeio você / da sua boca só sai mentiras / vacilão / filho da puta”. Digno de nota é o nome


da banda, uma referência ao filme novaiorquino “Os Selvagens da Noite” (The Warriors, 1979), que mostra brigas de gangs e hoje em dia é clássico no meio punk. Do outro lado temos Kriegstanz, que surge da Holanda com dois petardos sonoros ultra rápidos, barulhentos e, por mais incrível que pareça, melódicos, principalmente em certos momentos das guitarras. O vocal é gritado e as letras são de protesto. No release dizem que são influenciados por “hardcore crust escandinavo oldschool”, seja lá o que isso signifique. Mas uma coisa eu aprendi: qualquer música que tenha a palavra “crust” na descrição merece a atenção. Cada vez que ouço, gosto mais. Nota: O I Shot Cyrus lançou um split LP com o Discarga, pela mesma Pecúlio Discos. Vale conferir. www.myspace.com/ishotcyrus

Vingança Hora do Herói Cair (Raw Records) Surge mais uma gravadora influenciada pelo esquema faça-você-mesmo. A Raw Records é de Brasília-DF e de cara já lançou dois compactos, além de prometer mais. Esse do Vingança, uma banda de Fortaleza-CE, tem nada menos que 10 faixas que navegam entre o thrash metal e o hardcore (alguém lembra do crossover?), tudo naquele esquema velhaguarda dos anos 80. A capa mostra uma caveira tomando um tiro na cabeça, pelas costas. www.myspace.com/vinganca

Mayombe A História Mela Sangue (Raw Records) O Mayombe era uma banda de powerviolence (uma

variação do grindcore) de Brasília-DF que acabou sem lançar nada oficialmente. Agora surge esse lançamento póstumo, gravado originalmente em 2002, 13 sons de gritaria pura (desacreditei quando olhei no encarte e vi que quem “canta” é uma garota) e muita velocidade. myspace.com/rawrecs

MQN Cobra (Monstro Discos) Essa nova música do MQN é um verdadeiro estrondo, quase caí para trás com os primeiros acordes explosivos de guitarra, que lembrou até o saudoso AC/DC ou mesmo os bons momentos do The Cult. Parece que eles estão aos poucos abandonando as referências stoner rock e caindo de cabeça no mais cabuloso hard rock. Tanto “Cobra” quando lado B “Let It Explode” são ótimas, sendo que essa última ainda puxa para um lado mais blueseiro, mas sem perder o peso já característico do próprio MQN. Para completar a capa de tons vermelhos é simplesmente sensacional e o vinil é verde. Uma perfeita pequena obra de arte. Para ouvir muitas vezes e guardar com carinho. E que venham mais singles! www.myspace.com/mqn

Social Chaos / Subcut Split 7” (União Positiva Discos) O Subcut nem coloca o nome das músicas no selo do vinil, encontramos apenas o nome da banda e o rótulo “grindcore”. Numa consulta ao Wikipedia, vemos que “grindcore é um estilo musical marcado

pela incrível velocidade e peso brutal, que surgiu através da mistura dos elementos mais agressivos do hardcore com thrash e death metal. É um estilo que utiliza séries atonais e desarmônicas de notas moídas (grinded) entre si e é marcado pela batida ultra-veloz da bateria”. E é exatamente isso que ouvimos. Pura violência sonora. O lado do Social Chaos segue no mesmo esquema. As duas bandas são brasileiras. www.myspace.com/subcut www.myspace.com/socialchaos01

