Edição Especial-O Cidadão

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Edição especial

Comunicação Comunitária 2016 5

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Projeto

Artistas

Angolanas da

CEASM

Eco Rede

mareenses usam

Maré contam

aposta em

cria redes

a arte como

suas histórias

financiamento

sustetáveis

ferramenta

coletivo


Foto: Miriane Peregrino

Angolanas e angolanos também povoam a Maré 4 Perfil

8

5 Meio Ambiente

10 Sabor da Maré

6 Entrevista

O Cidadão Edição Especial 2

Imigração

8 16

11 Ceasm 12 O Cidadão Ilustrado


EXPEDIENTE Direção do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré - CEASM Antônio Carlos Pinto Vieira, Ana Cristina Moura Marinho, Lourenço Cezar da Silva, Luís Antônio de Oliveira, Ariane Paiva e Vanuza Maria da Silva Borba Edição e Revisão: Carolina Vaz Reportagem: Carolina Marinho, Micaelle Rodrigues, Josiane Santana, Maria da Conceição, Thaís Cavalcante, Miriane Peregrino, Cesar Abrantes, Júlia Sette, Jonathan Caroba, Luana de Moraes e Jordana Belo Ilustrações e Arte: Jhenri Projeto Gráfico: Artur Romeu e Evlen Lauer Diagramação: José Henrique Foto de Capa: Thaís Cavalcante Impressão: Folha Dirigida Tiragem: 5 mil exemplares O Cidadão na Internet: E-mail: ocidadaodamare@gmail.com Site: http://jornalocidadao.net/ Facebook: http//bit.ly/1WnnHBx Twitter:@jornaldamare Contato: (21) 2561- 4604 Endereço Praça dos Caetés, nº 7, Morro do Timbau, Maré, Rio de Janeiro-RJ. CEP:21042-050

Editorial Caro(a) leitor(a)! Você tem em mãos mais uma edição do O Cidadão, fruto da quarta edição do Curso de Comunicação Comunitária (Comcom), que foi um dos contemplados pelo edital do Rio Ações Locais, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro de 2015. O projeto, durante abril e julho de 2016, ocorreu todo sábado no Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM). O curso foi voltado a moradores de favelas, comunicadores populares, estudantes de diversas áreas e todo aqueles que não têm suas vozes e suas histórias contadas pelas grandes emissoras e veículos de comunicação. Contou com aulas de história da Maré, português, redação, entrevista, fotografia, mídias sociais, transmissão de rádio e TV, diagramação, entre outras. O objetivo do jornal é apresentar uma outra visão da Maré e do Rio de Janeiro. Começa com uma corrida pela superação de um jovem guerreiro mareense, escrita pela estudante do curso, Maria da Conceição Rodrigues e nossa repórter fixa Thaís Cavalcante. Passando pela construção de uma rede sustentável que vem ensinado crianças de três a 12 anos o valor da educação ambiental. Em matéria escrita pelas alunas Carolina Marinho, Josiane Santana e Micaelle Rodrigues, a matéria apresenta o projeto Eco Rede, que vem construindo

um trabalho primoroso com tema socioambiental. A edição especial do O Cidadão também traz um depoimento dos artistas mareenses Davi Marcos e Gê Vasconcelos, que participaram recentemente da exposição ComPosições Políticas, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, juntamente com outros artistas da região. O depoimento foi colhido pelas estudantes Luana de Moraes e Jordana Belo. Também lembramos, nessa edição, a força feminina e a forte imigração de angolanas que vêm escolhendo a Maré como sua casa. Escrita por Miriane Peregrino e Cesar Abrantes, a matéria apresenta a difícil jornada dos refugiados angolanos, que hoje somam 56,2% de todos os refugiados no Rio de Janeiro. Também prestigiamos Wagner na coluna “Sabor da Maré, que vem fazendo sucesso com seus churros. As últimas páginas do nosso jornal são dedicadas ao Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) e sua iniciativa de financiamento coletivo que vem abrindo novas possibilidades para o centro, em reportagem escrita por Júlia Sette e Jonathan Caroba. Mariana Rio, colaboradora do jornal e aluna do quarta edição do Curso de Comunicação Comunitária,.

