Juçara Costa - Pontos sem nós - Desenhos Bordados

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A minha base não é de terra, É de A minha base não é de pedras É de Minha mãe apontou a vida com um dedal Minha base é de tias, avós e mãe

linhas botões

bordadeiras! É passado bordado

É um carretel de tempo que mora na minha memória na minha base construí a vida esparramada em fios e nós. sinto dó,sinto pena, quando assisto sem nada poder fazer O feminino guardado ...

Juçara Costa Ofereço esses desenhos bordados em gratidão aos meus antepassados, Tias, avós e Mãe. E às primas, que hoje continuam escrevendo nossas histórias bordadas


Hors- Ligne

Um dia, ela viu uma linha fazendo bainha. Bainha todo mundo pode fazer, pensou. Com esta mesma linha, Juçara resolveu fazer o mundo. E no mundo da linha da Juçara não falta água límpida, nem ar puro. Juçara e seu mundo da linha esbanja beleza, inspira, transcende. Em seu percurso fora da linha, Juçara faz a vida virar poesia. Juçara é Hors-ligne.

Jair Raso



Por um fio

Todo o sim do mundo está nas mãos da mulher. Sem ela não germina, não rebenta, não brota. Nem a morte há. A vida seca antes sem o sim da mulher. Sua boca, seu colo, seu ventre é o principio o meio e fim. Mas tudo é recomeço, é retorno. E novamente lá está ela, como se o tempo não existisse. Como se nem o antes houvera, para que o traço do fio da vida se refaça em outro, outro, outro e outro mais ... Surpreendendo os olhos humanos, com novas cores, novas formas, novos sentidos e pensares. Novos quereres. Espia comigo: uma mulher esta de cócoras, bordando um manto, e assim reza repetidamente - o que que cose? Carne quebrada, osso rendido, nervo torcido. Carne quebrada, osso rendido, nervo torcido... Pensa ela que em cada nó desse mantra, está a cura. A cura de tudo que o contrário despeja no mundo. E no seu pequeno gesto de enredar sua história no visgo do ponto, ela renasce e faz nascer em nós um sentimento de esperança, carinho e dor, que tem como codinome amor. E se suas palavras se transmutam em versos de linha e se o seu pensar é uma flecha rumo ao sonho, ela está completa no seu oficio. Reter a história da vida em um pergaminho de tecido, onde existe um fio livre, solto a espera do sim de uma outra mulher.

Kalluh Araujo


Ju

Quando se fala em tecelagem, fios e bordados, a imagem que nos vem é a de Ariadne. E Ju é metade isso: uma mulher solar durante o dia e a noite aboleta-se sobre a cama, solitária e introspectiva, abrigada sobre seus mantos de tramas e alinhavos. Nesse momento a lua “tece” os destinos; a aranha sua teia, enquanto as fiandeiras Moiras atam destinos criando novas formas de vida. Ju remenda seus mundos imaginários ao seu mundo real. Na união desses mundos nascem a trama, as urdiduras, nas suas guerras interiores travadas madrugada à dentro. Ela não cria, pois tal como uma aranha, tira de si sua própria teia. Seus bordados não são desmanchados tal qual as da mulher mitológica. Seu ritmo vital e a sua alternância são marcas de sua passagem por esse mundo. As amarras de suas linhas são, ao mesmo tempo, um ‘fio de prumo” e um “fio da navalha”. Enquanto você vai aí tecendo, noite à dentro, visto a capa de Sherazade para lhe contar algumas histórias. Escuta essas: Disseram-me, certa vez, que no norte da África tecer significa o mesmo que lavrar, pois ambas as atividades estão associadas à obra criadora. Contaram-me também, que a palavra tantra (essa você vai gostar!) deriva-se igualmente da noção de fio e de urdidura, o que gera a interdependência das coisas, das causas e dos efeitos. (entendi muito bem não! mas você, creio, entenderá.)


E, por fim, contaram-me que fio é símbolo da busca espiritual que liga o princípio de todas as coisas. (a sua cara, não? ) Quer outra? Aí vai: a noção de labirinto e roca são as mesmas a nos provocar a necessidade de transcender os contrários, de abolir a polaridade que caracteriza a condição humana, a fim de alcançar a realidade última. Pois é, minha amiga, como você me conhece sabe que essas informações estão comigo de graça, sem uso, e eu nem sei porque as gravei. (Acho que cabeça também é lixeira!) Mas, veja!: agora achei serventia. Elas estavam esperando essa sua exposição, onde cada alinhavo do seu trabalho é o reflexo do que você pensa e é. Talvez tenha aprendido isso com você e chegou a hora da devolução. A lei do eterno retorno. Mais um alinhavo, mais uma amarra, mais um nó. Como queira! Como na nossa tradição exige que acrescente uma moral para fazer esse texto pedagogicamente aproveitável, cabe a você enquanto tece, penetrar nesse seu labirinto mágico e ajustá-lo como queira. Caso você se perca aí dentro e se martirize, lembre-se da esvoaçante Ariadne. Retire o fio da agulha, marque sua volta, confiante de que o labirinto é apenas a trama que o destino nos armou. (por enquanto, nessas suas mil e uma noites mal dormidas, só me resta dizer: _ bons sonhos!)

Miguel Gontijo Artista Plástico


“A história dos desenhos bordados começou há mais de 15 anos, com esse vestido feito com saco de açudar. Assim como nada fica pronto na vida, comecei a bordar e a usá-lo inacabado, deixando sempre um fio solto marcando onde parei. Depois vieram os mantos, que faço para deixar para os meus filhos como forma de um abraço concreto. Quando eles passam por alguma situação de vida que pede minhas orações, rezo bordando.” Juçara Costa



Design: Ideiário - Clara Gontijo Fotos: Daniel Pinho

Pontos sem nós - Juçara Costa Visitação de 20/06 a 24/07/2015

+55(31) 3586-3422 • www.jucaracosta.com jucarapessoal@gmail.com

Agradecimentos especiais aos proprietários das obras expostas: Alvacir Campos, Selma Rejane Gonçalves Campos, Tania Costa, Jair Raso, Andrea Silveira, Valéria Silveira, Leandro Gabriel


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