O Inimigo Todos Contra Um (Ideal Records) Os integrantes do O Inimigo dividem seu tempo com as bandas Ratos de Porão, Discarga, Eu Serei a Hiena e outras menos conhecidas. Esse é o primeiro lançamento, que conta com três músicas inéditas e um cover do Black Flag, “Jealous Again”. O som é hardcore, lembra Fugazi e a maioria das bandas da Dischord. Esse 7” foi gravado por Fernando Sanches (CPM22) e Philippe (Dead Fish) no estúdio El Rocha. Vamos torcer para que essa gravadora lance mais compactos! Recentemente eles relançaram em CD um dos maiores clássicos do hardcore nacional, “Relax In Your Favorite Chair”, álbum de estréia do Garage Fuzz. Outros lançamentos da Ideal são CDs do Noção de Nada, Nenê Altro e Deluxe Trio. www.myspace.com/idealrecs

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Foto: Mayra Rowlands

Supercordas Centro Cultural Banco do Brasil Imagine o centro de São Paulo em plena terça-feira, dia de comércio pesado, às 13h com aquele sol de rachar. E bem no meio da infernal Rua Álvares Penteado, também conhecida como a Rua dos Bancos, tem um teatro climatizado todo arrumado para o show da Supercordas dentro do projeto SuperNovas. Para complementar a estranha ambientação e horário, o projeto tem a apresentação da lenda-viva Zé do Caixão que recita letras do grupo em um vídeo simples que passa bem a interpretação encantadora e macabra intrínseca ao personagem que encarna. Zé sai de cena e cede espaço a um filme inicialmente mudo que a cada minuto ganha um instrumento de acordo com a entrada dos integrantes da Supercordas. Estava enfeitiçada pelo ambiente psicodélico que aos poucos ia sendo construído por uma música instrumental cheia de efeitos que lembram as fantasias dos tropicalistas, mas com toques de músicos que em um mar de influências conseguem criar e viajar sozinhos. A platéia parecia encantada e nas duas músicas seguintes, “A Chanerca” e “3.000 Folhas”, se arriscava a sussurrar alguns versos tentando acompanhar o afinadíssimo vocalista Bonifrate. No final da quarta música, Bonifrate convida Fernanda Takai do Pato Fu a participar de duas canções, “Sobre o Frio” e “Ruradélica”. A voz doce e de pouco alcance de Fernanda Takai casa perfeitamente com a idéia das canções. Em seguida, veio “Sobre o Calor”, a agitada “Frog Rock”, “Eu não tenho sorte na vida” (uma música nova que não saiu no disco do grupo) até chegar à última “Na Terra da TV”. As músicas da Supercordas passam uma sensação de felicidade, de amor à natureza e suas letras poderiam ser trilhas de contos de fadas. Foi um show curto e muito bem ensaiado, mas sem perder a espontaneidade de uma boa apresentação ao vivo. No fim, eu estava feliz e pronta para enfrentar o ”centrão” de São Paulo na volta para casa. Tathianna Nunes

Foto: Patrícia Arvelos

The Apples In Stereo

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Bush Hall, Londres Assistir The Apples In Stereo em pleno 2007, o ano do suposto renascimento da “rave-music”, deixa esse escriba, no mínimo, com o espírito reanimado. Fazem mais de uma década que surgiram e nesse tempo todo não apenas eu, mas também a cena musical passou por relevantes transformações. Apesar de todo esse meu pretenso amadurecimento e apetite musical/cultural em constante expansão, é confortante ver que o rock jovial desse coletivo americano ainda consegue me deixar bastante entusiasmado. “Never forget where you come from”, a life rule. O novo lançamento da banda, New Magnetic Wonder, é sem dúvida o mais ambicioso e sólido da carreira, e o repertório do show de hoje, obviamente, abrange uma boa parte desse disco. Iniciam com a ensolarada “Can You Feel It?”, um pegajoso powerpop que me fez pensar que escutar Big Star em 45 rotações talvez não seja uma má idéia. “Energy” veio com uma simplória, porém certeira harmonia, aliada às guitarras funkeadas e foi um dos destaques da noite. Quando me dei conta, estava pulando e dançando feito um bobo-alegre. Ainda bem que não era só eu. Inevitavelmente, não poderia faltar alguma música que ecoasse os melhores momentos do Pavement, assim como da turma Elephant 6, e essa foi a estupenda “Skyway”. A apresentação também deu espaço para velhos hits, como a divertida “Ruby”, com palmas e lalalas ao melhor estilo Beatles de ser. Os Apples In Stereo, um bando de marmanjos beirando os 40 sem nenhum receio de mostrar a calvície, tocaram por mais de uma hora com o mesmo vigor de um grupo de moleques. Quando a coisa é genuína, a idade não importa. Os atuais brinquedos da moda podem ser Twong, Klaxons ou Hadóken. Eu prefiro a coisa de verdade, the real thing. Márcio Custódio