Elas leem

Solange Targino, da Vila do Pinheiro

Luana de Moraes, da Tijuca


Perfil

Uma corrida pela superação Deficiente visual faz do atletismo sua profissão

Foto : Maria da Conceição Rodrigues

Por Maria da Conceição Rodrigues e Thaís Cavalcante

Atleta mareense coleciona medalhas e troféus.

Q

uem circula pela Vila Olímpica da Maré de manhã já sabe quem treina por lá: Edivandro Rosa, de 38 anos, que fez do espaço um degrau para conviver com a cegueira. Morador da Vila do Pinheiro, já viveu em casa de palafitas e na Rua do Canal. Quando pequeno, ajudava sua mãe a sustentar a casa catando latinhas. O Cidadão Edição Especial 4

Aos 20 anos, descobriu o glaucoma, uma lesão no nervo dos olhos. Mesmo com tratamento, aos 33 anos perdeu totalmente a visão e passou a perceber o mundo de outra maneira. Esteve com depressão durante dois anos. Entender e aceitar o futuro dali para a frente era uma grande desafio. Mas sua vida mudou.

Conheceu o Projeto Jaqueline Terto em 2013 e desde então aprendeu a praticar o atletismo. Acorda às 4h da manhã e anda cerca de 10 km sozinho até chegar na Vila Olímpica da Maré. Para treinar com qualidade, recebe assessoria do projeto, que é composto por profissionais de diferentes áreas: yoga, capoeira, hidrocapoeira e hidroterapia. Outro apoio é o benefício social da Prefeitura do Rio, que ajuda a manter sua casa. Edivandro é um homem solteiro, por isso tem mais tempo livre para se dedicar à profissão. A mãe, que mora junto e é chamada de guerreira, acompanha, mesmo de longe, todas as competições. A falta de visão não o impede de nada. A maior felicidade da vida do atleta são suas conquistas. Ele já participou de inúmeras maratonas, coleciona medalhas e tem em sua estante dois troféus. Um deles recebeu recentemente, por ficar em segundo lugar na Ultramaratona dos Anjos Internacional 2016. A prova de 235 quilômetros foi realizada na cidade de Passa Quatro (MG), subindo e descendo as montanhas de Minas Gerais. Os atletas passaram por cinco territórios, um deles foi São Lourenço. Edivandro foi acompanhado por quatro atletas sem deficiência física e mostrou que não há limitações: completou 26 horas de prova. Esse é o começo da realização de seu sonho: ser reconhecido internacionalmente.


Meio Ambiente

Maré cria rede sustentável Agentes ambientais atuam como replicadores de conhecimento em escolas Por Carolina Marinho, Josiane Santana e Micaelle Rodrigues

Uma educação participativa O método de ensino pensado para as oficinas está de acordo com a pedagogia crítica proposta pelo educador Paulo Freire. A

Foto: Arquivo Eco Redes

M

areenses fomentam a cultura sustentável nas escolas da rede pública no conjunto de favelas da Maré. O Eco Rede é um projeto formado por uma equipe de diversas áreas do conhecimento. Promove troca de saberes sobre educação ambiental entre os agentes e os beneficiários do projeto. Em 2011, a Organização Não Governamental Alfazendo desenvolvia atividades socioambientais na Cidade de Deus. Nesse mesmo ano, essa ONG foi contactada pela equipe de Responsabilidade Social da concessionária Linha Amarela S.A. (Lamsa) para implementar um projeto que trabalhasse com a educação ambiental e coleta seletiva no entorno da Linha Amarela. A iniciativa funcionaria da Cidade de Deus ao conjunto de favelas da Maré, proposta que originou o Projeto Eco Redes. Na Maré, as oficinas da equipe do Eco Redes Maré começaram no início de 2012. Até 2013, a equipe da Cidade de Deus era quem administrava o projeto todo. Depois, a gestão do projeto passou a ser do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), no Morro do Timbau.

