Axis Mundi - Miguel Gontijo

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GUEL NTIJO Belo Horizonte, 2019


Circuito exposição de artes - 4ª edição Pronac 178540 - Proponente: Elaine Machado de Lima Soares AXIS MUNDI Miguel Gontijo Organização: Robson Soares Fotografias: Gustavo Djalma Samuel Oliveira Textos: Augusto Nunes-Filho Fabrício Marques Jacob Klintowitz Miguel Gontijo Projeto gráfico: Ideiário Design - Clara Gontijo Meu agradecimento a Robson Soares, Hildeu Delaretti Junior, Manfred Leyerer e aos colecionadores Ricardo Pentagna Guimarães e Segismundo Marques Gontijo.

Dados Inter nacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG) Gontijo, Miguel Ângelo, 1948-. Axis mundi: Miguel Gontijo / Miguel Ângelo Gontijo; organizador

G641m

Robson Soares. – Belo Horizonte (MG): Ed. do Autor, 2019. 240p. : il. color.; 20 x 28 cm. ISBN 978-85-909998-3-6 1. Arte brasileira. 2 Gontijo, Miguel Ângelo, 1948-. Crítica, inter pretação, etc. I. Soares, Robson. II. Título. CDD 700.981 Elaborado por Maurício Amor mino Júnior – CRB6/2422

© Copyright 2019, Miguel Gontijo Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização do artista. [Forbidden reproduction in whole or part without the artist’s permission]

Patrocínio:

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MINISTÉRIO DA CIDADANIA

MINISTÉRIO DA CIDADANIA


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AXIS MUNDI MIGUEL GONTIJO Index Rerun et Vervorum (Índice de Coisas e Verbos) Pinturas, bico de pena, raspagens, cópias, mutilações, apropriações, roubo, associação, citação, sobreposição, construção, demonstração, acúmulos, emendas, rasgos, alinhavos, patchwork, escritas, poesia, etc.

Este livro é para Miguel e Pedro.


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A Vallourec Brasil, líder em soluções tubulares premium, sempre pautou suas atividades pelo desenvolvimento econômico ancorado na sustentabilidade, com especial ênfase na conservação ambiental e responsabilidade social, bem como ao apoio a projetos de incentivo à cidadania, cultura e desenvolvimento. Esta atuação tem a finalidade de beneficiar as comunidades próximas às áreas de atuação, contribuindo para a construção de um futuro socialmente mais justo e equilibrado. Com investimentos anuais diretos e também com recursos provenientes das leis de incentivo, a empresa apoia projetos direcionados à cultura, educação, esporte e meio ambiente. Mantendo o nosso compromisso de apoiar e estimular as artes plásticas, sentimo-nos honrados em apoiar mais este trabalho do artista Miguel Gontijo. O livro AXIS MUNDI (Centro ou Umbigo do Mundo) abriga a obra e fortuna crítica de Miguel Gontijo. São opiniões críticas e analíticas de jornalistas, escritores, críticos de arte, durante toda a fase de atividades do artista. Diferente do livro anterior – “Pintura Contaminada”– , que abriga a obra pictórica, a obra agora em questão privilegia os desenhos e os “Livros de Artista” produzidos ao longo de vários anos. Convidamos o leitor a abrir este livro, adentrar no mundo de Miguel Gontijo, e se deleitar com suas obras que transbordam força, impacto e poesia. Hildeu Dellaretti Junior

MIGU GONT


SUMÁRIO

06 20 25 97 117 169

Ensaio fotográfico do atelier do artista / Samuel Oliveira Diálogo eletrônico / Jacob Klintowitz O Extraordinário e Pop, Barroco e Fantástico Mundo de Miguel Gontijo / Fabrício Marques Jalousie - um conto / Miguel Gontijo Obreiro da Arte / Augusto Nunes-Filho Index Rerun et Vervorum ( Índice de Coisas e Verbos )


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Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam; poetas ruins desfiguram o que pegam e poetas bons transformam em algo melhor, ou pelo menos diferente. O bom poeta amalgama o seu furto a um conjunto sensĂ­vel que ĂŠ Ăşnico, completamente diferente daquele de onde foi removido. T.S.Eliot


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O que inova é o tempo, soprou-me Francis Bacon. E eu, de maneira inopinada, articulo jogos de influências. Nunca sei, quando faço algo, se é intertextual ou se uma simples influência. Fica um pouco do seu queixo no queixo da sua filha, arremata Drummond. Só me descubro após o fato consumado. Antes e durante, nunca! O meu movimento é um processo que transforma o que existe no que não existe. E vice-versa. Retorço o que faço numa verdadeira fúria de adversidades e jogo amarelinha com o acaso. Sou capaz de ver em qualquer trabalho meu o dedo barroco o dadá ou pop ou surreal ou impressionista ou até mesmo uma reedição de um mosaico. Estou pra todos os lados. Piso no minimalismo, escorrego na arte grega, danço tango com o construtivismo, perco-me nas linhas quebradas do cubismo, germinam sementes do hiper-realismo e me ensaio numa morte cacofônica orquestrada por conjunções astrológicas. Estou emoldurado em um presídio de sabedorias. É terrível não poder confundir Géricault e Delacroix; e acabar tropeçando e caindo sobre um inexpressivo Paul Delaroche, sem reconhecê-lo. É terrível ter que ficar atento à traição do olhar, quando Mantegna é miríade de Botticelli e, na realidade, é um Filippo Lippi encarapuçado. Quando foi mesmo que Bosch se perdeu e passou a se atender por Brueghel? Para que tenho que ser íntimo de Veronese e assentar à mesa das Bodas de Canaã? Para que aprendi a extrair a raiz quadrada dos números se até agora jamais sei para que serve isso? Para que esse discurso íntimo, em latim, se não consegui entender onde os dois esses substituem o cê-cedilha? Minha moldura me define, arma a cena, joga-me em palavras labirínticas, que se enrolam, tropeçam e quedam-se numa planície silenciosa que abriga um descarte de coisas. Há sempre um lugar onde tudo começa e eu acabo. E, no meio disso, vivo sob a poeira dos astros a despencar, controlando minha alergia ao pó, que aspiro das asas do Espírito Santo.


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Há um Miguel que adora Malevitch e outro Miguel que acha que ele perdeu foi o seu tempo. Há um Miguel que vê em Cézzane um gênio e fica horas a observá-lo e outro que acredita que chegaríamos no mesmo lugar sem se pensar tanto em maçãs. Era só comê-las! Há um Miguel que tira o chapéu para Gogh e outro que tira o chapéu só para comparar a bandagem de suas orelhas. Há um Miguel que é a chave de todos os enigmas que formula e outro que não empresta o óleo para lubrificar a fechadura. Há um Miguel que sabe dançar a “dança da chuva” e outro que anda sob uma “chuva de canivetes”. Não me enquadro em nenhum crepúsculo.


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AXIS MUNDI Flaubert disse que quanto mais os telescópios forem aperfeiçoados mais estrelas surgirão no céu. Por isso faço questão de inventar sempre um novo telescópio a fim de não deixar nenhum espaço para o nada. Tudo tem que estar denso, compacto. Eu e meu umbigo de mundo, minha cicatriz luneta. Umbili(cus) umbílico. Umbigo umbela. Um\bela umbigo. Umbela a se fazer de céu. Umbela a me proteger do sol. Umbra, umbral, parabólica. Pelo umbigo me defino, pelo um eu me redimo, pelo bigo - ‘tô de boa!’- e me insiro.


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Ao longo dos anos um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. E ele o povoa com imagens de reinos, montanhas, ilhas, moradas, astros, cavalos e pessoas. Pouco antes de morrer descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem do seu próprio rosto. Jorge Luis Borges A primeira impressão que se tem do meu trabalho é que a minha referência artística é Bosch e Brueghel. Engano. O que não se lê é que minha estrutura como artista e cidadão se deve a Monteiro Lobato. É nele que se encontra o meu “Axis Mundi” – meu umbigo de mundo particular. Reinações de Narizinho foi o primeiro livro que li e reli e passei a viver no “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Usei a ‘planta básica’ desse sítio para recriá-lo no meu espaço imaginário e vou acrescentando coisas a ele, tal qual D. Benta. Nos moldes da biblioteca do Visconde de Sabugosa, a minha biblioteca começou a se formar cheia de histórias em quadrinhos, que eu copiava os desenhos exaustivamente. Tudo começou com o personagem de Joe Shuster - o Super-Homem - que me ensinou a voar. Junto veio a turma da Luluzinha, que me encantava com seus patins e neves desconhecidas. Com o passar dos anos as estantes foram preenchidas por outros gibizeiros: Crumb, Quino e Crepax, Henfil. E os espaços foram gradativamente modificando-se para dar entrada a Ray Bradbury, Fernando Pessoa, Vonnegut, García Márquez, Bachelard e Eco. Só então, na sala desse meu sítio, é que se veem quadros de Bosch, Brueghes, Velasquez, Magritte, Picasso, sempre com alguma coisa nova a me ensinar, mesmo tendo as tintas desbotadas e as telas picadas por algumas traças. Ah, sim!... tem Farnese e Joseph Cornell espalhados por toda casa. Íntimos, no meu quarto, as paredes são forradas de Heinz Edelman, William Kentridge, Peter Blake, Tom Phillips, Lindner, David Hockney. Nas noites de saraus os Beatles viajam no trenzinho caipira assoviando Hey Jude. E, de quebra, dividem parceria com Raul e Caetano. Na cozinha, até hoje, não mudei quase nada. Prevalece o arroz, feijão, bife e os bolinhos de chuva. Porém, na dispensa, as prateleiras estão repletas de sopa Campbell’s , de sabão Brillo, do fermento Royal, das lâminas Gillette, Biotônico Fontoura e do pavoroso gosto do Óleo de Fígado de Bacalhau. Ah! sim. Mudei as cadeiras da varanda. Essa é uma mudança significativa. Coloquei ali as cadeiras do Charles Eames. Cheguei a convidar o arquiteto Calatrava para fazer uma reforma na casa, mas desisti. A estrutura dessas paredes e seu estilo são imutáveis.


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Buritizeiros atapetam todo o entorno e a minha visão. Uma beleza só! Fellini é visitante exclusivo. Depois apareceu Peter Greenaway só para confundir. Borges aparece para tomar pinga em noites de lua clara. Se as histórias de D. Benta vão do saci à mitologia grega a poços de petróleo e aos distantes astros, na minha casa também viajo sem pensar no destino final. Embarco nos livros condensados de Reader’s Digest até a chatura incompreensível do Ulisses, de James Joyce. Pelas decadentes fotonovelas do Grande Hotel assisto a Fellini dirigindo festas de congado. Voto pela internet na minha música preferida dos festivais. Ainda ouço as radionovelas Gessy-Lever e tenho preferência por Watergate; fico atento a Jerônimo, o herói do sertão, para ver onde a Lava Jato vai desaguar. No mesmo Sputnik que o pessoal do sítio viajou, eu também peguei carona só para visualizar Gisele, a espiã nua que abalou Paris. As garotas do Alceu também transam nos catecismos do Zéfiro. Canto aos berros na cova da Iria no céu aparece a virgem Maria, com o mesmo remelexo do Pablo Vittar. Cubro a cabeça de medo de Alziro Zarur e blasfemo contra deus e o diabo na maior tranquilidade. Trafego pelo ‘Blog do Simão’ da mesma forma como enfrento a língua viperina do Nelson Rodrigues. Divido páginas da revista O Cruzeiro com a Interview e provo que Andy Warhol é o desenhista do Amigo da Onça e que o lindo Pererê é cruzamento do Ziraldo com Gisele Bundchen. Convidei Spielberg para refazer os seriados do Shazam. Se ele aceitar, serei eu que viverei o papel. Por certo as pessoas acreditam que cometo crimes devido a tantas histórias que Karl May prazerosamente enxertou no meu cérebro, através do Winnetou. Por isso conheço mais os peles vermelhas do que os maxakalises e pataxós. Danço bolero e funk e entristeço ouvindo Teixeirinha cantar sua mãezinha tostada no fogo. Esse é um pequeno exemplo de uma enxurrada de etcccccccc, pois Pulchra enim dicuntur quae visa placent, me benzeu, são Tomás de Aquino, quando fui fecundado in vitro . Chama-se belo ao que agrada a vista. Moro nesse universo díspar, paradoxal e confesso: - com tanta informação meu cérebro ficou pisca-pisca, composto de blackout, tal qual os trabalhos que faço e os exibo vida afora. Acredito que esses trabalhos são letreiro desta minha existência, enganando-me, para que eu creia que ela é glamorosa. “... é que o mundo será sempre um imenso livro sem texto, cabendo a nós legendá-lo. Se a ciência procura decifrar seus mistérios, a arte inaugura mais mistérios.” G. Bachelard


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DIÁLOGO ELETRÔNICO 3 e-mail messages

Date: Mon, 13 Oct 2014 13:18:10 -0300 Subject: Gontijo From: jklinto To: miguelgontijo

Miguel, uma dúvida: Gontijo é de origem italiana? Abraço forte, Jacob Em 13 de outubro de 2014 14:21, Miguel Gontijo escreveu:

Montijo, espanhol. Há na França uma rainha (ou princesa?) bastante famosa com esse sobrenome. Um lado de minha família conta que os Montijos roubaram a coroa espanhola e fugiram para o Brasil e trocaram o M pelo G. Já o lado mais nobre agarra nessa princesa (ou rainha?) como símbolo da sua arrogância. Da minha parte gosto mais da versão contraventora. Mesmo porque eu sou um ‘falso’ Gontijo, pois meu pai recebeu esse sobrenome da sua mãe, que morreu do parto, no seu nascimento. Eu deveria ser Lacerda. Ou Pereira, cristão novo. Abraço, saudade, Miguel Em 13 de outubro de 2014 15:18, Jacob klintowitz escreveu:

Alguma coisa me dizia que o seu nome era a própria ficção. Uma história belíssima. O falso Gontijo que, por sua vez, é um nome falso, adulterado, para fugir da perseguição da Coroa. E, desde sempre, na fuga com parte do tesouro imperial nos alforjes, esquecem uma menina que perambulava pelos bosques em busca de frutas silvestres. É esta menina que se torna proprietária de um burgo, a Terra dos Montijos, duquesa na província, devido a vários papéis adulterados, no que se revelou uma verdadeira Montijo. É esta mesma figura feminina que se casará com o Duque do Nobre Esforço, senhor de terras a leste e oeste, príncipe herdeiro da Valorosa Coroa Imperial, quarto na sucessão, tornado Príncipe de Entrerios, por bons serviços prestado à nobre casa. Daí Princesa Montijo de Entrerios. Quanto aos Lacerdas e Pereiras, homens de solidéu e manto sagrado, descendentes do iluminado Jeremias, estes convém, por ora, esquecer, mas guardar referências, pois sempre existe a possibilidade de que venha a se instalar na Terra o Novo Reino de Judá e, neste caso, caberá a você a confecção do Livro Sagrado da Terceira Escritura, cujos ensaios já vi em sua casa e, no meu caso, como amigo da família e narrador oficial, eu me contentarei em escrever a Nova Gênesis, o Eclesiastes Revisitado e o Cântico dos Cânticos, que será o meu testamento poético antes de me libertar da prisão carnal e ascender ao Céu dos 36 Justos. Abraço forte, Jacob


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Palavradores - 2015 Escultura



Vinte Centavos Acrílicas/óleo sobre tela 2,14 x 1,70 m Coleção Particular


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O EXTRAORDINÁRIO E POP, BARROCO E FANTÁSTICO MUNDO DE MIGUEL GONTIJO Fabrício Marques

