Revista In Form@ção_volume_6

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Inform@ção [Recurso eletrônico]: A revista digital do CEFOR/SEDUC / Secretaria de Educação do Estado do Pará, Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará. – v.6, n. 7 (jun. 2020) - Belém: SEDUC/CEFOR, 2020 [on-line]. ISSN: 2448-1106 1. Educação – Periódicos. 2. Formações - Periódicos I. Secretaria de Educação do Estado do Pará. II. Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará. CDD:370 CDU: 37(05)


S U M Á R I O

AMPLIANDO OS CONCEITOS SOBRE QUALIDADE DE VIDA: PERSPECTIVAS QUE VÃO ALÉM DO APITO E DO RELÓGIO Danielle Cristine Menezes do Vale e Tania Claudine Menezes do Vale ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE UM SOFTWARE EDUCATIVO DE FÍSICA, NO ENSINO MÉDIO NA EJA Júlio César Mendes Lobato, Dorival Lobato Júnior e Joel Gonçalves Silva EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONSTRUINDO VÍNCULOS DE A PRENDIZAGEM PARA ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Edinelza de Souza Caetano

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ESTRATÉGIAS DE LETRAMENTOS EM ESPAÇOS ENGENHOSOS DO CONHECIMENTO Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda

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USE 14: DAS EVIDÊNCIAS À INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA Wany Marcele Costa Góes Dias, Daniel Azevedo dos Santos e Paulo Cesar Carvalho Ribeiro

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LABORATÓRIO A CÉU ABERTO: O HORTO FLORESTAL DA ESCOLA SÃO JOSÉ, SANTARÉM-PARÁ Tatiane da Silva Santos

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LUTA MARAJOARA: PRÁTICA PEDAGÓGICA POSSÍVEL NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR DO MUNICÍPIO DE TUCURUI/PA

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Maria do Perpetuo Socorro Sarmento Pereira CONSTRUINDO O DNA: LUDICIDADE E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL

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Emanoel Oliveira dos Santos EDUCAÇÃO INFANTIL E A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TEA: DO DIREITO DE APRENDIZAGEM À FORMAÇÃO DOCENTE

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Geila Santo de Sousa O REGIME ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NO ESTADO DO PARÁ E OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DE 1988

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Adele Serrão Pinheiro PERSPECTIVAS DO ENSINO DE BIOLOGIA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA DO PARÁ

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Mônica Cibelle Rocha de Carvalho MINHA VIDA É JOGO LIMPO! UM JOGO DE VALORES PARA A SOCIOEDUCAÇÃO

Manoel Expedito de Sousa Ferreira

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E X P E D I E N T E A Revista InForm@ção é uma publicação online de periodicidade semestral, destinada à publicação de relatos de experiências e artigos científicos de autoria dos professores e servidores da Secretaria de Estado de Educação do Pará, em especial os que atuam nas escolas da rede estadual, com objetivo de socializar experiências e resultados de pesquisas, reconhecendo e valorizando as contribuições empíricas e teóricas dos autores. GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ Helder Zahluth Barbalho SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO Elieth de Fátima Silva Braga SECRETARIA ADJUNTA DE ENSINO Regina Lucia de Souza Pantoja CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARÁ Francisco Augusto Lima Paes REVISTA INFORM@ÇÃO Autor Corporativo: Centro de Formação dos Profissionais da Educação do Estado do Pará Endereço: Rua Gama Abreu, 256 - Bairro de Nazaré Belém – Pará CEP: 66.015-130 E-mail: cefor.seduc@gmail.com E-mail da Revista: ceforrevista@gmail.com Telefone: 091 3256-4050 EDITORES Nádia Eliane Cortez Brasil Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Sandra Lúcia Paris CONSELHO EDITORIAL André Luís Pereira de Freitas Francisco Augusto Lima Paes Gláucia de Nazaré Baía e Silva Nádia Eliane Cortez Brasil Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Sandra Lúcia Paris REVISORA: Gláucia de Nazaré Baía e Silva DIAGRAMAÇÃO E CAPA André Freitas Periodicidade: semestral

Endereço eletrônico: https://issuu.com/cefor PARECERISTAS AD HOC Prof. Ma. Ana Lúcia Brito Prof. Dr. Antônio Sérgio Silva de Carvalho Prof. Dra. Elizabete Pereira Pires Prof. Ma. Esilene dos Santos Reis Prof. Ma. Esther Maria de Souza Braga Prof. Dr. Flávio Nazareno Araújo Mesquita Prof. Ma. Gláucia de Nazaré Baía e Silva Prof. Me. Ival Rabêlo Barbosa Júnior Prof. Me. Josivan João Monteiro Raiol Prof. Dr. Mauro Márcio Tavares da Silva Prof. Ma. Maysa da Silva Leite Almeida Prof. Me. Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Prof. Dra. Sandra Lúcia Paris Prof. Dr. Wandré Guilherme de Campos Lisbôa


A P R E S E N T A Ç Ã O

Este é mais um momento de grande importância para o Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará – CEFOR, pois ao lançarmos o vol.6, nº 7 de nossa Revista InForm@ção é reafirmado o compromisso com a formação e com a pesquisa como estratégia de valorização da escola pública. O objetivo da revista do CEFOR é a socialização de resultados de pesquisas e experiências realizadas por professores e servidores da Secretaria de Estado de Educação, reconhecendo e prestigiando suas contribuições empíricas e teóricas na construção do conhecimento sobre a realidade educacional paraense. Os textos aqui publicados são de autores de diferentes regiões do Estado, com prevalecência de autores do sexo feminino e do interior. Profissionais servidoras(es) e professoras(es) de Belém, Tucuruí, Ananindeua, Marabá, Salvaterra, Cametá, Juruti, Mosqueiro, Santa Bárbara e Santarém. Neste número, tivemos doze trabalhos avaliados e aprovados, num processo de idas e vindas, com valorosas contribuições do corpo de avaliadores. Talvez tenha sido umas das edições mais difíceis até o momento, pois o contexto da pandemia mundial e o isolamento social impuseram restrições aos autores, aos avaliadores e até mesmo a equipe de editores, todos tiveram que se adaptar ao trabalho remoto, num cenário que nem sempre foi propício a criatividade. A Revista InForm@ção a partir deste número ganha um novo Eixo Temático dedicado ao estudo do Direito e Educação, trazendo textos que abordem a interseção entre o mundo jurídico e seus desdobramentos no campo educacional. A revista seguirá publicando artigos e relatos de experiência. Os trabalhos que compõe esta edição, dividem-se em sete artigos e cinco relatos de experiências. Os Eixos Temáticos estão assim distribuídos: Educação e Inclusão (03), Saberes, Diversidades e Práticas de Ensino na Educação Básica (03), Ensino, Aprendizagem, Metodologias para a Educação Básica(03) Direito e Educação(01), Formação de Professores (01) e o de Currículo e Avaliação da Aprendizagem na Educação Básica (01) totalizando doze trabalhos, os quais serão apresentados em breves comentários. A professora Danielle Vale teve oportunidade de participar de um programa de qualificação de professores promovido pela CAPES no Canadá, no ano de 2019, da experiência veio a inspiração para a escrita do artigo AMPLIANDO OS CONCEITOS SOBRE QUALIDADE DE VIDA: PERSPECTIVAS QUE VÃO ALÉM DO APITO E DO RELÓGIO de Danielle Cristine Menezes do Vale e Tânia Claudine Menezes do Vale. O artigo refere-se a uma pesquisa aplicada numa escola pública de Marabá/Pará. As autoras propuseram o projeto de intervenção pedagógica acerca da qualidade de vida (QV), cujo objetivo é de fomentar um maior engajamento, bem como ampliar a percepção sobre a influência da atividade física na QV dos alunos do Ensino Médio. 2


A ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE UM SOFTWARE EDUCATIVO DE FÍSICA NO ENSINO MÉDIO – EJA é o tema do relato de experiência dos autores Júlio César Mendes Lobato; Dorival Lobato Júnior e Joel Gonçalves Silva. O texto versa sobre a análise de um software aplicado em duas aulas realizadas para as turmas da Educação de Jovens e Adultos - EJA e do ensino médio regular em uma escola pública, no município de Salvaterra, no Estado do Pará. Foi utilizada a informática educativa no ensino da disciplina de Física por meio de um software de simulação livre extraído da internet, e a partir disso, comparar essa metodologia com o método de aula convencional. Os resultados alcançados mostram uma nova concepção quanto à utilização da informática educativa na vida escolar, trazendo resultados positivos em relação á qualidade do ensino e aprendizagem. O artigo EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONSTRUINDO VÍNCULOS DE APRENDIZAGEM PARA ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA escrito pela professora Edinelza de Souza Caetano tem por objetivo trazer reflexões e discussões acerca da investigação na atuação da escola regular numa perspectiva de inclusão sob a ótica da construção de vínculos de aprendizagens para alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Partindo de uma pesquisa bibliográfica de análise qualitativa, buscou-se entender de que forma a escola pode envolver o aluno em suas ações pedagógicas, considerando a rotina dos professores e as contribuições da família nesse processo. As

ESTRATÉGIAS

DE

LETRAMENTOS

EM

ESPAÇOS

ENGENHOSOS

DO

CONHECIMENTO são abordadas por Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda que propõe refletir sobre leitura literária e práticas desenvolvidas em espaços de leitura no contexto do ensino médio; objetivando construir pontes e experiências de sentidos entre leitores e universo literário, buscando tornarem-se sujeitos leitores e escritores. A autora apresenta algumas ações desenvolvidas na Escola Júlia Passarinho, na cidade de Cametá, aproximando o leitor do universo literário e desenvolvendo um “desabrochar” nos jovens leitores agregados à leitura, poesia e a arte. O Relato de Experiência intitulado a USE 14: DAS EVIDÊNCIAS À INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA dos autores Wany Marcele Costa Góes, Daniel Azevedo dos Santos e Paulo Cesar Carvalho Ribeiro tem como objetivo propiciar reflexões e debates sobre as evidências educacionais e a intervenção pedagógica no favorecimento da inclusão social de alunos da rede pública do Estado do Pará. O projeto-piloto foi desenvolvido pela equipe técnica pedagógica da USE 14, no período de 15 a 29 de janeiro de 2020, considerando a necessidade de escolas e USEs mobilizarem estratégias de intervenção pedagógica frente aos índices de reprovação dos alunos da educação básica. Dos

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resultados do projeto, obteve-se: 92,9% de aprovação dos alunos que estavam em dependência e o índice de distorção idade/ano 2019 reduziu em 5,5% em relação a 2020. De Santarém vem o Relato de Experiência LABORATÓRIO A CÉU ABERTO: O HORTO FLORESTAL DA ESCOLA SÃO JOSÉ, SANTARÉM-PARÁ escrito pela professora Tatiane da Silva Santos. A autora narra suas aulas de Biologia na Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental São José, planalto de Santarém-Pará, com os alunos do 3º ano do ensino médio, turma B. O projeto teve início em agosto e término em dezembro de 2019. Surgiu como proposta de atividade, a ser apresentada na feira de conhecimento, com o objetivo de reativar o Horto Florestal da escola e também, aproximar os alunos deste ambiente por meio de atividades práticas. A turma foi dividida em 4 equipes de 5 alunos com as atribuições de fazerem a pesquisa bibliográfica e a identificação das 23 espécies de plantas presentes no Horto. Os alunos também fizeram montagem de maquete e identificação das espécies com os nomes científicos de 86 exemplares de plantas nas 14 trilhas formadas. A espécie que mais se destacou foi a Tabebuia serratifolia. Na culminância tivemos a visitação dos alunos e da comunidade do entorno da escola. O projeto favoreceu à divulgação e valorização efetiva da vegetação que circunda a escola e despertou os alunos para a temática da educação ambiental. O artigo LUTA MARAJOARA: PRÁTICA PEDAGÓGICA POSSÍVEL NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR DO MUNICÍPIO DE TUCURUI/PA de Maria do Perpetuo Socorro Sarmento Pereira estudo que foi realizado na E.E.E.M.“Deputado Raimundo Ribeiro de Souza”, Tucuruí – Pará, com alunos do segundo ano do Ensino Médio, com o qual se objetivou inicialmente saber o grau de conhecimento dos alunos sobre a Luta Marajoara, aplicando-se questionário diagnóstico. Em seguida, se iniciou o conteúdo Lutas, com destaque para a Luta Marajoara, no intuito de ampliar o leque de conhecimento da Cultura Corporal do Movimento, proporcionando que os mesmos conheçam, valorizem, divulguem e preservem a cultura amazônica. O Relato de Experiência CONSTRUINDO O DNA: LUDICIDADE E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL de autoria do professor Manoel Expedito de Sousa Ferreira, do Distrito de Mosqueiro narra o estudo sobre ácidos nucleicos, através da construção da molécula do DNA. As turmas foram divididas em equipes para manuseio e familiarização com a diversidade de peças. Como processo de construção de conhecimento, a ludicidade favoreceu os estudantes, a se apropriarem de forma mais aprofundada dos detalhes que envolvem as ligações químicas e a estrutura tridimensional da molécula de DNA, dando início a uma linha de montagem da dupla-cadeia de nucleotídeos. A ação coletiva dos grupos, frente a um objetivo único e central, levou os grupos a obterem êxito, deixando nítida a compreensão conjunta da estrutura 4


molecular e das ligações químicas, mesmo que os níveis individuais de compreensão tenham sido inicialmente diferentes, foram nivelados graças a essa ferramenta lúdica, que permitiu a compreensão a respeito do tema, tornando a aprendizagem significativa. No artigo a EDUCAÇÃO INFANTIL E A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TEA: DO DIREITO DE APRENDIZAGEM À FORMAÇÃO DOCENTE de Geila Santos de Sousa é analisado como ocorre a aprendizagem de crianças com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) nas escolas públicas do Município de Santarém – Pará, tendo em vista os seus direitos regulamentados por lei. A base metodológica é empírico-analítica e bibliográfica, com observações, entrevistas e questionários aplicados a professores, gestores escolares e técnicos em educação. Com isso, a pesquisa mostrou que a aprendizagem, têm sido mais no aspecto de socialização no tempo e nos espaços intraescolares. Foi percebido também, que a maioria dos professores pesquisados sentem dificuldade pedagógica para atuarem com alunos autistas, e sobretudo, a desconectividade entre o trabalho do professor da série regular com o professor do Atendimento Educacional Especializado. Quanto aos gestores e técnicos em educação, atribuem ao poder público, o despreparo da escola para atender os alunos com deficiência, principalmente nos termos físicos e pedagógicos. A pedagoga e advogada Adele Serrão Pinheiro no artigo O REGIME ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NO ESTADO DO PARÁ E OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DE 1988 faz um importante debate sobre a supremacia do interesse público sobre o privado que é a finalidade máxima da Administração Pública, do poder-dever de punir seus servidores comprovadamente infratores nos termos do Regime Jurídico Único Estadual, Lei nº 5.810/1994 e como o Estado deve garantir o respeito aos ditames constitucionais relacionados à vida humana ao processar determinado servidor. Por fim, o prazo prescricional para aplicação de tais penalidades e a possibilidade de revisão do PAD já encerrado são mencionados no presente artigo. As

PERSPECTIVAS DO ENSINO DE BIOLOGIA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE

ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA DO PARÁ são analisadas pela autora Mônica Cibele Rocha de Carvalho, segundo o estudo, a Biologia, por ser uma disciplina que apresenta um vocabulário diverso e complexo, precisa ser trabalhada de forma diferenciada e contextualizada, levando em consideração às experiências do dia a dia do aluno. Nesse enfoque, este trabalho procura apresentar os resultados de uma pesquisa sobre os principais enfretamentos dos alunos, frente à aprendizagem individual na disciplina e como os conhecimentos acessam outros caminhos na vida desses alunos, com o ensino de Biologia. Como metodologia, utilizou-se um formulário, aplicado a 131 alunos do Ensino Médio, dos 3º Anos, nos três turnos de uma escola pública, no município de 5


Santa Bárbara do Pará. Os alunos apresentaram uma maior aceitação em relação ao conteúdo Ecologia (29,8%) e uma maior rejeição em relação à Genética (69,5%). Em relação aos conteúdos que os alunos acessam em relação ao seu cotidiano, as áreas da Saúde e da Ecologia aparecem em maior ênfase, nas citações apresentadas por eles. A partir da análise dos questionários foi identificado uma forte relação de interesses, como a aprendizagem dos conteúdos e a capacidade de relacioná-los ao seu cotidiano, no que diz respeito aos cuidados com a saúde e ao meio ambiente, em contrapartida, Genética, Bioquímica e Citologia, apresentaram aceitação em menor destaque e a dificuldade em enxergar como estes assuntos se encontram presentes em suas vidas, talvez pela forma e estrutura como esses conhecimentos lhes fora apresentados. MINHA VIDA É JOGO LIMPO! UM JOGO DE VALORES PARA A SOCIOEDUCAÇÃO do professor Manoel Expedito de Sousa Ferreira relata a experiência realizada no Centro de Internação do Adolescente Masculino (CIAM), foi norteado pelos princípios do fair play, fomentando relações interpessoais salutares, protagonismo juvenil e implementando a cultura de paz, com os quais se procura influenciar positivamente nas práticas do “futebol de ladrão”. Apresentamos aqui um jogo de futebol sem a figura do juiz, estimulando os adolescentes a serem juízes de si mesmos, valorizando assim o respeito e quebrando paradigmas. O projeto foi realizado em duas semanas do período letivo, com 4 turmas, cada turma com 7 ou 8 alunos. Para chegar aí, realizaram-se relaxamento, alongamento psicofísico, dinâmicas, rodas de conversa, pautados em princípios humanísticos com ênfase na Educação Soka (IKEDA, 2017). Desejamos a todos uma excelente leitura. Nádia Eliane Cortez Brasil Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Sandra Lúcia Paris Editores da Revista InForm@ção

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AMPLIANDO OS CONCEITOS SOBRE QUALIDADE DE VIDA: PERSPECTIVAS QUE VÃO ALÉM DO APITO E DO RELÓGIO Danielle Cristine Menezes do Vale1 Tania Claudine Menezes do Vale2 RESUMO Em 2019, o Ministério da Educação divulgou o edital 03/2019 de seleção de professores para o programa de qualificação no Canadá. Um projeto de intervenção pedagógica na área de Educação Física foi apresentado e aplicado na Escola Estadual Oneide Tavares, em Marabá-Pará. Falar sobre qualidade de vida (QV) poderia gerar um maior engajamento dos alunos em seu aprendizado. O objetivo era ampliar a percepção dos alunos sobre a influência da atividade física em sua QV. Foi aplicado o questionário Short-Form Health Survey, para o ensino médio da escola. Após análise dos resultados, promoveu-se palestras motivacionais, sobre depressão, sedentarismo e autoestima, além da importância da EF no combate às doenças crônicas não-transmissíveis. Percebeu-se um aumento de 15% na frequência das aulas de EF, principalmente do público feminino. As estratégias de discussão nas aulas se tornaram mais proveitosas. Inserir a proposta das discussões com metodologias ativas, relacionando conteúdos significativos no cotidiano dos alunos é possível e traz bons resultados na construção de uma leitura crítica de mundo. Palavras-chave: Adolescente. Formação Docente. Qualidade de vida.

1-INTRODUÇÃO A concepção que temos em relação à Qualidade de Vida (QV) atravessa o caminho da definição estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2015) em 1946, quando nos diz que saúde é o completo bem-estar físico, mental e social, sendo um direito da pessoa, independente de raça, religião, condição econômica ou social. O primeiro significado de bem-estar pode ser a noção subjetiva de sentir-se bem, não ter queixas, não apresentar sofrimento somático ou psíquico, nem ter consciência de qualquer lesão estrutural ou de prejuízo do desempenho pessoal ou social (incluso familiar e laboral). Então, bem-estar significa sentir-se bem e não apenas, não se sentir mal (SÁ JR, 2004).

A promoção da saúde é apenas um dos conceitos abrangidos pela OMS. Para além deste viés, a capacidade de interagir, produzir e ser criativo também colaboram para que tenhamos uma

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Professora da rede estadual de ensino, Licenciada em Educação Física, Mestra em Ciencias de La Motricidad Humana pela Universidad Pedro de Valdívia - Chile. E-mail: danivale.esporte@gmail.com

Bacharel em pedagogia pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), especialista em Informática Educativa pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail: tclaudine3000@gmail.com

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sociedade saudável, em meio ao caos do consumismo exacerbado e da grande influência das redes sociais na vida das pessoas. Na adolescência, percebemos quão forte essa nova construção de relações acaba por influenciar o dia-a-dia dos alunos. A troca de informações, imagens e a necessidade de aceitação pelo outro pode gerar estresse, ansiedade ou até mesmo uma sensação de impotência e incapacidade de criar ou estabelecer contatos salutares, que venham a fortalecer a autoimagem do adolescente (RENTZFERNANDES et al., 2017). Na E.E. Oneide de Souza Tavares, situada numa área central da cidade de Marabá, Pará, existem relatos de jovens que apresentaram sintomas de depressão, por não terem o apoio da família. Porém, sem a presença de um psicólogo na rede escolar, a coordenação pedagógica dá o apoio que lhe é possível, sempre socializando as situações com o corpo docente. A grande maioria dos alunos matriculados são oriundos de bairros periféricos, frutos de invasões e onde, recentemente, está chegando o asfalto e a rede de esgotamento sanitário. Alguns caminham mais de trinta minutos para chegar à unidade de ensino. Sendo a Educação Física disciplina obrigatória, componente curricular integrante da área Códigos e Linguagens, mas realizada no contraturno escolar, a atuação dos professores por vezes não alcança todos os alunos, tendo em vista que alguns deles trabalham ou tem que cuidar de tarefas domésticas, ajudando a família, que muitas vezes sai para labutar. Neste sentido, os benefícios da atividade física e de lazer orientados, uma das premissas do American College of Sports Medicine (ACSM), se perde quando o aluno não procura autonomamente a prática esportiva/exercício. O ACSM é uma associação que promove e integra a pesquisa científica e as aplicações práticas da medicina esportiva e da ciência do exercício, para manter e aprimorar o desempenho físico, a saúde e a qualidade de vida das pessoas. Assim, a vivência enriquecedora que as aulas de Educação Física trazem e que contribui para formar a personalidade do indivíduo, pode ser tolhida. Vencer as adversidades, superar seus medos e lidar com o estresse de modo que isso o torne mais forte, inteligente e produtivo, é fruto de uma aula qualitativa e possível de inserir no cotidiano escolar (CASTRO, 2018). O Brasil é signatário de um dos maiores acordos internacionais capitaneados pela Organização das Nações Unidas nas últimas décadas: Agenda 2030. Esta agenda é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, que busca fortalecer a paz universal. O plano indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos. São objetivos e metas claras, que todos os países devem adotar, de acordo com suas prioridades, atuando no espírito de uma parceria global (MALTA et. al., 2018). 8


O terceiro objetivo trata exatamente de assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Neste aspecto, a atividade física é uma das principais estratégias que o governo deve utilizar para despertar na população o prazer e a busca por sua própria QV. Em nosso sistema educacional paraense, as aulas de Educação Física são realizadas no contra turno escolar, o que impossibilita alguns alunos de participarem, por questões de estágio ou trabalho. Este momento de lazer orientado dentro da escola necessita ser melhor valorizado. A carência de atividade física na vida do adolescente traz problemas e dificulta a percepção da importância deste momento, na construção de sua autonomia e imagem corporal, consciência de superação de limites e afastamento de possíveis doenças, como diabetes e obesidade. O desenvolvimento de sua imagem corporal muitas vezes se baseia no desejo de possuir uma aparência aprovada pelo outro (SILVA; LANGE, 2010). Estudos realizados com mais de 48 mil pessoas, diagnosticados com depressão, mostram que a obesidade está liga à tristeza profunda: para cada aumento de 4,7 pontos no Índice de Massa Corporal (IMC), a possibilidade de ficar deprimido aumentou 18% no geral, e 23% entre as mulheres (LUISA, 2018). Combater, em nossa realidade, o isolamento social, a obesidade e a depressão, principalmente entre os jovens, é função social de suma importância da Educação Física curricular. Em especial, nas comunidades onde a disponibilidade em serviços públicos de saúde, atividades de educação e lazer são escassas, as iniciativas governamentais, incluindo aí a educação pública, gratuita e de qualidade, devem priorizar a melhoria de todos os componentes do conceito de saúde. A situação de vulnerabilidade social dos jovens delineia um conjunto de desafios para professores, gestores esportivos e outros atores educacionais da sociedade (ALMEIDA, 2014). Um estudo de nível nacional foi realizado com escolares adolescentes de 12 a 17 anos de idade, que corresponde ao conceito de adolescência adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Foram avaliados alunos sem deficiência física provisória ou permanente, que estudavam nas três últimas séries do Ensino Fundamental ou nas três séries do Ensino Médio em escolas públicas e privadas de municípios com mais de 100 mil habitantes, de todas as regiões do Brasil. A amostra tem representatividade para o conjunto de municípios de médio e grande porte no nível nacional e regional. Foram aplicados três questionários (um para os adolescentes, um para os pais, e outro para a escola); realizada avaliação antropométrica e de pressão arterial, agenda alimentar de 24 horas e exames laboratoriais de sangue. Nesta grande pesquisa (mais de 73 mil estudantes), cerca de 10% dos adolescentes observados foram classificados como hipertensos. Essa prevalência foi um pouco maior do que as observadas em outros estudos realizados no Brasil e quase 1/5 da

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prevalência de Hipertensão Arterial em adolescentes escolares pode ser atribuída à obesidade (BLOCH et al, 2016). Buscando trabalhar de maneira interdisciplinar, os pesquisadores de Valência, Espanha, realizaram um estudo longitudinal com ênfase em três domínios: capacidade funcional; desenvolvimento cognitivo e ganho cardiovascular. Um programa de exercícios multicomponentes (força, coordenação e resistência principalmente) foi estruturado em sessões de 60 minutos, além de “conferências saudáveis” na forma de palestras sobre os benefícios do exercício e tarefas funcionais em casa. Eles usaram um questionário com 12 questões de origem inglesa. Para comparar os níveis cognitivos, eles usaram um teste para avaliar a capacidade de leitura; para capacidade aeróbica, o teste de caminhada de 6 minutos. Os resultados mostram que o PM aumentou a qualidade de vida percebida, tanto mental, quanto física dos participantes (LAFARGA, 2016). PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Após o retorno do curso de formação no Canadá, foi aplicado o questionário internacional de QV, denominado Short-Form Health Survey (SF-12), para verificar a autopercepção deste quesito nos alunos do 3º ano do Ensino Médio. Este instrumento é composto de doze perguntas que avaliam oito diferentes linhas de influência, considerando a impressão do indivíduo em relação aos aspectos de sua própria saúde, nas quatro semanas anteriores ao preenchimento do questionário. Diversos estudos mostram que esse é um instrumento sensível para a avaliação de diferentes níveis de QV, é confiável, tem uma consistência interna satisfatória e possui uma rápida e fácil aplicação. No Brasil, o SF-12 teve sua versão traduzida para o português validada em 2004 por Camelier, na cidade de São Paulo (SILVEIRA et al., 2013). O questionário foi aplicado através da plataforma Google Formulários e os estudantes não precisavam se identificar. Acredita-se que com os alunos concluintes, que sofrem mais pressão da família, da sociedade e de si próprios por conta do vestibular, sejam encontradas diferentes nuances de resultados. Sendo assim, as palestras motivacionais vão colaborar para que todos os alunos possam internalizar a importância da atividade física em vários momentos de sua vida, especialmente no combate às doenças crônicas não-transmissíveis da “vida moderna”, como obesidade, diabetes, hipertensão, sedentarismo e abuso de álcool (PENNER et al, 2017). Após a coleta, os resultados foram tabulados e apresentados na palestra motivacional. A aplicação de questionário simples e de fácil entendimento (SF-12) é uma estratégia concreta de baixo custo, devido ao tamanho da população que se quer atingir, sendo possível ampliar a metodologia para outras escolas da rede. A partir da construção das palestras e da visualização dos resultados, pode-se alcançar todos os alunos, os que participam ou não da aula prática por “n” 10


motivos, levando uma mensagem concreta da importância da Atividade Física, no combate às doenças que afetam nossa sociedade, majoritariamente sedentária, segundo o mais recente levantamento do Ministério do Esporte (DIESPORTE, 2015). 2.1 Resultados Das 12 perguntas, foram escolhidas 5, as quais teriam maior relação com a faixa etária do estudo e a temática da palestra. Os resultados são apresentados nos gráficos e os números correspondem aos valores percentuais das respostas de 59 alunos do ensino médio. Gráfico 1 - Pergunta 1

Fonte: dados da pesquisa

Gráfico 2 – Pergunta 11

Fonte: dados da pesquisa

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Gráfico 3 – Pergunta 8

Fonte: dados da pesquisa

Gráfico 4 – Pergunta 10

Fonte: dados da pesquisa

Gráfico 5 – Pergunta 12

Fonte: dados da pesquisa

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2.2 Discussão Após a tabulação e exposição dos resultados, aplicamos diferentes metodologias aprendidas no curso de formação no Canadá durante as aulas, tanto teóricas, quanto práticas. Registrou-se um aumento de 15% na frequência das aulas, principalmente no público feminino. Em outra escola, onde existe a disciplina no noturno, as discussões e atividades coletivas também foram qualificadas. As estratégias de discussão em pequenos grupos a partir de um vídeo ou imagem (gancho inicial) se tornaram mais proveitosas e, através de autoavaliação, observou-se que está sendo ampliada a percepção dos alunos sobre sua própria qualidade de vida. Estudos desenvolvidos com crianças e adolescentes no estado de São Paulo verificaram que as meninas gastam em média 4 horas por dia assistindo televisão, independente do seu nível socioeconômico. O agravante deste tempo gasto é que, na maioria das vezes, está associado ao consumo de alimentos considerados pouco saudáveis. O processo de aquisição de uma identidade própria, passando da fase de dependência para independência e o relacionamento grupal fora de casa, podem trazer alterações importantes na alimentação do adolescente. Neste sentido a atividade física é instrumento importante na construção do conceito de hábitos saudáveis de vida (BRAGGION et al, 2000). Acompanhando a orientação do OMS, pesquisadores compararam a composição corporal por meio do Índice de Massa Corporal (IMC) e os valores aferidos por meio da autopercepção corporal de adolescentes de escolas públicas do Distrito Federal. Encontraram que 21% deles não apresentam proporções saudáveis de massa em relação à estatura, adequadas à sua faixa etária e sexo, sendo que 12% estão acima do peso recomendado. Cerca de 50% das crianças obesas aos sete anos de idade serão adultos obesos e 80% dos adolescentes obesos se tornarão adultos obesos. Por si só já são dados preocupantes, devido à possibilidade deste grupo adquirir uma doença crônica não-transmissível, impactando diretamente em sua QV (FERREIRA et al., 2013). Utilizando um questionário composto por 52 perguntas que abrangem 10 aspectos da vida do adolescente (saúde física, sentimentos, estado de humor, autopercepção, ambiente familiar, questões econômicas, amizades, tempo livre, ambiente escolar e bullying), Coutinho et al. (2016) observaram a prevalência de depressão no público feminino entre 16 e 18 anos. No quesito de satisfação com o próprio corpo, cerca de 13 dos 17 alunos com sintomatologia depressiva afirmaram não se sentirem satisfeitos com o seu corpo. Outro domínio que apresentou diferenças significativas no grupo de adolescentes foi bullying. Este achado sugere que o adolescente com sintomatologia depressiva tem 13


mais contato com esse tipo de violência, vivenciando o sentimento de rejeição, medo, e ansiedade em relação a seus pares. Neste sentido, a aula de Educação Física constrói e fortalece as relações no grupo, quando incentiva o trabalho coletivo, a superação de limites com ajuda do outro e a construção coletiva de regras. Isso traz para cada integrante do grupo, uma sensação de pertencimento, diminuindo o isolamento social. A convivência e o autoconhecimento que o jogo, a dança, o esporte traz para a vida do aluno, enriquece sua qualidade de vida, possibilitando a criação do hábito saudável da atividade física, que deve ser orientada e associada aos bons hábitos alimentares. Santos et al. (2015) analisou a associação entre a prática de atividades físicas e a participação nas aulas de educação física com indicadores de isolamento social em adolescentes. Nesta faixa etária, o isolamento está associado ao uso excessivo de internet, à insatisfação corporal devido ao sobrepeso ou à obesidade e às poucas oportunidades de interação social. Desta forma, é nítido perceber que as aulas de Educação Física promovem uma interação positiva dos alunos e o afastamento de atitudes que coloquem em risco sua própria saúde. Como se observa, a prática regular do exercício físico é um fator protetor contra o aparecimento de disfunções metabólicas. O aumento das práticas corporais, qualquer que seja, e o contato social, são alguns parâmetros que se deve adotar para avaliar a qualidade de vida do adolescente. Os instrumentos que os pesquisadores utilizarão devem ser aqueles que melhor refletem o perfil de seu público (VALE, 2018). Toda essa discussão sobre os aspectos da qualidade de vida deve ser pautada no cotidiano do estudante. Trazê-lo para o centro da aprendizagem não é tarefa fácil, exige tempo para organização de assuntos e o incentivo permanente a fim de ampliar a percepção que ele tem do bairro, da cidade, do mundo. O planejamento e o cotidiano pedagógico devem incluir mais atividades como discussões em grupo, a partir da realidade; dinâmicas e atividades como júri simulado, think-pair-share, enfocando hábitos e alimentação saudáveis. Todas são propostas possíveis de implementação no Ensino Médio, a fim de contribuir para que alunos e professores saiam de suas zonas de conforto, buscando novos caminhos com a finalidade de uma aprendizagem significativa (NEVES et al., 2018). A metodologia ativa incentiva o raciocínio crítico e criativo. O jovem é motivado a responder as perguntas e o docente torna-se um orientador deste processo. Buscando exemplos da vida real, o conhecimento se torna significativo e lança uma luz na possibilidade de resolução de problemas do dia a dia. É preciso instigar o aluno a responder os “porquês” e, a partir daí, colaborar para a ampliação de seu repertório cultural. Trabalhar o respeito às diferentes formas de aprendizagens e perceber as 14


atividades onde eles se sintam mais confortáveis em participar são princípios do ensino colaborativo. O aluno vê um sentido naquilo que aprende em sala de aula (CICAN, 2019). Inserir a proposta das metodologias ativas, relacionando os conteúdos que tenham mais significado no cotidiano dos alunos é possível e traz bons resultados na construção de uma leitura crítica de mundo, além da possibilidade real de combater os problemas gerados pelo sedentarismo e isolamento social, principalmente entre os adolescentes.

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APÊNDICE Questionário de Qualidade de Vida (SF-12) 1. Em geral, você diria que sua saúde é: ( ) Excelente ( ) Muito boa ( ) Boa

( ) Regular

( ) Ruim

2. Dificuldade para fazer atividades moderadas (mover uma mesa, passar pano, varrer casa) ( ) Sim, muita dificuldade ( ) Sim, pouca dificuldade ( ) Não tive dificuldade 3. Dificuldades para subir vários lances de escada: ( ) Sim, muita dificuldade ( ) Sim, pouca dificuldade

( ) Não tive dificuldade

4. Realizou menos tarefas do que gostaria: ( ) Sim ( ) Não 5. Sentiu dificuldade no seu trabalho ou em outras atividades: ( ) Sim ( ) Não 6. Fez menos do que gostaria por causa de problemas emocionais: ( ) Sim ( ) Não 7. Não trabalhou ou fez qualquer atividade com tanto cuidado como geralmente faz: ( ) Sim ( ) Não 8. Durante as últimas 4 semanas, quanto a dor interferiu no seu trabalho normal (inclusive o trabalho de casa)? ( ) De modo algum ( ) Um pouco ( ) Mais ou menos ( ) Bastante ( ) Muito 9. Quanto tempo você tem se sentido calmo e tranquilo? ( ) Sempre ( ) Quase sempre ( )Muitas vezes ( ) Algumas vezes

( ) Só uma vez

10. Quanto tempo você tem se sentido com muita energia? ( ) Sempre ( ) Quase sempre ( )Muitas vezes ( ) Algumas vezes

( ) Só uma vez

11. Quanto tempo você tem se sentido desanimado ou deprimido? ( ) Sempre ( ) Quase sempre ( )Muitas vezes ( ) Algumas vezes

( ) Só uma vez

12. Durante as últimas 4 semanas, quanto a sua saúde física ou emocional interferiu negativamente nas suas atividades sociais? ( ) Nada ( ) Poucas vezes ( ) Boa parte do tempo ( ) Maior parte do tempo ( ) Sempre

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ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE UM SOFTWARE EDUCATIVO DE FÍSICA, NO ENSINO MÉDIO NA EJA Júlio César Mendes Lobato1 Dorival Lobato Júnior2 Joel Gonçalves Silva3 RESUMO O crescente uso da informática nas escolas públicas, proporciona uma metodologia mais interessante e envolvente para o ensino. Em confirmação a essa expectativa, este trabalho proporciona uma visão idealizadora da importância deste instrumento na educação. Em duas aulas realizadas para turmas do EJA e do ensino médio regular em uma escola pública, no município de Salvaterra, no Estado do Pará, foi possível aplicar a informática educativa no ensino de Física, por meio de um software de simulação livre extraído da internet. Os resultados alcançados mostram uma boa perspectiva quanto à utilização da informática educativa na vida escolar, trazendo resultados positivos na qualidade do ensino e aprendizagem. Entretanto ainda existem limitação que se estendem desde a falta de estrutura da escola ao desprovimento de conhecimentos básicos por alguns alunos. Palavras-Chaves: Informática educativa. Aprendizagem significativa. Ensino de Física e software de simulação.

1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem como finalidade mostrar uma metodologia que se utilizou por meio da informática educativa no ensino de Física para alunos do EJA (Educação de Jovens e Adultos) em comparação a metodologia convencional aplicada para os alunos do 2º ano do Ensino médio regular. Entende-se que no atual estágio de desenvolvimento científico e tecnológico, o computador surge como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de metodologias educativas, juntamente com os softwares de simulações, os quais podem ser usados na educação, permeando o perfil de amplificador de potencialidades na capacitação e aperfeiçoamento de alunos e professores. Porém é fato que as escolas necessitem se reestruturar para adaptar-se a esta realidade, pois, a rapidez com que a Informática se desenvolveu ultimamente, está naturalmente possibilitando uma melhoria na qualidade do ensino, dada a curiosidade dos alunos em fazer uso destes equipamentos (SOUZA apud SILVA, 1998). Contudo, segundo Fiocco (2007), deve-se fazer uma análise prévia dos softwares educativos que serão empregados no âmbito das escolas, onde o professor pode reconhecer quando um software é adequado para os objetivos curriculares pretendidos. E, uma motivação para o uso de software

Secretaria de Educação do Estado do Pará SEDUC-PA. Email: julio.lobato@escola.seduc.pa.gov.br 2 Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC-PA). Email: dorival.lobato@bol.com.br 3 Universidade do Estado do Pará – UEPA; Email: joecamile@gmail.com 1

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educativo é a percepção das dificuldades que muitos alunos encontram para compreender conteúdos de Física. Assim, o professor pode aprimorar seu ensino escolhendo um software que possibilite a facilitação da aprendizagem dos objetos do conhecimento deste componente das Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Para Zylbersztajn (2006), é por meio do uso de software educativo que o professor poderá minimizar dificuldades em conteúdos envolvendo conceitos complexos, muitos deles com determinado nível de abstração. Sendo importante mencionar que o intuito do professor é que a maioria dos estudantes se sinta mais à vontade para aprender, aguçando assim um entusiasmo em desvendar o assunto, o que é essencial para que eles possam aprender com maior eficácia os conhecimentos ligados à Física. Assim, este trabalho se desenvolveu voltado para o ensino de Física com auxílio da informática educativa, cujo o foco reflete numa melhor aprendizagem da disciplina Física para alunos do EJA da EEEM “Salomão Matos”, no município de Salvaterra, a fim de promover resultados e posteriormente compara-los com o ensino por meio de aula convencional, com uso de quadro e pincel, realizada para os alunos do 2º ano regular. A temática escolhida para ser abordada pelas duas metodologias foi “Temperatura e Calor”.

