ABE 150 anos - O Passar dos Tempos e a Educação

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T274p

Telles, Leandro

O passar dos tempos e a educação a excelência na história do Colégio Farroupilha / Leandro Telles e Naida Menezes. Porto Alegre: [s. ed.], 2012. 186 p. : il. ; 22 x 24 cm. ISBN - 978-85-61797-16-4 1. Colégio Farroupilha Educação história. 2. Educação Rio Grande do Sul história. 3. ABE Colégio Farroupilha. I. Menezes, Naida. II. Título. CDU 37(091) Catalogação na fonte: Paula Pêgas de Lima CRB 10/1229

Associação Beneficente Educacional de 1858 Diretoria Presidente: Fernando Carlos Becker 1o Vice-Presidente: Henrique Ewaldo Streibel 2o Vice-Presidente: Renato Eduardo Santos Silva 1o Secretário: Eduardo Passos Lemmertz 2o Secretário: Rodolfo Schütz 1o Tesoureiro: Sergio Ebling Enck 2o Tesoureiro: Bruno Carlos Foernges Conselheiros: Christian Ulrich Voelcker - Delfino Carlos Plá Filho João Francisco Largher Costa - Marcello Casaccia Bertoluci Mario Fernando F. Espíndola - Nilo Vilmar Lopes Job Rolf Werner Hemesath

Coordenação: Tiago Schmitz

Conselho Fiscal: Efetivos Ciro Itamar Pacheco - João Luiz Scaffaro Rios Raul Carlos Volkmer

Coordenação de pesquisa histórica: Naida Menezes

Suplentes André Meyer da Silva - Arno Ervino Gehrke Paulo Sérgio Pinto

Equipe de pesquisa histórica: Lucas Grimaldi, Naida Menezes, Tiego Rocha Rebello Redação: Naida Menezes e Leandro Telles Capa, Projeto Gráfico e Ilustrações: Redesenhar - Comunicação e Arte Adel Fabian Giacomini Diagramação: Cristiano Marques Revisão: Ademar Vargas de Freitas Impressão: Gráfica Calábria Livro impresso através da Lei de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura, com apoio da Aços Villares S/A, através de projeto da Adviser Consultores Educacionais, na gestão do ex-presidente da ABE de 1858, Jorge Bertingher.

Conselho Consultivo: Anton Karl Biedermann - Donato Hugo Winkler Fernando Carlos Becker - Germano Pradel Wahrlich Jorge Gerdau Johannpeter - Jorge Guilherme Bertschinger Ricardo Hauck Conselho Escolar-Administrativo: Educação infantil Fabio Maraschin Haggsträm Marco Aurélio Salatti Schitz Ensino Fundamental - Anos Iniciais Marianne Kude de Almeida Roberto Coimbra Santos Ensino Fundamental - Anos Finais Leandro Paulsen Octávio Mendes Teichmann Ensino Médio Adriana Rivoire Menelli de Oliveira Paulo Leandro Nardin Direção do Colégio Farroupilha Diretora Pedagógica: Marícia Ferri Diretor de Administração e Finanças: Milton Fattore


SUMÁRIO APRESENTAÇÃO..............................................................................................................................7 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................9

CAPÍTULO I Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX.............................................................13 Porto Alegre no final do século - modernidade e escola........................................................................25 O Rio Grande do Sul, o Positivismo e a educação - Primeira República (1889-1930).............................31 Educação e Nacionalização Compulsória – 1930/1940........................................................................41 Escola Técnica de Comércio Farroupilha ............................................................................................51 As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades........................................55 Paradigmas repensados – A sociedade de aprendizagem e o século XXI...............................................73

CAPÍTULO II Para além da escola – A mantenedora: sustentáculo e resiliência..........................................................81 Matemática - Cubos, tabuadas e condução global.................................................................................97 Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras........................................................................... 109 Elementos culturais e simbólicos: detalhes do calendário escolar........................................................ 123 O Canto e o coral que transforma e que preserva................................................................................131 Juventudes, disciplina e Bildung........................................................................................................137 Jogos e Ginástica no Colégio Farroupilha..........................................................................................151 Espaço Físico – Entre bondes e figueiras............................................................................................159 Conclusão.......................................................................................................................................... 177 Presidentes da ABE de 1858..............................................................................................................................179 Diretores do Colégio Farroupilha (1886-2012) e Diretores do Curso Primário.....................................................180 Variações do logotipo do Colégio Farroupilha através dos tempos......................................................................181 Referências e créditos........................................................................................................................................183

7



APRESENTAÇÃO

R

esgatar a história de mais de 150 anos de tradição na educação não é tarefa fácil. Da mesma forma, sintonizar a educação com as

demandas da sociedade em diferentes tempos sempre foi um grande desafio para a Associação Beneficente e Educacional de 1858. A obra “O passar dos tempos e a educação – A excelência na história do Colégio Farroupilha” busca resgatar alguns dos muitos momentos importantes do passado até o presente. A brilhante pesquisa histórica – que traça um paralelo entre a evolução do ensino básico no Rio Grande do Sul e as transformações do Colégio Farroupilha ao longo de muitas décadas – retrata o compromisso da ABE com seus pilares da tradição, disciplina e inovação. Como mantenedora, a ABE sempre foi a principal responsável por todas as decisões e projetos implantados na instituição. É também a entidade que procura perpetuar os valores e ideias de uma pujante história em prol da excelência educativa. A obra nos comprova que formar cidadãos competentes e comprometidos com a sociedade em que estamos inseridos sempre foi a missão de nossa instituição desde sua origem. Cabe a nós, nos dias atuais, assumir o compromisso de perpetuar tão bela trajetória e continuar fazendo história, mantendo-nos em constante aprendizado e assumindo o compromisso com a excelência educativa. Como diria o cientista britânico Charles Darwin: não são os mais fortes, nem os mais inteligentes que sobrevivem, mas aqueles que melhor se adaptam. Nós, ao longo de mais de 150 anos, nos adaptamos e continuaremos firmes na promoção de um projeto educativo comprometido com a formação cidadã e transformadora. Boa leitura! Fernando Carlos Becker Presidente da ABE de 1858



INTRODUÇÃO

A

o pensarmos sobre a educação que queremos nas escolas, é importante revisitar o passado. A história dos processos educativos nos

traz subsídios para entendermos o nosso papel na comunidade escolar, respaldando posições mais proativas. O presente livro pretende contribuir nesse sentido. Ele é formado por dois capítulos, duas grandes divisões de análise, construídas de forma que uma complemente a outra. O primeiro capítulo apresenta um texto de imersão e análise no tempo histórico da educação, de forma mais linear e narrativa, dando visibilidade às rupturas ocorridas ao longo dos anos. O objetivo foi situar o leitor em relação ao sistema educacional no Brasil, especificamente na cidade de Porto Alegre. O segundo capítulo aborda um estudo de caso do Colégio Farroupilha, mantido pela Associação Beneficente e Educacional (ABE) de 1858, a partir de temáticas como o calendário escolar, o espaço físico, a juventude (protagonismo, conflitos, saberes e sociabilidade juvenil), as transformações no processo de aprender a ler e fazer contas. Iniciamos essa segunda categoria de análise em relação à história do sistema educacional com um subcapítulo que apresenta subsídios à compreensão dos demais. Ele trata sobre a criação da ABE de 1858, responsável pela fundação e mantenedora do Colégio Farroupilha. Sua história nos remete a um grupo de pessoas que se manteve atento às demandas sociais de cada geração, apresentando soluções inovadoras e eficazes para a educação da sociedade porto-alegrense. O corpo da obra, principalmente no segundo capítulo, é enriquecido com fontes orais, fotografias, livros de registro, livros de notas, atas, ofícios, cartas e cadernos escolares. Buscamos trazer esses elementos cotejando-os e, mais do que isso, promovendo um diálogo com as nossas percepções teóricas e com análises que estudiosos da educação realizaram nos últimos anos. As percepções de


pesquisadores, nossos contemporâneos, contribuem para um olhar mais atento, de forma que possamos perceber padrões da estrutura escolar e também o que não é padrão, algo diferente dentro da normalidade dos registros das atas, ofícios e outros. Além disso, eles nos desafiam com diferentes elementos e questionamentos referentes ao passado. O leitor também reconhecerá a presença de memórias e sentimentos em relação à escola. Nesse viés, pensando o Colégio Farroupilha também enquanto agente socializador, focamos em um personagem do universo educacional: o aluno. Seja criança, seja jovem, ele, volta e meia, sobressai ao texto, através de memórias, imagens, cartas e artigos das revistas publicadas por professores e pelos próprios alunos do Colégio. A voz da comunidade escolar que chega ao leitor, por exemplo, através dos depoimentos, é uma forma de valorizar todas as gestões e gerações que passaram pelo Colégio Farroupilha. A escolha dos depoentes foi pensada de forma a representar a importância do grupo ao qual o entrevistado faz parte: presidentes da ABE de 1858, equipe diretiva, pais, alunos, professores e colaboradores. Todos foram fundamentais, e por isso estão representados nas entrevistas, mas com um detalhe: o professor, o diretor, o presidente e demais entrevistados também foram alunos da escola. Pensando em avançar para além do descrédito e da crítica em relação à educação no Brasil, o livro traz conhecimento e inspiração, narrando a trajetória de uma instituição educativa gaúcha que desde 1858 forma cidadãos competentes, responsáveis e éticos, tendo como pilares a disciplina, a inovação e a tradição. Que esta história sirva de referência para trilhar os caminhos futuros da ABE de 1858 e do Colégio Farroupilha, mas também de outras instituições educativas que estejam inquietas em busca de melhorias em seus processos educativos.


CAPÍTULO I



CAPÍTULO I

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

N

a sociedade do século XXI existe uma

Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, é

condição natural para a criança e para

importante observar o formato da rede educacional

o jovem: eles são estudantes, vão à escola. Cem

da primeira metade do século XIX.

anos atrás, essa lógica escolar não fazia parte

Cabia à Câmara de Vereadores administrar

do cotidiano da maioria dos brasileiros. No

em nome do Presidente da Província, as aulas

entanto, é lá no passado que podemos encon-

públicas de primeiras letras. Os livros, a escolha

trar as raízes de nossa cultura escolar

do prédio – normalmente alugado –, a

e também o entendimento de certos

contratação de professores cabiam à

paradigmas relacionados ao ensino.

Câmara de Vereadores, que contava,

Se fizermos uma imersão em busca das raízes históricas da educação no Brasil, de sua gênese, veremos que a Constituição Imperial de 1823 já previa o direito à instrução gratuita de todos os cidadãos. No entanto, cinquenta anos depois de promulgada

em cada distrito do município, com a colaboração de um inspetor escolar. A Câmara costumava, então, adquirir algumas casas onde os professores pudessem receber os alunos. A comunidade escolar se resumia à figura do mestre e do discípulo, era

a lei, 87,5% dos jovens brasileiro ainda não tinham

um professor para cada pequena escola, então

acesso ao ensino (SILVA, 2006, p. 84).

chamada de aula. Sem equipe diretiva, pedagógica

No século XIX, a instrução caracterizava-

ou colaboradores.

se como um sistema de ensino descentralizado,

Nas aulas de primeiras letras, aprendia-se a

sendo coordenado pelo presidente de cada uma

ler, escrever e fazer contas. Além disso, os alunos

das províncias que formavam a nação.

recebiam lições de Historia do Brasil, Moral e

Seguindo o rumo em direção ao passado,

Religião, o chamado catecismo, que passou a

e focando na cidade de Porto Alegre, capital da

fazer parte oficialmente do currículo das escolas

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

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ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

ATAS DA CÂMARA DE VEREADORES

25 de junho 1877 Comunicam a mudança da Aula das meninas da Azenha para a Rua da Margem. 9 de julho 1877 16 de março1878 Recebem portaria da Presidência tratando da transferência da aula do sexo masculino de Nossa Senhora dos Navegantes para a Rua da Floresta. 27 de agosto 1878 Recebem Portaria da Presidência comunicando ter prorrogado até junho de 1879 o contrato para o fornecimento do primeiro e segundo livros de gramática para as aulas públicas da Província. Dezembro de 1878 Recebem abaixo-assinado de moradores entre as ruas dos Generais Silva Tavares e Bento Martins, pedindo que seja criada uma aula mista para seus filhos, no primeiro Distrito, por ser insuficiente a que existe (PREFEITURA, 1876/1885).

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A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Praça da Alfândega, 1900, cartão-postal, impresso.

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

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ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

elementares públicas em 1843 (OLIVEIRA, 2004). Havia escolas para meninos e escolas para meninas, inclusive com diferença no currículo, mantendo a mesma estrutura patriarcal presente na sociedade, como veremos mais adiante. Terminado o primário, o jovem encaminhava-se

Jornal Correio do Sul Anúncios – 1852 “Resultados dos exames da aula pública de primeiras letras do Segundo Districto,

para o secundário e posteriormente para o ensino

a cargo do Professor Joaquim Antônio

superior – a minoria deles. O ensino secundário

Pereira Coruja. Plenamente aprovados e

era ministrado em locais diferentes, conforme

com distinção: José Tuté Jardim, Thomaz de

a disciplina, de forma isolada e sem nenhuma

Azevedo Barbosa, Manoel José de Azevedo."

seriação entre elas. Assim, o jovem estudante devia dirigir-se à aula que desejasse, normalmente na casa do professor, onde estudava Gramática Latina, Filosofia Racional e Francês, entre outras matérias humanísticas. Matérias científicas não eram lecionadas na primeira metade do século XIX. Foi com a criação do Liceu Dom Afonso que começou a haver certa instrução científica, mas apenas nas aulas de Astronomia (WORTMANN, 1999).

“Aula de Instrução Elementar. Rua da Ponte, n. 173: Joaquim Francisco Pereira Gomes, participa ao respectivo público que no princípio do presente futuro anno, principiase a lecionar no seu estabelecimento o latim, francês e inglês, para o que tem tratado.” (Correio do Sul, 29.12.1852, p. 4).

O Liceu Dom Afonso foi a primeira e única escola pública secundária que havia na

Apenas em 1869 começou a funcionar outra

Província de São Pedro do Rio Grande, por essa

escola pública secundária, mas dessa vez para

época. Quando o Duque de Caxias, logo após a

preparar normalistas, já que a demanda por

Revolução Farroupilha, esteve na presidência

professores era muito grande (ROCHA , 2010).

da província, criou esse estabelecimento onde começaram a ser ministradas aulas de “inglês, geografia, astronomia, história, álgebra, retórica, desenho e música, distribuindo-se essas matérias em seis anos de estudo” (ARRIADA, 2007, p. 61).

18

Na primeira metade do século XIX, um dos professores mais tradicionais era Antônio D’Ávila, conhecido como Amansa-burros. Um de seus alunos, Antônio Álvares Pereira Coruja (18061889), nos informa em seu livro de memórias que

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

o Amansa era natural do Arquipélago dos Açores,

O alfabeto era ensinado em areia ou em

sendo “o mais erudito professor daquele tempo”.

pedra (lousa). Com o passar dos anos, a pedra

(CORUJA, p. 15) 1

mostrou-se mais eficiente já que na areia era difícil

Antônio D’Ávila chegou a Porto Alegre em 1800, e nesse mesmo ano já começou a dar aulas particulares de primeiras letras. Felicíssimo de Azevedo (1823-1905), que também foi seu aluno, assim descreve a sua sala de aula:

a desvantagem de servir para algazarras, pois os alunos costumavam atirar areia uns nos outros. Assim, na maioria das aulas, cada um recebia uma pequena lousa de ardósia e um ponteiro, uma espécie de lápis também de ardósia, ou o giz. As

“No vão, que fica entre a porta e a janela, está

lousas representavam para a aprendizagem da

uma pequena mesa, um pouco afastada da parede

escrita o “principal suporte e, consequentemente,

para dar lugar a uma poltrona com assento de sola,

exigiu da estrutura escolar outros equipamentos

onde se acomoda o professor. Por detrás

indispensáveis para a otimização de

do professor, pendente da parede, está

seu uso, entre eles o banco escolar

uma cruz de madeira pintada de preto,

apropriado” (ARRIADA, 2012, p. 81).

que é como que um símbolo da escola. A

A utilização de livro impresso só fazia

esquerda da sala veem-se três ordens de

parte da realidade do aluno após a etapa

bancos a moda dos circos de cavalinho

de alfabetização. Felicíssimo de Azevedo

ou de rinhas de galo (em anfiteatro), onde

lembra que, ao mesmo tempo em que era

se sentam os meninos, sendo os maiores no primeiro

uma felicidade receber a Cartilha do Padre Inácio,

banco e os outros nos bancos superiores, guardadas

esse era um momento difícil de aprendizado, pois o

as gradações de adiantamento. A direita vê-se um

livro era feito com letra de imprensa e eles aprendiam

grande banco, tomando quase todo o comprimento

a ler em manuscritos, portanto não entendiam

da sala, com altura suficiente para servir de

praticamente nada daquela nova simbologia.

escrivaninha, e a par dele outro da mesma extensão

A Cartilha do Padre Inácio, um livro de

e com a altura proporcionada a nele se assentarem

doutrina cristã, foi escrita no século XVI pelo padre

os meninos quando escrevem” (AZEVEDO, 1884,

jesuíta Inácio Martins2. A partir daí podemos ter

apud ARRIADA, 2012, p. 77).

dimensão da pouca variedade bibliográfica.

As reminiscências foram publicadas pela primeira vez na década de 1880 e referem-se à primeira metade do século XIX.

1

avaliar a perfeição das letras, e ainda apresentava

Disponível em: <http://editorial.up.pt/livro/show/463>. Acesso em: 10.set.2012.

2

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

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ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Segundo Maria Helena Bastos, o método empregado por Antônio D’Ávila era o jesuítico. Se observarmos a descrição de Azevedo e de Coruja podemos realmente perceber características do

Ratio Studiorum, o método pedagógico dos jesuítas, no cotidiano da sala de aula. A própria

ensino mútuo, era particular, ministrada pelo padre Juliano de Faria Lobato (SCHNEIDER, 1993). Um dos motivos pelos quais os governantes do Império optaram por divulgar o método de Lancaster era o seu aproveitamento em relação

figura do decurião é um indício. O decurião era

ao número de alunos por sala de aula. Assim, a

o aluno que colaborava com os cuidados em

primeira lei sobre instrução pública aprovada pela

relação à disciplina e organização da aula, que

Assembleia Legislativa Nacional, em 1827, previa

teoricamente deveria ser dividia em decúrias, ou

escolas de primeiras letras em todas as cidades,

seja, grupos de dez alunos (HISTEDBR, s/d).

vilas e lugares populosos, e todas elas deveriam ser

Antônio Coruja também se tornou professor

de ensino mútuo.

em Porto Alegre. Sobre o começo de sua

“O método mútuo, também chamado de

carreira, Maria Helena Bastos afirma

monitorial ou lancasteriano, baseava-se no

que:

aproveitamento dos alunos mais adiantados “O Conselho da Província de São

como auxiliares do professor no ensino de

Pedro do Rio Grande do Sul querendo

classes numerosas. [...] A maior habilidade

metodizar a instrução pública pediu a

exigida, a ser desenvolvida no processo de

criação de uma escola de ensino mútuo na capital. Para isso firmou contrato em 18 de setembro de l825, com Antônio Álvares Pereira (Coruja) pelo qual este se comprometia a ir ao Rio de Janeiro habilitar-se na pratica do método” (SCHNEIDER, 1993, p. 25). No jornal Correio do Povo é anunciada a inauguração, em agosto de 1827, da segunda aula de

ensino e aprendizagem, no plano pedagógico de Lancaster, era a memória e não a fluência verbal, não se admitia conversa. Esta era considerada uma atitude de indisciplina, já que no entendimento de Lancaster não era possível falar e aprender ao mesmo tempo” (NASCIMENTO, s/d).

ensino mútuo de Antônio Alves Pereira Coruja3. Até

A forma de castigar os alunos apresenta-se

então, Porto Alegre possuía apenas uma escola de

detalhadamente na metodologia de Lancaster, prevendo

Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=117 &Numero=307&Caderno=0&Noticia=449841>. Acesso me: 17.set.2012.

3

20

castigos

morais

e

castigos

para

“constranger fisicamente” com o objetivo de

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Apenas as classes média e alta conseguiam ter acesso ao ensino, através das aulas e escolas particulares. Assim mesmo, dependendo do local, precisavam encaminhar seus filhos para Porto Alegre, onde colégios internos os recebiam. Em meados do século XIX havia várias escolas particulares em Porto Alegre. Uma delas, o Colégio São João, localizava-se na Rua Andrade Método Mútuo

Neves, sendo dirigida por Qorpo Santo4, que

“ter pregado no corpo a marca de punição”

se notabilizou como dramaturgo (ESPÍRITO

(NASCIMENTO, s/d).

SANTO, 2006). Qorpo Santo iniciou sua carreira docente como professor de uma escola

Apesar da adoção do novo método,

pública.

nenhum investimento de vulto foi

O Colégio Gomes era o preferido pela

realizado na estrutura educacional, o que gerava a impossibilidade de aplicá-

elite

sul-rio-grandense,

concentrando

lo corretamente. O Professor Coruja,

um grande número de alunos. Ele se

inclusive, reclamava da “necessidade de

localizava na Rua Duque de Caxias. Seu

contratação de um professor adjunto,

fundador, Fernando Gomes, mantinha

que o ajude e o substitua em seu impedimento;

uma aula de instrução elementar diferente da

de compra de exemplares de leitura impressos e

maioria das escolas. Ele primava pela comunicação

os utensílios necessários” (BASTOS, 2006, p. 165).

com os alunos sem a utilização de castigos

Com a falta de subsídios e de apoio aos professores, incluindo seus baixos salários, em todas as províncias do Brasil observamos um alto índice de analfabetismo, o que perdurará

violentos. O colégio chegou a ter 95 alunos internos, que nele se matriculavam pela metodologia mais “humana” e centrada nos exames preparatórios para a faculdade (ARRIADA, 2007, p. 101).

até o Brasil República. Em 1890 “a taxa de

O crescimento das escolas particulares era

analfabetismo era de 67,2%, herança do período

apoiado pelo Governo Imperial. Em 1879, foi

imperial” (FRIZON, 2010, p. 146).

4

Seu nome de batismo era José Joaquim de Campos Leão (1829 – 1883).

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

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ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Os

comerciantes,

artesãos,

arquitetos,

professores e demais profissionais de origem germânica estavam bem inseridos na economia local durante o século XIX. Já no aspecto cultural, é perceptível uma tendência em organizarem seus próprios espaços, criando templos religiosos, clubes de lazer, de esporte, de beneficência e de ensino. Para esses imigrantes, a formação dos filhos era considerada obrigatória e fundamental. Lembremos Irmãs Engel e suas alunas do Evangelisches Stift (Novo Hamburgo)

que, nessa época, a Alemanha já havia passado por

baixado o decreto nacional 7.247, conhecido

uma etapa de consolidação do sistema escolar, sendo

como Reforma Leôncio de Carvalho, de visível

a cultura da escola fundamental para a formação

cunho liberal. O seu oitavo artigo refere-

dos cidadãos alemães e também para

se à possibilidade subvenção às escolas

o processo de unificação daquele país.

particulares de todas as províncias

No entanto, a questão religiosa, que na

(SAVIANI, 2007, p. 138).

Alemanha dividia a população também

Outra característica marcante do

repercute nas primeiras escolas étnicas

sistema de instrução em Porto Alegre

que fundam no Brasil. Veja a realidade de

é a criação de escolas étnicas alemãs. O núcleo

Porto Alegre:

germânico era significativo na capital não só em

“[...] em 1866 já havia uma Deutsche Schule, a

números, mas em variedade de ocupações, como

qual viria se juntar, em 1860, uma escola para moças,

salienta Magda Gans (2004, p. 21):

sob a direção das duas irmãs Engel (Amalie e Lina)

“Não existia, em Porto Alegre, apenas um grupo

[...]. Em 1870 o Professor Dr. Heinrich Wilhelm

restrito de comerciantes [alemães] enriquecidos pelo

Stahl [...] se estabelece com uma escola para rapazes,

escoamento da produção colonial ou de importadores

também, na Rua Senhor dos Passos. Também em

de manufaturados, situação já constatada pela

1870 a comunidade evangélica organiza uma escola

historiografia, mas também um segmento médio

elementar paroquial sob a direção do Professor

diversificado

Friedrich Schultz [...] a escola começou a funcionar

e

importante

numericamente,

amplamente inserido na vida da cidade”.

22

em 8 de janeiro de 1870 com 50 alunos.”

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

“Os alunos católicos frequentavam a escola do Professor Clemens Wallau, na Rua dos Andradas [...].

“[...] Agora o padre balançava-se

Outra escola particular católica era a do Professor Honorat

de leve na sua cadeira e dizia:

Volkmer na Rua do Rosário” (TELLES, 1974, p. 40).

– Ainda hoje o Coronel Amaral estava se

Essas escolas confessionais, evangélicas ou

queixando que o negócio de charque vai

católicas, eram voltadas estritamente à população teuta, tendo o alemão como a língua oficial em que todas as matérias eram ensinadas. A maioria delas não pode ser caracterizada como instituições escolares, mas como aulas particulares oferecidas por determinados professores para grupos de alunos. Alguns estudantes das escolas citada acima

muito mal. – Mas esta província não pode depender eternamente do charque e do couro! – exclamou Winter. – Foi um erro terem abandonado o trigo. É uma insensatez não cuidar dos rebanhos, um crime não cultivar melhor a terra. Havia outros problemas sérios: o da

eram mantidos por bolsas de estudos oferecidas

instrução pública, por exemplo. Existiriam

pela Associação Beneficente e Educacional de

quando muito umas oitenta escolas em

1858 , mantenedora do Colégio Farroupilha, que

toda a Província, e todas eram de primeiras

5

seria criado algumas décadas depois. A partir, então, das escolas étnicas, de alguns colégios de ensino secundário, das escolas públicas de ensino mútuo e das diversas aulas particulares

letras. Havia uma assustadora escassez de professores. (Erico Verissimo. O Tempo e o Vento – O Continente. p. 77)

de primeiras letras a instituição Escola começou a ser construída. A transmissão de saberes e de condutas passou, aos poucos, a ser dividida entre a família e a escola, mas de uma forma muito lenta e restrita. Para entendermos esse contexto, lembremos em primeiro lugar que o Brasil era escravagista, sendo o ensino formal vedado aos escravos. O   No século XIX chamava-se Sociedade Beneficente Alemã, “Deutscher Hilfsverein”. No subcapítulo “Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência”, na página XXX, mais informações sobre a ABE de 1858.

5

processo de escolarização dos negros só teve impulso após a abolição, e de forma gradativa. Em segundo lugar, podemos salientar a força do patriarcalismo nessa época. Essa força acaba por ser determinante para a proporção de meninas encaminhas aos estudos, pois a maioria das famílias não via necessidade de ver suas filhas instruídas. Em terceiro lugar, lembremos que o Brasil Império era extremamente agrário, e, por consequência,

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

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ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

os centros urbanos eram poucos e pequenos. A

Qualquer comunidade fará seu planejamento

maioria das localidades longínquas não tinha sequer

e tomará suas atitudes a partir da realidade que

escola elementar. Segundo Moacyr Flores, muitos

se apresenta. Essa afirmativa é importante para

estancieiros gaúchos optavam por pagar a professores

entender o porquê da proliferação, na Província,

particulares para irem à fazenda e ensinar as primeiras

de escolas étnicas teuto-brasileiras. Quando os

letras a seus filhos. (FLORES, 2002, p. 54)

imigrantes alemães começaram a organizar certa

As comunidades estavam espalhadas, muitas delas em espaços de difícil acesso para os meios de transporte que havia, dificultando a contratação de professores. É o caso, também, das comunidades de imigrantes alemães, que a partir de 1824 povoaram as áreas rurais do Sul. Jean Roche faz referência a esse contexto através de uma carta escrita por um imigrante em 1832: “Os começos foram muito modestos: ‘Aqui ainda não há escolas regulares, como na Alemanha, e as que existem ficam muito afastadas para que possamos mandar para elas as crianças; por conseguinte, somos nós mesmos obrigados a instruílas’.

estrutura urbana na Serra Gaúcha e seu entorno, não receberam nenhum apoio para a educação de seus filhos. É claro que poderiam optar em não se preocupar com a instrução, uma vez que o ensino não era obrigatório no Brasil. No entanto, depois da moradia uma das grandes preocupações dessas comunidades era a formação de seus filhos, o que incluía a aprendizagem da escrita. Enfim, lenta, muito lenta foi a assimilação das crianças nas instituições de ensino. Crianças que só falavam alemão, crianças escravas, meninas que queriam mais do que saber ler e bordar, meninos e meninas pobres, e ainda aqueles que moravam lá longe. Para que essas crianças e tantas outras fossem acolhidas nas escolas, muitos

Escrevia um colono de Dois Irmãos em 1832.

paradigmas tiveram que ser quebrados, novas

Desse ensino doméstico nasceram as primeiras escolas.

representações acerca da sociedade precisaram

Confiavam as crianças a uma pessoa idosa ou incapaz

ser gestadas e mesmo assim ainda estamos nos

de cultivar a terra, um pouco mais adiantada que as

transformando para acolhê-las. Acreditamos que

outras em leitura, escrita e cálculo, encarregada de

essa transformação teve um momento importante

ensinar as primeiras noções. A escolaridade era curta,

no final do século XIX e início do século XX.

geralmente um ano, muitas vezes interrompida pelos trabalhos agrícolas” (ROCHE, 1969, p. 664).

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A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Pátio principal - 2o Quartel do Século XX

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

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CAPÍTULO I

Porto Alegre no final do século modernidade e escola

N

o imaginário dos porto-alegrenses, qual

inimaginável, possibilitando ir além da busca pela

era o sentido conferido à educação no

sobrevivência física.

final do século XIX?

Entre as bases institucionais do homem

As evidências nos levam a crer que esse sentido

moderno encontramos a Escola. Ela se apresenta

está entrelaçado a outros tantos que compõem a

como o espaço ideal para a socialização das

construção do ideal de modernidade. Junto a esse

crianças e dos jovens. Torna-se, pois, obrigação

novo pensar estamos diante de uma forte

da família e do Estado a busca pela

transformação econômica e social, na qual

instrução. No entanto essa forma de

as comunidades de todos os continentes se

conduzir a educação e de agir sob

influenciam e se recriam a partir de ideais

o signo da modernidade esbarra na

pautados pela secularização, liberalismo,

estrutura urbana de muitas cidades.

positivismo e industrialização.6

Vejamos o caso de Porto Alegre.