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Uma casa talvez consiga reproduzir o universo interior de seu proprietário, como acontece, por exemplo, com o artista plástico Miguel Gontijo. Logo nos dois ambientes da sala, em meio a diversos objetos como cristaleira, castiçal, jarros de porcelana, piano, um relógio de parede bem antigo, pontificam nas paredes dezenas de quadros de autoria própria e de artistas das mais diversas tendências e faturas, como Mariza Trancoso, Marcos Benjamim, Siron Franco, João Câmara, Marcelo Grassmann, Marco Túlio Resende, Sergio Vaz e Leo Brizola, além de esculturas, máscara de madeira oriental, o desenho de um putto e imagens sacras. Mais alguns passos e entramos no estúdio, com estantes repletas de livros de arte e de ficção, além de oratório, santos, dois divinos Espíritos Santos, um globo terrestre, um esqueleto humano, o crânio de uma onça, miniaturas da Mafalda, Chapolin, Simpson, Mickey, Minions, Legos, bonecos do Super Homem, Pinóquio, Ursinhos Carinhosos, o mestre Yoda de Guerra nas Estrelas, porta-retratos, uma placa do armarinho São Miguel, latas antigas de marcas como Royal, Singer, Lipton, caminhõezinhos de Shell e Kibon, flores de origami, uma minibicicleta, uma garrafa vazia de Coca Cola. Eis aí, sem rodeios, uma parte da pletora de referências que Miguel encontra todos os dias ao acordar, muitas vezes antes das cinco da manhã. “Com ou sem exposição estou sempre à procura de algo no meu estúdio. Acordo de madrugada acreditando que irei ‘pintar uma Mona Lisa’. À medida que o dia avança, minha Mona Lisa vai desmilinguindo-se, até sumir na realidade que me aponta dizendo que ainda falta muito para chegar onde meu desejo quer”, diz o pintor, que completa 70 anos em 2019. Em mais de 50 anos de carreira, sua trajetória contabiliza 25 exposições individuais, 53 exposições coletivas, 11 participações em salões de artes oficiais, sem contar os destaques, publicações e distinções, como o prêmio Mário Pedrosa da Associação Brasileira de Críticos de Arte, recebido em 2011. Suas obras estão em acervos públicos nos Estados Unidos e, no Brasil, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, no Paraná e em Santa Catarina. Miguel Gontijo nasceu em 1949 em Santo Antônio do Monte, no Centro-Oeste mineiro, a 185 quilômetros de Belo Horizonte. Na pequena cidade, começou a pintar e desenhar “desde sempre”: “Copiando Superman, devido aos superpo-

deres que eu cobiçava, Luluzinha, pela ingenuidade, e a neve, que era um mistério encantador e só acontecia no Natal dos outros”. Desenhar, para o artista, era um bilhete para as pessoas ficarem mais próximas. “Eu não me adequava às brincadeiras dos meus colegas. Não jogava bola, não nadava, não atracava em socos nas ruas. Porém queria ficar junto deles. A forma que consegui enturmar foi a de saber desenhar, e eles, não. Todos queriam um Superman desenhado no seu caderno e eu, assim, achei meu bilhete de entrada para o ‘clube’. E, acredito, faço isso hoje, pelo mesmo motivo”. Seus pais, o industrial Miguel Lacerda Gontijo e a professora Diva Souto Gontijo, viveram 60 anos juntos e foram muito felizes. “Nós somos seis irmãos. Quatro mulheres e dois homens. Eu, meu irmão e meu pai vivemos dentro de uma família matriarcal. Meu pai morreu faltando meses para completar 100 anos. Seus últimos anos foram de grande tristeza pela perda de minha mãe”. Em 1965, mudou-se para a capital mineira. Solteiro, morou no Barro Preto. Em 1977, casou-se com Lete, baiana de Medeiros Neto. Tiveram duas filhas, a designer Maria Clara e a fonoaudióloga Mariana, ambas casadas. Sempre moraram na Região Noroeste de BH, primeiramente no Coração Eucarístico e, nos últimos vinte anos, no Dom Cabral. “Passei a morar em Belo Horizonte aos 16 anos, sozinho, quando vim estudar. Minha família acreditava que no primeiro feriado que retornasse à minha terra eu não voltaria para cá, pois era muito agarrado a eles. Engano. Nunca pensei em voltar. Gosto muito daqui. Sou sedentário e não gosto de mudar de casa. Livraria, teatros, cinemas e galerias são meus eternos passeios. Tenho uma grande sensação de pertencimento a essa cidade e à região onde moro”, comenta. Na tarde de 21 de abril de 2017, dia de Tiradentes, Miguel Gontijo mostrou-me, em sua casa, algumas das obras que fariam parte de sua então mais nova exposição. Em um canto, havia o que ele chamou de “brinquedos tridimensionais”, criados com figuras de Guernica – o célebre painel de Picasso. No chão, o livro-objeto “Meu passado te condena”. Nas paredes, quadros evocando a babel bíblica, em que Gontijo põe em prática seu “academicismo torto”.


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A abertura de “Babel”, reunindo 60 obras inéditas, aconteceria quase um mês depois, no dia 18 de maio, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, do Palácio das Artes. Nela, os visitantes se deparavam com uma grande instalação ao começar a percorrer os labirintos – iam surgindo também pinturas, desenhos, assemblages e objetos. Logo no início da mostra, Miguel também ofereceu uma possível chave para entrar em seu mundo: “Chamo minha “não-escrita” de incunábulo. Ao mesmo tempo que significa origem, incunábulo também se refere ao impresso produzido nos primórdios dos tempos. Eu a chamo de incunábulo porque ela ultrapassa o sistema de letras do alfabeto. A “não-escrita” interage com a escrita, não com a leitura. Nos meus textos as coisas perdem seus nomes, as frases perdem suas regras. Passa a existir não mais uma informação objetiva, mas uma reinvenção da poesia. Dizer o indizível. Depois de Gutemberg, o mundo ficou cheio de palavras, significados e regras. Eu as destruo para interagir com a escrita. Escrevo de uma outra forma”. A exposição “Babel”, assim como a obra de Miguel, é uma miríade de releituras, uma mistura de sagrado e profano, de tradição e ruptura, de alto e baixo repertórios culturais e artísticos, uma espécie de máquina que coloca no mesmo patamar presente, passado e futuro. “Nesse contexto” - pergunto a ele - “como você opera a sua particular antropofagia cultural?”. Responde o artista: “O encontro do Passado com o Futuro é exatamente o Presente. E eu estou (estamos) aí. Pronto para devorar tudo. Muitas vezes sou cobrado por não ter uma obra genuinamente nacional. Porém não posso. Minha formação se fez nos livros e nos filmes americanos. Vi muita neve de algodão enfeitando árvores de Natal; quem me contava histórias era Sherazade; a moura era torta; índios tinham atitudes; Tarzan e Fantasma recusaram-se a morar na Floresta Amazônica; John Kennedy foi tão meu presidente quanto JK; foram os Beatles que cantaram no quintal da minha adolescência. Sou composto de uma confusão de coisas e, acredito, se começar a separá-las perco minha identidade. Até prefiro verde e amarelo, mas não vou desprezar todas as outras cores que compõem a minha paleta de pintor”.

Na infância, seu irmão o proibia de ler HQ. Como é essa história? Houve um período, na década de 1960, que os quadrinhos foram demonizados. Alegavam que eles eram prejudiciais à aprendizagem. Nessa época introduziram nas capas das revistas o selo de “Código de Ética”, uma censura por faixa etária. Minha mãe, que era professora, nunca me proibiu de ler essas revistinhas. Já meu irmão, mais velho que eu seis anos, tornou-se meu censor-mor. Uma vez, estava lendo uma revista que pertencia a ele: “Lassie”. De repente ele aproximou-se, tomou a revista de minhas mãos e foi à nossa mãe se queixar de que eu estava lendo uma revista “para maiores de 13 anos”. Eu devia ter oito. A mãe amenizou e pediu a ele que me deixasse ler a revista que não fazia mal algum. Ele jogou a publicação em mim e saiu furioso, alegando que nossa mãe iria se arrepender porque na revista a Lassie estava parindo. Olhei para minha mãe com cara de interrogação e ela deu de ombros, sorrindo. Era como se eu, um menino do interior, não pudesse ver um animal parindo. Ah, sim. Acirrada, minha curiosidade sai à cata do parto da cachorra. Não tinha nada. O desenho apenas mostrava um pano com uma ninhada de cãezinhos em volta da mãe. Você diz que, geneticamente, é filho de bojudas igrejas barrocas”. Como assim? Na minha cidade havia uma igreja barroca, cujas paredes e a disposição dos altares arredondavam-se, abrigando-nos como se fosse um grande útero. Se hoje eu não professo um Deus e vivo em eterna ‘crise de identidade’, foi dentro dessa bojuda igreja barroca que moldei a minha moral, minha ética, meus medos, minhas ilusões e frustrações. Você afirma que na sua cidade natal, e especialmente na sua casa, tudo era verbal. Muitas palavras, livros, revistas. Fale um pouco desse período, e diga se essa época, de algum modo, contribuiu para o uso posterior de “textos verbais” em suas criações.

Já disse que sou um pintor infiel e que estou a serviço da poesia. Gosto muito da palavra. Sou um Nesta entrevista, que foi concluída em me- escritor frustrado. A minha formação foi através da ados de março de 2019, ele fala de lances de sua leitura. Li muito. Aos dez anos já conhecia toda a obra infantil do Monteiro Lobato; já tinha lido trajetória e de sua maneira de encarar a arte.


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Machado de Assis e dizia aos professores que não gostava (estranho é que até hoje não é meu prato preferido!) Não sei passar um dia sem ter lido alguma coisa. Meus conhecimentos nas artes plásticas não passavam de notícias da revista “O Cruzeiro” e três quadros que minha tia copiava vagarosamente de um cromo europeu, cheio de neve e ursos. Acho que foram as histórias em quadrinhos que me apontaram uma direção. Não só as lia vorazmente como ficava copiando desenho por desenho as cenas que mais me atraíam. Lembro-me de muitas vezes abandonar o texto da história e ficar apenas olhando os desenhos. Nos meus quadros, eventualmente aparecem palavras, mas em quase todos fica apenas registrada a punção do ato de escrever. Uma grafia que se propõe um texto e que não existe como tal. Um rastro, uma sombra, um hieróglifo, um desejo. Faço desenhos de palavras não ditas. O que proponho é a escrita como estética. Afinal, a escrita nasceu da imagem. Na adolescência, entre os livros que despertaram sua atenção estão “Gisele, a espiã nua que abalou Paris”, personagem criada pelo jornalista David Nasser em 1948, e “Winnetou”, do escritor alemão Karl May, não é? Na casa de meus pais tinha uma estante comprida, cheia de livros do Karl May. Acho que apenas eu li esses livros lá em casa. As histórias eram quase sempre iguais. Índio e o bandido a duelar. Justiça/ injustiça. Adorava aquilo. Se saía dessa seara, embrenhava nas selvas africanas do Tarzan de Edgar Rice Burroughs. Só fugia desse universo para ir encontrar com a Gisele. Paris era logo ali. Hoje acredito que o título é que incendiava meu cérebro. Em sua escrivaninha está o livro russo “Piquenique na estrada”, dos irmãos russos Arcady e Boris Strugatsky, escrito em 1971 e publicado na ex-União Soviética em 1977. O que te atrai na ficção científica? Adoro ficção científica, se bem que não tenho encontrado mais obras que me domine (A última que me pegou foi a que você citou). A FC se presta facilmente à subversão imaginativa de qualquer status quo. Ela parte de conceitos imaginativos e ficcionais e suas consequências. Melhor dizendo, a obra se presta à construção de um mundo novo.

E acredito que essa é a função da arte em todos as suas subdivisões. Tenho que comungar com Ferreira Gullar quando diz que “a arte existe porque a vida não basta”. Só quero deixar claro que “querer e construir um mundo especial” não nos torna um alienado. Talvez, um homem mais ilustrado. Reler hoje um Dostoiévski, que retrata brilhantemente uma realidade do seu país, na sua época, tem para mim o mesmo efeito de uma obra de FC. Aquele universo está situado dentro de um mundo totalmente desconhecido e vivenciado por mim. Devo salientar que sobrevivo muito bem entre realidades e fantasias. Se quero vida real, leio jornais e noticiários e descubro que estamos numa grande merda. Então, ainda bem, tenho para onde fugir. Acho importante falarmos também de sua formação literária e suas preferências nessa área. Gostaria que comentasse um pouco sobre a poesia de Fernando Pessoa e a prosa de Kurt Vonnegut, Lúcio Cardoso (especialmente “Crônica da Casa Assassinada”) Dostoiévski (sobretudo “Crime e Castigo”) e Ray Bradbury, outro nome de ponta da ficção científica. Como contribuíram para sua obra? Lúcio Cardoso me mostrou um país rural, caótico, doentio. E como estrutura de romance, mostrou-me a multiplicidade de visões que pode estar contida em um mesmo fato. Vonnegut me pegou pela sua estrutura narrativa. Sua forma de falar tão próxima, tão real, por mais absurda que fosse o que está dizendo. Fala claro, sem subterfúgio, e produz ‘ganchos’ que nos amarram até o fim de seus romances. Bradbury me seduziu pela poética. Seus mundos artificiais ainda são muito próximos de mim e passaram a existir de verdade no meu cérebro. Reli inúmeras vezes O Vinho da Alegria. Se cometo o crime de escrever, a forma de sua escrita baixa em mim como se fosse uma entidade. Qualquer hora viro charlatão e vou psicografá-lo apenas para conhecer ‘suas’ novas histórias. Isso é uma ameaça! Dostoiévski é a força que me falta. Encanto com o arrojo com que domina sua escrita e seus enredos. O apuro nos detalhes. Conta uma história como se você fosse o personagem da trama. O mundo interno tem tanta importância quanto o externo. Há muitos anos li Crime e Castigo e até hoje parece


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que conheci e convivi com a dor e a miséria de Raskólnikov. Creio que isso é devido à descrição e aos diálogos internos que fazem com que seus romances se aproximem de um ensaio sobre a psicologia humana. Já Fernando Pessoa deixa aflorar meu lado feminino. Seja pela sutileza das palavras e pela forma enviesada de atingir seu objetivo. Também me cobre de curiosidade esse seu lado de possuir vários heterônimos. Queria possuir esse dom e viajar dentro de mim sendo outros. Acho que sua inteligência atiça meu lado chorão, brega e romântico.

papel uma mulherzinha diminuta. Odila, ao ver aquilo, apagou meu desenho e pediu que usasse o papel como um todo. Tentei, porém a mulher, agora, não mais cabia no papel. Ficou faltando espaço para as pernas e um pedaço do braço. Devo a Odila minha permanência por três meses nesse curso. Foi ela que me mostrou as possibilidades da arte e minha possibilidade de tentar ser um artista. Foi ela que me fez participar do primeiro salão de arte e me incentivou a continuar tentando.

É fato que quando você veio de sua cidade natal para Belo Horizonte você não se sentia aceito por seus pares? Como você proAlém desses autores, há outros escritores cedeu nesse ambiente? que fizeram a sua cabeça? Sempre fui muito tímido. Fiquei de lado, só de Vale ressaltar que vários outros autores me fizeolho. Eu era aceito (e acredito bem amado), mas ram. Esses, junto com Monteiro Lobato, mexeram meu trabalho não. Talvez eu devesse ter me imposna minha estrutura. Porém, quero salientar outros to com mais veemência. Ou até mesmo indagado dois, com linguagens e posturas literárias diferenporque não era aceito. Se o que fazia na minha tes, García Márquez e Guimarães Rosas. Foi Garcidade era meu passaporte para ‘enturmar’, aqui cía Márquez que me fez ver que, mesmo nos reele não tinha essa validade. Só me restou acreditar petindo, poderíamos ser novos; e com Guimarães que o que fazia não era bom. (Porém, eu só sabia entendi a necessidade da procura e da lapidação fazer isso!). Talvez minha vida seria encaminhada do lado mais corriqueiro e simples da vida. para outro lado se não fosse a jornalista e crítica de arte, Maria do Carmo Arantes. Ela que disse: Em 1969, você foi reprovado no vestibu- “Não! Vamos à luta”. lar de Medicina e entrou em um curso de História da Arte na Escola Guignard. Que lembranças tem dessa época? Refiro-me também ao seu encontro com a aula de Desenho, que parece ter sido uma revelação para você, naquela altura.

Tomar bomba no vestibular significava voltar para casa dos pais e preparar mais um ano para o novo vestibular. Eu não queria voltar. Em frente ao Palácio das Artes havia uma faixa dizendo “Curso Livre de Arte – matrículas abertas”. Isso me apareceu como opção para ficar por aqui. Avisei meus pais e me matriculei. De fato, queria fazer um curso de História da Arte. Fiz minha matrícula, porém o curso tinha todas as matérias, menos História da Arte. No primeiro momento pensei em desistir. Foi a professora Odila Fontes que me levou para a sala e disse: “desenhe!”, e armou para mim um cavalete com papel e lápis. Era uma aula de modelo vivo. No centro da sala uma gorda modelo nua. No papel ficou registrada a minha timidez diante da situação: desenhei no canto inferior do

Existem pessoas que aparecem nas nossas vidas para dar a ela novas direções. Se não fosse Odila Fontes a dizer: “Experimente!”, é certo que ainda estaria copiando os desenhos dos quadrinhos. E Maria do Carmo Arantes, por um longo período, me fez acreditar no que fazia. Foi através dela que se desdobraram minhas possibilidades. Fez a minha primeira exposição, mandava meus desenhos para salões de arte sem eu saber, e ficava mais feliz que eu quando ganhava um prêmio. Mãezona. Não apenas me protegia, sua cria, como vários outros artistas que estavam iniciando nesse momento. Depois apareceu o colecionador Manfred Leyerer, e, como um bom alemão, organizou tudo isso. Pode falar um pouco da época em que morou no Barro Preto com o artista plástico Marcos Benjamin e o fotógrafo Aderi Costa? Nessa época você já tinha consciência de que seu caminho era o da pintura e das artes plásticas?


