O FATOR CHINA NUM MUNDO MULTIPOLAR: AMEAÇA?

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O FATOR CHINA NUM MUNDO MULTIPOLAR: AMEAÇA? POR DR. PAULO DUARTE

Tendo por fio condutor a questão “Pode a China ser considerada um ator ameaçador no século XXI?”, em ‘Metamorfoses no Poder: rumo à hegemonia do dragão?’ analisei o caminho que este país tem vindo a percorrer, os seus objetivos, bem como as estratégias das quais se serve para os alcançar.1 Passo a enumerar as conclusões resultantes da minha investigação. Creio que a China não deve ser considerada, atualmente, um ator ameaçador.2 Potência emergente, num mundo ‘uni-multipolar’, marcado por um equilíbrio incerto e perturbado, a China sabe que a potência das grandes nações nunca permanece constante. Tendendo, de acordo com certos autores, a querer contestar a organização hierárquica do sistema internacional e o lugar do(s) dominante(s), ela não dispõe, contudo, ainda dos meios necessários para a concretização das suas ambições. A esse nível, ela é, por conseguinte, ainda ‘frágil’, devendo recorrer à estratégia do ‘soft balancing’ que assenta numa combinação hábil entre a força das armas e a dos princípios. Tratase, basicamente, de uma multiplicidade de instrumentos não militares que têm como principal objetivo ‘frustrar’ e atrasar as políticas unilaterais do hégémon. Com efeito, embora a China tenha ambições (apesar do seu low profile), não é, no entanto, ‘suicida’. Isto quer dizer que o Império do Meio não tem em vista o ‘choque frontal’ com a superpotência, porque tem consciência dos ensinamentos do 1

Uma breve nota de caráter metodológico. No âmbito da investigação subjacente à escrita da presente monografia foram efetuadas duas deslocações à Ásia Central, uma de 3 a 11 de setembro de 2011 ao Cazaquistão, a convite da Diretora do Suleimenov Institute, em Almaty, e a segunda deslocação de 28 de setembro a 18 de outubro de 2012 a dois outros países, além do Cazaquistão: Quirguistão e Tajiquistão (entre as principais cidades visitadas destaquemos Almaty, Bishkek, Naryn, Osh, Dushanbe). A planificação das duas deslocações à Ásia Central envolveu uma pesquisa exaustiva e morosa de universidades, especialistas, diplomatas, docentes, Organizações Não-Governamentais, tendo a Rede Aga Khan, entre muitos outros atores, fornecido um apoio considerável, não só ao nível da seleção de especialistas locais, como na facilitação de entrevistas à distância, por via telefónica, bem como ainda na visita aos vários polos da University of Central Asia (no Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão). O meu estudo baseou-se num trabalho de pesquisa, ao nível bibliográfico, documental, mas também de campo, através da realização de entrevistas não só a docentes, como também a investigadores, políticos e embaixadores, entre outros, já que estes ajudam a compreender melhor o papel e interesses da China, bem como de outros atores no espaço centro-asiático. A pesquisa de campo foi efetuada, através de entrevistas realizadas não só em Portugal, mas também, e fundamentalmente, na Ásia Central a figuraschave no âmbito da problemática estudada. Algumas dessas entrevistas foram realizadas por via telefónica para os Estados Unidos, França, entre outros países, e as restantes por entrevista presencial quer em Portugal, quer no âmbito das duas deslocações à Ásia Central. Contudo, alguns dos entrevistados na Ásia Central solicitaram o anonimato ou, em alguns casos, pediram para serem citados como especialistas locais. 2 Evidentemente, a abordagem que utilizei é uma abordagem geral, a qual analisa o conjunto dos elementos (militares, económicos, políticos e culturais) dos quais uma potência (neste caso a China) se serve para proteger os interesses que considera vitais, assim como para se afirmar na cena internacional. No entanto, estou consciente que um bom número de aspetos não foi aqui estudado, não porque não sejam importantes, mas porque optei por examinar, sobretudo, aqueles que me parecem mais relevantes para a análise da ‘ameaça chinesa’.