2.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

2.1 O computador na visão pedagógica

Para situar -se no mundo contemporâneo é necessário compreender os atuais meios de comunicação e informação, que têm em sua base a produção de imagens e sons, seus processos de captação, suas codificações e formas de registro e o restabelecimento de seus sinais nos aparelhos receptores. Estudar esses mecanismos significa propiciar competências para compreender, interpretar e lidar de forma apropriada com aparatos tecnológicos, como o computador (PCN, 1999). Segundo Vesce (2008) há ainda uma grande lacuna pedagógica a ser preenchida para que se tenham resultados realmente satisfatórios e concretos no uso do computador no ensino de Física, talvez, por ainda não haver uma preparação mais qualificada dos agentes envolvidos. Evidencia-se que na utilização do computador o aluno possa adquirir conhecimentos sobre qualquer área de saberes, utilizando, por exemplo os softwares. A proposta desses softwares é a de poder simular eventos que não são possíveis de simular na realidade naquele momento, mas que os resultados visuais e/ou experimentais são satisfatórios e, em muitos casos, podem substituir o experimento real. 19


Porém, é importante mencionar que nesse processo de ensino ocorre dois modos de interação entre aluno e computador. No primeiro modo o computador por meio dos softwares educativos ensina o aluno (instrucional e tradicional) e no outro o aluno, por meio do software, ensina o computador (exploração autodirigida) idealizando e desenvolvendo conhecimentos através de softwares de jogos educativos e de simulação (VESCE, 2008). No entanto, o que se observa são as instituições de ensino que apesar de sempre estarem participando de fóruns, debates, palestras e projetos, ainda persistem em utilizar a informática na educação de modo superficial, apenas de aplicativos de cunho meramente informativo ou ilustrativo, sem poder de interferência investigativa, onde mecanicamente instruem seus alunos no “como fazer”, repassando o saber técnico e muitas vezes básico, contribuindo que após o início eufórico de mudança a aprendizagem retorne a “mesmices” dos dias anteriores à chegada dos computadores na escola (ALVES, 2008). Segundo Vasconcelos (2005), um dos maiores problemas para os alunos de ensino médio obterem o conhecimento da Física em seus estudos tem sido por não apresentarem os requisitos necessários em dominar os tópicos de Matemática, destacando assim, que o professor deve utilizar outras ferramentas com a finalidade de diminuir essas limitações, dentre elas o uso da simulação computacional que tem pode contribuir sobremaneira nos processos de ensino e de aprendizagem em sala de aula. A escolha do software e o modo a ser utilizado pelo professor devem estar ligados intimamente ao objetivo que se pretende alcançar, bem como ter o domínio completo deste recurso e obter plenamente o conhecimento de teorias de aprendizagem são aspectos essenciais para se alcançar os resultados esperados (MARTINS, 2002). Os softwares, deste modo, poderiam ir muito além de oferecer simples animações, escolhidos com sabedoria, poderiam apresentar em seus conteúdos uma gama de material tecnológico capaz de auxiliar o estudante em definir diferentes realidades virtuais, que seriam quase que impossíveis de demonstrar em livros didáticos ou quadro branco. Ressalta-se ainda que, de acordo com Zylbersztajn (2006) experimentos perigosos ou de realizações complexas ou fenômenos muito lentos ou extremamente rápidos estão também dentro da classe de eventos a serem prioritários de simulações computacionais no ensino da Física. O Professor quanto ao seu papel no desempenho da aprendizagem significativa, deve, nesse processo de construção do conhecimento em sala de aula, fazer uma análise da realidade, saber reconhecer as limitações em que estão inseridas os entes envolvidos em situações, encontrando formas adequadas de ação que visem transformar aquela realidade em que está atuando. E isso, 20


demanda um esforço intenso por parte deste profissional, pois, construir soluções para os diversos problemas que se apresentarão está muito além de um olhar subjetivo, porém, demanda desenvolver o assunto, tanto para a teoria geral quanto para o software. Nessa pesquisa os temas abordados foram Temperatura e Calor. Estes objetos do conhecimento foram escolhidos devido estarem sendo abordados naquele momento pelo professor de Física responsável em ministrar aulas para as turmas. A seguir, são apresentadas as ações desenvolvidas pelo professor nas duas turmas do Ensino Médio. 2.2 Ações Metodológicas No mês de setembro de 2015, foi realizada a preparação do material a ser trabalhado, que tem como instrumento pedagógico o software de simulação “Estados da Matéria” por meio da internet, e, também, foi construído um questionário que foi aplicado a alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Salomão Matos. Ainda em setembro, aconteceu a apresentação do professor Joel que ministrou as aulas nas turmas 2º ano regular (27 alunos) e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) primeira etapa (19 alunos) noturnos, ficando estabelecido que em data posterior se daria início as aulas, em ambas as turmas. 2.2.1 Aula convencional sem uso de software. Na data marcada o professor Joel ministrou a primeira aula, abordando os conceitos teóricos, fazendo uso somente do quadro branco e do pincel, mostrando exemplos do cotidiano no 2º ano regular. Nessa aula ministrada de forma convencional, somente um aluno se pronunciou para tirar dúvida fazendo a seguinte pergunta ao professor “por que uma pessoa com febre sente frio?”. Na sequência, o professor Joel agradece ao aluno pela pertinência da pergunta e responde: Na natureza a todos momentos os corpos ora estão ganhando ou perdendo calor. Sendo que o fluxo de calor entre os corpos se dá do corpo de maior temperatura (energia interna do corpo) para o de menor temperatura. Logo, uma pessoa febril está geralmente com uma temperatura maior que a do ambiente onde se encontra, desta forma a pessoa febril tende a perder calor para o ambiente, experimentando assim a sensação de frio. Em seguida, o professor Joel pergunta ao aluno se a explicação foi entendida, o qual responde que sim fazendo um gesto positivo. Dando continuidade ao trabalho, distribuiu-se o questionário (Q) sobre os temas abordados com os aluno

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Questionário (Q) EEEM “Salomão Matos” Aluno: ______________ Assunto: Temperatura e Calor. 1. O que você entende por temperatura e calor? 2. O que é estado físico da matéria? E quais destes estados físicos você conhece? 3. O que é molécula? 4. O que é pressão? 5. Qual instrumento mede a temperatura? E qual mede a pressão? 6. O que você entende por condução térmica? 7. Como ocorre a troca de calor entre os corpos? 8. O que você entende por equilíbrio térmico? 9. Como ocorre as mudanças de estado físico? E como elas se classificam? 10. De que forma Pressão e Temperatura estão relacionados?

(Autores 2019)

2.2.2 Aula com apresentação e aplicação do software. No mesmo dia e no horário após o intervalo o professor Joel inicia a regência de aula com a turma da EJA, onde trabalha a informática educativa por meio do uso de um computador e um Datashow. Passando então a apresentar o software “Estados da Matéria”. Neste momento, a abordagem girou em torno dos estados físicos da matéria e sua relação com a temperatura e o calor, na sequência se descreve a metodologia da aula. Na figura 1 a seguir, a primeira imagem apresentada, “Átomos e Moléculas” que podem ser escolhidos para a simulação, na parte superior direita, ao lado de cada pequeno círculo, num total de quatro, temos o primeiro de cima para baixo, o Neônio, Argônio, Oxigênio e Água. E ainda, na parte inferior a estes, encontram-se duas janelas contendo as seguintes informações, a primeira à esquerda mostra os estados físicos da matéria, sólido, líquido, gás e ao lado as mudanças de fase, quando escolhida qualquer uma das opções, o usuário pode trabalhar diferentes fatores ligado à Temperatura e calor. O número de moléculas e a pressão serão introduzidos a seguir.

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FIGURA 1 Imagem do simulador na janela Mudança de Fase

FONTE:https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/states-of-matter

É de fundamental importância mencionar a riqueza de informações, que estão presentes nas simulações, por meio das animações disponíveis no software, produzindo toda relação existente entre temperatura e calor nos fenômenos de mudanças do estado físico da matéria. Na figura 2, tem-se o modo de como se comportam as moléculas do gás em cada situação, mencionando a coesão e a expansão das moléculas, e o termômetro em temperatura Kelvin. Por meio das observações feitas pelos alunos durante as animações desenvolvidas no software o aluno poderá descrever suas próprias definições sobre o conteúdo abordado. Além disso, os alunos também podem realizar uma linha de raciocínio investigativo para os comportamentos das matérias quanto aos parâmetros temperatura, calor e pressão, objetivando entender por exemplo como ocorre o funcionamento de uma panela de pressão. FIGURA 2 Imagem representa as moléculas de água no cilindro

Fonte:https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/states-of-matter

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A janela mudança de fase, mostrada nas figuras 3 e 4 destaca à direita o gráfico da pressão em função da temperatura, quando se relaciona os estados físicos da matéria, para o ponto triplo (mudanças de fase entre sólido, líquido e gasoso) e o ponto crítico (mudança de fase entre líquido e gás). Sendo importante mencionar também a relação direta existente entre número de moléculas temperatura e pressão. Considerando as moléculas de água para a análise das mudanças de fase relacionadas com a pressão. FIGURA 3 Imagem mostra a pressão externa por meio do dedo

FONTE: https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/states-of-matter

FIGURA 4 Imagem mostra a pressão sendo anulada pelo frio

FONTE: https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/states-of-matter

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Na sequência a apresentação do software, com o intuito de deixar claro a relação que há entre a física e o cotidiano dos alunos, onde se explicar que o conhecimento adquirido neste estudo, pode ser observado por eles no seu dia a dia. Dando continuidade, permitiu-se que os alunos da EJA fizessem uso do software verificando como este pode facilitar a compreensão da resolução de questões que foram levantadas durante a explicação da teoria. Finalizando-se a apresentação na turma, foi distribuído o questionário (Q) também para a apreciação das respostas dos alunos da EJA.

2.3 Resultados e discussões.

O questionário (Q) foi elaborado com questões discursivas, com o propósito de medir com mais precisão o nível da assimilação de cada aluno. Ficando a pontuação distribuída no valor de 1,0 para cada acerto, sendo considerado 0,5 ponto para acertos parciais. Foram corrigidos 19 questionários da turma da EJA e 27 da turma do 2º ano regular. Os resultados obtidos com esta avaliação, estão mostrados nas figuras a seguir. O gráfico 1, abaixo, apresenta em primeiro plano as notas obtidas com valor abaixo de 5,0 pontos, por parte dos alunos da EJA que responderam ao questionário proposto.

GRÁFICO 1: Notas da EJA abaixo de 5,0 pontos

Fonte: Tabulação da dados

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No gráfico 2 são destacadas as notas obtidas pela mesma turma da EJA com valores igual ou superior a 5,0 pontos, 11 dos 19 alunos da EJA presentes à regência que responderam ao questionário.

GRÁFICO 2 Notas obtidas da EJA igual ou acima de 5,0 pontos

Fonte: Tabulação da dados

É importante mencionar que de acordo com o gráfico 2 acima 57,9% dos alunos desta turma atingiu nota superior a cinco pontos. Sendo a nota máxima alcançada nove pontos e meio (um aluno) e a nota mínima um ponto (um aluno). O gráfico 3 retrata as notas obtidas abaixo de 5,0 pontos pela turma do 2º ano regular do ensino médio, dos 27 alunos que responderam ao questionário, 13 se encontram dentro desta meta.

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GRÁFICO 3 Notas abaixo de 5,0 pontos obtidos pelos alunos do 2º ano regular

Fonte: Tabulação da dados

As notas com valor igual ou acima de 5,0 pontos (ver Gráfico 4) obtidos pelos alunos do 2º ano regular, onde dos 27 alunos que responderam ao questionário proposto, 14 alunos se enquadram nesta situação. GRÁFICO 4 Notas a partir de 5,0 pontos obtidos pelos alunos do 2º ano regular

Fonte: Tabulação da dados

Em relação aos alunos do 2º ano regular, se observa por meio do gráfico 4 acima que 51,8% dos alunos atingiu nota superior a cinco, porém a nota maior foi sete pontos e meio (um aluno) e a nota menor um ponto e meio (dois alunos). 27


Na análise dos gráficos, em relação ao grau de entendimento do assunto pelos alunos, temos que levar em conta alguns aspectos significativos. Um deles, trata-se de observar a grade curricular das duas turmas em questão, no caso da EJA, a grade curricular distribui 1ª e 2ª série em um ano o que provoca certa disparidade de nivelamento quanto ao volume de conteúdo abordados, havendo diferenças específicas quanto aos conteúdos administrados no ensino regular. Neste caso, o trabalho aconteceu no segundo semestre, o que para a EJA corresponde a 2ª série do ensino Médio. Ainda outro fator a ser lembrado é que a grande maioria dos alunos que constitui a EJA, não vem de uma constância quanto ao ensino seriado, ou seja, alguns não frequentam salas de aulas há algum tempo. Todavia, os resultados mostrados nos gráficos evidenciam inicialmente que essa distância pode ser reduzida entre estas duas modalidades. As notas alcançadas pela turma da EJA superaram as médias obtidas pela turma regular, o que se pode observar pelo número maior de acertos referente ao número de alunos questionados pelas duas turmas, assim como o destaque em notas individuais, em que a EJA obteve um êxito maior. Durante esta pesquisa ficou claro que diferentes metodologias, como o emprego da Informática educativa no ensino, não são apenas simples ferramentas quaisquer que podem esporadicamente ser experimentadas para melhorar a aprendizagem do saber de Física, mas uma ferramenta essencial de ensino.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para melhorar a realidade da educação deve-se dinamizar o ensino por meio de práticas pedagógicas que traduzam bons resultados e o professor é um dos principais atores neste processo, o qual deve sempre procurar encontrar melhores formas de ensino, aliando-se a ferramentas e métodos, e com isso, desfazer obstáculos e persistindo na busca de uma educação de qualidade. Ferramentas como a informática educativa, podem e devem ser aliadas poderosas no rompimento dessas barreiras e trazem conjuntamente a esperança de melhorar a qualidade do ensino em um país que defende abertamente a igualdade como princípio. Os resultados obtidos indicam mudanças que devem ocorrer no cotidiano das salas de aula, os softwares de simulação livres na web, temática principal deste trabalho, mostrou sua eficácia em apoiar o ensino de física na turma da EJA. Portanto, fazer a diferença, essa tem que ser a finalidade dos professores para vencer os obstáculos. É importante ressaltar que toda discussão em torno da qualidade e papel dos recursos de apoio didático, assim como os avanços e conquistas orientadas pelos instrumentos de avaliação, não são suficientes para garantir uma educação de qualidade. O trabalho desenvolvido pelo professor, em toda 28


sua subjetividade, tem nos livros apenas um suporte. A atividade docente, tem a missão de extrapolar o universo escolar, uma vez que o professor é chamado a pensar na construção de conhecimento e formação de cidadãos. Atualmente se faz necessárias avaliações periódicas de aprendizagem afim de identificarmos de que forma os professores, devem complementar o material que escolhem para seu uso. Logo fica como sugestão para trabalhos futuros a aplicação de outros softwares de simulações que envolvam o campo do eletromagnetismo, objetivando a aprendizagem significativa dos alunos nesse campo complexo da Física.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONSTRUINDO VÍNCULOS DE APRENDIZAGEM PARA ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Edinelza de Souza Caetano1 RESUMO Este artigo versa sobre o tema educação inclusiva: construindo vínculo de aprendizagem para alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Tem como objetivo, analisar as contribuições da escola regular na perspectiva da inclusão, sob a ótica da construção de vínculos de aprendizagens para alunos com TEA. Partindo de uma pesquisa bibliográfica de análise qualitativa, buscou-se entender de que forma a escola pode envolver o aluno em suas ações pedagógicas, considerando a rotina dos professores e as contribuições da família nesse processo. A referida pesquisa abordará ações que podem contribuir para uma educação inclusiva na escola regular. Essas ações direcionam à implementação de boas práticas, claras e objetivas, que envolvam o aluno como agente do processo. O primeiro ponto a ser apresentado nesta pesquisa, aponta para o amparo legal na inclusão do aluno com TEA na escola. O segundo ponto, versa sobre as possibilidades educacionais por meio das práticas pedagógicas dos professores e o trabalho dinâmico na sala de aula. E o terceiro e último ponto, destaca a importância da parceria com a família na coleta de informações sobre as características e interesses desse aluno, com vista no seu desenvolvimento cognitivo. Palavras-chave: Educação Inclusiva. Aprendizagem. Transtorno do Espectro Autista.

1. INTRODUÇÃO A escola se constitui espaço de vivências, construção das relações sociais e desenvolvimento cognitivo. É nela que aprendemos a compartilhar um único espaço com todos. Embora alguns alunos consigam se sobressair mais que outro, é papel da escola conhecer cada um nas suas singularidades. Esse processo de construção, interações, respeito à diversidade, denomina-se educação inclusiva, na qual o processo educativo é um processo social em que todas as pessoas, com deficiência ou não, têm direitos de frequentar a escola, com vista a uma educação sem preconceito e o reconhecimento das diferenças.

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Professora do Serviço de Atendimento Educacional Especializado/SEDUC/PA. Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental I - SEMED/Juruti-PA. Graduada em Pedagogia pela Universidade da Amazônia – UNAMA; Especialista em Educação Especial e Educação Inclusiva – UNINTER, Especialista em Língua Brasileira de Sinais – Libras pela Faculdade Cruzeiro do Oeste - FACO. Especialista em Atendimento Educacional Especializado e Educação Especial - UCAMPROMINAS. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional - UCAMPROMINAS.. E-mail: edinelza.scaetano@escola.seduc.pa.gov.br

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Diante da proposta de educação inclusiva, é notório o crescente número2 de alunos3 com Transtorno do Espectro Autista-TEA4 matriculados nas escolas. Assim, esta pesquisa intitulada Educação Inclusiva: Construindo vínculos de aprendizagem para alunos com Transtorno do Espectro AutistaTEA, teve como motivação o seguinte questionamento: De que forma os estabelecimentos de ensino podem criar vínculos de aprendizagens, com vista ao desenvolvimento cognitivo dos alunos com TEA5? A metodologia utilizada nesta investigação foi a pesquisa bibliográfica e a abordagem qualitativa. A pesquisa bibliográfica é para Lakatos, Marconi (2017, p. 43), “toda bibliografia já publicada em formas de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto.” Na abordagem qualitativa segundo Ludke, André (2013, p.26), “o pesquisador pode recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação do fenômeno estudado.” Este artigo constitui-se num estudo de produção teórica, através de revisão bibliográfica sobre a inclusão dos “autistas”6 na escola regular, destacando algumas medidas que podem ser adotadas pelas referidas escolas com vistas a favorecer a construção de vínculos de aprendizagem para com estes alunos, partindo do pensamento crítico, de autores como: Braga (2018), Claxton (2005), Corrêa, Stauffer (2008), Cunha (2015), Facion (2009), Santarosa (2010), Silva (2014), Teixeira (2019), Ramos (2010) e Vygotsky (2008), cujos pontos de vista, relacionam-se com a temática da pesquisa. Nesta perspectiva, os pontos abordados serão: Transtorno do Espectro Autista: definições e aspectos legais, práticas e estratégias pedagógicas para inclusão e o trabalho colaborativo entre família e escola na efetivação dos vínculos de aprendizagem. O vínculo de aprendizagem como foco desta pesquisa, possibilita compreender a importância da interação dinâmica e harmoniosa entre os sujeitos que ensinam e os sujeitos que aprendem. Aprendizagem versa sobre o pensamento reflexivo apresentado por Claxton (2005, p. 185) quando 2

Não há informações específicas sobre o número crescentes de pessoas com autismo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, será acrescido informações especificas sobre o autismo nos próximos censos demográficos. Este direito foi garantido por meio da Lei 13.861 de 18 de Julho de 2019, que altera o Art. 17 da lei 7.853/1989. 3 Os registros do censo escolar apontam um aumento significativo de alunos púbico da Educação Especial matriculados nas escolas de educação básica, sendo que em 2015 o quantitativo era de 930.683, passando em 2019 para 1.250.967, elevando o percentual de 88,4% para 92,8%. Observou-se que no respectivo relatório não aprecem informações referentes às necessidades de modo específico, impossibilitando apresentar números específico de alunos com autismo. 4 Segundo a Organização das Noções Unidas – ONU, cerca de 1% da população mundial vive com autismo, o equivalente a 70 milhões de pessoas. 5 TEA: Sigla usada no Manual Estatístico dos Transtornos Mentais/DSM-5 para definir Transtorno do Espectro Autista. 6 Termo usado para se referir a pessoas com diagnóstico clínico de Transtorno do Espectro Autista.

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diz que “a aprendizagem é concebida desde cedo na vida.” É bem verdade que aprendizagem acontece antes mesmo dos sujeitos frequentarem a escola. Mas, é na escola que acontece a troca do conhecimento sistemático, em que as práticas escolares vão se disseminando e a relação de aproximação entre escola-professor-aluno-família vai se fortalecendo. Assim, Vygotsky (2008, p.62), define que a aprendizagem é “resultante de um processo interativo, sendo de suma importância o papel do outro no desenvolvimento dos indivíduos.” Neste sentido, a interação contribui, segundo Silva (2014, p. 16), para “construir as relações e práticas pedagógicas menos discriminatórias e menos excludentes, em que as diferenças sejam entendidas como inerentes ao ser humano e como potencialidades para a aprendizagem.” Nesse contexto, a educação inclusiva torna-se relevante, pois busca princípios básicos para a minimização de todo e qualquer tipo de exclusão, elevando ao máximo o nível de participação de seus integrantes. Ao aceitarmos o desafio de estar sob o efeito do novo, precisamos aprender a aprender com a diferença, para nos lançarmos na aventura inédita de nos descobrirmos na relação, fora das semióticas dominantes que classificam nossos alunos, que os rotulam e os excluem. Preparamo-nos, então, para produzir novos territórios existenciais para pensar de outro modo as diferenças, para pensar outros modos de fazer, de viver (FACION, 2009, p. 122).

É importante ressaltar que, de acordo com Braga (2018, p.19), “o TEA se constitui um transtorno que causa prejuízos leve, moderado e severo na comunicação social e presença marcante de prejuízo nos comportamentos com atividades e interesses restritos e repetitivos.” Diante da afirmação é preciso uma atenção maior, pois as manifestações sintomáticas diversas do espectro, confundem, dificultando muitas vezes a ação pedagógica da escola. Portanto, é imprescindível ações que contribuam para construção de um vínculo de aprendizagem entre escola, professores e famílias, frente as necessidades educacionais do aluno com TEA, traçando um plano de intervenção conjunto que ajude a potencializar suas aptidões e interesses. 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1 Transtorno do Espectro Autista: Definições e aspectos legais. A inclusão do aluno com TEA ou com outras deficiências na escola já é garantido desde a Constituição Federal de 1988, quando define a educação como direito de todos, estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola, garantindo a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Além da Constituição Federal outras legislações foram criadas para garantir o direito das pessoas com TEA. No âmbito da educação nacional temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 32


9.394/96, que no artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades. Foi criada também a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, com o objetivo de criar política pública voltada à inclusão escolar, garantindo: ● Acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; ● Transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; ● Oferta do atendimento educacional especializado; ● Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; ● Participação da família e da comunidade; Acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e, Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p.10).

Logo, o Decreto 6.571/08, instituído para estabelecer diretrizes voltadas ao atendimento educacional especializado no sistema regular de ensino (escolas públicas ou privadas), sendo revogado pelo Decreto 7.611/11, define o atendimento educacional especializado, como um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade pedagógicas, organizadas institucional e continuamente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação de estudantes, bem como a distribuição dos recursos da dupla matrícula do atendimento educacional especializado no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica- FUNDEB. Para reforçar a garantia dos direitos do aluno com TEA, foram criadas as Leis nº 12.746/15 e em âmbitos gerais a Lei 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão), ambas defendem a educação um direito e que os sistemas educacionais devem ser inclusivos, possibilitando o máximo desenvolvimento possível dos talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. É notório que em se tratando de legislação, vários mecanismos como leis, decretos, resoluções, voltados à Educação Inclusiva foram criados para amparar os alunos com Transtorno do Espectro Autista e demais necessidades, objetivando garantir seus direitos, deveres como pessoa e a convivência nas relações sociais. Criar leis não é o suficiente, pois na prática, sua implementação depende da atitude dos seres humanos. De acordo com Corrêa, Stauffer (2008, p. 123-142), “concretizar a escola pública como espaço inclusivo nos leva a buscar a elaboração e concretização de políticas públicas com este fim.” A inclusão é um processo equitativo, a qual deve envolver todos, em especial a escola, tornando suas ações benéficas à comunidade. 33


A educação inclusiva desafia as formas de exclusão e de discriminação, independentemente de ter se originado como resposta da sociedade. No entanto propor educação inclusiva sem considerar a realidade de nossas escolas, uma atitude generalizável que não condiz com a ética de respeito às diferenças (FACION, 2009, p. 118).

O referido autor destaca a importância de boas atitudes no processo de inclusão e o respeito às diferenças, ficando claro que o processo de inclusão exige atitude, coragem e prudência, tanto nas ações coletivas quanto nas ações educativas, do contrário pode tornar-se ações equivocadas e prejudiciais no desenvolvimento do aluno, neste caso específico do aluno com TEA. É necessário e urgente que a proposta de ensino da escola se redefina. Ramos (2010, p. 17) diz que, “a conduta da escola em relação ao ensino é um passo significativo para acontecer a inclusão, caso contrário à inclusão torna-se um problema.” Segundo a autora é preciso atenção por parte da escola naquilo que quer construir. Neste sentido, falar de construção de um vínculo de aprendizagem para o aluno com TEA na educação inclusiva é saber que, só será possível quando a escola torna-se disposta a conhecer as especificidades deste aluno. Silva (2014, p.40) destaca que “a inclusão não consiste somente em efetuar a matrícula dos alunos na escola, mas fazer com que aprendam juntos.” No processo de inclusão na escola regular é necessário considerar algumas peculiaridades como característica, sintomas comportamentais do diagnóstico e, principalmente, a aprendizagem do aluno com TEA. Por isso, é importante que a escola esteja atenta a algumas características, que podem ser identificadas e/ou possam comprometer o desenvolvimento escolar. Pela classificação do DSM-4 (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais) e Código Internacional de Doenças CID 10, o autismo (atualmente TEA) foi descrito pelo comprometimento em três grandes áreas: Comunicação, interação e comportamento, assim mostra a imagem abaixo. Figura 1. Áreas de prejuízos no Autismo – DSM-4.

Fonte: Autora, Palestra Autismo em 21.04.2019

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Na versão quatro do referido manual, a terminologia utilizada era Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD, associando-se a esta nomenclatura, alunos com Autismo Clássico, Síndrome de Asperger, Síndrome de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância (psicoses) e Transtornos Invasivos sem outra Especificação. A partir da versão DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais), o TEA é classificado como um transtorno do neurodesenvolvimento que envolve um quadro sintomático, sendo subdividido em níveis (1-leve, 2-moderado, 3-severo) com prejuízos na comunicação social e comportamentos restritos e repetitivos, sob o código F84. Figura 2. Áreas de prejuízos no TEA – DSM-5.

Fonte: Autora, Palestra Autismo em 21.04.2019

Com a atual proposta da Organização Mundial da Saúde – OMS/2019, de mudanças do Código Internacional de Doenças CID 10 para CID 11, previsto para entrar em vigor a partir de 01 de Janeiro de 2022, o TEA aparecerá com nova classificação, tanto no código quanto na sua descrição. A subdivisão está relacionada as funções da linguagem e deficiência intelectual, sob novos códigos, conforme mostra o quadro a seguir: Quadro 1: Classificação do Autismo - CID 11 Código 6A02

Especificação Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)

6A02.0

Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;

6A02.1

Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI) e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;

6A02.2

Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI) e com linguagem funcional prejudicada;

6A02.3

Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI) e com linguagem funcional prejudicada;

6A02.4

Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI) e com ausência de linguagem funcional;

6A02.5

Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI) e com ausência de linguagem funcional; 35


6A02.Y

Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado;

6A02.Z

Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado.

Fonte: https://tismoo.us/tag/cid-11/

Todas essas informações são fundamentais para a escola no reconhecimento de possíveis características do TEA. Braga (2018, p.18) contribui dizendo que o TEA é “um transtorno de início precoce, com características marcantes no processo de desenvolvimento global, comprometendo principalmente o desenvolvimento funcional da linguagem, fala e comunicação, que prejudicam a interação social.” Teixeira (2019, p. 50-51), descreve de forma sucinta o referido transtorno com as seguintes características: Prejuízo em comunicação e interação social em múltiplos contextos na reciprocidade social e emocional, comportamento comunicativo não verbal utilizado para interação social, no desenvolvimento, manutenção e entendimento de relacionamentos sociais. Padrão de comportamentos restritos e repetitivos de interesse ou atividades, manifestadas por pelo menos dois dos seguintes: movimentos ou fala repetitivos e/ou estereotipados; insistência ou monotonia, inflexibilidades nas rotinas ou padrões ritualísticos no comportamento verbal ou não verbal; interesses restritos; hiper ou hiporeatividades à estimulação sensorial ou interesse atípico por estímulos ambientais.

Segundo Cunha (2015, p. 28) são características do TEA: Retrair-se ou isolar-se das outras pessoas; Não manter contato visual; Resistir ao contato físico; Resistência ao aprendizado; Não demonstrar medo diante de perigos reais; Não atender quando chamado; Birras constantes; Não aceita mudanças na rotina; Usar as pessoas para pegar objetos; Hiperatividade física; Agitação desordenada; Calma excessiva; Apego e manuseio não apropriado de objetos; Movimentos circulares no corpo; sensibilidade a barulhos; Estereotipias; Ecolalia; Não manifestar interesse por brincadeiras; Compulsão.

Ambos autores, mencionam as áreas de prejuízo significativos no funcionamento social ou outras áreas no TEA e que os sintomas já são presentes desde o período de desenvolvimento inicial da criança, antes mesmo de ingressar na escola. Contudo, vale lembrar que o diagnóstico do TEA é clínico, mas alguns sintomas podem ser percebidos e observados precocemente, tanto pela família quanto pela escola. O diagnóstico precoce contribuirá para que tanto a família quanto a escola possam lidar melhor com o aluno, principalmente na elaboração de intervenções. Por isso escola e família devem estar atentos para a manifestação de sinais de alerta para o TEA.

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2.2 Práticas e estratégias pedagógicas para a inclusão. Como já foi dito anteriormente os sintomas do TEA são vários, isso quer dizer que cada aluno com o espectro será único, sendo verbais ou não verbais, outros que se destacam pelo nível elevado nos conteúdos escolares, mas há aqueles com nível muito baixo no aprendizado. Para isso, é preciso pensar em estratégias que promovam o bem estar de todos. Então, o que reflete os sintomas e características do TEA na prática pedagógica? O conhecimento que a escola terá, fará muita diferença na inclusão destes alunos, pois contribuirá no direcionamento das ações específicas para cada caso que se apresenta, em questão de comunicação, aprendizagem e proposta de ensino. Pensar em estratégia de inclusão como, por exemplo, o uso do TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Distúrbios Correlatos da Comunicação), do PECS (Sistema de Comunicação por Troca de Figuras) e do ABA (Análise Aplicada ao Comportamento). Essas estratégias de intervenção no trabalho pedagógico são voltadas principalmente aos alunos não verbais, ou seja, que não conseguem se comunicar por meio da fala e que necessitam de estímulos no aprendizado e comportamento. O TEACCH desenvolve a independência do autista de modo eu ele, ainda que precise do professor para o aprendizado, possa ser, em grande parte do seu tempo, independente para fazer coisas relacionadas à sua vida diária. O TEACCH se baseia na organização do ambiente físico por meio de rotinas organizadas em quadros, painéis ou agendas. O objetivo é adequar o ambiente para o autista mais facilmente compreendê-lo e compreender o que se espera dele. O PECS estimula o aprendiz a comunicar-se pela percepção de que ele pode conseguir mais rapidamente as coisas que deseja utilizando figuras. Este sistema pode usar apenas cartões, podendo ser usado em qualquer lugar na organização da linguagem não verbal. O ABA tem por objetivo observar, analisar e explicar a associação entre o ambiente, o comportamento humano e a aprendizagem. Ensina ao autista, habilidades que ele ainda não possui por meio de etapas por meio de etapas cuidadosamente registradas. Cada habilidade é apresentada associando-a a uma indicação ou instrução (CUNHA, 2015, p.73).

As estratégias de trabalho educativo, descritas por Cunha, reforçam a importância da escola conhecê-las e consequentemente, poder desenvolver um trabalho estruturado para o aluno com TEA, pois uma complementa a outra. A escola deve evitar atividades sem funções específicas e descontextualizadas. O uso de reforçadores do comportamento e aprendizagem, devem ser propostos dentro do contexto do aluno, tornando o seu uso funcional. O TEACCH e o PECS são recursos da Comunicação Alternativa Aumentativa-CAA e que podem ser de alto ou baixo custo com o uso integrado de quatro elementos (símbolos, recursos, técnicas e estratégias). 37


A CAA é uma das áreas da tecnologia assistiva e que se refere às ajudas técnicas para a comunicação. Esta área centra-se portanto, na comunicação como processo cognitivo e social e pretende suplementar, complementar, aumentar ou dar alternativas para processos de comunicação de pessoas com déficits na comunicação, seja oral ou escrita. (SANTAROSA, 2010, p.319).

Com baixa tecnologia, utiliza recurso de baixo custo, de confecção caseira como o uso de fotografia, desenhos, imagens confeccionadas em papel cartão, papelão, cartolina, a exemplo a prancha de comunicação, construída com símbolos de acordo com a necessidade do aluno, assim mostra a imagem. Figura 3 Modelos de atividades de CAA, baixa tecnologia para aluno com TEA.

Pranchas com velcro

Quebra-Cabeça com velcro

Prancha: Atividades diárias. Fonte: Autora, organizado para os alunos do Atendimento Educacional Especializado-AEE (2019).

Em se tratando de alta tecnologia os recursos são pagos e muitas vezes de custo bem alto, sendo difícil o acesso pelo aluno. Já existem no mercado alguns softwares como o HagáQuê, usado para edição e produção de textos e a Prancha Livre de Comunicação para a construção de pranchas de comunicação para auxílio e realização de atividades. A exemplo de aplicativos o ABC Autismo, criado sob os moldes do TEACCH, com o objetivo de auxiliar a aprendizagem de crianças com TEA. 38


O aplicativo do ABC Autismo, pode ser baixado gratuitamente em aparelhos celular ou dispositivos Android. Os softwares podem ser baixados de forma gratuita no site de seus desenvolvedores e podem ser instalados em computador.

Figura 4: Modelos de atividades de CAA alta tecnologia para aluno com autismo.

Fonte:https://www.nied.unicamp.br/projeto/hagaque/

Fonte:https://play.google.com/store/apps

Fonte:https://amplisoft.azurewebsites.net/Contact

Os recursos de CAA são importantes ferramentas de aprendizagem para o aluno com TEA, visando sua autonomia, quando é possível. Por isso, Santarosa (2010, p. 336) orienta que “a CAA não deve se reduzir apenas ao desenvolvimento da comunicação e nem ser pensada somente na perspectiva educacional, ou seja, ser usada apenas pelo professor e aluno, mas como um sistema usado em diferentes contextos”. Embora alguns alunos com TEA, tenham uma comunicação verbal e aprendizagem extremamente desenvolvidas, outros terão prejuízos nessas áreas. Daí a importância da escola conhecer estes alunos e poder aplicar os recursos da CAA de forma funcional. De acordo com Cunha (2015, p. 59) “ainda que o aluno não aprenda perfeitamente o que se busca ensinar, ele estará trabalhando sempre a interação, a comunicação, os movimentos. Haverá conquista e erros, muitas vezes mais erros do que conquistas, mas o trabalho jamais será em vão.” 39


O Atendimento Educacional Especializado-AEE é outra possibilidade que a escola tem para complementar a aprendizagem dos alunos. O AEE é um serviço da Educação Especial, ofertado no contraturno, sendo compreendido como um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógica, organizado de forma institucional e continuamente, tendo como objetivos de acordo com Decreto de nº 7.611/2011, Art. 3º: I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes; II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino.

Contudo, o AEE deve ser institucionalizado na proposta pedagógica da escola, visando atender às necessidades específicas e envolver a família para o pleno acesso do aluno, cabendo à escola dispor profissionais especializados para atuar no respectivo serviço, tendo como atribuição: I – identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial; II – elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade; III – organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncionais; IV – acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola; V – estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estratégias e na disponibilização de recursos de acessibilidade; VI – orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno; VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participação; VIII – estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, visando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares. (Resolução Nº4, MEC/SECADI, 2009, Art. 13)

Desta forma, não só a oferta e organização do AEE se torna obrigatória na escola, mas a disponibilização de profissionais de Apoio Escolar para ajudar o aluno nas atividades que se fizerem necessário no contexto escolar, bem como a parceria com a família, pois, faz toda a diferença no trabalho pedagógico da escola.