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No último ano da década de 1960 minha casa mais parecia uma comunidade. As portas estavam sempre abertas. Nessa época convidei o Benjamim e o Aderi para morar lá. Tinha uma grande admiração pelo talento do Benjamim e pelo profissionalismo e inquietude do Aderi. Ficamos juntos até que cada um se casou. Essa casa foi a escola de arte que não tive. Vivenciei lições que me servem até hoje. Foi lá o meu encontro com Arlindo Daibert, que me ensinou a “pensar” um quadro não apenas como um objeto estético. Nessa casa conheci Farnese de Andrade, que me mostrou o prazer de jogar tudo para cima e achar novos sentidos quando catamos os cacos. Com o Aderi aprendi a ver a composição e a luz de uma imagem, antes da “coisa” acontecer em uma fotografia; esses, dentre outros encontros felizes. Alguns encontros passaram despercebidos, como, por exemplo, uma vez que Afonso (Oliveira) apareceu com um amigo lá em casa e passamos a nos encontrar várias vezes. Só depois de muito tempo é que eu descobri que esse amigo era Hélio Oiticica. Claro que eu já tinha ouvido falar em parangolé e afins, porém esses encontros nada significaram. Outros encontros não foram aproveitados porque endeusei e transformei a pessoa num personagem, como foi a minha convivência com o Álvaro Apocalypse. Alguns conhecimentos foram adquiridos silenciosamente. Conheci Marco Túlio Resende na nossa juventude e passei toda a minha vida admirando a sua obra e sua capacidade de síntese. É certo que ele nunca suspeitou disso. “Arte é aquilo que você faz na hora. Mona Lisa, hoje, é documento.” Como assim, Miguel? Toda arte assimilada culturalmente é de muita importância para a cultura. Depois que a arte firma seus propósitos para o que veio, ela deixa de ser arte e passa a ser um documento histórico como qualquer outro documento pertencente a arquivos. É objeto de estudo e pesquisa e de grande valia para conhecer o pensamento da passagem do homem aqui na Terra. O “período de vida” onde um objeto de arte se transforma em documento histórico é curto e ínfimo e está sempre abrindo brechas para que novas conquistas sejam feitas. A arte é um acontecimento, uma inauguração, uma tomada de consciência e só é arte no momento em que isso se evidencia e não se deve repetir. Esses acontecimentos são esparsos e raros.

Você já fez dezenas de exposições individuais. Como é o processo de elaboração delas, de forma geral? Existe algum tipo de sofrimento para fazê-las? Há um fio condutor em todas elas ou você foi mudando com o tempo a concepção de produzi-las? Meu processo sempre foi o mesmo. Acho um fio condutor e o persigo. Sem sofrimento e com muita garra. O sofrimento é quando tudo fica pronto. Por várias vezes, pouco antes da abertura da mostra, sofria de uma dor lombar imensa e, algumas vezes, ficava travado sem poder andar. Minha família é que “descobriu” que isso era uma forma de autossuborno e que só acontecia em véspera de exposições. Não gosto de vernissages. Após a abertura da mostra, aí, sim, vem o sofrimento. Chego a ficar deprimido. Sempre com uma sensação de que poderia fazer melhor. Nunca fiquei satisfeito com o resultado do que faço. Porém, dentro das contradições de meu cérebro sabotador, nunca me furtei em recusar um convite. Aceito com prazer. Você comentou comigo sobre uma série ainda inédita de sua versão para uma espécie de Zéfiro psicodélico. Quando e como foi criado? No Brasil de hoje ele seria patrulhado, não seria? Durante o movimento Pop de setenta, dentro da linha psicodélica que assolou o mundo, apropriei-me de desenhos consagrados da nossa cultura e os lancei dentro das cores e formas desse movimento. Fiz isso com Debret, com Eckhout, com Almeida Júnior, Portinari e outros. Cheguei a ganhar prêmios com esses desenhos. Fiz também com os quadrinhos pornográficos do Zéfiro. Porém, esses, até hoje, não consegui ninguém que me deixasse mostrar. Até mesmo agora, na feitura desse livro, temos dúvidas se devemos ou não reproduzi-los. Você já disse, reiteradas vezes, que, sendo um pintor, a Pintura nunca foi sua área de interesse. “Estou mais preocupado com uma estética dos sentidos do que uma estética da forma. A minha busca sempre foi atrás de uma imagem que fala.” Você poderia explicar o que é a pintura para você, o que seria essa “imagem que fala”?


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A pintura é uma forma de expressão através da luz, da cor e da forma. Eu não tenho esse desejo de diálogo. Luz/cor/forma foram bastante estudados pelos modernistas. Uso esses recursos, muitas vezes de forma errada, como suporte para “contar uma história”, tentando fazer com que esses erros pictóricos pareçam acertos gráficos. Nessa tentativa de “contar história” vou unindo coisas justapostas tentando, assim, abrir uma caixa de diálogo com o expectador. Quando digo “imagem que fala” é como se eu me referisse à esfinge, ou ao Pau que Fala dos aborígenes.

niqueísmo entre o belo e o feio, bem e mal, o que traduz a herança de sua formação de filósofo e historiador.” Você concorda com essa definição? O que sua formação nessas duas áreas trouxe para sua pintura? Trabalhei até aposentar na área de processamento de dados e nunca pleiteei ser um historiador ou um filósofo. Sou muito egoísta. Estudo para mim. Para a minha pintura, tudo é serventia. O que o José Alberto disse acredito ser uma verdade, porém não é apenas uma herança da minha formação acadêmica.

Em “Bibliotheca”, de 2014, você afirma: “Não sei o que é nascer artista. Trabalho – e muito! - para desenvolver uma forma específica de me comunicar. Meu único dom é a obsessão”. Você considera que alcançou essa forma específica? Como a caracterizaria?

A exposição “A pedra da melancolia”, de 2004, dialoga diretamente com a gravura de Dürer Melancolia I (1514). Na apresentação do catálogo, você diz que desta gravura só restou a pedra. Se daqui a cem anos, um crítico do futuro se confrontasse Eu não alcancei nada. Nasci assim. Sei que um obses- com a obra de Miguel de Gontijo, o que ele sivo é um “doente” e essa doença não me desagrada. poderá dizer que restou dela? Talvez, ao longo da vida, eu tenha me moldado lenGostaria de dizer loas para você do meu futuro. tamente. Mas isso ficou num plano inconsciente e eu Mas não posso. Só sei que sou um fazedor de coisas, nunca fiz análise à procura de me decifrar. De certa atirando-as de um lado para o outro. Acredito que forma, encontrei uma forma de felicidade em ficar Dürer também não sabia que a pedra dele ia acafazendo garatujas e lançá-las “ao mar”. bar acertando a minha cabeça. E acertou. Sangrou feio! Mas por enquanto minhas pedras são de isopor. O que o levou a incluir nessa mostra a redação para a professora no curso ginasial, Por que você diz que o resultado de seu trabano início dos anos 1960, bem como os deselho (se referindo à Pedra da Melancolia, mas nhos dessa fase? também a outras mostras) é pura trapaça? Quanto aos desenhos, acredito que para um jovem Não podemos colocar arte no mesmo patamar de 11 anos, eles eram (são) bastantes audaciosos e da vida. A esfera dela é outra e o que ela tenta é muito me orgulho deles, hoje. Estavam plenamennos oferecer idealizações, sonhos, transvestidos de te sintonizados com o momento e eu não passava vida. Essas concepções podem até a se materializar de um jovem interiorano, com quase nenhuma inem vida, mas isso é outra história. formação nessa área. Hoje, nesses desenhos eu me reconheço um artista. A redação escolar entrou no catálogo da mostra pelo mesmo motivo dos dese- A presença do humor e da ironia é uma canhos. Há nessa redação uma história em sincro- racterística importante de muitas de suas nia com o Realismo Mágico, que virou febre na exposições, como, por exemplo, em “I Modi literatura latino-americana. E, depois, a curadoria, – Cenas de Amor e Guerra” (2008). Você nessa exposição – “Bibliotheca” - tentou fazer um concorda? É uma estratégia poderosa para apanhado de todo meu processo de trabalho. tratar de temas como sexo e poder, amor e Falemos de “Miguel e o Ornitorrinco”, de 2012. O José Alberto da Fonseca disse que “cada um de seus quadros sugere uma visão crítica, ideológica, distanciada do ma-

guerra, não é? O Jacob Klintowitz chegou a dizer, em 1981, que você pertence à estirpe dos satíricos (nesse sentido, penso também nos objetos-poema: “Pelo olho devoro o mundo. A cor do meu sorriso”, da mostra “Bibliotheca”).


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O humor é essencial em tudo na vida. A sátira e a farsa são formas de dizer coisas sem levantar bandeiras. É falar através de viés. Eu não gosto de arte engajada, em estar a serviço de uma bandeira. Temos que estar disponíveis, aberto, rindo (e chorando) por tudo. I Mode foi uma das séries em que comparei dois períodos distintos da nossa história. Um período revolucionário através da guerra e outro através do amor. Todas as duas imagens usadas por mim nessa série eram pré-renascentistas, e a situação que as envolvia era o mundo de hoje. Na série de pinturas “Círculo Vicioso” (2008), você diz: “o que represento são profanações, pois não há nada que se torne público sem ter sido profanado. (…) Nada mais tem critério de verdade ou de objetividade, mas uma escala de verossimilhança”. O que são exatamente essas profanações, como podemos entendê-las? Comungo com a teoria de que a vida é cíclica. Estamos presos à lei do eterno retorno. O que é sagrado hoje deixa de ser amanhã, e vice-versa. A cultura não é estanque e a beleza da arte é esse questionamento de valores, a proposta de novos caminhos e desvios. Arte é antes de tudo audácia, coragem para chutar o balde, profanar o status quo vigente. É a falta de regras, é transposição, é transgressão de limites. A mostra “20 Centavos” (2013) é uma intervenção muito crítica, de certo modo engajada, à maneira do que chamamos de poesia de circunstância, um comentário muito preciso a um momento dramático da história do Brasil, que persiste até hoje. Como você mesmo diz, é um diálogo entre dois tempos. Você pode falar um pouco dessa mostra? E qual o significado pra você dela hoje, com os eventos dramáticos que todos acompanhamos na vida política do país? Colhi as imagens na internet, sentia-me indignado com cenas que via. Fiz essa exposição no calor do momento, por isso, hoje, eu me envergonho de tê-la feito. Já disse que não gosto de arte engajada e acabei sendo circunstancial. (Veja bem: eu não devia ter feito essa exposição no momento efervescente em que a fiz; porém, gosto de ter feito os qua-

dros, que desvinculados da situação tornam-se um trabalho à parte.) Existem dois personagens dentro de mim: um artista e um cidadão com CPF. De vez em quando um atropela o outro. É claro que há um intercâmbio de influências, porém os dois pensam iguais. Ao artista cabe, a todo custo, ser mais sutil. Em sua exposição “Almanaque”, de 2016, você apresenta duas séries de pinturas, “Jornal de Ontem, Arte de Hoje” e “A Construção de um Mundo (escorço, esboço, cálculos, considerações e tragédias”. Essa exposição, como você mesmo diz, tenta “inventar” um novo almanaque, levando em conta a memória, o saber popular e a história cotidiana de um homem perdido no excesso de informações ao dispor dele. O que essa exposição representa no conjunto de sua obra? Para onde esse “Almanaque” aponta? Minha obra sempre aponta para mim mesmo. Assim que terminei essa exposição (“Almanaque”) entrei em pleno processo de outra mostra, dessa vez denominada “Babel”. Grosso modo, “Babel” é o oposto do “Almanaque”. Se no “Almanaque” eu falo do excesso de informação, dessa vez eu falo da falta de comunicação. Ou melhor: da informação não assimilada, que acaba gerando o caos. Sempre digo que, ao longo da existência, fiz apenas um único quadro. Um quadro que vou fragmentando vida afora. Uma obra é construída junto com a construção da nossa vida. Absorvendo culturas e o nosso sentimento de mundo. A obra é o reflexo disso. Não tem como desprender-me do que sou composto e reiniciar-me numa página em branco. É fluxo contínuo. Embora ela (obra e vida) lhe ofereça múltiplas pontas, todas são depuradas igualmente, na mesma fonte. Gostaria muito de poder dizer, tanto da minha vida como para o meu trabalho: “agora sou outro!” Não posso. Sigo o fluxo. Você atribui alguma hierarquia, em seus quadros, à palavra e à imagem? Nos meus quadros as palavras (e/ou pseudotextos) possuem a mesma hierarquia. Para mim a palavra é também uma imagem. Nos meus quadros esses sistemas se cruzam, através de apropriação dos signos.


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O que mais o atraiu nos pintores flamengos, a ponto de eles terem sido sua primeira e inesquecível paixão? As belas ilustrações do “Tesouro da Juventude”, as iluminuras reproduzidas nas bíblias e a maioria dos livros ilustrados que via em minha casa, estampavam quadros dessa época. Talvez advenha disso essa paixão. Porém, sinto que hoje essa paixão já está esvaecida, morna, contemplativa. Talvez tenha se transformado em amor. Sou muito infiel quando se trata de paixão artística.

pinturas que refletissem a iconografia do país e, essencialmente, a cultura de Minas Gerais. “Enfim, fazer um trabalho verde/ amarelo. Ou melhor: vermelho e branco.” Nesse sentido, por que você diz: “Acho Minas muito igual. O que tem de “muitos” são seus mistérios”?

A icnografia mineira é bastante mostrada, seja pela fotografia, pela literatura, pelo artesanato e até mesmo nas artes plásticas. Quando cursava História fiz uma série de aquarelas à maneira de Debret, retratando ciclos e coisas mineiras e tentando casá-las com a política da época atual (anos 70). Mas, rapidamente descobri que meu trabalho não tem É correto dizer que Picasso, Van Gogh, Brue- o poder de retratar essas cenas. Queria liberdade, gel e Dürer estão entre suas principais refe- exigia espaços e multiplicidades. Meu trabalho fala rências? Por quê? Quais as características de de outras coisas. Ele pretende ver o mundo pelo avesso. A série “Miguelianas” procura ver o que cada um que mais chamam sua atenção? tem por detrás desses arquétipos mineiros. Quando comecei a desenhar, conscientemente, desconhecia Bosch e Bruegel. Porém eles já estavam presentes nos ambientes que criava. Quem A apropriação de imagens alheias, em esme mostrou a obra de Bosch pela primeira vez foi pecial de objetos da indústria cultural, é o professor Carlos Wolney, no período em que es- uma referência marcante de seu trabalho tive na Guignard. Se nesse momento foi como en- – seus quadros podem parecer uma colacontrar “minha família” e tivesse investido muito gem, num certo sentido. Só nas “Miguelianesse encontro, dois ou três anos depois iniciei uma nas” podemos fazer um rápido inventário: forte batalha “para matar” esse pai dentro de mim. creme dental Kolynos, Aleijadinho, GranNão consegui. Até hoje tento camuflá-lo, despistá- de Otelo (Macunaíma), Gato Felix, Goya, -lo, mas lá no cantinho estão eles a me humilhar. cigarro Hollywood, Lexotan, bombom soOs missais de minha vó, como os de minha mãe, nho de valsa, Picasso, carta de tarô Emulcabia a Durer ilustrá-los. As cenas do apocalipse são Scott, Teodore de Bry, Saunders, Irving me faziam perder horas a olhá-las. Copiei inúme- Penn, Andy Warhol, sal de frutas Eno, céras vezes em meus cadernos escolares. Queria de- dula Cruzeiro, Tarzan, Toddy, Melhoral, Mickey, Mônica, do Maurício de Souza, senhar como ele. chicletes Adams. Você pode dizer como, na Picasso me ensinou, já adulto e artista, o exercí- criação de seu trabalho, essas imagens escio da liberdade. Como já disse, a pintura nunca pecíficas chamam sua atenção para se desme seduziu, e foi quando dei de cara com Guernica, locarem do local de origem delas para os onde a pintura é abandonada em segundo plano seus quadros? em detrimento a uma ideia, para um desenho liberto e um rico grafismo, que assumi que era isso São imagens canibalizadas numa tentativa reorgaque eu queria para minha vida. Em quase todos nizadora e reconstrutora. Pretende-se sempre que meus quadros a lampadazinha de Guernica está pre- a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Bachelard afirma que ela é antes a faculdade de sente me avisando do seu poder sobre mim. deformar as imagens fornecidas pela percepção. É Van Gogh é um grande pintor. Mas eu sou apenas sobretudo a faculdade de libertar-nos das imagens um expectador do seu trabalho. primeiras, de mudar as imagens. Se não há mudança de imagens, união inesperada das imagens, não há imaginação. Para Bachelard, se uma imagem As “Miguelianas”, de 2012, nasceram de presente não faz pensar numa imagem ausente, se uma tentativa de produzir uma série de uma imagem ocasional não determina uma prodi-


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galidade de imagens aberrantes, uma explosão de imagens, não há imaginação. Para ele, o vocábulo fundamental que corresponde à imaginação não é imagem, mas imaginário. Embora não use a técnica tradicional de tesoura e papel, grosso modo pode-se dizer que meu trabalho é uma colagem. Só que é uma colagem feita com pincel/tinta/deformação. Acredito que essas imagens não sejam citações e, sim, apropriações. É o meu abecedário. São imagens que me inspiram. Paul Valéry disse que “o verdadeiro poeta é aquele que nos inspira”. Essas imagens (e seus autores) são para mim “verdadeiros poetas”. Elas permeiam meu trabalho como jogos de associação, ou para dizer aquilo que em sua origem lhe foi negado de dizer.