Nesse período já percebemos traços típicos da representação de modernidade. O conhecimento é visto como a porta de entrada para o poder transformador do homem em relação à natureza e do homem para com os seus semelhantes. Estamos diante de grandes possibilidades, em que a transmissão dos conhecimentos historicamente acumulados,

juntamente

com

os

novos

conhecimentos advindos da ciência, permite o   Secularização refere-se ao processo que inicia com o Renascimento em que a Igreja católica começa a perder sua credibilidade, e, por consequência, diminui seu poder político e sua força na produção de conhecimento.

6

No ano de 1848, Porto Alegre apresentava 16.900 habitantes. Trinta anos depois, em 1872, já contava 43.998 habitantes (PESAVENTO, 1999, p. 254). Durante esse processo, ouve um significativo crescimento das camadas médias representadas por profissionais liberais, comerciantes e funcionários públicos, entre outros. Para atender as exigências dessa comunidade – que mantinha contatos com outras capitais e, por conseguinte, apresentava a expectativa de uma cidade moderna –, vários projetos particulares e públicos tentavam dar conta das transformações

Porto Alegre no final do século - modernidade e escola

27


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

necessárias. Assim, foi realizada a instalação de equipamentos urbanos, como energia elétrica, saneamento pluvial e linhas de bondes.

“Pela primeira vez na história, se pensou que a educação de todos e cada um era a condição

Mas, o ritmo de transformação urbana não

necessária para a salvação, o progresso, ou o

acompanhava o imaginário de modernidade. A

desenvolvimento econômico e social” (NOGUERA-

historiadora Sandra Pesavento constatou – através

RAMIREZ, 2009, p. 23).

do pensamento de literatos do fin de siècle, como

Como sabemos, no trem da história, no próxi-

Zeferino Brasil e Paulino Azurenha – que a sensação

mo vagão, depois do pensamento, vem a demanda,

era de pertencer a uma aldeia/metrópole onde “o

que nesse caso é atendida por um número expressi-

meio é acanhado, triunfam os ineptos, sufocam-se

vo de escolas particulares devido à pouca qualidade

os talentos” (PESAVENTO, 199, p. 363).

do ensino público. Esse contexto se mantém quase

Em

termos

culturais

também

inalterado até o início do século XX.

encontramos a cidade oscilando entre a

Embora a Proclamação da República

aldeia e a metrópole. Em relatos de viajantes

tenha ocorrido em 1889, o Partido

percebemos as características do circuito

Republicano Rio-grandense só iniciou

cultural. Wilhelm Breitenbach, professor e

um processo de reestruturação do ensino

jornalista alemão, morou em Porto Alegre

público depois de um longo período

entre 1880 e 1883. Consta em suas memórias a seguinte

de lutas políticas internas – inclusive a chamada Revolução Federalista – e de poucos

impressão: “As condições sociais em Porto Alegre são bem agradáveis e tem-se praticamente tudo o que é oferecido nas nossas cidades provinciais de porte médio. Concertos, teatro, carreiras, clubes recreativos, bons restaurantes e assim por diante” (NOAL FILHO, 2004, p. 185). A modernidade, o progresso, dá seus ares também através dos cinematógrafos, dos cafés à francesa e da abertura de várias escolas particulares.

28

Mas, por que escolas?

subsídios econômicos. Antes disso, nos primeiros anos da República, as políticas públicas relativas à educação eram marcadas pela desoficialização do ensino e pela concessão de alguns subsídios às escolas particulares, para que contribuíssem com o Estado na área da educação. No contexto nacional, foi instituída em 1890 a Reforma Benjamim Constant que garantiu a liberdade de ensino por um lado, mas por outro

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

No início da República não havia nenhuma escola de ensino secundário em Porto Alegre. O Ateneu Rio-grandense já havia fechado. Ele foi criado em 1871 em substituição à Escola Dom Afonso. O Ateneu propunha-se a ensinar em quatro anos “português, latim, francês, inglês, alemão, desenho, matemáticas, geografia e história, filosofia, retórica e ciências naturais” (Arriada, 2007 p. 84). Embora apresentasse bons professores, e um amplo prédio construído especialmente para esse estabelecimento, Ferrari & Irmão. Praça Marechal Deodoro (Praça da Matriz), 1888.

orientou os estados brasileiros a manter o ensino

ele fechou em 1873. Um dos motivos foi a falta de um internato para quem morava mais afastado da cidade. Outro foi a obrigação dos alunos

gratuito nas escolas primárias.

comparecerem em todas as cadeiras, que

Na prática, os problemas nessas primeiras

décadas

de

eram muitas, isso não era compatível com

República

os interesses dos alunos, que almejavam

continuaram os mesmos. No Rio Grande

concluir rapidamente o ensino secundário,

do Sul, embora tivesse aumentado o

tendo como foco a Faculdade, Arriada

número de escolas primárias, não foi o

(2007 p. 95) explica:

suficiente para dar conta da população que crescia.

“Os liceus provinciais, além de mal aparelhados

E para a rede de ensino existente os investimentos eram poucos, com baixos salários dos professores.

e

Quanto ao ensino secundário, Patrícia Marchand

competir em condições de igualdade com os colégios

(2006, p. 102) lembra que:

particulares, que se adequavam às demandas

“No

final

do

Império,

continuava

sem

organicidade o ensino secundário. Não havia necessidade de concluir o curso para ingressar no ensino superior e sim estar habilitado para as disciplinas

pessimamente

administrados,

não

podiam

da época, ministrar um ensino que atendesse as necessidades dos alunos e que os capacitasse o mais rápido possível para os exames preparatórios. Podese acrescentar ainda que, via de regra, a qualidade

exigidas para tal ingresso. Este sistema de exames

do ensino ministrado nos colégios particulares era

incentivava os estudos parcelados e assistemáticos e a

melhor que nas escolas públicas, desviando assim

frequência livre aos estudos preparatórios”.

um expressivo número de alunos”.

Porto Alegre no final do século - modernidade e escola

29


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Um dos colégios particulares que se tornou

admissão em cursos superiores, tendo já regular

referência nas últimas décadas do século XIX foi o

número de alumnos dado entrada em diversas

Colégio Rio-grandense criado por Apeles Porto

academias do paiz. Aceitam-se externos, semi-

Alegre em 1876. “Esse estabelecimento funcionou,

pensionistas, menores de 14 anos, garantindo-se bons

por muito tempo, à Rua Duque de Caxias defronte

cuidados materiais, boa hygiene, vida de família

à Praça Conde de Porto Alegre” (FRANCO, 1998,

e educação esmerada” (Almanaque de Alfredo

p. 325). Apeles era irmão de Apolinário Porto

Ferreira Rodrigues para 1898 – Anúncios).

Alegre, ambos estudaram no Colégio Gomes e ambos fundaram escolas. Apolinário criou o Instituto Brasileiro “com regime de internato para meninos, estabelecido no Caminho do Meio à altura das atuais ruas Giordano Bruno e Francisco Ferrer” (Ib Idem, p. 326).

Como se vê essa é mais uma escolas secundárias que apresentava um viés preparatório para as camadas média e alta da sociedade. Para a maioria do povo restava apenas o ensino primário, além de algumas escolas comunitárias criadas a partir do trabalho voluntário

Quanto à presença de imigrantes no sistema educacional, também se destacaram os franceses. Walter Spalding (1967, p. 229) informa que Emmeline Coursteilh, fundou o Sevigné, colégio que dirigiu até 1906, quando ela e seu marido, agente consular, voltaram para a França. Ele cita

de professores ou ordens religiosas. Evidências nesse sentido podem ser observadas através das atas da Câmara de Vereadores da Capital: NOVEMBRO DE 1897 Autorizam

Intendente

a

conceder,

um casal de franceses, Ivo Corseuil e D. Cecília

gratuitamente, a licença para um professor construir

Corseuil. Podemos acompanhar detalhes do ensino

um prédio para aulas a meninos pobres.

dessa escola através de um anúncio publicado na tese de Arriada (2007 p. 95):

MARÇO DE 1899 Construção para a Escola de Meninos

Collegios Ivo Affonso Corseuil

Paupérrimos, pedindo ainda para não pagar as

“Curso Primário e Secundário, Rua Marechal

décimas futuras e, mais um auxílio pecuniário para

Floriano, N.s 194, 196 e 198 (Porto Alegre).

a formação do patrimônio daquele estabelecimento.

Este collegio, vantajosamente conhecido, prepara

(PREFEITURA, 1886/1900)

alumnos para o commercio, empregos públicos,

30

o

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Nessa época, em São Leopoldo, havia o

a Escola de Meninos, revertia o valor das

Ginásio Nossa Senhora da Conceição, criado por

mensalidades pagas pelos pais apenas para as

padres jesuítas alemães. Ele era frequentado não só

necessidades da escola. Seus sócios tinham como

por germânicos como também por vários filhos da

principal objetivo contribuir com a vida econômica

elite política e social gaúcha. No ano de 1890, esse

e social dos teuto-brasileiros. Como as demais

estabelecimento abre outra escola particular, mas

escolas de origem germânica, esta se propunha

em Porto Alegre, conhecida como Colégio dos

a ensinar na língua alemã. No entanto, em seu

Padres (MONTEIRO, 2011). Esse colégio dividia-

currículo, desde o primeiro ano, constaram aulas

se em duas partes, uma para brasileiros e outra

de português, consideradas fundamentais para que

para alemães e seus descendentes. “Em 1908 foi

os descendentes de alemães pudessem exercer a

reconhecido como estabelecimento independente

sua cidadania no Brasil.

do Colégio Nossa Senhora. da Conceição”,

Outra diferença em relação às demais escolas

passando mais tarde a ter o nome de

étnicas é o investimento na qualidade do

Anchieta. (FRANCO, 1998, p. 29)

ensino. A associação Beneficente Alemã

A educação protestante também começou a se estruturar em Porto Alegre

publicou em ata de 1884 o projeto da escola, de onde destacamos:

no final do século XIX. Em 1885 é criado

“[...] No tocante à renda, a taxa escolar

o Colégio Americano, então chamado

não deve ser muito baixa. Partimos do ponto

Colégio Evangélico Misto, criado por

de vista de que não é o objetivo do Hilfsverein oferecer ao público alemão uma escola que facilite

missionárias metodistas. Em 1886 foi criada a Escola de Meninos da Associação Beneficente Alemã7, o Colégio Farroupilha. Essa instituição era interconfessional, não sendo atrelada a nenhuma ordem religiosa. Além disso, não visava lucros, o que a diferenciava das demais escolas particulares fundadas por leigos.

pecuniariamente a educação de seus filhos, mas que a sua finalidade, pela união das forças e em virtude da posição independente, permita aos professores criar algo melhor e mais sólido do que até agora as escolas alemãs se encontram em condições de oferecer”. (TELLES, 1974, p. 48) Como vemos, a escola da Associação Beneficente

A Associação Beneficente Alemã (Hilfsverein),

Alemã primava pela excelência a partir da valorização

além de prever uma subvenção mensal para

de seus profissionais e por um currículo voltado para

7

Em alemão o nome da escola é Knabenschule des Deutsches Hilfsvereins.

a vida, como observamos em seu projeto:

Porto Alegre no final do século - modernidade e escola

31


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

“A escola, cuja criação nós recomendamos, deve dar a um rapaz um ensino tal, partindo dos rudimentos até um determinado grau, que, uma vez ele conclua o terceiro ou quarto ano esteja capacitado para enfrentar a vida, quer ele deseje abraçar uma profissão manual ou se dedicar à atividade comercial. No currículo devem constar as seguintes matérias: Leitura, as quatro operações, escrever, Ensino Prático, Canto, Desenho, Geografia, História Universal, História Natural, Alemão, Português, Francês, Inglês, Geometria, Física, Literatura, Ginástica” (TELLES, 1974, p. 48). Nos primeiros anos havia aulas de Mecânica como parte do Ensino Prático. Veja que para os sócios da Associação Beneficente Alemã a representação em relação à formação das crianças e adolescentes precisava abarcar aulas práticas, domínio de vários idiomas e estudo de todos os Pátio Interno do prédio do Colégio Farroupilha, construído entre 1893 e 1895

campos do conhecimento. No final do século XIX, todas as escolas

e becos, onde viam, ouviam e conviviam com

gaúchas, particulares ou não, se mantêm sob forte

novas ideias, novos inventos, novos formatos de

insegurança, própria de períodos em que reinam

relação – acabou a escravidão. Ou seja: não havia

sérios conflitos políticos, mas nem por isso elas

criança sem educação, já criança sem escola...

deixaram de ser importantes para o amadurecimento do sistema educacional do Rio Grande do Sul. E as crianças do século XIX? Foram todas educadas, mas para as sensibilidades e costumes dessa época outros ambientes eram fundamentais: praças, ruas, pátios, rios, templos, chácaras, docas

32

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

O Rio Grande do Sul, o Positivismo e a educação - Primeira República (1889-1930)

Q

uando finalmente a República, tão

que culminou com uma guerra civil. Em termos

esperada por muitos, chegou – iro-

políticos, os maragatos ou federalistas lutavam a

nicamente por um golpe de estado – trouxe

favor do parlamentarismo, liderados por Gaspar

com ela novas possibilidades de se pensar a

Silveira Martins; enquanto os republicanos, também

sociedade. Já em 1889 o Partido Republicano

chamados de castilhistas ou pica-paus, lutavam pelo

Rio-grandense (PRR) assumiu o governo do

modelo republicano (POSSAMAI, 1993). Quanto

Estado. Esse partido era formado por

ao poder econômico, Jaime Giolo (2012)

lideranças ligadas às esferas econômicas

informa que:

que começavam a ascender socialmente e economicamente, como, por exemplo, comerciantes, profissionais liberais, pequenos agricultores e fazendeiros do centro-norte do Estado.

“O momento representava uma crise interna de um bloco histórico, no qual a classe dominante tradicional (ligada à economia pastoril da região da Campanha) teve que abrir espaço a uma nova elite que se

O PRR era um partido cuja base doutrinária

constituiu em torno de outras atividades econômicas,

era o Positivismo. Essa doutrina tem como grande

rurais (policultura das regiões coloniais e pecuária

mentor o francês Augusto Conte, e foram seus

do centro-norte do Rio Grande do Sul) e urbanas

preceitos filosóficos e políticos que impulsionaram

(comércio, indústria, bancos, etc.)”.

a modernização e o progresso no cenário políticosocial gaúcho.

A crise política e econômica perdurou por décadas. Nesse ínterim, a educação pública e

Essas transformações, no entanto, só começaram

particular se manteve, mas, “por conta e risco”

a ocorrer após um término de um longo período

dos professores, diretores e demais membros das

conhecido como Revolução Federalista (1892-

comunidades escolares. O apoio do aparelho

1895), um período de intensa disputa política

estatal, bem como os parâmetros para um ensino

O Rio Grande do Sul, o Positivismo e a educação - Primeira República (1889-1930)

33


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Escola Étnica de Taquara (RS), década de 1920

nacionalizado, era muito restrito, se bem que

de oferecer a sustentação pedagógica imprescindível ao

a representação em relação à necessidade de

escrutínio político (BOTO, 1999, p. 279)”.

educação já se fazia notar nos discursos políticos

A

tanto de pica-paus quanto de maragatos. Era consenso pensar que:

sustentação

pedagógica,

baseada

na

doutrina positivista, centrava-se na preparação através da escola para o trabalho, moral e civismo.

“Sem educação, o povo permaneceria então a

Para Conte o ensino deveria ser “enciclopédico,

eterna criança a ser tutelada. Democracia em suas mãos

útil e verdadeiro, sem teologismo nem metafísica.

poderia vir a se tornar arma de fogo. Daí o intuito claro

Isto supõe a subordinação do espírito de detalhe ao de conjunto, da análise à síntese, do progresso

In: VERBAND, 1924

8

34

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

à ordem, do egoísmo ao altruísmo” (RIBEIRO Jr.,

É nesse contexto que os governantes cercam-se

2005, p. 120). Daí a importância do estudo das

de um novo método pedagógico, criado na Europa,

ciências naturais e sociais e também das artes, em

chamado de intuitivo. Segundo Saviani (2007, p. 138):

especial da poesia e do canto.

“O método intuitivo, conhecido como lições

Através do estudo das ciências sociais – que

de coisas, foi concebido com o intuito de resolver o

nas escolas gaúchas desmembrou-se em ensino de

problema da ineficiência do ensino diante de sua

civismo, moral, história e geografia – era possível

inadequação às exigências sociais decorrentes da

contribuir para neutralizar os pendores egoístas.

Revolução Industrial que se processa entre o final do

No pensamento de Augusto Conte, “a educação

século XVIII e meados do século XIX. Ao mesmo

deve ter por fim sistematizar essa reação geral da

tempo, essa mesma Revolução Industrial viabilizou

sociedade sobre a vida individual, preparando

a produção de novos materiais didáticos como

especialmente a conduta do indivíduo.

suporte físico do novo método de ensino”.

Toda dificuldade educativa está, para

Assim, mapas, globos terrestres,

ele, em vencer a preponderância dos

cartazes e quadros coloridos para as

instintos inferiores” (RIBEIRO JR.,

aulas de história, português ou ciência,

2005, p. 131).

indicam uma nova relação entre o

A doutrina positivista teve desdobra-

professor e o aluno. A figura do mestre,

mentos e adaptações diversas no Brasil.

solitário com sua oratória e escrita, é

No Rio Grande do Sul os teóricos e técnicos do

considerada pouco produtiva. Ele, agora, conta

PRR se depararam com um ineficiente sistema pú-

com recursos que contribuem para que o aluno,

blico.

através dos sentidos e da prática, desenvolva seus

Nos primeiros anos de ensino as crianças

conhecimentos.

pouco aprendiam em relação à leitura, escrita

Na versão um tanto autoritária da doutrina

e cálculos, sendo os métodos utilizados até

positivista no Rio Grande do Sul, a unificação

então baseados na memorização, priorizando a

do ensino foi colocada em prática através de

“abstração, valorizar a repetição em detrimento

um controle em relação aos livros, materiais e

da compreensão e impor conteúdos sem exame e

regulamentos. Em relação aos livros, por exemplo,

discussão” (Valdemarin, 2006, p. 90).

foram escolhidas para a alfabetização as cartilhas

O Rio Grande do Sul, o Positivismo e a educação - Primeira República (1889-1930)

35


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

de João de Deus, editadas em Portugal. Essa unificação já estava presente no decreto estadual número 239, promulgado em 1899: Art. 3o - É adoptado o methodo intuitivo e prático, começando pela observação de objectos simples, para elevar-se depois a ideia abscracta, à comparação, à generalização e ao raciocínio, vedando-se qualquer ensino empírico, fundado exclusivamente em exercícios de memória [...]. As lições de leitura serão dadas à primeira secção da primeira classe elementar, na forma do artigo anterior, em mappas muraes, pelo methodo de João de Deus (TRINDADE, 2001, p. 126). Também

ocorre

modificação

quanto

à

estrutura escolar. No início do século XX, as “aulas isoladas” cedem lugar às escolas seriadas, onde vários professores são controlados por um diretor que, por sua vez, é controlado por um

inspetor geral da instrução pública. Dessa forma, o poder e arbitragem do professor diminuem. Entre as escolas seriadas públicas ganharam força os chamados grupos escolares: “Os primeiros dados a respeito dos grupos escolares indicam que em 1915 eram seis no estado; subindo para 28 grupos em 1926, atendendo a 5.028 alunos matriculados. Os grupos escolares representavam uma primeira tentativa de reunir

36

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Colégio Farroupilha, peça teatral - 1909 O Rio Grande do Sul, o Positivismo e a educação - Primeira República (1889-1930)

37


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Parque Farroupilha, Avenida João Pessoa, década de 1920

turmas de alunos e professores a fim de tornar o ensino mais vantajoso e orgânico. À medida que fossem realizadas certas exigências regulamentares, o grupo passaria à categoria de colégio elementar’ (Giolo, apud ROCHA, 2010, p. 43). Quanto às escolas particulares podemos observar que algumas delas se identificam com as novas propostas republicanas de ensino. Antes mesmo do decreto número 239 de 1899, citado acima, elas já se utilizavam de instrumentos pedagógicos “modernos”, até porque, muitas, eram formadas por professores estrangeiros, que já trabalhavam a partir do método intuitivo. Em Porto Alegre, um exemplo é o Colégio Americano, que desde a década de 1880 desenvolvia uma “proposta pedagógica de valorização do indivíduo, da educação centrada no aluno e nas suas necessidades básicas” (DORNELES, 2006, p. 68).

38

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Diretor Kramer e professores do Colégio Farroupilha - 1929 O Rio Grande do Sul, o Positivismo e a educação - Primeira República (1889-1930)

39


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Para levar a essa reflexão havia um interesse da equipe diretiva do Colégio Farroupilha em adquirir equipamentos para as aulas. Ainda em 1899, por exemplo, a escola aproveitou a viagem de um dos sócios da associação mantenedora da escola para a Alemanha e encomendou “aparelhos de química” (TELLES, 1974, p. 71). Segundo Telles, as aulas de laboratório geravam “um interesse enorme” por parte dos alunos. Laboratório de Química – Primeira Metade do século XX

Outro exemplo é o Colégio Farroupilha. Essa instituição tinha uma proposta diferenciada para a época em que foi criada, valorizando o ensino prático e

contratando

apenas

professores

habilitados, com formação em educação. Os

professores

utilizavam

uma

abordagem indutiva, o conteúdo não vinha apenas da eloquência do mestre e posterior memorização dos alunos. Em 1891, o relatório do conselho escolar salientava que os resultados dos exames orais – na época eram públicos, participando inclusive os pais – foram muito bons e explica o porquê:

40

Sendo essa uma escola voltada para jovens teuto-brasileiros e formada por uma associação beneficente alemã, a influência do pensamento

pedagógico

germânico

era total, ainda mais se levarmos em consideração que os professores contratados até então possuíam formação e experiência em escolas germânicas. Na década de 1830, o alemão Federico Froebel já praticava a sua metodologia que, no século XIX, se propagou pela Europa e América. Essa metodologia era basicamente intuitiva. Froebel partia da ideia de que:

“Causaram muito boa impressão aos ouvintes e

“A causa da imperfeição de nossas escolas e de

demonstraram que os alunos não foram ensinados para

nosso ensino está em que instruímos nossos alunos sem

uma repetição irrefletida, mas para um pensamento

que a necessidade se haja ainda manifestado neles,

autônomo. O que os rapazes responderam eles haviam

ou então depois de lhes havermos amesquinhado a

refletido e compreendido” (TELLES, 1974, p. 56).

necessidade original” (NISKIER, 2001, p. 135).

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Colégio Farroupilha, Terceira Classe de meninos – 1912

Quando iniciou o século XX, o Colégio

no ano de 1900 (Kreutz, apud FONSECA, 2007,

Farroupilha tinha mais de 200 alunos. A

p. 47). No entanto, conforme foi se delineando

metodologia utilizada certamente influenciou

uma política de uniformização da cultura em solo

essa ascensão, uma vez que vinha ao encontro de

brasileiro, essas escolas sofreram modificações

uma nova representação em relação à escola: não

radicais, fecharam suas portas ou foram estatizadas.

mais como lugar de instruir, mas um espaço de aprendizado a partir da ciência da educação, ou seja, a pedagogia. Além do Colégio Farroupilha, havia no Rio Grande do Sul 308 escolas étnicas de língua alemã O Rio Grande do Sul, o Positivismo e a educação - Primeira República (1889-1930)

41



CAPÍTULO I

Educação e Nacionalização Compulsória – 1930/1940

I

ndustrialização, crescimento das cidades,

periódica de reformas parciais e frequentemente

avanços tecnológicos, crise do modelo

arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e

econômico baseado na agro-exportação essas são

sem uma visão global do problema, em todos seus

algumas características da etapa de moderniza-

aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de

ção que o Brasil atingira durante as décadas de

construções isoladas, algumas já em ruína, outras

1920/30. Acompanhando tal conjuntura, ocorreu

abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda

um rearranjo de poder e Getúlio Vargas

não em termos de serem despojadas de seus

assumiu o governo através de um golpe

andaimes [...]” (AZEVEDO, 2010, p. 37).

mas com o apoio da maioria do povo. Isso lhe garantiu a governabilidade até que pudesse criar leis para manter-se no poder de forma indefinida.

inovações

no

campo

educadores estavam muitíssimo focados em mudança! Com esse respaldo o governo provisório de Getúlio Vargas

Na chamada Era Vargas observamos várias

Os discursos e o cotidiano dos

educacional,

influenciadas pelo Movimento Escola Nova que, em 1932, publicou o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, assinado por lideranças da educação, como Anísio Teixeira e Fernando de

criou o Ministério da Educação e Cultura e a partir daí vez várias reformas. O ensino primário já estava em processo de “modernização” desde a década de 1920, com a criação dos grupos escolares, mas o ensino secundário não.

Azevedo. Nesse manifesto eles apontam a falta de

A reforma do ministro Francisco Campos,

unidade pedagógica e teórica, afirmando que não

de 1931, dividiu o ensino secundário, também

existia outro país...

chamado de Ginásio, em duas etapas. Além

“[...] onde a opinião se divida em maior número de cores [...] A situação atual, criada pela sucessão

disso, essa reforma “imprimiu organicidade ao ensino secundário por meio de várias estratégias escolares, como a seriação do currículo, a

Educação e Nacionalização Compulsória – 1930/1940

43


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

frequência obrigatória dos alunos, a imposição de um detalhado e regular sistema de avaliação discente e a reestruturação do sistema de inspeção federal” (DALLABRIDA, 2009, p. 185). O contexto de reforma nacional que culmina com a criação da Constituição Nacional de 1934 repercute no Rio Grande do Sul com algumas ações pontuais, como a criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação Pública. No entanto,

Normalistas do Instituto de Educação – (Revista do Ensino, década de 1960)

essa secretaria, até 1938, focou-se mais em projetos

Católicos, por exemplo, através de reuniões e

internos relacionados à estrutura administrativa.

publicações, chegava até as comunidades rurais

Entre as escolas estaduais é importante observar o crescimento e a valoriza-

tornou-se:

ção da escola normal de Porto Alegre, o

“[...] instrumento privilegiado de

Instituto de Educação General Flores da

formação e atualização pedagógica dos

Cunha, que apresentava um curso secun-

professores paroquiais, seja pela apresentação

dário de formação para professores. Esse

de teorias e práticas novas, seja pela publicação

curso acompanhou as mudanças nas di-

pormenorizada de planos de aula para todas

retrizes da educação, de forma que, na década de

as disciplinas, submetendo-as à apreciação dos

1930, podemos observar no seu currículo a presen-

professores” (ARENDT, 2005, p. 17).

ça de aulas de “psicologia experimental aplicada à educação”, além das aulas de pedagogia, didática e legislação do ensino (LHULLIER, 1999, p. 26).

44

mais afastadas. O jornal que publicava

A Associação de Professores Evangélicos Alemães também tinha uma publicação em que postava “experiências e práticas de sala de aula”

Enquanto isso, até 1938, as escolas seguiam as

além de “questões metodológicas relativas a

diretrizes e métodos que consideravam apropriados.

diferentes disciplinas” (ARENDT, 2005, p. 61).

As associações de professores ligadas ao ensino

Chamava-se Jornal Geral do Professor no Rio

particular no Rio Grande do Sul vivenciavam

Grande do Sul e circulava por escolas particulares

movimentos intensos de formação do seu público

formadas, geralmente, por associações comunitárias

beneficiário.

evangélicas. Nessa publicação a metodologia

A

Associação

de

Professores

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Rua Dr. Vale – Bairro Floresta, década de 1930

indicada era influenciada pelas diretrizes da

Assim, as escolas teuto-brasileiras, além de

pedagogia germânica, inclusive algumas publicações

educar a partir de conhecimentos científicos

se originavam de periódicos da Alemanha.

e literários, tinham como importante diretriz

Conforme os imigrantes foram se adaptando ao Brasil, e aqui foram tendo filhos e construindo suas famílias, foi se delineando o termo teuto-brasileiro. Essa expressão dá significado ao sentimento de duplo pertencimento, mas isso não significava que se sentiam pertencendo a duas pátrias. A noção de duplo pertencimento vem da presença de dois países em suas vidas: um representando a origem; o outro a pátria, a cidadania.

a manutenção da cultura de origem, da qual se orgulhava, e cuja língua era uma espécie de guardiã das tradições. Por isso mesmo, não deveria ser esquecida. Isabel Arendt, que estudou a representação de germanidade entre os professores da Associação Evangélica, observa que assim como eles se sentiam parte do “grande povo alemão espalhado por todo o mundo”, achavam que o seu “jeito de ser e agir” muito contribuiria na

Educação e Nacionalização Compulsória – 1930/1940

45


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

do Sul devido à força da doutrina positivista. Na Constituição do Rio Grande do Sul de 1891 já estava previsto que: “O Estado de modo algum pode intervir na vida intelectual do povo. As ciências, as artes e a religião devem desenvolver-se independentemente do Estado. Seguindo o lema “aprenda quem quiser, ensine quem puder” possibilitou-se um enorme desenvolvimento das escolas particulares teutas” (DREHER, 1984, p. 43).

Colégio Farroupilha - Outubro de 1931

formação de bons cidadãos para lutar e trabalhar

Uma das escolas que se desenvolveram muito

pela pátria brasileira (2005, p. 116). Arendt chama

nesse período foi o Collegio Allemão de Pelotas,

atenção para um artigo publicado em

fundado em 1898. Sobre a germanidade

1931 no jornal da Associação, cujo tema

presente na escola, ainda na década de

era o Quinto Congresso Escolar, ocorrido

1930, Fonseca chama a atenção para os

em Porto Alegre. Nessa ocasião, segundo

livros em alemão que havia na escola:

a matéria, o então prefeito da cidade, Alberto Bins, afirmou em seu discurso “a

[...] o material impresso em língua alemã,

importância de manter a língua, costumes

enfocando o aprendizado do idioma, canções

e cultura herdada dos pais” (Ibidem, p. 16). Esse contexto nos leva a entender que as escolas étnicas recebiam apoio para manter as suas tradições de origem, o que vale para outras etnias. No ano de 1937, no Brasil, “havia 1.579 escolas alemãs, 396 italianas, 349 polonesas e 178 japonesas” (Kreutz

através dos livros didáticos que davam continuidade a um bem cultural, composto por um conjunto de valores e conhecimentos, comumente denominado germanismo, que circulava através da língua alemã. (FONSECA, 2007, p. 132)

et.al., apud RENK, 2009, p. 20). No Rio Grande do

O Colégio Farroupilha, na Porto Alegre da

Sul havia também a Escola Israelita, fundada em

década de 1930, apresentava aproximadamente

Porto Alegre na década de 1920.

