H.P. Lovecraft: a disjunção no Ser

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Abertura

A filosofia atravessa um período de cesura epocal. Ainda não está, em absoluto, claro se ela poderá sobreviver como autêntica forma de vida para além (apesar) de seu estabelecimento como saber organizado do cursus acadêmico. Sua posição no mundo dos saberes é mais frágil que nunca e, deve-se enfatizar, o questionamento de suas próprias capacidades proveio da filosofia mesma, talvez a única episteme a ter dedicado esforços consideráveis para sua própria autodestruição. Nesse sentido, a filosofia é a única antropotecnologia que, após uma existência milenar, teve a coragem ou a insolente audácia (como o leitor prefirir) de propor sua própria aniquilação como possibilidade real, por meio de uma debilitação de suas capacidades de transmissibilidade, de um questionamento radical de suas pretensões de verdade e, finalmente, da colocação em causa de suas possibilidades de se constituir como uma experiência iniciática, como uma disciplina ética do logos. Aqui não é o lugar para responder à urgente questão sobre a sobrevivência da filosofia à Organização da pós-burocracia (reticular, estatal, paraestatal, a-estatal) da nova ordem planetária ou sobre sua conversão, no fim de seus dias, na profissão periférica de um conjunto altamente treinado de funcionários de elite de algum gabinete dedicado à liturgia do passado. Apesar de tudo, há boas razões para pensar que é hora da filosofia concluir seu ciclo histórico (ela mesma o reivindicou com uma insistência que deve ser escutada). Contudo, há pessoas teimosas que pensam ainda ser possível uma última oportunidade. Na verdade, os filósofos já se extinguiram completamente da face da terra. Não se trata de uma extinção recente e, entretanto, ninguém parece ter realmente percebido o fenômeno (salvo, é claro, certos espíritos lúcidos mas negligenciados que não deixaram de postulá-lo em momentos históricos variados). Há muitos séculos teve lugar a morte do último filósofo. Não tentaremos aqui levar adiante um catálogo infrutífero de datas e nomes. Simplesmente diremos que os filósofos realmente deixaram de existir junto com a desaparição das escolas que os tornava possíveis. A obliteração dos filósofos não equivale, contudo, ao final da filosofia. De


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