Os quadrinhos me ofereciam imagens/texto/fantasia. Colecionava as revistinhas compulsivamente. Foi através delas que descobri que sabia desenhar, e meus colegas não.

Muito embora você afirme que abomina o onírico, você pode considerar que eventualmente algum espectador pode identificar seus quadros dessa forma? Ou está mais para a irreverência do dadaísmo? Sobre essa ligação com o dadaísmo, penso em “Enquanto você me olha”, de 2007, com a Série “Manual de instruções” (“Instrução para se picar o fumo”, “Instruções para que você saiba que ceci n’est pas”, “Para se Quero deixar a sensação de que fiz uma colagem comportar na hora da merenda”, “Para eliem minhas pinturas. Esse jogo de gato e rato, real minar Super Homem da Renascença” etc.) e imaginário, herdei do dadaísmo, utilizando esSim. Por várias vezes ouço alguém fazendo ligasas dualidades com um propósito anárquico; ou do ção do onírico ao meu trabalho. É um direito deles cubismo, dando à obra, deliberadamente, um du(ou um desvio meu?). O que eu quero é que meu plo sentido. Porém, raramente, fiz alguma colagem trabalho diga alguma coisa. Não o quero transpanos meus quadros. rente ou definido. Não quero uma obra estanque. Por mais que queira dominá-lo, é preciso que ele também perca as rédeas. Suas definições cabem ao É correto afirmar que seu trabalho está esespectador. truturado no triângulo literatura, quadriPara mim o surrealismo banalizou muito o onírinho e cinema? co e me incomodam quadros cheios de chavões, Sim. Quando criança conhecia o mundo pelos filachados, transcendências. Incomoda-me o “bem mes e não perdia nenhum. Ficava imensamente incomportado” em qualquer situação e talvez aí se feliz quando a censura não me permitia assisti-los. encontra a pegada Dada em meus quadros. Várias vezes entrei no cinema escondido. Enxergava o mundo mais pela ótica do cinema americano do que pela mineiridade do meu espaço físico. AlMuitos identificam seu trabalho com o gumas vezes não entendia nada do que acontecia no barroco. De qual barroco exatamente pofilme. As legendas passavam rápidas demais, ou, endemos falar? tão, não dominava o assunto. Mas não tinha importância. A sedução era pelas imagens. O meu quintal Saí das catedrais e dos palácios. Sou um barroco dos supermercados, dos shoppings, perdido na verera habitado por personagens que falavam inglês. tigem do preenchimento da internet. Um barroco A literatura era um vício. Aprendi a ler com seis da confusão das formas e do excesso. anos, sem ajuda de ninguém. Felizmente meus pais me abasteceram de livros. Pelo “Tesouro da Juven- Embora essa identificação seja comumente de tude” viajei todo mundo e com Monteiro Loba- caráter pejorativo, como se eu não fizesse parte to descobri o que era ser brasileiro. (Nesse ponto, do contexto contemporâneo, estou, sim, inserido devo salientar a importância de Lobato em meu nessa escola. Seja pela herança cultural, seja pela trabalho. Tal qual Dona Benta, que recebia perso- forma que elegi para me expressar. Quando me exnagens de todo o mundo, sejam deuses do Olimpo, presso, insiro-me numa perspectiva que contempla sejam habitantes de outras histórias, os meus qua- aspectos subjetivos da ambiguidade, do excesso e dros também percorrem esse discurso e estão aber- da repetição. A forma labiríntica que componho tos a qualquer personagem que queira enriquecer a narrativa e a profusão de paródias acentuam essa característica, deixando tudo parecer um demeu “sítio” particular.)


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vaneio. Hoje, vários teóricos defendem a ideia de que o barroco não só define um período da história da cultura, mas também uma atitude generalizada e uma qualidade formal dos objetos que o exprimem. Ser barroco é uma categoria do espírito, oposto ao clássico. De que forma sua estética pode ser aproximada dos diretores Federico Fellini e Peter Greenaway?

pre soube que pagaria um alto preço por isso. As pessoas procuram (e querem) a placidez das imagens e das cores. O público aceita a “Mulher que Chora”, de Picasso; “Saturno Devorando o Filho” de Rubens; “O Sabá das Bruxas”, de Goya e “A Cabeça de Medusa”, de Caravaggio, entre outros, é pelos seus autores, não pela obra. Foram necessários 500 anos para que Bosch saísse dos porões dos museus. Foi necessário uma estrela pop – Madona – tornar-se colecionadora pública de Frida Kalo para que ela passasse a ser cultuada. Mesmo reconhecendo essa dificuldade que meu trabalho enfrenta, não vou abrir mão da estética que escolhi. Normalmente as pessoas querem obras que não exijam nada delas.

De Fellini gosto do grotesco, do sutil, da elegância. De Greenaway fica em mim o “sujo” e a sobreposição de imagens. Uma situação que diz uma coisa e diz outra oposta, ao mesmo tempo. Criamos narrativas de duas pistas. Quando me aposso de uma imagem quero dar a ela as feições e, ao seu espaço, É correto afirmar que a grande maioria de o enquadramento felliniano; já às sobreposições, suas exposições foi feita em espaços cultudesinquietudes e acúmulos, identifico-me com o rais, como “Enquanto sô Lobo não vem”, cinema de Greenaway. de 2009? Qual a importância desse fato para você? Por que você diz que gosta da “ideia de pin- Quase toda minha jornada foi feita em espaços tura”, e não da pintura em si? culturais. Embora não tenha planejado isso, esse Pintar exige ferramentas que não possuo e seu dis- foi o caminho que consegui e muito me orgulho curso nunca me seduziu. Sou seduzido pela ima- dele hoje. Meu trabalho não prima pela estética gem e para produzi-la lanço mão da pintura para da beleza tradicional, pelo prazer decorativo, ou abrir uma caixa de diálogo. Sou mais um desenhis- pela placidez que a imagem possa oferecer. Muitas ta que pinta e, quanto pinto, sou mais um gráfico vezes ele agride e sempre nos obriga pensar. Não que um pintor. Uso a pintura como serventia na pairo tranquilo nas paredes, mas defino muito bem a personalidade do dono da casa. As galerias coconstrução de uma imagem. merciais não querem isso. Embora esse conceito esteja mudando, raras foram as galerias que me Se você fosse um espectador de seus qua- procuraram. O que acho estranho nesses meus 50 dros, por onde começaria a olhá-los? Por anos nessa carreira é que galeristas daqui emitem opiniões a respeito da minha forma de agir e penonde entrar neles? sar, porém nunca foram a uma exposição minha, Greenaway disse que mesmo tendo sempre o pennunca tiveram a curiosidade de me procurar e nem samento voltado para o contemporâneo não somos tão pouco de me telefonar. (Não quero generalizar. nada sem a memória e a comparação. As compaA minha exposição na galeria Quadrum me deu rações são sempre pessoais e subjetivas. Por isso eu muito prazer em fazê-la e na convivência com os não ofereço portas de entrada no meu trabalho. Na seus proprietários.) maioria das vezes as coisas aparecem aos borbotões. Isso é providencial, pois pretendo que cada espectador pegue na ponta que desejar e invada o quadro. No catálogo do “Laboratório Genético do A beleza plástica não me seduz. O que procuro é o algo que desperte meu pensamento, e a tradução do insigne para com as Artes Plásticas. A imagem do sublime é de fácil aceitação quando se trata de uni-la à beleza e à poética do pieguismo. Elegi fazer trabalhos através da estética do grotesco. Sem-

Dr. Leugim Olegna: ressignificações: livros, homens, bichos e coisas”, de 2014, você recorda de uma vez em que entrou com seu pai em um museu de cera de história natural – “senti nojo e enjoo. Também sinto desconforto e atração pelos livros


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ilustrados de medicina”. E o que você sente quando considera um quadro adequado (pode-se dizer pronto?) para ser mostrado às pessoas? Um artista precisa de audácia. E muita! Quando dou por findo um quadro eu não tenho certezas e sim muita insegurança. Ele pode se apresentar como o museu de cera da minha juventude, mas também pode ser um plácido jardim. Ao mostrar o quadro pronto é como se colocássemos um termômetro nele. E, assim, vou adequando-o, ajustando-o, constantemente. Ao olhar para trás, como você enxerga o conjunto de sua produção? Você consegue encontrar características gerais de seu trabalho ao longo de todo esse tempo? E o que diferencia sua produção atual das suas buscas iniciais? Nunca tive uma busca inicial. Passo a vida fazendo. Uma coisa meio instintiva. Quando algo me emociona vou lá para ver. Por mais que tenha passado por estágios diferentes, persiste uma linha condutora nesses trabalhos, que acredito ser a minha identidade pessoal. Essa minha identidade é toda maculada por outros artistas que me antecederam. Sou múltiplo e não acredito em obra genuína. Às vezes, se uma trabalho plástico não se resolve por si, lanço mão da literatura e vou para outro espaço. Outras vezes, onde nem a literatura nem o trabalho plástico se resolvem, gostaria de lançar mão do cinema, mas aí a coisa muda. Fica só o desejo e uma certeza de ‘fazer’ uma obra onde só eu sou o expectador. Para alguém que cresceu em Santo Antônio do Monte, pequena cidade do centro-oeste mineiro, você ainda se sente desconfortável com a designação de “artista”? Nunca vou me acostumar. Ainda não sei se acho a palavra artista muito poderosa ou um retrato de alguém que não deu nada na vida. Intelectualmente, acho a “profissão” de artista algo muito forte e especial. Porém a designação serve para qualquer coisa e, principalmente, para identificar alguém habilidoso. Qualquer pintor de fim de semana que enfeita a casa da tia é artista. Qualquer extravagância é obra de um artista. Qualquer poder faz um artista.

Eu respeito e gosto muito de arte. Não sei e nunca vou saber se o que faço é ou não arte. O meu trabalho, quando pronto, passou por um processo de depuração muito grande dentro de mim. Muitas perdas, muitos ganhos, muitos desvios, a ponto de minha opinião a respeito do que fiz estar completamente contaminada para que eu o julgue. Só me resta atirá-lo ao público e ver no que dá. Estou sempre de costas para o que faço. E é o meu trabalho que vai me definir como artista no papel da história. E essa definição não está a meu serviço.

[Edição revista e ampliada de entrevista originalmente publicada no “Suplemento Literário de Minas Gerais, edição 1.373, de julho/agosto de 2017] * Fabrício Marques é jornalista e escritor. Doutor em Literatu-

ra Comparada pela Faculdade de Letras da UFMG, também atuou como professor de cursos de Jornalismo entre 1999 e 2012. Foi editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais” e colabora com publicações de todo o país, como a “Folha de S. Paulo e o “Estado de Minas”. Publicou, entre outros, “Uma Cidade se Inventa - Belo Horizonte na visão de seus escritores” (Scriptum, 2015), finalista do Prêmio Jabuti de Livro-Reportagem, “Wander Piroli: uma manada de búfalos dentro do peito” (Conceito, 2018), a “A Máquina de Existir” (poemas, Pedra Papel Tesoura, 2018), e “Fuera del alcance de la memoria” (antologia bilíngue, Vallejo&Co, 2019).


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Cada um tem a capela que merece 42 x 30 cm - dĂŠc. de 90 - bico de pena


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Nov(o)elo 47 x 32 cm - dec. de 80 - caneta Bic


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Bang bang 42 x 30 cm - dĂŠc. de 80 - caneta Bic


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Adão X Eva, Durer X Miguel 42 x 30 cm - déc. de 80 - caneta Bic


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Dáprés Brasil 41 x 31 cm – aquarela – 1968 \ 1970


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Dáprés Brasil 41 x 31 cm – aquarela – 1968 \ 1970


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Dáprés Brasil 41 x 31 cm – aquarela – 1968 \ 1970


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Dáprés Brasil 41 x 31 cm – aquarela – 1968 \ 1970


Dáprés Brasil 41 x 31 cm – aquarela – 1968 \ 1970


Dáprés Brasil 41 x 31 cm – aquarela – 1968 \ 1970


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Entrevista do artista 38 x 28 cm – bico de pena e aquarela – 1982


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S/T 42 x 30 cm – bico de pena e guache – 1982


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Enquanto isso na sala da justiça 125 x 83 cm – acrílico e óleo s\tela – 2011 Coleção particular

Exercício de Guerra 98 x 75 cm – 2011 – acrílico e óleo s\tela Coleção particular

S/T acrílico e óleo s\tela Coleção particular


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Licour 100 x 80 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular


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All Time 130 x 87 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


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O Muro 156 x 90 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018



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Tempus Fugit 156 x 90 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018


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Relicários I, II, III 40 x 40 cm – acrílico e óleo s\tela – 2019


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Eu e Você 72 x 40 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018


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Super herói 94 x 73 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018


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Guernica 72 x 71 cm – acrílico e óleo s\tela - 2018


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Diário Mínimo 65 x 55 – acrílico e óleo s\tela – 2018


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As visões de D. Maria 156 x 90 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018


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Natureza morta 156 x 90 cm– acrílico e óleo s\tela – 2018


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“Matiz” (meu pai e Clara) 118 x 80 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018


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Ah! sim. Sou um grafômano! Bom... acho que sou se grafômano for o que eu estou pensando que é. Para que seja, evitarei dicionários. Assim serei.

Carne 94 x 73 – acrílico e óleo s\tela – 2018


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Monólogo para o Pato Donald 1,37 m diâmetro – acrílico e óleo s\MDF – 2015


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O amigo da onça 1,37 m diâmetro – acrílico e óleo s\MDF – 2006 Coleção particular


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Roteiro de viagem 1,37 m diâmetro– acrílico e óleo s\MDF – 2018 Coleção particular

Carne Crua 50 x 31 cm – acrílico e óleo s\tela – 2019


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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Série: Vinte Centavos 60 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular


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O banho 89 x 70 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


- 95 As três graças 163 x 94 cm – acrílico e óleo s\tela – 2012 Coleção particular

Mulheres abortadas IV 156 x 90 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018 Coleção particular


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“Sob controle” (autorretrato) 77 x 52 cm – acrílico e óleo s\tela – 2004 Coleção particular


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JALOUSIE Miguel Gontijo

Não gosto das lamentações autobiográficas, e a história que agora narro não é por insolente narcisismo, mas sim para garantir a qualidade testemunhal dos fatos que apresento. Cutucando daqui, fuçando dali, descobri-me equino! Mais para um pangaré deprimido, inepto, desnutrido e melancólico. Um bicho fuçador que quanto mais fuça menos pérolas encontra, mais feno devora, mais merdas excreta (sei que essa coisa de fuçar e de pérolas são coisas de porcos, mas nesse caso é tudo a mesma coisa). Pelo cheiro da minha merda atraio outros e outros cavalos, que vão chegando a galope, molhados de chuva, ou de suor - não sei! Cavalinhos surrados e a maioria domados por um zé ninguém. Tantos e tantos que acabou todos relinchando através de minha boca e, assim, tampando minha voz. Uma coisa é certa: quem convive com cavalos cheira a cavalos. Brilhante dedução! e, depois... isso é coisa de um ex-presidente. Estou sempre em crise. Ora sou um surrado pangaré, ora um centauro, ora um unicórnio. Que preço alcançaria em um desses leilões milionários? Quantos páreos já corri em elegantes jóqueis? Teria eu talento para levar um choque no cu para verter esperma que valem milhares de dólares? Talvez sim, talvez não. Sem muita certeza, digo: - Sou um cavalo! Porém: um centauro! Metade homem, metade cavalo. Aspecto refinado, cuja vida foi traçada a lápis sobre o impudico tecnicolor do universo. Sou um contador de história, um afetivo, um mentiroso. Também o mais ordinário, o mais frívolo, o mais vagabundo, que tendo chegado ao fundo só me restou a invencionice. Honrado seja. Para produzir-me metade humano, adquiri refinamento graças a uma enciclopédia. ‘História da Arte’, fascículos, da Abril Cultural, comprados peregrinamente, semana a semana, burilando-me e, assim, fazendo-me elegante, majestoso e taciturno. Foram os fascículos que colecionei que amarraram minhas patas não me permitindo dar coices. E foi, também, esse refinamento que me fez perder o que existe e a ficar entregue a um langor solitário. Passei a vaguear nesse mundo sem uma meta, de cocheira em cocheira, tornando-me especialista em coisa nenhuma. Visto que todas as coisas do mundo real podem ser impossíveis, contraditórias, incompatíveis, recessivas, anti-históricas e não existem dependendo de como elas são vistas, procurei elucidar as razões pelas quais coisas reais não podem existir. Após ter escrito um longo tratado a esse respeito, vou levando a vida assim assim. Dito isso dou de cara, na rua, com um unicórnio. Delicado, alvo, classudo, nobremente pastando no jardim da praça. Fizemos, de longe, gestos amigáveis e me aproximei, devagar.