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passado: os que se opuseram à potência dominante viram, geralmente, as suas ambições fracassar. Mas, o facto de a China recorrer a métodos ‘mais suaves’, para não desafiar diretamente a hegemonia militar dos Estados Unidos, não significa, no entanto, que ela não suscite alguma apreensão junto dos seus rivais. Com efeito, os americanos, mas também os japoneses, os russos, os indianos, entre outros, vêem com apreensão a modernização do armamento da China, em especial a sua armada. O que espera Pequim do mar? O comportamento naval chinês neste novo século é estreitamente influenciado pelas teses do norte-americano Alfred Thayer Mahan. A China parece, com efeito, ter compreendido o que os Estados Unidos e outras potências marítimas sabiam já há muito tempo: o comércio subentende uma marinha mercante e uma marinha de guerra para a proteger, bem como pontos de apoio (abastecimento e reparação) nas vias marítimas. Do mesmo modo, Pequim apercebeu-se que uma potência que não compreende a importância dos oceanos é uma potência sem futuro. Neste sentido, a China está consciente que o seu futuro, em certa medida, está traçado nas águas. De outro modo, não poderíamos compreender por que é imperativo para Pequim proteger as linhas marítimas de comércio (a estratégia do ‘colar de pérolas’ é exemplo disso), mas também projetar a sua potência nos oceanos. Taiwan é aí, evidentemente, uma questão essencial, devido à importância estratégica da ilha. No entanto, esta é basicamente apenas uma peça no puzzle de ilhas, ilhéus, arquipélagos e outras passagens marítimas cruciais, alvos da estratégia marítima chinesa. À medida que a China se tornar mais confiante em si própria, tenderá a investir numa estratégia de sea denial, afastando-se, por conseguinte, gradualmente, da simples defesa das costas chinesas para construir, a longo prazo, uma marinha capaz de operar em alto mar. Para além do mar, a estratégia integral chinesa percorre também o seu caminho por terra. Na Ásia Central, por exemplo, Pequim está, fundamentalmente, preocupado com a estabilização da sua periferia, bem como com o desenvolvimento das suas províncias sem litoral, como o Xinjiang. A China procura diversificar as suas parcerias com os estados regionais, não só para fazer face a desafios de segurança (terrorismo, separatismo, entre outros), mas também para diversificar as suas fontes energéticas. Se, por um lado, ela não quer depender demasiado da Rússia, a nível energético, por outro, não procura desafiar este grande vizinho que desconfia, por seu lado, da atração de Pequim pelas repúblicas centro-asiáticas. A Organização de Cooperação de Xangai atesta, de resto, os limites de uma cooperação multilateral na Ásia Central. O caso da Rússia e da China é, naturalmente, elucidativo. Com efeito, se a primeira se interessa, sobretudo, pelas questões de segurança, a segunda privilegia, essencialmente, os assuntos económicos. A isto, devemos ainda acrescentar a ‘frustração’ de uma China que viu os seus parceiros russos e centro-asiáticos manifestarem, ‘mais depressa do que 2