380 alunos e chamava-se Hindenburgschule

A diversidade de origens e culturas era tolerada no Brasil, e mais ainda no Rio Grande

46

e conhecimento da terra natal, continuava presente

(Escola

Hindenburg),

em

homenagem

ao

presidente da Alemanha – marechal Paul Von

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Setembro, com canções brasileiras e alemãs. Após a introdução e saudação do Dr. Frederico Falk [diretor do Ginásio], aos convidados presentes, o aluno Jorge Geyer pronunciou a alocução principal, em português, e o Diretor finalizou a solenidade com a alocução alemã. No dia 7 uma delegação de 30 alunos e quatro professores desfilou diante do Presidente do Estado, General José Antônio Flores da Cunha” (TELLES, 1974, p. 129).

Colégio Farroupilha - Ginásio de 1937

Hindenburg (JACQUES, 2011). Já nas vésperas

Apenas dois meses após essa festividade, iniciou

de um novo golpe de estado no Brasil, em 1937,

um novo regime político ditatorial no Brasil: Getúlio

o projeto que tramitava no Ministério da

Vargas continuou no poder através de um

Educação para a criação de um ginásio

aparato regulamentar nada democrático.

nessa escola foi aprovado.

Nesse novo regime, a Educação

Nesse período pré-golpe no então

foi considerada peça-chave, digna de

Ginásio Teuto-Brasileiro Farroupilha, como

muitos investimentos. No entanto, esses

em qualquer outra escola étnica do Brasil,

investimentos vieram junto com uma

a cultura de origem estava presente no dia a dia dos

série de transformações na busca da criação de

estudantes. Assim, por exemplo, a maioria das aulas

uma só identidade para o povo brasileiro. Todos

era em alemão, língua falada nas casas dos alunos e

deveriam ser e agir como brasileiros. Mas o que

em vários locais de sociabilidade que frequentavam.

era ser brasileiro? A diversidade étnico-cultural do

No auditório da escola havia o busto de dois literatos

país era tão grande que descendentes de negros,

alemães, Friedrich Schiller e Johann Goethe, e nas

italianos, poloneses, japoneses, alemães, todos, sem

festividades, mesmo sendo comemorações referentes

exceção, ficaram atordoados! Porém, não havia

ao Brasil, a germanidade se manifestava. Na ata do

escolha, lei é lei, ainda mais em tempos de ditadura.

conselho escolar de setembro de 1937 consta: “No dia 4 de setembro a escola e ginásio comemoraram de maneira condigna o Sete de

A

tentativa

de

impor

o

“paradigma

étnico-cultural lusitano”9 em busca de uma   GUERTZ, René. A construção de uma nova cidadania. In: MAUCH, 1994, p. 49.

9

Educação e Nacionalização Compulsória – 1930/1940

47


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

À esquerda, a Faculdade de Engenharia e o Colégio Júlio de Castilhos (com a cúpula), à direita o quartel general

homogeneidade cultural partiu, de um currículo

ministravam aulas em língua vernácula e também

único nas escolas onde havia determinada história

aulas semanais de história e geografia do Brasil, bem

a ser contada, apenas um folclore a ser vivenciado

como educação moral e cívica” (RENK, 2009, p. 21).

e só uma língua a ser falada.

No Rio Grande do Sul o recrudescimento do

“A nacionalização compulsória do ensino foi

regime ditatorial da Era Vargas iniciou em 1938.

efetivada pelo Decreto Federal 406, de 1938, enquanto

Proibiram diretores estrangeiros nas escolas e

outros decretos e leis determinavam o ensino em língua nacional, proibiam a circulação de material didático em língua estrangeira e objetivavam a formação da juventude nacional. As escolas étnicas foram fechadas e a partir daquele momento todas as escolas

também professores que não falassem português com fluência. As escolas particulares foram inspecionadas e 95 delas tiveram que fechar suas portas. O Colégio Farroupilha foi uma delas, pois seu diretor e vários professores eram naturais da Alemanha. No entanto, para aqueles estabelecimentos

10

48

Período aproximado.

que não foram transformados em grupos escolares A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Colégio Farroupilha na Semana da Pátria - 1939

estatais, havia a possibilidade de tentarem se

Dessa forma, a Escola teve que remodelar-se

adaptar às novas leis. Foi o que fez a direção

rapidamente, e o fez com rigor, recebendo no dia 28

do Colégio Farroupilha. Agiu de forma rápida

de fevereiro de 1939 uma licença temporária para

alterando, em primeiro lugar, a formação do corpo

abrir suas portas. Como havia fechado em dezembro

docente. Assim, sete de seus professores voltaram

de 1938, os alunos não ficaram sem aulas.

para a Alemanha e quatro se retiraram. Quanto ao currículo dessa escola se observa: “Em primeiro lugar, a proibição do uso do alemão nas aulas; depois, essa mesma proibição se estendendo à conversação usual no pátio do colégio,

Uma dúvida que cabe levantar nesse momento é: como o Governo do Estado fazia para vigiar as escolas? Descobrimos que, nessa época, havia a

Professores da Nacionalização:

entre alunos e nas relações entre os corpos docente

“Cabia a estes professores, também chamados de

e discente, o número de aulas diárias, o currículo a

fiscais da nacionalização, a fiscalização e orientação

regulamentação dos feriados e das férias, tudo fora

do trabalho escolar mediante uma atitude de

determinado pelo governo” (TELLES, 1974, p. 133).

simpatia e de conquista. O trabalho deles deveria

Educação e Nacionalização Compulsória – 1930/1940

49


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Visita de autoridades governamentais ao Colégio Farroupilha – primeiro quartel da década de 1940

pautar-se pela serenidade de deliberação e equilíbrio

dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Sesp)”

de atitudes. Deveriam manter contato com os

(QUADROS, 2009, p. 210).

estudantes durante os intervalos das aulas; promover a criação de um ambiente escolar “nacional” mediante a “ornamentação das salas de aula, do hall, dos corredores, das salas de refeições” com o uso de paisagens brasileiras, reprodução de obras de arte de artistas brasileiros, fotografias de homens célebres e heróis e, ainda, promover a criação de bibliotecas, clubes de leitura e associações recreativas, as quais

50

O Colégio Farroupilha continuou ainda por algumas décadas a ser uma escola para “alemães”, mas, agora, alemães que vivenciavam a cultura brasileira com a “ajuda” de três professores da

nacionalização. Assim, o Brasil recebia, nessa escola, as mais variadas homenagens: “Um

exemplo

de

patriotismo

deu

o

trariam “auxílio valioso à socialização dos alunos,

estabelecimento: os alunos do primário escolheram

com a obra de nacionalização”, conforme explicitado

como patrono de suas respectivas classes vultos da

na mencionada Circular da Secretaria de Estado

História do Brasil. Almirante Tamandaré (3a A),

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Colégio Farroupilha, Semana da Pátria – 1959

Colégio Farroupilha, Semana da Pátria – 1959

Ruy Barbosa (3a B), Almirante Barroso (4a A), D.

muito estudo e disciplina. Os professores que se

Pedro II (4a B), Getúlio Vargas (5a A), Duque de

mantiveram, bem como os sócios da mantenedora

Caxias (5a B)” (TELLES, 1974, p. 134).

da escola, conservaram a estrutura de valores

Hedy Boelhouwer, em relação ao ensino do final da década de 1940 recorda:

desse estabelecimento de ensino que incluía o sentimento de germanidade. Décadas depois, o Farroupilha ainda era a escola dos alemães,

“Nessa época em que comecei a estudar no Farroupilha já não existia, por exemplo, alunos que só falassem alemão, que não falassem bem o português, isso não havia. Você sabia que eram descendentes que levavam aquela vida típica da família estilo germânico, isso tinha bastante. Era muito alemão na escola, não tinha italiano, japonês - se bem que tinha um japonês que estudou mais adiante...”11 Passada a fase de adaptação quanto aos rituais e aprendizagens patrióticas, bem como ao fim do bilinguismo, foi possível voltar à rotina de 11   Boelhouwer, Hedy. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 30 de julho de 2012.

muito embora o número de alunos de outras descendências crescesse muito. A Sesp, Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Púbica, estabeleceu várias exigências a todas as escolas públicas e particulares. Entre as normas técnico-científicas criadas entre as décadas de 1930 e 1940 destacamos, de acordo com Claudemir de Quadros (2009, p. 220): “A

utilização

de

planejamento,

controle,

pesquisa e avaliação; a escrituração minuciosa das atividades de professores, estudantes, diretores e administradores; o desenvolvimento de cadastros estatísticos; a expansão da rede escolar; a utilização

Educação e Nacionalização Compulsória – 1930/1940

51


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Em 1943, o ministro da Educação, Gustavo

de inovações metodológicas (gabinetes de psicologia, biblioteca, cinema educativo); a utilização de testes

Capanema,

psicológicos; a uniformização de programas de ensino;

currículo do ensino comercial, acrescentando

a reorganização e racionalização dos serviços, com

disciplinas técnicas e diversificando a estrutura

a separação da esfera técnico-pedagógica daquela

do curso comercial técnico, que passou a dividir-

encarregada da administração; a assistência técnica

se em: Comércio e Propaganda, Administração,

especializada ao magistério e o estudo e pesquisa dos

Contabilidade, Estatística e Secretariado.13

problemas do aperfeiçoamento do ensino.” É visível a maior organização na estrutura e nos processos de educação no Rio Grande do Sul

determinou

a

modificação

Para entendermos esse contexto, vejamos, como exemplo, a formação da Escola Técnica de Comércio Farroupilha.

a partir da linha de mudanças e modernização que seguiu a Sesp. Assim, o sistema de ensino do estado entrou em consonância com a reorganização econômica brasileira, que necessitava formar líderes, mas também necessitava de uma educação voltada ao trabalho, gerando mão de obra qualificada. A partir de 1931 os estudantes brasileiros podiam optar por, ao invés de entrar no ginásio, realizar um curso comercial básico. E, após essa etapa, entrar para o curso comercial técnico que se dividia em: guarda-livros, secretário, administrador-vendedor, atuário e perito-contador.12 Depois dessa etapa, terminava a fase escolar, com o mesmo número de anos do liceu ou do clássico, propedêuticos à universidade.   Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/ declei/1940-1949/decreto-lei-6141-28-dezembro-1943-416183-133673-pe. html>. Acesso em: 02.out.2012.

13

Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ ListaPublicacoes.action?id=37550>. Acesso em: 02.out.2012

12

52

do

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Escola Técnica de Comércio Farroupilha

A

diretoria da ABE de 1858 aprovou a

Humanas

abertura no Colégio Farroupilha de

Química, Física etc.). Havia, é claro, o ensino

um curso comercial de Contabilidade no ano

técnico, em que a aprendizagem no ambiente da

de 1949. O grande idealizador dessa ideia foi

escola era complementada por visitas às grandes

Sven Robert Schulze, que também foi o primeiro

empresas, como observamos nos relatórios:

diretor. Ele era bacharel em Ciências Políticas e

e

Exatas

(Matemática,

História,

Visitações a estabelecimentos industriais e laboratórios

Econômicas e perito contador. Segundo sua filha, Ingrid Schulze: “Meu pai, percebeu que, no comércio,

Os trabalhos didáticos foram complemen-

eram necessários profissionais habilitados,

tados por visitações a estabelecimentos admi-

no caso, contadores. Então, conversou com

nistrativos e econômicos locais. A terceira série

pessoas amigas, com colegas, e criaram a

visitou as Indústrias Renner, em dois grupos,

Escola Técnica de Comércio Farroupilha,

muito aproveitando com os bem adestrados ci-

com professores que eram profissionais de cada

cerones da empresa. A terceira série esteve na fábrica da

área: meu pai dava aula de Mecanografia. Depois,

Pepsi-Cola, apreciando especialmente o engarrafamen-

tinha Merceologia, Matemática, Contabilidade

to automático de refrigerantes. A segunda série, dirigida

Industrial, tinha tudo que era tipo de Contabilidade.

pelo professor Horst Beck, visitou os seguintes estabele-

Todos eram profissionais dentro das áreas em que

cimentos: o DEAL, a Fábrica Neugebauer, a Fábrica

trabalhavam.”14

de Plásticos Marco e o Laboratório Central da SAIC.15

Na Escola Técnica de Comércio Farroupilha,

A Escola Técnica seguia a mesma linha de

o aluno e a aluna – era mista - participavam das

disciplina e exigências do Colégio Farroupilha.

aulas de Português e Língua Estrangeira, Ciências   Schulze, Ingrid. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

Por isso, muitos empresários, comerciantes e

14

Relatório da Escola Técnica de Comércio Farroupilha. Ano letivo de 1957, p. 08. Acervo: Memorial Colégio Farroupilha.

15

Escola Técnica de Comércio Farroupilha

53


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Escola de Comércio do Colégio Farroupilha, formatura, colação de grau - Década de 1950

donos de fábricas matriculavam lá os seus filhos.

depois fui à Faculdade de Direito na Universidade

Além dos jovens se prepararem para o trabalho nas

Federal do Rio Grande do Sul.

empresas de seus pais, com a qualidade de ensino

Também foi muito interessante devido à dedicação

do Farroupilha podiam, também, entrar com mais

dos professores. O professor Striebel, o diretor, era de

facilidade na carreira universitária. Um exemplo é

uma dedicação fantástica! Era um curso de muita

Jorge Gerdau Johannpeter que recorda:

qualidade. Aprendíamos com o professor Bischoff,

“Havia o curso clássico, mais para a área

que ensinava Contabilidade, propriamente dita. O

jurídica, o Científico, para as Ciências Exatas, e

professor Ribeiro era de Matemática, e todas aquelas

havia cursos técnicos profissionalizantes. Eu fiz o

figuras que marcaram muito”.16

Curso Técnico de Contabilidade. Fiz três anos, e

16

54

Johannpeter, Jorge Gerdau. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Todos os professores das disciplinas técnicas, além de ministrarem aulas, também trabalhavam em grandes empresas de Porto Alegre, de forma que ensinavam os alunos a partir de suas próprias experiências. No relatório de 1958 consta: “O professor procura trazer um ensinamento vivo, objetivo, oferecendo ao estudante além da teoria das matérias, sua própria experiência profissional [...] a direção, por sua vez, procura ampliar a base cultural

Professores da Escola de Comércio do Colégio Farroupilha: Walter Kley, Svean Schulze, Walter Striebel (discursando) e Hans Schmitt. Formatura - 1954

dos estudantes, organizando reuniões coletivas das séries, nas quais são proferidas conferências sobre temas

“O certificado da ETC Farroupilha era

ligados aos assuntos do currículo ou à atualidade.”

reconhecido não somente dentro do estado do

A prática vinha, também, do próprio

Rio Grande do Sul, mas em todo o território

trabalho exercido pelos alunos. Cabe

nacional. Tal notoriedade voltou os olhos

lembrar que o curso era noturno. Assim,

do governo para o estabelecimento, que, em

as empresas entravam em contato com a

1953, através de um auxílio de Cr$ 70.000,

Escola para que lhes enviasse estudantes.

concretizou a primeira subvenção do governo

Como afirmou em 1958 o diretor Walter

federal para a escola. Um dos principais

17

Striebel, “o estudante de cursos técnicos, como o

aspectos incorporados à instituição é que a escola

nosso, por via de regra, trabalha, quer na indústria,

deveria preparar primeiramente o indivíduo para

no comércio, em estabelecimento bancário ou

viver de modo mais completo”.19

repartição pública, iniciando assim, sua carreira

Como

profissional”.18

podemos

observar,

pela

imagem

acima, a partir da década de 1960, a maioria dos

Conforme Pacheco, esse curso técnico comercial

estudantes são adultos, o que leva os professores

em pouco tempo teve repercussão nacional:

a adotarem um método diferente em relação aos

Depoimento concedido em seu escritório à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

19

Relatório da Escola Técnica de Comércio Farroupilha. Ano letivo de 1958, p. 06. Acervo: Memorial Colégio Farroupilha.

17

18

Ibidem.

Pacheco, Pietro Gabriel dos Santos. O Curso Técnico do Comércio no Colégio Farroupilha (Porto Alegre RS – 1949/1962). Este estudo é parte integrante do Projeto de Pesquisa “Do Deutscher Hilfsverein ao Colégio Farroupilha: Entre memórias e histórias (1858-2008)”, coordenado pela Profª Dra. Maria Helena Câmara Bastos (CNPQ/FAPERGS/PUCRS 2011-2015).

Escola Técnica de Comércio Farroupilha

55


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Escola de Comércio do Colégio Farroupilha - década de 1960

demais cursos do Colégio Farroupilha. Como

com aqueles novatos que são ‘da casa’ e esperam

escreveu o professor Sven Schulze:

prolongar um período de inquietação de adolescência

“Uma escola de cursos noturnos como a nossa, deverá ter um ambiente em algo diferente aos cursos diurnos. O próprio aluno já é motivo para isto [...]. O nosso estudante noturno é um adulto como nós, e se na cátedra somos o professor, no

no curso da noite” (Clarin, 1961, p. 37). No início da década de 1970, a escola é transferida para junto dos demais cursos do Colégio Farroupilha, no Bairro Três Figueiras. Pela

intervalo dificilmente se distingue o mestre [...]. Os

infraestrutura desse período – transporte público

nossos professores não são somente ‘mestres’ e sim

precário – e pela pouca circulação de pessoas que

companheiros mais velhos que transmitem aos mais

havia nos “arrabaldes” da cidade, o curso, por ser

jovens os seus conhecimentos.

noturno, não pôde acompanhar o desenvolvimento

Não tivemos, jamais, problemas de disciplina, o

do Colégio Farroupilha, fechando suas portas.

que não exclui pequenas desavenças, especialmente

56

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

O

bservando o Brasil da década de 1950

sem dúvida, uma obra tão civilizadora como o

chama atenção a presença da democracia,

aparecimento de um grande livro em que se espelhe a

novamente, e de uma política desenvolvimen-

alma humana”.21

tista. O país se industrializava através de um projeto de substituição de importação. Crescia a indústria de base, mas, por outro lado, é considerável a entrada de multinacionais

A percepção do poder humano era a tônica do momento. O mundo oferecia possibilidades sem limites. Esse imaginário se refletia nos discursos de pensadores, professores e políticos como

e de empréstimos estrangeiros para os

Kubitschek, presidente eleito em 1956.

projetos governamentais.20

Quanto

Grandes cidades, automóveis, indús-

à

“obra

civilizadora”

tria cinematográfica, eletrodomésticos,

a ualificação dos brasileiros e seu

enfim, eram os símbolos da modernida-

nível escolar não acompanhavam as

de presentes no cotidiano de muitos bra-

transformações urbanas e as novas possibilidades no mercado de trabalho, faltando mão

sileiros. Em um de seus discursos, o presidente Juscelino Kubitschek enfatizou a necessidade de uma “mentalidade industrial”, ressaltando que:

de obra qualificada. Também, pudera: no Brasil, em 1950, apenas 36,2% das crianças de 7 a 14 anos tinham acesso à escola (GOLDEMBERG, 1993). Na capital do Rio Grande do Sul, os discursos

“[...] as civilizações se exprimem e se revelam, dão a medida e de seu poder e do seu caráter pelas

e ideias de progresso e desenvolvimento eram

produções nos setores diversos. Corrigir, dominar

aplaudidos, mas, com ressalvas. Em 1952 Porto

em benefício do homem a natureza, constitui,

Alegre estava em segundo lugar no parque industrial brasileiro, e o nível de construção civil era

MARANHÃO, Ricardo. O Estado e a política populista no Brasil. In: FAUSTO, 1981, p. 261.

20

21

Diário de Notícias, 22/05/1957, n.67, p. 04.

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

57


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Praça Parobé - 1957

intenso. No entanto, havia sérios problemas ligados à alimentação, moradia e infraestrutura urbana. As primeiras sub-habitações, chamadas de

problema mais sério estivesse no abastecimento de água e, principalmente de energia:

vilas de malocas, surgiram no final da década de

“Havia diariamente falta de eletricidade por

1940 em áreas alagadiças da cidade, e nas encostas

várias horas. O centro costumava ser poupado. Entre

do morro do Partenon.

1950 e 1951, velas e lampiões eram comercializados

Em relação à alimentação, foi um período em

58

Quanto à infraestrutura urbana, talvez o

no mercado clandestino, pois se esgotavam

que houve a escassez de determinados alimentos,

rapidamente no varejo (AXT, 1995, p. 149)”.

de forma que, mesmo quem tinha dinheiro não

Também, entre permanências e especificidades,

conseguia adquiri-los. Muitas vezes, era necessá-

encontramos, nessa época, o sistema educacional.

rio enfrentar filas, para conseguir comprar leite ou

Mas, sem dúvida, o Rio Grande do Sul avançou

carne em Porto Alegre.

em relação aos parâmetros de modernização de A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

seu sistema e na expansão do número de alunos

Quanto às escolas laicas, havia o Colégio

atendidos, tanto em escolas particulares quanto

Farroupilha. Desde 1886 ele era mantido por uma

em escolas públicas. Entre 1950 e 1958, o número

associação beneficente, a ABE de 1858. Essa escola

de estabelecimentos escolares “passou de 899

iniciou a década de 1950 com o nível secundário

para 1.795, enquanto o número de professores

completo, pois, em 1949, além do ginásio, que era

aumentou de 6.468 para 12.244” (ROCHA, 2010,

a primeira etapa, o Governo Federal autorizou

p. 45). Embora o número seja expressivo, o déficit

o funcionamento do colégio (JACQUES, 2011).

escolar, no final da década de 1950, ainda era

Assim, os jovens poderiam estudar todo o último

grande, assim como o índice de evasão:

ciclo, antes da faculdade, no Farroupilha.

“Segundo dados de relatórios do governo do

Nessa escola, as aulas de religião eram

estado, em média, a evasão atingia um universo

ministradas por um pastor e por um padre, os alunos

de 100.000 estudantes matriculados nas três esferas

podiam optar. Também era marcante

(estadual, municipal e particular), com

para os alunos as aulas de Canto, como

maior incidência na esfera estadual

recorda Vera Maria Hemb Becker:

responsável por índices de evasão que

“O professor Nagel, nascido na Alemanha,

variam entre 25%, em 1948, e 16,9%,

dava aula de Latim e de Canto. Ele fez um

em 1958. A menor taxa de evasão estava

coral muito bom que existiu por muitos anos.

nas escolas particulares, onde variou

Selecionava as pessoas a partir do que ouvia

entre 15,2%, em 1948, e 9,1% ,em 1958

na aula de Latim, ali ele ia selecionando as vozes e

(QUADROS, 2006, p. 133)”.

fazia um coral em separado com alunos de todas as

O ensino particular referente à capital era, em

séries. Tínhamos aula de Canto na escola, mas esse

grande parte, ligado a algumas ordens religiosas.

coral era separado. Lá cantávamos de tudo, como

Os Irmãos Maristas, por exemplo, organizaram

músicas em Latim e músicas do nosso folclore.”22

estabelecimentos de ensino que, na década de 1950, já eram tradicionais, como o Colégio

Desde 1895 o Farroupilha estabeleceu-se em

Rosário. Este se originou nas aulas ministradas nas

um prédio na Avenida Alberto Bins em frente à

dependências da Igreja do Rosário pelos irmãos Géraud Dethoôr e Ambrosi Michel, no ano de

BECKER, Vera Maria Hemb. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

22

1904 (FRANCO, 1998, p. 351).

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

59


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Igreja São José23. De meados do século XX vêm as

sabia. Era uma relação pessoal de respeito, no fundo,

memórias da professora Lia Mostardeiro:

com efeitos positivos na educação” (Jorge Gerdau).24 efetiva

A partir da década de 1940, a tendência para

preocupação com o rigor formal das aulas, ou seja,

um maior diálogo entre professor e aluno permitia

buscava-se a perfeição do aluno, priorizando o

alguns avanços na aprendizagem, se compararmos

capricho, a organização dos cadernos, a disciplina e a

com o método de instrução de finais do século

obediência. No entanto, a sensibilidade da professora

XIX. Outra transformação que já mencionamos,

permitia que, aos poucos, outras práticas fossem

e que se popularizou nas décadas de 1940 e 1950,

introduzidas no cotidiano escolar, proporcionando

foi a presença de cartilhas e livros, de forma que

mais espaço para atividades lúdicas, e assim

todo o ensino era estruturado a partir dessas obras

despertando a espontaneidade e a criatividade

pedagógicas. Vera Matte, alfabetizada no ano

“No

velho

casarão,

havia

uma

de 1942, passou a lecionar no Colégio

infantil (ALMEIDA, 1999, p. 67)”.

Farroupilha no final da década de 1950.

Passado o turbilhão da nacionalização

Ela recorda:

compulsória, observamos que havia pouco rodízio de professores nessa

“Entre os livros, eu tinha a Cartilha do

escola. Os professores podiam construir

Vivi eVavá, em que aprendi a ler e com a

uma relação duradoura com os alunos, o

qual ainda alfabetizei duas turmas no Colégio

que se reflete nas lembranças:

Farroupilha, 16 anos mais tarde. Depois é que mudou. O livro de Aitmética, também. Com o mesmo

“Embora cada professor tivesse sua personalidade

livro em que estudei ainda trabalhei como professora.

se via que o colégio, como um todo, tinha um estilo

Teve um bom período em que os livros didáticos eram

de disciplina, de educação, etc. O perfil das aulas

praticamente os mesmos” (Vera Matte).25

era absolutamente personalizado. Os professores tratavam cada aluno pelo seu nome, e o trato era

Essa constância em relação aos mestres e aos

absolutamente individual: o professor com cada

livros didáticos também se observava quanto ao

aluno. Essa é uma característica muito interessante. O professor sabia perfeitamente se o aluno estava um pouco melhor, se tinha estudado, se sabia ou não

Johannpeter, Jorge Gerdau. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido em seu escritório à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

24

MATTE, Vera Elisabeth Reimer. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi no Memorial do Colégio Farroupilha. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

25

23

60

Onde hoje se localiza o Hotel Plaza São Rafael.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Colégio Farroupilha, Avenida Alberto Bins – década de 1950 As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

61


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

ambiente escolar. A indústria de consumo estava

As práticas corporais, desde o início do século

iniciando, de forma que não havia possibilidades

XX, vinham assumindo maior relevância nas

de trocas constantes de mobiliário, adornos e

escolas, mas apenas na Constituição de 1937 foi

materiais pedagógicos. Mas, a rotina de sala de aula

incluída como prática obrigatória, sendo, então

era quebrada toda semana pelas aulas de Educação

conhecida como Ginástica, tanto em colégios

Física, um dos raros momentos em que os alunos

particulares quanto em colégios públicos.27

saíam de sala. Como o Farroupilha não dispunha de espaço físico, as aulas eram ministradas na Sociedade de Ginástica Porto Alegrense, a Sogipa. A ABE de 1858, realizou uma espécie de contrato com esta sociedade de origem germânica, alugando

Entre as escolas públicas secundárias destacavam-se o Colégio Militar e o Julio de Castilhos, considerado um colégio padrão, “servindo de exemplo orientador a outros colégios do estado” (ROCHA , 2010, p. 44).

o espaço de ginástica do clube. Inicialmente eram

Quanto às escolas profissionalizantes,

ministradas apenas aulas de ginástica,

a Escola Técnica Parobé formava jovens

sem a presença de qualquer forma de

secundaristas desde 1906. Foi criada

jogos. Jorge Bertschinger, aluno do

como uma unidade de ensino da Escola

Farroupilha desde o jardim de infância,

de Engenharia de Porto Alegre, e na

na década de 1930, recorda: “A

gente

fazia

década de 1950 já havia formado muitos

ginástica, mas

técnicos para a construção civil, indústria

precisávamos caminhar até a Sogipa, que era na

mecânica, área elétrica etc. Destaca-se ainda o

Alberto Bins, mas quase no fim, perto da Rua Barros

crescimento da Escola Técnica Feminina Senador

Cassal. Dava-nos aula o professor Georg Black que

Ernesto Dornelles. Nessa época, o mercado

veio da Alemanha, ele ministrava aulas de ginástica.

de trabalho estava abrindo suas portas para as

A Sogipa também tinha um prédio não muito

mulheres. A maioria, no entanto, trabalhava

grande. Durante a aula de ginástica caminhávamos

apenas até o casamento, quando, então, assumia

e depois tinha a caminhada de volta para a escola,

as funções domésticas. Assim, com o intuito de

eram dois exercícios!”26

preparar as moças para o lar e para a fábrica, são   NUES, Tatiana Cortez. COUTO, Yara Aparecida. Educação Física Escolar e Cultura Corporal de Movimento no Processo Educacional. Disponível em: <http://www.eefe.ufscar.br/pdf/tatiana.pdf>. Acesso em: 13.out.2012.

27

BERTSCHINGER, Jorge Guilherme. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e a Milene Morais de Figueiredo, na ABE de 1858. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

26

62

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Coleção de Quadros Murais da Revista de Ensino

as “missões pedagógicas”, realizadas em diversas cidades gaúchas. Esses encontros reuniam centenas de professores para debater e receber orientações técnico-pedagógicas, visando à inovação em sala de aula e o aporte de sugestões de materiais didáticos. Outro canal de comunicação com os professores era a Revista de Ensino, criada em 1942, e que, em criados o Curso Técnico em Artes Aplicadas e o

1956, tornou-se uma publicação oficial do CPOE/

Curso Industrial de Corte e Costura. Sobre este

RS. Ela apresentava muitos artigos voltados para

último, Scholl (2012, p. 87) ressalta:

o preparo intelectual e técnico dos professores,

“O curso de Corte e Costura, além das disciplinas

com sugestões de material pedagógicos para as

de cultura geral, comum a todos os ginásios

disciplinas ministradas nas escolas. Apresentava

industriais, oferecia as disciplinas de Tecnologia,

como recurso visual aos professores primários

Desenho Técnico, Corte, Costura, Rendas e

alguns encartes coloridos com temas como:

Bordados, e Confecção”.

“A música, um lugar de destaque; Os Orientação

animais merecem proteção; Do descobrimento à

Educacionais (CPOE), subordinado à Secretaria

Independência; O Dia do Índio; Em maio, o Dia

de Educação e Cultura, orientava professores e

das Mães; As inúmeras utilidades da água; Os Três

equipes diretivas de escolas públicas e privadas.

Poderes, entre outros” (PEREIRA, 2010, p. 56).