Agentes apresentam ciclo da água em livro. ideia consiste em uma prática de sala de aula que possa desenvolver o pensamento crítico por meio da realidade dos alunos. A coordenadora do projeto, Cida Rodrigues, comenta: “Pegamos o tema gerador, que esse ano é o ciclo da água. Trabalhamos com música e vídeos para abordar a vida do homem e das plantas”. O tema gerador é definido anualmente, e a partir deles as atividades são desenvolvidas. Em 2012, o tema foi: “A História da Maré”; em 2013, Os três Rs (reduzir, reciclar e reutilizar); em 2014 o ciclo do lixo e, em 2015, “O consumo consciente”. Além das oficinas ministradas nas escolas da rede pública na Maré, o Projeto Eco Redes

também realiza um curso de formação para os agentes. As atividades só se iniciam após essa capacitação. “Quando se diz aluno, há uma relação de professor e aluno. Aqui nós somos uma equipe técnica formada por uma coordenadora, uma pedagoga, um assistente social, um biólogo e os agentes comunitários”, comenta o agente Matheus Frazão. As oficinas acontecem algumas vezes por ano, em cada uma das 12 escolas parceiras, para estudantes entre três e 12 anos. Além dos encontros expositivos, os agentes propõem a confecção de brinquedos feitos com resíduos recicláveis. Esses resíduos são recolhidos no Eco Ponto que fica no Ceasm. O Cidadão Edição Especial 5


Entrevista

ComPosições Políticas A arte como ferramenta de reflexão Por Luana de Moraes e Jordana

O Cidadão: Como foi produzir a exposição “Composições Políticas”? No alto a direita Gê se concentrando para uma exposição no Bela Maré Em baixo à esquerda, o artista Davi posa ao lado de uma de suas obras

P

ercursos de casa ao trabalho ou a espaços públicos não são tão livres quanto gostaríamos. As barreiras são determinadas por cor da pele ou classe social. É o que afirma os artistas mareenses Gê Vasconcelos no seu trabalho “Testemunho”, no qual ele fotografa a abordagem policial no momento em que pega o ônibus para ir à zona sul e Davi Marcos, com “Vazios”, que traz na fotografia a dor da ausência de parentes queridos, que foram mortos pela violência da polícia. Os dois trabalhos são resultados da residência artística que aconteceu no galpão da Bela Maré, na rua Bitencourt Sampaio. Junto a outros artistas, eles abordaram as relações entre a repressão policial e a criminalização dos moradores de favelas. A partir disso, nasceu em abril, a exposição ComPosições Políticas, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Em entrevista à O Cidadão, eles trouxeram reflexões sobre arte, racismo e discriminação.

O Cidadão Edição Especial 6

Davi: A residência artística foi muito importante para o debate sobre a arte que permeia as realidades do Rio de Janeiro, realidades não divulgadas, ou meramente exploradas de forma sensacionalista pela mídia tradicional. Quando o autor da violência é um pobre, exige-se que seja imediatamente responsabilizado e punido, porém quando o responsável pelo ato de violência é da classe média ou alta, procura-se o debate, colocando as mais possíveis variáveis sobre o que levou uma pessoa de “bem” ao tal ato. O ponto de vista dos artistas do ComPosições Políticas, é de fato importante para ampliar o debate e o combate desta forma de opressão.


Entrevista Gê: Por exemplo, a questão do arrastão. Você tem um reforço da divisão de classe na cidade, você tem uma ideia de cidade partida, que se dá por vários aspectos. O arrastão é algo que deve ser questionado, é uma repressão policial feita de forma desigual. Os policiais levam em conta o lugar de onde você tá vindo, a cor da pele, se você tá em grupo, se você tá sozinho, a forma como você está vestido, se você tá sem camisa, por exemplo. O Cidadão: O que é racismo para você? Em que situação você se sente discriminado? Davi: Quando vou a uma abertura de exposição ou quando integro uma, vejo o olhar surpreso de algumas pessoas. Em contrapartida, faço questão de aumentar o choque, muitas vezes indo com as roupas que uso no meu cotidiano, chinelo, bermuda e camiseta, misturando as gírias da favela com termos da arte, o racismo permeia tudo. Não “embranquecer” é parte de minha arte. Quando me reconheci como negro, descobri que muitas oportunidades me foram tiradas pelo racismo. Ser pobre é um agravante, artista então. Vivo no fio da navalha, me mantenho sem a estabilidade necessária para produzir o que realmente quero, mas bato de frente com minha realidade e não me conte-

Os policiais levam em conta o lugar de onde você está vindo, a cor da pele, se você está em grupo, se você está sozinho

nho, faço o que tenho que fazer, o que minha alma impulsiona. Gê: O fato de eu ter tido uma escola ruim, escola pública. O tratamento da polícia, é outra coisa. O lugar onde eu moro ser do jeito que é. Quando você entra no mercado da arte, as referências de artistas são geralmente de classe média alta e gente branca, então você tem essa dificuldade de você se relacionar.