imaginava’, um apoio quase incondicional aos Estados Unidos, após os atentados do 11 de setembro. Mas se a relação sino-russa é marcada, simultaneamente, pela cooperação e pela suspeita, não é a única. Com efeito, com a Índia, as relações também são ambivalentes. Nova Deli desconfia das ambições da China no Oceano Índico (território exclusivo indiano), mas também na Ásia Central. E, além disso, um crescimento da interdependência sino-indiana ao nível da segurança regional, não significa, porém, que tenham sido realizados progressos substanciais nas relações entre os dois países. Na realidade, os seus diálogos limitam-se a simples trocas rotineiras de posições oficiais, em vez de explorar as opções com vista a uma cooperação prática. O continente africano é uma outra peça essencial na estratégia integral chinesa. Mas, uma vez mais, a estratégia de Pequim suscita apreensão. Além da colaboração com ‘estados-pária’, ou do monopólio em matéria de exploração de recursos energéticos – que causam a indignação dos ocidentais – acrescente-se, ainda, a perceção negativa que a presença chinesa cria em numerosos países africanos. Tal perceção explica-se, designadamente, pela negligência relativamente ao ambiente e à segurança no trabalho, mas também pelo impacto nefasto da concorrência chinesa no comércio local. À semelhança da Ásia do Sul, o continente africano é, também ele, um ‘laboratório’ magnífico para testar os efeitos do soft power e do hard power chinês. Para além dos Institutos Confúcio, dos donativos e bolsas atribuídos, dos intercâmbios de estudantes, da formação dada aos militares africanos, da venda de material militar (só para citar alguns exemplos), a questão de Taiwan também aí está presente. Com efeito, o ‘modelo chinês’, embora se abstenha de submeter a sua parceria africana a qualquer ‘condicionalismo’ ou ‘imposição’ de normas democráticas (contrariamente aos estados ocidentais) face aos estados-pária, conduz simultaneamente um jogo de sedução para isolar Taipé ou enfraquecer politicamente a candidatura da Índia e do Japão ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (enquanto membros permanentes). Seja como for, o debate sobre a ‘ameaça’ chinesa não se limita unicamente à análise da apreensão e/ou receios que a estratégia de Pequim (relativamente ao mar, a África e à Ásia Central) causa no Ocidente e em países como a Índia ou a Rússia. Com efeito, é necessário que nos debrucemos, igualmente, sobre as dificuldades internas da China no sentido de compreendermos se este país deve ou não ser entendido como ameaçador. A este respeito, constatamos que, do ponto de vista interno, a China é demasiado frágil para ameaçar seja quem for. Exceto a si própria. Evidentemente, o crescimento económico é fundamental para a afirmação do Império do Meio, mas não decisivo por si só. Este baseia-se ‘num desastre ambiental sem precedentes, nas tensões e perigos 3


crescentes, cujo mais evidente está ligado à estabilidade social’. Também não podemos esquecer as falências do sistema de saúde, o desequilíbrio dos sexos, o envelhecimento progressivo da população e a criação de uma ‘sociedade de filhos únicos’, a diferença de rendimentos sempre crescente entre cidade e campo, as desigualdades educativas gritantes, as manifestações ligadas à corrupção, aos acidentes nas minas e nas indústrias… Há ainda outros paradoxos ligados a uma economia de forte crescimento. Com efeito, a população continua a ser ‘relativamente’ pobre, sendo o nível de vida dos chineses bastante baixo quando comparado com o dos habitantes dos estados desenvolvidos. Quanto ao setor financeiro, apesar das reformas dos últimos anos, este continua pouco eficiente e inadaptado à sofisticação crescente da economia interna.3 Para além de todos estes fatores, o Partido Comunista chinês revelase, segundo certos autores, ‘mais um obstáculo do que uma ajuda ao desenvolvimento contínuo da China’. Além disso, como vimos, ‘o Partido pode ter desempenhado um papel histórico importante, mas que cria, doravante, as condições da sua extinção’. A nível militar, embora a China modernize as suas forças armadas, há, contudo, ainda um longo caminho a percorrer já que estas são (ainda) globalmente mal equipadas. O seu atraso tecnológico não as impede, no entanto, de encarar a hipótese de um conflito, a médio ou longo prazo, com os Estados Unidos. Pequim está, a este respeito, consciente que um Império em declínio económico, e que continua a ser muito potente a nível militar, constitui uma fonte de potencial conflito no futuro. Por sua vez, Washington considera a China, se não como uma ameaça à sua segurança, ou mesmo um inimigo, pelo menos como um risco potencial. Impregnadas de um misto de paixão recíproca e de desconfiança mútua, as relações sinoamericanas oscilam entre a cooperação e a rivalidade. Com efeito, embora a China se revele um parceiro indispensável para as questões da proliferação nuclear e do terrorismo, não deixa, todavia, de ser encarada em certos círculos políticos norte-americanos como um ‘strategic competitor’. Pequim contesta, por seu lado, a política de cerco que Washington conduz a seu respeito, de forma a circunscrever a potência chinesa. Ambígua, a atitude norte-americana face à China baseia-se num misto de prudência tática e de indeterminação estratégica. Certos autores criaram, além disso, o termo de ‘endigagement’, que traduz uma estratégia destinada a ‘isolar politicamente Pequim’, procurando, contudo, manter simultaneamente uma ‘parceria ativa no que concerne às questões económicas e comerciais’. Atuando nos ‘mesmos terrenos’ (nomeadamente em África e na Ásia), as duas potências 3

Acrescentemos, também, as deficiências da bolsa que viveu anos negros devido a uma enorme queda das cotações, a irregularidades de vária ordem, à falta de transparência e à ausência de uma gestão eficaz.