O

Centro

de

Pesquisas

e

Um dos canais de contato com os professores eram As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

63


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

“[...] enumerar os elementos, mencionar a ação principal, formar frases, narrar/descrever o fato, imaginar histórias sugeridas pela gravura, realizar dramatizações, dar títulos à gravura. Esse último passo é considerado ‘muito interessante e exige grande capacidade de síntese’.”29 No conjunto de ações educativas de meados do século XX encontra-se, também, um projeto audacioso de construção de escolas estaduais: “Entre as iniciativas estaduais, merece destaque o estado do Rio Grande do Sul durante o governo Leonel Brizola (1959-1963). O projeto ‘Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul’, resultou Revista do Ensino, nov.1951, ano I, n.3, imagem de capa

na construção de 1.045 prédios escolares que se

A imagem, seja de fotografias, desenhos colo-

popularizaram como ‘brizoletas’ ou ‘escolinhas do

ridos ou cinema, se manifestava, então, como re-

Brizola’, com 3.360 salas de aula e capacidade para

curso digno de credibilidade. Em 1958, a Revista

235.200 matrículas. Também foram iniciados 113

de Ensino explicava a importância da utilização

prédios com 483 salas e capacidade para 33.810

de imagens na formação das crianças, pois “de-

alunos, e planejados 258 prédios com 866 salas de

senvolve-lhes certas disposições intelectuais, como

aula e capacidade para 60.620 alunos” (ROCHA,

observação, lógica, imaginação, e contribuem para

2010, p. 46).

o enriquecimento das suas experiências”.28 A Revista do Ensino também trazia um

combate ao analfabetismo e aumento do número

encarte chamado “Coleção de Quadros”, que

de estudantes no estado. Em 1959, quando

eram apresentados por séries: História, Zoologia,

começaram a erguê-las, o déficit escolar era de 273

Linguagem etc. Para cada quadro deveria ser

mil matrículas. É claro que a meta de construção

proposta a seguinte ordem de exercícios:

veio acompanhada de contratações, já que nesse

28

64

As novas escolinhas contribuíram para o

Revista do Ensino, nº55, set.1958. In: BASTOS, 2012, p. 09

29

Revista do Ensino, nº55, set.1958. In: BASTOS, 2012, p. 09

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

A LDB, de cunho liberal, garantiu a liberdade de organização do currículo à cada uma das escolas e assegurou a todos os brasileiros, sem distinção de raça ou de classe social, o direito de estudar. No entanto, não foi mencionada a responsabilidade do Estado pela gratuidade do ensino. (Rocha, 2010, p. 33) Em Porto Alegre o crescimento da cidade resulta em maior procura de vagas nas escolas. O Colégio Farroupilha, por exemplo, já no final da década de 1950, apresenta superlotação. De Biblioteca do Grupo Escolar Apeles Porto Alegre. Revista do Ensino, mar. 1952, p. 25.

acordo com as atas de reuniões, desde 1946, os membros da ABE debatiam o problema

ano o déficit era de 23 mil professores no

da falta de espaço32. A conclusão a que

Rio Grande do Sul. 30

chegaram é que uma reforma no exíguo

A atuação forte do governo do

espaço da Avenida Alberto Bins não

estado na área da educação, de certa

seria suficiente, de forma que, naquela

forma, já colocava em prática um

época, já iniciaram a pensar em uma

dos preceitos trazidos com a primeira

nova edificação.

LDB, Lei de Diretrizes e Bases do Brasil, de

Na década de 1950, foram adquiridos terrenos na

1961. Através do artigo 16 outorga aos estados a

Avenida Osvaldo Aranha, entre a Rua Barros Cassal

“autorizar o funcionamento dos estabelecimentos

e a antiga Rua da Conceição, próximo ao Colégio

de ensino primário e médio não pertencentes à

Rosário para a construção da nova escola. Contudo,

União, bem como reconhecê-los e inspecioná-

em 1956, quando o projeto arquitetônico começava

los” , diminuindo, assim, a centralização de todo

a ser executado, foi rapidamente abandonado devido

o sistema no Ministério de Educação e Cultura.

ao novo Plano Diretor da cidade que acarretaria

31

Tendardini, Cleber Dioni. Um caudilho no Piratini. Jornal Extra Classe – n.136 - Agosto 2009. Sinpro/RS. Disponível em: <http://www.sinpro-rs.org. br/extraclasse/ago09/memoria_imp.htm>. Acesso em: 29.set.2011. 30

LEI Nº 4.024, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1961. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm>. Acesso me: 29.set.2012.

“redução da área útil permitida” (HOFMEISTER FILHO, 1986, p. 56).

31

De acordo com informações da ata da reunião dos sócios da Abe de 1958, de 11.dez. 1952.

32

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

65


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Assim, a nova escola foi construída em uma

escolar. Principalmente a partir da década de 1970

área pertencente a ABE de 1858, conhecida

surgiram novos profissionais e foram criados novos

como Chácara das Três Figueiras. A construção

setores, como o Serviço de Orientação Educacional

estendeu-se de 1957 a 1961 em uma área muito

e o Serviço de Educação Pedagógica34, o que exigia

maior do que a do “velho casarão” da Alberto Bins.

espaço. Segundo Dóris Almeida (1999, p. 69-70):

Eram três hectares e meio disponibilizados para a

“Realmente, a mudança de prédio não foi um

escola. Assim, ao invés de lugar para 600 alunos, o

fato isolado [...]. Aos poucos, a estrutura administra-

Farroupilha passou a oferecer espaço para 1.500.33

tiva e pedagógica da escola tornou-se mais complexa,

A mudança para um prédio maior se fez

e o número de alunos passa a aumentar sensivelmen-

necessária, também, devido às exigências do

te. Se antes havia uma diretora que praticamente

sistema nacional de educação quanto à estrutura

Colégio Farroupilha, Relatório do Curso Secundário – Ano Letivo de 1972 e 1974.

34

33

66

Revista O Clarin. 1º Semestre, 1961, p. 16.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

a ordem socioeconômica, pois se temia que a persistência dos grupos que então controlavam o poder político formal viesse a provocar uma ruptura no plano socioeconômico” (SAVIANI, 2008).35 Assim, durante vinte e um anos, os militares permanecem no poder, trazendo novamente mudanças para o sistema de ensino brasileiro. Uma delas foi a extinção da estrutura Primário/ Ginásio. A partir de agora o ensino dividia-se em Colégio Farroupilha, nova edificação - 1961

coordenava todo o trabalho das séries iniciais, agora

Primeiro Grau e Segundo Grau. O Segundo Grau abarcava três anos, sendo profissionalizante. Não

surgem outros setores educacionais, cada

havia mais exame de admissão para

um com diferentes atribuições, abrangen-

nenhuma etapa do ensino escolar, apenas

do questões administrativas, comporta-

o Vestibular para entrar na faculdade se

mentais, disciplinares, pedagógicas, etc”.

manteve.

Quanto ao contexto político da

Em 1971, reformulando a 1a LDB,

década de 1960, percebemos que, já nos

o MEC, tornou obrigatório o ensino

primeiros anos, partidos, sindicados,

profissionalizante em todas as escolas

movimento estudantil e demais grupos da

públicas ou privadas. Segundo Saviani:

esquerda brasileira estavam mobilizados em

“A própria escola primária deveria capacitar

torno de propostas como a nacionalização de

para a realização de determinada atividade prática;

empresas estrangeiras e as reformas de base no

o ensino médio teria como objetivo a preparação

sistema bancário, agrário e educacional. Com o fortalecimento desses grupos, chamados de

dos profissionais necessários ao desenvolvimento

subversivos, os militares e seus aliados civis, através

econômico e social do país; e ao ensino superior

de um golpe, desativaram o processo democrático

eram atribuídas as funções de formar a mão de obra

que se expandia:

especializada requerida pelas empresas e preparar

“Consumou-se, desse modo, uma ruptura política, considerada necessária para preservar

SAVIANI, Demerval. O Legado Educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 19.set.2012.

35

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

67


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

os quadros dirigentes do país (Souza, 1981, p. 67-

3) O processo de transformação: aprendizagem

68). A orientação geral traduzida nos objetivos

realizada pelo estudante com decorrência da

indicados e a referência a aspectos específicos, como

tecnologia empregada.

a profissionalização do nível médio, a integração

4) O produto final: a consecução dos objetivos da

dos cursos superiores de formação tecnológica

escola, a formação do individuo proposto pela

com as empresas e a precedência do Ministério do

sociedade vigente (QUADROS, 2006, p. 180).

Planejamento sobre o da Educação na planificação

Em decorrência da capilarização por todos os

educacional, são elementos que integrarão as

setores da educação dessa estrutura pensada pelo

reformas de ensino do governo militar”. 36

MEC, o CPOE – que então se dedicava muito à

O controle social e político se fez presente em todos os estados da Federação. No Rio Grande do Sul, a Secretaria de Educação e Cultura, de acordo com as diretrizes do MEC, tenta adaptar o sistema escolar ao sistema de produção econômica. Nesse sentido, estabeleceu-se uma correlação entre os elementos de produção industrial com o sistema educacional:

pesquisa e à assessoria pedagógica – foi fechado no início da década de 1970. De acordo com Denise França (2007, p. 52): “[...]

educadores

passaram

a

ser

perseguidos por conta de posicionamentos ideológicos divergentes do regime. O regime militar espelhou na educação o caráter antidemocrático de sua proposta ideológica de governo, e a promulgação do AI-5 impossibilitou aos educadores posicionarem-se em

1) os fatores diretos da produção:

relação às leis e decretos relacionados à educação.”

a) estudantes (matéria prima do processo);

b) professores (principal tipo de mão de obra utilizado);

De forma muito semelhante à época do Estado Novo (ditadura de Getúlio Vargas), as escolas necessitaram se adaptar aos novos padrões técnicos

c) instalações (sala de aula, laboratórios, oficinas);

d) matérias e recursos didáticos.

2) os fatores indiretos da produção: serviços

e burocráticos criados pela Secretaria de Educação e Cultura, principalmente após a Reforma de 1971. Podemos acompanhar o dia a dia de uma es-

administrativos.

cola nesse período, através da farta documentação   SAVIANI, Demerval. O Legado Educacional do Regime Militar. Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 19.set.2012.

36

68

presente no Memorial do Colégio Farroupilha,

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Livro de Registros de Ordens Internas/Ensino Secundário 1950/1970. Colégio Farroupilha

composta porrelatórios, memorandos, correspon-

cuidados com as manifestações, o Colégio precisou

dências, fotografias etc.

adaptar-se ao novo sistema educacional proposto

No Colégio Farroupilha, durante o governo militar, não houve interrupção das aulas. Nenhum professor precisou afastar-se, como aconteceu em outras escolas de Porto Alegre. Mas percebemos que, após a instituição do AI-5 (Ato Institucional no 5) os cuidados foram redobrados quanto às criticas ao sistema de ensino ou ao regime militar. Pelo documento acima percebemos que a escola precisou realizar algumas adaptações aos padrões do novo regime. Mas, para além dos

pelo MEC, com inúmeros novos regulamentos. As evidências nos levam a crer que, mesmo tendo a equipe diretiva trabalhado muito para a adaptação, não faltaram críticas da SEC em relação a algumas irregularidades do Colégio. Assim, por exemplo, foi apontada a omissão da escola em relação à nova nomenclatura de algumas disciplinas, como Língua Estrangeira, que passou a se chamar Inglês. Outra irregularidade apontada pela SEC foi o fato de não ter sido criada a disciplina Ciências Físicas e Biológicas. No relatório de 1973,

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

69


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Colégio Farroupilha. Irregularidades de 1974. Dossiê referente ao cumprimento do parecer número 108/79 do Conselho Estadual de Educação

encaminhado para a Secretaria de Educação

Se em alguns aspectos foi possível se manifestar

e Cultura, a direção da escola justifica que “a

contra as novas regras, em outros não havia

dificuldade na montagem de programa único para

diálogo. Um exemplo foi a implantação de cursos

a disciplina de Ciências Físicas e Biológicas e sua

profissionalizantes. O documento a seguir nos dá

impraticabilidade justificam o desdobramento da

a ver a proporção das mudanças que a escola teve

mesma em Física, Química e Biologia” . Dessa

que realizar em nível de Segundo Grau:

37

forma, embora mantivessem a carga horária e conteúdos previstos pelo MEC para a referida nova disciplina, não abdicaram do desdobramento.   Colégio Farroupilha. Irregularidades de 1973. Dossiê referente ao cumprimento do parecer número 108/79 do Conselho Estadual de Educação.

37

70

Mesmo com a montagem de um novo aparato pedagógico e profissional para a criação dos cursos citados acima, irregularidades ainda eram apontadas. Apenas em 1979 a escola conseguiu

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Festival de Pintura, Jardim de Infância, Colégio Farroupilha – 1972

Outra peculiaridade, típica de épocas de

enviar um relatório para a SEC informando sobre a regularização completa.

regimes ditatoriais, era a presença na escola de

Podemos observar, ainda, que a maioria dos

duas fiscais supervisoras de ensino enviadas pela

cursos profissionalizantes citados no documento na

SEC. De acordo com o relatório de 1969, elas

página ao lado apresentava como base disciplinas do antigo Curso Científico. Dessa forma, foi possível manter o padrão de qualidade do Colégio

faziam um papel importante na adequação da escola aos novos métodos de ensino.

no ensino das Ciências e, por consequência, os

O Colégio Farroupilha reativou em 1972 o

índices de aprovação no Vestibular, sempre altos,

Jardim de Infância38, com capacidade para 110

de acordo com os relatórios da diretoria da escola.

38

Ver página XX (segunda parte do livro) sobre o antigo Jardim de Infância

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

71


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

crianças. Desde os primeiros anos destacava-se a

A partir de 1974, os alunos do Colégio Farrou-

preocupação com a educação integral do aluno.

pilha participavam das aulas de Química, Física

Vera Matte, diretora da escola nessa época, nos

e Biologia em amplos e modernos laboratórios, algo inimaginável para o antigo prédio da Avenida

informa:

Alberto Bins. Além disso, foi criado o Serviço de

“O respeito pelo meio ambiente remeteu-nos

Recursos Audiovisuais, para facilitar a utilização

às noções de ecologia, fazendo com que no pátio

de materiais pedagógicos pelos professores. Ingrid

do Colégio se cultivasse uma pequena horta.

Schulze, que organizou o novo serviço, sendo por

Além disso, estimulou-se que lá fossem abrigados

muitos anos responsável por ele, recorda:

alguns exemplares de animais domésticos, como

“Confeccionamos muitos jogos - por sugestão dos

ovelha, coelho, galo, galinha, entre outros. Esses

professores - para determinada atividade [...]. Nós

animais recebiam muito carinho das crianças, as

tínhamos também aparelhos, desde sempre tínhamos

quais assumiam a responsabilidade

projetores. No começo a gente passava filmes

de alimentá-los, seguindo um rodízio

para os alunos, filmes 16 mm. E havia uma

previamente combinado com as turmas

lista de filmes das entidades, que emprestavam,

do jardim” (Vera Matte).39

como a Secretaria de Educação. Se, por

Em 1968 a escola inaugurou a

exemplo, quisesse alguma coisa sobre história... tinha muita coisa sobre Física e Química.

Biblioteca Manoelito de Ornelas, com

Havia muitos cartazes. A Revista do

5.000 volumes, o que nos faz recordar da

Ensino durante muitos anos publicou cartazes

biblioteca anterior, assim descrita por Hofmeister:

didáticos muito bons que eram usados tanto em

“No antigo colégio, os livros eram guardados em

Ciências, quanto em Português para redação,

armários fechados que ficavam no corredor. O acervo

também tinha Geografia, História...

era composto de obras específicas para professores e

Havia arquivos com pasta suspensa, com muitas

uma grande parte dada pelo governo alemão. Na

ilustrações [...]. Na época não tinha vídeo, não tinha

década de 1950, a biblioteca, com livros então também

DVD, nada disso, então, era na base da ilustração

para alunos, era utilizada como sala de professores”

concreta, do papel.” 40

(HOFMEISTER FILHO, 1986, p. 88).

Schulze, Ingrid. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

40

que existiu entre os anos 1911 e 1930.

39

72

MATTE, Vera. Um Sonho Realizado. In: Beckel, 2009, p. 10.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

As

novas

possibilidades

pedagógicas

se

manifestavam na escola, assim como a estrutura tradicional ainda estava bem presente, e as aulas eram centradas no ensino do professor. Márcia Terres, estudante da escola, recorda em relação ao início da década de 1980: “[...] Essa referência do professor era muito marcada naquela época. Era uma figura mais imponente e até mesmo austera. Circulava afeto também, mas não de uma forma tão intensa. Era um afeto dosado com muito limite, onde o respeito e muitas vezes a autoridade delineava a relação do professor com o aluno. As propostas eram muito dirigidas, havendo pouco espaço para a interação e

Capa da Revista do Ensino, outubro de 1951, ano I, no 2.

participação expressiva dos alunos” (Márcia Terres)41.

atitudes ou sentimentos já se manifestam antes

Com o crescente desenvolvimento do Rio

de tornarem-se conduta. Um exemplo é a relação

Grande do Sul em meados do século XX, foi possível melhorar a infraestrutra de muitas escolas gaúchas, que também obtiveram novos materiais pedagógicos, como as escolas estaduais. No entanto, em termos de metodologias utilizadas em sala de aula, não houve mudanças significativas como no início do século XX – Método Intuitivo, Escola Nova.

entre professores e alunos. Se no começo do século XXI iniciou uma transformação

significativa

na

metodologia

de ensino de muitas escolas gaúchas é porque o professor de décadas anteriores saiu de seu pedestal, inclusive literalmente. A transformação do mestre que instruía para o que acompanha o aprendizado dos alunos não ocorreu em uma data

Mas é preciso ressaltar que a escola é um organismo vivo, e sendo assim, por vezes, algumas   TERRES, Márcia Beck. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 13 de agosto de 2012.

41

determinada ou a partir de algum decreto. “As relações entre professores e alunos são envolvidas por sentimentos mais espontâneos:

As escolas em meados do século XX – Entre permanências e especificidades

73


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

1a Série de 1993 – Colégio Farroupilha

é natural aluno e professores aproximaremse, buscando elos de afetividade. Tudo isso não aconteceu por acaso: com o passar dos anos, as concepções educacionais passaram a focalizar a relação professor-aluno como ponto de partida para a construção do conhecimento. Já não é mais preciso desenvolver somente o intelectual: é preciso também valorizar o aluno que se relaciona com o mundo da ciência, com o mundo da natureza, com o mundo dos afetos” (ALMEIDA, p. 1999, p. 58).

74

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

Paradigmas repensados – A sociedade de aprendizagem e o século XXI

C

omo pode uma sociedade englobar e excluir?

proativa, criaram estratégias e soluções para as

O cenário brasileiro no final do século XX

demandas das comunidades de que fazem parte.

apresenta um fenômeno novo: a globalização. Por

Entre as Organizações do Terceiro Setor que

outro lado, nos remete a um fenômeno antigo:

realizaram projetos voltados para a educação

a exclusão social. A globalização, sem dúvida

podemos tomar como exemplo a ABE de 1858.

resultou em um interessante fenômeno de “inter-

Essa associação, sendo mantenedora de uma

câmbio político, social e cultural entre

escola particular, o Colégio Farroupilha,

as diversas nações” (STEREN, 2001).

assumiu outra escola, para crianças de

Mas esse intercâmbio trouxe soluções

baixa renda, em 2005, como explicam os

muito acanhadas para prioridades sociais

sócios da ABE Becker e Betschinger:

como a miséria e o sucateamento da

“A Escola Correa Lima era do tempo do

educação pública. Dessa forma iniciou

governador Brizola, era uma das ‘escolas de

o século XXI e ainda estamos em busca

madeira’ como eles chamavam.

de uma globalização efetiva:

Localizava-se dentro do CPOR42, mas tinha

“O uso do termo ‘global’ supõe ou leva a supor

muitos buracos e estava cheia de cupim, de forma que

que o objeto ao qual ele é aplicado é, ou tende a ser

o delegado de educação do estado havia mandado

integral, integrado, isto é, não apresenta quebras,

fecha-la, porque não tinham condições de contruir

fraturas, ou hiatos. Globalizar, portanto, sugere o

outra. Foi quando o Coronel veio falar comigo:

oposto de dividir, marginalizar, expulsar, excluir”

- Vocês querem assumir essa escola?

(Limoeiro-Cardoso, apud, STEREN, 2001).

- É hoje que queremos essa escola!

Nesse movimento, oposto a dividir, chama

Agora, tem aproximadamente 200 alunos

atenção o crescimento, no Brasil, de organizações

lá dentro, com a mesma instrução que o Colégio

não governamentais (ONGs) que, de forma

42

Centro de Preparação de Oficiais da Reseva

Paradigmas repensados – a sociedade de aprendizagem e o século XXI

75


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Alunos da unidade Correia Lima

Farroupilha, mesmas técnicas em tudo (Jorge

de 25 alunos. O nível de exigência entre o Colégio

Bertschinger).43

Farroupilha e o Colégio Correia Lima é igual. A única diferença é que recebem o ensino gratuitamente

“É feita uma pesquisa com as famílias para ver

(Fernando Carlos Becker)44.

o perfil. Permanecem na escola apenas os alunos cujos pais apresentam renda baixa. Os professores

A ABE de 1858, ainda na década de 1990,

são os mesmos do Colégio Farroupilha. São turmas

iniciou um projeto pioneiro que foi a instalação da

BERTSCHINGER, Jorge Guilherme. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e a Milene Morais de Figueiredo, na ABE de 1858. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

43

76

BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

44

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

ESIM 2002 – Colégio Farroupilha

Escola de Instrução Militar (ESIM). Em matéria

“Quando eu era presidente da ABE, levei dois anos para implantar a ESIM. Porque eles tinham

do Correio Militar do Sul, de 2001, consta:

esse tipo de auxílio para escolas em São Paulo, e não

“[...] A escola iniciou suas atividades no dia 26

deu certo. Então foi pior a situação. Nós tínhamos

de março deste ano e objetiva permitir a prestação

de convencê-los de que teríamos condições de fazer

do serviço militar inicial, em caráter voluntário [...].

a coisa certa. E deu tão certo que até hoje continua

Ao final do curso, que se encerra em 24 de agosto,

tudo igual. E muitos pais não acreditavam nisso.

os alunos receberão o certificado de reservista [...].

Eu dizia: ‘vocês tem de esperar, coloquem seus filhos

Ao longo do ano eles terão instruções de ordem

e depois venham falar comigo’. Olha, quando eles

unida, comunicações, informática e tiro de fuzil [...]

vinham falar, era só elogios. Porque o guri mudou

há também a previsão de dois acampamentos e de

naquele ano... Porque com isso ele também ganhou

visitas a quartéis de Porto Alegre”.

um ano na vida dele. Ele não precisa fazer o serviço

45

militar que é de um ano. O CPOR nomeava três

Jorge Bertschinger, ex-presidente da ABE, e

oficiais, sempre, que vinham aqui dar aula e tudo”

Fernando Carlos Becker, atual presidente, recordam:   Entrega de boina aos alunos da Escola de Instrução Militar no Colégio Farroupilha. Correio Militar do Sul, jun.2001.

(Jorge Bertschinger).46

45

46

BERTSCHINGER, Jorge Guilherme. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha.

Paradigmas repensados – a sociedade de aprendizagem e o século XXI

77


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

“Em 2012 foi a décima segunda turma desse

Se formos pensar este fato à luz das teorias

convênio com o Exército. Nós fomos pioneiros no Rio

sobre a educação, podemos citar NOGUERA-

Grande do Sul. Eles estudam em período dentro do

RAMIREZ (2009), que nos fala do “cosmopolita

Colégio, de março a julho, para depois poderem se

inacabado”. Esse conceito está ligado a uma

preparar para o Vestibular, é em período oposto da aula,

percepção de futuro em que a educação dá-se

quatro vezes por semana” (Fernando Carlos Becker).

ao longo da vida, sendo a “sociedade educativa”

Quanto à realidade cultural e de comportamento,

formada por aprendizes permanentes e inovadores,

é perceptível, no final do século XX e início do XXI,

que através dos novos meios de comunicação

um movimento de escolarização fora da escola, de

estão a todo o momento adquirindo informação e

dedicação muito forte ao aprendizado, o que, no

prevendo novas possibilidades de ações criativas.

47

caso de crianças, muitas vezes vem acompanhado

Essa percepção dá sinais de sua presença, e

da falta de tempo para brincarem e conviverem com

as crianças e jovens do século XXI têm

amigos e família:

como expectativa uma escola diferente,

“As crianças e os jovens passam a

com foco na aprendizagem e não no

ter grande parte do seu tempo cotidiano

ensino. A maioria dos novos aprendizes,

regulado e estruturado em atividades

cosmopolitas inacabados, se frustra, o

que traduzem elementos e traços da

que, para as instituições de ensino, resulta

escola. Podemos ver aí uma tendência em

em problemas de disciplina e baixo

transformar cada instante em instante de educação, cada atividade em uma atividade educativa, ou seja, como uma atividade cuja finalidade é formá-los, formar-lhes o corpo, os conhecimentos, a moral. Como se não existisse outra forma de estabelecer relações, como se não existisse outra forma de estruturar atividades que não na forma escolar” (Dayrell, Leão & Batista, apud, DAYRELL, 2007).

Esse contexto se manifestou a partir da década de 1990 em todos os estabelecimentos de ensino, porque a mudança de estrutura que exige a nova “cidade educativa” é muito complexa. Mas, muitas escolas, nesse primeiro quartel do século XXI, começaram a se adaptar, porque para os educandos contemporâneos, assim como para

Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e a Milene Morais de Figueiredo, na ABE de 1858. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

os filósofos gregos, “não existe hiato entre vida e

BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

pensamento (WEBER, 2009)”.

47

78

rendimento escolar.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO I

No Colégio Farroupilha, por exemplo, a

metodologia diferenciada acabam por manter um

equipe diretiva, em conjunto com a comunidade

método focado em ouve-lê-copia, afirma Márcia

escolar, foi se apropriando de uma nova forma de

Terres.

pensar a educação. Márcia Terres, coordenadora pedagógica do Colégio afirma:

Para além das questões pedagógicas o Colégio Farroupilha também é espaço de continuidade no

“Conhecendo o perfil do aluno desse tempo,

que se refere a certos valores tradicionais, honrados

concebemos que não há espaço para engessamento,

pelo tempo, de raízes germânicas mescladas com

falamos de uma geração que se comunica de forma

ibéricas, sempre presentes na escola e entre os

muito mais intensa do que outras gerações, de um aluno

sócios da ABE de 1858. É por isso que iniciou

que tem informação todo o tempo e velozmente. Nesse

um novo século e a escola ainda é conhecida no

cenário, como relativizar o espaço e o tempo escolar

Rio Grande do Sul pela exigência de disciplina

com as demandas da contemporaneidade

e comprometimento dos alunos em

e as tecnologias? Se torna incompatível

relação as suas responsabilidades e em

trabalhar com um formato de educação

relação aos projetos da escola dos quais

tradicional, onde a escola era centralizadora

participam.

da informação [...]”. 48

A história do Colégio Farroupilha nos faz lembrar um ditado africano que

Márcia ressalta ainda que essas transformações são lentas. Exigem, entre outras

diz: É preciso toda uma aldeia para se educar

coisas, muito diálogo com os professores na busca

uma criança. No Farroupilha a aldeia é formada

de uma proveitosa formação continuada da equipe,

pelo grupo de associados da ABE de 1858, pelas

principalmente no que se refere às tecnologias

equipes diretivas, as famílias, os professores e os

educacionais. A capacitação docente é inerente

colaboradores. Dessa aldeia vem a força, o impulso

ao bom uso das tecnologias em prol da qualidade

para seguir com excelência e coragem a construir,

de ensino. Os equipamentos, como projetores

junto com os alunos, conhecimentos sólidos para

interativos, se não vierem acompanhado de uma

a formação de cidadãos competentes.49

TERRES, Márcia Beck. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 13 de agosto de 2012.

48

49

Revista Farroupilha. Ano XX, n. 103, set/out.2012, p.44.

Paradigmas repensados – a sociedade de aprendizagem e o século XXI

79



CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

Lousas, decuriões, cartilhas – A cultura escolar do século XIX

81



CAPÍTULO II

Para além da escola – A mantenedora: sustentáculo e resiliência

N

o século XIX a filantropia em Porto

admitidos por irmãos os pardos e pretos escravos,

Alegre era oficialmente um assunto

como até agora, com as condições, porém, de que

da Igreja Católica através das irmandades de

primeiramente apresentarão licença por escrito de

misericórdia, seguindo uma tradição lusa. No

seus senhores [...]” (NASCIMENTO, 2006, p. 109).

entanto, paralelamente às poucas iniciativas da Igreja havia a movimentação, o colorido, as singularidades, as festas, a ajuda mútua e o assistencialismo das associações leigas. Eram confrarias, irmandades e sociedades de auxílio mútuo que se formavam espontaneamente cumprindo “importante papel social e religioso nas mais variadas situações” (NASCIMENTO, 2006, p. 36). É o caso da Irmandade do Rosário, em cujo Documento de Compromisso de 1828 consta: “Nessa irmandade, denominada de Nossa Senhora do Rosário, São Domingos e São Benedito, será admitida toda a qualidade de pessoas de um ou outro sexo, que quiserem entrar por irmãos, assim brancos e pardos como pretos forros, contanto, porém que todos sejam católicos romanos, sem a menor suspeita de heresia. Do mesmo modo serão

As irmandades eram voltadas para objetivos religiosos, para a disseminação de costumes e cultos ligados à Igreja Católica. Já as sociedades de socorro mútuo, como o próprio nome designa, organizavam-se para mutuamente colaborarem em prol de algo considerado importante para o grupo, como a saúde ou o trabalho. “A maioria tinha como objetivo principal oferecer aos associados proteção na ausência dos mecanismos formais de previdência publica. Ofereciam pensões, indenizações,

financiavam

enterros,

forneciam

medicamentos, atendimento hospitalar, entre outros cuidados. O grau de cobertura dependia, naturalmente, dos recursos disponíveis pela associação, que estavam diretamente relacionados ao número e ao poder aquisitivo dos sócios” (JESUS, 2007). Em Porto Alegre havia aproximadamente 103 mutuais entre os anos de 1854 e 1950. Muitas delas

Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

83


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

eram mutuais étnicas. A primeira a ser fundada foi

data a população, levando em consideração os

a Sociedade Portuguesa de Beneficência, de 1854

moradores do subúrbio, era de aproximadamente

(FRANCO, 1998, p. 67), logo após temos a criação

19.890 pessoas. Desses, segundo levantamento

da Sociedade Beneficente Alemã (Deutscher

da própria historiadora, aproximadamente 2.090

Hilfsverein), fundada em 1858, e mais tarde outras

eram teutos (GANS, 2004, p. 23).

como a Sociedade Italiana Vittorio Emanuele II, de 1977 (TRENTO, 1989, p. 375).

apresentava nível financeiro médio ou elevado,

Essas associações, nas primeiras décadas de

principalmente aqueles que já estavam há mais tempo

existência, estavam totalmente voltadas ao auxílio

na cidade ou na Província. Normalmente os alemães

entre pessoas de sua etnia que, ao chegar ao Brasil,

pobres vinham diretamente da Europa, e não das

encontravam inúmeras dificuldades relacionadas

colônias gaúchas. Ou seja, imigrantes alemães vêm

a trabalho, moradia, saúde. A opção de

a Porto Alegre à procura de trabalho e

reunirem-se em sociedades de socorro

uma parte deles não consegue colocação

mútuo era uma prática comum na Europa

ou fracassa em alguma tentativa de

do século XIX (SILVA JR., 2004).

investimento.