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_ Sabe como captura um unicórnio? indagou-me e respondendo em seguida: expondo em sua frente uma virgem. Cordialmente ele me perguntou se eu estava ouvindo a música. Prestei atenção e percebo um som saindo de um alto-falante, ao longe, muito longe. _ Reconhece? _ Não. _ Jalousie. Um tango. É o prefixo do cinema avisando que a sessão vai começar. Foi nesse momento que relembrei que há muito tempo não presto atenção nesse piano furioso, cheio de glissando, pontuado por metais coléricos e uma melancolia sangrenta cruzando a brisa de uma quase noite. Houve um longo tempo em que essa música convidava-me, incontáveis vezes, a vivenciar a possibilidade de eu não ser eu. De ser John Weissmuller, John Wayne, John Winchester. Uma infinidade de Johns e de letras Ws. De não ser Miguel, nem Silva. Essas notas musicais eram como uma sereia a cantar, cujo propósito era o mesmo das suas mitológicas irmãs marinhas: afogar-me num mar de sentimentos que não eram meus e que são locatários de espaços ociosos que habitam dentro de mim. Tal qual um marinheiro, eu perseguia o som dentro da noite, atônito, travestido de sonhador, embrenhando-me na sala escura do cinema, à procura de alguma coisa. E me fazia colorido, preto e branco, tridimensional, engolindo egoisticamente todos os sonhos daquela sala escura, daquela rua, daquela cidade pequena, afogada em langor e sono. Eram momentos de rendição onde o mundo tomava posse de todo o meu corpo. Nesses tempos eu era um álbum de figurinhas a ser preenchido, repleto de envelopes para serem abertos e descobertos. E me deixava afogar com a música\sereia, assustando meu cérebro com a falta de oxigênio. Era um tempo em que ainda não havia chegado os cavalos. (não sei precisar quando eles chegaram.) Não lembro se chegaram em tropas, um a um, e nem sei quando eles tomaram minha voz e relincharam por mim. Só agora descubro que foram os relinchos que ensurdeceram os acordes de Jalousie, fazendo-me um morto sem túmulo, ensurdecendo o meu projeto de alma. Foram os cavalos galopando comigo, sem eu saber aonde ia, que me conduziram a uma eternidade baça. Jalousie está assobiando ao vento e eu fico sem saber como dar prosseguimento à conversa com o unicórnio. Observei-o, (re)cumprimentei-o e me perdi na falta de assunto. Ignorei seu olhar inquisidor e por delicadeza declarei-me vil sem horrorizar-me: celebrei a nobreza da terra que nos acolhia, elogiei a suavidade do clima, as obras de arte. Mostrei-lhe a cidade, seus ignaros habitantes e a mim próprio. Minha conversação era fantasiosa, volúvel e ele ouvia calado e cúmplice.


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Escrevendo isso, pergunto: será que houve entre nós algum diálogo? Algum encontro? Será que unicórnios conversam com centauros, ou com pangarés? Será que as notas do Jalousie não passam de um engodo de sons ritmado pelo trote da cavalaria? Não serão as patas, ao bater nas pedras, que criaram esse tango travestido de música? Para que responder a isso? O que sei é que essa história une meu eu-cavalo a um unicórnio branco, belo e delicado, perdido nas ruas de minha cidade. E uma música potente e sedutora, que tenta nos amarrar como se fosse um cordão umbilical. Sou um prisioneiro de palavras que inventam realidades e aí pretendo edificar meu túmulo. Agora concluo que o que me resta é caminhar pelas ruas, ouvindo essa velha música, acompanhado de um cavalo branquelo, afeminado, que se esconde atrás de um chifre. Aí estou eu: atrás de mim mesmo. Sou um cavalheiro que não tem um dragão para matar, porém, como você pode ver, tento decifrar que fios movem os dragões a dirigirem-se irreparavelmente para a sua lenda. A música tomou conta da cidade. Tamborilo com meus cascos, sobre os paralelepípedos da calçada e o tango nos envolve. O unicórnio canta baixinho algumas frases em francês e o piano rodopia furioso. Estamos à espera de uma hora a outra hora, na qual tudo ou nada pode acontecer. Chegamos à praça onde a música convidava ao filme que iria iniciar. Comovido pelo som procurei seus olhos para nos despedirmos. Antes que dissesse algo, foi ele que disse: _ Prevejo que assim que sair desse cinema será outro. Dentro desse cinema, está a mulher da sua vida. Aquela que o fará feliz. Sua cara metade. Você morrerá nos braços dela. Sofrerá um ataque fulminante, seu coração explodirá em poucos minutos e em toda sua pele haverá silêncio. A noite abrigará em você e será o seu vazio absoluto. Na hora desse encontro essa mulher continuará a viver e amá-lo, pois ela será a sua pequena eternidade. _ Que espécie de relacionamento pode se instituir entre um morto e um vivo? retruquei. Ela se apaixonará por quem? Pelo meu retrato? _ Você será apenas a memória de uma pessoa, tornando-se o alarme dela. Como sabe, o universo se revela e age por inexatidão. Essa música, de tanto tocar nesse alto falante, anos e anos, tornou-se uma trilha para sua vida. Esse disco está velho e riscado e não existirá mais prefixo nem sufixo avisando inícios e fins de filmes. Tal qual esse disco você será encontrado dentro do cinema, morto. Pessoas ficarão tristes e você também ficará triste por si mesmo. Triste pela sua história que acabou e você a construiu tal qual a sua coleção de fascículos semanais. Só então perceberá que você é os outros que o acompanharam. Ainda desejará escrever um poema sobre isso, mas não poderá mais escrever. Restará a você brigar e mendigar aos deuses mais tempo, chantageando-os, alegando que é um poema para seu filho,


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contando a ele como você foi bom, como o levou para passeios e trotou com ele no lombo, prado afora, vento na cara, rindo, rindo, mesmo sabendo que não teve filho algum. Seria um poema lindo se você pudesse escrevê-lo e ficará pensando como ter essa última oportunidade, até ouvir alguém no cinema gritando, desesperadamente, o seu nome; - Miguel! Duas sílabas e todo seu corpo estremecerá. Porém ninguém perceberá esse tremor e só lhe restará pensar no seu lindo poema, até que alguém gritará novamente: Miguel!... e você, enfastiado, só resta morrer... e dará o último suspiro. Vá assistir ao filme que a sessão já vai começar. Caminhei rumo à bilheteria. “Um Corpo que Cai” era o filme anunciado. Tendo chegado a esse ponto do meu relato, será talvez de alguma utilidade, e fornecerá um limitado prazer intelectual, discorrer a respeito do seguinte: a) Miguel Gontijo Janeiro de 1986


Paisagem 30 x 38 cm – bico de pena – déc. de 80


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Seja marginal, seja herói 100 x 70 cm – bico de pena – 2011


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Sorte atravÊs das linhas 100 x 70 cm – bico de pena - 2018


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Mistérios Gozosos 100 x 70 cm – bico de pena – 2018


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Panegírico 100 x 70 cm – bico de pena - 2018


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O coração da terra 110 x 75 cm – bico de pena – 2018


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Guardião 100 x 70 cm – bico de pena - 2012


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Céu da boca 100 x 70 cm – bico de pena – 2018


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Sal da boca 100 x 70 cm – bico de pena - 2012


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Raiz 70 x 100 cm bico de pena – 2019


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Desavença livro de artista - 25 x 23 cm – 31 páginas pg 12


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Desavença livro de artista - 25 x 23 cm – 31 páginas pg 17


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S/T – 46 x 32 cm (cada) - bico de pena – 1981


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Cada um tem a capela que merece 41 x 30 cm – bico de pena e guache – dec 80


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OBREIRO DA ARTE Augusto Nunes-Filho *

Traços e pinceladas deixam, atrás de si, rastros a serem decifrados. Desenho e pintura se fundem e confundem o olhar que se (de)para diante da produção do artista. Seja ela desenhos, pinturas, objetos, instalações, intervenções ou ações outras quaisquer que veiculem a expressão de sua incessante inquietação, o trabalho de Miguel Gontijo estará sempre a buscar e talvez encontrar formas de esgarçamento que, sempre um pouco mais, distendam a película encobridora do seu particular universo. Como se em sua cabeça ecoassem os versos da canção Sangue e Pudins, de Fagner: ‘não guardo segredo, mas sou bem secreto, é que eu mesmo não acho a chave de mim’. Amálgamas, elementos, composições, fusões, citações, referências são por ele utilizados sem deferência ou condescendência em rituais antropófagos dignos de inveja às mais atrevidas mentes. Forma e conteúdo se casam, divorciam, namoram, brigam, encontram-se e se separam numa curiosa relação que é a do artista com a arte. A mesma inquietação que dificulta um enquadramento da obra de Miguel Gontijo se manifesta na concepção deste novo livro que, ao mesmo tempo que apresenta ao público sua produção mais recente - que se debruça com mais vagar no desenho - também resgata trabalhos de tempos anteriores numa edição que se mantém distante, com determinação, de qualquer pretensão de retrospectivas ou coletâneas. Revelações súbitas, flashes de memória, rememoração de textos, desarquivamento de imagens, repescagem de ideias. Essa fragmentação de fontes organiza os elementos e as próprias composições presentes nas obras do artista, que teimam em se expressar por cabeça, mãos e gestos de Miguel Gontijo. Como se impossível fosse não apontar com um rumo concreto para um real que não cessa de provocar, e exigir, também de Miguel, mais uma obra e mais uma, e outra mais ainda. O trabalho de Gontijo é fruto de anos de madrugadas ou nasceres-de-sol que se surpreendiam ao encontrar o artista já debruçado sobre telas, papéis, objetos, em meio a tintas, crayons, às voltas com pincéis, lápis e mãos no cumprimento de uma tarefa que, à sua revelia, se lhe escapa, comanda e se lhe impõe. Operário da arte escravo de si mesmo, Miguel Gontijo se mantém em seu diuturno fazer que não lhe oferece qualquer outra saída. Como se fora uma condenação. Assim, debruçando-se sobre o processo de criação artística de Miguel Gontijo, talvez se aceda ao vislumbre de um rasgo que conduza, ou pelo menos aproxime, do imperativo que move, e assim continuará a fazer, essa íntima relação do artista com a arte. Como já bem-disse Rosa, o real acontece mesmo é no durante da própria travessia. * Membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte


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Tabela de classificação genealógica, I, II, III bico de pena, - S/D


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Nas matinês de domingo, na minha infância, havia um seriado em que um personagem ficava imobilizado em uma mesa e apenas uma gota d’água pingava ritmicamente em sua testa, até levá-lo à loucura. Não sei como era chamada (ou se tem nome) esse tipo de tortura, mas em minha cidade, junto a amigos que comigo viram esse seriado, ela passou a ser denominada de “Tortura Chinesa”. Se estávamos acostumados a ver nesses filmes o mocinho amarrado com um pêndulo navalha balançando sobre ele, ou diante de uma serra elétrica estridente, ou preso entre paredes que movimentavam como uma prensa, por que essa “doce” tortura do pingo d’água me marcou tão profundamente? Creio que é porque nas outras formas de torturas a morte era o destino e, na “tortura chinesa”, o destino era a loucura. A monotonia e a repetição retirando a possibilidade de viver. Por várias vezes já consertei torneiras que pingavam durante a noite atrapalhando o sono; parei tique-taques de relógios; mudei de poltrona no cinema quando alguém atormentado, assentado atrás, dava constantes chutinhos na cadeira da frente. Para mim mantras e terços nunca me levarão ao Nirvana. Levam-me ao inferno. A repetição rítmica apodera-se de mim, enfia sua carapuça monstruosa de um animal delirante. Nesse momento escapo da domesticação dos valores e fico fascinado pela desordem, pelo furor, pelas impossibilidades e pela ojeriza. Uma raiva estéril reside em mim e grita como uma arara no cio. Como a vida é um exercício de contradições, pego-me sempre a traçar infinitos tracinhos em um papel, monotonamente. Isso mais parece um similar da famigerada tortura chinesa e eu me vejo na obrigação de escapar disso. Então, sinto-me deslizando pelo rio Reno, passageiro da Stultifera Navis, apinhada de loucos, bêbados, vagabundos e, até mesmo, dos patetas da cidade. Agarro meu amuleto da sorte, que é sair descobrindo figuras fantásticas pelos caminhos e registrá-las em um papel. E passo a visualizar uma profusão cavalariça de pernas e cabeças se transformando em embarcações, tornando essa viagem prazerosa. Flamula 30 x 19 cm – acrílico s\tela década de 90


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Meus desenhos são o inventário da minha rotina de artista, preso à zona do papel branco, que quer me oferecer resposta, mesmo sendo conhecedor de que respostas pressupõem decepções. Sei que, para fazê-los, terei que caminhar pela zona de tortura; sei que já faço viagens tendo como companheiro o gravador Burgkmair, Durer, Hogart e Doré, o que melhora o trajeto; sei que Foucault anda dando palpites; sei que esses desenhos aprisionados nos papéis fazem parte de um jogo contínuo, a procura de guarita; sei que Bosch também navegou nessa mesma nave à procura de abrigo; sei que a matemática ainda não se escapou da sua rotina repetitiva; sei que a realidade é seca, chapada e estanque e é como beijar uma parede caiada; sei, também, que o et cetera é o meu maior desejo de acontecimentos, e que não sou inteiro nem monolítico e nem tenho ponto de apoio; sei que gosto de apagar pistas visíveis e inseminar metáforas, que tenho uma necessidade genética de ser contra; de ser escorregadio que nem quiabo; de ser o que não sou e do que sou; de rastejar em subsolos; de ler com a ponta dos dedos queimados teses em braile; de ser um número primo; de me estender, expandir, de esconder e de me perder e se esses desenhos acontecem é porque devoro minha placenta todos os dias, ad infinitu.