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2.3 O trabalho colaborativo entre família e escola na efetivação dos vínculos de aprendizagem. Construir vínculo de aprendizagem é ter um olhar sensível para conhecer quem é o aluno com TEA, suas dificuldades e potencialidades, limitações e interesses, isso irá contribuir para o desenvolvimento de boas práticas na escola, as quais apontarão caminhos para se chegar ao sucesso escolar. Facion (2009, p.69), afirma que, “a escolarização de alunos autistas no sistema regular, propõem desafios constantes ao professor, pois requer que o docente avalie continuamente sua forma de ensinar.” Dessa forma, a escola não anda sozinha, precisa de profissionais compromissados que sejam referências determinantes para a vida e desenvolvimento dos alunos. Nesse contexto, o papel do professor da turma regular na construção de vínculos de aprendizagem será de extrema importância, pois além de proporcionar o aprendizado aos seus alunos, deve tornar a sala de aula um espaço acolhedor. Outra atitude favorável para construção de vínculos de aprendizagens é o trabalho colaborativo e a parceria com a equipe técnica da escola, com o professor da turma regular, com o professor de educação especial, com o apoio escolar e a família do aluno com TEA, como já foi mencionando anteriormente. É importante que, antes do início do ano letivo, o profissional do Atendimento Educacional Especializado - AEE e coordenador pedagógico auxiliar o professor da sala de aula comum com informações, orientações sobre situações diversas. Com isso, de posse de mais outros dados relativos à situação do aluno o professor pode definir quais objetivos educacionais precisam ser alcançados, o tempo necessário para cada objetivo e quais suportes necessita para que cada objetivo estabelecido seja conquistado dentro do esperado. Além disso, deve elaborar critérios práticos para o processo de aplicação ou observação das atividades e avaliação do aluno, as quais, por sua vez, tem de ser adaptadas ou adequadas à condição particular de cada aprendente. (BRAGA, 2018, p. 147)

De acordo com o autor, deve-se coletar o máximo de informações do aluno, para então pensar em estratégias possíveis de serem executadas. Então, a escola precisa conhecer estratégia básicas, tendo em vista as peculiaridades dos alunos, a começar pelas adequações que que podem ser feitas pelo professor em seu plano de aula. Para Minetto (2008, p. 77) “essas adequações referem-se aos objetivos, conteúdos, métodos de ensino, organização didática, processo de avaliação e temporalidade,” podendo ser implementada em várias áreas do conhecimento e momentos distintos de sua atuação. Além das adequações feitas pelo professor em seu plano de aula para atender as especificidades do aluno, Mello (2004, p.30), sugere que “o professor verifique com alguma 41


frequência se o aluno está acompanhando o assunto da aula.” Além disso, a referida autora aconselha que este aluno: ✔ Sente o mais próximo possível do professor. ✔ Seja requisitado como ajudante do professor algumas vezes. ✔ Use agendas e calendários, listas de tarefas e listas de verificação. ✔ Seja ajudado para poder trabalhar e concentrar-se por períodos cada vez mais longos. ✔ Seja estimulado a trabalhar em grupo e a aprender a esperar a vez. ✔ Aprenda a pedir ajuda. ✔ Tenha apoio durante o recreio onde, por exemplo poderá dedicar se a seus assuntos de interesse, pois caso contrário poderá vagar, dedicar-se a algum assunto inusitado ou ser alvo de brincadeiras dos colegas. ✔ Seja elogiado sempre que for bem sucedido. (MELLO, 2004, p.30)

É importante garantir ao aluno com TEA acesso ao currículo escolar, pensando em estratégias para cada situação em particular, tornando-o parte do processo educacional no qual se encontra inserido. Em suma, a inclusão desses alunos não depende apenas de boas ações da escola e da atuação dos professores, mas da participação e contribuição da família. Uma grande ajuda para todos os indivíduos com autismo, independente do grau de severidade, vem das relações familiares, em razão do enfoque na comunicação, na interação social e no afeto. Entretanto, escola e família precisa ser concorde nas ações e nas intervenções, na aprendizagem, principalmente porque há grande suporte na educação comportamental. Isto significa dizer que a maneira como o autista come, veste-se, banha-se, escova os dentes, manuseia objetos e os diversos estímulos que recebe para o seu contato social precisam ser consoantes nos dois ambientes. (CUNHA, 2015, p. 89)

A família e a escola são fundamentais na educação do aluno com TEA. Os pais são importantes colaboradores de informações para que a escola consiga atendê-lo nas suas especificidades. Para Cunha (2015, p.88), “o entendimento das dificuldades de aprendizagem do aluno implica um olhar extensivo à família, para uma melhor aplicação de todas as etapas do processo da sua educação.” Nesse contexto, existirão famílias cujo anseio em conceber uma criança perfeita é invertido e a partir do diagnóstico do filho, parte o desespero, o impacto emocional e a dificuldade em saber lidar com a situação. Outra situação, pela qual a família passa, é o medo da exposição social, o que a sociedade e os próprios familiares vão dizer. Neste caso, cabe à escola acompanhar de perto esse processo, com orientações e possíveis encaminhamentos a outros profissionais para que juntos, família, apoiada pela escola possa superar a fase do diagnóstico. Os cuidados da família ao aluno com TEA são importantes, só não podem atrelar esses cuidados ao isolamento social, proteger de mais e não oportunizá-lo a ter experiências socioculturais. 42


A família é responsável sim em promover o bem estar desse aluno, mas também é responsável pelo acompanhamento das atividades escolares. Cunha (2015, p. 57) menciona que “a prática escolar é uma grande oportunidade para profissionais e familiares construírem um repertório de ações inclusivas para o aprendente com autismo.” Família e escola devem ter objetivos comuns na execução de atividades principalmente as que proporcionam autonomia ao aluno, como ir ao banheiro sozinho na escola, assim também a família deve fazer o mesmo em casa. Acompanhar atividades para casa é um desafio, mas possível de ser executada pela família junto com o aluno, visando sempre a conquista de sua independência. Dessa forma, cabe a cada um que compõem a escola, contribuir na construção do vínculo de aprendizagem. Escola e família devem mudar seus conceitos prontos com relação ao Transtorno do Espectro Autista e ir em busca de alternativas eficazes, pois se trata de aluno com condição diversa e que precisa de atenção, recursos específicos, estratégias criativas, espaços escolares interativos, ambiente familiar acolhedor, além da motivação dos professores para aprender que é necessária no dia a dia. 3.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo bibliográfico pautou-se em analisar as contribuições da escola regular na

perspectiva da inclusão, sob a ótica da construção de vínculo de aprendizagem para alunos com Transtorno do Espectro Autista-TEA. Assim, esta pesquisa possibilitou agregar informações acerca de ações, que podem ser adotadas pelas escolas, contribuindo para o desenvolvimento do vínculo de aprendizagem de tais alunos no campo da educação inclusiva, partindo de conhecimentos referentes aos aspectos legais que garantam os seus direitos, assim como as práticas pedagógica e o trabalho colaborativo entre escola, professores e família. O TEA foi abordado a partir de um diagnóstico clínico com características relevantes para observação em um contexto educacional e familiar. Pois, o conceito de Transtorno do Espectro Autista-TEA, vem evoluindo, necessitando ser reconhecido diante das suas diversas manifestações. Neste sentido, se faz necessário conhecer as especificidades destes alunos para então propor estratégias de intervenção, partindo da ação pedagógica da escola com base em um trabalho estruturado e que evidencie também o uso de tecnologia educacionais de alto e baixo custo. Dessa forma, constatou-se que, criar vínculos de aprendizagem é garantir ao aluno com autismo a re/organização de estratégias pedagógicas, que envolvam a participação dos professores, da equipe gestora, das famílias no processo ensino aprendizagem, do Atendimento Educacional Especializado-AEE, do Apoio Escolar para ajudá-lo nas atividades que porventura não consigam 43


desempenhar com autonomia. Todas essas práticas são fundamentais para o aprimoramento do trabalho colaborativo, sempre pensando nas necessidades e interesses específicos do aluno com TEA, revelando possibilidades educacionais de superação da aprendizagem. REFERÊNCIAS ABC Autismo. Disponível em: https://play.google.com/store/apps Acesso em: 02 mar. 2020. American Psychiatric Association. DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2002. American Psychiatric Association. DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo nº 186/2008. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. _____. Decreto n°. 6.571/2008 - Dispõe sobre o atendimento educacional especializado. (REVOGADO), pelo Decreto nº 7.611/2011. _____. Decreto n°. 7.611/2011 - Dispõe sobre a educação especial o atendimento educacional especializado e dá outras providências. _____. Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência: Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015/ Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. _____. Lei Nº. 12.746, de 27 de Dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. _____. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9.394, de 20 de dezembro de 1996. _____. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2008. _____. Resolução CNE/CEB 4/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 5 de outubro de 2009. _____. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Básica 2019: notas estatísticas. Brasília, 2020. Disponível em http://portal.inep.gov.br/documents/ Acesso em: 02 jun. 2020. BRAGA, Wilson Candido. Autismo: azul e de todas as cores: guia básico para pais e profissionais. São Paulo: Paulinas, 2018. CLAXTON, G. O desafio de aprender ao longo da vida. 1ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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ESTRATÉGIAS DE LETRAMENTOS EM ESPAÇOS ENGENHOSOS DO CONHECIMENTO Marcilene do Carmo de Oliveira Miranda1 Resumo Este artigo visa a refletir sobre leitura literária e práticas desenvolvidas em espaços de leitura no contexto do ensino médio; objetivando construir pontes e experiências de sentidos entre leitores e universo literário e buscamos auxiliá-los a se tornarem sujeitos leitores e escritores. A metodologia tem como base considerações teórico-metodológicas de Larrosa (2015; 2016) cuja leitura transformadora é tomada como acontecimento numa dinâmica de atribuição de significados; as experiências de leitura estão conectadas à subjetividade resultando em singularidade, uma vez que podem ocorrer em diferentes contextos. Levamos em conta também os postulados de Soares (2017), Rojo & Barbosa (2015) e Riolfi et.al. (2008) que orientam a considerar estratégias desafiadoras na busca da qualidade de letramentos nos espaços de leitura. Assim, apresentaremos algumas ações desenvolvidas nesses espaços na Escola Júlia Passarinho, aproximando o leitor do universo literário e desenvolvendo um “desabrochar” nos jovens leitores agregado à leitura, experiências, poesia e arte. Palavras-Chave: Leitura literária. Experiências. Jovens. Espaços de leitura.

1. Introdução Este artigo pretende refletir sobre algumas experiências literárias desenvolvidas em um espaço de leitura2 com alunos da Educação Básica na Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho, localizada no município de Cametá-PA, no segundo semestre do ano letivo de 2019. Nesse processo, o perfil da literatura utilizada para sustentar as reflexões teóricas das principais temáticas envolvidas traz à tona discussões de importantes conceitos e temáticas, basilarmente configurados em Jorge Larrosa (2016). Geralmente, a literatura amplia e diversifica nossas visões e interpretações sobre o mundo e relacionadas à vida como um todo, pois são inúmeras as possibilidades de mergulhar tanto no universo da fantasia como no da realidade encontrado no mundo das palavras. Sendo assim, é possível afirmar que ao ler atribuímos sentido ao que foi lido, e a cada leitura, ainda que seja do mesmo texto, novos detalhes podem ser percebidos.

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Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará. Professora de Língua Portuguesa na Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho, Cametá-Pa-Brasil. Email: marcilene.miranda@escola.seduc.pa.gov.br 2 No dia 25 de novembro de 2019, esse espaço de leitura foi inaugurado e passou a se denominar “Sala de Leitura Salomão Larêdo”.

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Entendemos também que é necessário o fomento do trabalho em sala de aula como bem explicita a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em uma das competências específicas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental: Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artísticoculturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura (MEC, 2018, p. 87).

Ressaltamos que a experiência da leitura é individual, sempre única e nova, e esta transforma o olhar do leitor sobre o mundo e a forma de relacionar-se consigo e com o outro; assim, os gêneros discursivos integram as práticas sociais e são por elas gerados e formatados, além disso, pertencem a contextos de interação/comunicação e dessa forma, “investigar e discutir éticas e estéticas é um passo importante não somente para a escola se aproximar do universo cultural dos alunos, mas também para entender como a sociedade brasileira funciona hoje na contemporaneidade” (ROJO & BARBOSA, 2015, p. 63). Com reflexões e estratégias de multiletramentos bem detalhadas sobre diferentes gêneros do discurso, Rojo & Barbosa (2015) nos permitem compreender que estar em contato com o universo das palavras e nele encontrar uma atividade prazerosa, ao mesmo tempo em que nos leva a absorver todo o conhecimento exterior, também nos conduz a uma busca de tudo que representa algo de nós mesmos nesse conhecimento que chega até nós; em cada nova leitura, ocorre algo semelhante a uma lapidação de desejos e predileções particulares. Os livros constituem um tipo de transporte de conhecimento, pois temos a total liberdade de interpretação, o que confere o aperfeiçoamento do nosso senso crítico e o melhoramento de como nos posicionamos diante do mundo e representam uma linguagem que nem sempre os alunos têm acesso no seu dia a dia. Assim, é necessário: proporcionar aos estudantes experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens (MEC, 2018, p. 67-68).

Larrosa (2016) ressalta que comumente lemos com alguma finalidade usual: seja para adquirirmos conhecimentos, para termos acesso ao saber escolar, realizarmos uma prova, um concurso ou outra coisa qualquer. Fazemos o uso prático dessa leitura para o convívio social, a 47


erudição; por outro lado, esse encontro com a leitura fica prejudicado por várias situações como, por exemplo, o excesso de informação. Segundo ele,

a informação não é experiência. [...] experiência é que é necessário separá-la da informação. [...] O saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado. É a língua mesma que nos dá essa possibilidade (LARROSA, 2016, p. 21-22).

É diferente saber que a loja abre às 13 horas (informação) e saber abrir a loja (experiência); assim, a informação é da ordem objetiva; não é o que propriamente nos forma como uma experiência, pois podemos ler muito. Temos conhecimentos de muitas coisas, mas o que extraímos disso? Que experiências construímos com essas leituras que temos em excesso? O que fica para a nossa constituição profissional, emocional, cultural, pessoal, social? Qual a inter-relação que fazemos com todo o nosso aprendizado? Diante disso, “a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. O sujeito moderno é sujeito informado que, além disso, opina. Depois da informação, vem a opinião” (LARROSA, 2016, p. 20), uma ânsia por ter de falar mesmo sem o conhecimento, amparada na necessidade de opinar sobre tudo. Há outro aspecto importante ressaltado pelo autor no que se refere à experiência, ele diz que vem empobrecendo por vários fatores, como por exemplo, a falta de tempo; temos pouco tempo para nos dedicarmos à leitura para que possamos, por meio dela, extrair um aprendizado, uma experiência e/ou uma transformação. De modo geral, na escola e fora dela, a experiência enquanto aquilo que nos passa, que nos acontece, que nos toca, tem sido algo cada vez mais raro em nosso tempo. Inseridas em uma sociedade cada vez mais líquida, dialogando com a cultura e forjando sua própria cultura escolar, podemos afirmar que, frequentemente, as instituições educativas comungam dessa urgência de informações, da necessidade de produtividade, do imperativo de formar indivíduos bem-sucedidos social, cultural e economicamente (LARROSA, 2016); cabe a nós, como educadores, sermos ponte para que isso aconteça de maneira fluida, significativa e contextualizada. Nesse sentido, o aluno precisa dominar uma gama de informações e conhecimentos diariamente e na maioria das vezes tais informações são esquecidas. “[...] Com isso, também em educação estamos sempre acelerados e nada nos acontece” (LARROSA, 2016, p. 23); mas a aceleração do dia a dia é um dos obstáculos para que possamos construir uma experiência, esta, por sua vez, é interna e tem que ser processada, construída por nós; com a leitura acontece a mesma coisa. 48


Assim, se nós compreendemos utilitariamente a leitura sob o ponto de vista mercadológico, dificilmente ela nos afetará como uma experiência, no entanto não é essa leitura que queremos e não é esse o sentido da leitura que buscamos, porque essa prática já existe na escola. Nós queremos que o leitor tenha o hábito de leitura não apenas para se informar ou para realizar uma avaliação, mas que possa ser tocado, que transforme sua vida, visto que essas experiências podem se constituir nos mais variados contextos, desde que o leitor encontre a leitura adequada, no momento certo, isto é, fazer com que ela se constitua em experiência e esteja diretamente conectada às suas subjetividades. Dessa forma, A participação dos estudantes em atividades de leitura com demandas crescentes possibilita uma ampliação de repertório de experiências, práticas, gêneros e conhecimentos que podem ser acessados diante de novos textos, configurando-se como conhecimentos prévios em novas situações de leitura (MEC, 2018, p. 75).

Nesse sentido, a leitura, como experiência, vai além de uma leitura realizada para conhecer algo, que se torna uma leitura informativa, que não toca e marca a ponto de se configurar em uma experiência de leitura, conforme Larrosa, uma vez que “se lemos para adquirir conhecimentos, depois da leitura sabemos algo que antes não tínhamos, porém nós somos os mesmos que antes, nada nos modificou” (LARROSA, 2016, p. 16).

2. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO 2.1 Narrativas literárias em estratégias de letramentos3 Ao desenvolvermos estratégias de leitura nos espaços destinados a esse fim, não buscamos simplesmente criar o hábito da leitura nos estudantes para fins cognitivos e de avaliações (como comumente a literatura é utilizada no âmbito escolar), mas sobretudo para que estes possam entrar em contato com a dimensão poética da leitura literária e aproximar a literatura da vida e pensar na contribuição que essa literatura possa trazer para um viver digno consigo e com os outros. Riolfi et al. (2008, p. 77) observam que “o consumidor parece não estar interessado em saber se os livros escolhidos são obras-primas ou, mesmo, se são literatura; a preferência é por uma “boa história”, por um “livro leve” ou por qualquer um que pareça responder às suas angústias existenciais. 3

Sobre a historicidade do termo letramento e a diferença entre os termos alfabetização X letramento, ver detalhes em Soares (2017). A pesquisadora afirma que o surgimento da palavra letramento “pode ser interpretado como decorrência de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico, nível da língua escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de alfabetização” (SOARES, 2017, p. 63).

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Assim, cientes da necessidade de se instituir e reorientar o ensino de literatura oposta ao natural, ao normal, ao palatável, apostamos em uma ressignificação poética da leitura no espaço escolar, potencializada pelas experiências formativas no encontro com o texto literário de autores variados; dessa forma, buscamos fomentar a formação de leitores no ambiente escolar e fora dele, bem como elevar a literatura cada vez mais ao seu valor poético e formativo, potencializando os canais de acesso ao texto literário como condição de possibilidade de nos tornarmos leitores sensíveis e atentos às tramas e aos dramas da vida. Ressaltamos que a leitura não pode ser vista, no ambiente escolar, apenas como ato mecânico ou para obtenção de informações e notas avaliativas. Trata-se de pensar a leitura como algo que nos forma, como algo que nos constitui ou nos põe em questão naquilo que somos. A leitura, portanto, não é só um passatempo, um mecanismo de evasão do mundo real e do eu real. E não se reduz, tampouco, a um meio de se conseguir conhecimentos (LARROSA, 2002, p. 18).

Para o autor, o momento da leitura é intenso e, quando vivido em plenitude, propicia, ao leitor, uma experiência enriquecedora do entrelaçamento entre leitura e vida, da qual não há como não sair modificado, assim, a leitura extrapola, então, a simples decodificação de sinais, amplia-se no entrelaçamento dos significados, na construção de novos sentidos, na compreensão maior do homem, da vida, do mundo. Pensando em uma maneira de aproximar nossos jovens estudantes às obras literárias disponíveis em nossos espaços de leitura, planejamos algumas ações na biblioteca e nos espaços disponíveis na Escola Estadual de Ensino Médio Júlia Passarinho, pois presumimos destacar a possibilidade de um estranhamento que os educandos enfrentariam ao se depararem com alguns textos literários. Desenhamos o corpo deste trabalho com as seções abaixo arroladas nos processos cartográficos de composição das experiências de leitura literária empreendidos na referida instituição no segundo semestre do ano letivo de 2019, cujas dinâmicas se estendiam da biblioteca às salas de aula, espaços nos quais era possível agregar leitura, sonhos, experiências, convívio, poesia e arte. Apresentaremos aqui algumas experiências ressignificadas nos cenários dos encontros com a literatura e nessa descoberta de mundos na relação texto-leitor a partir das seguintes obras: 2.1.1 O Conto “Felicidade Clandestina” O conto Felicidade clandestina, da ucraniana Clarice Lispector (1999), foi a primeira indicação selecionada para ser lida na biblioteca com uma turma de primeira série do ensino médio. A narrativa foi distribuída para os 32 alunos presentes naquela oportunidade, tendo sido proposta uma 50


leitura compartilhada, na qual cada aluno lia um parágrafo da história e assim chegamos ao final da leitura do conto, que deixou a todos os presentes extasiados. A identificação dos alunos com o enredo clariceano foi tão imediata que a reflexão acerca dos acontecimentos na narrativa foi articulada com a realidade vivenciada por boa parte dos alunos; conforme podemos observar na fala de um dos estudantes4. “Bom professora, o que mais me tocou nessa leitura é que eu lembrei que certa vez queria muito emprestado um tênis de um primo meu, e ele só ficava me enrolando e nunca me emprestou o tênis. Fiquei com tanta raiva dele, que disse que um dia eu ainda ia ter um tênis “da hora” e não ia emprestar também, igualzinho como ele fez comigo” (A.M.S., 19 anos).

Embora o mundo, em tantos momentos, seja hostil, Clarice (1999) induz o leitor a refletir sobre aquilo que é leve na vida, como bem enfatiza o aluno. “Eu acredito que não tem uma coisa nesse conto que não nos toque... por que ela [Clarice Lispector] fala da vida e ela também fala do dia a dia. Outra coisa, é que eu não queria nem ler, estava nervoso, mas quando foi chegando a minha vez me deu uma vontade tão grande de participar da história que tomei coragem” (L.A.V., 16 anos).

Como bem percebemos, o experienciar clariceano é um transmutar de personalidades de si mesmo, como bem inferem as considerações do aluno L.A.V.; somente quando nos sentimos pertencentes a um espaço é que nos apropriamos dele. Sentir-se próximo ao livro, tocá-lo, pertencêlo ainda que provisoriamente, viver a clandestina felicidade desse encontro. Foi assim que os alunos que participaram da oralidade da obra Felicidade Clandestina se sentiram pertencentes ao universo da escritora e essa identificação com as personagens possibilitou novas experiências, pois a cada reflexão as emoções afloravam e novas sensações surgiam. A timidez, até então presente em muitos deles, cedia espaço ao desafio de ler, inclusive alguns criticaram a postura da menina que hesitava em emprestar o livro, outros comentaram de maneira positiva a postura da mãe da menina, outros se sentiam a própria protagonista em um ou outro relato, enfim, foi um cruzar de subjetivações entre o universo ficcional e a realidade vivenciada.

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Alguns depoimentos dos alunos coletados serão apresentados aqui e para resguardar a identidade dos participantes no processo, usaremos apenas as iniciais dos nomes e a idade deles.

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2.1.2

O Romance “Olho de boto” Uma das leituras que mais chamou a atenção dos jovens leitores foi justamente a experiência

leitora de Olho de Boto (Larêdo, 2015), romance que mescla ficção e realidade, diante de um cenário histórico ocorrido na década de 60 na cidade de Cametá, a pretensão de um casamento entre homossexuais. Quando o mundo todo discute e polemiza fatos em relação a este acontecimento, Cametá já tinha vivido em sua pacata cidade uma experiência que causou revolta popular. De autoria do escritor cametaense, a obra Olho de Boto envolve o leitor no imaginário amazônico, revelando todas as suas idiossincrasias. Inspirado em fatos reais, Salomão Larêdo (2015) apresenta um romance contestador, que deseja disseminar o amor livre por todos os lugares e criticar a incompreensão e a violência comuns numa terra tão afastada da civilização. Durante a leitura da obra, os estudantes perceberam que o mundo não era feito apenas de coisas que se viam nele, mas havia outras possibilidades de se olhar o mundo e a si mesmo; esse foi o achado dos jovens leitores ao final da leitura da obra. Quando lido o romance, os alunos se propuseram a encenar os principais fatos relatados na obra e 32 alunos da segunda série do ensino médio exploraram, ensaiaram e apresentaram os principais episódios que recontou o clássico fato histórico ocorrido na localidade chamada Inacha5. Após a leitura, vieram à tona os conhecimentos históricos da década de 60 que os alunos socializavam à medida que discutíamos pontos específicos do romance. A culminância do contato com essa obra se realizou no momento da inauguração da Sala de Leitura Salomão Larêdo em novembro de 2019 e trouxe às lágrimas o próprio escritor e sua esposa, além de outros convidados presentes. Uma dinâmica na experiência leitora que traz à tona a articulação entre a realidade e as tramas enredadas por esse escritor da terra. Fato curioso é que, durante as reflexões no percurso da leitura, a turma ficou dividida: uns defendiam a liberdade nos relacionamentos independente de idade, classe social, gênero, além de outros fatores; outros acusavam a questão de estar juntos em relacionamentos homoafetivos. A literatura, por meio de referências literárias como essa, propiciou espaços de diálogos e debates sobre temas sociais que muitas vezes a escola se recusa a tratar; dessa forma, as vozes dos alunos ecoavam, aflorando a sensação de pertencimento àquele espaço de leitores e observando que o mundo literário, apesar de ficção, tem muito da nossa realidade.

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Larêdo (2015) afirma em seu romance que Inacha é um povoado pacato e ordeiro da floresta amazônica, onde ninguém contesta o poder do regime militar recentemente implantado no Brasil [refere-se ao período em que acontecera tal fato]. Porém, tudo muda quando um acontecimento grandioso é agendado: dois homens decidem se casar, décadas antes do mundo discutir os relacionamentos socioafetivos.

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Muitas vezes, percebemos essas oportunidades de letramento ignoradas ou não reconhecidas pelas instituições escolares, assim, nas nossas salas de aula Permanece, portanto, uma “invisibilidade” em torno das atividades sociais realizadas pelos jovens e que demandam ler, escrever e falar. No caso do ensino médio, é comum que os professores lecionem para muitas turmas, em salas lotadas, e para eles torna-se ainda mais difícil aproximar-se dessa realidade vivida pelos estudantes fora dos limites da escola (SOUZA, CORTI & MENDONÇA, 2012, p. 15).

Torna-se necessário, então, que mais estratégias de leitura e escrita de fato significativas sejam planejadas para esses estudantes, pois esses laços continuam sendo fundamentais na ressignificação das subjetividades dos estudantes. 2.1.3 O Romance “Antônia Cudefacho: o ardente amor de um padre” Ao ouvirem o resumo do romance Antônia Cudefacho: o ardente amor de um padre, (Larêdo, 2019), os alunos tiveram a oportunidade de visitar o interior do Pará nas décadas de 50 e 60. A obra relata, de maneira ficcional, rumos da história de vida de Antônia Carvalho, conhecida em Cametá por Antônia Cudefacho, relatada ao escritor cametaense nascido na Vila do Carmo pela filha da protagonista, Maria das Mercês Carvalho. A obra é narrada tendo como base o dialeto cametaense e uma linguagem voltada a leitores com certa maturidade, visto que algumas expressões soam-nos bem grotescas por serem extravagantes; desse modo, julgamos coerente apresentar o resumo dos principais fatos expostos no romance e assim os alunos apresentaram a performance da protagonista, cuja exposição teve a culminância na inauguração do espaço de leitura da referida instituição de ensino médio. Ao ouvir o resumo do romance, cujas passagens eram lidas de forma bem dramática pela professora da turma, os alunos sentiam a necessidade de adquirir o romance e tê-lo como livro de cabeceira. No relato dos alunos, especialmente após apresentarem a performance da obra, também registramos que esta experiência de leitura os afetara e os fez repensar a vida e seus relacionamentos familiares e/ou afetivos. “Para mim, professora, isso é que é ler, porque a gente vive nas histórias que a senhora conta. É como se estivéssemos presente naqueles lugares, naqueles acontecimentos” (E.S.M., 17 anos). “Lembro que uma prima minha fugiu também para viver um romance escondido, professora. Sei que ela fez errado, pois hoje ela disse que não faria isso de novo e que não deseja pra ninguém o que ela viveu” (C.A.P., 16 anos). 53


Na reflexão dos estudantes sobre o romance, destacamos a presença de um movimento vivo de dor, de alegria, de vivências pessoais que os remetiam a uma busca de entendimento de si, dos limites, das possibilidades de ser/viver a existência tão marcada e associada às questões desafiadoras de suas próprias realidades, de dependência, de ridicularização de atitudes e comportamentos, pois ao ouvirem episódios do romance de Larêdo (2019) encontraram-se em movimento de sair de si e ir ao encontro do outro. Ao se colocar no lugar do outro não por piedade, mas por sentir a sua dor e as suas vivências, os jovens compartilharam sentimentos e angústias que na maioria das vezes os deixam insensíveis diante dos dramas do mundo, como observado nas pontuações discentes. Todos esses depoimentos indicam que, por intermédio dos textos literários, é possível uma reflexão do leitor diante das situações que ocorrem no mundo e como Larrosa (2015) bem destaca, a experiência de leitura ajuda na transformação do indivíduo, que não acontecerá somente por meio da palavra escrita, mas também do posicionamento do leitor perante a vida. O importante mesmo é proporcionar aos jovens estudantes práticas de leitura que eles sejam capazes de apreciar num processo de pertencimento e identificação. E uma infinidade de recursos e estratégias podem ser considerados a ponto de serem convertidas em oportunidades de aprendizagem, em situações significativas no cotidiano escolar. 2.1.4 O Conto “O mistério do quarto fechado” A dinâmica de fruição literária desenvolvida na EEEM Júlia Passarinho compreendia o contato com a obra de outro escritor cametaense, Arodinei Gaia de Sousa (2016), cuja narrativa de mistério instigava a curiosidade e despertava o interesse a cada audição interrompida no final da aula. Dividido em treze capítulos, o conto, recheado de histórias que apresentam um cenário próximo à realidade vivenciada pelos alunos e que, de certa forma, busca ressignificar a natureza linguística que caracteriza o vocabulário cametaense foi apresentado aos alunos paulatinamente. A cada capítulo procedíamos a leitura em lugares diferenciados: na quadra de esportes, na arquibancada, na sala de leitura, na sala de aula, e encerramos a leitura no hall da instituição. Como a narrativa apresenta vários episódios de suspense, medo e terror, foi fácil prender a atenção dos alunos que, ao final do capítulo, diziam “Ah, não, professora, termine!” e respondíamos “Cenas do próximo capítulo...!”. Ao estilo de Larêdo (2015; 2019), Sousa (2016) também aprofunda e enaltece a linguagem das plagas dessa Amazônia ribeirinha, na qual está localizada a cidade de Cametá. Isso enriquece e aproxima a realidade dos nossos jovens leitores que são capazes de se reinventar em sala de aula e 54


fora dela, o que só pode ser experimentado e modificado por meio de práticas de leitura desafiantes e instigadoras. Selecionamos um dia na semana para desenvolver uma estratégia de oralidade sobre o conto na Sala de Leitura da instituição e como proposta final da dinâmica solicitamos que os alunos produzissem uma resenha crítica acerca da obra e, nesse processo, buscamos desenvolver nos jovens leitores várias funções que um texto literário é capaz de produzir neles. Portanto, consideramos que é à escola e à escolarização que cabem tanto a aprendizagem das habilidades básicas de leitura e de escrita quanto o desenvolvimento (…) das habilidades, conhecimentos e atitudes necessárias ao uso efetivo e competente da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, ou seja, o letramento (SOARES, 2003, p. 891).

Como percebido, diversas habilidades de linguagem – oral e escrita – permearam essas e as demais atividades de letramentos desenvolvidas em sala de aula. A escuta compreensiva dos estudantes, a seleção das informações mais importantes captadas e anotadas, a reflexão do que estava sendo discutido e o uso da norma-padrão foram aspectos a serem considerados no resultado final e positivo de todo o processo, culminando com o desabrochar literário almejado. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender a leitura literária na escola básica como uma experiência que possa permitir aos alunos outras formas de vivenciar o texto, outros olhares, a possibilidade de se fazer e refazer a partir da experiência da leitura, de refletir sobre si e sobre os que os cercam é de suma importância na realidade de nossos jovens, especialmente quando se trata de leituras que despertam prazer, que muitas vezes causa sensações incompreensíveis ou desconfortáveis. Assim, os espaços de leitura desabrocharam poeticamente numa relação de proximidade e trocas intersubjetivas entre os jovens leitores e os gêneros apresentados (contos e romances). A cada movimento, percebíamos a leitura literária se conectando às vivências dos leitores, despertando sensações, inquietudes, questionamentos, indignação, entusiasmos, sentimentos, alegrias, emoções e outras sensações até então não experimentados no encontro com a leitura. Sendo assim, as atividades poéticas e artísticas planejadas e realizadas na Sala de Leitura possibilitaram realçar o valor poético e formativo da literatura para a vida escolar e subjetiva desses leitores. Promover o encontro literário com os alunos da EEEM Júlia Passarinho foi uma experiência singular, pois compreender a leitura por um viés daquilo que nos toca, nos afeta é vivenciar um 55


encontro conosco e com o outro, é saber que as coisas que existem no mundo fazem parte tanto da nossa vida como da vida do outro.

REFERÊNCIAS LARROSA, J. Nietzsche & a Educação. Traduzido por Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Autêntica; 2002 LARROSA, J. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução de Alfredo VeigaNeto. Belo Horizonte: Autêntica; 2015. Larrosa, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Tradução Cristina Antunes, João Vanderley Geraldi. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora (Coleção Educação: Experiência e Sentido); 2016. LARÊDO, Salomão. Olho de boto. São Paulo: Empíreo; 2015 _________________. Antônia Cudefacho: o ardente amor de um padre. São Paulo: Empíreo; 2019 Lispector, C. Felicidade Clandestina: contos. Rio de Janeiro. Rocco; 1999 MEC. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação e Cultura. Brasília, DF: MEC. RIOLFI, Claudia et al. (2008). Ensino de Língua Portuguesa. São Paulo: Cengage Learning. ROJO, Roxane & BARBOSA, Jaqueline P. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial: 2015. SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In.: Letramento no Brasil. Masagão, Vera. (Org.). São Paulo: Global: 2003 ______________. Alfabetização e letramento. 7. ed. São Paulo: Contexto. 2017. SOUSA, Arodinei Gaia de. O mistério do quarto fechado. Cametá/PA: Editora AGS. Souza, Ana Lúcia Silva, Corti, Ana Paula & Mendonça, Márcia. (2012). Letramentos no ensino médio. Parábola Editorial: São Paulo: 2016

56


USE 14: DAS EVIDÊNCIAS À INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA Wany Marcele Costa Góes Dias1 Daniel Azevedo dos Santos2 Paulo Cesar Carvalho Ribeiro3 RESUMO Este artigo apresenta um relato de experiência e tem como objetivo favorecer reflexões e debates sobre as evidências educacionais e a intervenção pedagógica no favorecimento da inclusão social de alunos da rede pública do Estado do Pará. O projeto-piloto foi desenvolvido pela equipe técnica pedagógica da USE 14, no período de 15 a 29 de janeiro de 2020, considerando a necessidade de escolas e USEs mobilizarem estratégias de intervenção pedagógica frente aos índices de reprovação dos alunos da educação básica. Dos resultados do projeto, obteve-se: 92,9% de aprovação dos alunos que estavam em dependência e o índice de distorção idade/ano 2019 reduziu em 5,5% em relação a 2020. Os relatos dos alunos e de seus responsáveis apontam a avaliação da participação no projeto como uma experiência significativa de favorecimento da aprendizagem tendo como fatores fundamentais a atenção do professor, metodologia, estímulo ao interesse pelos estudos e oportunidade de alcance do sucesso escolar. Palavras-chave: Evidências educacionais, Avaliação da aprendizagem, Metodologias ativas.

1. INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo favorecer reflexões e debates sobre o uso das evidências educacionais e a intervenção pedagógica no favorecimento da inclusão social de metodologias ativas de ensino e avaliação qualitativa, intervindo na redução das taxas de rendimento escolar de reprovação e evasão. A USE 14 visa à implementação da gestão educacional democrática de favorecimento do envolvimento das comunidades escolares frente às questões administrativas e socioeducacionais evidenciadas cotidianamente. Promove também, ações prático-pedagógicas e técnicas administrativas nas 19 escolas de sua circunscrição, as quais são localizadas nos bairros do Coqueiro, 40 Horas,

1 Especialista em Educação da USE14-SEDUC-PA. Licenciada plena em Pedagogia pela Universidade Estadual do Pará – UEPA. Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Pará – UEPA, 2 Professor Efetivo da rede Municipal de Educação do Município de Ananindeua-Pará e Gestor da USE14- SEDUC- PA. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Autônoma de Assunción, em Fisiologia Aplicada pela Universidade do Grande-Rio-2007 (UNIGRANRIO), Especialização em Gestão Escolar- Faculdade Orígenes Lessa (FACOL), Licenciado em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará -UEPA, Licenciado em Pedagogia pela Faculdades Integradas de Ariquemes (FIAR),

Especialista em Educação da USE14-SEDUC-PA. Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Pará – UEPA, Especialista em Gestão Escolar pela Universidade do Estado do Pará, Especialista em Cultura Afro-brasileira pela Universidade Uniasselvi – PR, Licenciado plena em Pedagogia pela Universidade Estadual do Pará – UEPA. Licenciatura em História pela Universidade de Uberaba – MG, 3

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Cabanagem, Jiboia Branca e Sideral, totalizando o atendimento de 11.669 alunos matriculados em 2019. Nesse sentido, a USE 14 objetiva mobilizar junto à gestão, equipe docente, administrava e comunidade das escolas de sua jurisdição, um planejamento participativo e a execução de ações coletivas, considerando a diagnose, levantamento das principais situações-problema a serem superadas (administrativas, infraestruturais e pedagógicas), elaboração de estratégias de ação, acompanhamento e avaliação periódica da execução do planejado e seus resultados a curto e a longo prazo, contribuindo, assim, com a qualificação da aprendizagem dos alunos para a redução das taxas de reprovação, evasão escolar e distorção idade/ano. Em 2019, foi desenvolvido o projeto “Foco Pedagógico: prova SAEB” visando a favorecer o acompanhamento e o apoio pedagógico das turmas da USE 14, que são público-alvo das avaliações do SAEB, com o objetivo de ampliar e qualificar a participação dos nossos alunos nessa avaliação, para que seus resultados apontem as condições reais dos indicadores de desempenho, servindo como importante ferramenta pedagógica de gestão dos resultados e alcance das metas IDEB 2019 de cada escola e níveis de ensino. Ao final deste ano letivo, observou-se um número significativo de alunos em situação de dependência por isso foi desenvolvido o projeto-piloto “Intervenção Pedagógica Reforçando a Aprendizagem”, pela equipe técnica pedagógica da USE 14, no período de 15 a 29 de janeiro de 2020, considerando a necessidade de escolas e USES mobilizarem estratégias educacionais de qualificação do Ensino-aprendizagem com metodologias ativas, bem como da avaliação da aprendizagem frente aos índices de reprovação dos alunos da educação básica. Tais índices foram tomados como evidências educacionais, considerando que: evidências são um conjunto de aspectos ou acontecimentos que comprovam a existência de um determinado fenômeno, que no campo da educação são indícios que demonstram a existência de um determinado comportamento ou resultado educacional, olhar para variáveis como aulas previstas e aulas dadas, frequências dos estudantes, notas bimestrais, taxas de aprovação o, reprovação o e abandono, além dos resultados das avaliações internas e externas e de indicadores como o IDEB, por exemplo, são fundamentais para uma tomada de decisão mais fundamentada e a produção de um Plano de Ação o mais propositivo e assertivo as necessidades da escola (PARÁ, 2019, p. 16).

Com a análise do rendimento escolar 2019, constatou-se 516 alunos com dependência em disciplinas como: Inglês, Língua Portuguesa, Geografia, História e Matemática; por conseguinte ficariam à mercê da oferta de vagas em sua escola de origem e caso não houvesse, teriam que 58


frequentar as aulas de dependência em outra escola no contraturno, onerando o custo familiar com transporte, uns dos fatores preponderantes da evasão escolar. Assim, em consonância com o que preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96, em seu Art. 13 sobre a avaliação da aprendizagem dos alunos aos docentes cabe “III – zelar pela aprendizagem dos alunos e IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento” (BRASIL, 1996, p. 12). Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Art. 53, diz que: a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”, assegurando: I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II. Direito de ser respeitado por seus educadores; III. Direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV. Direito de organização e participação em entidades estudantis; e V. Acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência (ECA, 2017, p. 34).

Considerando ainda a meta 7 estabelecida pelo Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2015), no que se refere ao fomento da qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, a USE 14 vem, ao longo de 2019, estabelecendo nas escolas de sua jurisdição, ações de estudos, de assessoramento e de organização do trabalho pedagógico que visem à garantia do acesso e da permanência dos alunos na escola com qualidade da aprendizagem, uma vez que O desenvolvimento da escola e a realização de seu trabalho tem um rumo, propõem a realização de objetivos e, para tanto, há necessidade de definição clara e objetiva de seus resultados finais e intermediários, que devem ser acompanhados e avaliados, visando a necessária correção, quando for o caso; o cuidado com o ritmo de trabalho, que deve se manter constante; a identificação de problemas a serem contornados; o uso adequado de recursos; o estabelecimento da relação custo-benefício e a identificação de novas perspectivas de ação (LÜCK et al., 2000, p. 28).