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querem garantir o seu acesso às matérias-primas, bem como controlar os ‘gestos do outro’. O futuro da sua relação, incluindo o risco de um conflito potencial, será determinado essencialmente pela maneira como Washington e Pequim fizerem face à sua competição económica, à questão de Taiwan, aos direitos do homem e à governança mundial. Mas, neste momento, os dois países não são nem ‘inimigos supremos’ nem ‘parceiros duradouros’. Não obstante todas estas apreensões, rivalidades e desconfiança, ‘a ameaça chinesa’ é, por ora, reduzida, tendo em conta as razões apresentadas. Tal não quer dizer, contudo, que os chineses não lutem para reencontrar o caminho da ‘tentação imperial’, para voltarem a ser a ‘grande nação’ que foram no passado. Esta amálgama de ‘destino manifesto’, de ‘missão histórica’, de nacionalismo, de prestígio e nostalgia de um passado glorioso poderá, um dia, fazer da China uma superpotência. Como sublinha H. Christophe, “excetuando algum grande incidente, imprevisto ou um grave erro de estratégia por parte do Partido Comunista chinês, Pequim parece dispor de todas as vantagens em mão para o conseguir”.4 De facto, “as fraquezas de hoje serão, talvez, as forças de amanhã, sendo dificilmente concebível que um estado tão grande, territorial e demograficamente, não desempenhe um papel mais importante no futuro”.5 Nesse momento, ainda longínquo e incerto, não é de excluir que a China se torne, um dia, um ator ‘ameaçador’. Mas esta possibilidade não deve ser encarada como um fenómeno anormal. Pelo contrário, ela inscreve-se na dinâmica natural do ‘nascimento e declínio das grandes potências’, onde ora um ou vários estados dominarão, ora declinarão. Além disso, o comportamento da China parece inspirar-se largamente nos preceitos de Lao Tseu: “Não nos coloquemos adiante, mas não fiquemos para trás”, ou “o maior conquistador é o que sabe vencer sem batalha”.6

Breves considerações sobre Portugal e a Ásia Central Algumas considerações a respeito dos horizontes das relações entre Portugal e os Estados da 4

Christophe, H. (2006). La Chine pourrait-elle devenir la prochaine superpuissance? Analyse de l'évolution d'un pays en plein essor selon les différents critères théoriques de "puissance", Mons: Faculté de Sciences Sociales et Politiques, p. 8. 5 Ibidem. 6 Cit. por Karaljija, N. (2006). Le Rôle de la Chine depuis 1949: Puissance Régionale ou Hégémon ?, Louvain-la-Neuve : UCL, p.3.