A Sociedade Beneficente Alemã (ABE,

Assim, a ABE de 1858, teve como o

Associação Beneficente Educacional de

seu mais importante foco, nos primeiros

1858) foi fundada para “auxiliar, segundo

anos, a assistência e orientação aos

as possibilidades, todos os alemães necessitados ou

imigrantes, seja em relação ao mercado de trabalho

pessoas de origem alemã” (TELLES, 1974, p. 29).

na capital ou em alguma das colônias gaúchas, seja

Era composta majoritariamente por luteranos, mas

em auxílio financeiro, orientações sobre legislação,

organizou-se como uma sociedade sem confissão

assistência quanto à alimentação, moradia etc.

definida, pois tinha católicos e livre pensadores como

Para termos ideia da organização dessas ações,

sócios.

podemos lembrar que eram distribuídas circulares

Quanto ao número de habitantes de Porto Alegre em meados do século XIX, Magda Gans se refere a uma pesquisa estatística bastante confiável coordenada pelo Chefe de Polícia em 1856. Nessa

84

Segundo Gans, grande parte dos alemães

nos portos do Rio de Janeiro, Santos e Rio Grande para que os imigrantes recém chegados soubessem que poderiam contar com a Sociedade Beneficente Alemã (TELLES, 1974).

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Também, desde cedo, essa associação foi

A ideia de um hospital movimentou a colônia

muito atuante em relação a serviços de saúde. No

alemã. Os enfermos, fosse em consultórios ou na

século XIX os cidadãos que tivessem dinheiro

Santa Casa, tinham dificuldade em se comunicar,

consultavam com médicos particulares; os que não

pois uma boa parte deles não falava português ou

tivessem, iam direto para o Hospital de Caridade

falava muito pouco. Era mais difícil ainda para os

da Santa Casa. Diante dessa realidade , a ABE

evangélicos luteranos, pois o hospital de caridade

passou a acompanhar os enfermos na Santa Casa,

realizava orações e outros ritos católicos, inclusive

para a qual fazia uma doação financeira mensal.

em busca da conversão dos protestantes. Assim, a

E já em 1858 seus sócios começam a se organizar

construção de um hospital era bem-vinda por toda

para a construção de um hospital.

a comunidade de imigrantes.

Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

85


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Enquanto não saía o hospital, outros projetos foram se desenvolvendo. Em 1860, a ABE criou uma comissão para visitar os alemães hospitalizados na Santa Casa. Essa comissão informava-se a cerca do estado e das necessidades dos doentes, o que era fundamental, principalmente para aqueles que não falavam português. Além disso, em 1861, a associação adquiriu uma maca. “Os enfermos eram buscados em casa e carregados para o hospital nessa maca” (TELLES, 1974, p. 33). A ABE, depois de alguns anos, desenvolveu uma série de atividades ligadas ao socorro mútuo. Na década de 1860 passou a intervir junto aos governantes a favor dos imigrantes proprietários de lotes de terra. Desde os primeiros títulos se constatava algumas irregularidades que prejudicavam a posse dos colonos. Além disso, a partir do movimento de colonização espontânea aconteceu um processo de especulação de terra que prejudicou os imigrantes recém chegados: “Os compradores revendiam as terras ao quádruplo do que haviam pago, sem delimitar os lotes com bastante cuidado, realizando lucros tanto mais exagerados quanto algumas dessas vendas eram fraudulentas” (ROCHE, 1969, p. 117). Na ata da ABE de 1861 consta: “a assembleia, outrossim,

autoriza

à

Diretoria

participar

ativamente da solução da questão dos títulos de propriedade, enviando diretamente ao Imperador

86

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Rua da Praia, na linha do horizonte a Casa de Correção

Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

87


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

um relatório sobre o assunto” (TELLES, 1974,

construída em 1852 na chamada “Ponta da

p. 34). Nesses momentos a ABE contava com o

Cadeia”, onde, mais tarde, também seria construído

apoio jurídico voluntário de Karl von Koseritz que,

o depósito de gás conhecido como Gasômetro

quando necessário, deslocava-se para as colônias

e a Usina Termoelétrica. Como podemos ver na

buscando solução para os imigrantes.

página anterior a Casa de Correção era um prédio

Koseritz era um dos mais importantes líderes da comunidade alemã no Rio Grande do Sul, sendo,

Esse prédio, aliás, nos dá uma dimensão

inclusive deputado Provincial. Por mais de quinze

da inserção dos alemães na comunidade porto-

anos ele foi redator do jornal “Deutsche Zeitung”

alegrense. Ao mesmo tempo em que para lá eram

(Jornal Alemão), criado em 1861 por outros dois

enviados alguns imigrantes com problemas com a

sócios da ABE, Ter Brüggen e de Friedrich Hansel.

polícia, a construção em si nos remete à imigração

O Jornal Alemão foi:

germânica, pois Friedrich Heydtmann foi o arquiteto que a projetou (MAUCH,

“O primeiro veículo através do qual

1994, p. 188).

a minoria alemã tomou consciência e passou a discutir seus próprios problemas,

A

presença

dos

teutos

traz

à

começou a intervir na limitada esfera

comunidade

pública existente na Província. Através

econômica, cultural, arquitetônica, sendo.

das colunas dessa folha, bissemanal, os

imigrantes

começaram

a

conquistar

o

reconhecimento por parte da sociedade, como copartícipes do seu processo” (Rüdiger, apud BIER, 2001, p. 72).

uma

nova

dimensão

“[...] partícipes da identidade urbana que se construiu na capital. Suas ocupações profissionais, especialmente suas relações com o comércio exterior, com a consolidação do comércio interno e industrialização de produtos e a cultura foram as principais marcas de

Mais tarde Koseritz fundou o Koseritz Deutsche Zeitung. Esse jornal deu muito apoio quando, em 1886, a Sociedade Beneficente Alemã criou a “Escola para Meninos” (TELLES, 1974, p. 50).

88

imponente, em linguagem neoclássica.

sua presença” (AQUINO, 2007, p.67). Os alemães encontravam-se espalhados pela cidade, mas a maioria da classe média e alta não morava no subúrbio. Havia uma concentração

Também havia uma comissão da ABE que

desses imigrantes em ruas centrais como Rua da

auxiliava os alemães presos na Casa de Correção,

Praia, Rua Sete de Setembro e o Caminho Novo

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Rua Voluntários da Pátria, primeiro quartel do século XIX - Cartão-postal impresso na Alemanha.

(Rua Voluntários da Pátria), consideradas redutos

[importação, exportação, alimentos, vestuário];

de casas comerciais fundadas por alemães e seus

341 na prestação de serviços

descendentes.

[lazer, hotelaria, imprensa, transporte, ensino];

Magda Gans (2004, p. 73 e 74) colheu registros referentes a 1.210 alemães na cidade entre 18501889. A partir deles podemos ter uma ideia do universo profissional desses imigrantes: 446 atuavam em um ofício

[de alimentos e tabaco]; 19 possuíam empreendimentos [principalmente em seguros e transportes]; 6 realizavam outras atividades.

[madeira, metalurgia, trabalho em couro, vestuário, ourivesaria];

55 no setor de transformação

A participação de alemães na ABE segue esse universo profissional variado. Na primeira ata,

343 atuavam no comércio Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

89


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

entre os 99 inscritos a mais de trinta profissões

parte do pagamento por seus serviços. Quase todos

representadas,

carpinteiros,

com formação escolar superior à dos imigrantes,

médicos, importadores, engenheiros proprietários

eram como fermento na organização de escolas,

de lojas, seleiros, funileiros etc.

associações diversas e veículos de imprensa” (BIER,

variando

entre

2001, p.72).

Quando foi fundada, e ainda por muitas décadas, a ABE não possuía sede própria. Reunia-se primeira-

Entre os “Brummer” destacamos na ABE a

mente na Sociedade Germânia, instituída em 1855.

liderança de Koseritz, de Ter Brüggen e de Friedrich

Posteriormente os encontros e reuniões ocorriam nos

Hansel, deputado provincial e industrial. Hansel

mais variados locais da cidade, inclusive em lugares

participou, assim como Ter Brüggen, da criação

públicos como o café do imigrante alemão W. Roth,

do jornal Deutsche Zeitung, como observamos

chamado de Águia Vermelha (TELLES, 1974, p. 49).

anteriormente. Wilhelm Ter Brüggen também foi

Entre

as

lideranças

da

destacavam-se

imigrantes

ativos

comunidade,

integrantes,

deputado provincial, mas destacou-

ABE

se como comerciante, dono de uma

na

livraria, e como primeiro presidente da

também,

Sogipa.1

de outras associações e corporações. Inclusive o primeiro presidente da ABE

Quanto à gestão do Hilfsverein

de 1858, Ernst Ruperti, foi um dos

(ABE de 1858), observamos pelas atas

fundadores da Sociedade Germânia.

das assembleias que seus dirigentes

Algumas ações de cunho notadamente liberal foram certamente influenciadas pelos maçons e pelos “Brummer” (que em muitos casos também eram maçons). Telles constatou que, dos 99 sócios fundadores da ABE, 10 eram “Brummer”, ou seja, soldados alemães mercenários contratados pelo Império para lutarem na década de 1850 na guerra contra Oribe e Rosas. Terminada e ganha a guerra... “Os ‘Brummer’ se dispersaram em boa parte pelas colônias, já que recebiam lotes de terra como

90

encontravam dificuldades financeiras para manter todos os trabalhos realizados, embora os sócios contribuíssem com mensalidade e realizassem muitas atividades voluntárias. Dessa forma, foi fundamental o diálogo com a comunidade, para o reconhecimento da missão dessa organização, o que resultou em muitas parcerias e contribuições. Em 1858, antes mesmo de ser fundada a Hilfsverein, a comunidade já colaborava. No dia 21 de março,   Disponível em: <http://www.cref2rs.org.br/atlas/cd/texto/assoc_ esportivas.pdf>. Acesso em: 03.out.2012.

1

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

conforme o registro do viajante Avé-Lallemant,

nos “altos da Independência”, entre as ruas Santo

que estava de passagem por Porto Alegre, foi

Antônio e Ramiro Barcelos. Segundo Hofmeister,

encenada uma peça teatral cuja a renda reverteu

essa aquisição “paulatinamente loteada, muito

em prol da Sociedade Beneficente.

enriqueceria seu patrimônio” (HOFMEISTER,

Na década de 1860 iniciam os contatos com a Alemanha para possíveis colaborações. Por ideia de um dos líderes da ABE, o “Brummer” Ter Brüggen, foram enviados requerimentos para vários príncipes, o que resultou na contribuição financeira de diversos principados, inclusive da Baviera e da Saxônia.

1886, p.10) o que muito contribuirá para os futuros projetos da ABE e demais associações ligadas à comunidade teuto-brasileira. A Sogipa, segundo a historiadora Haike da Silva, para a compra de um terreno e construção da sede do clube no “arrabalde de São João”, onde até hoje se mantém, contou com um “empréstimo em dinheiro, o qual foi concedido pelo Hilfsverein. A primeira fase da obra foi concluída

Ainda na época do Império, a ABE teve uma pequena subvenção do governo, a participação na concessão da venda de bilhetes de loteria. No entanto, dada a quantidade de entidades subvencionadas, o valor auferido era mínimo.

e inaugurada em abril de 1896” (SILVA, 1997, p. 26). Os feitos da ABE ficaram registrados em ata e permanecem na memória da comunidade farroupilhense, que, de geração em geração, mantém a história viva:

“A prodigalidade da concessão de loterias durante o período imperial é tal que uma única lei provincial em 1888 concedeu loterias para a Sociedade de

“O Hilfsverein ajudava na parte financeira e na parte da saúde. Não havia plano de saúde, a pessoa que ficasse doente tinha que pagar hospital e havia

Beneficência Portuguesa em Livramento, para as

apenas a Santa Casa, que era para os carentes. A

Classes Laboriosas, em Pelotas, para a Brasileira

ideia do Hilfsverein era apoiar os imigrantes e seus

União, a Beneficência Porto-Alegrense, o Hilfsverein,

filhos e construir um hospital, mas essa idéia eles

o Krankenverein e a Vittorio Emmanuele II, todas

postergaram porque não tinham dinheiro. Mas

em Porto Alegre, e para o Montepio São José, em

eles pagavam bolsa de estudos para crianças em

Jaguarão” (SILVA JR. 2004, p. 143).

coleginhos. Mais tarde, em 1875, o vice-presidente

A partir de doações, heranças e algumas

Ter Brüggen lançou a ideia de construir uma escola

subvenções, a ABE adquiriu um grande terreno

para as crianças da comunidade teuto-brasileira.

Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

91


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Ali ele já fala que os meninos deveriam ser fluentes

o número de imigrantes recém chegados da

em português e alemão. Ele era um ‘Brummer’”

Alemanha em condições de miséria. Além disso,

(Fernando Carlos Becker).2

a partir da década de 1880, a economia no RS

A escola e a missão da ABE de 1858

indústria, envolvendo bastante as famílias de

A ideia de incluir crianças e jovens estudantes

alemães que viviam em Porto Alegre. Estas, no

entre o público beneficiado começou a criar

momento em que veem garantido o sustento,

raízes a partir de uma tentativa de abrir uma

começam a preocupar-se com a boa formação de

escola. Em 1875 os dirigentes começaram a

seus filhos. Como vimos na primeira parte deste

avaliar a possibilidade desse empreendimento e,

livro, alguns professores ensinavam as crianças

prontamente, em 1876, ocorreu a inauguração

teuto-brasileiras, mas não havia nenhuma escola

da escola, que se chamou Instituto de Ensino

no padrão que a comunidade alemã desejava para

Teuto

Brasileiro.

Provavelmente,

a

seus filhos. As escolas étnicas de então

falta de experiência e pouco tempo

mantinham

para projetar todas as variantes de um

que era o sentimento de germanidade,

estabelecimento escolar influenciaram

considerada

para o seu fechamento no ano seguinte.

identitária do grupo, mas a qualidade

Mas, acreditamos que esse projeto foi

algo decisivo

importantíssimo, na

formação

do ensino deixava a desejar.

importante como primeira experiência para a

Dessa forma, a ABE terá todo o apoio para or-

formação de uma escola que existe até hoje, o

ganizar uma escola que será pensada nos moldes das

Colégio Farroupilha.

escolas alemãs, com professores alemães, mas sem-

O interesse dos associados pela educação das crianças teuto-brasileiras está relacionado a um

pre com a preocupação de ensinar o português e a história brasileira para formar bons cidadãos brasileiros.

novo contexto da colônia de imigrantes alemães.

Em 1883, quando Carlos de la Grange era

Passadas as primeiras décadas de colonização,

presidente da ABE, o projeto da escola, elaborado

alguns empecilhos iniciais foram desaparecendo,

por uma comissão de sócios, foi aprovado, e nele

como, por exemplo, as questões fundiárias e

podemos ler que:

BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

2

92

se desenvolveu muito através do comércio e da

“As despesas, na maior parte, residem nos vencimentos dos professores. Os mesmos não devem

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

93


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

ser muito baixos, pois professores capazes também

trabalhava voluntariamente para a criação de um

devem ser bem remunerados e nós teremos de exigir

hospital. Faziam parte da Verband Deutscher Vereine

dos professores e também do diretor que se dedique aos

(Federação das Sociedades Alemãs) a Sociedade

alunos fora do período das aulas” (HOFMEISTER,

Leopoldina, a Sogipa o Clube dos Caixeiros

1986, p.17).

Viajantes, entre outros. No ano de 1914 iniciaram as

Nos primeiros meses de 1886 foram tomadas as últimas providências: foi contatado o diretor

A criação de associações e o apoio mútuo era

da escola, o professor Peter Gerlach e foi feito um

uma forma dos teuto-brasileiros preservarem e afir-

contrato de locação com a comunidade evangélica

marem a sua identidade, mas é bom lembrar que ne-

para a utilização de algumas salas. Quanto ao

nhuma cultura é estanque. Um determinado grupo

número de turmas ficou determinado que “a nova

só enxerga as suas peculiaridades em contato com

escola deveria ter três classes com dois

o outro, e esse contato, sempre resulta

professores alemães e um brasileiro, este

em maior ou menor transformação de

para o ensino do Português, com 10 a 15

ambos. Afinal, como diz SCHILLING

aulas por semana” (HOFMEISTER,

(2010, p. 4): “não há uma identidade

1986, p. 17).

pronta e acabada, ela está em processo

Embora a ABE fosse formada por líderes políticos e experientes homens de

de construção e reconstrução”. Quando iniciou o Estado Novo, em

negócio, era um trabalho complexo administrar

1937, a multiculturalidade e a interação social, ape-

essa entidades, principalmente depois da criação da

sar das diferentes etnias, não foram aspectos valori-

escola. Uma infinidade de novas demandas passa

zados pelo programa de governo. Diferenças cultu-

a fazer parte dos afazeres: contratar e monitorar os

rais no Brasil provocavam o hibridismo, e essa era

professores e diretores, adquirir material didático,

uma característica marcante da cultura nacional. No

pensar no espaço físico da escola que crescia. Além

entanto, como em tantas outras nações daquela épo-

disso, a associação ainda apresentava suas antigas

ca, buscava-se uma raça, uma cultura para um país.

comissões que também exigiam atenção.

94

obras do Hospital Alemão (Moinhos de Vento).

E nesse contexto, as entidades formadas

A ABE estava presente na comitiva de

por imigrantes que buscam valorizar aspectos

associações ligadas à comunidade teuta que

relacionados à cultura de origem foram censuradas.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Muitas tiveram que fechar suas portas, e as que

como o professor Neubert, por exemplo (TELLES,

permaneceram abertas precisavam de autorização

1974, p. 123). Mas a opção da mantenedora do

do DOPS para qualquer tipo de reunião.

Colégio Farroupilha foi por não se vincular a esse

É bem verdade que o Estado Novo precisava tomar providências em relação ao partido nazista,

partido, e o professor Neubert não se manteve muito tempo na escola.

que crescia no Brasil. De acordo com as pesqui-

Durante o Estado Novo (1937-1945) tivemos o

sas de DIETRICH (2007), depois da Alemanha, o

episódio da Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

Brasil foi o país onde o partido era mais forte. Mas

que despertou entre os brasileiros muita revolta

a forma radicalizada como as medidas nacionalis-

contra a Alemanha devido ao bombardeamento

tas foram tomadas não se justifica perante aquelas

de navios do Brasil por submarinos alemães

instituições que não tinham vinculação com o partido nazista. O relatório de Inspeção Preliminar de 1937, realizado a pedido da Inspetoria

(DIETRICH, 2007, p. 341). Em várias cidades brasileiras, incluindo Porto Alegre, houve tumulto e

Geral do Ensino Secundário, apresenta

quebra-quebra.

Sobre

memórias

da época de guerra nos informam as

a seguinte informação:

depoentes:

“Para compreensão deste documento

Não podia ter luz acessa de noite, quando

é necessário esclarecer que das 350

tinha blackout. Lembro de meu avô fazendo

sociedades civis, beneficentes e recreativas

tampos para a janela para poderem atender as

do Rio Grande do Sul, 30 tornaram-se

crianças de noite, porque éramos pequenos. Mas, nós

alemãs, filiando-se à Liga das Sociedades Alemãs,

não sofremos nada” (Vera Maria Hemb Becker).4

em consequência do movimento nazista; a sociedade

“Eles quiseram invadir o bar do meu pai, mas

mantenedora do Ginásio Farroupilha foi uma das

os bombeiros que se localizavam próximo pegaram

dez que não aderiram”.3

as mangueiras com jato de água e os tocaram dali!

Não estamos afirmando que não havia algumas

Depois disso, meu pai colocou o nome de Aimoré

pessoas simpatizantes ou que tivessem algum tipo

no bar, nome de índio para não ter mais problema”

de ligação com o partido nazista no Hilfsverein,   Relatório de Inspeção Preliminar Ginásio Teuto-Brasileiro Farroupilha, 1937 1° volume. 4 de abril de 1937. Ministério da Educação e Saúde Pública – Inspetoria Geral do Ensino Secundário. Disponível, juntamente aos demais documentos desse livro no acervo do Memorial do Deutscher Hilfsverein ao Colégio Farroupilha.

(Hedy Boelhouwer).5

3

BECKER, Vera Maria Hemb. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

4

5

BOELHOUWER, Hedy Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento

Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

95


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

A ordem dos manifestantes era invadir qualquer estabelecimento ou instituição que tivesse nome escrito em alemão. O então Ginásio Farroupilha, mesmo tendo nome em português, foi alvo dos manifestantes. No entanto, o diretor Álvaro Difini “atravessou a turba e conseguiu acalmá-la, afirmando que o estabelecimento era um colégio brasileiro, dirigido por brasileiros” (TELLES, 1974, p.138).

poderes: o da transformação e o da resistência de seu “ethos” fundador. Nosso estudo agora tem como foco de análise o Colégio Farroupilha. A partir de indícios e representações do que de concreto houve criamos a nossa abordagem sobre o passado. Através de cartas, fotografias, desenhos e demais documentos buscamos certa imersão no passado entrecortado, incerto, como nossa memória, mas rico em

Assim, a escola foi resistindo a dificuldades como essa e se tornando cada vez mais o centro das atenções de sua mantenedora, a ABE de 1858.

significados e forte na presença de uma identidade. Observem, a partir de agora, o abrir repentino de antigas salas de aula que nos

Após o sucesso de tantos trabalhos

provocarão sentimentos e percepções

voluntários realizados em suas variadas

quanto ao universo escolar do Colégio

comissões voltadas para os imigrantes, a ABE começou a trilhar outro caminho ao lado da comunidade teuto-brasileira, a

partir

da

grande

demanda

que

representava a educação em Porto Alegre. Assim, com o passar das décadas, a ABE foi encerrando suas variadas comissões e se transformando em

Farroupilha.

também,

que de uma forma ou de outra, eles estarão lá: imigrantes, antigos mestres, diretores,

alunos,

comerciantes,

artífices, “Brummer”, maçons, evangélicos, livres pensadores... a Hilfsverein.

uma entidade voltada para a educação, ou melhor, para a excelência na educação. As equipes que por ela passaram, incluindo seus presidentes, gestores, colaboradores, conselheiros, são muitas. Aliás, só são muitas porque todas elas, de uma forma ou de outra, equilibraram dois concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 30 de julho de 2012.

96

Observem,

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Colégio Farroupilha, década de 1940 Para além da escola – a mantenedora: sustentáculo e resiliência

97



CAPÍTULO II

Matemática - Cubos, tabuadas e condução global

O

s alunos do Colégio Farroupilha, entre

melhor o compêndio escrito por Kleikamp era

finais do século XIX e o início do século

utilizado nas primeiras séries. Na terceira, por

XX, já utilizavam alguns livros e compêndios

exemplo, era possível utilizá-lo para os conteúdos

didáticos em sala de aula. Mas, esses livros não

de “operações fundamentais num espaço superior

eram graduados. O diretor ou professor decidia

de numeração. Leitura e escrita de números num

o programa de cada escola ou turma, pois ainda

espaço infinito. Massa e peso no sistema métrico”.

não era adotado um padrão oficial.

(FONSECA, 2007, p.97)

Ao pensarmos sobre os livros didáticos

De acordo com o depoimento de

daquele período, nos deparamos com

Rodolfo Herrmann, que estudou no

uma questão: as escolas étnicas, como

Farroupilha entre 1900 e 1906, vários

o Colégio Farroupilha, que adotavam o

compêndios

alemão como a principal língua em sala

eram escritos por Kleikamp. Eles eram

adotados

pela

escola

de aula, qual bibliografia utilizavam? Importavam

impressos na Tipografia Gundlach e vendidos na

livros da Alemanha?

Livraria Krahe (TELLES, 1974, p.79).

Podemos afirmar que havia livros importados,

A Escola de Meninas da ABE, que existiu

mas as escolas étnicas adotaram, mesmo, os livros

entre os anos de 1904 e 1929, também apresentava

escritos em alemão e publicados no Rio Grande

o ensino de Matemática, mas não conseguimos

do Sul. Vejamos o caso da Matemática.

informação se no início do século XX as aulas já

Um dos livros mais utilizados nessa época, em

eram iguais às dos meninos. Segundo Pais:

todo o estado, foi escrito pelo diretor do Colégio,

“Desde a Lei das Escolas de Primeiras Letras, de

Christian Kleikamp, autor do Livro “Aritmética

15 de outubro de 1827, as meninas não estudavam

para escolas alemãs-brasileiras” . O livro, ou

Geometria e a parte da Aritmética era bem reduzida

6

6

Rechenbuch für deutsch-brasilianische Volkschulen

Matemática - cubos, tabuadas e condução global

99


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

em relação aos conteúdos previstos para os meninos. Enquanto o plano de estudo previsto para os meninos envolvia o estudo das operações com números naturais, frações, números decimais, proporção, aplicações e noções elementares de geometria; o plano de estudo previsto para as meninas somente envolvia as quatro operações fundamentais” (PAIS, 2011, p. 135). Quanto ao meio físico e objetos didáticos para as aulas de Matemática, o fundamental, para uma boa aula era caderno, caneta (como vemos na imagem) e um ambiente adequado. Do “Velho Casarão” onde a escola manteve-se até o início da década de 1960 podemos salientar: Quadros Negros – Quase todos são de massa adequada e embutidos na parede, devidamente dispostos em relação à iluminação das salas. São todos de cor verde escura.7 Pintura das paredes: É de cor clara e opaca, permitindo difusão uniforme da luz. Carteiras: são amplas e de dimensões apropriadas à idade dos alunos. Têm as dimensões regulamentares e o espaldar de forma anatômica. O tampo, ligeiramente inclinado, tem lugar para lápis, caneta e tinteiro.   Ruy Barbosa ao abordar em um de seus textos a questão educacional afirma que o quadro negro para o professor “é tão necessário ao mestre como o arado ao agrícola, a plaina ao carpinteiro, ou a lanceta ao cirurgião”. In: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010201881999000200011&script=sci_arttext>. Acesso em: 12.ago.2012.

7

100

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Sala de Aula do Colégio Farroupilha. Segundo quartel do século XIX Matemática - cubos, tabuadas e condução global

101


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Sala de Aula, Colégio Farroupilha – década de 1940

Colégio Farroupilha, sétima classe de 1936

Móveis Diversos: o mobiliário é confortável e

nhamento de muitos alunos para cursos das áreas

higiênico: mesa para o professor, poltrona, armários

exatas, principalmente para as Faculdades de En-

e estrado, com dimensões regulares.8

genharia. No ano de 1968, por exemplo, consta que

A qualidade das aulas, a experiência e amizade

23 alunos prestaram vestibular para Engenharia e 22

dos professores de Matemática provocaram um

passaram, sendo do Colégio Farroupilha o aluno que

efeito interessante na história da escola. Para

tirou o primeiro lugar para esse curso da UFRGS.

entendê-lo lembremos do matemático húngaro George Polya que, sobre a Matemática, afirmou:

Um dos professores da Faculdade de Engenharia da UFRGS também lecionava no Farroupilha.

“Se experimentar prazer com a Matemática,

Era o professor Ricardo Cauduro, formado em En-

não a esquecerá facilmente e haverá, então, uma

genharia Mecânica e Elétrica, catedrático da cadei-

grande probabilidade de que ela se torne alguma

ra de Termodinâmica na Universidade Federal do

coisa mais: uma ocupação favorita, uma ferramenta

Rio Grande do Sul.10

profissional, a própria profissão, ou uma grande

É interessante observar como a memória é car-

ambição”.9

regada de percepções relacionadas aos diferentes

De acordo com os relatórios de reunião da ABE

sentidos. Ao falar do professor Cauduro, além de

de 1858 das décadas de 1950 e 1960, havia encami-

sua grande capacidade como mestre, os alunos che-

Colégio Farroupilha – Relatório de Verificação encaminhado para o Governo Federal - 1949

8

Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Clube de Matemática. Disponível em: <http://eventos.fct.unl.pt/clubemath>. Acesso em: 18.out.2012.

gam a sentir novamente o aroma inconfundível de seu charuto.

9

102

Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2552289/dousecao-1-14-02-1957-pg-6>. Acesso em 02.out.2012.

10

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Ingrid Schulze lembra que para as quartas séries do ginásio ele ensinava álgebra e “às vezes, ele tinha passado no corredor e a gente sabia: ‘Ah, o professor Cauduro já está aí.’ O cheiro daquele charuto permanecia”.11 Em meados do século XX já era mais comum o professor manter diálogo com os alunos, ouvir suas dúvidas e ideias. Também percebemos que, na Matemática, os mestres utilizavam muita criatividade para contribuir com a aprendizagem: “O professor Lucien Thys sempre foi um professor muito querido, e ele tinha também um carisma, uma maneira de apresentar os conteúdos de Matemática - ele dava Geometria e teoremas, essas coisas assim. Claro que para mim nunca foi fácil, mas as aulas dele eram interessantes, o jeito dele era interessante. Quando introduziu os teoremas, ele disse assim: ‘Teorema é basicamente para a gente

Detalhe da Sala dos Professores (década de 1930) ao fundo, sobre a mesa um mata borrão

desenvolver uma linguagem exata. Ali não se fala

que é preciso’. Isso foi uma coisa que o professor de

nem demais nem de menos. Não pode deixar nada

Matemática deixou como marca” (Ingrid Schulze).12

fora, não pode acrescentar nada. É uma linguagem muito enxuta e muito exata. Imaginem vocês se eu

Quanto à época do nacionalismo compulsório

vou descrever um aparelho: Onde aqui sai uma coisa

(Estado Novo), as aulas de Matemática sofreram

meio redonda, meio comprida, depois aqui tem um troço... Negócio, troço, coisa não é denominação exata! Então comparando esta linguagem com as

alterações, uma vez que professores foram demitidos e o ensino não poderia mais ser ministrado em alemão. O documento na página ao lado, escrito

linguagens dos teoremas, o cuidado de dizer só o   Schulze, Ingrid. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

11

ainda em alemão, como podemos ver, apresenta

12

Ibidem.