Foto: Patrícia Arvelos

Caetano Veloso

The Holloways Electric Ballroom, Londres Aqui em Londres, qualquer show de uma banda citada no semanário NME fica parecendo uma matinee abarrotada de kids histéricos, com idade média de 15 anos. Até com grupos que a NME fala mal acontece isso. Esse é o caso do The Holloways, que nunca foi aceito no semanário inglês por serem injustamente acusados de serem uma “banda-de-uma-música-só”, no caso a eufórica “Generator”, mas como provam hoje à noite, tocando o álbum de estréia So This Is Great Britain? por completo, The Holloways é muito mais que um único single. Esse quarteto é basicamente uma fusão de Libertines com Housemartins com Specials: uma pegada punk-ska e um visual aludindo ao Arcadian Dream calibrados por uma certeira roupagem pop. Faixas como “Two Left Feet” e “Fit for a Fortnight”, que foram calorosamente recebidas pela platéia de hoje, não me deixam mentir. “Dancefloor”, um dos singles do grupo, também arrancou berros entusiasmados da galera. O hitmonstro “Generator”, definitivamente uma das músicas mais cativantes da história da música pop, foi deixado para o final. O que se viu foram sapatos voando, pessoas de ponta-cabeça, cervejas derramadas e o lugar inteiro cantando junto em estado de êxtase. The Holloways ainda voltou para o bis com a ótima “Hapiness and Penniless”, e demonstrou claramente que quem acha que a banda possui apenas uma faixa boa está redondamente enganado. Márcio Custódio

Jennifever | The Kissaway Trail | The Devastations Spitz, Londres Originário do norte da Suécia, o quinteto post-rock Jenniferever parece não ter se importado com a pouca quantidade de pessoas que estavam presentes para assisti-lo. Mesmo assim, foi com convicção que foram apresentando seu post-rock melódico, no qual ora atingia o clímax com guitarras barulhentas, ora permanecia em estado de contemplação. Pura excelência. Faixas longas carregadas de melancolia e intensidade na medida certa. Tocaram metade do debut álbum The Sound of Beating Wings. O vocalista Kristofer Jonson se contorcia e cantava com expressões de angústia, parecia que a qualquer momento iria abrir o berreiro. Mas se conteve. Em seguida foi a vez dos também nórdicos The Kissaway Trail, vindos da Dinamarca para mostrar seu apocalíptico e épico indie-rock. Sonoramente são uma união de Arcade Fire, Mercury Rev e The Polyphonic Spree, mas sem esses lances de instrumentos exóticos, corais e orquestrações. The Kissways Trail despe um rock grandioso apenas com o básico guitarra-baixo-bateria. Na verdade, são três guitarras, que, aliadas aos vocais duplos, colidem entre si e culminam num astral sônico. A presença de palco dos integrantes, sempre aos pulos, também ajuda. O destaque ficou para as explosivas “61” e “Smother+Evil=Hurt”. Os australianos The Devastations tinham a tarefa de fechar a noite. Esse quarteto, que atualmente reside em Berlim, lançou um long-play intitulado Coal no final do ano passado e foi elogiado pela imprensa especializada e por algumas figuras ícones também. Karen O., por exemplo, disse que Coal foi uma das melhores coisas que ela ouviu ultimamente. O repertório do show foi baseado em números desse disco e também músicas novas. Quando se tratava das canções antigas, éramos encantados com uma mantra boêmia e elegante, digna dos melhores momentos de Leonard Cohen, Lou Reed e Nick Cave, onde “Terrified” e “What’s A Place Like that Doing In A Girl Like You” se sobressairam. Já as músicas novas, com exceção de uma única faixa que percorria numa levada funk, apresentavam um clima de total fossa, com pianos fúnebres e atmosfera sombria, recheada com vários silêncios. Bem perturbador. Márcio Custódio