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Série: Stultifera Navis “Estrutura do pensamento repetitivo” 59 x 55 cm – Acrílica s/ tela – 2014 Coleção particular


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Notas promissórias 42 x 30 cm – bico de pena e guache Coleção particular


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Cada um tem a capela que merece 42 x 30 cm – bico de pena e guache DÊc. 80


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Dura Lex sed Lex I 80 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


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Dura Lex sed Lex II 80 x 60 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


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Ossos de artistas 84 x 59 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


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Espelho 100 x 77 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular


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O grito 113 x 105 cm – acrílico e óleo s\tela – 2017 – Coleção particular


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São Miguel 86 x 81 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção Particular


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Reprodução artística 100 x 77 cm– acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular


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Mais um passo 100 x 77 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular


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Genealogia 148 x 131 cm – acrílico e óleo s\tela –2015 Coleção particular


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Frankenstein 168 x 100 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


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Mulheres abortadas III 25 x 25 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018 Coleção particular

O ovo 168 x 100 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


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A lição 100 x 77 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular


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O belo e o grotesco 100 x 77 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular


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Teoria das Cordas 100 x 77 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular

Lápis Faber Castell 101 x 58 cm – acrílico e óleo s\tela – 2015 Coleção particular


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A mulher de Rubens 80 x 78 cm – acrílico e óleo s\tela – 2010 Coleção particular

O dólar furado 100 x 80 cm – acrílico e óleo s\tela – 2014 Coleção particular


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Tributo 56 x 54 cm – acrílico e óleo s\tela – 2013 Coleção particular

Cena de banheiro 60 x 40 cm – acrílico e óleo s\tela – 2017 Coleção particular


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Mar Acrílica s/ tela - 2016 Coleção particular


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Diptico - Mimetismo I e II Acrílica s/ tela - 2019 Coleção particular

Procurando Piero de la Francesca 80 x 72 cm – acrílico e óleo s\tela – 2018 Coleção particular


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Self - 2017 40 telas, 21x30cm cada. Acrílico e óleo s/ tela


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Gênesis do Mickey Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 Coleção particular


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A Lua no Céu de Ontem Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Dízimo Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Dias de Fartura Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Almanaque das Musas Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Deus me Ajude Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Iluminado Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Almanaque de Fim de Ano I Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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O Que a Minha Geração Fez à Sua Geração Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Lunares Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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O Santo do Dia Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Almanaque de Farmácia Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


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Fartura I Acrílicas/óleo sobre tela, 1,43 x 1,25 m Coleção particular


INDEX RERUN ET VERVORUM (Índice de Coisas e Verbos)

Quando e onde nasci o ‘estrangeiro’ era tão longe que não existia. E até hoje eu não sei onde ele habita. Por mais que vigie o céu, nem por delírio, jamais vi um disco voador. Por mais que vigie a alma, jamais presenciei um milagre. Nenhum arroubo de glória, mesmo que fosse transitório. Como se a terra precisasse de uma transfusão de sangue, minha vida escoa lentamente para o acaso. Faminto agarro ao que não sei como tábua de salvação. Corro para a luz no fim do túnel, desavisado de que é lá que reside o ‘olho do leão’. Sou conhecedor das fendas e leitor assíduo das fases da lua e suas mensagens. Do vento sou devoto, pois me permite oportunidades para suposições. Reconheço a voz de cada estrela e os seus movimentos provocam-me interpretações infinitas. Com as pedras aprendi a misturar uma às outras para assim camuflar e desaparecer nas valas, o que me acabou apontando indícios de imortalidade. Desde cedo aprendi a desdenhar doutrinas e preferir as minhas fantasias e, por isso, amofinei em solidão. Prefiro gostar de pessoas que amar a humanidade. Minha memória é saturada de mim, o que me impossibilita de ir além. Prefiro olhos claros porque os meus são escuros. Porém, de vez em quando eles são azuis, quando estou diante de céus; ou verdes quando encaro bandeiras; ou amarelos quando engasgo de ódio. Por vezes tem uma coloração nublada que faz as pessoas se lembrarem de rebate. Prefiro gentes a anjos. Quando faço o que faço, quem manda é o que faço. Prefiro as estrelas ao fósforo.


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Miguel Ângelo Gontijo, nasceu em Santo Antônio do Monte, MG. – 1949. Casado com Marilete Vasconcelos. Filho de: Miguel Lacerda Gontijo e Diva Souto Gontijo. Formado em História e pós-graduado em Arte e Contemporaneidade.

1970 -

Exposição coletiva: Alunos da Escola Guignard – Belo Horizonte, MG

1971 -

Exposição coletiva: Desenhistas Mineiros – Veia Poética – Belo Horizonte Exposição Coletiva: Mostra de Arte – Olimpíadas do Exército – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: III Salão do Artista Plástico Mineiro – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG Menção Honrosa: Salão de Arte de Divinópolis – Divinópolis, MG (...) símbolos míticos do presente e do passado são arquétipos constantes em seus desenhos, compondo um cenário fantástico, por vezes lírico, outras irônico, agressivo e absurdo como uma peça de Brecht. Odila Fontes – professora

1973 -

(...) vem construindo um trabalho sólido sem filiar-se a modismos passageiros ou importações de vanguarda, buscando uma expressão própria dentro do apuro sempre constante do desenho e da linguagem expressiva. Maria do Carmo Arantes - crítica de arte

V Salão Nacional de Arte – Museu de Arte – Belo Horizonte, MG

1974 -

Fiquei impressionado com esse seu novo trabalho. Muito interessante o que você fez com as figuras de Debret. Cores primárias, limpas, uma crônica Pop cultural tropical. Não apenas recriou Debret como o ampliou para seu universo particular. (...) Arlindo Daibert – artista (num bilhete deixado preso à porta)

1975 -

III Salão Global de Inverno – Palácio das Artes - Belo Horizonte, MG

1976 -

Prêmio: XIII Salão Nacional de Arte – Museu de Arte – Belo Horizonte, MG

1977 -

VII Salão Nacional de Arte – Museu de Arte – Belo Horizonte, MG

Exposição individual: Centenário da Cidade de Sto. Antônio do Monte – Sto. A. do Monte, MG Prêmio: III Salão Nacional de Artes Plásticas – Goiânia, GO Prêmio: IX Salão Nacional de Arte – (conjunto de desenhos) - Museu de Arte – Belo Horizonte, MG Prêmio: IX Salão Nacional de Arte – (desenhos tema para o audiovisual “O que o Uso Fez do Costume”) - Museu de Artes – Belo Horizonte, MG Prêmio: III Salão do Artista Jovem – São Paulo, SP


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1977 -

Exposição Coletiva: Centenário da Cidade de Sto. Antônio do Monte – Sto. A. do Monte, MG Exposição Individual: “O Que o Uso Fez ao Costume” – ICBEU – Belo Horizonte, MG “Destaque do Ano das Artes Plásticas Mineira” – Balanço 1977 do jornal Estado de Minas (31/12/77) Coluna Maristela Tristão (...) As aquarelas de Miguel são feitas como quem sente e não se submetem inteiramente a nenhuma tentativa de sistematização: há sempre alguma coisa que nos escapa. Essas aquarelas nada têm de mística ou qualquer vocabulário arcano. São histórias explícitas e secretamente entrelaçadas a todos os tipos de obras de arte. São como cartas avulsas e embaralhadas, prontas a ganhar feição nos olhos de nós, jogadores. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber do destino. Não as ausculto, porque as cartas não têm propriamente valia. Para entendermos precisamos abrir mão de qualquer ilusão de pureza ou plenitude. É de gestos interrompidos que somos feitos. E esta “coleção de estilhaços” sugere apreensões fortuitas, confissões privadas, devaneios, fulgurações, sondagem de repentinos enigmas, obrigando-nos a reconhecer que se trata, na verdade, de uma antipintura. Sonia Viegas – professora, filósofa

1978 -

II Salão Nello Nuno da Universidade de Viçosa – Viçosa / Juiz de Fora, MG Prêmio: XXXIV Salão Paranaense – Auditório Bento G. da R. Neto – Curitiba, PR Prêmio: I Salão de Arte do Conselho Estadual de Cultura – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG Prêmio: III Salão de Arte e Cultura – Recife, PE Prêmio: Salão da Cidade do Recife, PE Exposição Coletiva: “Desenhistas Mineiros” – Curitiba, PR Exposição Coletiva: Galeria Otto Cirne (M. Gontijo, C. Maduro, Afonso) – Belo Horizonte, MG Exposição Individual: “Ciclo do Ouro” e “Ciclo das Batinas” – Museu de Arte de Belo Horizonte, MG (...) como ninguém Miguel traz à tona os frutos sazonados de um passado que poucos, muito poucos, percorrem. Conceição Pilo - museóloga, artista

(...) Miguel margeia a História, está nela e, ainda mais, busca o que a História marginalizou. Não faço análise, mas uma identificação, o meu respeito pelo seu trabalho e sua pessoa. Maurino Araújo - escultor

1979 -

Prêmio: II Salão Nacional de Artes – FUNARTE – Museu de Arte Moderna – Rio de Janeiro, RJ Prêmio: Salão de Arte da Cidade de São Paulo – Paço das Artes, SP Exposição Individual: “Clínica Geral” (O Ex-voto) – ICBEU – Belo Horizonte, MG


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1979 -

(...) Miguel é um poeta. Cria metáforas com suas imagens. O que existe de interessante é uma vontade de construir, de fazer alguma coisa que nos leva a ver, observar e até mesmo a nos descobrir, fazendo-nos assim parceiros de suas poesias. Digo: desenhos. Maristela Tristão - crítica de arte

(...) Seu trabalho está ligado a História, mas nunca embasado na História factual. O artista absorve o conteúdo histórico e suas contingências do mundo contemporâneo e o devolve rebatizado, como num grito de quem mergulhou fundo, sem covardias. O sabor crítico não se minimiza com o uso da aquarela. Ao contrário, tinge o espaço de uma tensão maior, intérprete de uma imersão mais profunda e, consequentemente, crítica mais soberba. Há um lado prosaico acentuado, mas de forma sutil e elaborado, dando um aspecto geral de irrealidade fantástica no seu trabalho. Jayme Maurício – crítico de arte

1980 -

XII Salão Nacional de Arte – Museu de Arte – Belo Horizonte, MG Prêmio: Salão do Futebol – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG ( artista convidado) “II Mostra de Desenho Brasileiro” – Sala de Exp. /Teatro Guaíba – Curitiba - PR (artista convidado) Prêmio: II Salão do Espírito Santo – Vitória, ES Exposição Coletiva: “Três Desenhistas Mineiros” (M. Gontijo, Benjamim, Aderi Silva) - Ouro Preto, MG Exposição Coletiva: “Artistas da Terra”- Pref. Municipal de Sto. Antônio do Monte, MG Exposição Coletiva: “Cinco Desenhistas Fantásticos Mineiros” (M. Gontijo, Benjamim, A. Daibert, S. Bianchi, Tâmara) - ICBEU – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “O Desenho Mineiro” – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Aquarela do Brasil” – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: I Encontro de Artes de Patos de Minas – Patos de Minas, MG Exposição Coletiva: Museu de Rua (Coord. do Museu de Arte de Belo Horizonte) – várias cidades, MG Exposição Individual: Desenhos – Fundação Cultural do Distrito Federal – Brasília, DF Exposição Individual: “Verdes Caminhos” – Galeria de Arte da Telemig – Belo Horizonte, MG “Desenho do Ano” – Balanço 77 do jornal Estado de Minas (01/01/78) Coluna Celma Alvim “Retrospectiva da Década de 70” – jornal Estado de Minas (13/01/80) Coluna Celma Alvim


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1980 -

(...) O artista não segue uma linha reta nos temas abordados, como seria cômodo ao comentarista e ao historiador. Traça caminhos simultâneos, de aparência distinta, paralelos e às vezes divergentes, voltando atrás, como se remendasse, para recuperar o tema. O que nos surpreende é o realismo alegre, de natureza fresca – algo inusitado, que descobrimos ao esboçar uma leitura de seus quadros. Celma Alvim - crítica de arte, marchand

(...) esta força misteriosa que garante a sobrevivência interna de nosso Pindorama impregna o desenho de Miguel. É a força de uma poesia sensível, refinada, sutil, que se apreende e se absorve pelo encanto desse doce contato lento e silencioso com a verdadeira obra de arte. Márcio Sampaio - artista, professor, crítico de arte

(...) Gontijo brinca com nossas insuficiências e debilidades. Goza de tudo com a participação de todos. Ele nos oferece o sorriso da ironia, às vezes, a gargalhada sufocada. Retrata-se retratando-nos. Seu rosto, em suas telas, são nossos rostos, dissecados e postos ao sol para secarem. Nosso olhar passeia por estes quadros e o prazer é permanentemente renovado, como se as figuras que Gontijo oferece à contemplação encarnassem uma onda semovente de desejo, derramado sob a dimensão palpável do real, num gesto de silenciosa paixão. Sua meta tem sido sempre a figura humana, esta usina de sonho e revelação. Na evolução técnica e formal de Gontijo, estas figuras humanas partem de sua inserção no mundo social, para transformar-se no mundo em si, projetando-se a seguir numa partícula, ou de um conceito. Walmir Ayala - escritor, crítico de arte

1981 -

XII Salão Nacional de Artes Plásticas – Goiânia, GO Prêmio: III Salão de Artes Plásticas de Salvador, BA Exposição Coletiva: Acervo “Amigas da Cultura” – Belo Horizonte, MG Exposição Individual: “Coincidências Maneiras” – Galeria Kuarup – Belo Horizonte, MG (...) Miguel pertence à mais nobre das estirpes artísticas, a dos satíricos. Categoria onde é capaz de se acrescentar aos melhores de sua geração e aumentar a já grande contribuição mineira à arte brasileira. Jacob Klintowitz - crítico de arte

1982 -

XXXIX Salão do Paraná – Curitiba, PR Exposição Coletiva: “Picasso Reinterpretado” – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG (...) a dor e a solidão campeiam pelos espaços convulsionados de formas, num aparente non sense. Tudo tem seu significado e importância. Tudo é vida, é dor, é morte. Tudo é poesia na obra de Miguel. Mariza Trancoso - professora, pintora


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1983 -

Exposição Coletiva: “Desenhistas Mineiros” – Curitiba, PR Exposição Coletiva: Galeria Otto Cirne (M. Gontijo, C. Maduro, Afonso) – Belo Horizonte, MG Júri das Escolas de Samba do Carnaval 83 (Categoria Enredo) – Belo Horizonte, MG

1984 -

XVI Salão Nacional de Arte – Museu de Arte – Belo Horizonte, MG I Salão da Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG (...) A arte não como deleite, mesmo que a beleza desses traços seja inquestionável e o talento arregaçado exposto junto às feridas da existência. Posso novamente adentrar esse universo inquietante, incorporar o trabalho tecido na eterna roda que os buscadores acreditam ser parâmetro ou portal, comungar com Miguel dessa bandeja oferecida em cerimonial bonito e se não me decifrares...decifrate(...) Inês de Melo Sá - professora, artista

1985 -

XVII Salão Nacional de Arte – Museu de Arte – Belo Horizonte, MG

Fui escolhido para fazer o que faço. Escolhido no berço e novamente em meados da década de 80. Tive um acidente de carro, que me fez fraturar o braço direito. O úmero quebrou em três pedaços e, imobilizado, ouvi o médico dizer que perderia o controle motor da minha mão. Era véspera de Natal. Passei três meses assentado, vendo televisão e armando e desarmando um Lego que minha filha havia ganhado. Era muito difícil encaixar as peças. Firmava-a com a mão direita inválida, enquanto a esquerda fazia o trabalho de encaixá-la. Enfim, não fiquei com nenhuma lesão. Segundo o médico, a “fisioterapia Lego” me salvou. Estava novamente fadado a fazer “coisas” e denominá-las de arte. Então: Lego é carma, Lego é milagre, Lego é Deus. Amém.

1987 -

Exposição Coletiva: “Geração e Arte” – (5.º módulo do Incentivo Cultural FIAT) – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: Acervo Museu de Arte de Belo Horizonte (Comemoração BH/90 anos)

1988 -

Prêmio: II Bienal de Arte Mística – Governador Valadares, MG Exposição Coletiva: “O Surrealismo no Brasil” – Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP

1992 -

Exposição Coletiva: “Utopia Contemporânea” – Palácio das Artes – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Cecília Meirelles: Uma visão mineira” – (Projeto UFMG/J. Fora) Várias cidades


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1992 -

(...) sua obra não pode ser apenas olhada, precisa ser digerida e ruminada. São visões estranhas e miraculosas, uma sátira ao falso glamour de nossa sociedade, presa a ídolos e mitos, perdida no tempo e prisioneira se seu espaço, que nos forçam a pensar e a refletir. Não se consegue ser indiferente à obra do Miguel. Ou a amamos ou a detestamos. Ângelo Issa, artista plástico

(...) um artista poeta a serviço de nos mostrar um mundo original, que carrega consigo verdades, e que às vezes - muitas das vezes - as pessoas fecham os olhos como se não quisessem enxergar. Lodo do cérebro...sempre sentimos tudo... até o que negamos...E é preciso ser genial e ter coragem. Esse é o Miguel, (...)e eu seu bom amigo. Ave Miguel! J. B. Lazzarini - artista

1996 -

Exposição Coletiva: “Improviso Para Guignard” – (Projeto UFGM/J. Fora) J. Fora, Viçosa, Rio de Janeiro (...) quadros que oferecem pistas, numa maneira indireta de pronunciar. Faz opção pelo jogo, pela farsa, pelo grotesco e pelo desequilíbrio, buscando uma ordem que não seja rígida nem ideal. À medida que investiga, liberta da noção de narrativa linear, surgindo nas telas o mais desconcertante e “inútil” esforço de organizar ou de estilizar o caos de nossos tempos. Alécio Cunha – poeta, jornalista

Miguel é o reencontro com tudo que não sei. É permitido não explicar. Aí está. Essência pura. A luz que não dispensa a sombra. Formas do nada com todo o direito de se esparramar , misturar e mudar. Rumos e ruídos. Lúdicos e trágicos. Personagens. Com você me faço personagem também. Juçara Costa – artista

2000 -

Exposição Coletiva: “Brasil do Novo Milênio: A Arte de Minas” - Proj. UF/JF - vários locais Exposição Coletiva: “Poética da Morte na Cultura Brasileira” – MASC – Florianópolis, SC Exposição Coletiva: Galeria Agnus Dei – Belo Horizonte, MG Exposição Individual: “Profanas Escrituras” – Galeria Agnus Dei - Belo Horizonte MG Exposição Individual: “Patética: Aforismos de Fim de Século” – Espaço Cultural da Prodemge, BH “Melhor Exposição do Ano” – Balanço 2000 - jornal Hoje em Dia (08/01/01) Coluna Morgan Motta (...) Este artista intelectual é muito conhecido por sua habilidade de conectar, elaboradamente, todo o melodrama e a parafernália humana. No seu trabalho todas as palavras e imagens são possíveis de coexistir em harmonia, mostrandonos que tudo e todos são parte de um mesmo universo molecular, que afeta uns aos outros através de catarses e metamorfoses. Ele é atrevido e sincero com a