Portanto, dando seguimento a essas ações, implementou-se o projeto para alunos que mesmo passando pelo período de recuperação escolar não atingiram a média necessária para a sua aprovação, mas que com o acesso a um período de atendimento de reforço escolar mais individualizado teriam possibilidade de superar possíveis dificuldades de aprendizagens, sanar dúvidas sobre diversos conteúdos e assim terem a oportunidade de serem reavaliados e, caso atingissem a média de desempenho, serem aprovados. 59


Assim, foram contatados os pais/responsáveis para orientação sobre os objetivos do projeto e com isso foram inscritos 312 alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.1 Da idealização à prática O projeto teve por objetivo geral realizar a oferta de atendimento educacional mais individualizado para alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio das escolas da USE 14, por meio do reforço escolar, no período de 15 a 29 de janeiro de 2020, favorecendo, assim, à aprendizagem e o sucesso escolar. Os objetivos específicos que justificaram o projeto foram o de reduzir as taxas de reprovação escolar melhorando o rendimento educacional dos alunos da USE 14; aperfeiçoar o funcionamento pedagógico das escolas no período de recesso escolar; e favorecer práticas escolares de busca ativa, acompanhamento e qualificação das taxas rendimento escolar. Após o levantamento da demanda desses alunos, foram organizadas as turmas, os horários de aula (manhã e tarde) e remanejados os professores para dois polos de execução do projeto nas escolas EEFM Nagib Matni, onde foram atendidos os alunos do Ensino Fundamental, e EEFM Joaquim Viana, onde foram atendidos os alunos do Ensino Médio. No que tange à metodologia, contou-se com o apoio e o acompanhamento pedagógico de especialistas em educação de referência da USE 14 nas turmas público-alvo do reforço escolar do ano letivo 2019. Assim, organizou-se este acompanhamento pedagógico com as seguintes coordenações: ●

Suene Mafra4 e Paulo Ribeiro: coordenação das turmas do Ensino Fundamental

● ●

Samia Brayd5: coordenação das turmas do Ensino Médio Wany Góes: elaboradora do projeto e coordenação geral - Ensino Fundamental e Ensino Médio

Especialista em Educação da USE14- SEDUC-PA. Especialista em Psicologia Educacional com ênfase em psicopedagogia preventiva pela Universidade Estadual do Pará - UEPA, Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Pará - UEPA. 4

5 Especialista em Educação da USE14- SEDUC-PA. Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Pará - UEPA e Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Licenciada em Pedagogia pela Universidade da Amazônia-UNAMA,

60


Público alvo: ●

Professores6 que não estavam de recesso escolar e alunos do Ensino Fundamental do 3°e 5º e do 6º ao 9º ano que não atingiram a média de desempenho na recuperação para o avanço escolar; Professores que não estavam de recesso escolar e alunos do ensino do Ensino Médio do 1º ao 3º ano que não atingiram a média de desempenho na recuperação para o avanço escolar.

Como instrumentos e recursos foram adotados: ● ● ● ● ●

Atividades das disciplinas afins com exercícios para o reforço da aprendizagem dos alunos; Quadro de levantamento das demandas de alunos público do projeto: escola, polo, disciplinas trabalhadas, frequência, busca ativa e resultado final; Acompanhamento do quadro de infrequência para reunião com alunos e seus responsáveis nas turmas com indicadores de evasão; Sequências didáticas para o trabalho escolar sobre as habilidades que os alunos precisavam desenvolver; Oferta de vídeos interativos e laboratório de pesquisa com atividades de suporte aos conteúdos ministrados. O quadro a seguir apresenta o cronograma com as principais ações do projeto: Quadro 1 Cronograma de execução do projeto Ação Contato com os responsáveis pelos alunos, público do projeto, para assinatura de termo de compromisso de participação efetiva do aluno nas aulas no período de 15 a 28 de janeiro no polo encaminhado

Período 10/1/2020

Aulas de reforço escolar

15 a 27/1/2020

Realização das avaliações/ provas e divulgação das notas/ resultados de aprovação ou não dos alunos

27 e 28/1/2020

Matrícula

29/1/2020

Início das aulas do ano letivo de 2020

30/1/2020

Fonte: Quadro elaborado por Especialistas em Educação da USE 14.

Ticiane Braga – Disciplina CFB; Kassia Barbosa – Disciplina Língua Portuguesa; Rafael Souza – Disciplina Arte; Israel Ribeiro – Disciplina Geografia; Alessandra Leite – Disciplina Estudos Amazônicos; Leandro Carvalho– Matemática; Marilene Guerreiro – História; Joelma Pereira – Ed Geral; Paulo Ribeiro – Disciplina Ed. Geral; Romilda – Disciplina Inglês; Daniel Santos – Disciplina Ed. Física; Roseany Santos – Disciplina Física; Jessica Brenda - Disciplina Sociologia; Mariluce Freitas – Disciplina Química; Saint Clair – Disciplina Matemática e Adriano Viana – Disciplina Artes.

6

61


2.2 Resultados alcançados e reflexões dos atores envolvidos no projeto Os quadros, a seguir, apresentam dados do rendimento escolar do total de 312 alunos envolvidos no projeto, com 290 aprovados e 22 reprovados; obtendo-se 92,9% de aprovação. Quadro 2 Rendimento escolar dos alunos do ensino fundamental anos iniciais Disciplina Educação geral

Total de alunos Frequentes

Aprovados

Reprovados

14

13

1

Fonte: Quadro elaborado por Especialistas em Educação da USE 14.

O quadro 3 apresenta os dados de rendimento escolar dos alunos do Ensino Fundamental, envolvidos no projeto, indicando uma taxa de aprovação de 90,2% e de reprovação de 9,7%. Destacam-se as disciplinas: Matemática, Inglês, Geografia e Ciências Físicas e Biológicas, com maior número de alunos, que haviam sido reprovados no período de recuperação da aprendizagem ao final do ano letivo. Quadro 3 Rendimento escolar dos alunos do ensino fundamental anos finais Total de alunos Disciplina

Frequentes

Aprovados

Reprovados

Arte

13

13

0

CFB

27

26

1

Educação física

2

2

0

Estudos amazônicos

18

17

1

Geografia

27

23

4

História

21

17

4

Inglês

29

29

0

Língua portuguesa

22

21

1

Matemática

47

38

9

186

20

Total 206 Fonte: Quadro elaborado por Especialistas em Educação da USE 14.

O quadro 4 apresenta os dados de rendimento escolar dos alunos do Ensino Médio, envolvidos no projeto, indicando uma taxa de aprovação de 98,9% e de reprovação de 1%. Destacam-se as 62


disciplinas: Inglês e Biologia com maior número de alunos que haviam sido reprovados no período de recuperação da aprendizagem ao final do ano letivo. Quadro 4 Rendimento escolar dos alunos do ensino fundamental ensino médio Total de alunos

Disciplina

Frequentes

Aprovados

Reprovados

Biologia

15

14

1

Filosofia

1

1

0

Física

12

12

0

Geografia

3

3

0

História

5

5

0

Inglês

22

22

0

Língua Portuguesa

9

9

0

Matemática

3

3

0

Química

13

13

0

Sociologia

9

9

0

91

1

Total 92 Fonte: Elaborado por Especialistas em Educação da USE 14.

O Quadro 5, apontam as taxas comparativas de rendimento7 com base no Censo escolar dos anos 2017, 2018 e 2019 e destacam os impactos do trabalho da USE 14 com foco pedagógico em 2019 por meio da utilização das evidências educacionais das escolas de sua jurisdição e da intervenção pedagógica de qualificação do rendimento escolar. Quadro 5 Comparativo das Taxas de Rendimento da USE 14, com base no Censo 2017/2018/2019 Regional

Rendimento

Unidade 14 Taxa de Aprovação Unidade 14 Taxa de Reprovação Unidade 14 Taxa de Abandono Fonte: MEC/INEP/SEDUC-PA/Censo Escolar.

EF Total 2017 81,6 12,5 5,9

EF Total 2018 85,3 11,1 3,7

EF Total 2019 90,7 7,2 2,0

Variação 17/19 (%) 11,2 -42,3 -65,3

Rendimento X Fluxo Escolar – Os indicadores de rendimento se referem à situação final do aluno ao final de um período levita declarada no Censo Escolar, podendo o mesmo ser aprovado, reprovados ou ter abandonado a escola durante aquele ano letivo. Já os indicadores de fluxo escolar avaliam a transição do aluno entre dois anos consecutivos considerando os seguintes cenários possíveis: promoção, repetência, migração para EJA e evasão escolar. Disponível em http://portal.inep.gov.br. Acessado em 25/3/2020. 7

63


Nos dados apresentados é importante destacar que no quadro comparativo das taxas de rendimento nos anos 2018 e 2019 obteve-se o aumento da taxa de aprovação em 5,4% e a diminuição da taxa de abandono escolar em 3,9%. Fatores que impactaram nesses resultados: - Monitoramento da USE 14 junto às escolas de sua jurisdição: acompanhando in loco e também dos indicadores das taxas de rendimento e do quadro de infrequência planilha de levantamento das ausências dos alunos, enviada a USE semanalmente. - Mobilização dos gestores escolares para a prática de busca ativa pelos alunos ausentes e de aproximação da família na escola. Destaca-se também que a taxa de distorção idade/ano8 2019 reduziu em 5,5% em relação a 2020. Fatores que impactaram nesses resultados: - Processo de recuperação da aprendizagem nas escolas; - Execução do Projeto de intervenção da USE 14: reforçando a aprendizagem. Os resultados demonstram a importância da gestão escolar e das Unidades SEDUC na Escola estabelecerem um cotidiano educacional de prioridade pedagógica e de produção coletiva de práticas de superação das situações-problema detectadas. Os relatos dos alunos e de seus responsáveis, citados abaixo, apontam para a avaliação da participação no projeto como uma experiência significativa de favorecimento da aprendizagem, tendo como fatores fundamentais a atenção do professor, metodologia ativa, estímulo ao interesse pelos estudos e oportunidade de alcance do sucesso escolar. Como destaca o relato de uma entrevistada9: “Na minha opinião eu gostei muito, foi mais uma oportunidade para as nossas crianças e para mim como mãe, um ano perdido para um aluno isso não é bom. E, também, quero agradecer esse projeto os professores, do meu filho foi o professor Paulo, excelente professor ajudou muito a todos nós” (Joseane Cruz, 2020).

No que se refere à aprendizagem do aluno, a entrevistada também destaca o interesse, do mesmo, no projeto desenvolvido na escola: “Eu vi que em poucos dias ele ficou bem interessado, até me surpreendeu. Também muito feliz obrigado. Que esse projeto não pare, continue. Obrigado” (Joseane Cruz, 2020).

Outra participante da entrevista10 avalia como boa a contribuição do projeto para a aprendizagem do aluno:

8

Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.

Entrevista cedida em 2020 por Joseane da Cruz Ferreira, mãe do aluno Kauã Ferreira Brito de 11 anos, cursando o 6º ano do Ensino Fundamental. 9

10 Entrevista cedida em 2020 por Maria Pantoja, mãe do aluno Gabriel Pantoja de 16 anos, cursando o 2º ano do Ensino Médio.

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“Na minha opinião, foi um bom projeto para o ensino e aprendizagem do meu filho. Espero que esse projeto continue. Só tenho que agradecer a todos. Muito obrigada!” (Maria Pantoja, 2020).

Sobre a perspectiva do aluno participante do projeto quanto a sua aprendizagem, o mesmo relata como aspecto importante na superação das dificuldades: “Eu aprendi no que estava com dificuldade e foi bom o período de aprendizagem com a professora, ela é ótima professora” (Gabriel Pantoja, 202011).

Os relatos dos entrevistados12, a seguir, destacam a importância da realização do projeto devido facilitar a aprendizagem dos alunos: “Eu como mãe achei de suma importância, principalmente para os alunos, só tenho a agradecer a todos que idealizaram este projeto, muito brigada, meus parabéns” (Maria Nascimento, 2020). “Foi bom porque teve uma facilidade para o aluno se interessar mais” (Ismael Martins, 2020).

A professora13, em seu relato de experiência no projeto, traz à tona o papel fundamental da adoção metodológica que favoreça variadas possibilidades de aprendizagem. Em destaque o uso das tecnologias de informação e comunicação: “Superar as dificuldades de aprendizagem pressupõe criar diferentes possibilidades, métodos e ferramentas de avaliação, desta forma um dos métodos de avaliação foram os trabalhados com base em pesquisas, onde os alunos puderam desenvolver dentro do ambiente escolar e com suporte pedagógico e técnico da professora Wany Góes que mediou o conhecimento adquirido pelos alunos em sala de aula com as novas descobertas sobre os conteúdos feitos pelos alunos através suporte tecnológico realizado pelos mesmos, na sala de informática, possibilitando assim a compreensão dialética dos temas ministrados em sala de aula de maneira prazerosa e efetiva” (Alessandra Leite, 2020).

Nesse sentido, os dados apontam que a adoção de metodologias ativas no processo de ensino e aprendizagem tem significativa relação com as taxas de rendimento escolar. O uso das tecnologias e das aulas interativas favorece o protagonismo dos seus atores, qualificando as aprendizagens e o desejo de saber mais. Funcionando como ferramentas de redução das taxas de reprovação e evasão escolar.

11

Entrevista cedida em 2020 por Gabriel Pantoja, aluno de 16 anos, cursando o 2º ano do Ensino Médio.

Entrevista cedida em 2020 por Maria de Sousa Nascimento, mãe do aluno Cauê de Souza Nascimento de 16 anos do 2º ano do Ensino Médio e por Ismael Martins, pai do aluno Luan Oliveira Martins do 1º ano do Ensino Médio. Professora Alessandra Leite da disciplina Geografia participante do projeto 12

13

Entrevista cedida em 2020 pela professora Alessandra Leite da disciplina Geografia participante do projeto.

65


Silberman (1996) utiliza palavras-chave essenciais para conceituar metodologia ativa de ensino, a partir da construção de um ambiente de aprendizagem mediado por protagonismos no ato de ouvir, ver, perguntar, discutir, fazer e ensinar. Esses aspectos ligados às metodologias ativas estão presentes na perspectiva teóricometodológica freireana de educação (FREIRE, 1987; 1993; 1996 e 2004), o de base sóciohistóricocrítica, na qual a educação humanizadora e problematizadora atua nas dimensões sociais, afetivas e cognitivas tornando a práxis educativa como ato ético-político de superação das condições de desumanização das relações sociais e com o saber; bem como de transformação das realidades sociais excludentes e nesse sentido, a educação atua como ação de inclusão social. Assim, as metodologias ativas atingem o campo afetivo e social comunitário no contexto escolar, como expressa o relato do professor14 de educação geral ao destacar a importância da valorização da capacidade de aprender dos alunos e da parceria com a família como aspectos fundamentais para o sucesso escolar dos alunos: “A partir da confiança em sua capacidade de aprender o aluno desenvolve com mais segurança o seu processo de cognição, as ações desenvolvidas em sala de aula objetivavam o desencadeamento da atitude de confiança do aluno no processo de aprendizagem. O aluno (Tarcísio) do projeto fala, “agora eu seu fazer a conta” e a mãe dona (Rose) “passei o sábado e o domingo sentado com esse menino estudando”, vê-se a família fazendo sua parte no processo educação e o aluno ganhando confiança em seu aprendizado criando identidade com o conteúdo desenvolvido. Nessa perspectiva Brandão fala que o profissional de educação não é seu único praticante” (Paulo Ribeiro, 2020).

A professora também destaca aspectos relevantes na relação família-escola que favoreceram o sucesso da aprendizagem dos alunos no projeto: “Acredito que uma das grandes contribuições do projeto foi perceber a otimização da parceria família-escola sendo realizada de maneira tão presente, pois, se a intenção do projeto era realizar uma espécie de reforço escolar para os alunos. O mesmo conseguiu ir além, pois os país e responsáveis se fizeram presente na escola, foi muito importante para os próprios alunos terem o acompanhamento direto da presença dos seus responsáveis na escola, onde muitos aguardavam a aula terminar, vinham diretamente tirar dúvidas e esclarecimentos sobre a participação dos alunos, sem dúvida o engajamento da família foi uma das grandes marcas do sucesso do projeto” (Alessandra Leite, 2020).

Já outra professora15 destaca a importância da execução de projetos na melhora do rendimento escolar para a redução dos índices de reprovação e evasão:

14

Entrevista cedida em 2020 pelo professor de Educação Geral Paulo Ribeiro participante do projeto.

66


“O projeto piloto, da USE 14, de “intervenção pedagógica: reforçando a aprendizagem” foi extremamente importante aos educandos, no que diz respeito à correção do fluxo escolar, reduzindo, consideravelmente, os índices de reprovação e evasão escolar, e também aos docentes, que puderam contribuir para a melhoria na qualidade de ensino. Sinto-me honrada, como professora de Língua Portuguesa, em ter feito parte desta equipe pioneira, que não mediu esforços, frente às dificuldades apresentadas durante o percurso, sempre com o objetivo de aprimorar ainda mais o ato de ensinar, visando à assimilação do ensino-aprendizagem” (Kássia Barbosa, 2020).

Dessa forma, a articulação das avaliações em larga escala com a avaliação da aprendizagem qualitativa é uma etapa metodológica preponderante para o sucesso das políticas públicas de correção de fluxo escolar e para a inclusão social da população. Logo, a utilização das evidências educacionais das avaliações em larga escala, dos indicadores de rendimento escolar, funcionam como ferramentas de ações pedagógicas coletivas, assertivas mobilizadas pela gestão escolar e que a prática docente atue sobre os fenômenos situações-problema detectados por meio de metodologias ativas, oportunizando a construção de um cotidiano escolarcomunitário favorecedor do saber mais, mediado por práticas culturais dialógicas e inclusivas. Assim a avaliação da aprendizagem, como práxis de inclusão escolar e social exige a ruptura com as práticas tradicionais nas quais o ato avaliativo, funciona como ferramenta de opressão nas relações de poder, materializando-se na legitimação de negações sociais. Aspectos que no final da década de 90 já eram apontados por diversos estudiosos como Perrenoud.

Nem toda avaliação contínua pretende ser formativa. Muitas intervenções do professor, não têm como objetivo principal contribuir diretamente para a aprendizagem, porque sua tarefa não é somente ensinar, mas também manter a ordem, animar trocas, pôr para trabalhar, ao longo de todo o ano, em um espaço exíguo (PERRENOUD, 1999, p. 90).

Nesses termos, a qualificação da avaliação da aprendizagem está diretamente ligada à gestão escolar em aspectos como a organização do trabalho pedagógico, a sua identidade educacional construída coletivamente no Projeto Pedagógico e a sua vivência levando a comunidade à reflexãoação-reflexão na tomada de decisões coletivas e assertivas. Vale ressaltar que a vivência docente no projeto de intervenção pedagógica é reconhecida como práxis de formação, possibilitando reflexões sobre o ensino e a avaliação da aprendizagem, sobre a dimensão da superação das dificuldades.

15

Entrevista cedida em 2020 pela professora de Língua Portuguesa e Inglesa, Kássia Barbosa participante do projeto.

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“Buscar, procurar, reconstruir é o papel do professor na busca de seu próprio aperfeiçoamento no processo de ensino. Participar de um projeto piloto com um dos objetivos em reforçar a aprendizagem proporcionou para mim a vivência de experiências metodológicas inovadoras, foi uma possibilidade de mostrar que a avaliação está posta para o aluno como um método de avaliar sua aprendizagem e porque não dizer como um momento de superar suas próprias dificuldades que estiveram presentes ao longo do seu ano escolar em alguma disciplina. Significou Imprimir no aluno uma nova perspectiva de conseguir alcançar a tão sonhada aprovação, que foi justamente o grande motor de incentivo dos alunos, que estiveram com o olhar atento nas aulas durante todo o projeto” (Alessandra Leite, 2020).

O relato dos atores do processo educativo desenvolvido no projeto, aqui apresentados, possibilitam destacar que apesar de sua execução ter sido em um curto período do ano de 2020, a vivencia no mesmo contribuiu para a ampliação do conhecimento de forma significativa. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Projeto de Intervenção Pedagógica teve como ponto de partida a avaliação qualitativa como prática de inclusão social e escolar. A experiência no projeto apontou que a adoção de metodologias ativas de ensino, o atendimento individualizado dos alunos e a aproximação com a família funcionam como ferramentas fundamentais para o sucesso escolar. Nessa perspectiva, o enfoque no desenvolvimento das competências em linguagens voltadas para leitura, pesquisa e produção de texto e na alfabetização matemática, apresentou-se como fundamentais para o alcance do desempenho na prova necessário para a aprovação dos alunos. Adotou-se com as turmas do Ensino Fundamental dos anos iniciais, a diagnose objetivando o início das práticas envolvendo as habilidades referentes ao ano escolar e com a metodologia socioconstrutivista, em que o aluno é o protagonista de seu aprendizado, trabalharam-se os novos letramentos com leitura e produção de texto e o letramento matemático para desenvolver os conceitos de adição, subtração, multiplicação e divisão. No primeiro dia do projeto, foi realizada uma reunião com os pais em que foi explicado como funcionaria o projeto e a parceria que eles desenvolveriam. Assim, foi feita a continuidade em casa das atividades trabalhadas em sala de aula, com desenvolvimento da leitura e dos conceitos matemáticos, uma vez que a “avaliação, na perspectiva de construção do conhecimento, parte de suas premissas básicas: confiança na possibilidade de os educandos construírem suas próprias verdades e valorização de suas manifestações e interesses” (HOFFMANN, 2003. p. 18), Nesse sentido, o projeto destaca em sua perspectiva metodológica de ensino-aprendizagem a compreensão dos seus atores como protagonistas da superação das dificuldades de aprendizagem, considerando seus saberes e o seu cotidiano na educação-ação. 68


No trabalho com as turmas de Ensino Fundamental (anos finais) e Ensino Médio, destacou-se como pontos positivos de maior relevância, a frequência e participação dos alunos que puderam fazer os questionamentos de maneira ampla e individualizada, haja vista que foram submetidos às atividades avaliativas dinâmicas e contextualizadas, com ênfase na leitura, interpretação e produção textual. Além disso, a participação e o empenho da família de maneira eficaz, sempre atenta aos ensinamentos ao longo do projeto, procurando incentivar seus filhos e valorizar os profissionais envolvidos, fizeram com que o projeto ganhasse um fôlego a mais e foi, portanto, de grande importância sua participação. Como pontos negativos, destacou-se a ausência de alguns alunos que deveriam ter sido contemplados com esse atendimento educacional, além de um tempo maior para o projeto, com o objetivo de ampliar ainda mais as discussões a respeito dos novos letramentos bem como dos trabalhos com os diversos gêneros textuais pertinentes ao nosso cotidiano como prática social (BRASIL, 2018), que são extremamente importantes para a cidadania do aluno; isto é, se referem a qualquer tipo de texto, independente do assunto ou área de conhecimento específica. Dessa forma, a vivência desse projeto aponta para a inclusão social por meio da educação que exige ousadia dos envolvidos nas políticas públicas educacionais, em não apenas garantir o acesso, mas em oportunizar variadas condições de superação dos obstáculos de dimensões sociais, culturais, cognitivas e afetivas, para que a prática educativa se configure como prática de transformação de realidades excludentes. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sancionada em 20 de dezembro de 1996. Publicada no Diário Oficial da União, em 23 de dezembro de 1996. Brasília: MEC. 1996 BRASIL. Plano Nacional de Educação PNE 2014-2024: Linha de Base. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Brasília, DF: INEP. (2014) BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação e Cultura. Brasília, DF: MEC. 2018 ECA. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas. 2017. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1987 69


_____________ Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1993 _____________Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra. 1996 _____________. (2004). Pedagogia da Tolerância. São Paulo: UNESP. HOFFMANN, J.M. L. (2003). Avaliação: Mito e desafio: uma perspectiva construtivista. 32. ed. Porto Alegre: Mediação. LÜCK, H. et al. A escola participativa: o trabalho do gestor escolar. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A. 2000 PARÁ. Cadernos de Evidências Educacionais da Rede Estadual de Ensino do Pará. Silva Júnior, Carlos Alberto Saldanha da; Alcântara, Káire Michely Alves (Orgs.). Belém: SAEN/SEDUC-PA. 2019 PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens entre duas lógicas. Tradução de Patrícia Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas. 1999 SILBERMAN, M. Active learning: 101 strategies do teach any subject. Massachusetts: Ed. Allyn and Bacon. 1996

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LABORATÓRIO A CÉU ABERTO: O HORTO FLORESTAL DA ESCOLA SÃO JOSÉ, SANTARÉM-PARÁ Tatiane da Silva Santos1 RESUMO Este relato resulta de uma experiência vivenciada nas aulas de Biologia na Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental São José, planalto de Santarém-Pará, com os alunos do 3º ano do ensino médio, turma B. O projeto teve início em agosto e término em dezembro de 2019. Surgiu como proposta de atividade, a ser apresentada na feira de conhecimento, com o objetivo de reativar o Horto Florestal da escola e também, aproximar os alunos deste ambiente por meio de atividades práticas. A turma foi dividida em 4 equipes de 5 alunos com as atribuições de fazerem a pesquisa bibliográfica e a identificação das 23 espécies de plantas presentes no Horto. Os alunos também fizeram montagem de maquete e identificação das espécies com os nomes científicos de 86 exemplares de plantas nas 14 trilhas formadas. A espécie que mais se destacou foi a Tabebuia serratifolia. Na culminância tivemos a visitação dos alunos e da comunidade do entorno da escola. O projeto favoreceu à divulgação e valorização efetiva da vegetação que circunda a escola e despertou os alunos para a temática da educação ambiental, visto que eles passaram a respeitar e cuidar melhor do ambiente escolar e, principalmente do Horto. PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental. Horto florestal. Taxonomia vegetal. 1. INTRODUÇÃO “Tudo que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver: Uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra.” Leonardo Boff

Durante muito tempo em minha atuação como professora sempre procurei formas de trabalhar a educação ambiental, considerando principalmente a necessidade de valorizar a diversidade da vegetação presente na região Amazônica. Tamanha foi a minha surpresa quando conheci a Escola São José, no planalto de Santarém, pois nela descobri um laboratório a céu aberto, o ponto mais importante que me motivou a iniciar este projeto ambiental. A Educação Ambiental é um processo permanente, no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência do meio ambiente e adquirem conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os tornam aptos a agir – individual e coletivamente – e resolver problemas ambientais presentes e futuros (STRANZ et al., 2002).

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Professora de Biologia na Escola Estadual São José, Planalto de Santarém-Pará. Licenciada Plena em Biologia e Química. Mestra em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos. tatisisa@yahoo.com.br

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Neste contexto, a escola é de fundamental importância no processo de sensibilização dos alunos no que se refere ao ambiente, pois como povo da Amazônia estamos cercados pela rica vegetação que interage com os animais em um processo de dependência na manutenção da vida. A Lei Federal nº 9.795/1999 define a educação ambiental como os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999, Art. 1). É por meio desses valores que se constrói o exercício da cidadania e do papel dos indivíduos como protagonistas na preservação e conservação ambiental, visto sua dependência e necessidade da utilização dos recursos naturais. O homem, na condição de cidadão, torna-se detentor do direito a um ambiente saudável e equilibrado e também sujeito ativo do dever fundamental de proteção ao ambiente (MEDEIROS, 2004). Há o desejo de reforçar a harmonia da questão ambiental com as práticas sociais de uma forma integrada e respeitando as particularidades de cada povo, abordagem que deve considerar os enfoques humanista, histórico, crítico, político, democrático e participativo (ROCHA, 2014). Este é o anseio da nossa sociedade, a existência de formas de utilização dos recursos naturais de maneira sustentável, de acordo com as necessidades específicas daqueles que dependem da natureza, pois o planeta precisa de equilíbrio e para isso, é necessário educar para o respeito e a manutenção deste bem maior que é o ambiente que está interligado aos aspectos sociobioculturais. A educação ambiental pode e deve se constituir como recurso fundamental para a participação de diversas comunidades acadêmicas no processo de conscientização e envolvimento, tanto na identificação de problemas ambientais, quanto na elaboração de estratégias que amenizem os seus impactos (SANTOS E SILVA, 2017). As pesquisas realizadas reforçam a necessidade da ciência incluir o meio ambiente como uma de suas prioridades. Em constante crescimento, a educação ambiental tem a função de atingir toda a população, inclusive as novas gerações, formando cidadãos que possam responder pelo processo de mudanças do atual estado ambiental da Terra. Torna-se uma necessidade, um processo contínuo e permanente que deve abranger todos os níveis escolares e etapas da educação formal e informal (GUIMARÃES, 1995). As instituições escolares possuem autonomia para agir de forma estratégica no desenvolvimento de ações que possibilitem ao aluno um olhar mais crítico para a realidade ambiental do país. A educação para o meio ambiente institucionalizou-se nas escolas, passou a fazer parte em muitos tópicos de programas e em muitas disciplinas, mas firmou suas bases especialmente nas Ciências. Há esperança de que todas as Ciências, quando se interligarem, componham um quadro 72


completo de como o planeta funciona e como os seres humanos podem interagir com ele de maneira proveitosa (ANDRIGHETTO, 2010). Esta abordagem de educação ambiental nas escolas públicas e a parceria familiar são fundamentais para contribuir, de maneira significativa, para um avanço educativo, pois para termos um mundo mais equilibrado é necessário um engajamento de educadores e educandos no processo de transformações sociais (GUIMARÃES, 2007). De acordo com Loureiro e Kaplan (2011), a reflexão sobre educação ambiental nas escolas é um momento que envolve educação, escola e sociedade na busca de melhorias nos hábitos sociais. A escola São José, localizada no planalto de Santarém-Pará, apresenta um horto florestal que foi construído no ano de 2004 e que faz parte de sua área geográfica, com espécies de madeira de lei, plantas medicinais e ornamentais. A fim de preservar a área referida, que corria risco de tornar-se um campo de futebol e com a necessidade de revitalização do horto, foi desenvolvido este projeto com os objetivos de identificar e conservar as espécies já existentes, sensibilizar os alunos sobre a importância do ambiente e divulgar a história do horto florestal à comunidade escolar, por meio deste trabalho, com material informativo na culminância da feira do conhecimento da instituição em dezembro de 2019, ano em que completou 100 anos de fundação. 2. METODOLOGIA DO PROJETO Entre as metodologias mais utilizadas para mudar o atual quadro da ineficiente aplicação da Educação Ambiental, estão as atividades práticas in loco na natureza (visitas científicas às unidades de conservação, passeios em trilhas ecológicas) e as atividades realizadas nos ambientes escolares (minicursos, oficinas, hortas e coleta seletiva) (BAUR E HAASE, 2015). Essas atividades associadas a um bom direcionamento didático permitem que o estudante se posicione como peça-chave e integrante do meio ambiente natural, alterando assim suas concepções e perspectivas sobre esse contexto (STERN et al., 2014). 2.1 A Escola São José A Escola São José está localizada no planalto de Santarém, às proximidades da BR 163, Km 19. Foi fundada em 10 de outubro de 1919, pela Congregação de Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, a partir da necessidade do atendimento a crianças órfãs e alunos das comunidades próximas. Além da educação, as irmãs cuidavam de questões de catequese e sociais, 73


tendo em vista a precariedade financeira da comunidade que nessa época crescia demasiadamente por conta da chegada dos nordestinos à região. A escola São José funciona com o prédio alugado ao Estado, pela mesma congregação, no qual são utilizados os espaços pedagógicos: dez salas de aula, uma biblioteca, laboratório multidisciplinar, laboratório de informática, quadra poliesportiva e espaço ao ar livre. Como espaços administrativo e de apoio apresenta a diretoria, a secretaria, a sala de professores, um auditório, uma área coberta, a copa, um refeitório, um depósito, além de quatro banheiros para professores e funcionários e nove banheiros para os alunos, dois destes adaptados a alunos PcD (pessoa com deficiência). O corpo administrativo e de recursos humanos está formado por um vice-diretor e uma secretária, duas especialistas em educação e dezoito professores. 2.2 O Horto Florestal Por volta do ano 2000, a comunidade escolar e moradores resolveram limpar uma área ao lado da Escola São José com o objetivo de fazer um campo de futebol, a fim de desenvolver atividades recreativas. Logo depois o trabalho foi interrompido, pois as atividades poderiam interferir na tranquilidade do cotidiano das freiras, gestoras responsáveis pela instituição. Como resultado, a vegetação voltou a crescer. Em 2003, foi realizada a I Conferência Nacional Infanto-juvenil pelo Meio Ambiente, proposta pelo Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Educação. A escola São José participou da conferência com trabalhos dos alunos de 5ª a 8ª série, que pesquisaram a realidade local e assim foi criado e aprovado o Projeto do Horto Florestal da Escola São José, organizado pela professora Adriana Oliveira dos Santos com os objetivos de oferecer abrigo para a fauna local, preservar espécies da floresta amazônica em risco de extinção e arborizar o espaço em torno da escola para tornar o clima mais agradável. Em 2004, o projeto do horto foi colocado em prática por meio da abertura de trilhas na vegetação, plantio de mudas e identificação de nomes nas placas das espécies, com as parcerias da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (EMATER), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), Conselho Nacional de Seringueiros (CNS) e o Missionszentrale der Franziskaner (Centro Missionário Franciscano/ Associação Alemã). Durante dois anos os alunos ajudaram na manutenção das espécies com trabalhos de adubação e rega. Nos anos seguintes as plantas já estavam adaptadas ao ambiente.

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Alguns anos mais tarde, o espaço passou a ser utilizado de forma reduzida, e com a falta de manutenção e cuidados, houve a danificação das placas de identificação das plantas e o crescimento de outros tipos de vegetação. 2.3 O projeto atual Passados 15 anos, os alunos da turma do 3º ano B, sob a minha coordenação, apresentaram o projeto de reativação do horto florestal, com o objetivo de atualizar as placas de identificação das espécies vegetais, distribuídas em 14 trilhas da área de vegetação. Inicialmente a turma, composta por 20 alunos (Figura 1), foi dividida em 4 grupos (de 5 alunos), com o intuito de realizarem as pesquisas em livros e internet sobre conceituação de educação ambiental, hortos florestais no Brasil, histórico do horto da Escola São José e características das espécies vegetais existentes na área de vegetação. Imagem 1: Professora e alunos em visitação ao horto para enumeração das trilhas

Fonte: Arquivo pessoal e do projeto

Imagem 2: Técnicos da UFOPA com alunos na identificação das espécies florestais

Fonte: Arquivo pessoal e do projeto

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Paralelamente à pesquisa bibliográfica, os alunos realizaram a identificação (Figura 2) de 23 espécies presentes no horto, totalizando 86 exemplares, com apoio da equipe de técnicos e engenheiros florestais da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Outra ação que é importante mencionar foi a renovação das placas de identificação das árvores contendo o nome científico e popular de cada espécie. O quadro com as espécies está apresentado nos resultados deste relato. Após a tabulação, foram organizadas as placas e realizada a renovação para a identificação das espécies, contendo o nome científico e popular de cada exemplar. Imagem 3: Alunos em abordagem sobre a Maquete do Horto

Fonte: Arquivo pessoal Dentre os materiais organizados, os alunos organizaram os mapas de localização e maquete do horto florestal (Figura 3), além de folders contendo todas as etapas do projeto, apresentados durante a culminância da feira do conhecimento. A apresentação do trabalho teve como ponto relevante a visitação ao horto florestal (Figura 4) por alunos da instituição e convidados, que conheceram e identificaram os nomes de algumas espécies presentes nas trilhas da área de vegetação, por meio de atividades didáticas (Figura 5) desenvolvidas durante a visita ao espaço.

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Imagem 4: Aluna explicando sobre as espécies da trilha aos visitantes

Fonte: Arquivo pessoal e do projeto

Imagem 5: Aluno visitante após participar de dinâmica de identificação de nome de espécie

Foto: Arquivo pessoal e do projeto As atividades que aproximam fisicamente o ser humano e o ambiente natural são capazes de mitigar, pelo menos em parte, o conhecido efeito da fragmentação no conhecimento dentro do ensino formal e, com isso, gerar compreensão e estimular o interesse dos estudantes por questões ambientais. Em estudos desenvolvidos no Brasil, a abordagem prática em ambientes naturais ocorreu, por exemplo, por meio de trilhas ecológicas (SOUZA, 2014). A inclusão de ações práticas junto à natureza durante atividades de educação ambiental configura-se como uma prática eficiente e motivadora, sendo, assim, capaz de tornar a Educação Ambiental uma ação transformadora e atingir

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as recomendações propostas durante a conferência de Tbilisi em 1997 (NAVARRO-PEREZ e TIDBALL, 2012). O desenvolvimento dessa ação foi facilitada pela localização de fácil acesso do horto florestal, visto que se encontra na mesma área da instituição escolar, o que favorece o deslocamento dos alunos, sem qualquer risco. O espaço de vegetação do horto também pode ser utilizado de forma interdisciplinar na escola, caracterizando outros momentos de aulas dinâmicas e atrativas. 2.4 RESULTADOS Dentre as 23 espécies identificadas, verificou-se com maior frequência a Tabebuia serratifolia (Ipê amarelo), planta encontrada em todo o Brasil, conforme nos apresenta o Gráfico 01 e descrição no Quadro 1, a seguir:

Gráfico 01 Espécies florestais presentes no Horto

Fonte: Levantamento dos alunos Os alunos integrantes das equipes relataram que inicialmente o trabalho se apresentou como um desafio, por considerarem que a produção de um projeto estava longe da realidade escolar. Porém, após meses de pesquisas e leituras, até a apresentação para a comunidade escolar, os relatos anteriores foram substituídos pela satisfação em aprender e pela conclusão de que a abordagem do meio ambiente na prática torna o ensino motivador. 78


QUADRO 01 Taxonomia Vegetal de 23 espécies do Horto Florestal da Escola São José NOME COMUM Ipê amarelo

NOME CIENTÍFICO Tabebuia serratifolia

Nº EXEMPLARES

Cumaru

Dipteryx odorata

9

Andiroba

Carapa guianensis

7

Jarana

Lecythis lurida

7

Mogno

Swietenia macrophylla

7

Cuiarana

Terminalia dichotoma

4

Goiabarana

Psidium acutangulum

4

Jatobá

Hymenaea courbaril

4

Cedro vermelho

Cedrela odorata)

3

Sucupira amarela

Sweetia fruticosa

3

Amapá doce

Parahancornia amapa

2

Piquiá

Caryocar villosum

2

Sucuba

Himatanthus sucuuba

2

Acácia chuva de ouro

Cassia fistula

1

Acácia pingo de ouro

Cassia sp

1

Angelim-da-mata

Hymenolobium excelsum

1

Angelim-pedra

Hymenolobium petraeum

1

Canela de velho

Miconia albicans

1

Caraipé

Licania sp.