Matemática - cubos, tabuadas e condução global

103


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Listagem de Alunos do Quinto Ano - 1938

104

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Colégio Farroupilha, terceiro ano B – 1938

os dados de 1938 de uma determinada turma

Portuguesa”. Mas, de qualquer forma, a maioria

de crianças com média de idade de onze anos.

das crianças, para continuar seus estudos precisava

Esse documento nos remete a vários detalhes,

aprender o português com fluência. E quanto

como os locais de moradia e os sobrenomes dos

à Matemática? O “fazer as contas” em alemão

alunos, mas, gostaríamos de chamar atenção

remete a uma ordem inversa com as quais os

para as observações escritas no final da página.

alunos tiveram de se acostumar:

Na penúltima linha consta que, dos 49 alunos, 37 falam só alemão, um fala só português e onze falam alemão e português. É provável que o “falar” português refira-se à fluência na língua, pois havia no currículo do curso primário “Língua

“Na língua portuguesa, a leitura dos números segue a ordem em que estão expressos seus algarismos – da esquerda para a direita - fazendo com que o número 23, por exemplo, seja lido ‘da dezena para a unidade’. Já na língua alemã, a nomeação dos

Matemática - cubos, tabuadas e condução global

105


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

vez que era utilizada em vários exercícios. Ao lado observamos um caderno de Matemática onde as palavras estão lá, é claro. O caderno ao lado13, da década de 1950, nos remete a outra temática: o material didático individual usado no Colégio Farroupilha. Ainda no início do século XX, ao invés de cadernos, eram utilizadas pequenas pedras de lousa (quadro negro em miniatura). Podemos observar que as exigências dos professores não se focavam apenas no desenvolvimento dos exercícios, mas também na organização, na ordem do caderno. Inclusive, chama a atenção o fato de cada número estar milimetricamente separado do outro através do quadriculado. E por falar em ordem, para mantê-la na escola, a Matemática era algumas vezes utilizada como mesmos números segue a ordem inversa, ou seja,

castigo:

23 é lido como ‘dreiundzwanzig’ (três e vinte).

“Na quarta série do Ginásio houve um episódio.

Essa maneira de expressar os números permanece

Uma grande parte da turma resolveu matar aula

até mesmo com quantidades maiores [...] 225

depois do recreio e foi à matiné em um cinema do

(zweihundertfünfundzwanzig, ou, dois cem, cinco e

centro da cidade. O que eles ganharam como castigo?

vinte)” (WANDERER, 2007, p. 26).

Não sei quantos teoremas de Matemática para fazer”

Talvez mentalmente as crianças continuassem

(Ingrid Schulze).14

a ler os números da esquerda para a direita, o que não trazia complicações na hora de escrevêlos. Mas, a língua portuguesa começou a ser praticada também nas aulas de Matemática, uma

106

Caderno escolar de Ralf Heimig – Ginásio, Primeira Classe, Colégio Farroupilha.

13

Schulze, Ingrid. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

14

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Ainda sobre os livros didáticos, como se

Bunse e Tochtrop eram, então, professores da

mantiveram os mesmos por muitos anos, era

Faculdade de Pedagogia da UFRGS e colaboraram

possível reaproveitá-los. Vera Matte, sobre o final

para um repensar do Colégio Farroupilha em

da década de 1940, recorda:

relação à Aritmética.

“No ginásio, lembro que não tinhamos muitas

Mas, a adaptação do Farroupilha parecia lenta

condições financeiras. Então, logo nos primeiros dias de

em meio ao turbilhão de transformações. Os desafios

aula, eu pedia emprestado os livros que tinham sidos usados por um vizinho que estava um ano na minha frente. Vosse de Português, de Matemática, Geografia, História. Quase sempre eram os mesmos. Isso era uma tônica de todas as escolas particulares e públicas. A diretriz especialmente do curso ginasial era

do ensino da Matemática eram muitos em meados do século XX. As novas descobertas relacionadas às Ciências Exatas estavam intrinsecamente ligadas à revolução tecnológica e industrial, e também relacionada ao desenvolvimento comercial. Mas, como criar uma metodologia para que os jovens, já na escola, começassem esse aprendizado?

uma diretriz nacional” (Vera Matte).15

“A sociedade exigia acesso a essas

O Colégio Farroupilha, a partir da

descobertas e obrigava pesquisadores e

década de 1950, era visto de forma muito

professores a refletirem sobre o ensino de

positiva pelos técnicos da educação do Go-

Matemática numa dimensão mais utilitária,

verno do Estado e também junto às demais instituições de ensino. Fazia parte de uma rede que englobava todo o sistema de ensino e assim a escola foi provocada a partilhar conhecimentos e se transformar. Em um relatório do ano de 1958, consta: “Na vida interna do educandário continuou a

progresso no novo mercado de trabalho” (FRANÇA, 2007, p. 34). Na década de 1970 encontramos nos relatórios do ensino de Primeiro Grau do Farroupilha

iniciada no ano anterior e ainda orientada pelos

várias referências a reuniões e capacitações dos

professores Dr. Heinrich Adam Wilhelm Bunse e

professores em “Matemática Reformulada”: Zoltan Dienes, professor húngaro, criador

MATTE, Vera Elisabeth Reimer. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi no Memorial do Colégio Farroupilha. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

15

disciplina por maior número de cidadãos, para o

processar-se a reestruturação do ensino de Aritmética,

Leonardo Tochtrop”.16

16

com a possibilidade da compreensão da

Relatório do Curso Primário, 1958.

dos blocos lógicos “propunha atividades do ensino

baseadas

na

psicologia

de

Piaget”

(VASCONCELOS, 1996, p. 309). A primeira vez

Matemática - cubos, tabuadas e condução global

107


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Colégio Farroupilha - Relatório Relativo ao ano de 1973

que veio a Porto Alegre, ainda na década de 1960,

do Colégio Farroupilha. Na década de 1970,

foi assistido por mais de 900 professores. Depois

essa publicação apresentava aspectos teóricos e

disso veio mais dez vezes, uma delas, em 1973.

práticos sobre o assunto. Na coluna “Atividades

Colégio

Bem Sucedias” os professores enviavam suas

Farroupilha, com apoio da ABE de 1858,

experiências, como na matéria acima. Em várias

adquiriram 10 blocos lógicos, de forma que a

edições professores e pedagogos escreveram

Matemática foi reformulada.17 E o novo setor de

afirmando que, através dessa nova proposta,

audiovisual, criado na escola em 1972, também

a Matemática “[...] deixaria de ser monótona,

apresentava modelos em acrílico utilizados em

sem vinculação com o mundo, para se vincular

sala de aula para o ensino de Geometria.

à vida diária”.19

Nesse

ano,

os

professores

do

18

A Matemática Moderna ou Reformulada foi

É bom lembrar que a sensibilidade em relação

um dos assuntos destacados na Revista do Ensino,

à monotonia é completamente vinculada ao

cuja coleção, faz parte do acervo do Memorial

tempo ao qual nos referimos, é vinculada a cada

17

Relatório anual do Colégio Farroupilha – 1973.

108

PEREIRA, Luiz Henrique Ferraz. Revista do Ensino do Rio Grande do Sul e os Discursos sobre o Movimento da Matemática Moderna. Disponível em: < http://www.smmmfloripa.ufsc.br/Pereira_art.pdf>. Acesso em: 02.out.2012.

19

Schulze, Ingrid. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

18

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Revista de Ensino – 20 de novembro de1973

geração. É possível que para alunos do século XXI

Nagel. Tinham um padrão de exigência, mas com

as atividades propostas na década de 1970 fossem

uma qualidade de ensino que é valorizada até

monótonas, no entanto, era o que tinha de mais

hoje... Como o modo, a capacidade de lecionar. Um

“moderno” – objetos em acrílico... fantástico!

exemplo é o professor Cauduro, a forma como ele

Contudo, se nos desvincularmos dos inúmeros

ensinava Matemática. Então, esse conjunto, esse

contextos com os quais o Colégio Farroupilha se

perfil dos professores, cada um com o seu estilo, dava

envolveu, desde 1886, e se observarmos as histórias

uma condução global. (Jorge Gerdau)21

de vida de seus ex alunos haveremos de convir 20

que para muito além dos conteúdos houvesse algo importantíssimo: uma condução global... Eu tenho imagens extremamente positivas, em geral, do Colégio [...]. Os professores do Ginásio já eram pessoas de mais idade, extremamente fortes na sua personalidade - professor Fassina, Nicklas,   Johannpeter, Jorge Gerdau. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido em seu escritório à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

21

Como fonte salientamos os depoimentos concedidos para esse livro e entrevistas concedidas à Revista Farroupilha.

20

Matemática - cubos, tabuadas e condução global

109



CAPÍTULO II

Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras “Naquele tempo tudo era na brincadeira, era tirar o guri de casa para acomodar um pouco, para depois levá-lo para casa de novo, quer dizer, enquanto o pai trabalhava e a mãe trabalhava. E assim foi se criando...”

das memórias de Frederico Falk que cursou o Jardim em seu primeiro ano de funcionamento, em 1911: “Passávamos as horas com jogos, cantos e trabalhos manuais. Nunca, porém, me pude conformar de me exigirem, também, trabalhos com

Essas são as memórias de Jorge Bertschinger

22

em relação aos anos em que cursou o Kindergarten, o jardim de infância da

agulha e linha, feitos em cartolina com riscos já impressos” (apud TELLES, 1974. p. 94). Provavelmente

então Sociedade de Beneficência Alemã. A recordação de um tempo de brincar nos remete às ideias do mentor e criador dos primeiros jardins de infância, Friedrich Froebel. Ele salientava a importância de jogar, tecer, cortar, enfim, brincar para “desenvolver os poderes inatos da criança”.23

influenciada

pelo

método intuitivo, Maria Gruber, com apoio da ABE, vencia paradigmas, trabalhando com uma turma mista, de

tenra

idade

e

com

materiais

inimagináveis, principalmente para meninos. Podemos observar que Jorge Bertschinger

Levando em consideração o fato da professora

menciona o trabalho feminino em seu depoimento.

do Kindergarten, Maria Gruber, possuir curso de

No início do século XIX as mulheres de camadas

formação de jardineira, realizado na Alemanha,

média e alta de Porto Alegre não exerciam nenhuma

podemos compreender os métodos e materiais

atividade profissional, mas havia exceções, e as

utilizados por ela. Esses materiais nos chegam através

“alemãs” estavam entre elas. No modelo familiar

BERTSCHINGER, Jorge Guilherme. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e a Milene Morais de Figueiredo, na ABE de 1858. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

22

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Froebel e a Concepção de Jogo Infantil. In: EDUCA - Periódicos On Line em Educação. Disponível em: <http:// educa.fcc.org.br/pdf/rfe/v22n1/v22n1a06.pdf>. Acesso em: 09.out.2012.

23

dos teuto-brasileiros as esposas, além de se responsabilizarem pela a casa e pelos filhos, muitas vezes colaboravam no ofício da família.

Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras

111


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Jardim de Infância turma de 1929. Ao centro Frau Gruber

Em 1913 o Jardim de Infância tinha 39

Sévigné (1919)24; Colégio Batista (1930)25; Colégio Americano (1945). O primeiro jardim de infância

crianças. Segundo Milene Figueiredo:

público de Porto Alegre foi criado na Escola Normal,

“No Rio Grande do Sul, especialmente em

hoje Instituto de Educação General Flores da Cunha,

Porto Alegre, até o momento, considera-se o primeiro jardim de infância particular o criado no Deutscher Hilfsverein (1896), atual Colégio Farroupilha, no ano de 1911 e que funcionou até 1929. Outras iniciativas ocorreram a partir dessa data: Colégio

em 1929” (FIGUEIREDO, 2012, p. 2).   O Colégio Sévigné foi fundado no início do século XX e em 1906 foi assumido pela ordem religiosa francesa das Irmãs São José. O Sévigné possuía uma Escola Normal para a educação de moças e, a partir de 1919 passou a contar com um Jardim de Infância. No ano de sua fundação já havia quase 40 crianças matriculadas. No ano seguinte o número de alunos subiu para 110 crianças entre 6 e 9 anos (SOUZA, 2000, p.100).

24

O Colégio Batista foi fundado em 1927 por missionários americanos, e apesar de não haver muitos registros acerca deste período, sabe-se da existência de uma turma de Jardim de Infância no começo da década de 1930.

25

112

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

O Kindergarten esteve sob a direção da ABE

“Jogava-se sapata, barra, piorra, ou com

até 1929. Depois, passou a fazer parte da Ordem

bolinhas de gude, às deveras ou a brinquedo. Jogos

Auxiliadora das Senhoras Evangélicas. Apenas na

de pelota ainda não eram usados, visto que o futebol

década de 1970 a escola voltaria a ter Jardim de

foi introduzido em Porto Alegre por volta de 1903 ou

Infância, como já vimos. E a partir de 1992 foi

1904, quando veio um time do Rio Grande mostrar

inaugurado o Berçário e Maternal do Farroupilha.

aos porto-alegrenses como se praticava o velho esporte

Para essa faixa etária são propostas situações

inglês. Essa demonstração dos rio-grandinos constituiu

de aprendizagem levando em consideração as

grande sucesso entre a juventude da época”.26

características individuais de cada criança, em

Em ambas as escolas, as aulas eram em alemão,

uma rotina baseada no cuidar e educar. Mas, voltando ao início do século XX,

até porque, nesse contexto de início do século XX, o processo de letramento estava completamente

enquanto as crianças “brincavam”, as

ligado à cultura da comunidade teuto-

meninas estudavam nas dependências

brasileira de Porto Alegre. No entanto,

da Comunidade Evangélica na Rua

os membros dessa comunidade, que valorizavam sua origem, também se

Senhor dos Passos. Em 1913, a Escola

sentiam cidadãos brasileiros, e sendo

de Meninas do Hilfsverein apresentava

assim, consideravam importante que

153 alunas. Já, a algumas quadras da Comunidade

seus filhos soubessem o português e por isso ele nunca deixou de ser ensinado.

Evangélica, localizava-se a Escola de Meninos, na Rua São Rafael (hoje Rua Alberto Bins), frequentada, nesse mesmo ano, por 250 alunos. Na Escola de Meninos e na de Meninas

Quando a escola estava em período de formação de seu Ginásio, na virada do século XIX para o século XX, as aulas de Português para as últimas séries eram intensas:

do Hilfsverein, os recreios eram momentos

“As séries seguiam o programa do Ginásio

importantes, de atividades lúdicas e físicas com alto grau de sociabilidade.

Nacional, no Rio, os alunos ao completarem o

Carlos Tannhauser,

oitavo ano já estavam suficientemente preparados

que foi presidente da ABE, estudou no “Velho

para o futuro ingresso numa academia. O ensino

Casarão” no final do século XIX. Quanto aos

de Português nas últimas três classes, aliás, visava

recreios ele recorda:

26

O Clarim, julho de 1952, p. 10.

Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras

113


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

a esse ingresso, estando em consonância com o do Ginásio Nacional” (TELLES, 1974, p.86). No relatório do Conselho escolar de 1906 consta além do Português o estudo de Alemão, Inglês e Francês. Detalhe: o francês era ensinado “com aulas em alemão” (TELLES, 1974, p.86). O sistema escolar mantido pela ABE de 1858 sofreu alteração significativa no ano de 1929: o ensino passou a ser misto. Pelas informações que dispomos, as turmas não foram simplesmente unidas em uma sala, o conteúdo programático era praticamente igual para meninos e meninas. Os alunos se separavam apenas na hora de Trabalhos Manuais e nas aulas de Educação Física. No entanto, a distribuição espacial nas salas de aula apresentou uma transformação mais lenta. A ordenação de classes na sala de aula era normalmente de quatro fileiras de meninos para um lado e quatro fileiras de meninas para o outro. Pelo menos até a década de 1950 encontramos essa distribuição espacial. A língua portuguesa começou a ter outra dimensão na escola após a década de 1930, quando o alemão saiu completamente do currículo. O processo de alfabetização dos novos alunos se transformou, mas não só por causa da proibição do uso do alemão, mas porque a educação no Brasil todo passava por uma reformulação.

114

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Turma de Meninas – 1912 [data aproximada] Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras

115


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

A partir da década de 1930, com o movimento da Escola Nova, a leitura é reconhecida como um importante elemento para o ensino dos pequenos, bem diferente da época do ensino mútuo em que o foco estava na escrita e na oratória dos professores. No Colégio Farroupilha, depois da alfabetização através das cartilhas, quando o aluno já estava no segundo ano, tudo leva a crer que entrava em cena um elemento muito importante, o livro escolar, ou manual. A Série de Leitura Graduada Pedrinho era uma delas. Segundo o autor Lourenço Filho, essa série foi criada levando em consideração as “exigências da evolução psicológica da criança” (Lourenço Filho, 1964, apud, CUNHA, 2011, p. 8). A leitura, no caso dos alunos do Colégio

Até 1939 era possível realizar de forma gradual

Farroupilha, trazia muitas vezes um elemento

o processo de aprendizagem do vernáculo, ou seja, a

novo que para a maioria dos brasileiros não havia:

língua portuguesa. No entanto, a partir do processo

o aprendizado de uma nova língua. Como lembra

de nacionalização, todas as aulas eram em português.

Vera Matte:

Inclusive as línguas estrangeiras ministradas eram

“Minha primeira língua foi o alemão. Português

apenas francês, inglês e latim, sem alemão.

a gente aprende depois! Primeiro era o alemão. Isso

No final da década de 1940, ao chegar o mês

era uma concepção [...]. A minha bisavó só falava

de setembro, as crianças do primeiro ano primário

alemão. Quando uma vez um ladrão foi lá, quis

do Farroupilha terminavam a Cartilha Vivi e Vavá

roubar a casa da minha avó, ela viu, chamou ele e

e se preparavam para a Festa do Livro, última

disse: “Vegonha! Trabáia! Não precisa rôba” (Vera

atividade sugerida nessa cartilha. Para a festa,

Matte).27

onde eles recebiam a Cartilha Proença, a equipe diretiva e a família eram convidadas. Durante

MATTE, Vera Elisabeth Reimer. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi no Memorial do Colégio Farroupilha. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

27

116

muitos anos, nessas ocasiões, a diretora do Curso

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Detalhe do álbum da turma de 1959

Primário, Wilma Funcke, recebeu um convite

Quanto à estética da letra, vinha um ponto

muito especial, um álbum, confeccionado pela

fundamental: não bastava ser legível. As letras

professora da primeira série juntamente com

deveriam apresentar-se no padrão: arredondadas

os alunos. Ele iniciava com uma apresentação e fotografia da turma e logo após apresentava pequenas cartas escrita pelos recém-alfabetizados. “A prática da escrita de carta à diretora parece ser a primeira experiência para muitos dos alunos

e de um mesmo tamanho. Caso a criança fosse alfabetizada e a letra ainda não estivesse “bonita”, ela teria os próximos anos de escola para aperfeiçoá-la:

[...]. As cartas seguem as normas padrão de escrita

“No terceiro ano, a Dona Emma Moreira me

epistolar, as quais faziam parte da aprendizagem [...]

marcou pelo excesso, em me fazer escrever, em fazer

Percebe-se uma orientação uniforme e uma prática

de novo. Ela olhava: “Não está muito bonito, faz de

homogênea entre os docentes. No entanto, alguns

novo”. E assim, tudo a Dona Emma me mandava

alunos foram além do modelo proposto, exercendo

fazer de novo. As nossas redações ela corrigia e se a

uma escrita mais autônoma e pessoal” (BASTOS, 2012, p. 86).

letra estava feia, mandava fazer de novo. Um dia, eu não sei como, parece que alguém colocou a mão

Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras

117


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Relatório do Curso Primário – Colégio Farroupilha - 1950

118

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Chá das Professoras do Colégio Farroupilha, década de 1950

na minha mão e a coisa começou... Impressionante como mudou a minha letra” (Hedy Boelhouwer).28

Quanto às aulas de Trabalhos Manuais Vera Matte, recorda:

Para além do aprender a ler podemos observar

“Na terceira série primária, aprendíamos a

pelo documento da página ao lado – uma parte do

prender botão na sala de aula, a professora é quem

relatório do Colégio referente ao ano de 1950 – que

ensinava. O ponto atrás, o ponto corrente, aquilo

havia várias aulas “especializadas” no programa

tudo. A gente aprendia a fazer os guardanapinhos.

curricular do curso primário, composto, na época, de cinco anos.

rendinha, e depois ia para a exposição no final do

BOELHOUWER, Hedy. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 30 de julho de 2012.

28

A mãe é quem, depois, fazia o crochê ou botava ano. Lembro-me bem, na primeira série ginasial, a

Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras

119


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

fogo, jogou lá dentro, e novamente colocou o ovo na boca da garrafa, e assim ele entrou!” (Fernando Carlos Becker)30. Os passeios e excursões também faziam parte da vida escolar. Vimos anteriormente que em uma das cartas escritas a Dona Wilma o aluno destacou um passeio ao Palácio Piratini. Esse passeio seguidamente era realizado por diversas turmas Alunos do Colégio Farroupilha - Visita ao Palácio Piratini – 1958

entre as décadas de 1950 e 1960:

gente aprendeu a fazer tricô, vários pontos! Isso eu não guardei. Tinha um álbum, onde a gente punha as amostras que tinha aprendido. Bainha

O turismo pedagógico, já era realizado na escola no começo do século XX, sendo importante complemento

aberta, tudo aprendíamos como trabalhos

formal,

entre ensino e vida:

faziam esculturas em madeira. Faziam maravilhas com aqueles formões, uns

Alguns passeios na primeira metade

instrumentos cortantes...” (Vera Matte).29

do século XX realizavam-se na parte

O ensino prático também fazia parte de outros momentos, como as aulas de Ciências, por exemplo. Vem da década de 1940 lembranças da professora da quinta série do curso primário: “Da professora Jurema Almeida, eu recordo algumas coisas que marcavam uma criança. Uma

rural do município de Porto Alegre, como a Chácara das Três Figueiras de propriedade do Colégio, outros, realizavam-se nas proximidades da escola e de forma bastante informal. Rudolf Falk que estudou na escola naquela época recorda dos passeios com o professor de Ciências Naturais, Theodor Kadletz:

vez ela pegou um ovo bem cozido, descascado, e uma

“Seus ensinamentos eram cheios de vida, pois não

garrafa. Tentou colocar o ovo dentro de uma garrafa

raramente convidava a mim e outros companheiros

e não entrava, é claro. Aí ela pegou um algodão com   MATTE, Vera Elisabeth Reimer. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi no Memorial do Colégio Farroupilha. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

120

ensino

potencializador de conexões importantes

manuais, na escola. E os meninos

29

ao

meus a acompanhá-lo nos seus passeios de estudo   BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

30

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Professoras 1964, despedida de Dona Wilma Funcke

“Ela tinha uma liderança muito forte no

nos arredores de Porto Alegre à procura de plantas, minérios etc.” (TELLES, 1974, p. 94).

Colégio, com uma personalidade absolutamente

Passadas várias décadas, a equipe gestora

tranquila. Mas ela conduzia aquele Colégio de

continuava a citar em seus relatórios anuais as

ponta a ponta. Interessante, hoje, a gente tem mais

“excursões” do Curso Primário. No ano de 1973

capacidade de analisar como é que uma pessoa

consta: passeio para Veranópolis, na Festa da

exerce uma liderança ou não. Então, era uma

Maçã; Viamão, na Escola Técnica de Agricultura;

liderança forte, mas muito quieta, muito silenciosa

Zoológico de Sapucaia; Museu da Varig; Indústria

na liderança dela. Se eu olho isso, hoje, cresce muito

Springer Admiral, entre outras.

a minha admiração nesse sentido” (Jorge Gerdau)31. Quando Wilma Funcke, se aposentou assume

Outro aspecto interessante de ressaltarmos quanto à educação das crianças, é a forte presença da direção da escola no dia a dia dos alunos. Sobre a diretora Wilma Funcke, Jorge Gerdau recorda:

a direção do Curso Primário a professora Vera   JOHANNPETER, Jorge Gerdau. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

31

Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras

121


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Matte. Márcia Terres, que estudou no Colégio Farroupilha na década de 1970, recorda a diretora Vera e seus professores: “Na minha época de estudante a professora Vera Matte era a diretora. Na chegada, tínhamos a presença dela sempre muito bem arrumada, muito sorridente, no início da manhã, aguardando os alunos na ponta da escada. Hoje, a gente se dá conta do quanto era importante ter alguém nos recebendo. Os professores também tinham muito essa marca aqui na escola, de estarem prontos para receber o aluno. Esse planejamento passava até por isso, um preparo, uma valorização desta figura, essa referência do professor era muito marcada naquela época” (Márcia Terres).32 O respeito entre as pessoas que formam a comunidade escolar no Colégio é determinante porque está presente com força na escala de valores de várias gerações que fizeram a história da escola, inclusive entre as famílias que estão na terceira, quarta geração de farroupilhenses e que são várias. Em todos os projetos da ABE de 1858 é flagrante a confiança no potencial humano. Essa confiança era sentida pelo imigrante que despontava no cais do porto e até hoje é sentida pelas crianças ao entrarem na escola.   TERRES, Márcia Beck. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 13 de agosto de 2012.

32

122

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Passeio de meninos do Colégio Farroupilha - 1912 Crianças – Primeiras brincadeiras e primeiras letras

123



CAPÍTULO II

Elementos culturais e simbólicos: detalhes do calendário escolar

N

o Colégio Farroupilha, de tempos em

Já o relatório do Colégio Farroupilha referente

tempos, a visão de mundo, a sensibilidade

ao ano de 1959 registra uma palestra sobre

em relação à vida e à aprendizagem se modificam.

literatura infantil e também a “conferência da

Mantêm-se, é claro, estruturas e concepções do

aluna Ana Maria Bergold sobre sua viagem à Ilha

passado, mas, “cada época fabrica o seu universo

do Bananal e visita aos índios Carajás”.

e o fabrica com o que ela tem de próprio, sua ingenuidade específica, suas qualidades, seus dons e suas curiosidades, tudo que a distingue das épocas precedentes” (RAMINELLI, 1990). Podemos,

através

Pensemos no tempo de vida em comum que uma geração vivencia na escola. Nesse tempo, as práticas constitutivas da cultura escolar se transformam, influenciando e sendo influenciadas pelas pessoas que

de

fontes

documentais, observar, à luz de nossos questionamentos, o que consideramos distinto em tempos distantes. Elementos do passado também nos remetem diretamente às curiosidades de cada época. Aliás, o tempo despertava curiosidade:

estão na escola e por aquelas que vêm até ela. A movimentação extracurricular, que se intensifica entre 1960 e 1970, tem o importante papel simbólico de conectar os estudantes aos questionamentos, hipóteses e invenções do seu

“Amanhã, ás 8 horas da noite, no salão do

tempo, nos mais variados campos do saber. Em

Turner-Bund [Sogipa], o Sr. Meyer, director do

1968, para surpresa, mas boa aceitação dos pais,

Hilfsverein [ABE], fará a 5 Conferência das séries

houve um ciclo de palestras sobre orientação sexual

promovidas por aquella associação sportiva. O

para os alunos. Em 1974, a ex-aluna e professora

Sr. Meyer dissertará sobre o thema: o tempo e o

de história Helga Picollo (UFRGS) palestrava no

calendário”.

Farroupilha. Dois anos antes, uma contundente

a

33

Jornal Correio do Povo. Disponível em: <http://www.correiodopovo. com.br/Impresso/?Ano=115&Numero=338&Caderno=0&Noticia=191450>.

33

Aceso em: 29.ago.2012.

Elementos culturais e simbólicos: detalhes do calendário escolar

125


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Apresentação artística - ao fundo outro modelo de relógio, bem conhecido dos alunos

palestra sobre ecologia com Hilda Zimmermann,

Na rítmica própria do Colégio observamos que

representante da Agapan. Também em 1972, o

há momentos extra-classe bem distintos no calendá-

professor Manoel Leão, apresentou sua conferência

rio escolar. Um deles é o momento “palestra” que

intitulada “A realidade do computador”. O

conecta o grupo da escola com o mundo lá fora e

professor Leão, naquele mesmo ano assumia a

com a inovação. Outro é o momento “comemora-

direção do Centro de Processamento de Dados da

ção” em que a tradição se reforça pela seleção de al-

UFRGS, quando foi instalado o Burroughs B6700

guns fatos que precisam ser lembrados e festejados. Segundo a etimologia da palavra, comemorar

com 1Mb de memória.34

é memorar com. As festas comemorativas fazem   CPD 30 anos. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/ handle/10183/26659/000282914.pdf ?sequence=1>. Acesso em: 15.ago.2012.

34

126

recordar, trazem à memória as lembranças de

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Centenário da Imigração Alemã - SOGIPA, Bairro São João. Ao fundo casa do grupo de escoteiros – 1924

eventos, fatos ou pessoas, por intermédio de uma

“O aniversário de sua majestade o imperador

cerimônia. São, portanto, atos memorativos.

alemão será comemorado de forma a haver uma

Nessa perspectiva, devem-se pensar estas ações

festividade pela manhã das 11 às 12 horas, depois a

como formas de organização e de seleção, com regras próprias e carregadas de significados, regras que criam condições para uma valorização do que

qual a tarde será livre”. (TELLES, 1974 p. 78) Quanto aos momentos memorativos referentes à imigração para o Brasil, podemos destacar o dia

se deve lembrar e ser lembrado. Entre os atos memorativos encontramos, re-

do centenário do início da imigração, 25 de julho

gistrada no estatuto da escola de 1901, uma data

de 1924, e as subsequentes comemorações anuais

muito especial:

no dia 25.

