Dossier
João Paulo Pinto Comunidade Lean Thinking
Repensar a Função Manutenção Centrando-a no Pensamento Lean Este artigo surge no seguimento da conclusão do livro “Lean Maintenance” e de todo o trabalho prático e de investigação realizado para levar a bom termo a sua conclusão. O livro será publicado no início de 2012 e antevê uma revolução no modo como abordamos a função manutenção nas empresas. Neste artigo serão apresentados os principais desafios criados com a adopção do paradigma lean na liderança e gestão da manutenção.
Introdução Quando terminei a minha formação inicial em Engenharia fiz um estágio de três meses no Departamento de Manutenção numa Fábrica de Papel no Centro do País. Nesse curto período de tempo tive oportunidade de me aperceber o quão caótica era a actividade de manutenção, e o quão injusto era o trabalho daquele grupo de homens que passava uma boa parte do dia a “apagar fogos” e a correr de um lado para o outro. Nessa empresa, os planos de manutenção tinham uma validade muito curta dada a instabilidade dos processos e a pressão a que a manutenção estava sujeita, pressão esta exercida pelo seu cliente directo (Departamento de Produção) e pela Direcção Técnica que, para responder aos pedidos do cliente, tinha de intervir com frequência no equipamento e nos sistemas. A função manutenção desta empresa era, de algum modo, representativa das situações que encontramos um pouco por toda a indústria. A manutenção está exposta a uma enorme variedade de adversidades que corrompem toda a sua estrutura de gestão. A presença de condicionantes internas e externas tornam “quase” impossível planear as suas actividades de tal modo que muitas “desistem” do planeamento e adoptam a postura de “bombeiro” para dar resposta ao que vier. Há várias décadas que esta é a imagem usada para descrever a manutenção e assim se manterá se não olharmos para a manutenção de um modo proactivo. Fazer como sempre fizemos até hoje não poderá trazer mais do que aquilo que temos obtido. Nas últimas cinco décadas várias áreas de conhecimento contribuíram para o desenvolvimento da função. A fiabilidade foi uma delas ao revelar à manutenção o comportamento de sistemas e componentes, ao relacionar o uso e a manutenção com a probabilidade de bom funcionamento e ao sustentar práticas de manutenção assentes em rotinas de inspecção e substituição. Sob a “protecção” da Fiabilidade, a manutenção viu-se rodeada de equações e assustadores modelos matemáticos que prometiam significativas reduções de tempos e de paragens e um aumento da disponibilidade. Infelizmente pouco disso aconteceu. Para gládio dos académicos as equações continuam a ser ensinadas nas Universidades, embo-
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ra hoje se reconheça que muitas delas não têm qualquer validade prática como viria a demonstrar a RCM (Reliability Centred Maintenance) ao retirar a relação entre o tempo de vida e a fiabilidade ou ao questionar a validade das rotinas de manutenção preventiva na melhoria da fiabilidade de sistemas. No mundo real da manutenção, as pessoas que lhe estão ligadas não têm tempo nem cabeça para modelos matemáticos nem suposições. O cliente não permite folga para tais devaneios. Nos anos 1970/80’s o mundo tem conhecimento da TPM (Total Produtive Maintenance) ao aperceber-se do sucesso do Japão à escala mundial. A TPM foi “moda” em muitas empresas de classe mundial e muitas outras se seguiram. Mas TPM não é algo fácil de implementar, até porque exige uma profunda mudança cultural, exige tempo (anos) de implementação, muita perseverança e a presença de pessoas, algo que uma boa parte das empresas não se apercebeu ou não tinha. E apesar das promessas iniciais, a TPM foi caindo no esquecimento, aproveitaram-se as ferramentas e as métricas (como por exemplo, OEE ou Overall Equipment Efficiency), tendo-se publicado textos com opiniões críticas em relação à TPM, alegando a sua incapacidade de aplicação em todos os tipos de processos e questionando os resultados... enfim, quando novas modas aparecem nem tempo damos às que temos em mãos de provarem a sua real validade. O século XX termina com a manutenção bombardeada com aplicações derivadas da RCM, umas orientadas à disponibilidade, à manutibilidade e à segurança (como a RAMS - Reliability Availability Maintainability and Safety). Uma oferta muito vasta e fértil, a qual é acompanhada de um impressionante desenvolvimento tecnológico nas últimas três décadas. Os equipamentos de suporte à manutenção predictiva (“condicionada” para muitos) generalizamse, tornam-se mais acessíveis e abrangentes. Os sistemas informáticos (integrados ou não) aventuram-se por novas áreas da gestão da manutenção e muitos deles formam equipa com poderosos sistemas de hardware. Com tudo isto, os esforços em tornar a manutenção numa função integrada nas demais funções da empresa falharam, a manutenção isolou-se ao orientar-se para os aspectos técnicos da