1

Castanha do Brasil

Bertholletia excelsa

1

Castanha do Pará

Bertholletia excelsa

1

Chuva-de-ouro

Lophanthera lactescens

1

Seringueira

Hevea brasiliensis

1

22

FONTE: Produção da pesquisa empírica Com o Quadro 1 apresentando cada espécie, entende-se que é fundamental que os espaços escolares apliquem a educação ambiental de maneira consistente, trazendo uma base aos estudantes e permitindo-lhes maior contato com as áreas verdes, trabalhando a iniciação científica, principalmente. Os alunos perceberam também, que além de todos os benefícios, as árvores são o símbolo de uma natureza, que durante muito tempo estão sendo destruídas e a 79


nossa escola mantendo-se arborizada mostra a atenção que se está dando às questões ambientais (PARANÁ, 2013). Despertar no aluno o interesse pelas questões ambientais também será uma forma de torná-lo protagonista da conservação e da preservação. 3.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização desta ação surge como um ponto de partida para intensificar as atividades

voltadas para o meio ambiente e o despertar da consciência ambiental aos alunos da educação básica e comunidades próximas às instituições escolares. O presente trabalho, aplicado com abordagem teórica e prática, favoreceu a uma melhor aprendizagem dos alunos e um maior interesse pelo conhecimento na área ambiental. Para abordar a educação ambiental, muitas escolas constroem hortas escolares ou organizam visitação a espaços como zoológicos, parques ou hortos florestais. Os hortos são áreas protegidas, de mata nativa, próximas a centros urbanos. Os visitantes do Horto também descreveram como ponto atrativo e dinâmico a relação da teoria com a prática, pois inicialmente fazia-se a abordagem sobre as plantas e em seguida as mesmas eram identificadas nas trilhas da vegetação. Desenvolver a educação ambiental nas escolas passou a fazer parte do currículo de muitas disciplinas, firmou suas bases temáticas transversais e para fora da escola, como foi com este projeto. Alguns trabalhos se interligaram, pois é assim que a vida do planeta deve funcionar e como temos que interagir uns com os outros.

REFERÊNCIAS ANDRIGHETTO, A. Meio Ambiente e Educação. Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da UNIJUÍ. Rio Grande do Sul. n.33, p.209-217. 2010. BAUR, A.; HAASE, H. M. The influence of active participation and organization in environmental protection activities on the environmental behaviour of pupils: study of a teaching technique. Environmental Education Research. vol. 21, n. 1, p. 92-105. 2015. BRASIL. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação. Ambiental, institui a Política da Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: <http://www.lei.adv.br/9795-99.htm>. Acesso em: 10abr 2020. GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. Papirus editora. 8ª edição. Campinas-SP. 2007.

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LOUREIRO, C. F. B; KAPLAN, L. Análise crítica do discurso do programa nacional de formação de educadoras(es) ambientais - profea: pela não desescolarização da educação ambiental. vol. 27, n.2, Belo Horizonte. 2011. MEDEIROS, F. L. F. de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. NAVARRO-PEREZ, M.; TIDBALL, K. G. Challenges of biodiversity education: A review of education strategies for biodiversity education. International Electronic Journal of Environmental Education. vol. 2, n. 1, 2012. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva do Professor. PDE, 2013. Curitiba: SEED/PR. vol.1. 2016. ROCHA, J. C. Um Olhar sobre a Lei 9.795/99 que dispõe sobre a educação ambiental e institui a política nacional de educação ambiental. Global Education Magazine. nº 8, 2014. Disponível em: http://www.globaleducationmagazine.com/um-olhar-sobre-lei-dispoe-sobre-educacao-ambiental/. Acesso em: 31 mai. 2020. SANTOS, F. R. e SILVA, A. M. La importancia de la educación ambiental para estudiantes de la Universidad del Estado de Goiás: Campus Morrinhos. Interações (Campo Grande) [online]. vol.18, n.2, pp.71-86. 2017. SOUZA, M. C. C. Educação Ambiental e as trilhas: contextos para a sensibilização ambiental. Revista Brasileira de Educação Ambiental. vol. 9, n. 2, p. 239-253, 2014. STERN, M. J.; POWELL, R. B.; HILL, D. Environmental education program evaluation in the new millennium: what do we measure and what have we learned?. Environmental Education Research. vol. 20, n. 5, p. 581-611, 2014. STRANZ, A. ; PEREIRA, F. S.; GLIESCH, A. Projeto Universidade solidária – transmitindo experiências em Educação Ambiental. In: I Simpósio Sul Brasileiro de Educação ambiental; II Simpósio Gaúcho de Educação Ambiental e XIV Semana Alto Uruguai de Meio Ambiente, 2002, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: EdiFAPES, 2002.

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LUTA MARAJOARA: PRÁTICA PEDAGÓGICA POSSÍVEL NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR DO MUNICÍPIO DE TUCURUI/PA Maria do Perpetuo Socorro Sarmento Pereira1 RESUMO Este estudo foi realizado na E.E.E.M.“Deputado Raimundo Ribeiro de Souza”, Tucuruí – Pará, com alunos do segundo ano do Ensino médio, com o qual se objetivou inicialmente saber o grau de conhecimento dos alunos sobre a Luta Marajoara, aplicando-se questionário diagnóstico. Em seguida, se iniciou o conteúdo Lutas: Luta marajoara, por meio de uma metodologia ativa de ensino, em que o aluno também é responsável pelo seu processo de ensino aprendizagem, no intuito de ampliar o leque de conhecimento da Cultura Corporal do Movimento, proporcionando que os mesmos conheçam, valorizem, divulguem e preservem a cultura amazônica. Nesta perspectiva, valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, culminando com o Torneio de Luta Marajoara escolar. Palavras-chave: Cultura Corporal do Movimento. Educação Física Escolar. Luta Marajoara.

1. INTRODUÇÃO A educação física tem sua inserção no contexto escolar fundamentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – Lei nº 9.396/96, de 20 de dezembro de 1996, Art. 26, §3º, “a Educação Física integrada à proposta pedagógica da escola é componente curricular da Educação Básica ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar [...]”, sendo a educação física “uma propriedade e um produto do ambiente escolar: a ele pertence, por ele se define, nele se constitui e se realiza” (VAGO, 1999, p. 21). Desta forma: o que confere especificidade à educação física como componente curricular é o fato de esta ter como objeto o movimento humano, sendo que este não pode ser entendido de forma abstrata, tornando-se necessário compreendê-lo em seu caráter sócio histórico-cultural. [...] o conteúdo da educação física escolar deve ser selecionado dentre aquilo que se denomina cultura corporal, que é o conjunto das manifestações, das práticas corporais produzidas historicamente, tais como o esporte, a ginástica, o jogo, a dança, etc. (CAPARROZ, 2007, p. 160).

A disciplina Educação Física possui um leque de conteúdos constituídos pelas diversas manifestações corporais do ser humano ao longo de sua história. Os conteúdos são: jogos, danças, Professora na Secretaria de Estado de Educação do Pará - SEDUC – PA. Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual do Pará – UEPA. Especialista em Pedagogia do Movimento Humano pela Universidade Estadual do Pará - UEPA, em Gestão Escolar pela Universidade Federal do Pará - UFPA e Educação Empreendedora pela Pontifícia Universidade Católica – PUC, RJ. Me em Ciências da Educação pela Universidade Internacional Três Fronteiras do Paraguai - Uninter/PY.; E-mail: sarmento-y@hotmail.com 1

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esportes, ginásticas, lutas, conhecimento sobre o corpo, etc. Este conjunto de manifestações corporais tem sido denominado de cultura corporal de movimento, em que: a educação física é aquele componente curricular que trabalha com o corpo, “um corpo que aprende”, acreditamos ser ela responsável, no interior do universo escolar, por um campo de conhecimento específico, campo este que lhe é peculiar perante os demais componentes curriculares, relacionado à [...] “compreensão e explicação dos valores éticos-políticos do corpo que prevaleceram e o determinaram nos mais distintos momentos históricos [...]”. (SOARES, 1992, p. 65-66).

Nesta perspectiva, a Educação Física Escolar – EFE deve proporcionar aos alunos a vivência de todos os conteúdos da disciplina, almejando a efetivação da qualidade da educação escolar, na qual esta valorização deve implicar considerar fatores intra escolares, contexto socioeconômico-cultural dos estudantes, as expectativas sociais das famílias, os processos de organização e gestão da escola, a participação efetiva da comunidade, as práticas curriculares e processos pedagógicos – didáticos das formas de avaliação. (LIBÂNEO, 2012). Assim, se buscou desenvolver o conteúdo Luta – Luta marajoara. E, antes de conhecer a Luta Marajoara, buscamos refletir sobre: Luta, arte marcial ou esporte de combate? Nessa direção, Campos (2014) revela que as artes marciais são de origem latina e grecoromana, sendo desenvolvidas com mãos livres e no combate corpo a corpo, podendo usar armas no confronto. A arte marcial é o instrumento de defesa e ataque do guerreiro, influenciada pela cultura e pela luta do povo que a criou. Matos (2005) classifica as artes marciais como esportes de lutas e defesas pessoais, oriundos, sobretudo do Oriente, não somente onde a luta é considerada o esporte mais antigo, e esta modalidade está presente nas competições olímpicas desde a época antiga e compreende o embate de dois adversários; tendo cada luta sua regra específica. Para os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), as lutas são caracterizadas como disputas em que o (os) oponente (s), com técnicas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa. É importante ressaltar que para os povos indígenas, principal raça constituinte da população paraense, a denominação adotada é “luta corporal”. A luta corporal é realizada no cotidiano das aldeias. E, foi mais divulgada, segundo Figueiredo (1998) e Rondinelli (2017), ao ser inserido nos Jogos indígenas desde sua primeira edição em 1996, como apresentação. A realização da competição de lutas corporais nos Jogos indígenas é pouco provável, devido à grande diversidade de estilos de luta e técnica. Algumas etnias lutam em pé, outras ajoelhadas no chão. Desta forma, são realizadas apenas 83


demonstrações das lutas existentes na cultura indígena brasileira. Atualmente temos lutas que foram criadas para competições, denominadas como esporte de combate, em que: são modalidades de lutas que podem ser apenas esportivas e/ ou artes marciais que se tornaram esportivas e são regidas por organizações, associações e ainda federações reguladoras com regras rígidas na administração, no ensino e na divulgação da modalidade e promovem campeonatos mundiais. [...] Diferentemente das artes marciais, os esportes de combate se prestam e se qualificam para a superação de um adversário em um momento, definido por regras rígidas e caberá ao vencedor um prêmio. (CAMPOS, 2014, p. 42-59).

Campos (2017) ainda destaca que muitas lutas esportivas promovem campeonatos mundiais, porém possuem características regionais, devido terem limitada expressividade mundial. Podemos destacar como regional: capoeira, a luta corporal indígena, o Brazilian Jiu-jitsu2. Incluiria à lista de Campos (2014) a luta marajoara, originária da ilha do Marajó, localizada no Estado do Pará – Região norte do Brasil. Rufino e Darido (2013, p. 406) ressaltam: Mais relevante não é a discussão sobre qual terminologia está mais correta ou deve ser empregada em relação à outra e sim discutir sobre a inserção desses conteúdos, [lutas, artes marciais, modalidades esportivas de combate] que fazem parte da cultura corporal, nas aulas de Educação Física.

Em consulta ao Dicionário de Educação Física, desporto e saúde (2005) verificou-se que este, caracteriza lutas como: o judô, luta livre, karatê, kenpô, Kung fu, jiu-jítsu... dentre tantas outras trazidas de outras culturas para o nosso país, mas infelizmente não menciona a luta marajoara. A seguir, explicito a luta marajoara, suas origens, objetivos e finalidades. Ressalta-se, aqui, a escassez de estudos sobre a Luta Marajoara, nos impedindo de afirmar a origem e influencias histórico – cultural sofrido por esta luta. Nesta perspectiva, apontamos os estudos de Salles (2004), relatando que entre nos séculos XVIII e XIX, enfatizado no século XIX, havia a pratica desta luta por índios, negros e mulatos na ilha do Marajó. A população marajoara, em sua maioria, vivia da criação de gado nessas terras e já a partir do século XVIII, compartilharam suas experiências, saberes, crenças e tradições, criando e recriando elementos socioculturais de seus saberes e experiências, difundindo de geração em geração ao longo da história. Dentre estes saberes e experiências, destaca-se aqui, a luta marajoara.

Jiu-jítsu brasileiro é uma das modalidades de lutas marciais, desenvolvida pela família Gracie, que em 1925 abriu à primeira Academia Gracie de Jiu-Jitsu no Rio de Janeiro, se tornando a forma mais difundida e praticada no mundo. 2

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2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para início de conversa... se identificou estudos realizados em que a luta marajoara é uma luta corporal originalmente brasileira, surgindo das práticas de lazer dos caboclos da região do Arari3, na ilha do Marajó, localizada na região norte do Brasil. Nessa região há grande incidência de propriedades pecuaristas, predominando a cultura da criação de búfalos, animal marajoara que pode ter influenciado na criação da luta, se assemelhando as brigas entre búfalos observadas pelos caboclos e reproduzidas depois, em momentos de lazer para aquecimento do corpo ao final do dia de trabalho nos campos marajoaras. A luta também pode ser chamada pelos nomes de: agarrada, cabeçada, lambuzada ou derrubada, possuindo características próximas a de outras artes marciais, como a greco-romana: Não é permitido aos lutadores o emprego das pernas, além de ser proibido agarrar a região abaixo da linha da cintura. É estritamente descartado o uso das pernas em tesoura; o lutador deve combater em posição ereta, usando os braços e tentando levar seu adversário ao solo para conseguir os pontos. A técnica da luta greco-romana exige pernas e braços fortes, além de agilidade para o arremesso, a derrubada e a chave. (MATOS, 2005, p. 168).

A luta marajoara é praticada por ambos os sexos. A posição dos chifres dos búfalos, ao travarem lutas por território e pelo domínio de bandos e suas fêmeas, teria sido demoradamente observada pelos caboclos e posteriormente reproduzida nas posições iniciais da atual luta marajoara. O local das lutas deve ter solo com areia, argila ou grama, pois a regra básica é derrubar o oponente no chão e encostar suas costas o suficiente para que seja considerado dominado. Para definir o perdedor basta a observação da área da costa suja pelos detritos do solo: lama, argila ou grama. Alguns golpes são considerados perigosos para serem aplicados durante a luta, podendo ocasionar lesões graves, e por esta razão foram proibidos. Abaixo descrevo os golpes proibidos: • Boi laranjeira: Pegada na nuca e por entre as pernas do oponente, empurrando a nuca do adversário em direção ao solo e com a outra mão entre as pernas deste, o lança no solo. • Enfincada: Golpe realizado pelo lutador que mantém o domínio total do tronco e braços do adversário, o arremessando com as costas ao solo, lançando-o sobre si, assim, podendo ser lançado com a cabeça ao solo.

Localizada na ilha do Marajó – ilha fluviomaritma, a região do Arari é formada pelos municípios de Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Santa Cruz do Arari e Soure. 3

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• Recolhida: Durante o contragolpe, segurando os membros superiores e inferiores do oponente, pressiona o seu corpo contra as costas e nuca do adversário e mantendo-o em posição grupada, o projeta de costas ao solo. As regras para a execução da Luta Marajoara diferenciam-se de um município para o outro, mas as regras básicas são: 1 – Mínimo de duas categorias de lutadores com base no peso, até 80 kg e superior a 80 kg; além dos gêneros, em que o lutador tem oponente do mesmo sexo; e o respeito à faixa etária, discriminando o Amador (até 35 anos) e o Master (acima de 35 anos); 2 – Proibido o uso de unhas compridas, óleos-creme ou qualquer tipo de adereço sólido no corpo. 3 – O “pé casado” é a posição inicial de luta e serve também para reinício de combate, em caso de intervenção da arbitragem; 4 – Um círculo com raio de pelo menos dois metros deve ser desenhado no chão para servir de área de combate, não podendo os lutadores sair desta área; 5 – Proibido o uso de atos contundentes com qualquer parte dos membros: socos, chutes e tapas. E estrangulamentos, como chaves de braços ou pernas. 6 – A luta deverá desenvolver predominantemente em pé, buscando sempre a projeção através de agarradas, empurradas e puxadas, desequilibrando o adversário rumo ao solo. Nos casos em que ocorrerem à derrubada, sem que as costas sejam postas em contato suficiente com o solo para a finalização do combate, deverá o árbitro permitir a luta de chão somente o tempo suficiente para que o esforço na finalização seja concluído. A falta de progresso na disputa pela finalização dará ao árbitro a condição de intervenção, solicitando aos dois lutadores para que voltem à posição de “pé casado” em pé, reiniciando a disputa. 7 – A equipe de arbitragem deverá ser composta por até três técnicos conhecedores das regras. Sendo dois árbitros auxiliares que permanecem do lado de fora do círculo observando toda a movimentação, para indicar ações irregulares ou auxiliar na decisão final, caso a luta não seja finalizada no tempo comum. O árbitro principal é o responsável pela integridade física e moral dos atletas e pela aplicação correta das regras, permanecendo para isso dentro do círculo de combate. Cabe somente a ele a responsabilidade de iniciar, interromper ou encerrar o combate.

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8 – A luta ocorrerá em round único, com tempo de até cinco minutos. Caso a luta não seja definida neste tempo (empate), os árbitros votam para desempatar, podendo ser dada uma prorrogação de até três minutos. Sarmento Pereira (2018) destaca que na contemporaneidade a luta também vem sendo praticada em tatames, em menor proporção, fora da ilha do Marajó, pois ainda há muito que se fazer, para que essa luta seja divulgada, conhecida e praticada por todos e, em especial, os paraenses, que em sua maioria a desconhecem, e, nesse processo, é de suma importância que os cursos de graduação em Educação Física incorporem no seu currículo a luta marajoara, para se construir um conhecimento ampliado sobre ela, possibilitando a organização e sistematização desse conteúdo para a EFE. Nesta perspectiva, a dificuldade em tratar os conteúdos das lutas no contexto escolar se deve, em grande parte, à formação acadêmica do professor, que, em muitos casos, frequenta uma graduação deficiente, restringindo-se a apenas uma modalidade (como o judô ou a capoeira, por exemplo), ou mesmo nem havendo a vivencia desses conteúdos no ensino superior (DEL VECCHIO; FRANCHINI, 2006). Rufino e Darido (2013), corroborando o que foi exposto, ressaltam que, além da questão da formação acadêmica e da carência de produção científica na área, há ainda outro agravante, associado com os outros dois fatores: o ensino das lutas é pautado normalmente por questões ligadas à tradição oral e apartadas de questões científicas. E passam a questionar: É possível ensinar os conteúdos da temática das lutas nas aulas de educação física? O que poderíamos ensinar desses conteúdos na Educação Física Escolar? Qual é a atual visão da educação física sobre esses conteúdos? Neste contexto, se faz necessário ir em busca de modificar a situação exposta, pois: É direito dos alunos se apropriarem desses conteúdos, ao longo dos anos de educação formal dentro da escola e é dever do professor ensinar esses conteúdos, não pautados em apenas uma modalidade. Mais ainda, é dever da escola, através de seu projeto político pedagógico inserir esses conteúdos nas aulas de Educação Física. A prerrogativa que se abre não é mais se é possível ou não ensinar esses conteúdos, e sim o que ensinar desses conteúdos. (RUFINO; DARIDO, 2013, p. 160).

Para Correia (2009) faz-se necessário na atualidade que tenhamos elementos teóricos e práticos mais consistentes e coerentes, objetivando uma imperiosa transformação/transposição didática, para que: Assim, talvez possamos diminuir nossa ignorância [...] sobre essas manifestações [lutas, artes marciais, modalidades esportivas de combate] e dar um tratamento mais 87


responsável e menos demagógico/caricato para essas importantes objetivações culturais que compõe o patrimônio universal expresso pela cultura e, sobretudo, explorá-las como elementos indispensáveis ao desenvolvimento humano. (CORREIA, 2009, p. 30).

Assim, ressaltamos a importância de ser incorporado na graduação em Educação Física o conhecimento da luta marajoara e, consequentemente no contexto escolar, sendo de fundamental importância para difundir esta tão rica manifestação de nossa região e desta forma incentivar o país a conhecer e incluir a luta marajoara no seu mapa cultural e esportivo, principalmente da região norte, permitindo além do seu desenvolvimento, o uso pedagógico na infância e na adolescência dos paraenses. (ASSIS; PINTO & SANTOS, 2011).

2.1 A inserção da luta marajoara na Educação Física Escolar em Tucuruí – PA A luta marajoara foi inserida no plano de ensino anual da disciplina Educação Física, a partir do ano letivo de 2017, permanecendo nos anos letivos posteriores, proporcionando aos alunos do 2º ano do ensino médio regular – 11 turmas (385 alunos) da E. E. E. M. Deputado Raimundo Ribeiro de Souza – Tucuruí- PA, dentro do conteúdo luta a vivência da luta marajoara. O processo de ensino – aprendizagem se efetivou através de uma aprendizagem ativa, que de acordo com Bacich e Moran (2018), se caracteriza pela inter-relação entre a educação, cultura, sociedade, política e escola, sendo desenvolvida por meio de métodos ativos e criativos, centrados na atividade do aluno com a intenção de propiciar a aprendizagem, tendo esta metodologia surgido durante o movimento denominado Escola Nova, dos pensadores Édouard Claparède, William James e John Dewey. Assim, o aluno protagonizou este processo, no intuito de ampliar o leque de conhecimentos da Cultura Corporal do Movimento na perspectiva da uma aprendizagem

significativa4,

personalizada, colaborativa, interativa e orientada, estimulando sua capacidade crítico-reflexiva, a cooperação, a interação, respeito a diversidade e responsabilidade em relação ao que esta construindo e assim promover: 1- pró-atividade, por meio do comprometimento dos alunos no processo de ensino; 2- vinculação da aprendizagem ao contexto real; 3- desenvolvimento da capacidades de reflexão – critica – ação para intervenção na própria realidade; 4- colaboração e cooperação entre participantes (Bonwell e Eison, 1991).

4 Teoria de David Ausubel (1918-2008), define a aprendizagem como sendo construída e relacionada com os conhecimentos prévios, onde o sujeito adquire um papel ativo, reestruturando e organizando a informação.

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Nesta perspectica, o processo de ensino – aprendizagem se concretizou da seguinte forma: - 1º momento, foi aplicado questionário aos 385 alunos participantes, para se verificar qual o grau de conhecimento prévio sobre esta luta. Identificou-se que 97% dos alunos afirmaram não haver tido contato com a luta Marajoara. Gráfico 01: Representação das respostas dos alunos sobre contato com a luta marajoara

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Em relação ao questionamento: Em que Estado nasceu? Foi constatado que 93 % dos alunos, são paraenses. 4% são oriundos do Estado do Maranhão e 1% nascidos no Estado do Piauí, Guiana Francesa e São Paulo. Gráfico 02 Estado de nascimento

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Apesar de 93% dos alunos terem nascido no Estado do Pará, e, sendo a luta marajoara originária deste Estado, um total de 97% dos alunos afirmaram não ter tido nenhum contato com a luta marajoara anteriormente. Este é um fator preocupante, pois desta forma, não estamos ampliando o leque de conhecimentos significativos da Educação Física Escolar para os alunos. 89


- 2º momento, foi apresentada a luta marajoara aos alunos, através de um ensino hibrido5 sustentado e PBL6 (Aprendizagem baseada em problemas - ABP). Assim, conheceram a origem, como era desenvolvida no passado e na contemporaneidade, movimentos característicos, tendo como objetivo de ensino os aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais. É importante o professor refletir sobre os conceitos que estão ligados aos procedimentos selecionados e, em suas reflexões possam causar mudanças de atitudes nos alunos em relação aos conteúdos explorados nas aulas (MALDONADO; BOCCHINI, 2013). - 3º momento, passamos para a vivência prática da luta, onde os movimentos característicos passaram por adaptação e sistematização, no intuito de serem desenvolvidos pelos alunos na disciplina de Educação Física. Nesta etapa, a turma passou a vivenciar os movimentos básicos através de jogos lúdicos. O jogo aqui, conforme demonstra a imagem abaixo, é compreendido como estratégia de ensino das lutas, considerando as ações motoras das lutas como jogo, pois representam de forma lúdica as vivências corporais das práticas da luta, sistematizadas de forma adaptada e didática, com fins educacionais (RUFINO; DARIDO, 2015). Imagem 01: Movimentos básicos da luta marajoara. – Jogos de desequilíbrio.

Fonte: Realização do III Torneio de Luta Marajoara Ribeiro de Souza.

Modelo de educação formal que se caracteriza por mesclar dois modelos de ensino – online e offline, onde os alunos se utilizaram das ferramentas da internet e aulas expositivas com vídeos, Datashow e material impresso. 5

6 sigla que vem do ingles Problem Based Learing. Neste método, o aluno estuda individualmente sobre o assunto previamente, anota as duvidas ou dificuldades e durante a aula expõe e discute, onde a participação de cada aluno e essencial na construção do conhecimento.

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Após estarem bem familiarizados com os movimentos básicos da luta, passamos ás lutas no tatame, onde deveriam seguir as regras básicas da luta marajoara, mas sem esquecer que não estava lutando “contra”, mas “com” o colega de sala. Entre uma luta e outra, havia pausa para os questionamentos e dúvidas da turma – uma roda de conversa. Neste momento relatavam o grau de cansaço e aceleração do batimento cardíaco e, como haviam vivenciado no 1º bimestre o conteúdo capacidades físicas, estavam cientes das modificações que estavam ocorrendo no organismo durante a luta, ficando impressionados com o grau de aceleração do batimento cardíaco em pouco período de luta. No Torneio de Luta Marajoara escolar, em 2019, houve a participação de 47 alunos: 23 meninas e 24 meninos, destes alunos 02 eram Deficientes auditivos – DA (Surdo total) e 01 Deficiente visual (baixa visão), a participação no torneio não era obrigatória. Os alunos participaram nas lutas, na organização ou assistindo e torcendo pelos que estavam lutando. A arbitragem do torneio foi realizada por ex-alunos da escola, que cursam e/ou cursaram graduação em Educação Física, que a partir do convite, estudaram sobre a luta e suas regras, porque não tiveram esta vivência na formacao acadêmica. Inclusive, depois desta vivência com a luta, um dos arbitros da luta marajoara (D.L) realizou uma oficina sobre Luta marajoara, conforme registro a seguir: Imagem 02 Pé casado – posição inicial da luta.

Fonte: Aula desenvolvida na E. E. E. M. Deputado Raimundo Ribeiro de Souza. Fizemos adaptações da luta marajoara para o contexto escolar: usamos tatames, fizemos a pesagem dos participantes na escola (Divisão na categoria por peso) e os alunos preencheram uma ficha de inscrição para o torneio (Nome completo, idade, sexo, serie/turma e peso). A partir dos dados coletados, construimos o quadro a seguir:

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Quadro 01 Divisão Sexo / Peso TORNEIO DE LUTA MARAJOARA FEMININO

SEXO

MASCULINO 50 – 60 Kg 60 – 70 Kg

PESO

Acima de 70 Kg Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Há muito o que se fazer para que essa luta seja conhecida, divulgada e praticada por todos. Nesta perspectiva, é de suma importância que os cursos de graduação em Educação Física incorporem no seu currículo a luta marajoara, para a construção de um conhecimento ampliado sobre esta luta, possibilitando a organização e sistematização desse conteúdo para a A experiência relatada é uma das muitas possibilidades da Educação (EFE). Sendo também de igual importância a qualificação docente que, em muitos casos, frequenta uma graduação deficiente em relação a esse conteúdo, sendo importante as “ações que possam contribuir para a valorização do conteúdo lutas, assim como, ações de formação continuada e implementação de materiais didáticos que auxiliem os professores que efetivamente estão intervindo na escola (RUFINO; DARIDO, 2015, p. 28). A experiência relatada é uma das muitas possibilidades da EFE, com seus avanços e limitações decorrentes da tentativa constante e inacabada de aperfeiçoamento da nossa prática pedagógica concreta. Embora tenha sido construída com o conteúdo lutas e, especificamente a luta marajoara, fica o registro da necessidade de diversificação e experimentação dos diferentes conteúdos da EFE para ampliar e diversificar o conhecimento do aluno, levando em consideração todo o contexto sóciopolítico-cultural da escola e do aluno. Assim como, ressalta-se a importância do aluno ser protagonista da construção do conhecimento, no contexto de uma sociedade marcada por diferenças culturais. Forquin (1993) ressalta que o professor só poderá ensinar aquilo que conhece, que lhe seja familiar, aquilo que domine e, sobretudo, ensinará o que for válido e verdadeiro a seus próprios olhos. Rufino e Darido (2015) complementam, ressaltando que:

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esse processo de ressignificação dos papeis do conteúdo lutas na escola não será realizado de uma hora para a outra, como se os professores pudessem, em instantes, transformar padrões cristalizados de não inserção deste conteúdo no ensino formal. [...] são necessárias iniciativas que possam contribuir com a valorização do ensino das lutas na escola [não somente das lutas], desde perspectivas de formação de desenvolvimento da formação inicial, assim como a importância de ações de formação continuada e a implementação de materiais didáticos sobre as lutas [não somente das lutas], que possam auxiliar os professores que efetivamente estão intervindo na escola. (RUFINO; DARIDO, 2015, p. 28, grifo meu).

E, acrescentam ainda que: há muitas incertezas sobre quais são as práticas relacionadas às lutas [não somente as lutas] que devem ser efetivamente selecionadas para as aulas de educação física na escola e quando isso deve ocorrer nos espaços e nos tempos escolares, compondo o currículo deste componente escolar [...] faltam ainda proposições e indicações de possibilidades de abordar essas manifestações na escola, indicando quando ensinálas, como ensiná-las e, principalmente, o que ensinar das lutas [não somente das lutas] ao longo do processo de escolarização. (RUFINO; DARIDO, 2015, p. 23, grifo meu).

Em relação ao processo avaliativo, Betti (2002), citando Lüdke e Mediano (1992) estudiosos do processo avaliativo, considera que este processo deve implicar três categorias: 1) totalidade – o processo de avaliação não deve ser isolado dos outros processos educativos; 2) mediação – existe um processo mediador entre a conduta observada do aluno e o conceito que lhe é atribuído; e 3) contradição – os processos de avaliação disponíveis são ainda pobres com relação às abordagens metodológicas atuais. Assim:

Nesses tempos de rápidas e profundas transformações sociais que repercutem, às vezes de maneira dramática, nas escolas, a Educação Física e seus professores precisam fundamentar-se teoricamente para justificar à comunidade escolar e à própria sociedade o que já sabem fazer, e, estreitando as relações entre teoria e prática pedagógica, inovar, quer dizer, experimentar novos modelos, estratégias, metodologias, conteúdos, para que a Educação Física siga contribuindo para a formação integral das crianças e jovens e para a apropriação crítica da cultura contemporânea. (BETTI, 2002, p. 80).

Nesta perspectiva, o processo de avaliação-reflexão foi desenvolvido da seguinte forma: • Aplicação de questionário para conhecer os saberes prévios dos alunos (Questionario elaborado pela docente da turma)

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• Observação individual do aluno para acompanhar o seu progresso, registrando as dificuldades, o desenvolvimento, a superação das dificuldades e realização – visualização da trajetória do aluno. • Atividades coletivas - colaborativas: pesquisa, seminário sobre a temática abordada e construcao do torneio de luta marajoara. • Prova objetiva, realizada junto com as avaliações bimestrais de todas as disciplinas curriculares. O processo avaliativo descrito acima, serviu não apenas para atribuir nota bimestral ao aluno, mas, também, para melhorar minha ação docente, enquanto professora investigadora que devo ser, almejando uma prática pedagógica que valorize a autonomia, a coletividade, e o pensar críticoreflexivo na construção, execução e transformação constante da prática pedagógica concreta. Entendo que a relevância deste estudo, se firma, na compreensão de que quase inexistem pesquisas – reflexões que tratem dessa temática, principalmente em sua relação com a prática pedagógica no contexto da Educação Física escolar. Assim como, pela sua relevância regional, cultural e educativa de um saber em potencial, a ser sistematizado para curriculos unversitarios e consequentemente escolar, refletindo diretamente na atuação docente, e preservando a identidade marajoara, amazônica, nortista e brasileira.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS No final do bimestre, questionou-se: o que vocês acharam da luta marajoara? As opiniões foram bem estimuladoras, destacaram a surpresa em conhecer uma luta originária de seu Estado. E, também se declararam satisfeitos em conhecer e vivenciar essa manifestação da cultura corporal de movimento. Surgindo a proposta da construção do torneio de luta marajoara. O torneio foi um sucesso, servindo de divulgação para a comunidade escolar e externa. Desta forma, alcançamos os objetivos do estudo e de sua aplicação na prática pedagógica concreta. No decorrer do desenvolvimento do conteúdo, tivemos dificuldades: 1) ausência de material adequado para o desenvolvimento das aulas, nos colocando a pedir auxílio para outros setores da sociedade. 2) não ter sido vivenciado em minha formação acadêmica a luta marajoara, mas esta falha em minha formação não me impediu de pesquisar e proporcionar aos alunos o rico saber da luta marajoara, pois não podemos nos limitar as falhas da formação acadêmica para negarmos a ampliação do saber da cultura corporal do movimento ao aluno. Nao podemos negar o saber da cultura corporal 94


aos alunos, mas as universidades do Estado do Para, nao podem ignorar o saber da Luta Marajoara aos discentes de sua instituicao e devem refletir sobre a incorporacao da mesma ao Projeto Politico Pedagogico – Grade curricular, porque apesar da luta marajoara ser originalmente paraense – brasileira , infelizmente, ainda não fazer parte dos curriculos universitarios do nosso Estado como nos afirma Santos; Gomes; Freitas (2020), em sua pesquisa sobre a Luta Marajoara no currículo de licenciatura em Educação Física (uma universidade pública do Para), nos revelam que a mesma nao faz parte do curriculo oficial da universidade, nao tendo sido proporcionado de qualquer outra forma aos discentes. Os registros fotográficos do desenvolvimento da luta marajoara “da escola" faz em referência à obra Entre a Educação Física na escola e a Educação Física da escola, de Caparroz (2007), que nos desperta para entender que a Educação Física da escola, que tem como objeto de estudo o movimento humano, deve ser compreendida em seu caráter socio-historico-cultural abrangendo diversas práticas sociais, onde o saber tem uma dinâmica especifica, devendo se observar as necessidades e exigências da EFE.

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SANTOS, C. A. F. dos; FREITAS, R. G. de; Luta Marajoara e memória: praticas “esquecidas” na educação física escolar em Soure – Marajó. Caderno de Educação Física e Esporte, Marechal Candido Rondon, v. 16, n. 1, p. 57-67 jan. / jun. 2018. SARMENTO PEREIRA, M. P. S; Luta Marajoara: uma prática pedagógica possível. In: Experiências de Intervenção Pedagógica na Educação Física escolar/ Org. Maria do Perpetuo Socorro Sarmento Pereira. – 1. Ed. – Goiânia: Editor Espaço acadêmico, 2018. 238 p. ISBN: 978-85-5440128-3. Pag. 163-185. SOARES, C. L. Et. al. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. VAGO, T. M. Intervenção e conhecimento na escola: por uma cultura escolar de Educação Física. In: GOELLNER, Silvana (Org.). Educação Física/ Ciências do Esporte: Intervenção e Conhecimento. 1. Ed. V. 1. Florianópolis: Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, 1999. P. 17-36.

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CONSTRUINDO O DNA: LUDICIDADE E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL Emanoel Oliveira dos Santos1 RESUMO Utilizando o Kit de DNA-RNA-Proteínas do PET–Bioquímica/UFV desenvolvemos com alunos do ensino médio da Escola Estadual Padre Eduardo, o estudo sobre ácidos nucleicos, através da construção da molécula do DNA. As turmas foram divididas em equipes para manuseio e familiarização com a diversidade de peças. Como processo de construção de conhecimento, a ludicidade favoreceu os estudantes, a se apropriarem de forma mais aprofundada dos detalhes que envolvem as ligações químicas e a estrutura tridimensional da molécula de DNA, dando início a uma linha de montagem da dupla-cadeia de nucleotídeos. A ação coletiva dos grupos, frente a um objetivo único e central, levou os grupos a obterem êxito, deixando nítida a compreensão conjunta da estrutura molecular e das ligações químicas, mesmo que os níveis individuais de compreensão tenham sido inicialmente diferentes, foram nivelados graças a essa ferramenta lúdica, que permitiu a compreensão a respeito do tema, tornando a aprendizagem significativa. Palavras-chave: Ludicidade. DNA. Kit DNA-RNA-Proteínas. 1. INTRODUÇÃO O processo de ensino e aprendizagem apresenta diversas visões e ao pensar em pressupostos teóricos e metodológicos que regulam este processo, há um consenso sobre as principais tendências. Na tradicional, o professor é reconhecido como um agente transmissor do conhecimento, considerado como um agente ativo, e o aluno, aquele agente passivo, que apenas recebe ideias prontas e acabadas (AUSUBEL, NOVAK & HANESIAN, 1980; CARVALHO & GIL-PEREZ, 2001; KRASILCHIK, 2004). Seguir esta visão, segundo Krasilchik (2004), acaba mantendo o ensino de forma unidirecional, e que pode favorecer o desinteresse geral dos alunos e consequentemente o baixo rendimento no aprendizado. A busca por uma estratégia capaz de facilitar o aprendizado, estimular e despertar o interesse dos alunos pelas aulas, e pela busca de novos conhecimentos, pode ser redimensionada com os alunos. Em concordância com Teixeira (1995) e Pedroso (2009), uma boa estratégia e que proporciona bons resultados em termos de motivação, participação e interesse por parte dos alunos em sala de aula e que pode ser utilizada no processo de ensino e aprendizagem é a ludicidade, pois as atividades lúdicas

Professor de Biologia da E.E.E.M Padre Eduardo, SEDUC-PA, Doutor em Genética pela Universidade Federal do Paraná /Mestre em Biologia Celular pela Universidade Federal do Pará /Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. E-mail: emanoelprof@gmail.com

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podem motivar o aluno a participar espontaneamente da aula, corroborando no desenvolvimento da cooperação, da socialização e das relações afetivas e, de auxiliar os alunos na construção do conhecimento em qualquer área. Nessa concepção, o lúdico é excelente instrumento para estímulo da aprendizagem, trazendo para a sala de aula a diversão e a alegria características do brincar, o que reflete a etimologia da palavra ‘lúdico’, oriunda de “ludus” que, em latim, significa brincar (OLEQUES, VIVIAN, FORTES & COSTA, 2009). O lúdico pode ainda ser considerado como uma atividade essencial da dinâmica humana (FEIJÓ, 1992), ou uma necessidade do ser humano, e não apenas uma diversão (SANTOS, 1999), pode motivar e impulsionar o gosto e o prazer pelo estudo (MACHADO, 1990), ou facilitar a aprendizagem (ALVES, 2005). Em concordância com Machado (1990) e considerando os diversos aspectos apresentados da prática lúdica dentro do processo de construção do conhecimento, trouxemos e experimentamos a ludicidade, como ferramenta pedagógica para alcançar a aprendizagem significativa pelos estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio “Padre Eduardo” por meio do objeto de conhecimento: – Ácido Desoxirribonucleico (DNA), definido nas competências e habilidades específicas de Ciências da Natureza e suas tecnologias, determinadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Também consideramos que se apoiar em práticas de ensino que utilizam metodologias ativas no Ensino Médio, principalmente na abordagem de objetos de conhecimento complexos, e que envolvem um amplo e específico vocabulário científico, possibilita o desenvolvimento de habilidades ligadas ao “letramento científico”, como preconiza a Competência Especifica 3 da BNCC, que considera entre outros aspectos, o uso de procedimentos e linguagens próprias das Ciências da Natureza para propor soluções, comunicar descobertas, etc. (MEC, 2006; 2018; CALIL, 2013). A EEEM Padre Eduardo oferta o Ensino Médio Regular, em regime de Tempo Integral, isto significa que atende, em sua totalidade, a estudantes jovens e adolescentes. Segundo Cabrera (2006) para se alcançar a aprendizagem no adolescente, é necessário que o professor observe o processo de desenvolvimento cognitivo e os fatores que o determinam, e, depois, proporcione situações de aprendizagem adequadas aos diferentes níveis de desenvolvimento, ajudando-os a refletir e avaliar suas capacidades mentais e a reconhecer as diferenças individuais. Netto (1968) considera que esses processos cognitivos abrangem dois aspectos: o primeiro é tentar fazer com que o jovem obtenha informações, conheça certas noções, identifique e compreenda princípios, leis, teorias, ideias e fatos. O segundo é fazer com que o jovem desenvolva o pensamento lógico, a indução, a dedução, a capacidade criadora, a capacidade de resolver problemas e a fluência 99


verbal. Na disciplina de Biologia, ao abordar temáticas que envolvem o DNA, os dois aspectos citados anteriormente, apresentam-se de modo imbricado no processo de ensino e de aprendizagem. No ensino das noções relacionadas à estrutura do DNA, estão envolvidas complexidades que se apresentam tanto pela natureza microscópica destas noções, quanto pela natureza empírica das leis e princípios que regem os saberes relacionados ao DNA. Essas características revelam a necessidade de que o professor recorra a estratégias diversificadas para ensiná-las. Daí a importância de se usar os recursos didáticos disponíveis em favor desta disciplina, desde um desenho para exemplificar, até uma atividade de campo para melhor aprendizado. "O professor pode adotar procedimentos bastante simples, mas que exijam a participação efetiva do aluno" (MEC, 2006).