Elementos culturais e simbólicos: detalhes do calendário escolar

127


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Calendário escolar de 1961 – Colégio Farroupilha

O dia 25 de julho foi oficializado como “Dia do

posteriores, em um contexto político democrático

Colono” pelo governador Flores da Cunha, em 1934.

como foi o ano de 1961, percebemos que

Nesse mesmo ano, a escola participou de uma parada

momentos memorativos da história alemã não

de escolas alemãs que reuniu aproximadamente

são retomados. A única exceção é o Dia da

2.000 alunos. (TELLES, 1974, p. 123)

Reforma Protestante, que passou a ser registrado

O calendário escolar também nos remete a elementos simbólicos ligados a aspectos culturais

década de 1970.

de longa duração, como festividades relacionadas

Desde a década de 1970 faz parte do

à Páscoa e às comemorações do dia de São João.

calendário do Farroupilha o “Dia do Plantio”, que

Comemorações

cívicas

apresentaram

significativa mudança com o Estado Novo, como já vimos. E pelos calendários escolares

128

no calendário no ano de 1962 e permaneceu na

sensibiliza os alunos do primeiro ano em relação à sustentabilidade ambiental e memória individual e coletiva. Ele se desenvolve na sede campestre

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Colégio Farroupilha, Festa Junina, 1955 Elementos culturais e simbólicos: detalhes do calendário escolar

129


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Um dia especial no calendário de 1996: inauguração do Centro Cultural e Esportivo do Colégio Farroupilha

do Colégio, em Viamão, e está na sua 33a edição.

à sede campestre e sentir a emoção do “passar dos

Consiste na formação de um bosque pelos alunos

tempos”.

da primeira série. Eles vão até a sede campestre, e cada um planta uma árvore. Além disso, preparam a urna da turma. Nessa urna são colocados textos produzidos pelos alunos, fotografias da turma, jornais do dia e demais elementos que consideram importantes para representar o grupo. Essa urna é guardada até que os alunos estejam no terceiro ano

Falar de calendário escolar é pensar no ano sideral, no calendário juliano, gregoriano, e porque não farroupilhano? Este é um calendário especial, que localiza no tempo acontecimentos que nos remetem à identidade étnica, imposições políticas, aos dogmas da fé, à dimensão do conhecimento e da curiosidade.

do ensino médio. No último ano de Colégio eles terão no calendário um dia reservado para voltar

130

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Dia do Plantio – Sede Campestre do Colégio Farroupilha – Viamão, 2010 Elementos culturais e simbólicos: detalhes do calendário escolar

131



CAPÍTULO II

O Canto e o coral que transforma e que preserva

A

s aulas de canto, o coral e o canto

Essa identidade hibrida formou-se com o

não formal no Colégio Farroupilha

passar dos anos, sendo as raízes germânicas bem

nas primeiras décadas do século XX nos dão a

mais fortes que as brasileiras até o início do século

dimensão da formação de uma cultura hibrida

XX. Nas décadas de 1920 e 1930, as comemorações

que mantinha “viva a ligação entre as duas

da independência do Brasil apresentavam músicas

pátrias” (GARBOSA 2006, p.94). Através das

em português e alemão. O Hino Brasileiro era

aulas de canto também vamos perceber

entoado em todas as festividades.

que as músicas nacionais foram, aos poucos, entrando no repertório, assim como tantos outros aspectos da cultura brasileira. Garbosa, ao pesquisar sobre o canto no contexto escolar teuto-brasileiro da década de 1930, afirma:

Mas

os

primeiros

professores

contratados para dar aula de Canto eram de nacionalidade germânica, e junto consigo traziam o repertório germânico, como os professores Friedrich Köhling e Karl Händler. Este, “recebera sua formação

“O canto preservou e transformou, mantendo

profissional no Seminário de Wolfenbüttel [...]

viva a essência da tradição dos pais e avós, ao mesmo

Lecionara durante muitos anos em escolas na

tempo em que modelou o descendente dentro da

Alemanha [...]” (TELLES, 1974, p. 79).

perspectiva da brasilidade. O canto em português, incorporado ao repertório e executado dentro dos espaços sociais, constituiu-se em um recurso utilizado para atestar e fomentar o amor ao Brasil, influindo diretamente na construção da face brasileira da identidade híbrida e no sentimento patriótico” (GARBOSA, 2006, p. 94).

Em 1893, por ocasião, da solenidade de lançamento da Pedra Fundamental da escola, na Rua São Rafael, “a cerimônia teve início com o canto Was ist des Deutschen Vaterlandes, traduzido por O que é a pátria alemã” (TELLES, 1974, p. 62). O fato de os professores serem germânicos estava de acordo com a representação que

O Canto e o coral que transforma e que preserva

133


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

toda a comunidade porto-alegrense fazia desse

No entanto, esse processo de hibridismo toma

estabelecimento de ensino: era a escola alemã.

outro rumo com a nacionalização compulsória

Era fruto do associativismo e expressão de

e a entrada do Canto Orfeônico como disciplina

E

obrigatória na década de 1930 (PAGLIA, 2012). O

para a consciência coletiva não só do imigrante

grande idealizador do projeto de educação musical

alemão mas de qualquer etnia a língua materna é

durante a Era Vargas foi Heitor Villa-Lobos. Para

extremamente importante, é:

ele, a música era importante para a formação

consciência coletiva dos teuto-brasileiros.

35

“A expressão por excelência do sangue e do

estética e cívica. Villa-Lobos dizia:

espírito comuns [...] a língua humana significa mais

“O canto orfeônico é o elemento propulsor da

do que uma mera expressão. O sinal identificador

elevação do gosto e da cultura das artes, é um fator

vem a ser a língua. Ela torna possível todas as

poderoso no despertar dos sentimentos humanos, não

demais manifestações e até certo ponto as

apenas os de ordem estética, mas os de ordem

engloba” (Rambo, 1994, apud, RENK,

moral, sobretudo os de natureza cívica. Influi

2009, p. 42).

junto aos educandos, no sentido de apontar-

Nas primeiras décadas de existência

lhes, espontânea e voluntária, a noção de

do Farroupilha, as práticas culturais

disciplina, não mais imposta sob a rigidez

inseriam muitos elementos simbólicos

de uma autoridade externa, mas novamente

germânicos, tendo a língua como um desses

aceita, entendida e desejada. Dá-lhes a compreensão

elementos

se

da solidariedade entre os homens, da importância da

destacavam os livros, as aulas de história da

cooperação, da anulação das vaidades individuais e

Alemanha, os retratos de literatos germânicos

dos propósitos exclusivistas” (GUÉRIOS, 203, p.

como Goethe e, é claro, o canto, a música que

185).

junto aos demais elementos simbólicos dava

O Canto Orfeônico possibilitava o aprendizado

suporte para a identidade da comunidade de

rápido, não exigia tantas habilidades musicais

origem germânica, e com o passar dos anos, deu

ou vocais, sendo considerado “uma prática da

suporte para o hibridismo ascendente.

coletividade em que se organizam conjuntos

centrais.

Contudo,

também

heterogêneos de vozes e tamanho muito variável”   http://olympicstudies.uab.es/brasil/pdf/55.pdf

35

134

(GOLDEMBERG, 1995, p. 105).

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Colégio Farroupilha, caderno de notas, Aluna do Curso Secundário, Segunda Série.

Se observarmos as matérias que compõem o

na Alemanha; Registro de Professor em Canto

ensino secundário, vamos ver que até a década

Orfeônico”.36

de 1960 no Colégio Farroupilha consta o Canto

“Nas formaturas se apresentava sempre o coro

Orfeônico no currículo:

do colégio. O coro do Professor Nagel. Eu sempre participei deste coro, era muito bom, tínhamos as

Durante dezenas de anos essa matéria foi

sopranos, as contraltos, depois tinham os tenores

ministrada pelo mesmo professor:

e os baixos, sendo os alunos do científico - já bem

“Johannes Nagel: ex-professor do Colégio

mais velhos, porque a gente terminava o ginásio

Cruzeiro do Sul, professor do Colégio Estadual

com 15. Aos 16, 17, 18 anos já estavam com a voz

Júlio de Castilhos, Curso Superior de Música

36

Relatório de Verificação, 1952, Colégio Farroupilha.

O Canto e o coral que transforma e que preserva

135


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Professor Johannes Nagel

formada. Lembro que o professor Nagel era meio temperamental” (Ingrid Schulze).37 “Lá na escola, ele sentava ao piano e, caso ouvisse alguém falar, se virava: ‘Para rua! Anotação no caderno’. E podia não ser aquela pessoa, se ele dizia ser ela quem falou, mandava para rua. As aulas aconteciam numa dessas salas térreas com janelas para a Rua Alberto Bins, era as sala de aula de canto e coral” (Hedy Boelhouwer)38. 37   SCHULZE, Ingrid. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

BOELHOUWER, Hedy. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora

38

136

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Sala dos Professores, Colégio Farroupilha, década de 1930. O Canto e o coral que transforma e que preserva

137


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Formatura no Theatro São Pedro - 1941

“Na década de 1980 as aulas de música eram

Com a reforma da década de 1970 no

meio formais. Havia ênfase no ensinamento dos

sistema educacional brasileiro, deixa de existir

hinos. Eles deviam ser memorizados, e fazíamos

o Canto Orfeônico, aliás, deixa de constar na

prova oral para verificação. Nós tínhamos de

grade curricular do ensino secundário qualquer

estudar os grupos de instrumentos, era bem teórico

tipo de aula de música. Mantém-se, no entanto,

[...]. A instrumentalização e a musicalização eram

no ensino primário, ou Primeiro Grau, mas com

aspectos pouco privilegiados no currículo escolar”

forte tendência teórica.

(Márcia Terres).39

Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 30 de julho de 2012.   TERRES, Márcia Beck. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 13 de agosto de 2012.

39

138

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Juventudes, disciplina e Bildung

A

s práticas e o imaginário dos estudantes

para guris, a Sociedade de Regatas Amizade (hoje

interferem no cotidiano escolar assim

Grêmio Náutico União). O protagonismo desses

como o cotidiano escolar influencia nas relações

seis meninos nos faz pensar sobre a importância da

e projetos de jovens alunos, para além da escola.

dimensão da sociabilidade no mundo dos jovens

Vivências de grupo dentro e fora do Colégio se complementam, se entrecruzam, enriquecendo o

“A turma de amigos é uma referência na trajetória da juventude: é com quem fazem os programas,

que chamamos de cultura escolar. Carlos

‘trocam idéias’, buscam formas de se afirmar

Arnt, aluno do Colégio Farroupilha,

diante do mundo adulto, criando um ‘eu’ e

referindo-se, em um depoimento, ao

um ‘nós’ distintivos” (DAYRELL, 2007).

ano de 1906 recorda:

E qual o papel dos “outros” diante

“Eram meus companheiros de colégio

da condição juvenil? Aos adultos cabe,

e de folguedo os irmãos Arnaldo e Emílio

por exemplo, aconselhar, contar suas

Bercht, Arno e Hugo Deppermann e Hugo Berta, todos regulando de 12 a 13 anos de idade. Nós formávamos um grupo de inseparáveis amigos que passavam todas as horas de folga na minha casa, porque esta, à beira do rio, exercia uma

experiências, também, em muitos casos, apoiar. Edmundo, pai de Carlos Arnt, apoiou a idéia dos estudantes do Hilfsvereinschule, o Colégio Farroupilha.

grande atração aos outros [...] Nas visitas que meus

Edmundo era sócio em uma fábrica de móveis

amigos me faziam, passávamos horas a fio na canoa

na Rua Voluntários da Pátria. Em um terreno

da fábrica, remando ou pescando [...]” (LICHT,

pertencente à Marinha, na frente da fábrica,

2007, p. 13).

localizavam-se as balsas e canoas de sua empresa.

Entre a aula e as horas de folga esses companheiros de escola resolveram criar um clube

Esse local, ele permitiu que o filho e seus amigos utilizassem para o clubinho. Assim, “eles iniciaram a prática do remo, montados em troncos roliços

Juventudes, disciplina e Bildung

139


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

jovens para associarem-se” (LICHT, 2007, p. 11). Em sendo guris, de antemão imaginamos a energia e disponibilidade com que se dedicaram a esse projeto. Mas, para além desses elementos, também disciplina e responsabilidade eram condições necessárias para que os jovens pudessem empreender, e essas características eles traziam de casa e da escola. No estatuto de 1901 do Colégio Farroupilha constava que um dos objetivos fundamentais era “desenvolver as forças morais da juventude” (TELLES,

1974,

p.

76).

Para

tanto,

a

responsabilidade, atrelada à forte disciplina, percorria todo o estatuto e, de certa forma, percorria corredores, salas de aula e ainda mantinha-se em estatutos posteriores: Analisando o depoimento de alunos referentes Carlos Simão Arnt com uniforme do Colégio Farroupilha – década de 1900

era preservada, mas, por vezes, comportamentos

ou sobre as balsas da fábrica, usando pedaços

consolidados

de madeira como remos improvisados.” Licht,

momentaneamente:

descrevendo esse momento, ressalta que:

são

ignorados,

pelo

menos

“A professora Emma dava como lição, por

“A ata de fundação foi redigida em alemão pelo

exemplo, procurar sinônimos e antônimos no

secretário, num caderno pautado do Hilfsverein Schule

dicionário, e aquilo tinhas que decorar, tinhas de

[Colégio Farroupilha] e recebeu a assinatura de seus

saber. Uma vez ela me chamou lá na frente - chamava

fundadores. Outros garotos, irmãos dos fundadores,

um ou outro para ver se sabiam - e eu respondi tudo

também participaram da reunião, porém, como

certinho e ainda disse:

tinham menos de dez anos, foram considerados muito

140

às décadas de 1940 e 1950 é visível que a disciplina

- Ai, que bom, eu nem estudei e soube tudo!

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Regulamento Interno do Ginásio Farroupilha - década de 1940 Juventudes, disciplina e Bildung

141


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

- Ah, tu não estudaste, pois então da nota dez que te daria vais para cinco.

“Certa vez Max e Paulo resolveram ‘gazear’ a

Era assim...” (Hedy Boelhouwer)40 “Às vezes, quando as aulas eram monótonas demais, grupinhos saíam pra passear na Rua da Praia, até que um dia não deu para esconder a ausência [...]. Na volta, encontramos em lugar do professor Klein, a Dona Wilma, e foram as mais desbaratadas as desculpas apresentadas” (Friedrich J. P. Tempel, apud, TELLES, p. 136). A partir do comportamento dos alunos, os mecanismos de controle iam se modificando. Becker recorda:

aula, porque não gostavam do professor (Max não se recorda qual era o mestre). O local escolhido para esse ‘dolce far niente’ foi atrás do Edifício Coliseu. O rio chegava até ali e os dois membros do corpo discente da respeitável Hilfsvereinschule aproveitaram essas horas de lazer forçado, jogando pedrinhas na água, no inocente divertimento denominado peixe-rei. Mas, infelizmente, tais folguedos fora do programa escolar não contaram com o apoio do Diretor Kleikamp, que passou aos dois ‘einen roten Zettel’ (um bilhete vermelho) para entregar aos pais” (TELLES, 1974, p.58).

“Quando entrávamos no colégio tínhamos que carimbar uma caderneta que ia para uma gaveta da sala de aula. O aluno só recebia de volta na hora de ir embora. Então, depois, mais adiante, o grande problema era sair do Colégio para ir ao cinema e voltar, era complicado, era preciso fazer uma ginástica muito especial, mas mesmo assim alguns conseguiam” (Fernando Carlos Becker)41

Encontramos

mecanismos

disciplinadores no Colégio Farroupilha, e algumas pessoas estavam diretamente ligadas a eles, além dos professores: os diretores, o prefeito de disciplina – quando foi criado esse cargo na década de 1940 ele já foi concedido ao professor de Educação Física Armando Capra – e o conservador do edifício. Desde que foi criado esse último cargo, em 1939,

Em épocas anteriores, havia o “bilhete

foi exercido por Ernst Paulo Otto Bode. Além

vermelho” entregue aos pais. Da década de 1890

de zelar pelo edifício, o “seu Bode” controlava

BOELHOUWER, Hedy. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 30 de julho de 2012.

40

BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

41

142

nos vem a seguinte memória:

a disciplina. Nos recreios, pelos corredores, na escadaria, ele estava sempre circulando. Caso encontrasse alguém fazendo alguma travessura ou

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Colégio Farroupilha – Quarta Classe, 1940

gazeando aula dizia: “Secrrretarrria!!!” (TELLES,

professora, algumas vezes, quando ficava brava,

1974, p. 134).

puxava os cabelos dos alunos próximo à parte

Os professores, de acordo com os estatutos da

superior da orelha.42

escola, não poderiam utilizar castigos físicos, mas

Ao falarmos sobre disciplina a partir da década

essa regra só foi inteiramente cumprida depois do

de 1940, lembramos do relógio. Este instrumento

primeiro quartel do século XX. Jorge Bertschinger

de orientação temporal castigava muitas vezes em

recorda que no Jardim de Infância não havia

dobro: uma por controlar o tempo, de forma que o

castigos físicos, esses estavam reservados para os

recreio custava para chegar; a outra por representar

alunos maiores. Conta que no início do século

42

XX não se utilizava mais a palmatória, mas a

BERTSCHINGER, Jorge Guilherme. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e a Milene Morais de Figueiredo, na ABE de 1858. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

Juventudes, disciplina e Bildung

143


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

menina, tu não podes bater. Tu não podes isto, tu não podes aquilo” (Hedy Boelhouwer).44 Alice Jacques, para sua dissertação de mestrado, entrevistou a professora Zilá Schmitz, do Colégio Farroupilha. Esta lhe relatou uma conversa com um aluno depois de muitos anos de sua formatura. Um dos assuntos entre professora e aluno, agora um adulto, foi o relógio: “Zilá, até Colégio Farroupilha, segundo quartel do século XX, ao fundo “o relógio”

hoje eu não sei por que me botaste embaixo do

um dos castigos mais temidos, ou seja, ficar algum

relógio! [...] Eu acho, Zilá, que foi porque puxei o

tempo de pé em baixo do relógio localizado em

cabelo de uma menina que sentava na frente [...]” (JACQUES, 2011, p. 180).

um corredor com abertura para o pátio: Eu era frequentador disto. Eu era

A maior parte do tempo em que o

bastante inquieto, então, volta e meia

aluno permanecia na escola, ele seguia

tinha de ficar embaixo do relógio. E tinha

as regras mais por autorregulação do que

a caderneta com as observações, elógios

por disciplinamento, porque essa era uma

também. A gente levava para casa, e

característica do Bildung. Esse conceito,

quando apresentava problemas estava anotado na

ligado à pedagogia alemã, pode ser traduzido

caderneta. Era um modo de comunicação que existia

por formação, uma vez que leva em conta mais

entre o colégio e a família. (Jorge Gerdau)43

do que o ensino na escola, mais do que o repasse

Eu fiquei muitas vezes embaixo dele, de castigo. Às vezes, ficava no recreio, e aí todo mundo sabia que estavas de castigo. Eu ficava porque dava nos guris, e nas gurias que implicavam comigo. Aí, a Dona Wilma me chamava e dizia: “Hedy, tu és uma   JOHANNPETER, Jorge Gerdau. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido em seu escritório à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

43

144

dos conhecimentos historicamente acumulados (NOGUERA-RAMIREZ, 2009). O conceito de Bildung está ligado à formação do caráter, “prevê além do que se aprende e sabe, o que se pode ser” (ARENDT, 2005, p. 154).   BOELHOUWER, Hedy. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Memorial do Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi. Porto Alegre, 30 de julho de 2012.

44

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Livro de Registros de Ordens Internas/Ensino Secundário 1950/1970. Colégio Farroupilha

sejam ligados à música, ao jornalismo, à arte ou ao engajamento estudantil. O Grêmio Estudantil Farroupilha, atuante desde a década de 1940, era prestigiado na escola

Jovens nas ruas, momentos cívicos Para a formação integral dos estudantes a diretoria e a mantenedora do Colégio Farroupilha sempre apoiaram projetos extra-classe dos alunos,

pelos projetos sociais e esportivos. Na década de 1950 seus membros participaram do VII Congresso Estadual de Estudantes Secundários. Foi a primeira vez que o Grêmio fez parte de um

Juventudes, disciplina e Bildung

145


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Alunos do Colégio Farroupilha na Parada da Mocidade - 1943

evento dessa monta. Eram cento e três bancadas

havia

de todos os colégios do Rio Grande do Sul, o

simplesmente sentir, imaginar e, depois, expressar

que gerou certa angústia e timidez por parte dos

esses sentimentos. As aulas de Educação Artística

farroupilhanos, conforme relataram no jornal O Clarim (1953, p. 7). A dimensão da subjetividade, importante na

formação dos jovens, é vivenciada fortemente em experiências como essa em que os alunos eram protagonistas (STEPHANOU, 2006). Mas em sala de aula essa dimensão também era trabalhada,

146

momentos

propícios

para

o

aluno

e Português, quando a ênfase eram as redações e a leitura, eram muito importantes nesse processo. A partir da década de 1920, crianças e jovens da escola tiveram a oportunidade de ver as suas redações publicadas em um jornalzinho mensal chamado Das Band, lido pela comunidade escolar e até fora dela.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Livro de Registros de Ordens Internas/Ensino Secundário 1950/1970. Colégio Farroupilha

Segundo Grimaldi (2011), o Das Band não

O tema geralmente era livre, salvo algumas edições

apresentava um padrão em sua estrutura, mas

que pautavam obrigatoriamente sobre as férias

normalmente partia de um tema central registrado

(março) e sobre a Imigração Alemã (julho), nas

por uma imagem ou por um artigo escrito pelo

outras o tema era pautado pelo desejo do aluno [...]”

professor redator (TELLES, 1974, p.131).

(GRIMALDI, 2011, p. 4).

Os primeiros professores redatores foram Schulz e depois Lichtenberg. De 1932 a 1938, o professor Nicklas assumiu essa função. Quanto à participação dos alunos, Grimaldi informa: “A seção Was unsere Schüler schreiben (O que os nossos alunos escrevem) era a mais famosa do jornal, pois estimulava o corpo discente do Curso Primário ao Ginásio, a produzir diversas redações.

O Das Band, importante veículo educativo, também era conhecido como O Elo. No ano de 1930 ele foi tirado de circulação. Em 1945 surge no Colégio Farroupilha outro jornal, mas dessa vez totalmente editado por um grupo de alunos do Ginásio. O primeiro “diretor” foi o jovem Leandro Telles, também responsável

Juventudes, disciplina e Bildung

147


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

O Clarim, considerado na década de 1960 como “órgão oficial do Grêmio Estudantil Farroupilha”, lembra muito em sua estrutura algumas

publicações

contemporâneas

a

ele

como a Revista do Globo e a Seleções do

Reader’s Digest, ambas com grande circulação no Rio Grande do Sul. Apresentava artigos de conhecimento geral, com adaptações feitas pelos jovens redatores de pesquisas científicas e notícias internacionais. Também havia as seções de humor, “assuntos femininos” e sociais, anunciando festas, formaturas, promoções do Grêmio Estudantil Farroupilha, casamentos e demais acontecimentos em que alunos da escola estivessem envolvidos. Jornal Das Band - Edição comemorativa à imigração alemã no Rio Grande do Sul

pela escolha do nome: O Clarim – Órgão do Ginásio Farroupilha.

uma sessão separada, onde uma redatora escreve sobre assuntos como moda e boa conduta. No entanto, na década de 1960, já percebemos a

O Clarim, entre 1945 e 1965, editou matérias

presença feminina em matérias com enfoques

redigidas por alguns alunos do Colégio onde se

variados, além de vê-las atuantes em atividades até

percebe o contexto, a cultura escolar e também

então consideradas masculinas, como participar

o imaginário juvenil. Grupos de estudantes de

de um rally e ainda chegar em segundo lugar.

três décadas, de certa forma revelam através da revista seus comportamentos, anseios e costumes, expressando o que viam e o que sentiam em relação aos professores, ao ensino, eventos sociais, vestibular, e esporte entre outros temas.

148

Em relação às meninas, o Clarim tende a ter

Em 1963 o redator Antônio Ribeiro, aluno do Farroupilha, noticiou no Clarim que o Grêmio Estudantil do Farroupilha organizou o II Rally Intercolegial de Porto Alegre. As meninas participaram e, inclusive, o carro que chegou em

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Primeiro número de O Clarim Juventudes, disciplina e Bildung

149


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Baile de Formatura do Colégio Farroupilha, Clube do Comércio, 1944.

segundo lugar era formado por jovens moças do

Mário Osvaldo de Barros, que colidiu com um

ensino secundário.45

ônibus”.46

Ainda sobre o rally, a matéria do Clarim

No Clarim é possível analisar a condição

informa que ele foi organizado pelo Grêmio

juvenil de forma a perceber universos culturais com

Estudantil Farroupilha, sendo nas Três Figueiras

características inerentes a determinados grupos,

o local de largada. O resultado...

o que nos faz pensar não em juventude, mas em

“Sagram-se vencedores os participantes do

diferentes juventudes. Bastava ver a diferença entre

‘Volks’ azul, de número 4, do colega Eduardo

rapazes e moças e a diferença entre as gerações de

Fontoura [...] a nota triste da competição foi dada

jovens – anos 50, 60...

por dois acidentes: o primeiro com o carro n 16, que o

capotou; o segundo, em que saiu escoriado o colega

45

150

O Clarim, 1963, p. 19.

No entanto, através do Clarim e demais registros em que se evidenciam a participação

46

O Clarim, 1963, p. 19.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Meninas no desfile da Semana da Pátria. Porto Alegre, Avenida Borges de Medeiros, 1944.

observar

simplicidade.47 Com estilo e simplicidade em sua

características recorrentes, como a procura pelo

conduta, muitas gerações de farroupilhanos foram

perigo e pela aventura. E se formos um pouco

deixando suas marcas positivas nas comunidades

mais atentos às imagens, às linhas e entrelinhas

das quais fizeram e fazem parte, o que nos faz

dos documentos, percebemos também uma escala

refletir sobre uma máxima de Aleida Assman,

de valores semelhantes onde sobressai a presença

referente à educação/formação (Bildung): “Não

da responsabilidade, amizade e respeito.

importa apenas o que sabemos mas também o que

e

produção

juvenil,

é

possível

Uma das estudantes redatoras do Clarim,

somos” (Assman, apud ARENDT, 2005, p. 154).

falando sobre moda na década de 1960, afirmou que as pessoas devem ter estilo, mas com muita

47

O Clarim, 1963, p. 54.

Juventudes, disciplina e Bildung

151



CAPÍTULO II

Jogos e Ginástica no Colégio Farroupilha

N

o Colégio Far roupilha, a hora da

de confraternizar, e esse congraçamento através

educação física, seja nas aulas ou nos

do esporte também era uma forma de afirmação

campeonatos, é um momento de proximidade, de união, de sentir profundamente a força do grupo, é a hora de sentir-se grupo.

identitária. A própria análise do processo de construção de identidades no âmbito do associativismo

Essa mesma descrição poderíamos fazer para os

desportivo sugere que: “ser um teuto-brasileiro

teuto-brasileiros do século XIX quando

implicava

começam a se dedicar ao esporte. Das

enquanto que ser brasileiro significava

primeiras associações desportivas de

ser

Porto Alegre, todas foram fundadas por

s/d). Frequentemente, as associações

teuto-brasileiros:

recebiam a visita de instrutores de

“Entre meados do século XIX e princípio do século XX foram organizadas

um

em

ser

um

não-desportista”

desportista; (MAZO,

ginástica da Alemanha para perpetuar esta cultura desportiva.

10 associações desportivas em Porto Alegre pela

O Colégio Farroupilha, antigo Hilfsvereinschule,

iniciativa dos teuto-brasileiros: Turnerbund (1867),

objetivava, como vimos, a formação (Bildung)

Von Musterreiter (1885), Ruder Club (1888),

integral de seus alunos, de forma que os aspectos

Ruder-Verein Germânia (1892), Club Walhalla

culturais identitários da comunidade à qual a

(1896), Rodforvier Verein Blitz (1896), Deutscher

escola estava ligada eram trabalhados. Assim,

Schristzen” (MAZO, s/d, p. 2).

a cultura desportiva era incentivada com aulas

O objetivo dessas associações ia muito além

de ginástica no Turnerband (Sogipa). Mas, nos

da preocupação com o controle do corpo e com

primeiros anos da década de 1900, a Escola

ótimos desempenhos motores. A hora de fazer

também proporcionava aos alunos aulas de

ginástica, de nadar, remar ou jogar era o momento

natação. As aulas eram ministradas na “piscina”

Jogos e Ginástica no Colégio Farroupilha

153


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

as aulas de natação: “Às 16 horas de quarta-feira, iniciava a aula de natação ministrada num grande ‘basin’ de madeira, instalado bem lá embaixo na Rua da Conceição, onde hoje se encontra a Estação Rodoviária. A aula era do professor Heinrich Rohde e sua realização, hoje, despertaria, sem dúvida, o riso e a curiosidade: o professor sustentava na mão uma longa vara de madeira na qual o aluno era amarrado com um cordão e na barriga com um cinto de couro. Assim, era impedido de afundar na água e, sob comando, executava diversos exercícios natatórios ditados pelo mestre, em alemão” (TELLES, 1974, p. 80). Em 1906, a escola contratou um instrutor de ginástica que viera da Alemanha, de München (Monique), para dar aulas na Sogipa. Ele se chamava Georg Black. Lecionou por muitas Alunas do Hilfsverein em competição na Sogipa - 1935

pertencente à Sogipa, construída em 1885. Essa

basin ou ‘casa de banhos’, como era conhecida em Porto Alegre, foi feita dentro do Guaíba, em madeira, aproveitando a água do lago. Segundo Mathilde Wildner, em seu depoimento para um livro sobre a história da Sogipa, a piscina “tinha uns parafusos que regulavam para mais fundo ou menos fundo. Ou se colocava um cinturão no aluno e o professor de natação ia segurando a corda.” (SILVA, 1997, p. 22). Acompanhemos as lembranças de um aluno da Hilfsvereinschule sobre

154

décadas no Farroupilha, ou melhor, na Sogipa mesmo: “Na escola, os pátios eram muito pequenos, não dava para fazer ginástica. Os pátios mal davam para os recreios [...]. Então havia este convênio do Farroupilha com o Turnerbund (atual Sogipa). Imagina você saindo ali de onde hoje é o Hotel Plaza São Rafael, atravessando a Rua Coronel Vicente, caminhando até a Rua da Conceição. Atravessávamos essa rua e chegávamos à Sogipa. Trocávamos de roupa, fazíamos ginástica,

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Alunos do Colégio Farroupilha. Evento da Semana da Pátria, Parque Farroupilha, 1939

voltávamos, trocávamos de roupa novamente e

Eu fazia ginástica à noite, e bem mais tarde o

íamos para a sala de aula” (Vera Matte).48

professor Black continuava lá, dando orientação. Então, o colégio cuidava da educação como um todo,

O professor Capra também dava aula de

mas dava uma atenção à vida esportiva também,

Educação Física. Levava-nos lá para a Sogipa.

que é interessante no processo, dentro de um conceito

Nós tínhamos aula de ginástica, esporte etc. [...].

global de educação... (Jorge Gerdau)49

Eu conhecia o professor Capra por causa do Clube

Já na década de 1930 encontramos o Colégio

Grêmio Náutico União, onde ele era professor de natação. Eu nadava no União com ele. Além disso,

Farroupilha

tinha o professor Black também, que dava ginástica.

