Anatomia funcional dos vertebrados

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Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva

músculo têm muitas mitocôndrias, que são usadas para produzir o trifosfato de adenosina (ATP – adenosine triphosphate) necessário para a contração muscular pela oxidação da glicose. Uma célula epitelial intestinal (Figura 1-3B) possui muitas microvilosidades em sua superfície apical que aumentam consideravelmente a superfície de absorção de nutrientes do intestino. Seu núcleo está localizado próximo à base da célula. As organelas no citoplasma de um fibroblasto (Figura 1-3C) sintetizam e secretam colágeno, que é a proteína extracelular mais abundante no corpo e é essencial para todos os sistemas biomecânicos por ser o principal material estrutural de tendões, ligamentos e outros tecidos conjuntivos. Por fim, os glóbulos vermelhos maduros dos mamíferos (Figura 1-3D) não possuem um núcleo.1 O citoplasma desses elementos circulantes do sangue é rico em hemoglobina, a molécula respiratória. A alta concentração de hemoglobina não só aumenta a eficácia da célula no transporte de oxigênio aos tecidos do corpo, como também limita o tempo de vida potencial de cada glóbulo vermelho, sendo necessária a diferenciação constante de novos glóbulos a partir das células-tronco da medula óssea. A partir desses exemplos, fica claro que uma compreensão abrangente sobre a estrutura e a função dos vertebrados, em última análise, é fundamentada em todos os níveis de organização biológica. Como um sistema unificador, podemos prever que as correlações existem entre uma estrutura e sua função (ou funções) por todos os níveis de organização.

Anatomia funcional e desenvolvimento Como observamos anteriormente, o caminho do desenvolvimento de um indivíduo, desde um óvulo fertilizado até a morte, é chamado ontogenia. Frequentemente, especialistas em anatomia comparada e funcional estudam as mudanças ontogenéticas na estrutura e/ou na função, além de se preocuparem com a relação conceitual entre o desenvolvimento e a evolução, em especial no que diz respeito a como as diferenças no tempo de desenvolvimento de uma estrutura pode levar à formação de outra radicalmente diferente em uma espécie descendente.

Crescimento e mudanças nas proporções das partes do corpo O crescimento diferencial ocorre durante o desenvolvimento e o crescimento de cada animal, (Capítulo 5). O tamanho do corpo aumenta rapidamente durante o desenvolvimento embrionário. Se todas as partes de um embrião aumentassem de tamanho em taxas iguais (pa1

Com algumas exceções interessantes, como os camelos e os dálmatas.

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drão de crescimento conhecido como isometria), então as relações superfície-volume resultariam em superfícies de trocas pequenas demais para fornecer gases, nutrientes e outros produtos para o volume crescente. Como os vertebrados resolvem esse problema fundamental? Como afirmado por Gilbert (1991), “a estratégia de crescimento mais bem-sucedida para contornar o problema superfície-volume é a invaginação”.2 O trato digestivo e os pulmões são exemplos de invaginações do corpo, que aumentam a superfície do animal em relação a sua massa. À medida que o tamanho aumenta, essas superfícies de troca de gases e nutrientes tornam-se mais distante das células que necessitam desse fornecimento. Isso é resolvido pelo desenvolvimento de um sistema circulatório, que diminui as distâncias de difusão ao trazer os materiais necessários ao metabolismo mais próximos das células. Pelo fato de um organismo ter que funcionar durante seu desenvolvimento, os vertebrados passam por contínuas mudanças diferenciais e pelo remodelamento das superfícies de troca, do sistema circulatório, do esquelético e de sistemas. As superfícies do corpo também mudam durante o desenvolvimento embrionário. O desenvolvimento intrauterino dos mamíferos marsupiais é bem curto (cerca de duas semanas para o gambá americano, Didelphis). Um marsupial recém-nascido é essencialmente um embrião, mas seus membros anteriores, sua face e suas mandíbulas crescem muito mais rápido que o restante do corpo. Assim, ele pode se colocar na bolsa da mãe, ou marsúpio, onde se agarra ao mamilo. A vida na bolsa é muito mais longa que a vida intrauterina, e o desenvolvimento “embrionário” é completado nesse local.

Heterocronia Algumas mudanças evolutivas na forma resultam de alterações no tempo ou nas taxas de desenvolvimento embrionário de determinada estrutura de uma espécie em relação a mesma estrutura em um de seus ancestrais. Esse fenômeno é conhecido como heterocronia (do grego, heteros = outro + chronos = tempo). Mudanças heterocrônicas podem ser resultado de dois grupos de processos: o primeiro é a pedomorfose (do grego, paid-, de pais = criança + morphe = formato), que diz respeito aos processos pelos quais ocorre a retenção de características ancestrais embrionárias ou em estágio larval nos adultos descendentes; e o segundo é a peramorfose (do grego, pera- = além + morphe = formato), que diz respeito aos processos pelos quais o desenvolvimento de uma estrutura específica na espécie descendente vai além do que era encontrado no adulto ancestral. Tanto a pedomorfose quanto a peramorfose podem ser associadas a grandes transformações evolutivas de partes do organismo ou do 2

Invaginação é a formação de uma dobra interna.

05/02/2013 22:08:49


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