Coleção Paulo da Terra Caldeira

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A poética da paixão

Coleção Paulo da Terra Caldeira



A poética da paixão

Espaço Cultural Vallourec novembro de 2015

Peticov, Antônio Assis, 1946 Abstrato, OSE, 2008, 36 x 60 cm

Coleção Paulo da Terra Caldeira

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A poética da paixão

Coleção Paulo da Terra Caldeira

Ao longo dos anos um homem propõe a tarefa de desenhar o mundo. E ele o povoa com imagens de reinos, montanhas, ilhas, moradas, astros, cavalos e pessoas. Pouco antes de morrer descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem do seu próprio rosto. Jorge Luis Borges

Tenho o prazer de ser amigo do colecionador Paulo da Terra Caldeira há muitos anos. Ao longo de sua vida produtiva e intelectual ele pôde apurar sua inteligência e multiplicar seu gosto. Um intelectual calmo, denso, vibrante, e apinhado de informações. Mais que um colecionador de obras de arte ele é um apaixonado pelo universo em constante transformação que ele mesmo cria. Diferente da maioria dos colecionadores, sua coleção é totalmente desvinculada do caráter mercadológico e, portanto, movida pelo sentido da paixão. Suas obras parecem fazer parte de um único corpo, que é regido pelo seu gosto estético, sua cultura e sua postura diante da sociedade. Costumo brincar que Paulo quer “engarrafar” o mundo. Prender o tempo em todas as suas nuances. Se o objetivo primeiro de sua coleção são suas obras de arte, que definem seu gosto e caráter de colecionador, ele é também um apaixonado por livros e fotografias. É dono de um imenso acervo fotográfico, composto de artistas, amigos e eventos que documentam sua trajetória pela vida. Muitas vezes consigo vê-lo como um personagem do escritor Borges, que passa a vida a inventariar todas as suas lembranças possíveis e impossíveis, criando um prodigioso catálogo de recordações, que constitui sua vida. Ou, até mesmo um outro personagem do mesmo autor (Elogio da Sombra), que é um guardião de livros e que nos faz interrogar que delírio poético e econômico é esse que norteia esses seres que passam a vida a colecionar coisas? Coletar e estocar parecem ser da estrutura do humano. O mais antigo colecionador que a história registrou é o faraó Tutancâmon, dono de um considerável acervo de finas cerâmicas. Passava horas em um cômodo que mandou fazer para estocá-las, observando-as. Mandou, inclusive, que fossem

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detalhadamente registradas em um papiro. O ato de colecionar nada mais é do que uma memória material. Uma espécie de HD a fornecer suporte para as lembranças. O colecionador age como um taxólogo, pretendendo um mundo mais ordenado, significativo e diferente e tenta recriá-lo ao seu modo e semelhança. O recorte da coleção Paulo da Terra, que a Vallourec do Brasil nos apresenta, é uma pequena parte do seu acervo. Uma amostragem norteada pelo mesmo sentido que norteia a aquisição das obras: o sentido da paixão.

Miguel Gontijo

Artista plástico novembro de 2015

Gontijo, Miguel Retrato do Colecionador AST, 2012, 36 x 36 cm 5


Gontijo, Miguel Santo Antônio do Monte, 1948 Tarja preta Óleo sobre mdf, 2008, 136 cm ø 6


Trancoso, Mariza Almenara TrĂŞs figuras OST, 1982, 178 x 173 cm 7


Brizola, Leonard Belo Horizonte Figura com bis達o OST, 1997, 130 x 180 cm 8


C창mara, Jo찾o Jo찾o Pessoa, 1944 A juventude segundo Maria Visconti OST, 57 x 47 cm

Weissmann, Leonora Belo Horizonte, 1982 Morte em Veneza OST, 2006, 15 x 30 cm

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Andrés, Maria Helena Belo Horizonte, 1922 Nave azul OST, 1974, 42 x 61 cm

Marx, Roberto Burle São Paulo, 1909 - Rio de Janeiro, 1994 Geométrico Guache, 1978, 57 x 76 cm 10


Fukushima, Tikashi Soma, Jap達o, 1920 - S達o Paulo, 2001 Abstra巽達o ocre, OST, 1970, 60 x 50 cm 11


Brito, José Lobão da Beira, Portugal, 1958 Paisagem noturna Óleo e colagem sobre tela, 2009, 46 x 55 cm

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Ohtake, Tomie Quioto, Japão, 1913 - São Paulo, 2015 Abstração (vermelho) OST, 1995, 31 x 31 cm


Castro, Amilcar de Belo Horizonte, 1920 - Belo Horizonte, 2002 Abstrato OST, 2001, 80 x 80 cm

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Benjamim, Marcos Coelho Nanuque, 1952 Composição com figuras OSE, 1989, 50 x 70 cm

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Nemer, José Alberto Ouro Preto, 1945 Série III Aquarela, 1994, 15 x 21 cm