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Ásia Central que resultam da minha pesquisa de campo. Desde a independência das Repúblicas centro-asiáticas que Portugal tem mantido relações bilaterais com estes países. Não dispondo de embaixadores residentes em cada um dos cinco Estados da região, é a embaixada de Portugal em Moscovo que está encarregada da missão diplomática portuguesa na região, à exceção do Turquemenistão, sendo os assuntos deste país acompanhados pela embaixada portuguesa em Ancara. Investigadores como Licínia Simão sublinham que “as relações entre Portugal e a Ásia Central são claramente insignificantes”.7 Embora estas tenham vindo a evoluir desde “meados da década de 2000”, importa sublinhar que “Portugal segue, no essencial, a tendência definida pela União Europeia e pelos seus Estados membros”, a qual se pauta por “um aumento da atenção política e das preocupações com a segurança”.8 Ao nível bilateral, a política externa portuguesa face à região tem evoluído para uma postura pragmática, guiada, fundamentalmente, pela “diplomacia económica” com o intuito de “angariar novos mercados e investimento, especialmente nas relações com o Cazaquistão”.9 Segundo dados da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), o comércio bilateral entre Portugal e as Repúblicas centro-asiáticas é pouco significativo, sendo que a AICEP considera que o risco de investimento nos países da região é, geralmente, elevado – máximo no caso do Quirguistão (7 é o valor máximo e 1 o valor mínimo) – e mais baixo, mas, ainda assim, considerável, no caso do Cazaquistão (risco de 5).10 Das cinco Repúblicas centro-asiáticas, o Cazaquistão é o parceiro mais ativo no comércio bilateral (e com maior diversidade de produtos comercializados) com Portugal, muito embora este seja, para todos os efeitos, baixo, como referido. Um outro especialista, José Félix Ribeiro (2012)11, questionado sobre a eventual importância da Ásia Central no quadro da diversificação energética portuguesa, é da opinião que “Portugal poderá, aparentemente, beneficiar de mais vantagem em explorar uma ligação mais Atlântica, em termos de geografia, e de posicionamento”. Este autor antevê que “a possível emergência dos Estados Unidos como exportador de gás natural”, num contexto em que “o Mediterrâneo e o Médio Oriente tenderão a entrar num período de grande convulsão”, confere, desse ponto de vista, a Portugal “mais vantagem em procurar a bacia Atlântica – desde a Noruega até sul – do que, propriamente, a Ásia Central”.12 Embora F. Ribeiro admita não ter conhecimento de uma qualquer ‘estratégia’ portuguesa para a Ásia Central – “exceto, talvez, por parte da Fundação Calouste Gulbenkian”, através da filial Partex-Oil and Gas Company, que é “um dos investimentos portugueses mais significativos na Ásia Central” –, Simão, L. (2012). “Portugal and Central Asia”, em EUCAM – Policy Brief, n.º 5, August, p.1. Ibidem. Ibidem. 10 AICEP Portugal Global (2013). Informação sobre comércio com as Repúblicas centro-asiáticas 11 Ribeiro, J. (2012). Entrevista Pessoal. Lisboa. 12 Ibidem. 7 8 9

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Licínia Simão é, por sua vez, relativamente mais moderada no balanço. Para esta autora, “a diplomacia económica [portuguesa] carece de uma visão estratégica e de um apoio político de forma a produzir resultados significativos”.13 Daqui resulta – como foi possível, aliás, comprovar, na viagem que realizei, de 28 de setembro a 18 de outubro de 2012, ao Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão – que Portugal é um ator (praticamente) ausente no terreno14, “quando comparado a outros Estados membros da União Europeia, como a Alemanha ou a França”, que têm sido “os principais defensores de uma intensificação das relações entre a União Europeia e a Ásia Central”.15 Inclusivamente, como refere, e bem, Licínia Simão, na comparação com países como Espanha, “geograficamente distantes da região”, as empresas portuguesas “têm ficado bastante aquém”, no que respeita à presença na Ásia Central.16 Qual a razão para tal? Muito provavelmente, o tal peso estratégico da bacia atlântica para Portugal, como referi há pouco, ao citar o pensamento de José Manuel Félix Ribeiro, que é bem acolhido, não só ao nível empresarial como, também, pelo próprio Governo português, o qual tem priorizado as relações e investimentos com os países de língua portuguesa em detrimento da ‘remota’ Ásia Central. Numa carta endereçada ao Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Dr. Artur Santos Silva, terminei a minha argumentação colocando, justamente, a tónica numa preocupação também cara a Licínia Simão e, presumo, que a muitos outros investigadores portugueses, que diz respeito ao facto de “o Governo Português priorizar sistematicamente as relações com outras áreas geográficas, como África”.17 Com efeito, numa ocasião em que tantos tendem a perceber o caminho para sul, para África, para o Brasil, em suma, para as antigas colónias portuguesas (como se pode constatar através da quantidade, eventualmente, excessiva, no meu entendimento, de bolseiros que se dedicam à investigação de temáticas afetas à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), não tenho conhecimento de que haja um bolseiro, em Portugal, a focar a sua investigação na Ásia Central. Tal poderá vir a ser prejudicial, já que, ‘mais do mesmo’, é persistir em não vislumbrar outros horizontes. Ora, a Ásia Central é, atualmente, um cenário geopolítico e geoestratégico onde russos, chineses, americanos, e os próprios europeus (entre outros, uma Alemanha, uma França, uma Inglaterra, através das embaixadas que possuem na região) parecem já ter compreendido que o futuro 1313