Não embranquecer, é a minha arte (Davi Marcos)

O Cidadão: Davi, você é o único fotógrafo da sua família? E, Gê, o único cineasta da sua família? Davi: Fotógrafo profissional, sou o único. A fotografia me veio por um amigo de meu pai, ele era fotógrafo e um dia o vi com sua máquina, achei maravilhoso o que aquilo podia fazer. O meu caminho é o sonho que escolho sempre, de contrariar o que querem me impor, não aceito o destino, para mim é tudo poesia e algumas eu as faço concretas. Gê: Sim, sou. Tenho vários amigos que são da Maré e são fotógrafos, o Naldinho, o Ratão, o Adriano. Eu comecei no processo de trabalhar com audiovisual. Em 2007, trabalhando num jornal, e em 2012 fiz a escola de fotógrafos populares. Desde 2011 trabalho com audiovisual permanentemente.

O meu caminho é o sonho que escolho sempre, de contrariar o que querem me impor, não aceito o destino (Davi Marcos)

O Cidadão: Contem mais sobre seus trabalhos, os temas e os desafio de buscar outro olhar para a realidade que te rodeia. Davi: Meus temas têm a cidade como base, sendo que a favela é em geral meu ponto de partida, posto que é o território em que vivo e tenho vínculos afetivos. Minha relação é afetiva antes de tudo, me envolvo com as pessoas e suas histórias. No caso da série fotográfica que iniciei, Vazio, as pessoas querem expor suas histórias como um todo, a relação que construíram, de lutar pelos seus direitos, porém sempre é algo que tenho que ter muita sensibilidade e cuidado, são memórias dolorosas. Creio que o maior impacto, tanto para elas quanto para nós, é ver que não se está só e que lutamos de muitas formas, a arte pode e deve ser usada para tal, assim como todas as outras formas que pudermos fazer uso. Gê: Meu trabalho pessoal são estudos de luz para filmes. Tô fazendo um estudo sobre o beco onde eu moro agora. Tô fazendo fotos de uma casa que tá sendo construída, que a minha vida inteira foi um terreno baldio. Não é só acompanhar a obra, tem uma coisa do movimento da rua. Isso é um estudo para um estudo de plano e sequências pra depois filmar.

(Gê Vasconcelos) O Cidadão Edição Especial 7


Imigração

Tempo da Migração: histórias de angolanas na Maré Três mulheres saíram de Angola e encontraram na Maré um pedacinho da sua terra natal

Foto: Miriane Peregrino

Por Miriane Peregrino e Cesar Abrantes

L

icas é o apelido de Guilhermina dos Santos, 43 anos, dona do Bar de Angola, na Vila do Pinheiro. Aos sábados, ela prepara pratos típicos da sua terra natal: sopa de Angola, mufete, funge e calulu. Perguntada se tem algo na Maré que a faz lembrar de Angola, ela é direta: “Tem! Muito angolano!”, responde com um sorriso no rosto. De fato, desde a década de 1990, há uma pequena Angola dentro da Maré. Muitos imigrantes angolanos vieram fugindo da guerra civil que durou até 2002. Suas histórias também formam esse conjunto de favelas e se misturam com as dos mareenses. São identidades que se atravessam, formando um novo tempo de migrações. Quando a guerra estava para explodir, Licas tinha 18 anos e era casada com um militar. Na época, ele decidiu enviá-la para o Brasil. Refugiada, sozinha e com dois filhos pequenos, o primeiro endereço da angolana foi Copacabana, onde morou por cinco anos. Mas o O Cidadão Edição Especial 8

Surídia, em breve será universitária

custo de vida a fez se mudar para Maré, seguindo o conselho de um amigo angolano que morava na favela. Antes de abrir o próprio negócio, Licas trabalhou em um restaurante no Leblon como ajudante de cozinha e, depois, como doméstica na casa de um casal de angolanos no Catete. Nascida em Luanda, ela sente falta dos avós que a criaram e dos irmãos, os quais não visita há cinco anos. Apesar disso, não pretende voltar a morar lá.