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Apocalypse, Álvaro Brandão Ouro Fino, 1937 - Belo Horizonte, 2003 Figura com bastão e pássaro Pastel, 1975, 39 x 25 cm 16


Juarez [Antunes], Jarbas Coqueiral, 1936 Nu feminino OST, 1977, 60 x 50 cm 17


Gerchman, Rubens Rio de Janeiro, 1942 - São Paulo, 2008 Casal geométrico OSE , 1986, 72 x 53 cm

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Luwisz Szejnbejn , Chanina Zofjowce, Pol么nia, 1927 - Belo Horizonte, 2012 Mulher com p谩ssaro OST, 1970, 40 x 31 cm

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Nuno, Nelo Viรงosa, 1939 - Belo Horizonte, 1975 Paisagem OSC, 1966, 55 x 76 cm

Marcier, Emerich Cluj, 1916 - Paris, 1990 Paisagem OSD, 1973, 50 x 35 cm 20


Paula, Inimá José de Itanhomi, 1918 - Belo Horizonte, 1999 O córrego com a ponte OSE, 1978, 60 x 73 cm

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Ianelli, Thomaz S達o Paulo, 1932 - S達o Paulo, 2001 Composi巽達o abstrata OST, 1961, 46 x 61 cm

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Scliar, Carlos Santa Maria, 1920 - Rio de Janeiro, 2001 Lampi達o, bule, etc. Vinil e colagem sobre tela, 1981, 55 x 75 cm

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Aguiar, Manoel Casal Rio Tinto, Portugal, 1941 Terra Podre de folhas e areias OST, 1975, 70 x 60 cm

Campofiorito, Quirino Belém, 1902 - Niterói, 1993 A praia (II) OSM, 1940, 58 x 50 cm

Fontes, Alan Ponte Nova, 1980 Animação no. 3 para os amigos OST, 2007, 170 x 140 cm 24


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Cardoso, Fernando Belo Horizonte, 1970 Nu com xícara de chá Nanquim, 2012, 25 x 17,5 cm

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Carvalho, Flávio de Rezende Barra Mansa, 1899 - Valinhos, 1973 Gabriela Nanquim, 1973, 24 x 24 cm


TupinambĂĄ, Yara Montes Claros, 1932 Formigas Desenho, 1965, 30 x 24 cm

Guignard, Alberto da Veiga Nova Friburgo, 1896 - Belo Horizonte, 1962 Cenas da PaixĂŁo Desenho, 1965, 28 x 33 cm 27


Zavagli, Mário Guaxupé, 1956 Purificação e glória do pintor Georg Paul Thek Aquarela, desenho e colagem, 2008, 38 x 38 cm

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Neves, Marta Belo Horizonte, 1964 “Retato falado do Brasil (carta enigmática)” Colagem, 2011, 29,5 x 40 cm

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A difícil arte de eleger um recorte em uma coleção

O ato de colecionar objetos de arte pode ser entendido como uma virtude ou dádiva natural para alguns seres humanos ou consequência de influências do meio social no qual se está inserido. Em meu caso acredito haver sido persuadido pelos dois aspectos. Acrescente-se a isso a minha curiosidade e interesse em acompanhar os acontecimentos econômicos, políticos, sociais, científicos, literários e artísticos em Belo Horizonte, no Brasil e mundo afora. Lembro-me bem que, ainda criança, manifestava forte tendência pelo manuseio de revistas em quadrinhos e por livros de literatura infantil, não apenas pela leitura das estórias mas também pela posse do objeto e pela aquisição dos demais títulos que eram publicados à época, integrantes da Coleção Melhoramentos. Nessa época não havia a abundância e a variedade de livros lançados a partir do final do milênio passado. Além de livros, outros objetos despertavam minha atenção e foram sendo apreciados e armazenados como curiosidades: lápis, caixas de fósforo, álbuns de figurinhas os quais, com o passar dos anos, começaram a ser substituídos por livros de literatura juvenil e, rapidamente, por obras de escritores brasileiros e estrangeiros que constituíam fonte de leitura e obtenção de conhecimento. Na década de 1960 eram comuns discussões e debates com amigos sobre livros adquiridos em livrarias como a Itatiaia, a Van Damme, a Oscar Nicolai, a Rex, entre outras, que exibiam em suas vitrines e balcões os lançamentos recentes, objetos de desejo, leitura e discussões acirradas com amigos. Foram de importância significativa neste despertar as professoras Maria Luiza Ramos, no Colégio Municipal de Belo Horizonte e, mais tarde, na UFMG, Ângela Vaz Leão e o Professor de História da Arte, Álvaro Fraga Damasceno. Foi nesse período que iniciei a aquisição dos fascículos de Gênios da pintura, e, pouco tempo depois, os volumes de O mundo dos Museus que me proporcionaram conhecer com mais detalhes obras de expoentes de várias nacionalidades, tendências e estilos. 30