Simão, L. Op. Cit., p.1. Embora simbólico, a respeito da ausência portuguesa (ou, pelo menos, de cidadãos portugueses) na região, achei curioso, aquando da minha primeira ida (setembro de 2011) ao Cazaquistão, ter sido abraçado na rua, enquanto conversava ao telemóvel, em Almaty, por um estudante brasileiro. Visivelmente contente, o mesmo explicou-me que, desde que lá estava a estudar, acerca de seis meses, eu era a primeira pessoa a quem ele ouvira falar português. 15 Simão, L. Op. Cit., p.1. 16 Ibidem. A título de exemplo, no âmbito da preparação da minha primeira ida ao terreno centro-asiático (setembro de 2011), cheguei a telefonar para a sede da companhia REPSOL, em Espanha, com o objetivo de solicitar informações e eventual autorização, no sentido de poder entrevistar responsáveis locais desta companhia petrolífera espanhola no Cazaquistão. Optei por mencionar aqui este facto, aparentemente banal na preparação de uma viagem de investigação, mas que atesta simbolicamente a relevância que uma companhia petrolífera da vizinha Espanha confere à Ásia Central, contrariamente ao que se tem verificado, até ao presente, por exemplo, com a portuguesa GALP. 17 Ibidem. 14

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também passa pelo oriente, neste caso, pela Ásia Central. Ignorar tais factos, implica, inevitavelmente, adiar o investimento e as oportunidades – que África e/ou o Brasil (por muito importantes que sejam do ponto de vista económico, político, cultural, estratégico, entre outros) não poderão, por si só, trazer –, visto que Portugal, bem como, em termos gerais, qualquer outro país consumidor de recursos energéticos necessita de diversificar rotas e abrir caminhos, como reconhece, aliás, José Félix Ribeiro et al (2011), no seu livro Uma Estratégia de Segurança Energética para o Século XXI em Portugal.18 Este é, pois, o momento, tornado, aliás, claro pelo Vice-Ministro Paulo Portas, que tanta importância tem atribuído à criação e/ou reforço de laços diplomáticos e económicos com países ricos em recursos energéticos, como é o caso dos Estados do Médio Oriente. Paralelamente a este impulso político-económico, não seria despropositado esboçar uma colaboração universitária com a região, de forma a dinamizar o intercâmbio de alunos e docentes, uma vez que, como sublinha Licínia Simão, “ao nível da sociedade civil, não existe uma cooperação (bem) delineada; o mesmo é verdade para o caso das universidades, as quais ainda se encontram numa fase muito incipiente de desenvolvimento de acordos de intercâmbio com a região, no quadro do Programa Tempus”.19 É, por conseguinte, fundamental condensar e canalizar recursos humanos, no que diz respeito aos investigadores que estudam as temáticas relacionadas com a região, promover conferências, com o intuito de contribuir para mitigar o desconhecimento face à mesma. Como pude testemunhar (no âmbito da viagem realizada ao Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão), todos os institutos, universidades e investigadores por mim abordados na região manifestaram interesse em ser eventuais parceiros académicos de Portugal na criação de um centro de estudos sobre a Ásia Central, algo que já existe, contudo, em outros países europeus, mas não em Portugal.20 Importa, também, aproveitar (melhor) as pontes institucionais disponíveis em Portugal. Refiro-me, por exemplo, à existência de um Alto Representante da Rede Aga Khan em Portugal, o Dr. Nazim Ahmad, que me recebeu atenciosamente aquando da preparação das duas deslocações aos países da região, e me colocou em contato com elementos da Rede Aga Khan no Tajiquistao e Quirguistão. Num momento em que existem, por exemplo, Institutos Confúcio, Cambridge School, Alliance Française, Goethe-Institut, entre outros, na região, não seria interessante Portugal apostar, à semelhança de outros países europeus, na promoção da língua portuguesa, através, por exemplo, da inauguração de Institutos Camões na região? Enquanto vetor da identidade e da cultura lusitana, a língua pode ser, com efeito, um bom instrumento para 18