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A Escola Estadual Padre Eduardo foi inaugurada no ano de 2015 e sua denominação faz alusão ao educador Padre Eduardo, que lecionou em várias escolas da Ilha de Mosqueiro, um dos distritos de Belém, distante cerca de 70 Km da capital paraense. Seus discentes estudam em regime de Tempo Integral, e estão distribuídos em 10 turmas, com média de 40 alunos por turma. São, em sua maioria, filhos de barraqueiros, ambulantes, caseiros, etc., muitos são beneficiários de programas sociais do Governo Federal como o Bolsa Família. No ano de 2018, a Escola “Padre Eduardo”, juntamente com outras 19 escolas públicas e privadas do Brasil, foi contemplada com um kit de DNA-RNA-Proteínas através do Edital 003/2018, do PET2–Bioquímica da Universidade Federal de Viçosa – MG, com o intuito de oferecer às unidades escolares a oportunidade de aplicar a Bioquímica de uma forma mais dinâmica e inovadora. O kit DNA-RNA-Proteínas é constituído de modelos moleculares de montagem macroscópica, para efeito da visualização da estrutura dos ácidos nucleicos, de aminoácidos, e dos processos de replicação do DNA, transcrição do RNA e tradução do código genético ocorridos intracelularmente, o que permite uma melhor compreensão desses processos, visto que se baseiam em peças separadas dos componentes de DNA e RNA (pentose, fosfato e nucleotídeos, bem como ligações de hidrogênio) e das proteínas (aminoácidos), como mostra a Figura 1. Ao possibilitar a manipulação destas estruturas, é fornecida ajuda valiosa à consolidação do conhecimento sobre as interações químicas que envolvem a estrutura dessas moléculas. Também fazem parte do kit os discos

Programa de Pesquisa Ensino e Extensão de Bioquímica da Universidade Federal de Viçosa – MG. https://petbqiufv.wixsite.com/petbqi 2

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de aminoácidos, que descrevem o nome, estrutura química, características e abreviações de cada aminoácido, bem como seus códons correspondentes. Figura 1 Alguns componentes do kit DNA-RNA-Proteínas

Fonte: Próprio autor

No final do calendário letivo de 2019 e início do ano letivo de 2020 foram desenvolvidas atividades sobre “ácidos nucleicos” como parte da disciplina Biologia, utilizando o Kit de Biomoléculas fornecido pelo PET Bioquímica, da Universidade Federal de Viçosa, no intuito de desenvolver seu ensino de forma mais ativa e objetivando favorecer a aprendizagem significativa dos estudantes e contribuir, assim para o exercício do protagonismo dos alunos no transcurso do processo de ensino e aprendizagem. O primeiro passo, foi a divisão das turmas em equipes de 5 a 6 alunos, gerando cerca de 7 grupos por turma. As equipes receberam amostras do Kit para familiarizarem-se com a diversidade de peças e, para que iniciassem as discussões a respeito da tarefa, que seria, a princípio, montar uma molécula de DNA, conforme registrado (Figura 2). Figura 2 Formação dos grupos para interação com os componentes do kit DNA-RNA-Proteínas

Fonte: Arquivo pessoal.

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Cada grupo, após analisar as peças estruturais da molécula do DNA, construiu uma estratégia própria de montagem, como evidencia a Figura 3, que poderia levá-los ao êxito ou não, na realização da tarefa. Os grupos nos surpreenderam de forma positiva ao elaborar estratégias bastante diversas para realização da tarefa, cada grupo mostrou-se autônomo e criou um mecanismo próprio de organização e funcionamento. Durante o processo de construção de conhecimento (Figura 3), os grupos foram se apropriando dos detalhes que envolvem as ligações químicas e a própria estrutura química da molécula de DNA e deram início a uma linha de montagem da dupla-cadeia de nucleotídeos, que se assemelhava muito a atividade das enzimas polimerases envolvidas no processo de formação deste ácido nucleico. Figura 3 Diferentes estratégias grupais para a construção da molécula de DNA

Fonte: Arquivo pessoal.

A ação coletiva evidenciada nos grupos nos apontou o sucesso da atividade observado pelo forte engajamento dos estudantes na realização da tarefa, e a confirmação de que a escolha metodológica foi pertinente à situação, levando os grupos a obterem êxito na construção da Dupla Hélice do DNA. Observamos, ainda, que os estudantes mesmo tendo partido de pontos diferentes de compreensão, alcançaram, ao final da atividade a compreensão desejada sobre o tema.

2. RESULTADOS E DISCUSSÕES Barbosa & Moura (2013) consideram que devemos romper com o paradigma do ensino tradicional, e neste processo, a ludicidade os aproximou do objeto de conhecimento, e possibilitou ampliar o processo de ensino e de aprendizagem. Foi interessante notar o aumento de sociabilidade entre os alunos, inclusive em relação aos alunos deficientes (Pessoa com Deficiência - PcDs), diante de uma metodologia ativa de aprendizagem, reforçando as considerações de Luckesi (2000) de que aprender brincando ou jogando traz uma riqueza de possibilidades de relacionamentos: de 102


companheirismo, de socialização e troca de experiências, de conhecimento do outro e respeito às diferenças, de desejos e visões do mundo, de reflexões sobre as ações. Figura 4 Diferentes grupos, diferentes estratégias de montagem do DNA

a)

b)

c)

d)

Fonte: Arquivo pessoal.

Esses aspectos do trabalho em grupo, observados na tarefa de montagem da estrutura da molécula de DNA levaram as equipes à confecção exitosa da estrutura, graças a um trabalho de equipe, cooperativo, que reverberou o conhecimento científico dentro de cada conjunto de alunos, compartilhando dificuldades, soluções, e o próprio conhecimento (Figura 4).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Alcançar o êxito no processo de ensino-aprendizagem é um objetivo buscado por todos os atores envolvidos no processo educacional. O que nos leva a pensar sobre como oportunizar as condições para que o aluno explore seu conhecimento e consiga desconstruí-lo e reconstruí-lo de forma consistente e colocar em ação propostas diversificadas. O tipo de ação que foi realizada pode favorecer às resoluções de problemas de situações novas, em outros contextos sejam elas cotidianas ou não, e consolidar uma educação integral. Muitos trabalhos existentes na literatura consideram que as escolas precisam mudar, implantando modelos de ensino mais eficazes e dinâmicos, como posto por Cabrera (2006), que

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recomenda um pouco mais de audácia, flexibilidade, imaginação e tecnologia, como necessárias para produzir um ensino em quantidade suficiente e com a qualidade que o adolescente tem o direito. Neste trabalho relatamos nossa proposta de ensino que contrapõe a abordagem meramente teórica do conhecimento recorrendo a uma forma dinâmica, através de uma metodologia ativa de aprendizagem, usando como instrumento a ludicidade, na construção de moléculas de DNA, a partir do Kit de Biomoléculas UFV/PET-Bioquímica. Neste processo, a construção do conhecimento deuse de forma dinâmica e foram superadas várias dificuldades, que vão desde a compreensão das diversas ligações químicas relacionadas ao processo de construção do DNA até as dificuldades de interação entre alunos. A distribuição dos alunos em grupos elevou o nível de significância dos conceitos apresentados, pois com o trabalho em grupo, o aluno se torna ativo em seu processo de aprendizagem e aprender não só com o professor, mas também com seus colegas, formando uma grande comunidade de aprendizagem dentro da sua sala de aula, corroborando Vigotsky (2015), que considera o valor que a interação entre professor e aluno e entre alunos e colegas traz para o processo de ensino e aprendizagem.

REFERÊNCIAS ALVES, E. M. S. A ludicidade e o ensino de matemática. 2. ed. Campinas: Papirus. (2005) AUSUBEL, D. P., NOVAK, J. K. & HANESIAN, H. Psicologia Educacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Interamerica Ltda. 1980 BARBOSA, E. F. & MOURA, D. G. Metodologias ativas de aprendizagem na Educação Profissional e Tecnológica. Boletim Técnico do Senac, v. 39, n.2, p.48-67. (2013). Disponível em: http://www.bts.senac.br/index.php/bts/article/view/349/333. Acesso em 27/3/2020. CABRERA, W. B. (2006) A Ludicidade para o Ensino Médio na Disciplina de Biologia: Contribuições ao processo de aprendizagem em conformidade com os pressupostos teóricos da Aprendizagem Significativa. 159f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática). Universidade Estadual de Londrina, Londrina – PR. CALIL, P. Metodologia do ensino de Biologia e Química: o Professor-Pesquisador no Ensino de Ciências. 1. ed. Curitiba: InterSaberes. (2013). CARVALHO, A.M.P.C & Gil-Pérez, D. Formação de Professores de Ciências: tendências e inovações. 6. ed. São Paulo: Cortez; 2001. FEIJÓ, O. G. Corpo e Movimento: Uma Psicologia para o Esporte. Rio de Janeiro: Shape; 1992 KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP; 2004 104


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EDUCAÇÃO INFANTIL E A APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM TEA: DO DIREITO DE APRENDIZAGEM À FORMAÇÃO DOCENTE Geila Santo de Sousa1 RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar como ocorre a aprendizagem de crianças com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) nas escolas públicas do Município de Santarém – Pará, tendo em vista os seus direitos regulamentados por lei. A base metodológica é empírico-analítica e bibliográfica, com observações, entrevistas e questionários aplicados a professores, gestores escolares e técnicos em educação. Com isso, a pesquisa mostrou que a aprendizagem, têm sido mais no aspecto de socialização no tempo e nos espaços intraescolares. Foi percebido também, que a maioria dos professores pesquisados sentem dificuldade pedagógica para atuarem com alunos autistas, e sobretudo, a desconectividade entre o trabalho do professor da série regular com o professor do Atendimento Educacional Especializado. Quanto aos gestores e técnicos em educação, atribuem ao poder público, o despreparo da escola para atender os alunos com deficiência, principalmente nos termos físicos e pedagógicos. Palavras-chave: Educação Infantil. Alunos Autistas. Aprendizagem. Formação Docente. 1. INTRODUÇÃO Como a primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil é o início e o fundamento do processo intelectual. A entrada na creche ou pré-escola significa, na maioria das vezes, a primeira separação das crianças dos seus vínculos afetivos familiares, para se incorporarem a uma situação de socialização estruturada, entendida em amplo sentido. É também uma das mais complexas fases do desenvolvimento humano, em seus diversos aspectos, tais como intelectual, emocional, social e motor. Na Educação Infantil, as aprendizagens essenciais compreendem tanto comportamentos, habilidades e conhecimentos, quanto vivências que promovem aprendizagem e desenvolvimento nos diversos campos de experiências, sempre tomando as interações e a ludicidade como eixos estruturantes (BNCC, 2018). Neste sentido, substancia-se que o processo de desenvolvimento infantil se dá nas relações humanas, num esforço contínuo de comunicação e interação, que por sua vez possibilita o compartilhamento de ideias e experiências com base em um plano interpessoal mediado por um adulto. Dessa forma, os ambientes, as pessoas e as interações que ocorrem em torno delas podem ser agentes promotores ou de austeridade ao seu desenvolvimento. Consoante a estes aspectos subjetivos da infância, a criança necessita de certas habilidades cognitivas, afetivas e sociais, a fim de que o intercâmbio de significados seja estabelecido. Isso 1

Especialista em Educação da Secretaria de Estado de Educação do Pará. Doutoranda em Educação pela Universidade Luterana do Brasil. Email: geilases@gmail.com

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significa, num sentido amplo, a intersubjetividade, que é a capacidade do homem de se relacionar com o seu semelhante. Isso, por sua vez, poderá ser ainda mais determinante em casos de crianças que tem por natureza dificuldades nos processos interacionais, como as que possuem o Transtorno do Espectro Autista, sendo estas, o público alvo desta pesquisa. Segundo dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, existe hoje um caso de autismo a cada 110 pessoas. No Brasil, estimase que dos mais de 200 milhões de habitantes, cerca de 2 milhões são autistas. Contudo, apesar de numerosos, os milhões de brasileiros autistas ainda sofrem para encontrar seu espaço na sociedade, onde inclui-se o direito à educação condigna e aos tratamentos. Estes índices, considerados elevados, vem provocando debates tanto no campo da saúde como no campo sociopolítico e educacional. Neste contexto, prioriza-se a escolha pela temática da pesquisa, tendo como um dos fatores inicialmente, a crescente inserção de crianças com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) nas escolas a partir de seus direitos regulamentados por lei e quais sejam as dificuldades das escolas em trabalhar com alunos autistas. Destas análises, a pesquisa justifica-se pela investigação, numa perspectiva empírico-analítica, de como ocorre à aprendizagem da criança autista no ambiente escolar, levando em consideração as dimensões físicas, socioeducacionais, políticas, ambientais e indubitavelmente, a formação docente na Educação Infantil em Escolas e Unidades de Educação Municipal. Nesse sentido, com a finalidade de responder a questão central dessa pesquisa, foram propostos como objetivos específicos: Descrever o perfil socioeducacional da criança com autismo na pré-escola; Identificar como se dá a formação docente e quais as principais dificuldades de atuação profissional; Conhecer as principais legislações sobre os direitos da Pessoa com Autismo; Ampliar o repertório de práticas pedagógicas condizentes com as necessidades educacionais dos alunos com TEA inclusos na rede regular de ensino. Paralelo a este contexto inicial da pesquisa, analisou-se a conectividade entre o direito de aprendizagem e desenvolvimento da criança com autismo à luz da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) e as leis do Autismo (BRASIL, 2012), uma vez que este debate ainda se encontra restrito no campo teórico, portanto, pouco elucidado no “chão da escola”. Somam-se à essas discussões, como se dá o processo de inclusão e certamente a formação docente neste contexto, pois considera-se que o fazer pedagógico deve estabelecer-se como mecanismo dinâmico e interativo, contemplando tempos e espaços novos, diálogo, problematização e produção própria dos educandos. Neste prisma, o professor deve exercer a habilidade de mediador das construções de aprendizagem para promover mudanças. E como mediador, o docente passa a ser comunicador, colaborador e exerce a criatividade do seu papel no processo de aprender dos alunos, considerando principalmente as 107


diferenças entre o mundo intersubjetivo de cada aluno. No entanto, para isso faz-se necessário a mudança de paradigma do ensinar e do aprender num mundo restrito, e passarmos a defender a educação para todos. Emergindo dessas análises conjunturais, agregou-se à investigação, a preocupação enquanto profissional da educação, quanto a importância da relação intersubjetividade e aprendizagem da criança autista, tendo em vista as singularidades dos participantes, com vistas às descobertas que promovam debates na comunidade escolar e científica e a promoção de práticas escolares condizentes com este público através de métodos e teorias, dentre as quais, nesta pesquisa: a Teoria do Nicho de Desenvolvimento, que teve como finalidade a de nortear e organizar experiências. 1.1 Aspectos Conceituais e a Relação entre Educação Infantil, Aprendizagem e Alunos com TEA A educação e o desenvolvimento na primeira infância tem sido pauta de grandes discussões frequentemente. Considerando que a educação infantil é a base inicial do processo educativo, esta deve proporcionar um ambiente onde a infância possa ser vivida plenamente, conforme estabelece a LDB 9394/96, no artigo 29, ao dispor que a educação infantil, é a primeira etapa da educação básica, e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Neste sentido, ressalta-se a importância desta etapa educativa para o desenvolvimento global da criança tendo em vista a compreensão das características próprias de sua idade. Logo, sintetiza-se a contribuição dos estudos e pesquisas de Freud, Piaget e Vygotsky para demonstrar que existem formas de perceber, vivenciar, compreender, comportar-se e se relacionar diante do mundo. Ademais, a literatura de Bujes (2001, p. 21 apud HERMIDA, 2007, p. 227) mostra que “[...] a educação infantil precisa ser muito mais qualificada. Ela deve incluir o acolhimento, a segurança, o lugar para a emoção, para o gosto, para o desenvolvimento da sensibilidade; não podendo deixar de lado o desenvolvimento das habilidades sociais, nem o domínio do espaço e do corpo e das modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar para a curiosidade e o desafio”. Portanto, o espaço escolar infantil deve contribuir para a aprendizagem e desenvolvimento social da criança, e inevitavelmente para a sua realização humana. Ou seja, compreender a criança no seu desenvolvimento integral, considerando-a em todas as suas dimensões, pois na prática pedagógica, o cuidar e o educar são indissociáveis. Nestes termos, a BNCC (2015) diz que esta etapa da educação refere-se ao Campo da Experiência e Objetivo de Aprendizagem, destacando que as diversas possibilidades de experiências 108


que as crianças podem usufruir na Educação Infantil não ocorrem de modo isolado ou fragmentadas, mas são promovidas por um conjunto de práticas que articulam os saberes e fazeres das crianças. Como vimos brevemente, a Educação Infantil é uma fase fundamental para a formação da criança em todos os aspectos. Por isso a coerência em investigar cientificamente como se constitui a aprendizagem e o desenvolvimento da criança com TEA na Educação Infantil e os fatores condicionantes desse processo, considerando as dimensões físicas, socioeducacionais, políticas e ambientais. Considerando esta interface, é primordial que conceituemos autismo a partir de estudos realizados pela primeira vez em 1949, pelo psiquiatra austríaco Léo Kanner, que no primeiro momento relacionou os sintomas a fenômenos esquizofrênicos, mas, que reformulou a sua definição, considerando o autismo infantil como um transtorno que incluía: grande dificuldade no contato com as pessoas, um desejo obsessivo de preservar as coisas e as situações, uma ligação especial aos objetos e a presença de uma fisionomia inteligente, além das alterações de linguagem que se estendiam do mutismo a uma linguagem sem função de comunicação (GONÇALVES, 2010; ASSUMPÇÃO; PIMENTEL, 1995). Apesar de existirem consensos entre especialistas em relação à presença de possíveis alterações no sistema nervoso central que levariam a uma desordem no padrão de desenvolvimento da criança (MELO et al., 2006), não é possível determinar qualquer aspecto biológico e/ou ambiental que contribua de forma decisiva para que ocorram as manifestações desse transtorno. As causas específicas e definitivas que expliquem o autismo não foram encontradas ainda. Estudos apontam que o transtorno atinge com uma nítida preponderância, o sexo masculino (três a quatro meninos para uma menina), porém, as meninas tendem a ser mais seriamente comprometidas quando são afetadas. Investigações estimam um aumento drástico de casos, atingindo em média 40 a 60 casos a cada 10.000 nascimentos (SILVA; MULICK, 2009). A literatura descreve também um conjunto de características comuns, as quais: dificuldades de relacionamento interpessoal; aversão a contato físico e a manifestações de carinho; atraso ou ausência de linguagem verbal, mímica e gestual; pouca responsividade a estímulos sonoros, fala e solicitações de interação; pouco contato visual com o interlocutor; pouco uso da expressividade facial para expressar emoções; comportamentos repetitivos, ritualizados e estereotipias; dificuldades para aceitar mudanças e novidades nas rotinas e na interação (GONÇALVES, 2010; SILVA; MULICK, 2009; SCHWARTZMAN; ASSUMPÇÃO JÚNIOR, 1995). A maioria dessas características se faz presente nos primeiros anos de vida, e o diagnóstico precoce pode auxiliar na reabilitação dessas crianças. A importância da detecção preliminar e a 109


necessidade do diagnóstico diferencial são destacadas nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, documento lançado em 2013 pelo Ministério da Saúde. Estudos como os de Camargo e Bosa (2009), Lemos, Salomão e Agripino-Ramos (2014), Nunes e Araújo (2014) enfatizam a importância da participação da criança com autismo em contextos sociais que possibilitem a interação com outras crianças da mesma faixa etária. Esse é um caminho para ampliar as suas capacidades interativas. A convivência proporciona modelos de interação e oportunidades de vivenciar uma variedade de situações. Nesse sentido, a escola é o ambiente privilegiado para promover espaços de aprendizagem e convivência para todas as crianças (CAMARGO; BOSA, 2009. 2011). Dessa forma, a intersubjetividade da criança autista na Educação Infantil, perpassa o campo da “aprendizagem pela aprendizagem” na medida em que para ensinar é necessário saber quem é o educando, ou seja, suas particularidades e singularidades, bem como compreender em qual momento a criança se encontra, para que haja uma aprendizagem significativa na perspectiva inclusiva. Por isso a necessidade de se repensar a prática pedagógica como elemento fundamental de inclusão escolar na educação infantil. Arraigado a esses elementos discursos, a prática pedagógica inclusiva deverá se constituir pela junção do conhecimento adquirido pelo professor ao longo de sua trajetória e da busca por novas formas de fazer considerando a diversidade dos alunos e as suas características individuais. Todavia, a grande responsabilidade da educação infantil nos permite acentuar qual o papel da escola na inclusão da criança autista nesta etapa, comungando com os pensamentos de Almada (2007), quando diz que é necessário a compreensão do jeito especial de cada criança de estar no mundo, respeitando o seu tempo, seu estilo incomum de ser e sua individualidade. A autora, diz também que seja oferecido um ambiente rico em atividades lúdicas que proporcione um desenvolvimento sadio, com práticas de habilidades motoras, para o aumento da integração, estimulação e sensibilidade, favorecendo espaços livres que possibilite a criança desprender-se independentemente em suas ações criativas. Além disso, Almada (2007) reforça que é necessário delinear espaços físicos que atendam o ritmo de "ser criança", sendo que esta precisa encontrar no espaço educativo um ambiente que prime pela cultura infantil, seus valores e ansiedades. A autora relata ainda, a necessidade da realização de um trabalho eficaz na educação infantil, precisando sensibilizar o olhar para as vivências, ações e reações das crianças no cotidiano escolar, estabelecendo uma rotina estruturada, percebendo a criança como um sujeito afetivo, criando vínculo emocional que fortaleça a relação entre adultos e crianças, permitindo espaço para o diálogo e a reflexão.

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Por isso, é imprescindível que o educador que atua nesta etapa de ensino, conheça o processo de como as crianças pequenas aprendem e se desenvolvem, ocupando um espaço primordial na concepção da formação desses profissionais: Para desempenhar a contento a mediação de aprendizagens na construção de significados, o educador precisa conhecer como as crianças pensam e se apropriam dos conhecimentos para saber intervir no sentido de que elas possam avançar. (HERMIDA, 2007, p. 289). Portanto, quando falamos de desenvolvimento infantil, devemos considerar que as crianças desde o nascimento estão imersas em diversos contextos e que estes têm arraigados vários elementos que vão influenciar seus processos de desenvolvimento para poderem prosseguir as etapas seguintes com a mediação da pessoa adulta. Neste caso, ratifica-se que a família e a escola são fundamentais para esse processo, principalmente para a criança autista. Por isso o desafio da escola e do educador nesta etapa, para que atenda os alunos nas suas particularidades, a fim de lhes garantir uma educação de qualidade. Sobre isso, Cunha (2014, p. 101) reforça que “não há como falar em inclusão sem mencionar o papel do professor. É necessário que ele tenha condições de trabalhar com a inclusão e na inclusão”. Assim, é importante que os professores estejam aptos a atuar com alunos autistas a fim de que estes se devolvam em todos os seus aspectos: físico, afetivo, social e cognitivo. Neste aspecto se insere consequentemente a importância do professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE), de acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (2008), deve atender alunos com necessidades educativas especiais no contra turno do seu horário regular de aula, dentro de um planejamento pré-elaborado e em parceria com o professor do Ensino Regular. O Atendimento Educacional Especializado se dá de forma complementar e/ou suplementar para facilitar a orientação dos profissionais da escola, no sentido de elaborar novas estratégias de aprendizagem escolar, novos recursos pedagógicos de ensino de acordo com as necessidades do aluno e sobretudo, em parceria com a gestão escolar, garantir no Projeto Político Pedagógico o funcionamento do AEE, bem como a efetiva execução do mesmo. Nesse contexto, vale lembrar que as crianças típicas desde o nascimento estão em constante interação com os adultos, logo procuram incorporá-las a suas relações e a sua cultura. Sendo assim, percebe-se que quase todos os comportamentos humanos são resultantes da convivência com os demais. No entanto, as relações sociais, de interação e comportamento dos autistas são diferentes, pois decorrem de fatores genéticos e/ou ambientais e suas estereotipias.

111


Com isso, buscou-se nesta pesquisa, um novo olhar para a criança com autismo, optando em compreende-lo como uma pessoa em desenvolvimento a partir da abordagem histórico-cultural, por considerar que o sujeito se constitui e evolui nas condições concretas de vida, a partir das relações e interações que lhes são possibilitadas nos processos mediados, “[...] assimilando a cultura e sendo assimilado por ela” (GÓES, 2007, p. 111). 1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 1.1 Quanto à caracterização da área de estudo Localizado na Mesorregião do Baixo Amazonas, Santarém é o 3º município mais populoso do Pará, o 7º de toda a região norte e o 83º do Brasil, ocupando uma área de 22.887,080 km² e uma população estimada de 296.302 habitantes no último Censo (Percebam essa dimensão na figura 1, abaixo). Isso coloca o mesmo na posição de 3º lugar dentre 144 municípios do mesmo estado (IBGE 2017). Figura 1 – Município de Santarém – Pará em relação à Região Norte do Brasil

Fonte: Elaborado pela autora (2017), por meio do projeto Open Street Maps.

A Rede Municipal de Educação tem como unidade gestora a Secretaria Municipal de Educação e Desporto (SEMED) que oferta a Educação Infantil e o Ensino Fundamental na região e como instituição fomentadora de ações políticas e de compromisso com a comunidade, quando destaca a sua missão e visão voltadas para a promoção humana, e, ainda, o universo de funcionários para o atendimento no pré-escolar, educação infantil e ensino fundamental.

Nestes termos,

complementa-se que: [...] A rede municipal de ensino possui 19 Unidades Municipais de Educação InfantilUMEIs e 01 Centro Municipal de Educação Infantil-CMEI padrão MEC, construído através do programa Proinfância, em regime de colaboração com o governo federal. Além disso, há 203 Escolas de Ensino Fundamental que ofertam a Educação Infantil para crianças de 04 e 05 anos de idade. Destas 09 funcionam como espaços pedagógicos, anexos

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que na forma da lei aguardam pela regularização e o número do INEP para serem considerados estabelecimentos de Educação Infantil (SANTARÉM-PA, 2015, p. 24-25).

Apesar de avanços nesta etapa da Educação Básica no município, percebe-se que existem muitas ações a serem implementadas e mesmo implantadas para atender com qualidade este público bem significativo e singular, principalmente se considerarmos a inclusão de crianças autistas neste contexto subjetivo. De acordo com IBGE (2017), o último censo de 2015 mostra os números no atendimento do pré-escolar de 10.568 alunos no município. Ressalta-se que nesse quantitativo inclui-se os educandos com deficiência, dentre os quais, os autistas. Recentemente foi aprovada a Lei nº 13.861/2019 que incluirá dados específicos sobre autismo no Censo do IBGE. Com a inserção dos dados, segundo A Secretaria de Educação Especial, será possível mapear o autismo no Brasil e com isso possibilitar a criação de políticas públicas eficientes que abranjam as pessoas de todo o território nacional. Além disso, o poder público terá informações relevantes para quantificar e qualificar os profissionais para atender adequadamente essa população. Com isso, teoriza-se que a ciência, como modalidade de conhecimento, só se processo como resultado de articulação do lógico com o real, do teórico com o empírico. Não reduz a um mero levantamento e exposição de fatos ou a uma coleção de dados. Estes precisam ser articulados mediante uma leitura teórica. Só a teoria pode caracterizar como científicos os dados empíricos. Mas, em compensação, ela só gera ciência se estiver articulando dados empíricos (SEVERINO, 2016). A citação de Severino se justifica posto que, a ciência do conhecimento deve se valer da relação teoria e prática, do real ao lógico provocando inquietações aos pesquisadores para novas descobertas que beneficiem os povos e suas culturas. No entanto, os saberes e descobertas em pesquisas científicas, só poderão acontecer mediante a capacidade de domínio e manuseio de um conjunto de métodos e técnicas inerentes aos objetos de pesquisa. Neste sentido, a pesquisa adotou características, primeiramente, de cunho bibliográfico, pois os estudos foram desenvolvidos com base em materiais já elaborados e publicados (SEVERINO, 2016) e substanciados pela pesquisa de campo, caracterizada segundo Barros e Lehfeld (2007), como uma metodologia de estudo que se volta à coleta de informações sobre um ou vários casos particularizados. A partir disso, definiu-se como lócus da pesquisa: 02 (duas) Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEI), e 01(uma) escola de Ensino Fundamental que oferta a Educação Infantil da Rede Pública de Ensino, em classes de pré-escola do Município de Santarém, no estado do Pará. As instituições foram definidas após um diagnóstico estatístico sobre a matrícula de alunos autistas, sendo denominadas nesta pesquisa como Unidade “A”, Unidade “B” e Escola “A”. 113


Para se chegar ao objetivo central da pesquisa, investigou-se 10 (dez) alunos atípicos (TEA), 03 (três) gestores, 03 (três) técnicos em educação e 10 (dez) professores. E complementando estes aspectos produtivos da investigação científica, os estudos se apresentam também como exploratórios, pois tem como objetivo, segundo a teoria de Gil, (2011) a formulação de questões ou de um problema, neste caso com as seguintes finalidades: analisar como ocorre a aprendizagem da criança autista, levando em consideração a sua intersubjetividade, a fim de contribuir para a melhoria da educação e socialização do aluno com TEA, bem como descrever o perfil socioeducacional da criança com autismo na pré-escola, com o intuito de aumentar a familiaridade do pesquisador com o ambiente, fato ou fenômeno, conhecer as principais legislações sobre os direitos da Pessoa com Autismo, verificar como se dá a formação dos professores e ampliar o repertório de práticas pedagógicas condizentes com as necessidades educacionais dos alunos com TEA inclusos com vistas a realização de uma pesquisa mais precisa com o propósito de modificar ou clarificar conceitos (GIL, 2011). A abordagem foi quanti-qualitativa, posto que as duas formas se complementam tendo em vista que a pesquisa quantitativa busca “quantificar dados obtidos por meio de informações coletadas, por meio de 2 questionários, 3 entrevistas, observações e utilização de técnicas estatísticas” (OLIVEIRA, 2008, p.62) e que nesta pesquisa, foi empregada para descrever e mensurar o perfil socioeducacional dos alunos com Transtorno do Espectro Autista, a fim de compreender os aspectos do desenvolvimento da aprendizagem e interação. A pesquisa qualitativa ajudou na verificação das informações coletadas possibilitando o entendimento detalhado dos fenômenos nos “processos sociais e a interpretação das particularidades dos comportamentos ou atitudes dos indivíduos” (OLIVEIRA, 2008, p.59), possibilitando o entendimento do aspecto intersubjetivo do educando com TEA, tendo em vista o vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números uma vez que o objeto investigado neste estudo encontra-se possuído de significados e relações que precisam ser entendidas proporcionando uma visão mais completa dos atores envolvidos. Como vimos, “a utilização desta abordagem, proporciona sinergia do enfoque quantitativo e qualitativo garantindo a confiabilidade nos resultados encontrados, impedindo a perda de informações” (OLIVEIRA, 2008). A técnica de análise dos dados seguiu sete fases, conforme descrito abaixo:

a) Revisão da literatura e levantamento dos dados secundários, analisando artigos, teses, dissertações e demais publicações científicas que ajudem a fundamentar a temática pesquisada.

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b) Apresentação do projeto de pesquisa para as instituições de ensino (Lócus da pesquisa) e para a Secretaria Municipal de Educação e Desporto de Santarém – Pará para prover a solicitação de autorização e desenvolvimento da pesquisa.

c) As observações ocorreram através de análises descritivas dos participantes no decorrer da coleta de dados em campo, proporcionando aproximação do cotidiano do público pesquisado e dos aspectos sociais, históricos, sociais e culturais. Neste contexto foram observados os diferentes ambientes do cotidiano escolar. Segundo Oliveira (2008) deve-se seguir três fases: olhar, ouvir e escrever, sendo que o olhar e ouvir auxiliam na percepção do pesquisador sobre a realidade estudada, enquanto que o escrever ajuda na materialização do fenômeno observado.

d) Aplicação de entrevistas semiestruturadas aos professores do Ensino Regular e do AEE, com base na Teoria do Nicho de Desenvolvimento cujo modelo foi desenvolvido por Harknes e Super (1994) que propõem a definição do desenvolvimento infantil como um sistema caracterizado por subsistemas, os quais: o ambiente físico e o social da criança e as crenças e práticas de seus cuidadores, com intuito de verificar o desenvolvimento da criança num ambiente físico e social, com as práticas de cuidados infantis culturalmente reguladas e com a psicologia de seus cuidadores. Dessa forma elencou-se como eixos norteadores de pesquisa, as seguintes perguntas: Quais os conceitos da escola sobre aprendizagem na perspectiva inclusiva? Quais práticas pedagógicas têm sido desenvolvidas para a aprendizagem significativa e para a interação do aluno com TEA?

e) Os dados coletados foram analisados logo após seu levantamento. As entrevistas foram gravadas e transcritas, como forma de organizá-las e tratá-las, foram utilizadas as técnicas de análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), por se tratar de uma estratégia que agrega um conjunto de procedimentos metodológicos, que auxiliam a organização e compreensão das informações a serem descrita na pesquisa.

f) O tratamento dos dados foi por meio do método analítico-descritivo, com base qualitativa. Aquela, que com a observação de Fachin (2001), trabalha com o universo de significativos, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, ou seja, um espaço mais profundo das relações que não podem ser reduzidos pura e simplesmente em operacionalizações de variáveis, mas significativamente palpáveis e que contribuam para a melhoria da educação e sociabilidade desses alunos.

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g) Quanto aos Recursos para a realização da pesquisa, foram necessários materiais tecnológicos como: gravador para registro das entrevistas, câmera fotográfica para armazenar as imagens e registro que compuseram o aporte da pesquisa e material de escritório tais como: cadernos, agendas, canetas, materiais reprografados, lápis e pranchetas, dentre outros. 2.1 Discussão e Análises dos Resultados Tendo em vista o processo de verificação dos resultados chegou-se inicialmente, a análise de que tanto os gestores escolares como os educadores ainda encontram dificuldades pedagógicas e estruturais para conceber uma aprendizagem significativa e com maior interação dos alunos autistas. Tais fatores foram reverberados com as observações feitas a 10 (dez) alunos autistas de diferentes instituições e também com diferentes “níveis” de TEA, com os quais percebeu-se que a maior preocupação dos educadores encontra-se na socialização dos mesmos e na operacionalização de materiais concretos, mais especificamente os brinquedos de montagens e pinturas. Esses aspectos são importantes, porém isolados podem comprometer o processo de desenvolvimento da aprendizagem desses alunos, haja vista a heterogeneidade e as singularidades da pessoa com autismo. Nestes aspectos, corrobora-se com a literatura de Marocco (2012), quando diz que necessitamos perceber o contraste das relações no cotidiano dos autistas em momentos de aterrissagem, olhando de perto essas pessoas em diferentes espaços e, dessa forma, perceber indícios dos modos de interação dos mesmos para se pensar juntos práticas pedagógicas e as diferentes bases epistemológicas que sustentam as ações dos seres humanos. A autora diz ainda a respeito do “conhecer” para situar-se, que corpos misturados trazem a nitidez das relações em sobrevoos contínuos, designando os processos de aprendizagem em aspectos de composição de uma rede com uma estrutura dupla, ou seja, sem fim e sem começo e com formas transitórias. Isso nos remete ao desafio de reconhecer que o processo de aprendizagem de alunos autistas requer olhares profundos para seus contextos de vida, tendo em vistas suas subjetividades nos tempos e nos espaços. A partir dessas formas de perceber e compreender o mundo autista, infere-se que a interação é uma condição de possibilidades existencialmente humana, na qual todos interagem, e o necessário é “abrir-se” para interpretá-la (MAROCCO, 2012, p. 15). Dessa forma, entende-se o quanto a interação professor e aluno, é imprescindível para a aprendizagem dos alunos autistas, haja vista suas dificuldades de comunicação, interação e seu comportamento. Essas análises foram certificadas na pesquisa, conforme os resultados das entrevistas abaixo elencadas, em que se codificou por categorias, sendo A para professor, B para gestores e C para técnicos em educação.

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Quadro 1 Conceitos da escola sobre aprendizagem na perspectiva inclusiva Professor/Gestor A-1 A-2 B-1 B-2 C-1 C-2

Respostas Entende que é trabalhar as diferenças em sala de aula Concebe como um processo de socialização de alunos especiais É um processo pedagógico que deve levar em consideração as especificidades de cada aluno É inserir alunos especiais e trabalhar com metodologias diferenciadas Prerrogativa de instituição da inclusão de alunos especiais É incluir para a vida nos aspectos sociais, políticos e culturais

Fonte: Entrevistas realizadas pela pesquisadora

Diante das respostas, vimos uma reunião de conceitos que nos remete à teoria de Larrosa (1994, p.45), quando afirma que as "ideias" têm a ver com nossas "ações" e nesse caso os conceitos extraídos, talvez sejam as ideias de como concebem e trabalham a aprendizagem na perspectiva da educação inclusiva, o que nos possibilita inferir que os profissionais entrevistados reconhecem a inclusão como um processo de interação e socialização, contudo, não demonstraram que a aprendizagem de alunos com deficiência perpassa o campo dessa socialização, pois requer um entendimento do aluno como um ser humano dotado de inteligências e que, por vezes, o que falta é o incentivo e atenção por parte da escola. Entende-se que ele é um ser em potencial, com várias habilidades e por isso necessita ser inserido na sociedade, pelo seu próprio ritmo. Esta questão é ratificada pela literatura de ALVES (2014), quando pesquisou a escolarização de alunos autistas, em que detectou que a socialização dos mesmos é a principal dimensão trabalhada pelos professores e que o fato desses alunos não acompanharem as atividades como os demais, fazem com que o professor busque, na maioria das vezes, um diagnóstico que reitere esse posicionamento, sinalizando para um diagnóstico de aluno com dificuldades de aprendizagem, dizendo ainda que a escola é o resultado de uma construção histórica, que nasceu na modernidade e que apesar do discurso inclusivo, apresentam-se lacunas para trabalhar com alunos autistas. Essas inferências são evidenciadas no resultado da pergunta sobre as dificuldades para trabalharem com alunos, conforme gráfico abaixo.