“Já tenho minha vida aqui no Brasil. Pegar os seis filhos e voltar pra Angola? Isso não passa na minha cabeça. Se um dia eu for, vou sozinha. Eles têm que ficar aqui estudando. Amanhã quando tiverem possibilidade vão lá”, afirma. Um novo tempo para Nadja Quem não teve tempo para guardar lembranças da terra natal foi Nadja Nangi Domingos, 27 anos. Nascida em Angola, foi trazida para o Brasil com apenas cinco anos, em 1994, pelo pai e a madrasta que fugiam da tensão da guerra. Nesses 22 anos longe


Imigração da mãe biológica, procura manter contato através do telefone e pela internet e faz planos para visitar a família que ficou por lá. Ano passado, a angolana foi aluna do curso pré-vestibular comunitário do CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré). “O Ceasm foi muito importante para minha vida. Abriu a minha mente para coisas que eu questionava sem entender o porquê. Depois do Ceasm, eu comecei a compreender o mundo de outra forma”. Nadja foi aprovada em Ciências Sociais na UERJ, mas por conta da crise no governo estadual está sem aulas desde março. Para ela, a universidade representa uma nova era em sua vida. É onde pretende aprender o máximo para no futuro, contribuir com a sociedade.

Outro ponto negativo para a imigrante foi o preconceito. Suridia conta que tinha uma visão do Brasil totalmente diferente quando morava no país africano. “O que eu sabia era que o Brasil é um país pacífico, não tem racismo. Mas não é bem assim, há preconceito. No centro da cidade, fui tratar de alguns documentos e quando entrei em uma loja a mulher reparou meu dinheiro de uma forma estranha. Vi que todos pagaram, mas meu dinheiro ela ficou vendo se era falso. Na Maré me sinto bem, mas fora daqui é um pouquinho complicado porque sou estrangeira, negra”, observou. A vontade de Suridia no momento é cursar Medicina e retornar ao seu país natal onde a situação da saúde está precária: “Eu vim para me formar, não para

viver permanentemente. Ultimamente (a saúde) está muito precária, principalmente por causa do índice elevado de febre amarela, que tem matado muitos angolanos lá”, conta Suridia. Um pedaço de Angola no Rio Segundo dados da Arquidiocese do Rio de Janeiro, os angolanos somam 56,2% dos refugiados no Rio de Janeiro. Em 2015, o Consulado de Angola no Rio de Janeiro abriu um posto de atendimento itinerante para atender os refugiados que vivem na Maré. Atualmente, o posto situa-se na Avenida Nova Iorque, 57/10, em Bonsucesso. Os imigrantes podem entrar em contato com o posto também através do telefone: (21) 3497-4750.

A jovem Suridia também sonha em entrar em uma universidade brasileira. Registrada como Francisca Lopes da Silva, porque o cartório angolano se recusou a registrá-la com o nome de “Suridia” (palavra de uma língua banta conhecida como umbundo), a estudante de 19 anos mora no Brasil com o pai e a madrasta há apenas 9 meses e desde o início do ano frequenta o pré-vestibular comunitário do CEASM. A relação da família da jovem com o Brasil começou há 18 anos, quando seu pai fugindo da guerra e da crise econômica, saiu do país africano e veio tentar a sorte em terras sul-americanas. No Rio de Janeiro há pouco tempo, Suridia já conseguiu perceber algumas semelhanças entre a Maré e o distrito de Rangel, em Luanda, onde vivia com a mãe, como as construções de casas e as feiras. Porém, a violência a assusta.