Ribeiro, et al (2011), Uma Estratégia de Segurança Energética para o Século XXI em Portugal. Imprensa Nacional. Simão, L. Op. Cit., p.3. Destaque-se, por exemplo, o facto de alguns alunos da Osh State University me terem questionado (no final de uma breve exposição que realizei naquela universidade quirguize, e na qual eles haviam ficado interessados) sobre que medidas, em concreto, deveriam tomar para poderem vir estudar em Portugal. Trata-se de um mero exemplo, mas cujo simbolismo atesta a importância de se começar, na prática, a trabalhar para definir e elaborar programas de intercâmbio académico entre Portugal e as Repúblicas centro-asiáticas. 19 20

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Portugal suscitar interesse e se dar, simultaneamente, a conhecer aos povos centro-asiáticos, num contexto em que muitos deles ponderarão, quiçá, emigrar para Portugal, ou para o Brasil, com vista à concretização do seu ‘sonho ocidental’. Importa, talvez, refletir se não estarão certas elites portuguesas, de forma redundante, a apostar num ‘excessivo’ desenvolvimento da lusofonia em países já lusófonos, num momento em que espanhóis, franceses, ingleses, alemães, entre outros europeus, procuram, a seu turno, promover a sua língua e cultura na Ásia Central. Não será tempo de Portugal procurar fazer o mesmo? Embora não duvide da importância da Ásia Central no quadro da estratégia energética da União Europeia, Félix Ribeiro questiona, porém, até que ponto esta é uma estratégia sólida, por um lado, “porque a Alemanha tem uma relação mais autónoma e bilateral com a Rússia”, e, por outro, porque se tem verificado um problema muito grande de decisão em torno do projeto Nabucco, sendo que “hoje aparecem outros sucedâneos para o corredor meridional”. 21 Além disso, como nota este especialista, “a grande novidade é que Israel, Chipre e Grécia possuem um vastíssimo potencial de hidrocarbonetos no seu offshore, algo que há cerca de cinco anos ninguém sabia”.22 Outro fator que aumenta a relevância da Ásia Central para a União Europeia é o facto de esta não dispor de “capacidade militar”, sendo que, por este motivo, “não lhe convém depender excessivamente dos recursos energéticos do Golfo Pérsico”.23 Na prática, como explica F. Ribeiro, “uma relação estreita com o Golfo é uma relação subordinada aos Estados Unidos”, sendo que este especialista acredita ser do interesse da União Europeia “apostar na bacia do Cáspio para evitar quer o Golfo Pérsico, quer a Rússia”.24 Não quer dizer, porém, que, ao enveredar pelo caminho do Cáspio/Ásia Central, a União Europeia não enfrente “alguns riscos”, uma vez que para F. Ribeiro (2012), ela passaria a estar “em competição com a China, nomeadamente”. Em conclusão, embora todas estas considerações geopolíticas sejam importantes, a geografia também o é, e, neste sentido, é de prever que, pelo menos a curto e médio prazo, a margem de contribuição de Portugal para um reforço das relações entre a União Europeia (e seus respetivos interesses energéticos, políticos e securitários) e a Ásia Central permaneça limitada. A menos que haja uma reflexão profunda acerca da promoção da lusofonia, para que esta não arrisque ser redundante, como alertei, e passe, ao invés, a considerar outras regiões que, até ao presente, não têm despertado o interesse económico e cultural português, então não se deverá esperar que a postura lusa face à remota Ásia Central evolua. Por outras palavras, enquanto Portugal estiver decidido a focar o seu olhar

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Ribeiro, J. (2012). Op. Cit. Ibidem. Ibidem. 24 Ibidem. 22 23

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sistemática e fundamentalmente na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e não ousar revisitar a essência do seu passado de conquistador de Novos Mundos, deixando para trás o ‘Velho do Restelo’ que não ousa partir por eventual receio e desconhecimento, então é de prever a continuidade do ‘português suave’, do português reativo, que não empreende, mas se limita a reagir, quase por necessidade, às iniciativas alheias.

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