“atletas”, em eventos públicos de esporte:

MATTE, Vera Elisabeth Reimer. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi no Memorial do Colégio Farroupilha. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

48

participando

muito,

com

seus

Johannpeter, Jorge Gerdau. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido em seu escritório à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

49

Jogos e Ginástica no Colégio Farroupilha

155


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Campeonato Intercolegial - Sogipa

“A ‘Demonstração de Educação Física’ era

em campeonatos intercolegiais. De acordo com

realizada pelos alunos dos ginásios e colégios

a ata de reunião de diretoria da ABE do ano de

secundários da capital. Na semana da Pátria de

1952, haviam participado dos Primeiros Jogos

1938, a demonstração de Educação Física contou

Estudantis de Porto Alegre. Mais tarde, outros

com ‘os mais lindos bailados, ginásticas e outras

campeonatos sucederam, como os realizados na

provas da mais absoluta originalidade, no Campo de

Sogipa em meados do século XX:

Polo do Parque Farroupilha’” (Pimentel, s/d:19)”

156

Através do jornal O Clarim, é possível

(MAZO, 2003, p. 190).

acompanhar a participação dos alunos em torneios

Em meados do século XX, os alunos do

intercolegiais. Em 1962 participou da Olimpíada

Colégio Farroupilha passaram a se destacar muito

da Umespa, com equipe de vôlei, basquete e

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Sogipa - jogos. Equipe feminina do Colégio Farroupilha

Sogipa - jogos. Equipe masculina do Colégio Farroupilha

futebol interséries. Também há riqueza de

Capra foi convidado a comandar a clássica

detalhes nas matérias do Clarim quanto aos

saudação do colégio.”50

torneios interséries. Em 1973, já no Bairro

A clássica saudação do colégio continuou

Três Figueiras, realizaram-se jogos interséries muito especiais “em homenagem ao professor Capra”:

presente nos torneios, inclusive, nos tradicionais “Jogos do Colégio Farroupilha,” que desde 1972 ocorrem anualmente.

“Realizou-se nas canchas novas do Colégio

Nos jogos do ano de 1979, junto ao roteiro

um torneio interséries de Voley em que se sagrou

oficial há uma mensagem da equipe de professores

campeã a 3 a série tanto no setor masculino como

de Educação Física afirmando:

no feminino [...] antes do Torneio o professor

50

O Clarim, 1962, 2º Semestre.

Jogos e Ginástica no Colégio Farroupilha

157


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Imagens do Roteiro dos Jogos do Colégio Farroupilha de 1974

158

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

“Esperamos que daqui não saiam vencedores e vencidos, mas sim, que prevaleça o espírito sadio

Terres).52

de competição, fortalecido pelo convívio que teremos

Aulas de educação física precisam de espaço,

nestes poucos dias em que serão realizados os jogos”.

material e professores capacitados. Quando a ABE

O espírito de grupo e o protagonismo das

de 1858, depois de muita luta, inaugurou o prédio

51

turmas para se organizarem é recordado por uma aluna da década de 1980:

da escola no Bairro Três Figueiras, as exigências para boas aulas estavam completas, e com mais um fator positivo: a sensibilidade dos mestres.

“E os jogos atendiam algumas modalidades es-

Estes, sempre atentos e participantes em todas as

portivas, mas prevalecia muito o espírito de grupo. A

dimensões que envolvem a Educação Física: corpo,

turma formava uma grande equipe para participar

cultura, sociabilidade, subjetividade e sensibilidade.

das competições que duravam uma semana. Desde

Foi essa sensibilidade, aliada aos valores de

atletismo, corrida, vôlei, handebol, enfim. As es-

casa, da escola e do clube, que influenciou Jorge

colhas buscavam o que cada um tinha de melhor,

Gerdau a certa atitude em um dos passeios feitos

ver quais eram as habilidades, e no próprio grupo

com o Colégio Farroupilha:

isso era reconhecido. E a gente ficava fazendo a tor51

cida também, né? Tinha essa possibilidade” (Márcia

Roteiro Jogos do Colégio Farroupilha, 1979.

TERRES, Márcia Beck. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido no Colégio Farroupilha à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 13 de agosto de 2012.

52

Jogos e Ginástica no Colégio Farroupilha

159


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Jogos de inauguração da Praça de Esportes, 14 de novembro de 1969

“Numa dessas excursões do Colégio para Novo Hamburgo ao Clube dos Caçadores, havia em um açudezinho uma criança - não do colégio. Ela tinha caído no açude e estava morrendo afogada, estava lá no fundo do açude. Aí, como eu sabia nadar muito bem, pulei na água e tirei essa criança. Eu tinha uns doze anos. Mais tarde, reuniu o Colégio todo e eu ganhei uma homenagem. Então, não fui só embaixo do relógio!! (Jorge Gerdau)53

Johannpeter, Jorge Gerdau. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido em seu escritório à historiadora Naida Menezes. Porto Alegre, 08 de agosto de 2012.

53

160

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Espaço Físico – Entre bondes e figueiras

N

a época em que a ABE de 1858 escolheu

Koch. Sobre Thiele não localizamos nenhuma

o terreno para edificar a escola, ainda

informação, mas sobre Gustav Koch sabemos que era

no século XIX, estava certa de ter adquirido um

de origem germânica e possuía um estabelecimento

espaço apropriado, uma vez que se localizava

do ramo de construção e arquitetura na Rua Santa

no centro da cidade, onde morava a maioria da

Catarina, hoje Rua Dr. Flores (GANS, p. 65). Pelo

comunidade teuto-brasileira. Além disso, o local

que percebemos através da documentação, logo

escolhido era afastado do burburinho

após o início das obras, os dois arquitetos

da Rua da Praia, da Rua Sete de Se-

se associam criando a construtora Koch

tembro e das vias próximas ao Mercado

& Thiele. Essa construtora é que, no

Público e docas. A São Rafael era rua

prazo de dois anos, erigiu a escola, sendo

sem saída, calma, longe de elementos

inaugurada no dia 3 de setembro de 1895

visuais ou auditivos que distraíssem aos

(TELLES, 1974, p. 61).

alunos. Carlos Tannhauser, presidente da ABE durante a década de 1950, estudou no “Velho Casarão” no final do século XIX. Em um artigo do Clarim, lembrou aos alunos que: Não havia calçamento na rua, e quando chovia era aquele lamaçal; poucos veículos passavam pela São Rafael [atual Avenida Alberto Bins], nem mesmo o bondinho puxado por mulas.54

O projeto executado seguiu um dos formatos tradicionais para os educandários da época, já

contando

com

espaços

para

atividades

complementares à sala de aula, mas ao mesmo tempo facilitando o controle de todos os recintos. Sabemos que a dimensão espacial de uma escola traz informações e sensações que fazem parte da formação dos estudantes. Na materialidade de

O projeto da obra da escola foi concebido por

uma edificação escolar se institui “um sistema de

Reinhold Thiele com a participação de Gustav

valores, como os de ordem, disciplina e vigilância,

54

O Clarim, julho de 1952, p. 10.

marcos para a aprendizagem sensorial e motora, e

Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

161


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Colégio Farroupilha, década de 1940

toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos

outras escolas. Na frente da Hilfsvereinschule havia

estéticos, culturais e também ideológicos”.55

outras escolas, como bem lembra Vera Matte:

Os alunos do Colégio Farroupilha faziam

“Defronte ao nosso educandário, junto à Igreja

parte da escola e do cotidiano da cidade porque,

São José, havia as escolas católicas: Marienschule

sendo tão próximo das principais artérias da urbe,

(das meninas) e a Josefschule (dos meninos), que

o educandário, de uma forma ou de outra, estava

mais tarde receberam a denominação respectiva de

conectado às ruas, bairros, moradias, templos e

“Nossa Senhora Medianeira” e “Roque Gonzales” (Vera Matte).56

55   VIEIRA, Analúcia de Morais. A Arquitetura no Espaço-Tempo Escolar. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/nephe/images/arq-ind-nome/ eixo1/completos/arquitetura-no-espaco.pdf>. Acesso em: 01.nov.2012.

162

MATTE, Vera Elisabeth Reimer. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e Lucas Grimaldi no

56

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Livro de Registros de Ordens Internas - Ensino Secundário 1950/1970. Colégio Farroupilha

A interação dos estudantes com o atraente

“Eu morava no Centro, eu nasci no Centro, na Rua

entorno do Colégio, inclusive com muitas opções

Coronel Vicente. Era só subir a rua, dobrar e estava na

de lazer, gerava alguns atos de indisciplina, como

escola. Meu pai tinha um bar e restaurante lá na Praça

registra e assina o diretor Marroni:

Rui Barbosa. E ali do lado tinha uma Ferragem que estava

era de um alemão. O nome do bar era Bar Helvetia,

pairando sob a cidade, ele era um dos lugares que

porque pertenceu a um suíço. E do outro lado, na

compunham o dia a dia da comunidade escolar,

esquina, tinha o Tannhauser - camisas e roupas - que

somado aos espaços de moradia, comércio e lazer,

também era de alemão” (Hedy Boelhouwer).

O

edifício

do

Farroupilha

não

como o bar citado no documento apresentado

“Eu adorava andar de bonde. Quando

acima, possivelmente o bar da Escola de Belas

terminava a hora do ginásio, a gente vinha aqui

Artes, na Rua Senhor dos Passos.

para o Bairro Petrópolis, por exemplo, onde nós

Todos esses lugares, de certa forma, também

morávamos. Nós éramos entre quatro estudantes, e

fizeram parte da formação dos estudantes e são

sentávamos colocando os bancos frente a frente. Dava

eles, os estudantes das décadas de 1940 e 1950, que

para virar, porque, conforme se o bonde ia ou vinha,

agora recordam:

eram trocados os lados. E fazíamos os tititi que a gente faz quando é adolescente” (Ingrid Schulze).

Memorial do Colégio Farroupilha. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

163


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

pegava o bonde. Na esquina tinha a Fiambreria Vigor” (Vera Matte). “A fiambreria era quase na esquina com a Rua Pinto Bandeira, pertencia a um alemão. Era muito conhecida, tinha coisinhas boas para comer. E depois ele até montou uma tenda no mercado público, também. Às 10 horas, no Colégio, era o recreio, e nós íamos lá comprar uns sanduichezinhos que ele fazia, mas o que ele mais vendia era o leite, ele vendia garrafinhas de leite. Podíamos ir só até ali, porque o Colégio não tinha merenda” (Jorge Bertschinger). No

espaço

escolar

do

Hilfsvereinschule

tanta coisa cabia – sala de aula, pátio, materiais pedagógicos, sala da direção, casa do zelador e gente, muita gente envolvida na experiência do aprendizado. No ano de 1957, havia 711 alunos no Primário, 379 no Ginásio, 133 no Científico e Praça Otávio Rocha - Igreja Evangélica (IECLB)

127 matriculados para a escola técnica.57

“A gente desfilava na Rua da Praia, sábado de

Conforme as décadas foram passando o

tarde. Era muito chique. Descia a Rua da Praia e

educandário, mesmo com a construção de um

voltava caminhando, e os guris ficavam no meio da

prédio anexo, que ocupou uma parte do pátio

rua. Havia nessa época o lambe-lambe, e todas as

aos fundos da escola, ficou pequeno. Além disso,

lojas boas se localizavam na Rua da Praia” (Vera

a Rua São Rafael, silenciosa, perfeita para um

Maria Hemb Becker).

educandário, deu lugar à Avenida Alberto Bins,

“As crianças católicas faziam a primeira

onde passavam bondes e muitos carros. Podemos

comunhão na Igreja São José ali na frente da nossa escola. Nós tínhamos ótimo convívio com os jesuítas,

acompanhar

das

atas

da Assembleia de 1946 a movimentação dos

como sempre houve [...] Lembro bem de onde a gente

57

164

através

Ata da Assembléia Geral da ABE, 1957.

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Prédio anexo construído nos fundos da escola – 4a Classe - 1939, Primário, Colégio Farroupilha

integrantes da ABE em relação a esse problema.

Figueiras. A maioria deles optou pela Osvaldo

Observamos,

Aranha.58

também,

o

seguinte

impasse:

onde construir nova edificação? Na chácara da Associação, afastada do Centro, ou em outro local, como o Bairro Bom Fim?

Por isso, a partir de 1954, iniciou a compra de terrenos no Bairro Bom Fim, lindeiro ao centro da cidade, bem próximo a outra escola tradicional da

Em julho de 1954 foram distribuídos 408

cidade, o Colégio Rosário. O terreno escolhido,

questionários aos sócios da ABE solicitando

segundo Becker: “Foi um miolo de quadra com

que manifestassem a sua preferência: escola na

duas entradas, uma para a Rua Barros Cassal;

Avenida Osvaldo Aranha ou na Chácara das Três

58

Ata da Assemble ia Geral da ABE, 1954.

Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

165


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Pátio do Colégio Farroupilha, festividade de Páscoa, 1950

outra para a Avenida Osvaldo Aranha, na frente do

Nada mais nada menos do que o Túnel da

Instituto de Educação” (Fernando Carlos Becker).59

Conceição e demais viadutos que o circundam seriam

Depois de projetada, quando começaram os movimentos para a construção, a ABE de 1858 foi informada sobre um novo plano diretor da cidade que seria em breve aprovado pela Câmara de Vereadores. Receosa, a direção da Associação resolveu verificar se a área da escola não seria afetada.

166

1955 “ficou deliberado prosseguir nos estudos [...], colher ainda outros informes e entrar em contato com o prefeito da capital para a solução do problema, a fim de expô-lo ao senhor presidente [da ABE]”. O atual presidente da Associação, Fernando

BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

59

ali construídos. Segundo a ata da assembleia geral de

Carlos Becker, recorda do dia em que seu pai Jacob Becker, tesoureiro da ABE, em 1955, chegou

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

à residência da família contando como fora a

Vejamos alguns detalhes referentes a esse local,

reunião com o prefeito Brizola:

iniciando pela forma como era então conhecido

Uma equipe, incluindo meu pai, foi falar com o

aquele espaço rural da cidade:

prefeito Leonel Brizola e:

“Surgiu então o interesse em comprar essa parte

- Negativo, disse o Brizola, ali vocês não vão

que sobrou daqui de cima até lá embaixo na Avenida

construir, ali já tem colégios, construam lá naquela

Nilo Peçanha. Aqui no morro, como eles chamavam,

chácara de vocês.

havia um casal de estancieiros, como tinha naquele

- Então, alguém da equipe perguntou, podemos

tempo, e aos domingos eles faziam galinhada. Então

construir onde era para ser a praça do loteamento da

a gente ia comer galinhada aqui no fim de semana.

chácara?

Vínhamos até o fim da linha dos bondes Petrópolis, depois seguíamos a pé. O dia tinha que ser bom...”

- Coloquem onde quiserem, mas aqui não aconselho!

60

(Jorge Bertschinger)61

A chácara que Leonel Brizola sugeriu, era um

Na ata de assembleia geral extraordinária

terreno que a ABE havia adquirido ainda em 1928.

de 1928, o presidente da Associação, Wilhelm

BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

60

BERTSCHINGER, Jorge Guilherme. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes e a Milene Morais de Figueiredo, na ABE de 1858. Porto Alegre, 26 de julho de 2012.

61

Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

167


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Mücke, sugeriu a compra da chácara nos altos de

Para conceber o projeto, foi contratado o

Petrópolis, que pertencia à viúva Maria Müller. A

arquiteto Carl Herrmann, orientado pelo engenheiro

ideia era lotear e vender terrenos, e se necessário

Carlos Henrique Siegmann. Este engenheiro,

construir, mais tarde, casas para “alemães sem

voluntariamente esteve presente, gerenciando toda

teto”. Segundo Carlos Hofmeister, “a chácara

a concepção e construção do primeiro prédio,

foi batizada de ‘Três Figueiras’ pela Associação

inaugurado em 1962 (TELLES, 1974, p. 162).

Beneficente Educacional devido à existência de figueiras com idades avaliadas em mais de 300 anos” (HOFMEISTER, 1986, p. 33).

No momento em que as obras começaram nas Três Figueiras, lá no Velho Casarão os alunos comentavam entre si esse grande acontecimento.

Como se vê, a compra dessas terras não

No jornal O Clarim o jovem Antônio Petrick

foi com o intuito de construir nela uma escola.

assinou uma matéria onde salientava as vantagens

Afinal, o Colégio deveria estar onde estivesse

do novo educandário: espaço para o Grêmio

sua comunidade, no caso, na década de

Estudantil, salas mais apropriadas “para

1920, no Centro. Além disso, com os

os laboratórios de Química, Física,

meios de comunicação e a malha viária

Desenho e História Natural”.63

daquela época era uma aventura ir até a

Os

chácara... o dia tinha que ser bom, como

envolveram-se

muito

com a idéia de uma nova escola. O

afirma Bertschinger.

Grêmio Estudantil realizou eventos para

No entanto, as décadas foram passando, a

arrecadar dinheiro para as obras. O terceiro ano

infraestrutura urbana melhorando e a cidade

científico de 1961, junto com o professor Hans

crescendo para os lados de Petrópolis. Os alunos

Schmitt, fez “um levantamento demográfico

do Farroupilha, na segunda metade da década de

da cidade de Porto Alegre”. O objetivo era

1950, já estão mais dispersos do que em épocas

encaminhar esses dados para a Prefeitura que

anteriores. Eles moravam além do Centro, em

prometeu colocar linhas de ônibus “que passem

bairros como Vila Conceição, Moinhos de Vento,

pelas zonas em que há maior densidade de

Petrópolis , de forma que, nos anos 50, quando a

população farroupilhense”.64

62

mudança se fez necessária, e o terreno da Avenida Osvaldo Aranha não era mais adequado, decidiuse construir a escola na “Chácara”.

Mas não apenas de forma concreta a nova escola fazia parte do cotidiano dos alunos, de forma

O Clarim, 1956, p. 28.

O Clarim, 1961, 1º Semestre, p. 34.

63

62

168

alunos

O Clarim, 1961, 1º Semestre, p. 17.

64

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

subjetiva eles começavam a acalentar a idéia de uma

continuavam sendo acalentados. Assim, de um

“escola dos sonhos”. Muitas dessas idéias O Clarim

lado enxergavam escadas rolantes, no outro as

publicou a partir de uma entrevista realizada com

salas com projetores, e mais lá adiante um ginásio

vários alunos, onde a pergunta era: como deve ser o

de esportes... Afinal, a imaginação faz a beleza, a

novo Farroupilha? Eis algumas respostas:

alegria e o futuro. Quem sabe?

- Que maravilha, um colégio com escadas rolantes!

Na chácara Três Figueiras

- Deve ser um colégio com aulas grandes, arejadas e claras, e com bancos cômodos e espaçosos. - As aulas serão ilustradas com projeções

O

- Os recreios deverão ser mais

inaugurado

em

1962

possibilitou a formação, já em tempo, de um quadro funcional ampliado, permitindo maior projetos educacionais. Porque existe um momento em que o limite físico inadequado não

compridos no verão para se poder tomar

acompanha

banho de piscina.

as

necessidades

desses

projetos. O diretor da escola em

- Deve ter um gravador para as aulas

1961, Roberto Medaglia Marroni, em

de canto [...] e uma ótima coleção de

entrevista para o jornal O Clarim, com

discos.

riqueza de detalhes, concedeu uma

- Deve ter canchas de tênis, vôlei, basquete [...] um campo de futebol bem tratado.

entrevista sobre o novo prédio a ser inaugurado em breve: “Apesar da aparente simplicidade do edifício

- Um colégio sem aulas de latim.

atual que está sendo construído, as salas, as escadas, os

- Teríamos um grande ginásio para as aulas de Educação Física.

corredores, as aberturas apresentam o panorama geral

65

tão sadio e tão saudável [...]. Há salas para atividades especiais, como Trabalhos Manuais, Canto Orfeônico,

Quando chegaram à nova escola, podemos

Desenho e até a própria Educação Física [...] todo o

imaginar a sensação dos alunos frente a tamanho

revestimento das salas de aula é a prova de ruído, e as

espaço. Mas era tanto espaço que a mente sentia-

esquadrias são de alumínio, com vidros especiais para

se em liberdade, de forma que todos os sonhos

físico

respaldo técnico, pedagógico e psicológico dos

cinematográficas.

65

espaço

Ibidem, p. 34.

iluminação; enfim é um edifício moderno”.66

66

O Clarim, 1961, 1º Semestre, p. 18.

Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

169


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Mas o que é uma edificação construída em estilo moderno? O estilo moderno, muito resumidamente, foi uma particular concepção em relação à arte e à arquitetura ligada a um contexto onde a tecnologia e a cultura urbana foram dialogando, aliadas à ideia de “formas simples, harmônicas e compreensíveis”, buscando “uma relação entre arte e ciência” (MEDEIROS, 2007, p. 60). O moderno aliava tecnologia com necessidades práticas: “Esse prédio, quando foi inaugurado, era muito avançado, era de última geração. As portas abriam para fora para evitar acidentes como o acontecido, nessa época, em Los Angeles. Um incêndio no teatro de São Francisco, onde morreu muita gente, porque com o tumulto as portas não abriram” (Fernando Carlos Becker).67 É interessante lembrar que junto à modernidade do edifício havia a paisagem “rural” do espaço externo da escola: “Quando foi inaugurado, isso daqui era ‘o fim do mundo’. Nós vínhamos passear quando o prédio estava em obras e havia um tambo onde hoje é o Jardim Europa. Às vezes havia vacas pastando na nossa grama” (Vera Maria Hemb Becker).68   BECKER, Fernando Carlos. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012.

67

BECKER, Vera Maria Hemb. Memórias Sobre o Colégio Farroupilha. Depoimento concedido à historiadora Naida Menezes, na ABE de 1858. Porto Alegre, 14 de agosto de 2012. Onde hoje se localiza o Hotel Plaza São Rafael.

68

170

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Chácara Três Figueiras, 1938 Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

171


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Colégio Farroupilha, nova edificação no Bairro Três Figueiras - 1961

A comunidade escolar, nos primeiros anos, conviveu com problemas referentes às obras, falta

(Lily Lutzenberger).69

de canchas para esportes, mas, por outro lado, a

Por falar em lanches, no ano de 1961, um

pouca movimentação do Bairro Três Figueiras,

dos alunos entrevistados pelo Clarim afirmou

até a década de 1970, permitia certa liberdade que

que na escola de seus sonhos teria “um bar

faz lembrar os primeiros tempos da escola, lá na

superlegal”. Hoje todos os alunos que passaram

Avenida Alberto Bins:

pelo Farroupilha, as redes sociais comprovam70,

“Comprávamos sanduíches e biscoitos com cobertura de merengue em um mercadinho próximo

172

ao colégio, e adorávamos comer embaixo da figueira”

Depoimento concedido à Revista Farroupilha. In: Revista Farroupilha, julho/agosto.2012, p. 19.

69

Disponível em: <http://pt-br.connect.facebook.com/SouFarroupilha/ posts/386129854740133?comment_id=5049776&offset=0&total_ comments=14>. Acesso em:

70

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Colégio Farroupilha, nova edificação no Bairro Três Figueiras - 1961

lembram do bar superlegal e do prensado com maionese superlegal.

Colégio Farroupilha, Secretaria. Canteiro de obras à direita - 1961

O espaço físico do Colégio Farroupilha delimitava um micro universo onde as dimensões

A equipe da secretaria, já muito eficiente no

da sociabilidade, do saber e da subjetividade se

antigo edifício, potencializou as suas capacidades

entrecruzam. Esse entrecruzamento faz com que

no novo prédio. De acordo com os relatórios

cada geração crie novos usos, questionamentos e

anuais do Colégio, referentes à década de 1970, a

abordagens em relação ao espaço escolar. Mas em

Secretaria da escola era considerada pelo Governo

meio às reformas, novos prédios e novas tecnologias,

do Estado como modelo para todas as escolas do

duas das velhas figueiras continuam lá.

Rio Grande do Sul. Para compreendermos melhor os significados que envolvem o espaço escolar é interessante pensar um pouco sobre a arquitetura, sentindo-a como transmissora de sentidos e propulsora de reações: “Ao experienciar o espaço escolar – estar no local onde convergem todas as mensagens e significados espaciais – eles também reagem a estas mensagens, segundo as características próprias do universo escolar e suas intercessões com as realidades sócioculturais do espaço-tempo dado”.71

71

BENCOSTTA, Marcus Levy. CORREIA, Ana Paulo Pupo. História,

Educação e Arquitetura: um diálogo possível. Disponível em: <http://www.cbhe6. com.br/site/pdf/01_Livro_de_Resumo_VI_CBHE-2011.pdf>. Acesso em: 12.ago.2012.

Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

173


ABE 150 ANOS - O PASSAR DOS TEMPOS E A EDUCAÇÃO

Bairro Três Figueiras e Colégio Farroupilha, 1965

174

A excelência na história do Colégio Farroupilha


CAPÍTULO II

Vista aérea do Bairro Três Figueiras. Ao centro, Colégio Farroupilha e as figueiras – década de 1990 Espaço Físico – Entre Bondes e Figueiras

175


176


Vista aérea do Colégio Farroupilha na década de 2000. Percebe-se a grande evolução da instituição ao longo da história e o desenvolvimento do bairro no entorno de suas dependências.

177


178

Unidade Três Figueiras

Centro Cultural e Esportivo

Unidade Correa Lima

Sede Campestre

Laboratório de Biologia

Pista atlética


Conclusão

O

bservamos, questionamos, analisamos e assim fomos seguindo através dos tempos.

Como era de esperar, nada concluímos, porque a educação não é conclusa.

Ela suscita mudanças que acompanham, sendo causa e/ou consequência das transformações sociais ao longo dos tempos. No entanto, a partir da história de excelência trilhada pelo Colégio Farroupilha, foi possível compreender a viabilidade de reconfigurar tradições. É possível manter os princípios de disciplina, excelência, ética e responsabilidade se formos sensíveis à contemporaneidade. A história da Associação Beneficente e Educacional de 1858 demonstra que a instituição é e sempre foi sensível às necessidades das diferentes gerações, mas não abre mão dos referencias que lhe deram origem desde os primórdios da imigração alemã em Porto Alegre. As incertezas do século XXI têm reflexos na comunidade escolar, e o passado está aí, comprovando que é possível superar os desafios e aproveitar as oportunidades. Para uma sociedade que se reinventa ano após ano, a Associação Beneficente e Educacional de 1858 e o Colégio Farroupilha demonstram, através da sua história, que é possível acompanhar tamanhas transformações sociais e atender com excelência as mais profundas demandas de formação pessoal e profissional de cidadãos competentes e comprometidos com o mundo em que estamos inseridos. Se compreendermos a importância do passado e do presente para realizar os sonhos mais idealistas, podemos continuar contribuindo, e muito, com a prática da educação de que a sociedade precisa.

179



Presidentes da Associação Beneficente e Educacional de 1858 Período da Gestão

Alfred Schütt................................................1888

Ernst Ruperti................................................1858

João Bastian.................................................1889

Ferdinand Foelzer.........................................1859

Gustav Schmidt................................... 1890-1891

Richard Huch...................................... 1860-1862

Carlos Huber....................................... 1892-1895

José Gertum........................................ 1863-1864

Alfred Schütt................................................1896

Michael Heinssen.........................................1865

João Paetzel......................................... 1897-1902

Wilhelm J. Hasche........................................1866

Heinrich Daniel Meyer.................................1903

Emil Fraeb....................................................1867

João Paetzel..................................................1904

Wilhelm Ter Brüggen....................................1868

Felippe Becker..................................... 1905-1906

Johann Ernst Wollmann................................1869

João Fernando Krahe........................... 1907-1912

Wilhelm Ter Brüggen....................................1870

Jorge Bercht......................................... 1913-1918

Michael Heinssen.........................................1871

Rudolf Deppermann.....................................1919

Georg Pfeiffer...............................................1872

Otto Heymann..................................... 1920-1925

Wilhelm Ter Brüggen....................................1873

Carl Wilhelm A.Mücke........................ 1926-1934

Emil Fraeb....................................................1874

Robert Machemer................................ 1935-1938

Friedrich Arnold Engel.................................1875

Dr. Rodolfo Ahrons............................. 1939-1946

Wilhelm Ter Brüggen....................................1876

Dr. Frederico Ritter.............................. 1946-1947

Richard Huch...............................................1877

Carlos Tannhauser............................... 1948-1955

Alfred Schütt....................................... 1878-1882

Egon Renner........................................ 1956-1965

Carlos de la Grange............................. 1883-1884

Octavio Fauth...................................... 1966-1983

Balduin Röhrig.............................................1885

Jorge Guilherme Bertschinger.............. 1984-2010

Carlos de la Grange............................. 1886-1887

Fernando Carlos Becker....................... 2010-.......

Presidente

181


Diretores do Colégio Farroupilha (1886-2012) Diretores Gerais

Período

Peter Gerlach....................................... 1886-1889 Luiz Grünewald (em substituição).................1889 Pastor Christian Kleikamp................... 1889-1895 Pastor Emil Gans..........................................1896 Pastor Christian Kleikamp................... 1897-1907

Diretores do Curso Primário Diretoras Período Professora Wilma Gerlach Funcke....... 1948-1966 Professora Vera Elisabeth R. Matte....... 1967-1988 Professora Maria Clotilde Azzarini....... 1989-2000

Pastor Otto Meyer................................ 1908-1924 Professor Robert Mangelsdorf .............. 1925-1928 Professor Hans Kramer........................ 1929-1939 Dr. Álvaro Difini.................................. 1939-1949 Dr. Roberto Medaglia Marroni............. 1950-1961 Pastor Rodolfo Jacob Schneider............ 1962-1968 Professor Lucien Jean Felicien Thys..... 1969-1983 Professor Hans Joaquim Sille............... 1984-2000 Roberto Py Gomes da Silveira.............. 2000-2010 Magda von Galem............................... 2010-2012 Marícia da Silva Ferri........................... 2012-.......

Fonte: Do Deutscher Hilfsverein ao Colégio Farroupilha 1858/1974 (TELLES), 1974, p.220-221.

182


Variações do logotipo do Colégio Farroupilha Variações do logotipo do Colégio Farroupilha atravésdos dos tempos através tempos

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