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Gráfico 1 – Níveis de dificuldade do professor para trabalhar com alunos autistas – numa escala de 01 a 05 5

5 4

4

4

5 4

4 A-1

3

A-2

2

A-4

A-3 A-5

1 0

A-6 1a5

Fonte: Questionário aplicado pela pesquisadora aos professores

Neste gráfico, evidenciou-se que a maioria dos pesquisados tem dificuldades para trabalhar com alunos autistas. Fato que reverbera com o que se vê no cotidiano escolar, em que a aplicação da legislação é o fator preponderante para as escolas. A aprendizagem significativa se torna um desafio, visto que a formação docente e os aparatos pedagógicos ficam em segundo plano. Sobre isso, Monteiro (2010) indica que as práticas de inclusão escolar produzidas nas escolas, estão possibilitando questionar classificações que naturalizam e legitimam padrões produzindo determinadas identidades, as quais posicionam os alunos de forma negativa em relação às suas reais condições de aprendizagem. Ou seja, a escola classifica e naturaliza alunos deficientes, a partir de práticas que acabam segregando ao invés de incluí-los de verdade. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da produção científica, corrobora-se que a mesma trouxe contribuições acadêmicas para os educadores, por meio da materialização de um produto técnico científico que subsidia o fazer pedagógico com ênfase na efetivação de políticas públicas. Fundamentar e respaldar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento de crianças autistas na perspectiva da educação inclusiva é contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos mesmos; A pesquisa contribui para a reorganização e/ou inovação de práticas pedagógicas desenvolvidas pelos educadores que atuam na Educação Infantil e com alunos autistas, auxiliando 118


eficazmente na organização e funcionamento da escola. Futuramente, pretende-se elaborar um documento teórico (revista, panfleto ou banner), que demonstre as principais causas e tratamento do TEA para as famílias e que possam auxiliar nas atividades didático-pedagógicas nas Instituições de Educação Infantil, subsidiando o diagnóstico precoce. A pesquisa pode ser uma ferramenta de debate para construção do processo de discussão da temática nas escolas. Tornar-se um instrumento norteador para as instituições governamentais conhecerem melhor sobre os aspectos de aprendizagem, intersubjetividade e desenvolvimento do aluno com TEA. Subsidiar a elaboração de documentos técnicos científicos para publicação em eventos e revistas que discutam temáticas relacionadas e socializar os resultados junto à comunidade escolar, através de oficinas, rodas de conversa e/ou outras metodologias, a fim de contribuir para o empoderamento pedagógico, político e social das Instituições Acadêmicas do Município de Santarém, com a perspectiva de fortalecer o vínculo aprendizagem, sociedade e desenvolvimento de crianças com Espectro do Autismo da Região Oeste do Pará.

REFERÊNCIAS

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Desporto.

Disponível

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O REGIME ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NO ESTADO DO PARÁ E OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DE 1988 Adele Serrão Pinheiro1 RESUMO A Constituição Brasileira de 1988 estabelece diversos direitos e garantias fundamentais destinados a todo e qualquer brasileiro, bem como aos estrangeiros residentes no País. Entre estes destacam-se os princípios da presunção de inocência, devido processo legal e razoável duração dos processos judiciais e administrativos, especificamente as sindicâncias e os administrativos disciplinares. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e empírica, com dados quantitativos dos processos administrativos da Secretaria de Estado de Educação do Pará, entre os anos de 2015 a 2019 e dados qualitativos de 2020. Assim, abre-se a discussão sobre a supremacia do interesse público sobre o privado que é a finalidade máxima da Administração Pública, do poder-dever de punir seus servidores comprovadamente infratores nos termos do Regime Jurídico Único Estadual, Lei nº 5.810/1994 e como o Estado deve garantir o respeito aos ditames constitucionais relacionados à vida humana ao processar determinado servidor. Por fim, o prazo prescricional para aplicação de tais penalidades e a possibilidade de revisão do PAD já encerrado são mencionados no presente artigo. Palavras-chave: Processo Administrativo Disciplinar. Direitos e Garantias fundamentais. PoderDever da Administração Pública. Lei nº 5.810/1994.

1. INTRODUÇÃO

No presente artigo será abordada a relação direta existente entre o poder-dever que a Administração possui de punir seus servidores comprovadamente infratores e a necessidade de se observar os direitos e garantias constitucionais destinados a todo e qualquer brasileiro, bem como aos estrangeiros residentes no País. Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, também denominada Constituição cidadã, e com ela inaugurou-se uma nova ordem jurídico-social no país, o atual Estado democrático de direitos mencionado em seu Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...). Nesta situação política, o Estado

1

Especialista em Educação na Secretaria de Educação do Estado do Pará. Especialização em Educação Infantil pela Universidade do Estado do Pará. Bacharel em Direito, com inscrição regular na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção/PA. (adeleserraop@gmail.com)

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reconhece que, se por um lado pode criar o direito, por outro, tem o dever de submeter-se a ele, sendo a Lei o limite de atuação de toda a Sociedade2 incluindo o próprio Estado. O texto constitucional encontra-se situado no ordenamento jurídico pátrio, no topo da hierarquia legal e normativa3, servindo de parâmetro para toda e qualquer lei ou ato normativo, devendo ser extirpado do arcabouço legal brasileiro todo diploma legal/normativo que vá de encontro com os seus mandamentos. No capítulo VII, a CF/88 trata exclusivamente da Administração Pública e na Seção II versa sobre os Servidores Públicos, aí abrangidas as esferas Municipal, Estadual e Federal que estão sujeitos às responsabilidades civil, penal, administrativa, no entanto foi no Art. 5º que os direitos e garantias fundamentais foram arrolados, não de forma exaustiva e sim exemplificativa, sendo pertinente para a temática aqui tratada o inciso LV: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (...).

Para a doutrina4 especializada no assunto: A ampla defesa é o conjunto de meios pelos quais a parte pode comprovar a improcedência do interesse oposto ao dela, compreendendo o contraditório, a produção ampla de provas, a reinquirição de testemunhas, a representação por advogado, o direito de impugnar atos e condutas estatais que violem o devido processo legal.

A garantia do contraditório possui íntima ligação com a efetivação do que se entende por justiça, restando impossível admitir que qualquer indivíduo seja punido sem sequer ser ouvido, sem dispor da oportunidade de trazer suas razões para os autos ou de produzir provas de sua inocência. Já a ampla defesa pode ser compreendida como um conjunto de mecanismos e instrumentos capazes de fornecer ao acusado, condições de se opor de forma efetiva, à pretensão punitiva da Administração Pública. (GASPARINI, 2000). Estas garantias processuais trazidas pelo texto constitucional vinculam a Administração Pública em geral, sendo de observância obrigatória em todas as fases dos processos administrativos,

2 3

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Ed: Lumen Juris, 2010.

Uma das primeiras noções que se estuda no curso de Direito diz respeito à hierarquia das normas, aprendendo-se que há as de maior e as de menor importância, ou seja, algumas prevalecem sobre outras. Nenhuma delas pode contrariar o que disponha a Constituição, por isso dita Carta ou Lei Magna. Não é outro o motivo de, inicialmente, qualquer projeto de lei ter que ser analisado quanto à sua constitucionalidade. Sem superar essa análise, sendo dito haver alguma inconstitucionalidade, o projeto não avança, morrendo no nascedouro. (Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73280/a-hierarquia-das-normas-e-sua-inobservancia. Acesso em 21/04/2020). 4 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Ed: Lumen Juris, 2010.

123


em especial no processo administrativo de cunho disciplinar, considerando que tais processos tramitam em âmbito administrativo e são conduzidos por comissões formadas também de servidores públicos, que, como qualquer ser humano, são passíveis de cometer equívocos que podem acarretar em injustiças na vida funcional do servidor processado. O primeiro tópico versa sobre o Poder-dever da Administração Pública e os limites de atuação legalmente impostos, esclarecendo que ao mesmo tempo que a Administração possui a obrigação de apurar infrações funcionais ela deve obrigatoriamente observar os limites trazidos pela Carta constitucional de 1988. Apresenta-se ainda, por meios de quadros ilustrativos, o resultado de pesquisa bibliográfica e empírica realizada junto a Ouvidoria desta SEDUC, com dados quantitativos dos processos administrativos disciplinares entre os anos de 2015 a 2019 e dados qualitativos referentes ao corrente ano de 2020. Em seguida são abordadas as Punições Disciplinares, a Prescrição e a possibilidade de Revisão do PAD, considerando a necessidade de atendimento a princípios gerais do direito que tratam da razoável duração dos processos e segurança jurídica. Por fim, aponta-se para o equilíbrio necessário à atuação Estatal durante a tramitação processual, sob pena de afronta a direitos e garantias consagrados ao servidor público e anulação total do procedimento realizado. 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1. O Poder-Dever da Administração Pública e os Limites de Atuação Legalmente Impostos: A necessidade de controlar a regularidade de atuação dos servidores públicos, ocupantes de cargos efetivos, comissionados ou funções gratificadas, encontra razão na possibilidade que estes incorporam de agir em nome do Estado, a partir do momento em que são nomeados, tendo em vista o caráter abstrato da entidade estatal: A Administração Pública depende da atuação regular dos servidores públicos, no correto cumprimento dos deveres funcionais, para concretizar os misteres de qualidade e eficiência no serviço público5. Por meio de pesquisa empírica foram solicitados e obtidos os seguintes dados quantitativos junto à Ouvidoria da SEDUC/PA relacionados ao período de janeiro de 2015 a maio de 2020:

5

CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. Ed: Fórum, 2016.

124


Quadro 1 Dados sobre Processos Administrativos Disciplinares inaugurados na Seduc/PA de 2015 a 2020 ANO

QUANTIDADE

PERCENTUAL

2015

159

10,816 %

2016

176

11,972 %

2017

418

28,435 %

2018

429

29,183 %

2019

255

17,346 %

2020

33* (até 26/05)

2,2448 %

TOTAL:

1.470

100%

Fonte: Ouvidoria/SEDUC- PA - 2020

Percebe-se claramente que o número de processos administrativos disciplinares deflagrados nesta Secretaria seguia uma média de 167 processos, nos anos de 2015 e 2016. Observando-se que no ano de 2017 para 2018 esse número mais que dobrou, foi para uma média de 423,5, ou seja, houve um aumento de cerca 254%, porém a mesma disposição não mais acontece nos anos seguintes, obtendo-se uma queda significativa no ano de 2019. Configura-se como dever do Gestor tomar as providências cabíveis, sempre que tiver conhecimento de alguma irregularidade ou nas situações em que comprovadamente o servidor imputado cometeu determinada falta funcional, seja esta por ação ou omissão, não lhe sendo facultado ficar inerte diante de fatos que chegam a seu conhecimento, pois nenhuma liberdade existe por parte da Administração quanto ao dever de punir o servidor, devendo prevalecer sempre a finalidade máxima da Administração Pública, a Supremacia do Interesse Público sobre o privado. Trata-se do chamado poder-dever da Administração, que em âmbito estadual encontra fundamento no Art. 199, da Lei n º 5.810/1994 - RJU/estadual: A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. A não adoção dos procedimentos necessários à apuração imediata quando esta se fizer necessária configura crime de Condescendência criminosa, tipificado no Código Penal nos seguintes termos: Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar 125


o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

A Procuradoria Geral do Estado do Pará, órgão de representação judicial e consultoria jurídica do Estado6, elaborou recentemente o Manual de Boas Práticas em Processos Administrativos Disciplinares esclarecendo que o processo disciplinar pode adotar três procedimentos, a depender dos elementos de convencimento da autoridade competente, bem como da possível infração a ser apurada, sendo eles: a) sindicância investigativa; b) sindicância acusatória ; e c) processo administrativo disciplinar (propriamente dito). Sobre a finalidade dos procedimentos de sindicância mencionados pela PGE/PA no referido manual: A sindicância investigativa (também conhecida como sindicância pura, inquisitorial ou preparatória) tem finalidade de esclarecimento. Ela se assemelha ao inquérito policial e não é instaurada em face de algum servidor especificamente. (...) A sindicância acusatória visa apurar infrações consideradas de natureza leve, puníveis com repreensão ou suspensão de até 30 dias. Não se investiga, portanto, apenas fatos, mas a conduta definida de um ou mais servidores.

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é a via legal a ser utilizada pela Administração para execução de penalidades disciplinares nos casos de comprovada ocorrência de infrações consideradas graves, para as demais punições basta a instauração de sindicância. Importante mencionar que a presença de advogado, legalmente constituído por meio de procuração juntada aos autos, não é obrigatória nas sindicâncias ou Processos disciplinares, tendo o Supremo Tribunal Federal sedimentado este entendimento por meio da Súmula nº 05: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. O que não impede o servidor de constituir patrono nos autos a qualquer tempo, independente da fase processual em que se encontre. A título de ilustração, vale lembrar que uma das infrações mais apuradas no âmbito desta Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC-PA) encontra previsão nos incisos IV, Art. 178 e II, Art. 190 da Lei nº 5.810/1990, que dispõe sobre Regime Jurídico Único dos servidores civis do Estado do Pará, nos seguintes termos: Art. 178. É vedado ao servidor: [...] IV - deixar de comparecer ao serviço, sem causa justificada, por 30 (trinta) dias consecutivos; 6

Constituição do Estado do Pará: Da Procuradoria-Geral do Estado - Art. 187. À Procuradoria Geral do estado compete a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, inclusive em processos judiciais e administrativos que envolvam matéria tributária e fundiária, com sua organização e funcionamento sendo disposto em lei complementar, de iniciativa do Governador do Estado.

126


(...) Art. 190: A pena de demissão será aplicada nos casos de: (...) II - abandono de cargo (...) § 2° O abandono de cargo só se configura pela ausência intencional do servidor ao serviço, por mais de 30 (trinta) dias consecutivos e injustificados.

Diariamente esta SEDUC é cientificada sobre os inúmeros casos desta mesma natureza, situações em que os servidores deixam de comparecer ao seu recinto laboral pelos mais diversos motivos, ocasionando transtornos e desordem na Administração Pública. Sobre o assunto, a Doutrina majoritária e os Tribunais Superiores7 entendem que para se caracterizar abandono de cargo deve haver no ilícito administrativo o elemento objetivo, traduzido na ausência por mais de 30 (trinta) dias consecutivos e injustificados e o elemento subjetivo, denominado animus abandonandi, entendido como a intenção do servidor de não mais querer comparecer ao local de trabalho, portanto os dois requisitos devem estar presentes e configurados que a postura do servidor seja configurada como Abandono de cargo8. Em âmbito administrativo, para que seja apurada situação de abandono de cargo de servidor efetivo ou outra conduta prevista no RJU/Estadual como infração disciplinar, necessária se faz a instauração de procedimento interno por meio do qual devem ser oportunizados o contraditório e a ampla defesa, em respeito a preceitos constitucionais arrolados no Art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988. Existe razão no entendimento explicitado pela PGE/PA9 ao aduzir que a proibição do abandono de cargo decorre dos deveres de assiduidade e eficiência do servidor público e se encontra no rol de condutas que, uma vez provadas por meio de processo administrativo disciplinar, acarretam a penalidade máxima de demissão.

7

O Superior Tribunal de Justiça decidiu os autos do Mandado de Segurança nº 9120/DF – 2003/0102943: A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à necessidade de a Administração demonstrar o animus específico do servidor público em abandonar o cargo público (Decisão Publicada em 06/11/2015). 8 Vale lembrar que o Código Penal prevê o crime de Abandono de função nos seguintes termos: TÍTULO XI - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CAPÍTULO I: DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL (...) Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. § 1º - Se do fato resulta prejuízo público: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 2º - Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira: Pena - detenção, de um a três anos, e multa. 9 Manual de Boas Práticas em Processos Administrativos Disciplinares. Procuradoria Geral do Estado do Pará, 2020.

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É válido lembrar que se encontra em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Pará - ALEPA, o Projeto de Lei nº 28/202010 de iniciativa do Exmo. Governador do Estado visando alterações no RJU/Estadual e outras providências. Seguem trechos do texto contido na Mensagem nº 006/20 - GG encaminhada à presidência da ALEPA para apreciação do projeto: Tenho a honra de submeter à elevada apreciação e deliberação de Vossa Excelência e de seus ilustres pares, nos termos do art. 105, inciso II, alínea "b", da Constituição Estadual, o Projeto de Lei que "Altera a Lei Estadual n- 5.810, de 24 de janeiro de 1994, e dá outras providências". A proposição justifica-se pela necessidade de introdução no texto da Lei Estatutária Estadual do rito procedimental sumário, especificamente para apuração de 3 (três) espécies de faltas funcionais praticáveis por servidores públicos, quais sejam: acumulação ilegal de cargos, empregos e funções públicos, abandono de cargo público e inassiduidade habitual. Ademais, também pretende a proposta regular o procedimento para celebração de Termo de Ajustamento Disciplinar aplicável em faltas funcionais leves que não acarretem danos à Administração Pública, como um dos resultados possíveis da Sindicância.

O PL nº 28/2020 tramita na ALEPA em caráter de urgência, e um de seus objetivos é inserir no texto da Lei nº 5.810/1994 procedimento mais simplificado e célere especificamente para apuração das seguintes infrações funcionais: acumulação ilegal de cargos, empregos e funções públicos, abandono de cargo público e inassiduidade habitual. Faz-se necessário ainda observar os limites de aplicação das penalidades de cunho administrativo, sempre respeitados todos os direitos e garantias conferidos pela Constituição da República federativa do Brasil de 1998, especialmente o devido Processo legal e os meios necessários ao exercício do contraditório e ampla defesa11. Deve ser respeitada ainda a pena cominada à infração em análise, não sendo possível, por exemplo, penalizar o servidor que incorreu em abandono de cargo com suspensão, considerando o RJU somente prevê a pena de demissão para essa infração12. Após toda tramitação processual, chega-se à fase de julgamento, que não pode ocorrer de forma aleatória, mas sim com base em fatos amplamente evidenciados, considerando que toda e qualquer norma de caráter punitivo deve ter interpretação restritiva, devendo a responsabilidade funcional dos servidores ser objetivamente definida, jamais presumida e no caso de dúvida, a conduta mais acertada é a absolvição, tendo em vista que o brocardo jurídico do indubio pro reu (na dúvida, a favor do réu) está representado na Constituição da República Federativa do Brasil, através do 10

Disponível para consulta pública em: https://www.alepa.pa.gov.br/exibe_proposicao.asp?id=10009&sit=0 Art. 5º (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (...). 12 Manual de Boas Práticas em Processos Administrativos Disciplinares. Procuradoria Geral do Estado do Pará, 2020. 11

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princípio da presunção de inocência13, que pode e deve, com as devidas adaptações, ser aplicado ao processo administrativo disciplinar: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, nada mais natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida (...) melhor denominação seria princípio da não culpabilidade. Isso porque a Constituição Federal não presume a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado antes de sentença condenatória transitada em julgado14.

Este mandamento constitucional encontra-se em diplomas de caráter internacional, como, por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 196915: Artigo 8º - Garantias judiciais (...) 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa (...). Sendo por este motivo merecedor de observância e respeito obrigatórios. Portanto, para que a autoridade julgadora de um PAD possa proferir julgamento com segurança sobre a atuação de determinado servidor, é necessário que ela analise meticulosamente todas as fases do Processo e cada um dos atos realizados pela comissão processante, ratificando ou discordando se for o caso, pois quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, decidir de modo diferente16, conforme orientação expressa no parágrafo único do Art. 224 do RJU/Estadual: Art. 224. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

13

Ressalte-se que tal princípio já estava previsto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada em 1789: Art. 9º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e Posteriormente na Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela Organização das Nações Unidas, em 1948: Art. XI. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 14 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Ed: Saraiva, 2014. 15

Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional assinado entre os países-membros da Organização dos Estados Americanos durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica. 16 Manual de Boas Práticas em Processos Administrativos Disciplinares. Procuradoria Geral do Estado do Pará, 2020.

129


Essa busca pela decisão mais acertada para cada situação posta, encontra guarida em outro mandamento do Direito, o Princípio da Verdade Material, que deve reger toda e qualquer conduta no âmbito do Processo Administrativo disciplinar podendo ser conceituado como: O princípio da verdade material, também denominado de liberdade na prova, autoriza a Administração a valer-se de qualquer prova que a autoridade processante ou julgadora tenha conhecimento, desde que a faça trasladar para o processo. É a busca da verdade material em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o Juiz deve-se cingir às provas indicadas no devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade processante ou julgadora pode, até final julgamento, conhecer de novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem as alegações em tela. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, RT, 16ª edição, 1991).

A doutrina de MELLO (2016), define tal princípio como: Consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrarem no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os interessados hajam alegado e provado. (MELLO, 2003, p. 504).

Sabe-se que toda e qualquer atitude oriunda da Administração Pública deve ser pautada com vistas ao alcance do interesse público, portanto a autoridade julgadora dos processos administrativos disciplinares deve perquirir sempre, alcançar a verdade dos fatos, isto porque a estrutura hierarquizada da Administração permite e obriga que os agentes situados em posição superior investigue e aplique as punições necessárias em caso de cometimento de irregularidades. Torna-se de suma importância enfatizar que a simples existência de Sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar instaurado em desfavor de determinado servidor não possui o condão de prejudicá-lo antecipadamente, sob pena de afronta direta ao princípio constitucional de presunção de inocência, conforme já abordado. Considerando que por diversas vezes tais procedimentos possuem vícios desde a sua instauração, vindo a resultar em anulação de todo o PAD, absolvição por ausência de provas ou negativa de autoria, sendo que a possível restrição prematura a direito do servidor viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, em face da desnecessidade do cerceamento da vida funcional do processado17. Nessa linha de raciocínio, conclui-se que o fato de existir Processo Administrativo disciplinar instaurado em desfavor de determinado servidor, ocupante de cargo efetivo, por si só não o impede, que venha a assumir funções ou cargos dentro da Administração pública, por exemplo. Cabe ao setor responsável analisar se os fatos apurados foram devidamente comprovados e se possuem relação com

17

CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. Ed: Fórum, 2016.

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as atribuições a ser desempenhadas, cabendo à autoridade responsável pelas nomeações decidir em último caso. Ultrapassada a fase preliminar do processo administrativo disciplinar bem como todas as etapas relacionadas à apresentação de defesa, interrogatório, produção de provas e todas as outras, caso a comissão processante entenda pela aplicação de alguma penalidade disciplinar previamente arrolada no regime disciplinar a que estão submetidos os servidores desta Secretaria, esta também deve ser aplicada com toda cautela necessária a assegurar que o servidor apenado mantenha a integridade de seus direitos humanos e funcionais, estando os Deveres, Proibições e Responsabilidades decorrentes do exercício de seus cargos dispostos no Título VI da Lei nº 5.810/1994 - RJU/Estadual. Sobre os deveres do servidor, interessante citar a manifestação doutrinária18 em relação ao inciso IV do Art. 177: São deveres do servidor: (...) IV - obediência às ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais (...). Para Alexandrino, Marcelo e Paulo, Vicente (2016): No caso de receber uma ordem manifestamente ilegal, ou seja, uma ordem cuja ilegalidade seja flagrante, o servidor tem que se abster de cumpri-la. Mas não é só isso. Ao mesmo tempo surge para o servidor o dever de representar contra o seu superior que emitiu a ordem manifestamente ilegal. Por outras palavras, não pode o servidor simplesmente deixar de cumprir a ordem manifestamente ilegal e nada mais fazer; ao deixar de cumprir a ordem, o servidor tem, simultaneamente, o dever de representar contra quem a emitiu. O dever de representação deve ser exercido sempre que o servidor se deparar com situações de ilegalidade.

Em relação às esferas de responsabilidades dos servidores, dispõe o Art. 179 do RJU/Estadual: O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições. Importa salientar, que em algumas situações, a infração disciplinar também é tipificada como crime no Código Penal Brasileiro. Nestes casos, a condenação ou absolvição em âmbito penal pode interferir diretamente nas esferas administrativa e civil, isto porque, na jurisdição criminal a apreciação de provas é muito mais ampla, e se, na hipótese de absolvição ela categoricamente afirmar que não foi o agente o autor do fato a ele imputado, ou que nem se quer aconteceu aquele fato, não há como sustentar o contrário nas outras esferas19.

18 19

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Ed: Método, 2016. Idem.

131


2.2 As Punições Disciplinares, a Prescrição e a Possibilidade de Revisão do PAD As punições disciplinares, às quais estão sujeitos os servidores públicos, devem estar previamente dispostas nos Regimes Jurídicos que regem sua vida funcional. Isto, porque não se admite a aplicação de quaisquer penalidades, que não possua previsão legal escrita e anterior à ocorrência da infração. Devendo, ainda, ser executadas dentro de determinado lapso temporal, sob pena de perder sua razão de existir: trazer ordem e servir de exemplo para os demais agentes públicos - caráter educativo/preventivo da pena20: A Administração precisa demonstrar que efetivamente está empenhada em eliminar do seu meio as falhas e as condutas reprováveis, por ser essa uma questão de relevante interesse público, impondo, desse modo, o respeito e a seriedade que deve haver no trato dos bens e serviços estatais. Isso fará com que o servidor seja mais diligente na prestação do seu serviço, pois consciente estará que, violando algum dos deveres legais, ficará sujeito a punição Administrativa, a ser aplicada pela autoridade competente. Sendo o bom funcionamento da Administração o objetivo almejado, é perfeitamente justificável que se instituam medidas de controle administrativo.

Quanto ao propósito da pena, a doutrina de Gasparini21 aponta duas funções básicas da sanção disciplinar - preventiva e repressiva: A primeira induz o servidor a precaver-se a não transgredir as regras disciplinares e funcionais a que está sujeito. Pela segunda, em razão da sanção sofrida pelo servidor, restaura-se o equilíbrio funcional, abalado com a transgressão. Os objetivos da sanção disciplinar são a manutenção normal, regular, da função administrativa, o resguardo do prestígio que essa atividade tem para com os administrados, seus beneficiários últimos, a reeducação dos servidores, salvo quando se tratar de pena expulsiva, e a exemplarização.

De acordo com juristas da área administrativa22, a falta disciplinar é o comportamento do agente público atentatório da disciplina funcional, praticado normalmente no exercício das funções, representativo do desacato aos deveres e proibições estatutárias. De acordo com os dados qualitativos obtidos por meio da pesquisa empírica realizada junto à Ouvidoria desta SEDUC/PA: Quadro 2 Conclusão dos PADs instaurados na SEDUC-PA em 2020

20

RESULTADOS:

QUANTIDADE:

Absolvição

1

Arquivado

15

FREITAS, Izaías Dantas. Revista de Informação Legislativa. A finalidade da pena no Direito Administrativo Disciplinar. P.122. Disponível em https://www2.senado.leg.br 21 Direito Administrativo. Editora Saraiva, 4ª edição, p. 576. 22

Idem.

132


Suspensão de 15 dias

1

Suspensão de 30 dias

1

Suspensão de 90 dias

5

Demissão

9 Fonte: Ouvidoria - SEDUC/PA.

Observando o quadro acima, constata-se que a qualificação dos dados só passou a ser realizada a partir do corrente ano e que a maioria dos processos disciplinares instaurados em 2020 ano foram arquivados por alguns dos motivos, que possibilitam este procedimento, por exemplo, ausência de infração disciplinar ou ilícito penal na conduta apurada pelas comissões disciplinares. O RJU/Estadual estabelece que: Art. 184. Na aplicação das penalidades serão considerados cumulativamente: I - os danos decorrentes do fato para o serviço público; II - a natureza e a gravidade da infração e as circunstâncias em que foi praticada; III - a repercussão do fato; IV - os antecedentes funcionais.

Outra questão que merece análise é a da prescrição da ação disciplinar por parte da Administração Pública, em razão do Princípio da Segurança Jurídica, que impossibilita a duração ad eternum de situações que infrinjam as regras postas para observância de todo e qualquer servidor público, correndo risco de se tornar medida ineficaz se aplicada tardiamente. A finalidade do instituto da prescrição na tramitação dos processos administrativos é estabilizar as relações entre a Administração e o servidor, ceifando a insegurança que poderia ser causada pela ausência de prazo para aplicação de sanções administrativas, permitindo que a vida funcional do servidor possa voltar a fluir sem embaraços após determinado lapso temporal. O instituto da Prescrição pode ser alegado sem provocação, por qualquer interessado no processo, sem a necessidade de provocação, sendo capaz de estabilizar a situação em apuração independente da matéria tratada. No RJU/Estadual, a regra geral da prescrição encontra-se disposta no artigo abaixo: Art. 198. A ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição; II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão; III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à repreensão.

Importante transcrever o texto do § 2°, Art. 198: Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime, ou seja, se uma infração 133


disciplinar também é considerada crime na legislação penal brasileira, o prazo de prescrição não será o do RJU e sim o da Lei penal. Esse foi o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião de julgamento do Mandado de Segurança nº 20.857/DF (...) Observou-se que a inexistência de notícia nos autos sobre a instauração de apuração criminal quanto aos fatos imputados à impetrante não impede a aplicação dos prazos penais, já que tais fatos se enquadram nos artigos 163, 299, 312, parágrafo 1°, 317, 359-B e 359-D do Código Penal. Dessa forma, a prescrição para a aplicação da penalidade no processo administrativo disciplinar não se consumou, uma vez que o prazo previsto para os crimes em análise é de 16 anos, conforme o artigo 109, II,

do Código Penal.

Em âmbito federal, a Lei 8.112/1990 que dispõe sobre o Regime Jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, assegura que: Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão23, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão (...). O prazo quinquenal (regra geral) para que o Estado possa exercer seu direito de punir os servidores infratores tem início quando a infração chega ao conhecimento da Administração Pública e esse é exatamente o texto constante nos diplomas legais retromencionados, federal e estadual, respectivamente: Lei 8.112/1990: § 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido e Lei 5.810/1994: § 1º. O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. A Constituição brasileira de 1988, ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais atinentes a qualquer indivíduo, arrola ainda no inciso LXXVIII questão relativa à razoável duração do processo, isto é, a coerente tramitação temporal dos processos possui status de garantia constitucional: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Por fim, é válido ressaltar que a Lei nº 5.810/1994 menciona a possibilidade de revisão do PAD já encerrado nas seguintes hipóteses: Capítulo X - Da Revisão do Processo

23

BRASIL, Lei 8112/1990: Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: (...) II - abandono de cargo (...).

134


Art. 229. O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.

A revisão do PAD pode ocorrer a qualquer tempo após sua completa finalização, por iniciativa do interessado ou da Administração Pública, só sendo cabível nos estritos termos do artigo transcrito acima. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O Direito Administrativo disciplinar deve ser exercido pela Administração Pública como poder-dever de apurar sempre que houver ciência de quaisquer tipos de irregularidades, isto porque cabe ao gestor gerenciar as atividades dos servidores nomeados ou designados para agir em nome do Estado, devendo adotar condutas que visem consubstanciar a supremacia do interesse público sobre o privado. No entanto, os direitos e garantias fundamentais arrolados por diplomas internacionais, bem como pela constituição federal de 1988, e amplamente abordado neste artigo, trazem limitações à atuação arbitrária por parte do Estado. Sendo por este motivo enfatizados de forma reiterada com o intuito de alertar para o fato de que o preço para viver no atual Estado democrático de direitos é altíssimo, considerando que qualquer um está sujeito a ser processado e condenado administrativamente ou judicialmente, cabendo ao órgão processante observância obrigatória dos preceitos da carta magna federal, sob pena de violação direta a esta, bem como aos diplomas normativos de caráter internacional que versam sobre o assunto. Portanto, não sendo facultado à Administração abrir mão de seu poder-dever de averiguar situações relacionadas ao serviço público estadual que chegam a seu conhecimento, esta deve utilizar de todos os meios legais disciplinares existentes em busca da verdade material dos fatos, tendo a cautela de observar e respeitar os limites impostos pelos diplomas legais mencionados nacionais e internacionais. Com o aprofundamento no assunto, surgiu a necessidade de se realizar pesquisa de campo junto às comissões que fazem parte da Ouvidoria desta Secretaria, bem como os servidores processados, com intuito de coletar dados e alcançar reflexões para um futuro estudo, visando sempre colaborar para o bom andamento dos processos disciplinares no âmbito estadual. REFERÊNCIAS

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ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Ed: Método, 2016. BRASÍLIA. A Constituição e o Supremo. 2ª Ed - Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, São Paulo, Saraiva, 1996. BRASIL. Lei Federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. Ed: Fórum, 2016. COSTA RICA. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos - Pacto San José da Costa Rica. Assinado em 22 de novembro de 1969. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Ed: Lumen Juris, 2010. FREITAS, Izaías Dantas. Revista de Informação Legislativa. A finalidade da pena no Direito Administrativo Disciplinar. Disponível em https://www2.senado.leg.br LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Ed: Saraiva, 2014. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. Ed: Malheiros, SP, 2010. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Ed: Malheiros, SP, 2015. ONU - Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. PARÁ. Lei Estadual nº 5.810, de 24 de Janeiro de 1994. Dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, das Autarquias e das Fundações Públicas do Estado do Pará. PARÁ. Manual de Boas Práticas em Processos Administrativos Disciplinares. Procuradoria Geral do Estado do Pará, 2020. SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed: Malheiros, SP, 2011. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. Ed: Malheiros, SP, 2008. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. Ed: Saraiva, 2010.

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PERSPECTIVAS DO ENSINO DE BIOLOGIA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA DO PARÁ Mônica Cibelle Rocha de Carvalho1 RESUMO A Biologia, por ser uma disciplina que apresenta um vocabulário diverso e complexo, precisa ser trabalhada de forma diferenciada e contextualizada, levando em consideração às experiências do dia a dia do aluno. Nesse enfoque, este trabalho procura apresentar os resultados de uma pesquisa sobre os principais enfretamentos dos alunos, frente à aprendizagem individual na disciplina e como os conhecimentos acessam outros caminhos na vida desses alunos, com o ensino de Biologia. Como metodologia, utilizou-se um formulário, aplicado a 131 alunos do Ensino Médio, dos 3º Anos, nos três turnos de uma escola pública, no município de Santa Bárbara do Pará. Os alunos apresentaram uma maior aceitação em relação ao conteúdo Ecologia (29,8%) e uma maior rejeição em relação à Genética (69,5%). Em relação aos conteúdos que os alunos acessam em relação ao seu cotidiano, as áreas da Saúde e da Ecologia aparecem em maior ênfase, nas citações apresentadas por eles. A partir da análise dos questionários foi identificado uma forte relação de interesses, como a aprendizagem dos conteúdos e a capacidade de relacioná-los ao seu cotidiano, no que diz respeito aos cuidados com a saúde e ao meio ambiente, em contrapartida, Genética, Bioquímica e Citologia, apresentaram aceitação em menor destaque e a dificuldade em enxergar como estes assuntos se encontram presentes em suas vidas, talvez pela forma e estrutura como esses conhecimentos lhes fora apresentados. Palavras chave: Avaliação. Contextualização. Ensino de Biologia. Aprendizagem. 1. INTRODUÇÃO Ensinar biologia não é uma tarefa fácil, principalmente pelo fato de não apenas o professor, mas o aluno lidar com pronúncia e escrita de palavras complexas, diferentes das que comumente usadas em seu cotidiano. São muitos os conceitos e diferentes conteúdos da disciplina, que vão desde a diversidade de seres vivos animais e vegetais até os processos e mecanismos celulares, que se apresentam distantes do que se é observado pelo aluno em seu cotidiano. Para Krasilchik (2004), os conceitos e termos passam a ter mais significado quando o aluno consegue contextualizar o conteúdo ministrado com suas experiências cotidianas. Porém, a existência de um exacerbado conteúdo, dificulta o professor de biologia na aplicação dos mais variados exemplos e analogias, os quais proporcionariam aos alunos um melhor entendimento e compreensão dos conceitos apresentados e a um aprendizado mais significativo e reflexivo.

1 Professora da Rede Estadual de Educação no Pará e Diretora da Escola EEM Dr. Pádua Costa. Licenciada em Biologia (UFPA) e Educação Física (UEPA); Mestre em Botânica tropical (MPEG).