Foto: Miriane Peregrino

Nova geração angolana

Nadja Domingos no Bar de Angola. Vila do Pinheiro/Maré O Cidadão Edição Especial 9


Sabor da Maré

Churros do Belo Wagner faz sucesso com seus churros na Maré

Receita Churros do Belo 200 ml de leite 2 colheres de manteiga 1 colher de açúcar 1 xícara de farinha de trigo Foto: Miriane Peregrino

Essência de baunilha Bater a massa e partir pra fritura! ;)

Wagner Belo, 19, observava a mãe e a tia cozinhando e foi assim que começou a aprender culinária. Depois teve a oportunidade de fazer um curso na Unisuam (Centro Universitário Augusto Motta), de três meses. Ele afirma que não tem muita paciência para fazer salgado e que doces são sua paixão e hobby: “Antes eu fazia pra família, pra festinha, mas aí minha mãe falou pra eu vender que ia dar certo”. Seguindo o conselho da mãe, Wagner começou a fazer doces para vender. Os pedidos podem ser feitos na sua casa: C-4, travessa 36, Vila do Pinheiro ou via o perfil de Wagner Belo no Facebook: “No inbox é só pedir que estou atendendo a todos. Acessem minha página. Vai lá, ajuda o coleguinha, dá uma curtida na página” – diz Wagner. Ele também tem um canal no Youtube e o Blog do Belu.

O Cidadão Edição Especial 10


Ceasm

CEASM aposta em financiamento coletivo online

A ONG arrecadou mais de 20 mil reais com a ajuda de 74 apoiadores Por Júlia Sette e Jonathan Caroba

O

financiamento coletivo (ou crowdfunding) é uma prática, que já existe há alguns anos no Brasil, de arrecadação de dinheiro para uma causa ou projeto através de uma campanha online. Nela, qualquer pessoa pode contribuir e recebe uma recompensa por isso. Sempre existe uma meta a ser alcançada; caso não seja, todos os colaboradores recebem o dinheiro de volta. O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), apostou, em janeiro, no crowdfunding para continuar funcionando. E deu certo. Guilherme Paiva, um dos membros do CEASM, explica que “muitos editais [de financiamento] não contemplam a estrutura administrativa dos projetos, como conta de telefone e pequenas manutenções nas instalações da instituição. Vimos no financiamento coletivo uma alternativa para suprir essas demandas do CEASM”.

foi o fato de que muitas pessoas não estão acostumadas a contribuir online. Guilherme também conta que “a maioria das doações foi de pessoas que já foram beneficiadas pelos projetos do CEASM e de pessoas estrangeiras que foram voluntárias durante algum tempo na Instituição”. O dinheiro arrecadado será destinado à manutenção administrativa para apoio aos projetos realizados.

Familia Militão agradece Moradora da favela Roquete Pinto e uma das colaboradoras do Jornal O Cidadão, Valdirene Militão é participante “de carteirinha” dos projetos do CEASM. Além do Jornal, também estudou no Curso Pré-vestibular (CPV) e foi parte do

curso de artesanato Arte Gerando Renda, que já não existe. A forte conexão com o CEASM aliás, é de família. Sua filha, Juliana Militão, também participou do Pré-vestibular, que foi muito importante no seu ingresso na faculdade de Nutrição, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Valdirene fala de seu amor pelo CPV e conta que cresceu muito “a partir dos debates sobre racismo, feminismo, ditadura militar e a violência policial nas favelas”. O dinheiro será essencial para dar continuidade para projetos que, segundo Val, já ajudaram muitas pessoas a desenvolverem olhares críticos sobre sua realidade, aceitação sobre seu território e reconhecimento e orgulho de serem mareenses.

A campanha foi feita pelo site Benfeitoria. Antes de colocar a campanha no ar, a equipe do CEASM fez um grande mapeamento para identificar possíveis colaboradores e mobilizadores. Apesar do grande planejamento e do sucesso em alcançar a meta de 20 mil reais, a arrecadação teve seus altos e baixos. Um dos obstáculos

Foto: Valdirene Militão

A arrecadação

Fachada da sede do CEASM, no Morro do Timbau O Cidadão Edição Especial 11


O Cidadão Ilustrado

ão caç i n mu a !! a Co nativ a v Vi lter A

O Cidadão Edição Especial 12

A Comunicação popular cresce a cada ano, grupos e frentes estão se reunindo para democratizar a informação. Esses são os comunicadores que colaboram nesta Edição Especial, alunos da 4ª Edição do Curso de Comunicação Comunitária.

Fotos: Atividades do Curso de Comunicação Comunitária no CEASM. / Credito: José Henrique e Valdirene Militão

Comunicação Comunitária na Maré


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