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2000 -

vulnerabilidade e dilema humanos. E é preciso quando disseca e desconstrói tudo através do Realismo Mágico, sempre trazendo o profano e o religioso cara a cara. Marconi Barbosa - marchand - NY

(...) Um jeito mortal de derramar criaturas vivas no papel \ como quem prepara céu sob os infernos desta vida \ a arte do Miguel abre-nos a ferida sem promessa de cura \ caminha encontrando sem a ânsia dolorida da procura. (...) Carlos Lúcio Gontijo - poeta

(...) assim, para esconder sua emoção, ele grava a passagem do tempo com seu eterno pincel crítico, arma que ele maneja dialeticamente, na combinação do humor com ternura, do grotesco com o sublime. Dinorah Carmo - jornalista

2001 -

Exposição Coletiva: Aquarelas – Galeria Agnus Dei – Belo Horizonte, MG (...) um olhar desavisado pode remeter as pinturas ao surrealismo, porém, nada no quadro fica no campo do onírico ou foi orientado pelo inconsciente. É a expressão crítica, pontuada de humor negro, da nossa civilização urbana. Morgan da Motta - crítico de arte

O olhar não é bastante para compreender a expressão das obras de Miguel Gontijo. Ele não é apenas um artista plástico; é um pensador que apresenta suas reflexões traduzidas em uma estética inédita no cenário da arte em nosso país. José Alberto da Fonseca – publicitário, colecionador

2002 -

Exposição Coletiva: “Expressões” – Galeria Telemar (A. Apocalipse, Y. Tupinambá, M. Gontijo) Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Exposição do Ano” – Galeria Telemar – (Curador: Morgan da Motta) Capa catálogo Telefônico (Telemar) - Região Centro-Oeste de Minas Gerais – versão 2002 (...) cada detalhe da tela é elaborado como se fosse uma única composição e o conjunto final é a certeza de obras que brilham pela qualidade das cores, da forma, do equilíbrio, da tensão e do surpreendente conteúdo. Carlos Perktold - psicanalista, crítico de arte


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2002 -

(...) o trabalho de Miguel exige do observador adjetivos que vão além do bonito, do agradável e do colorido. Por isso dizem que não é fácil conviver com a obra dele, pois ela nos fala nas veias, no coração, no cérebro e na alma. Beatriz Abi-Acl - marchand, artista

2003 -

Exposição Coletiva: “Hexagnus – Seis Artistas mineiros” – Museu da Inconfidência - Ouro Preto, Palácio das Artes - Belo Horizonte Exposição Coletiva: “Festas Populares” – Galeria Telemar Exposição Coletiva: “Portugal 2003” – Mosteiro São Francisco – Chaves, Portugal Exposição Coletiva: “Veja a Música” – Espaço Cultural BDMG – Belo Horizonte, MG (...) Prolífico, prenhe, pejado, repleto, estas são as palavras encontradas que qualificam o trabalho de Miguel. Cada quadro é uma cornucópia de imagens que nos induz a perdermos o seu significado e que possibilita uma leitura própria do espectador, sem condução específica. Como escreveu Dürer sobre o fazer do pintor: ‘(...) um bom pintor está repleto de formas no seu interior, e, supondo que pudesse viver eternamente, encontraria nas ideias interiores, sempre algo de novo para pôr em suas obras’. Marcos Venuto - artista, professor.

(...) Estranhos são os caminhos da criação em arte. Miguel Gontijo, através das suas fantásticas imagens, sugere um mergulho vertical ao seu mais profundo ermo, em busca de memórias ancestrais. Seus desenhos/pinturas, povoados de seres cuja estranheza parecem advir de tempo imemorial – frutos de especulação sobre os fantasmas e dramas humanos resultantes do medo inerente ao ato de viver. Impossível adivinhar a origem desse intrigante universo imaginário – o que nos desvelaria o modo de como se processa a criação de suas obras. O que fica de forma cristalina e convincente é que, com sensibilidade e incontestável domínio técnico, Miguel materializa e nos oferece, com generosidade, o que até então só existia em território invisível. Sandra Bianchi - artista, professora

2004 Exposição Coletiva: “Visões da Liberdade” – PIC – Belo Horizonte, Ouro Preto, Brasília Exposição Coletiva: “Uma Viagem de 450 anos/SP” – Gal. Paulo Campos Guimarães – Belo Horizonte, MG Exposição individual: “A Pedra da Melancolia” – Museu Mineiro (B.Hte.), Museu Casa Alphonsus de Guimarães (Mariana); Museu do Crédito Real (Juiz de Fora); Museu Casa Guignard (Ouro Preto); Museu Casa Guimarães Rosa (Cordisburgo).


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O pincel que escreve tempo não cessa de inventar memórias. Sobre essas, não há o que lembrar, nem o que esquecer. Estão à deriva, chocam-se, flutuam e também submergem, sem pretensão de tocar algum solo. Neste fluxo, narrativas se revelam e se escondem, mentem algumas verdades e escapam entre cores. Na pintura está o profundo e a superfície. Às vezes, Picassos, Goyas ou Matisses vêm à tona, e comentam o noticiário de ontem, enquanto deslizam despreocupados sobre as ondas de Hokusai. Na profusão de tempos diversos, inscritos nas telas, pressentimos as profundezas de onde surgem as imagens... Mar de Miguel Gontijo... Sérgio Vaz – artista, professor

(...) Miguel Gontijo tem a exata compreensão da natureza da Arte quando afirma que é desnecessário saber onde se encontra sua porta de saída. Porém, para adentrar ao território ilimitado da Arte existem portas que só se abrem com chaves especiais, que cada artista deve possuir. A de Miguel é de ouro e lhe foi ofertada por Dürer. Marina Nazareth - artista

(...) o artista e poeta Miguel Gontijo faz um discurso sobre a sua própria arte, uma espécie de metalinguagem, que marcou a trajetória de Guimarães Rosa, ou ‘discurso sobre o discurso’, em que o artista Miguel questiona seu próprio fazer artístico e poético. Lúcia Mata Machado – professora

2005 Exposição Coletiva: “ Pintura Mineira” – Galeria Agnus Dei – Belo Horizonte, MG Exposição Individual: Armarinho São Miguel – Galeria da CEMIG – Belo Horizonte, MG (...) Miguel é bastante epidítico: embora fale de um passado, ou de um futuro, o que ele mais quer é provocar, dizendo coisas terríveis sobre nós mesmos. Confia na esperteza do espectador que tem que digerir tudo a ‘palo seco’ (...) Para isto o artista busca no Classicismo seus ordenamentos, simetria e perspectivas unicentradas; no Maneirismo, vai à cata do pastiche, do ornamental, donde surge o impulso citacional e a tentativa de achar novos caminhos; no Barroco (seu verdadeiro berço), valoriza a vertigem do preenchimento, do excesso, da confusão das formas, e do esgrafito; no Cubismo, busca a ideia de um quadro que mostre simultaneamente diferentes pontos de vista e a simultaneidade de passado, presente e futuro; e na Contemporaneidade, quando tudo isto é fundido, amalgamado, e arremessado aos nossos olhos numa linguagem genuína e segura. (...) Os armarinhos são espaços de encanto e cores. No Armarinho de (são) Miguel as imagens se postam à cata de costuras, de chuleios, pregas, pontos-cruz, desmazelos e de alfinetes. Lantejoulas são sangues. Tudo cru como feridas abertas num açougue, mas também adornadas por gazes rendadas. Lírica crueldade. O céu visto de viés no exato e veloz momento em que o anjo decai. Miguel é poeta, e o poeta, como dizia Sir Philip Sidney, age sobre os sentimentos, e ninguém tem culpa se esses sentimentos guardam ideias explosivas. Jehudad Levi Lubac - prof. - Paris-Villemin


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2006 -

Exposição Coletiva: “Modernidade, Tradição e Emoção” - 47ª. Reunião Anual das Assembleias de Governadores – BID – Centro Convenção - Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “The Brasilian Artists Exhibition” – The National Arts Club – New York, EEUU Exposição Coletiva: “4 X 4” - Galeria Contemplo - Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Acervo Fundação Newton Paiva” - Montes Claros; São João del Rei; Tiradentes, MG Exposição Coletiva: “Um Passeio pela Arte Brasileira” – Galeria Errol Flynn – Brasília, DF Exposição Individual: “Armarinho São Miguel” (Objetos) _ Centro Cult. Caixa – Gal. dos Arcos Salvador, BA (...) Miguel é iconoclasta. Ele se apodera da arte acadêmica clássica, do Renascimento ao século XIX, para retalhar suas imagens, colher fragmentos e recontextualizá-los, dando-lhes uma dimensão não raro aterrorizante, como um sonho ou pesadelo. Refaz para destruir um lirismo falso e jogar ante o espectador uma verdade crua. O quadro grita: ‘não faça de conta que não sabe!’ Essa verdade, todavia, não é apresentada de forma racional. O pintor parece recusar a lógica do consciente: prefere a alogia do inconsciente, o mundo onírico onde os objetos fogem às equações racionais. Daí o surrealismo. Um surrealismo de negação: dadaísta. Captura os olhos e persegue o estômago: arte que causa arrepios. Uma pintura que por vezes arranha. Não por negligência ou imprudência, mas dolo: vontade consciente de sacudir o espectador, de forçar-lhe a pensar. Nunca se é inocente diante de uma tela de Miguel Gontijo. Elas não foram feitas para exculpar, mas para expiar. Glaston Mamede – filósofo, escritor, ensaísta

2007 Exposição Coletiva: Instituto Cultural Cida Brizola (Miguel Gontijo, Leo Brizola, Walter Trindade) - Belo Horizonte, MG Exposição Individual: “Manual de Instrução” – Museu da Casa dos Contos – Ouro Preto, MG Exposição Individual: “Enquanto você me Olha” – Espaço Beatriz Maranhão - Belo Horizonte, MG (...) Sua obra, no entanto, vai muito além desses afloramentos de formas que aparecem, a partir de seus delírios escavando a história da arte – como professor de história que foi – é de lá que retira os ícones estéticos e históricos para, como eles, recriar uma linguagem e uma visão pessoal do mundo, e formular seus conceitos sobre a natureza humana. Mundo perpassado por uma fina ironia sobre nossos vãos desejos ou por uma visão compassiva sobre os desajeitados passos dados pelo homem nesta selva de pedra que habitamos. Yara Tupinambá - artista, professora

(...) é intencional não ter a sua pintura a percepção da materialidade, ao contrário. É para ser lida de perto, com atenção, como a dedicada aos manuscritos sagrados que trazem mensagens de salvação, por mais obscuras que nos pareçam. A sua pintura é polifônica. As imagens têm sons polivalentes


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e não são representações do autor, mas sim estão em pé de igualdade e têm a consciência do seu estar no mundo seduzidas pela memória. Ao se valer dela, como uma plataforma para o seu próprio trabalho, o ponto de partida é o território da Arte (da imagem na arte) a partir de elementos de uma linguagem de imagens e dos seus usos e funções sociais, culturais e científicas. É a oportunidade de encontrar os ‘tricks’ e tiques do autor, mas também a sua magistral linguagem em sua escritura-pintura. Paulo Pontes – arquiteto

(...) (Miguel) mas tece, sob a desculpa de instruir, os mais contundentes comentários sobre a natureza humana. (...) os quais os símbolos, que perfazem a linguagem, são buscados, por força da vivência, nos episódios particulares de cada vivente (por conseguinte plurais), d’onde resulta serem estas pinturas retratos psicológicos, já não mais do pintor, mas de todos nós, em decorrência do que o artista, magnânimo, consente que sejamos copartícipes dessas criações. Pierre Santos - (no seu site) professor, crítico de arte

2008 Exposição Coletiva: Contemporary Brazilian Art – United Nations Headquarters – New York, EUA Exposição Coletiva: “História do Brasil” – Museu Murilo Mendes – Juiz de Fora Exposição Coletiva: “Artistas Brasileiros” – Salão Negro do Senado Federal – Brasília, DF Exposição Individual: “Círculo Vicioso” – Centro Cultural Mannesmann Vallourec – Belo Horizonte, MG Exposição Individual: “I Modi” – Pequena Galeria do Teatro da Cidade – Belo Horizonte, MG (...) A inspiração e o processo de criação de Miguel Gontijo são sem parâmetros. O visitante, em suas exposições, deleita-se simultaneamente com seus monstros, suas figuras dilaceradas, sua escritura de textos indecifráveis, suas apropriações contemporâneas de armas e materiais medievais, delimitação de marcas registradas, na maioria de produtos brasileiros que, agregados ao seu sarcasmo crítico e político, vêm encontrando número cada vez maior de admiradores. E, por tudo isso, sua pintura se torna universal. Paulo da Terra - professor, colecionador

(...) Sempre que nos deparamos com a obra de Miguel, não conseguimos somente apreciá-la, nos sentimos forçados a lê-la. Sim, esse admirável artista nos instiga e fascina com seus trabalhos, tal qual uma obra literária, e a vontade primeira é a de fazer uma leitura de seus quadros e objetos, em busca dos significados ocultos de toda a simbologia utilizada. Ledo engano, pois a interrogação permanece, não há respostas e nem o intuito de estimular a busca por uma única; diante de seus trabalhos cada um encontrará a que mais lhe aprouver de acordo com, ou, sua vivência, consciência, preferência e sapiência. Eliana Toledo Gonçalves - advogada, colecionadora


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2009 -

Exposição Individual: “Enquanto Sô Lobo não Vem” – Espaço Cultural Dr. Pio Canêdo – Muriaé, MG Exposição Coletiva: Mil Mona Lisa – itinerante (...) Nada é o que parece ser. Nenhum de seus monstros é simplesmente assustador, nem suas flores feitas apenas para enfeitar. Seus trabalhos são hiperlinks para um mundo reconstruído de significados. Sua pintura é contaminada por todos os sentidos, formas e cores que habitam seu efervescente universo interior. Clara Gontijo - designer

(...) estou voltando da exposição. Mais uma vez me coloquei disposto a me deixar passear por aquele mundo mágico e poético. Como sempre, tentei me introduzir no exercício da nova língua escandalosamente exposta e impertinente a acionar meus sentidos curiosos em decifrar incunábulos de enganosas datas. Que bom lhe ver! José de Anchieta – professor, filósofo

2010 -

Exposição Individual: “Pintura Contaminada” – Galeria Alberto da V. Guignard – Palácio das Artes - Belo Horizonte, MG “Prêmio Mário Pedrosa 2010” – (Artista de linguagem contemporânea) ABCA - SESC Vila Mariana, SP Documentário “BRAZILIE VOOR BEGINNERS”, TV Cultural Belga 2010 – Bélgica (c\Michael Borremans)

“Prêmio Mário Pedrosa 2010” - Entrega do trofeu por Carlos Perktould

Michael Borremans e Miguel Gontijo


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(...) São acordes ácidos, dissonantes, operados entre imaginação, memória pessoal ou coletiva e domínio pictórico. Desdobram referências irônicas a grandes artistas. Formam pesadelos incertos, mas coesos, não desprovidos de beleza. Sugerem simbolismos indecifráveis, a não ser, talvez, para o próprio artista. Mas é melhor que ele não explique os enigmas, pois assim destruiria aquilo que permanece, para o espectador, como interrogação poética (...) Jorge Coli – (Folha de São Paulo) filósofo, crítico de arte

(...) confirma a imensa capacidade produtiva de um homem/pintor em realização de seus conceitos de maneira plástica e intelectual, conseguindo reunir todas as épocas num ‘eco’ que se (ouve) desde as cavernas ancestrais à atualidade, desde as pesquisas científicas às ideias filosóficas e artísticas; um conjunto que vai da extrema seriedade a um irônico humorismo, oscilando entre o sacro e o profano, entre o sonho e uma realidade nem sempre comprovável. Enrico Bianco, carta manuscrita endereçada a Manfred Leyerer

(...) Miguel Gontijo, em sua vasta obra, busca organizar o caos entre doçura e rispidez. Delicadeza e austeridade se irmanam para contar a trajetória de um dos mais lúcidos artistas deste país. Um tímido cujo fazer detona seu vulcão interno prenhe de provocações e resiliências. Seus bastidores são postos claros em sua obra autoral, que foge das banalizações. (...) César Romero - artista, crítico de arte Jornal Correio de Salvador , BA