Como funcionário e aluno da UFMG, em várias oportunidades frequentava aberturas de exposições coordenadas pela crítica de arte Celma Alvim, no Saguão da Reitoria, nas quais professores da Escola de Belas Artes e artistas de renome nacional exibiam suas obras. Da mesma forma, era com satisfação que passava por eles nas caminhadas pelo campus da Universidade. Vez por outra eram publicados e vendidos álbuns de gravuras de artistas da Escola e, dessa forma, juntamente com doações de obras de alguns artistas, constituíram o início dessa coleção. Nesse período eram escassos os espaços destinados à fruição artística na cidade. Podem ser citados inicialmente, a Galeria Grupiara, e, mais tarde, a Galeria Guignard, localizada no hall do Teatro Marília, a da Associação Mineira de Imprensa, o Museu de Arte da Pampulha e a partir de janeiro de 1970, o Palácio das Artes. Além dessas instituições, outra importante contribuição para moldar o gosto pelas obras de arte foram os leilões realizados na Rua Guajajaras, pelo saudoso leiloeiro Antônio Ferreira e, mais tarde os de Fernando Paz e os de Vitor Braga e pela comerciante de antiguidades Maria José Capanema, que possibilitavam a apreciação de trabalhos de artistas nacionais e de antiguidades. A partir dessa fase de iniciação, formação e aperfeiçoamento do olhar, eram frequentes as visitas a galerias de arte e museus do Rio de Janeiro, de São Paulo e de outras capitais, as quais vieram contribuir para consolidar o interesse pela música, literatura, cinema, teatro e as artes em geral. Da mesma forma, a proximidade da Capital com as cidades do Ciclo do Ouro tiveram também papel preponderante na aprendizagem, desenvolvimento e admiração pela arte sacra e objetos de devoção, de vez que eram frequentes as viagens a Sabará, Ouro Preto, Mariana, Congonhas entre outras. Ainda nos anos de 1970, a realização de curso de mestrado no Rio de Janeiro, com bolsa de estudos do Conselho de Pesquisa da UFMG e estágio docente efetivado na Polytechnic of North London, e em Portugal, patrocinados pelo Conselho Britânico, possibilitaram desfraldar novas perspectivas e, ao mesmo tempo, conhecer a grandeza dos acervos de museus europeus e, na década seguinte, do México e, novamente, da Europa. Esses intercâmbios internacionais tornaram factíveis reflexões mais críticas a respeito dos movimentos e tendências artísticas e a necessidade de o colecionador conceituar o foco de sua coleção. Nesse sentido, ao ser convidado para mostrar parte das obras de meu acervo no Espaço Cultural da Vallourec & Mannesmann Tubes procurei direcionar o olhar perspicaz, avassalador e implacável do curador para obras de alguns artistas mineiros, brasileiros e estrangeiros concebidas principalmente, a partir da década de 1960, constituídas de pinturas, esculturas, aquarelas e desenhos chegando até a contemporaneidade e, dessa forma, poder compartilhar com amigos, colecionadores e admiradores, obras que tenham qualidade intrínseca e possam estimular e emocionar os visitantes a apreciarem o engenho dos artistas, ao transmitirem arrebatamento, fascínio e magia em suas criações.

Paulo da Terra Caldeira Colecionador

Stockinger, Francisco Alexandre Traun, 1919 - Porto Alegre, 2009 Guerreiro Bronze e madeira, 80 x 18 x 12 cm 31


Mazzilli Junior, Domingos São José do Rio Pardo, 1963 Bacio Objeto, 2000, 61 cm ø

Andrade, Farnese Araguari, 1926 - Rio de Janeiro, 1996 Formação de pensamento Assemblage, 1978, 50cm ø 32


Souzanetto, Manfredo Jacinto, 1947 16/90 OST, 1990, 46 x 44 cm 33


Torres, Caciporé de Sá Continho da Lamare Araçatuba, 1935 Bronze, 40 x 36 cm

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Araujo, Emanoel Alves de Santo Amaro da Purificação, 1940 Formas Aço, 35 x 33 cm 35


Bernardelli, Rodolfo José Maria Oscar Guadalajara, México, 1852 - Rio de Janeiro, 1931 Mulher assentada com o braço levantado Bronze, 36 x 28 x 17 cm

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Giorgi, Bruno Mococa, 1905 - Rio de Janeiro, 1993 Flautista Bronze, 50 x 19 x 12 cm


Cidade, Roberto Augusto Machado Caçapava do Sul, 1939 - Passo de Torres , 2011 Figura Ferro, 57 x 12 x 10 cm

Vlavianos, Nicolas Atenas, Grécia, 1929 Aço, 1986, 37,5 x 30 cm

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Vivern, Alfi Buenos Aires, 1948 Movimento Mรกrmore carrara, 53 x 34 x 9 cm 38


Espaรงo Cultural Vallourec - novembro/2015


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