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Os alunos, de um modo geral, apresentam variadas motivações e preferências no que diz respeito ao seu aprendizado, mais precisamente como aprendem e como se relacionam com o conhecimento. Entretanto, Gadotti (1997) enfatiza que a escola é um meio de transformação do saber cotidiano em saber científico, despertando no aluno o exercício de sua criticidade individual. Diante do exposto, segundo Carvalho (2004) o ensino demanda conflito de percepções, devendo então o professor levantar hipóteses e reflexão, para assim possibilitar de maneira consciente a resolução dos problemas e um maior significado ao conhecimento, pois para o autor, um melhor aprendizado decorre de relações estabelecidas entre o conhecimento prévio e o novo, por parte do aluno, já que possuem diferentes ritmos de aprendizagem e de experiências vividas. Contudo, no âmbito do ensino da biologia o professor deve associar a realidade do desenvolvimento científico e os conceitos básicos do pensamento biológico ao cotidiano do aluno, a fim de possibilitar uma maior aproximação e assimilação dos conteúdos da disciplina. O presente trabalho objetivou investigar quais os conteúdos de Biologia os alunos do 3º ano mais assimilam e quais deles conseguem relacionar com o seu cotidiano por meio de questões que visavam identificar quais problemáticas desencadeiam os desinteresses dos alunos, além de tentar compreender, quais as dificuldades existentes no contexto do Ensino de Biologia. A pesquisa foi realizada entre outubro e dezembro de 2019 com 131 alunos (com uma faixa etária entre 16 e 20 anos) do 3º ano de uma escola pública do Ensino Médio da Santa Bárbara do Pará–PA. Para a coleta de dados aplicou-se um questionário contendo duas questões subjetivas (1De quais temas de biologia você tem mais preferência e quais você menos gosta; 2- Como você relaciona os conteúdos das aulas de biologia com o seu cotidiano) aos estudantes dos três turnos, tendo 1h/aula para responder. 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1 Dificuldades Relacionadas Ao Ensino de Biologia no Ensino Médio A Biologia é uma disciplina que apresenta um excesso de palavras científicas, o que é confirmado por Krasilchik (1994), que enfatiza ainda que isso pode ser um fator para que a aula, em algumas vezes, não tenha o aproveitamento esperado. De acordo com Silva (2013) “Estamos lidando com alunos que nem sempre conseguem compreender a relação entre o que estuda e o seu cotidiano, e por entenderem que a biologia é uma disciplina que se resume apenas à memorização de nomes científicos e complexos”, porém é importante que se contextualize os conteúdos da biologia, pois são vários os temas que estão ligados ao cotidiano, o que levaria os alunos a uma aprendizagem significativa. 138


Conforme o elencado acima se faz necessário que os alunos vivenciem e visualizem, se possível na prática ou relacionando com as suas experiências, os mais diversos fenômenos que ocorrem no interior das células, seja do corpo humano ou dos demais seres vivos. A partir do momento em que aluno compreende e contextualiza, o mesmo passa a considerar a disciplina como atraente, entendendo como ela é importante para as questões das mudanças que acontecem no meio ambiente, no ser humano e em tudo que há vida. Na maioria das escolas, há laboratório de ciências, um local onde podem ser trabalhados de forma contextualizada e dinâmica os conteúdos de Biologia, que tanto favoreceria o aprendizado dos alunos, mas infelizmente, poucos são os professores que realizam as suas aulas no laboratório, ou porque a escola não dispõe ou se ainda dispõe, está em estado precário para o seu funcionamento, como é o caso da escola pesquisada, que apresenta um laboratório multidisciplinar, mas sem condições de uso. Para Silva et al. (2000) é inquestionável como a não realização de aulas práticas prejudica na questão do aprendizado, e infelizmente, a Biologia não é ensinada do modo correto, ela é apresentada aos alunos, cheia de termos científicos, palavras desconhecidas, fazendo com que os alunos não consigam associar, o que está sendo estudado. A Biologia é uma disciplina que apresenta uma grande diversidade e complexidade de conteúdos com termos científicos que na maioria das vezes não são compreendidos, apenas decorados. Desse modo, a grande dificuldade está na compreensão e pronúncia dos nomes vistos nas áreas da Citologia, Taxonomia e Botânica, e sem falar na dificuldade de contextualização dos conteúdos, os quais na maioria das vezes não estão ligados à vivência do aluno, como por exemplo, os cruzamentos e os cálculos de probabilidadevistos em genética e a classificação das plantas estudada em Botânica, são complicados devido à presença de cálculos matemáticos e por estarem desvinculados do cotidiano e ausência de aulas práticas. Para Marandino et al. (2009) situações como as citadas anteriormente apontam que um ensino conteudista e sem contexto com a prática, com a vida e a cultura dos alunos, além de interferir, dificulta o processo de ensino da Biologia. Alguns pontos colocados pelos alunos interferem negativamente no processo de ensino da disciplina como a falta de interesse e a falta de laboratórios equipados que os levem às atividades práticas/experimentais. É evidente que as dificuldades relacionadas à complexidade da disciplina decorrem da presença de nomes técnicos e dos significados etimológicos dos termos científicos de difícil compreensão, onde a maioria dos estudantes não consegue relacionar o conceito e aplicar à sua experiência cotidiana. É importante ressaltar que o professor tem um papel importante nesse processo, 139


quando relaciona o contexto escolar com o cotidiano dos alunos, despertando o interesse pelo que está sendo ensinado. Hartmann (2009) cita que o professor pode tornar o aluno capaz de assumir posições diante de situações e problemas reais, ampliando o seu nível de conhecimento científico e tecnológico, fazendo-o compreender o seu contexto social. Entretanto, a partir do momento em que o aluno compreende e contextualiza, ele passa a entender como a disciplina é importante para as questões das mudanças que acontecem no meio ambiente, no ser humano e em tudo que há vida. É importante ressaltar que os professores ainda apresentam muitas dificuldades em contextualizar os conteúdos de Biologia, e mesmo que de forma superficial, conseguem contextualizar ecologia, reprodução humana, genética e conteúdos correlacionados a doenças causadas por agentes infecciosos (bactérias, vírus, protozoários, outros). Além do mais, o conteúdo programático da Biologia por ser muito extenso, acaba pondo aos professores um desafio de cumprimento do conteúdo com uma abordagem pouco aprofundada e sem falar que, na maioria das vezes, acabam selecionando os segmentos mais relevantes. Alguns tópicos são bastante específicos da Biologia, o que torna dificultoso estabelecer relações com a realidade dos alunos, como a Respiração Celular, por exemplo, um tópico bastante complexo da Citologia, em que suas fases glicólise, Ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa envolvem a formação de moléculas e subprodutos com geração de energia armazenada na Adenosina Trifosfato (ATP), fazendo com que na maioria das vezes seja incompreensível pelos alunos. Tal fato é citado num dos trabalhos de Moreno (1997), que enfatiza que jovens entre 20 e 30 anos finalizaram o colegial e poucos anos depois demonstraram um esquecimento quase que em sua totalidade em relação às Ciências Naturais. Isso, segundo a autora, se deve ao fato de o cérebro humano realizar uma "seleção natural" dos conhecimentos, retendo apenas os conteúdos mais úteis. É importante focar ainda, que para Sobrinho (2009), as aulas de biologia são desenvolvidas, em sua maioria, com base nos livros didáticos, repassando um conhecimento já pronto, com uma metodologia centrada no professor, com aulas expositivas e experimentos geralmente demonstrativos, levando em consideração à memorização. Nos dias de hoje, em função do aluno não estar acostumado a pensar, a interpretar e dar significado às questões, acaba aceitando todas as informações sem apresentar nenhum questionamento e mesmo que sejam atrativas, não conseguem utilizá-las por não compreender o contexto, traduzindo um modelo de ensino tradicional, onde o conhecimento é repassado ao aluno apenas como informação, sem levar em consideração se houve ou não aprendizagem. Ensinar Biologia provocando a argumentação do aluno, levando em consideração seu conhecimento prévio e questionamentos, o fará refletir e interpretar de maneira autônoma, além de 140


promover a existência de alunos mais interessados e com uma formação contextualizada, pois o descompasso com o que é aprendido na escola e a realidade dos alunos, acaba tornando as aulas de Ciências sem significado e irrelevantes (OVIGLI e BERTUCCI, 2009). 2.1 Avaliação e a Contextualização do Conteúdo Curricular da Biologia com o Cotidiano dos Alunos A importância da compreensão de conceitos no ensino de Ciências e Biologia devem-se principalmente, quando o sujeito fundamenta suas decisões que precisam ser tomadas diante do consumo de produtos e práticas culturais de maneira adequada, em um determinado contexto. A existência das mais variadas críticas em relação a distância existente entre os conteúdos ministrados e a realidade dos alunos infere na grande importância da contextualização do ensino, o qual permite aos alunos um entendimento e relação entre o ambiente natural e a vida social. O aluno assimila de modo individual e bastante particular os objetos a que se submete, construindo noções sobre a realidade, já que durante o processo de construção dos conceitos há um maior sentido e compreensão da realidade (KRASILCHIK, 2004). Conforme o elencado anteriormente, a contextualização traz um maior significado ao conhecimento escolar, e a utilização de situações vividas pelos alunos durante as aulas promoverá o que é afirmado por Lopes (2002) que diz que a aproximação dos conteúdos científico-curriculares ao cotidiano do aluno durante as aulas ampliará as possibilidades de uma aprendizagem significativa. Entretanto, conforme Kato & Kawasaki (2011), trazer os contextos de vivência dos alunos para os contextos escolares, evocando dimensões da vida pessoal, social e cultural, torna-se um importante fator de aprendizagem, pois dá sentido aos conhecimentos aprendidos e mobiliza competências cognitivas já adquiridas. A contextualização do conteúdo de Biologia com o cotidiano do aluno é uma estratégia fundamental para a promoção de uma aprendizagem significativa, sendo então necessário superar o nível inicial de uma aprendizagem dada apenas pelo contexto imediato, fazendo os alunos atuarem diante de sua realidade de modo efetivo e autônomo, a partir do conhecimento aprendido na escola. Vale ressaltar o afirmado por Kato & Kawasaki (2011) que contextualizar o ensino é aproximar o conteúdo formal (científico) do conhecimento trazido pelo aluno (não formal), para que o conteúdo escolar se torne interessante e significativo para ele. Nesse sentido, o professor deve contextualizar levando em consideração o fato de o conhecimento não ser levado ao aluno de forma fragmentada, organizada, conteudista, abstrata, sem relação com a prática e com o cotidiano, mas 141


construído a partir de conceitos, situações da vida diária e contexto social de cada um, levando em conta os contextos de produção, apropriação e utilização desse conhecimento. O uso do contexto durante as aulas de Biologia objetiva melhorar não apenas o processo de aprendizagem dos conteúdos ministrados, mas de fazer perceber, analisar e relacionar a realidade do aluno, superando a visão técnica do aprendizado e alcançando a aplicabilidade dos temas no dia a dia dos alunos. Diante do exposto, a contextualização das aulas de biologia deve ser sistematizada e direcionada a uma aprendizagem significativa, onde o professor deverá compreender o contexto em que os alunos estão inseridos e assim construir um ambiente motivacional para que o aluno perceba a sua realidade cotidiana e atinja níveis complexos de abstrações do objeto pertencente a sua realidade de vivências (KATO & KAWASAKI, 2011). No intuito de averiguar se há uma relação entre a preferência, a rejeição e os conteúdos que os estudantes conseguem relacionar com o seu cotidiano, a pesquisa visou analisar a preferência dos alunos em relação aos temas curriculares ministrados durante as aulas de Biologia, e demonstrou (Gráfico 1) que a maioria escolheu os temas relacionados com a área da Ecologia (29,8%) seguido de Citologia (23,7%) e Seres vivos (15,3%), e a maior rejeição aos conteúdos relacionados à Genética (69,5%) e à Bioquímica (23,7%). Em relação aos conteúdos que os estudantes traçaram relação com seu cotidiano a área da Ecologia, mais especificamente o Meio ambiente, apareceu na maioria das citações apresentadas pelos alunos, pois segundo os relatos dos alunos há uma grande preocupação com a preservação do meio ambiente. Gráfico 1 Preferência e Rejeição dos alunos do 3º ano do E.M. aos conteúdos de Biologia. 69,5

PREFERÊNICIA

6,1 0,8

1,5 0

REJEIÇÃO

Fonte: Sistematização da pesquisa empírica, realizada entre out e dez/2019.

142

0,7 0

0,7 0

EV OL UÇ ÃO

10,7

EM BR IO LO GI A

11,4 1,5

TA XO NO M IA

ZO OL OG IA

IA CI TO LO G

3

BO TÂ NI CA

15,3

1,5

GE NÉ TI CA

23,723,7

SI ST .O RG .

29,8

EC OL OG IA

80 70 60 50 40 30 20 10 0


Os estudos de Malafaia et al.(2010), Santos et al. (2011) e Scheley et al.(2014), constataram que os conteúdos sobre o corpo humano, mais precisamente o funcionamento dos sistemas orgânicos, são citados também como uma dos preferidos pelos alunos. Tais resultados refletem a proximidade entre o conteúdo e o cotidiano do aluno, haja vista que o funcionamento do corpo e o próprio indivíduo são estruturas indissociáveis, daí, por meio das aulas sobre a fisiologia humana e sexualidade permita-se que se promova uma contextualização entre o conteúdo teórico e a sua realidade. Souza (2002), Trindade (2004) e Giassi (2009) demonstraram que os temas relacionados à área da saúde humana apresentam a preferência em lecionar pelos professores. Entretanto, a partir do conteúdo contextualizado à vivência dos alunos e com o desenvolvimento de boas aulas, o aluno passa a entender e ao mesmo tempo gostar do que aprendeu, pois se sente envolvido na aula, tendo então, uma aprendizagem mais significativa (NUNES & SILVEIRA, 2011). No que diz respeito aos conteúdos que os alunos menos preferem, a pesquisa apresentou um resultado altamente expressivo de 69,5% de rejeição para os conteúdos relacionados à Genética e de 23,7% para Citologia, seguido de 3% para Zoologia, 1,5% para Ecologia, 1,5% para Sistemas orgânicos (Fisiologia humana) e Botânica com 0,8%, não sendo citada Embriologia, Evolução e Taxonomia. No que se refere à genética, o que mais foi citado foram as dificuldades relacionadas aos cálculos de probabilidade, e referente à Citologia, as dificuldades de identificar o que visualizam no microscópico. Em relação à questão sobre a contextualização da disciplina biologia e o cotidiano, dos 131 alunos que participaram do estudo, 62 alunos (47,4%) responderam,27 alunos (20,6%)não souberam responder, pois não sabiam relacionar a biologia com o seu dia a dia, escrevendo “não sei” ou até mesmo “nada”, 18 alunos (13,7%) não responderam a questão (deixaram em branco) e 24 alunos (18,3%) generalizaram a relação entre a biologia e o seu cotidiano, respondendo que “tudo da biologia” ou “algumas coisas da biologia” está relacionado à vida (Quadro 1). Quadro 1 Respostas dos alunos referentes à relação entre a Biologia e o seu cotidiano. ASSUNTOS ANALISADOS SAÚDE

ECOLOGIA

ASSUNTOS REGISTRADOS Alimentação saudável Corpo humano (Sistema reprodutor) Prevenção e doenças (causadas por vírus, bactérias, fungos e protozoários) Higiene corporal Preservação ambiental

Nº de CITAÇÕES 7 2 4

% das CITAÇÕES 5,3% 1,5% 3%

8 9

6,1% 6,9% 143


ZOOLOGIA FISIOLOGIA HUMANA (SISTEMAS ORGÂNICOS) BOTÂNICA GENÉTICA CITOLOGIA

Relações ecológicas Cadeia alimentar Cuidado com os seres vivos Conhecimento sobre os animais Funcionamento do sistema digestório Funcionamento do sistema respiratório

1 1 1 2 4 3

0,8% 0,8% 0,8% 1,5% 3% 2,3%

Conhecimento sobre as plantas Fotossíntese Heranças genéticas Tipos sanguíneos Conhecimentos gerais sobre a célula Bioquímica (compostos orgânicos e inorgânicos) Divisão celular Reprodução sexuada e assexuada -

1 2 6 4 2 1 1 3

0,8% 1,5% 4,6% 3,1% 1,5% 0,8% 0,8% 2,3%

27

20,6%

18

13,7%

18 6 131

13,7% 4,6% 100%

NÃO SEI/NADA NÃO RESPONDEU GENERALISTA “tudo da biologia” “algumas coisas da biologia” TOTAL

Fonte: Sistematização da pesquisa realizada entre out e dez/2019.

Segundo o quadro acima, percebe-seque a maioria dos alunos participantes apresentou dificuldades em explicar as correlações possíveis entre o conteúdo de Biologia e o seu dia a dia, refletindo ou não se a aprendizagem significativa está ou não sendo alcançada durante as aulas, porém é importante ressaltar que os 62 alunos (47,3%) responderam de forma estruturada a pergunta, onde vários deles escreveram de forma adequada a relação entre a Biologia e o seu cotidiano, como se vê descrito no quadro 02. Quadro 2 Frases citadas pelos alunos, sobre a relação entre a biologia e o seu cotidiano. ALUNOS ASSUNTOS PARTICIPANTES RESPOSTAS REGISTRADOS Aluno da M3MR01 “Saber o tipo sanguíneo da pessoa com quem vou GENÉTICA me relacionar é importante por conta de ter filhos” Aluno da M3MR02

“Quando estudei a Ecologia, me preocupei mais em preservar e cuidar do meio ambiente”

144

ECOLOGIA


Aluno da M3MR02

“Fiquei mais atenta em relação à higiene, por exemplo ter cuidado com os microorganismos fungos e bactérias é ter cuidado com a nossa

SAÚDE

saúde e entre outras coisas mais” Aluno da M3MR02

“Sei que não devo fumar, pois isso prejudicará o meu sistema respiratório”

Aluno da M3MR03

“Cuidando e dando valor aos seres vivos no meu dia a dia”

Aluno da M3MR03

“Quando me olho no espelho e vejo que não tenho barba, lembro que isso é um fator

FISIOLOGIA HUMANA (SISTEMAS ORGÂNICOS) ECOLOGIA GENÉTICA

genético” Aluno da M3TR01

“É importante saber sobre a biologia, pois nos ajuda a tirar dúvidas sobre o nosso corpo e como

SAÚDE

ele funciona” Fonte: Sistematização elaborada da pesquisa realizada entre out e dez/2019.

Analisando as respostas sobre a contextualização da biologia com o cotidiano do aluno, constata-se que conteúdos como alimentação saudável, conhecimento e funcionamento do corpo humano (mais precisamente o sistema reprodutor, sistemas digestório e respiratório), prevenção e doenças (causadas por vírus, bactérias, fungos e protozoários), higiene corporal, preservação ambiental, relações ecológicas, cadeia alimentar, cuidado com os seres vivos,conhecimento sobre os animais, conhecimento sobre as plantas e o processo de fotossíntese, heranças genéticas e os tipos sanguíneos, conhecimentos gerais sobre a célula, bioquímica (sais minerais, água, vitaminas, lipídeos, proteínas, carboidratos e suas funcionalidades para o organismo), o processo de divisão celular e as reproduçõessexuada e assexuada representam para os alunos uma maior expressão do que sabem quando relacionam com o seu cotidiano, como por exemplo frases como “Me fez entender como realizar uma alimentação correta e como funciona o processo de digestão (aluno da M3MR02) e “Quais os alimentos mais saudáveis eu devo comer” (aluno da M3MR03), evidenciam que o conteúdo sobre o Sistema digestivo (Fisiologia humana) foi compreendido e aplicado, favorecendo um aprendizado mais significativo e estruturado. Em relação aos alunos que não souberam contextualizar o seu cotidiano com os conteúdos de Genética (69,5%) e à Citologia (23,7%), devido às grandes dificuldades em realizarem cálculos e 145


também em identificar o que visualizam no microscópico, reforça a ideia de que para que seja trabalhado de forma eficaz tais temáticas existe uma demanda de utilização de espaços, técnicas e práticas que as escolas públicas não dispõem e na maioria das vezes, o professor se entrega a tal situação a ponto de não procurar outras alternativas, até mesmo para facilitar o entendimento dos conteúdos. Que para os autores Scheley et at. (2014) e para Teixeira & Vale (2001) essa desmotivação existente em aprender Biologia está ligada à abstração de alguns conteúdos e também ao distanciamento entre o conteúdo e a realidade do aluno, o qual, na maioria das vezes, não entende o porquê de aprender aquilo. Os resultados obtidos nessa pesquisa corroboram com SCHELEYet al. (2014), que em sua pesquisa envolvendo 416 alunos de uma escola pública de ensino médio na cidade de Botucatu – SP, foram identificaram que os temas preferidos pelos alunos estavam relacionados com os conteúdos ligados a corpo humano, homem, adolescência, células, ambiente, plantas, flor, fotossíntese, sexualidade, anticoncepcional, camisinha, animais, ecologia, identificando que a maioria dos estudantes entendiam a contextualizaçãocomo "gostar da disciplina" ou "não gostar" dos conteúdos. O estudo de Scheley e colaboradores demonstrou que os alunos que não gostam das aulas de biologia apresentam dificuldades na compreensão dos conteúdos, que para os autores, está provavelmente associada à ausência de contextualização. Para Nunes & Silveira (2011), as relações existentes entre o conteúdo e a vida diária dos alunos caracterizam uma facilitação da contextualização dos temas, haja vista que o aluno melhor entenderá quando correlaciona com a sua própria vida, evidenciando de que quanto mais contextualizado ao seu cotidiano e às suas experiências pessoais, maior será a possibilidade de desenvolver uma aprendizagem significativa em relação aos conteúdos de Biologia, principalmente quando as questões envolvidas estão ligadas ao que estão vivendo, motivando-o em direção à aprendizagem. Entretanto, percebe-se que o aluno já sabe, quando ele vivencia e entende, sendo assim crucial para o professor compreender o que os alunos conhecem, implicando ao docente a tarefa de percepçãodo conhecimento prévio que seu aluno pode apresentar e nesse foco planejar as suas atividades. As respostas dos alunos (Quadro 2) retratam a importância de relacionar o conhecimento prévio do aluno, o que ele já compreende, ao conteúdo que está sendo estudado em sala de aula, visto que se o aluno detectar as dúvidas e perguntar ao professor, se auto questionar e pesquisarem vez de apenas decorar os conceitos sem enxergar o significado e sua utilidade e aplicabilidade, o mesmo se apropriará do conhecimento de forma a contextualizar a biologia à sua vida cotidiana.

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Portanto, os professores precisam se empenhar cada vez mais em se aprimorar na contextualização do conteúdo ministrado ao cotidiano do aluno, fazendo-o refletir sobre o real impacto da contextualização e sua vida diária, permitindo ao educando realizar uma que o permitirá aplicar os conteúdos da biologia às suas percepções cotidianas de mundo. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em geral, é evidente que o professor e o contexto escolar têm muita influência no processo de ensino aprendizagem do aluno, pois o fato de os alunos estarem desmotivados nas aulas de biologia pode ser ou não reflexo, do meio externo à escola, mas também resulta da organização políticoadministrativa da instituição de ensino e, mais ainda dos tipos de metodologias utilizadas pelo professor durante as suas aulas. Certamente que a ausência de aulas práticas realizadas nos laboratórios multidisciplinares das escolas, ou por não tê-los ou se tem, estão indisponíveis, e de metodologias que envolvam o aluno no processo de ensino aprendizagem, tem influenciado de maneira negativa o ensino da Biologia. Nesse enfoque, o professor precisa ser proponente e crítico do PPP da escola, de si mesmo, e por meio de um processo reflexivo se tornar recriador de sua práxis, bem como crítico da mesma. A escola e seus sujeitos, não podem cruzar os braços, devem ir além, mas necessitam se desvencilhar de seus medos, da velha pedagogia, da ideia conservadora de que o bom aluno é o que se comporta, pois sem transgressão não há duvida ou reflexão, nem tampouco propositividade criativa, afinal não haverá problema. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio. Brasília: MEC/CNE, 1998. BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000. BRASIL. Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias: Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2008. CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. GATTI, B. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação. Campinas: Autores Associados, 1997. 147


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MINHA VIDA É JOGO LIMPO! UM JOGO DE VALORES PARA A SOCIOEDUCAÇÃO Manoel Expedito de Sousa Ferreira1 RESUMO O projeto “Minha Vida É Jogo Limpo!”, realizado no Centro de Internação do Adolescente Masculino (CIAM), foi norteado pelos princípios do fair play, fomentando relações interpessoais salutares, protagonismo juvenil e implementando a cultura de paz, com os quais se procura influenciar positivamente nas práticas do “futebol de ladrão”. Apresentamos aqui um jogo de futebol sem a figura do juiz, estimulando os adolescentes a serem juízes de si mesmos, valorizando assim o respeito e quebrando paradigmas. O projeto foi realizado em duas semanas do período letivo, com 4 turmas, cada turma com 7 ou 8 alunos. Para chegar aí, realizaram-se relaxamento, alongamento psicofísico, dinâmicas, rodas de conversa, pautados em princípios humanísticos com ênfase na Educação Soka (IKEDA, 2017). Futuramente haverá ações, a fim de se resgatar a autoestima dos discentes no combate às drogas e à banalização da vida. Palavras-chave: Socioeducação. Prática docente. Educação Física.

1. INTRODUÇÃO O “Minha Vida É Jogo Limpo!” foi um projeto desenvolvido no Centro de Internação do Adolescente Masculino (CIAM). Lá realiza-se um trabalho com alunos privados de liberdade em convênio entre a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará (FASEPA) e a Secretaria de Educação do Estado do Pará em atendimento a cerca de 60 adolescentes em situação de vulnerabilidade social. O centro está localizado no Conjunto Sideral, bairro Coqueiro, na periferia de Belém; O Centro é a Unidade de Internação Provisória da Região Metropolitana de Belém para onde são encaminhados adolescentes masculinos envolvidos em atos infracionais, que aguardam a sentença do juizado, mas o período de permanência do internado não pode ultrapassar 45 dias. No quadro efetivo de servidores da SEDUC lotados na Unidade, atuam 2 especialistas em educação e 6 docentes das diversas áreas de conhecimento, destes, 2 profissionais são exclusivos para atendimento da Educação Especial, os quais desenvolvem atividades pela manhã e à tarde. O espaço existe para garantir o direito do interno, uma vez que a Internação Provisória Visa a garantir a vida do adolescente infrator ao longo da investigação da infração, já que pode ser ameaçado por seus pares de infração preocupados com a delação. Trata-se de uma internação, antes da sentença, determinada pelo Juiz da Infância e Juventude ou decorrente da apreensão em flagrante. O prazo máximo da internação provisória é de 45 dias (OLIVEIRA; SOUZA; SILVA, 2015, p. 215-216). 1 Professor da SEDUC- PA no Centro de Internação de Adolescentes Masculinos (CIAM) Sideral. Especialista em Educação Física Escolar pela Universidade do Estado do Pará, Licenciado Pleno em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará. . E-mail: manoel.eferreira@escola.seduc.pa.gov.br.

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As Diretrizes Curriculares Nacionais em Educação Básica (BRASIL, 2013), publicadas mediante uma parceria entre o Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Básica e a Diretoria de Currículos e Educação Integral, em sua seção para a oferta de Educação para Jovens e Adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais, evidenciam que As ações educativas devem exercer uma influência edificante na vida do interno, criando condições para que molde sua identidade, buscando, principalmente, compreender-se e aceitar-se como indivíduo social; construir seu projeto de vida, definindo e trilhando caminhos para a sua vida em sociedade (BRASIL, 2013, p. 321).

Neste sentido, Costa (2015) aponta o que é garantido pela Lei de Diretrizes e Bases em seu 2º artigo, reconhecendo os princípios de liberdade e ideais de solidariedade, que tem por finalidade a formação plena do adolescente, sem deixar de lado o exercício da cidadania e sem também esquecer sua relação com o mundo do trabalho. Assim, chama a atenção para a atuação docente no campo da socioeducação, cita o documento elaborado pela UNESCO, em que são apresentados os quatro pilares da educação: o aprender a ser, o aprender a conviver, o aprender a fazer e o aprender a conhecer, e orienta os educadores a subordinar todas as suas práticas a estes pilares, cujas práticas incluem as atividades artísticas, as esportivas e as culturais. A atuação docente, nessa Unidade Socioeducativa de Internação Provisória, ocorre por meio de miniprojetos e atividades educacionais interdisciplinares e diferenciadas, congregando as diversas áreas de conhecimento, por meio de temas que perpassam os componentes curriculares, cuja reunião de planejamento e avaliação ocorre todas as sextas-feiras. Tardif (2014) fala sobre o processo de escolarização em Unidades de ensino formal, mas podemos entender que sua fala se estende a todos os espaços educativos, como por exemplo, uma unidade de internação provisória. Ora, a escolarização repousa basicamente sobre interações cotidianas entre os professores e os alunos. Sem essas interações a escola não é nada mais que uma concha vazia. Mas essas interações não acontecem de qualquer forma: ao contrário, elas formam raízes e se estruturam no âmbito do processo de trabalho escolar e, principalmente, do trabalho dos professores sobre e com os alunos (TARDIF, 2014, p. 23).

O projeto intitulado Minha Vida É Jogo Limpo!, alicerçado nos princípios da Educação Humanística de Criação de Valores: Educação SOKA (IKEDA, 2017), é inspirado no Fair Play2, Fair Play - (traduzido literalmente do inglês para o português: jogo justo) é uma filosofia adotada em desporto que prima pela conduta ética nos esportes. A expressão nasceu em 1896, durante as primeiras Olimpíadas da Era Moderna, em Atenas. Barão de Coubertin, o organizador dos Jogos, idealizou a filosofia por meio da frase: "Não pode haver jogo sem fair play. O principal objetivo da vida não é a vitória, mas a luta". O conceito de fair play está vinculado à ética no meio esportivo. Os praticantes devem procurar jogar de maneira justa, não prejudicando o adversário 2

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cujos fundamentos são muito difundidos no mundo esportivo e fomentados pelas principais ligas esportivas mundiais, todavia ele não se restringe ao âmbito esportivo, ele se estende ao cotidiano dos adolescentes e busca contribuir em sua formação no exercício da cidadania, como sujeitos sóciohistóricos de responsabilidades e deveres, conforme as Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012a). O projeto se fundamenta em perspectivas que extrapolam as linhas da quadra: eles adentram os quartos-celas (QC), influenciando o trato com os funcionários da Unidade, bem como para a vida pós-internação desses adolescentes. Assim, na Educação Soka (IKEDA, 2017), que não se distancia de aspectos da Educação em Direitos Humanos, a criação de valores é um de seus pontos altos; para ela a felicidade é alcançada com a criação de valores e ressalta a criatividade. Entende-se que valor está associado à superação, à modificação e à criação de benefício, tanto para nós quanto para os outros, em um pensamento tanto individual quanto coletivo; dessa forma, “a educação surge justamente da criatividade e serve para desenvolver o potencial criativo que projeta a humanidade para uma vida global” (ESTEVES, 2014, p. 10); outrossim, O objetivo primordial da educação Soka, ou educação para criação de valor, é forjar pessoas de integridade que se empenhem continuamente pelo bem insuperável – a paz –, que se comprometam a proteger o caráter sagrado da vida e que sejam capazes de criar valor mesmo sob as circunstâncias mais difíceis (IKEDA, 2010, p. 100).

Nesse sentido, o objetivo central da educação está para o objetivo geral da vida, a felicidade, a partir de um sistema educacional que tenha sentido para o ser humano. Vale ressaltar, que a felicidade na perspectiva da Educação Soka não deve ser confundida com um simples prazer; ela é estabelecida a partir dos laços e das interações entre as pessoas, sob uma visão de bem social, manifestando a perspectiva budista sobre a vida e a felicidade humana. Não distante destes preceitos, as Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos, em seu Art. 4º, ressalta suas dimensões, incluindo a “afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade” (BRASIL, 2012a, p.5). Fundamentados nesses dois princípios educacionais, trouxemos para a socioeducação o fair play no projeto Minha Vida É Jogo Limpo!, implementando vivências em todos os aspectos que compõem o cotidiano do adolescente privado de liberdade e fomentando a ativação da Rede de Garantia de Direitos, “uma rede social integrada pela família, pela sociedade e pelo Estado”

de forma proposital. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Fair_play_(esportes). Acesso em 2 de Junho de 2019.

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(SARAIVA, 2015, p. 93), de acordo com o que preconiza do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O projeto foi realizado em duas semanas do período letivo, com 4 turmas, cada turma com 7 ou 8 alunos. O CIAM opera em sistema de rodízio de turmas na escolarização e a semana de aula na Unidade compreende quatro dias, de segunda-feira à quinta-feira; em cada dia de aula, foram atendidas duas turmas: nas segundas e quartas-feiras, as turmas eram oriundas da Ala A da Unidade e nas terças e quintas-feiras, os alunos eram oriundos da Ala B da Unidade. A proposta desafiadora do projeto Minha Vida É Jogo Limpo! teve por objetivo geral utilizar os princípios do fair play como fundamentos norteadores de práticas socioeducativas, fomentando relações interpessoais salutares, incentivando o protagonismo juvenil, implementando a cultura de paz e por fim, influenciar positivamente nas práticas do “futebol de ladrão”3. Para que os objetivos do Projeto fossem alcançados, houve todo um percurso de ações educativas nos diversos espaços da Unidade, inclusive naqueles destinados à escolarização: atividades de relaxamento e meditação, técnicas de respiração e visualização, o trabalho com dobraduras e os alongamentos psicofísicos; com isso, buscávamos despertar a autoestima, estimular a concentração e promover o autoconhecimento e respeito à dignidade da vida. Trabalhamos também com diversas dinâmicas de grupo, roda de conversa, exibição de vídeos e músicas4. Além disso, procuramos com o projeto: promover aspectos da Educação pelo Movimento5; incentivar o protagonismo juvenil por meio de ações cooperativas e de estímulo à formação de liderança; estimular os alunos a serem juízes de si mesmos, atuando de maneira honesta, tanto no momento do jogo quanto nas relações estabelecidas no seu cotidiano; fomentar atitudes respeitosas em relação a si e aos jogadores do time adversário; descontextualizar a cultura de cárcere, por meio de quebra de paradigmas de violências. No que se refere à fundamentação teórico-prática, buscamos aporte na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), priorizando aspectos curriculares da Educação Física, no entanto, as atividades fazem um diálogo interdisciplinar com a Sociologia, a Filosofia e a Arte. Nesta, a linguagem do Rap configurou-se como a tradução de um estilo de vida, uma lente pela qual os “Futebol de ladrão” é o termo utilizado dentro da Unidade para designar a atividade esportiva de lazer (futebol), realizada geralmente às sextas-feiras em que as regras oficiais do esporte não são devidamente respeitadas e/ou aplicadas. 4 Sobre as músicas selecionadas para o trabalho com os adolescentes, percebemos que com o Rap alcançamos maior sucesso nas atividades por conta da identificação dos socioeducandos com esse estilo musical. 3

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Baseados na obra de Jean Le Boulch (1983).

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adolescentes enxergavam o cárcere e o mundo pós-medida socioeducativa. No tocante aos aspectos das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, os percursos metodológicos oportunizaram diálogos mediados entre os adolescentes, construindo, desconstruindo, organizando e selecionando conceitos esportivos e modos de vida estabelecidos. Na Educação Física, a unidade temática usada foi Esportes, no bloco correspondente ao 8º e 9º ano; e elencamos como objeto do conhecimento os esportes de invasão, cujas habilidades (EF89EF016 e EF89EF037) direcionam para aspectos importantes da vida como saúde, valores, colaboração, protagonismo, etc. instaurados em cinco competências específica da BNCC: 2. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo. 4. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas. 6. Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam. 8. Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde. 10. Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo (BRASIL, 2018, p. 221).

As ações pensadas e articuladas para a execução do Minha Vida É Jogo Limpo! atendem ao que preconiza o Documento do CNE (BRASIL, 2012b), na medida em que concebe, desenvolve e implementa “valores, atitudes e práticas sociais, que expressem a cultura dos direitos humanos”, busca formar “uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, cultural e político”, estimula “processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados”, fortalecendo “práticas individuais e sociais, que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos”. As culminâncias de todo esse percurso inicial ocorreram em setembro de 2017 com a realização de jogos de futebol na quadra do CIAM/SIDERAL, com a participação da equipe técnicopedagógica da SEDUC e da FASEPA, monitores, professores e em torno de 30 socioeducandos vestidos com as camisas do Projeto; por questão de organização interna, eles foram divididos em equipes para atividades em duas manhãs.

(EF89EF01) Experimentar diferentes papéis (jogador, árbitro e técnico) e fruir os esportes de rede/parede, campo e taco, invasão e combate, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo.

6

(EF89EF03) Formular e utilizar estratégias para solucionar os desafios técnicos e táticos, tanto nos esportes de campo e taco, rede/parede, invasão e combate como nas modalidades esportivas escolhidas para praticar de forma específica.

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Naquele momento, o jogo foi realizado com todas as suas regras, já estudadas e trabalhadas em aulas com eles, mas sem a figura de um juiz; assim, no lugar do árbitro, houve a figura de um mediador, no entanto, os juízes eram os próprios jogadores. Como o jogo tem suas fundamentações, os adolescentes foram estimulados, inicialmente, a não enxergar os demais jogadores do outro time como adversários ou como inimigos, mas como partícipes essenciais para a realização do mesmo; em função disso, combinou-se previamente que não houvesse “entradas pesadas” e nem palavras ofensivas entre eles. O ponto alto era reconhecer o direito do outro ao cometer uma falta, ao ocorrer a lateral ou escanteio e admitir que a vantagem era do outro time, sem intervenção do mediador. Todas essas atitudes foram resultado do percurso anterior ao jogo, mediante as orientações, as atividades de relaxamento, as rodas de conversa, dentre outros. Ao término da partida, na volta à calma, realizávamos a avaliação reflexiva do ocorrido durante jogo. Este era mais um momento de partilha e vivências entre os adolescentes; nele eles tinham liberdade para falar sobre a experiência e fazer perguntas e observações. Essa conversa era tão importante quando as anteriores ao jogo. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Projeto foi idealizado para que sua implementação transcorresse, preferencialmente, com a maior parte de suas atividades ao ar livre, mas em função da dificuldade de reunir o número adequado de funcionários para que a ação ocorresse de forma segura, precisamos readaptar e realizar algumas das atividades dentro das salas destinadas à escolarização. Paralelo a isso, a carência de materiais pedagógicos e esportivos também limitou algumas de nossas ações. Vale ressaltar o envolvimento, o bom ânimo e o forte compromisso de todos os servidores e funcionários presentes nos dias de execução do projeto para que esses problemas fossem dirimidos e as lacunas preenchidas. Quanto aos adolescentes, a participação foi intensa e surpreendente; destacamos o cumprimento dos acordos verbais estabelecidos com os socioeducandos, com a certeza de que isso colaborou efetivamente para o sucesso do trabalho e levarão para suas vidas as marcas de “um jogo limpo”. Para as etapas futuras, estão programadas ações que buscarão resgatar a autoestima dos adolescentes privados de liberdade, abolir alguns termos utilizados no cotidiano da unidade, influenciar positivamente na prática do “futebol de ladrão”, incentivar a atividade docente na Educação pelo Movimento, implementar efetivamente a Cultura de Paz, fomentando a Educação em 155


Direitos Humanos, criar salas temáticas e melhorar espaços de convivência, denominando-os de acordo com os preceitos do projeto, combater o uso de drogas ilícitas e a banalização da vida (de si mesmo e de outras pessoas) e melhorar as relações interpessoais no CIAM. Ressaltamos também a necessidade, a partir dos desdobramentos desse projeto, de discutir o papel da Educação Física na socioeducação, assentando bases para um currículo diferenciado para essa modalidade de ensino, evidenciando-se que o Minha Vida É Jogo Limpo! pode ser considerado o desdobramento de atividades realizadas anteriormente na Unidade CIAM/SIDERAL, cujo tema era Cultura de Paz. Nossa meta é atender a totalidade de alunos internados (por período) para que os elementos norteadores do projeto sejam incorporados à rotina da Unidade de forma a “contaminar” os recémchegados, bem como todos os servidores e funcionários. REFERÊNCIAS BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Ministério de Educação. Resolução CNE/CP 1/2012. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de maio de 2012a. BRASIL. Parecer CNE/CP no 8/2012. Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília. Conselho Nacional de Educação, Ministério da Educação, 2012b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rcp001_12. pdf. Acesso em 2 de Junho de 2019. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasília, DF: MEC, 2018. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Natureza e essência da ação socioeducativa. Matriz de Formação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) SDH. Brasília: UNB, 2015. ESTEVES, Carmen de Jesus Paulino. Educação Intercultural e Educação Soka: Pontes de diálogo na intervenção com a comunidade de refugiados. Relatório de Estágio. Mestrado em Educação. Área de Especialização. Educação Intercultural. Lisboa, Universidade de Lisboa, 2014. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/11656/1/ulfpie046558_tm.pdf. Acesso em 01 de Junho de 2019. IKEDA, Daisaku. 2010. Educação SOKA: uma perspectiva budista. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2010. IKEDA, Daisaku. 2017. Educação SOKA: por uma revolução na educação embasada na dignidade da vida. Org. Ricardo Miyamoto. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, 2017. 156


LE BOULCH, Jean et al. A educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar. 1983 OLIVEIRA, Maria Cláudia Santos Lopes de; SOUZA, Tatiana Yokoy de; SILVA, Samuel Costa da. Socioeducação: Práticas e Metodologias de Atendimento em Meio Fechado. Matriz de Formação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) SDH. Brasília: UNB, 2015. SARAIVA, João Batista Costa. Marco Legal, Políticas Públicas e Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. Matriz de Formação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) SDH. Brasília: UNB, 2015. TARDIF, Maurice. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interação humana. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

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Anexos Projeto Minha Vida É Jogo Limpo! está sendo implementado na Unidade de Internação Provisória CIAM – Sideral, em Belém (PA). O mesmo já tem alçado voos através de divulgação em alguns sites e eventos. • Portal da SEDUC - http://www.seduc.pa.gov.br/site/seduc/modal?ptg=7662. • Agência

Pará

-

http://agenciapara.com.br/Noticia/152613/ciam-inova-na-formacao-de-

socioeducandos-com-parceria-da-seduc • Pará

Mais

-

http://paramais.com.br/ciam-inova-na-formacao-de-socioeducandos-com-

parceria-da-seduc/ • Rede Pará - http://redepara.com.br/Noticia/152613-projeto-leva-principios-do-fair-play-asocieducandos-do-ciam • Escola

Nacional

de

Socioeducação

(ENS)

-

http://ens.sinase.sdh.gov.br/ens2/index.php?option=com_content&view=article&id=261:proj eto-para-seduc-fasepa-minha-vida-e-jogo-limpo&catid=17 • Centro de Estudos Avançados de Governo e Administração Pública (CEAG) http://www.ceag.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=434:projeto-paraseduc-fasepa-minha-vida-e-jogo-limpo&catid=75&Itemid=303 • Diário do Congresso - http://diariodocongresso.com.br/novo/projeto-leva-principios-do-fairplay-a-socieducandos-do-ciam/ • Aprovação para apresentação do Projeto no I Simpósio Nacional em Socioeducação http://eventos.ceag.unb.br/sns/programacao/ • Atividade da Feira Vocacional da EEEM Avertano Rocha (em parceria com o CEFOR) http://www.seduc.pa.gov.br/site/seduc/modal?ptg=7840.

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