(...) Miguel pinta e despinta, inventa, trafega em todos os estilos e, em sua obra, critica o exercício da pintura, promove uma revisão de seus conceitos e faz a autocrítica de sua própria criação, numa modernidade e contemporaneidade ainda não vistas nas artes plásticas de nosso tempo. Ao mesmo tempo, Miguel é um artista singular, um homem com uma visão de mundo irônica e rebelde, um moleque irrequieto, com mais de 60 anos, que tem muita coisa a dizer e contar... Carlos Alberto Ratton – escritor, roteirista

2011 -

“Atropelamentos” – Centro Cultural UFMG – Belo Horizonte, MG (exp. coletiva) (...) É raro deparar com uma mente a um só tempo fascinante e penetrante como a de Miguel Gontijo, ou a estética tão radical quanto pura que ele desenvolve, ou mesmo uma sensibilidade tão cheia de nuanças, ou uma prosa tão satisfatória. (...) Entrei no seu ‘sonho’. É denso, forte, cortado retalhado como foi, um dia, o seu desenho. Sua pintura desdobra-se em referência e, por que não, literatura. Por que você não escreve mais, sem abandonar seus desenhos e pinturas? É que, hoje, você me encanta com duas formas de expressão bem amadurecidas. Você tem muito a nos dizer. Gosto desta escrita em bloco que você bem domina. Tal qual sua pintura, ela provoca o leitor, exige dele diferentes percepções. Seu trabalho é sedutor. (...) Bartolomeu Campos de Queiroz – escritor, em sua página no Facebook


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2012 -

Exposição Coletiva: “Grandes Artistas” – Boulevard Shopping – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Objeto Indireto” – Centro Cultural de Contagem – Contagem, MG Exposição Individual: “Miguelianas” – Câmara dos Deputados – Brasília, DF Exposição Individual: “Miguel e o Ornitorrinco” – Museu Inimá de Paula – Belo Horizonte, MG (...) Você e o Glauco Rodrigues, embora as muitas diferenças, têm certo parentesco. Você radicalizou o que ele apenas sugeriu. Mais: ele estava preso ao momento do Tropicalismo, àquela geração dos anos 60.Você trouxe a interioridade dramática e satírica de Minas, rastreou e comentou o roteiro que faz. A colagem trans-histórica, transicônica, tragicômica resulta num painel que de algum modo é o jornal intemporal de nossas essências Affonso Romano de Sant’Anna – poeta, escritor

(...) Miguel é um desses artistas que vale a pena acompanhar cada passo, cada detalhe, cada nova obra. O que ele cria nos faz pensar e sentir, de novos ângulos e perspectivas. Enfim, um Artista-com-algo-a-dizer, algo cada vez mais raro. Fabricio Marquez – poeta, professor

(...) Miguel tem desenvolvido uma pesquisa estética de grande renovação no âmbito da recepção múltipla de influências e códigos artísticos, o que revela uma criatividade renovada e uma preocupação de permanente atualização. Robson Soares - curador

2013 -

Exposição Individual: “Vinte Centavos” – Galeria Quadrum – Belo Horizonte, MG (...) Possuidor de primorosa capacidade de articulação das suas ideias, reveladas num depoimento claro e conciso, e na própria execução de suas obras, este artista nos deixa pouco espaço, poucas janelas, por onde conduzir um pensamento indagativo, uma reflexão inquiridora sobre seu trabalho(...) Digo “ler a obra” pois ela está composta por imagens simbólicas tão fortes que, para uma sensibilidade mais apurada, elas se apresentam, além da visão estética, como páginas a serem decifradas. Paulo Laender – arquiteto, escultor, designer, em sua página

(...) A pintura de Miguel Gontijo não se restringe ao ideal estético. Ou à busca da imagem e da cor radiantes que a beleza da arte proporciona. Imagem e cor, através da vitalidade do olhar/testemunha do pintor, não permanecem no enquadramento do equilíbrio das linhas conjugadas à sensualidade das formas. O olhar do artista exige mais do que isto. É o olhar do ato fundador que invoca o gesto pensante o qual, por sua vez, interroga o comportamento dos homens. Ricardo Teixeira de Salles – poeta


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2014 -

Exposição Coletiva: “fARTura” - Galpão Paraiso – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Grandes Artistas” – Boulevard Shoppingn – Belo Horizonte, MG Exposição Individual: “Bibliotheca” – Cine Brasil – Belo Horizonte, MG (curadoria Robson Soares) Exposição Individual: “Miguel Gontijo em duas coleções” – Memorial Minas Gerais Vale – Belo Horizonte, MG Exposição individual: “Laboratório Genético do Dr. Leugim Olegna” Biblioteca Central da UFMG (curadoria Paulo Caldeira da Terra) (exp. individual) – Belo Horizonte, MG (...) Imagens, formas, cores aparecem nos seus trabalhos, montando um vocabulário diverso dentro de uma linguagem que se repete, renovando e se modificando sempre. E é o seu significado, a sua organização técnica, as relações existentes entre suas partes e a sua estrutura global que nos emocionam e se transformam numa extraordinária peça de engenho e sabedoria. Ricardo Pentagna Guimarães - colecionador

(...) de temperamento anárquico, ideal libertário, um príncipe dos rebeldes, busca em solidão seu próprio caminho, sem mestres e orientadores. Antevejo que seu estilo plural e atemporal deixará marcas indeléveis na nossa história. Segismundo Marques Gontijo - colecionador

(...) O que falar dos objetos? Também com a mesma minúcia ele transpõe um mundo imaginário para o encontro das pequenezas reunidas. Trabalhos iniciados há mais de vinte anos, terminados agora, apresentam mesmo essa característica de algo demoradamente elaborado, curtido, avesso ao tempo do relógio, que aliás, foi refeito pelas suas mãos. Miguel fez um trato secreto com o mundo. Todas as imagens seriam suas, estariam para sempre na sua biblioteca, a física e a pictural. Sim, ele pode, foi registrado nas escrituras, no fim do fim do fim do universo. E além. Ana Luiza Neves, mestre em História da Arte

Meus manuscritos plásticos são restos fragmentários e lacunares do nada. Escrevo a memória que não tive, o segredo que não guardei, a irrealização do real, a sobrevida de uma voz e principalmente a dor do dedão ao tropicar na Pedra Filosofal.


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2015 -

Exposição Coletiva: “Do Barroco a Transparência” - Viaduto das Artes, Barreiro – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Não confio em ninguém com mais de 40” – Viaduto das Artes – Barreiro – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Sobre o que se desenha” – MAP - Museu de Arte da Pampulha - Belo Horizonte, MG (...) A biografia de Miguel Gontijo é excelente exemplo de como uma escola pode bloquear talentos se não decifrar seu aluno, aparentemente rebelde às determinações pedagógicas. Entediado com as lições de Desenho, Miguel partia para outros trabalhos, escandalizando a severa diretora e revoltando os pais de seus colegas que queriam sua reprovação, porque ele não realizava o que era definido e era bem avaliado por três professoras na sua peculiar demonstração do que estava aprendendo de figuras geométricas. Enquanto isso, eu fazia, em sala de aula justamente ao lado, os mais simplórios triângulos, losangos, retângulos e quadrados, entrando em pânico quando precisava desenhar uma jarra posta sobre a mesa da professora. Naquele tempo, mesmo nossos sonhos eram muito limitados, mas a Sra. Diva Souto Gontijo oferecia ao filho todo o material de que ele precisava e ia guardando a produção, que foi descoberta no cofre do pai somente quatro anos atrás. Ela agia com muita discrição e jamais questionou o colégio. O adolescente que nunca fazia bagunça na escola nem na rua saberia construir seu caminho, quando viesse para Belo Horizonte, aos 15 anos. (...) Gilda Castro – antropóloga, jornalista

(...) A relação entre a obra de Gontijo e a arte contemporânea está no não seguimento de um estilo específico. Desenhos, pinturas, ilustrações, arte ótica, oratórios, colagens, instalações e modificações artísticas de objetos, como enciclopédias, torneiras, tubos de creme dental e outras embalagens, são algumas das compulsões que participam do processo criativo do artista. Marina Silper - designer

2016 -

Exposição Coletiva: “Arte e Política no acervo do MAP” – Sesc Paladium – Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “40 X 40” (segunda edição) – Viaduto das Artes – Barreiro - Belo Horizonte, MG Exposição Coletiva: “Limitrocidade” (D. Pinho, M. Gontijo, R. Laguardia) Aliança Francesa – Belo Horizonte, MG Exposição Individual: “Almanaque” – Casa Fiat de Cultura – Belo Horizonte, MG - curadoria Robson Soares Exposição Individual: Espaço Cultural Vallourec - Belo Horizonte, MG. Miguel Gontijo trafega na arte como um motorista que conhece profundamente as regras do trânsito, mas faz questão de ignorá-las, especialmente ‘sentido obrigatório’, ‘parada proibida’ e ‘mão única’ (...) Miguel transgride a transgressão e não está nem aí para os modos estabelecidos de transgredir. (...) José Eduardo de Lima Pereira – Presidente Casa Fiat de Cultura


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(...) A pintura de Miguel Gontijo sugere, numa primeira vista, um almanaque, uma menção de motivos, símbolos, formas e ações isoladas. Mas, se olharmos mais atentamente, numa segunda vista, percebe-se uma diferença profunda. Enquanto um almanaque tem por base, por sentido, uma cronologia dos assuntos como princípio de ligação, a pintura de Miguel Gontijo é uma composição de assuntos, ações, acontecimentos, marcas, formas intertemporais tornando o resultado um enigma. O enigma parece estranho; cenas antigas se misturam com objetos atuais. Tabus sexuais são banalizados. Tabus religiosos são confrontados com o existencialismo. Marcas e nomes do modernismo complementam ações, cenas surreais. Violência, corpos abertos, estribos expostos convivem com indiferença, devoção e espiritualidade. E sempre no meio: a lâmpada do Picasso. O mictório do Deschamps, o Super-Homem e uma escrita ilegível. Cadê a ligação entre os motivos? Cadê o sentido? O que quer o artista dizer, conectando o não ligável? A pergunta que não cala na cabeça do espectador do quadro: Como ler este enigma, ou, será que é um enigma? Manfred Leyerer - colecionador

2017 -

Exposição Coletiva: “Anos 60\70 – Um Panorama” – Museu de Arte Contemporânea do Paraná - Curitiba, PR - curadoria Ronald Simon Exposição Individual: “Babel” – Galeria Alberto da Veiga Guignard – Palácio das Artes - Belo Horizonte, MG - curadoria: Augusto Nunes-Filho (...) O artista privilegia o corpo humano como elemento de destaque em sua obra das mais diversas formas, inusitadas maneiras e inusuais frequências. O espelhamento que se apresenta em sua produção ocorre preferencialmente pelo viés da fragmentação do traço identificatório, em detrimento da totalidade da identidade da imagem. A figura ou paisagem, composição ou montagem, com que se depara o olhar, fisga o sujeito resgatando recortes de sua história para novas significações. Deus e o Diabo habitam detalhes. O trabalho de Miguel Gontijo é exemplar na demonstração da identidade e o instigante do processo da identificação. Augusto Nunes-Filho, psicanalista, crítico de arte

(...) Estaria o artista estetizando a perda inevitável? Sugerindo que tudo está inelutavelmente contaminado, mais parece que Gontijo exacerba, como um Bosch contemporâneo, a onipresença dos vícios; como se seu esforço poético fosse a derradeira tentativa de um resgate impossível. Um desejo subjetivo de resgate, mas com o compromisso de não ignorar gozo, arroto, náusea, gula e tantos outros exageros que marcam a condição dos mortais. Em verdade, pode-se mesmo destacar uma certa elegância que transforma o lamento desesperado em emergência trágica, dignificando o lugar do artista no mundo. Marcos Hill – professor

(...) Gontijo é um palimpsesto cultural. Assim como sua obra, não julga – realiza. Reúne inúmeras camadas discursivas como imagéticas criando mitologias de origem. Por essa razão, as livres associações não podiam sustentar um universo tão trabalhado e cuidadoso como o de Miguel. Gontijo é sem dúvida um ‘caçador em terras alheias’ ou o Dr. Tulp. Rodrigo Vivas – professor, crítico de arte


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(...) Mestre do detalhe e da minúcia, desvela e revela algo inesperado. Em suas narrativas visuais, o caos da história absorve, por inteiro, o espectador aturdido pela vida que passa. Angelo Oswaldo de Araujo Santos

(...) ‘Babel’, do Miguel Gontijo é atordoante. Visceral, como esse tempo que gira em todos os sentidos, e nenhuma direção. Tempo em que, literalmente, a carne é fraca, pois sem alma, apodrece no sol capital insano. Em um mundo atado à ilusão virtual, poucos se tocam, muitos trocam o vazio de lugar no balcão iluminado das suas pirotecnias mundanas. Ah! Velho Marx... valor de uso e de troca, sem coisa, sem mercadoria na mão, sem tocar em nada e ninguém. A carne é fraca. A obra do Miguel...franca, intensa e doída...o bicho é esse, em todos os andares da sua água rasa e pretensa eternidade. Marcos Pedroso – poeta - Facebook

Exposição Coletiva: “Entre Acervos” – Fundação Clóvis Salgado (MG); C.C. Hector Ricardo Rojas - UBA (Buenos Aires, Argentina); MAC (GO)

2018 -

Exposição Coletiva: “Pintura Mineira – Recorte” – Espaço Cultural Vallourec - Belo Horizonte, MG Falar sobre a obra de meu amigo Miguel é um grande desafio. Logo de cara observamos que a forma de expressão do artista nos deixa intrigados e nos leva a viajar num mundo fantástico e mágico. Desenhos, pinturas e objetos, com sua perfeição técnica, convidam-nos a adentrar nesse mundo donde não queremos mais sair. E percebemos que as imagens criadas por essa mente desafiadora estão todas interligadas, dizendo-nos que sem um tudo anterior não existe um tudo posterior. O espaço pictórico transbordante de personagens, escrita, histórias, amuletos resulta em imensa beleza plástica. Enfim: gosto muito dos urubus que vira e mexe aparecem na sua obra, meu amigo Miguel! Décio Noviello - artista, cenógrafo

Meu processo criativo é marginal, bandido e age através de apagamentos, grupos de extermínios, divisões de captura, liquidações, desovas, desaparecimento de originais, queimas de arquivos, sumiços, etc. Meu lado bandido faz tudo isso para que o meu lado artista envaideça. Meu lado bandido é muito mocinho!


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Ao contrário do que dizem me deram um mundo distorcido. Rasuraram as dedicatórias e os entendimentos retiraram-se apressadamente para o além-texto. Fiquei perdido num pântano de sêmen, tendo como companhia apenas o meu bandido de estimação. O mundo é um acontecimento de linguagem e a morte um suborno emocional. Levo lentamente à boca uma granada, para deflagrá-la e são os lábios que denunciam que essa granada não passa da xícara do meu café. - Bom dia!


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Almanaque Exposição na Casa Fiat - BH/MG 2015


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Carta I 30 x 42 cm – bico de pena – 1985

Memorabilia (detalhe) 32 x 26 cm – Livro de artista pinturas acrílica s\telas – 2019


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Memorabilia 32 x 26 cm – Livro de artista, 29 folhas pinturas acrílica s\telas, 2019


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Paleta de cor 41 x 30 cm – Interferência no livro “Obras primas de Van Gogh”, 64 folhas – 2018


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Procuro-me 44 x 43 cm – Livro de artista, 90 folhas, 8 desenhos bico de pena e 38 pinturas óleo e acrílico s\tela – 2016


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Interferências em cédulas – 1989 – bico de pena


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É nóis mano! Interferência na Enciclopédia Britânica 380 pág. técnica mista – 2014\2018


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Instalação “Bibliotheca” Exposição no Cine Theatro Brasil Vallourec, 2014

Cabeças pintura sobre madeira 30 x 23 x 06 cm


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Interferência na Enciclopédia Britânica Pirografia, 380 pgs – 2010


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Tessituras Interferência na Enciclopédia Britânica 380 pgs – 2000\2018


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Tessituras Interferência na Enciclopédia Britânica 380 pgs – 2000\2018


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Tessituras Interferência na Enciclopédia Britânica 380 pgs – 2000\2018


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Tessituras Interferência na Enciclopédia Britânica 380 pgs – 2000\2018


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Mapas Interferência na Enciclopédia Britânica – pg: 06 380 pgs – 2001


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Livro das Horas Interferência na Enciclopédia Britânica – pg. 48 380 pgs – 1995 \ 2006


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Livro das Horas Interferência na Enciclopédia Britânica – pg. 189 380 pgs – 1995 \ 2006


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Paisagens bico de pena – dÊcada de 1980


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A Arte não vale a pena Interferência em cartões-postais - 8 cartões – 2018


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ISBN: 978-85-909998-3-6

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