Teatro Guararapes, Recife No ano passado, fiquei desconfiado quando soube que Caetano iria lançar um disco “de rock”. Afinal, parecia que ele forçava a barra para ganhar novo público. Ouvi “Cê” algumas poucas vezes de má vontade e coloquei-o no limbo dos discos desinteressantes. Recentemente, decidi ouvir de novo a tal “obra roqueira”. Fiquei surpreso: tem a marca autoral dele, mas com vigor e energia aparentemente perdidos há muito tempo. Lá estavam Caetano, um jovem trio na formação básica guitarra, baixo e bateria (com um eventual piano Rhodes), um cenário despojado e um repertório preciso. Caetano volta à sua velha inquietude, se faz acompanhar por uma competente banda de rock de garotos com barba rala e chega a colocar um mar de microfonia no fim de uma música. Havia as ótimas canções do disco novo, entre as quais a bela e cortante confissão que é “Minhas Lágrimas”, a irreverente e empolgante “Rocks” com a frase grudenta “Você foi mó rata comigo” e “Odeio”, com letra típica do baiano e refrão que fez até as velhinhas da platéia cantar: “Odeio você!”. Com o repertório antigo ele não fez concessões: evitou o indefectível banquinho e violão em “Sampa”, fazendo uma versão quase acelerada. Acentuou o lado blues de “Como Dois e Dois”. E ofereceu outros ótimos momentos com “Fora da Ordem” – muito adequada ao novo repertório – “Desde Que O Samba É Samba” e “Nine Out of Ten”. Até quando esqueceu um verso de “London, London” ele não perdeu o estilo. No terceiro bis, depois de fazer a platéia cantar muitos “odeio você”, concedeu um pouco de ternura em meio ao noise, com a doce “Cajuína”. André Balaio

Medications Espaço Cultural 92 Graus, Curitiba Uma noite de rock alternativo, independente e, até certo ponto inovador. Mas antes dos shows, vamos falar um pouquinho sobre o lugar em que o show aconteceu: o bom e velho 92 Graus, ou melhor, o novo Espaço Cultural 92 Graus. Depois de 15 anos de intensas atividades, idas e vindas, alegrias e decepções, JR Ferreira, o incansável agitador da cena udigrudi curitiboca volta à ativa no “bar fechado mais aberto do sul do mundo”. Aos poucos os bons shows vão voltando. Dezoito anos de Relespública, Banana Metalic e, agora, um show de bandas com estilos variados dentro da cena alternativa/independente contemporânea. Uma volta aos primórdios da década de 90? Oh! Yeah, baby... Com o Medications no palco, o público começou a se aglomerar. A banda faz um som influenciado pelo universo independente “noventista”, se é que esse termo pode significar algo. Pitadas de Fugazi, algumas paradas estratégicas, um pouquinho de Dinosaur Jr, Pavement e, conseqüentemente, muita distorção, barulho e viradas de bateria. Nada de muito surpreendente, mas também nada que desabone a performance. Não me tenham como um chato. Adoro esse tipo de música, mas minha criatividade se alimenta não só do que já foi feito, mas também daquilo que outros estão fazendo, criando, inovando. Se a história é cíclica – depois da onda hipponga, do resgate dos 80’s, preparemo-nos para uma retomada dos 90’s. Felipe Rodrigues

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Ilustração: Bruna Canepa

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