O Trecheiro - Fev e Março de 2012 #205

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IMPRESSO

20 anos de comunicação da rua

Ano XX Fevereiro e Março de 2012 - N° 205

De crise em crise

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - rederua@uol.com.br

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Assistência Social da cidade de São Paulo

“Queremos 15% de reajuste nos convênios” Alderon Costa

Segundo Maria Nazareth Cupertino, da coordenação do FAS, as organizações sociais em São Paulo não recebem reajustes dos serviços desde 2010. Para padre Lédio Milanez, do Instituto Rogacionista Santo Aníbal, há mais de dois anos a prefeitura não repassa nenhum reajuste para as organizações, que estão em vias de fechar as portas. “Hoje, queremos mostrar a nossa força, dizer que queremos políticas públicas para a nossa cidade e queremos 15% de reajuste nos convênios”, reivindica Lédio. Para a pastora Mabel Garcia, da Associação Evangélica Beneficente (AEB), as organizações estão numa situação difícil porque querem prestar um serviço de qualidade aos usuários, mas não têm os recursos necessários. Para Simone Bicudo Ferreira, do sindicato das instituições beneficentes, Sinbfir, a situação dessas organizações vem complicando a cada ano.

Alderon Costa

“2010 não recebemos, 2011 não recebemos e agora estamos em 2012 e temos que receber”, afirmou Simone. Já o sindicato dos funcionários, Sitraemfa, apresentou as dificuldades dos funcionários e ressaltou a importância da manifestação do fórum, do qual também o sindicato faz parte. “Este Fórum foi o primeiro que encampou a luta de que política de Assistência Social não é assistencialismo, mas é obrigação do poder público para que tenhamos um trabalho digno e justo”, declarou Maria Aparecida Nery da Silva do Sitraemfa. Já para Marcos Roberto, morador do albergue Pousada da Esperança, essa manifestação já deveria ter acontecido muito antes. “Enquanto o governo está discutindo quem ganha mais, ele deveria estar olhando para o povo que não tem onde morar e, muitas vezes, está passando fome”, desabafou Marcos.

Salários defasados, dificuldades de manter e encontrar profissionais capacitados, diminuição na qualidade do serviço prestado e insegurança financeira são alguns dos problemas que afetam o trabalho das organizações sociais conveniadas com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo. Após recorrer às negociações, alertar o Conselho Municipal de Assistência Social (Comas), apresentar planilhas à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), exigir da Câmara Municipal aumento do orçamento da área da Assistência Social e apresentar denúncia ao Ministério Público contra o poder executivo municipal pelo descumprimento da legislação de garantir o financiamento integral de serviços, programas, projetos e ações de assistência social, o Fórum de Assistência Social (FAS) realizou manifestação, no dia 12 de março de 2012, com mais de duas mil pessoas, entre usuários dos serviços, re-

presentantes de organizações sociais e de sindicatos. A manifestação teve início na Câmara Municipal, onde foi protocolado documento com as reivindicações. De lá, os participantes saíram em caminhada para a sede da prefeitura, onde foram recebidos pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), que apenas permitiu a entrada de representantes do Fórum para protocolar os documentos pelos fundos do prédio. Ao protocolar os documentos, manifestantes dirigiram-se à Smads e depois ao Comas. Ao final, uma passagem pelo Ministério Público onde foram recebidos pelo promotor de justiça, dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira, que agendou reunião para o mesmo dia com os representantes do FAS. Após a reunião ficou definido que o Fórum faria um complemento de informações e foram designados a darem prosseguimento ao processo, os promotores dr. Luiz Paulo de França Piva e a dra. Luciana Bergamo.

“Direitos violados! O governo está matando a cidadania” No dia 5 de março – Dia da Justiça – foi realizado ato político e cultural com decretação de luto pelos ataques frontais à cidadania e pelas vítimas de violação dos direitos humanos. Essas situações denunciam a criminalização da população pobre e dos movimentos sociais, pela violência nas operações policiais, ausência de diálogo e de políticas públicas efetivas de longo prazo. É imprescindível lembrar das mortes cotidianas de pessoas em situação de rua em todo o Brasil. Segundo organizadores do Coletivo Luz Livre, “nos últimos tempos, falar de políticas para

São Paulo como saúde, habitação, assistência social, educação tem sido o mesmo que falar em polícia e repressão”. É só observar a truculência das operações na Cracolândia, USP, Pinheirinho, reintegrações de posse no centro da cidade, dentre outras. A manifestação ocorreu em frente à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, no Pateo do Colégio. Além dos caixões, que representavam a falência das políticas públicas e a repressão policial, o grupo ofereceu à Procuradora de Justiça Eloisa de Souza Arruda, secretária da Justiça do Estado de São Paulo, coroa de flores e espinhos e dedicatórias especiais ao governador Geraldo Alckmin e ao prefeito Gilberto Kassab, como lembrança por tantos eventos degradantes que passam despercebidos aos olhos da “Justiça”.


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10/03/2012 - Atualizado em 10/03/2012 - 18h40 Moradores de rua são mortos a tiros em DF

Se perto de sua casa, comércio, igreja ou de seu bairro tiver um morador de rua, saiba que acabar com vida dele custa R$ 100,00. Quem sabe o poder público possa subsidiar esse valor! Talvez seja mais eficiente do que manter certas políticas públicas que também matam, mas aos poucos.

R$ 100,00 é o valor que o comerciante de Brasília pagou para queimar (25 de fevereiro de 2012) duas pessoas em situação de rua que estavam atrapalhando seu negócio. Esse tipo de reação não surpreende, ela acontece em grande escala há muito tempo. As grandes vilãs dessa história são a impunidade e a falta de investimento em políticas públicas estruturantes e eficientes. Essa violência contra pessoas em situação de rua, pode-se dizer, já era esperada. O número de pessoas em situação de rua vem aumentando, nos últimos anos e, com mudança de perfil por conta da questão da drogadição e pela falta de perspectiva de melhoria da situação. Além dessas causas, temos, ainda, outras. O governo federal está demorando na negociação com os municípios para implantação da política pública para a população em situação de rua. Isso mostra insensibilidade à urgência de medidas face à realidade das pessoas que moram nas ruas. Prevalece a ideia de que elas não são ninguém ou não têm jeito. No plano estadual e municipal, as ações são igualmente ineficazes e sem direção. Não se conseguiu inter-setorialidade das políticas públicas e, ainda, prevalece as de confinamento. Todas essas ações, que são direitos sociais ficam atreladas a alianças políticas. Em São Paulo, até hoje não foi implantado o programa de combate às drogas “Crack, é possível vencer”. Algumas propostas Para diminuição dessa violência tem que haver sensibilização maior do governo federal; investimentos reais em políticas afirmativas, como Centros de Direitos Humanos da População em Situação de Rua; projetos de moradia social e locação social; programas de geração de renda; política eficiente na área da Saúde, em particular, a questão da saúde mental, da prevenção e tratamento de dependentes químicos e que o SAMU atenda a população de rua. Além disso, a federalização dos crimes ou criação de comissão de acompanhamento desses crimes; introduzir modificações nos formulários dos IMLs para captar informações para quantificar e qualificar as mortes referentes a pessoas em situação de rua; criar peças publicitárias educativas; criar programas de melhoria das políticas públicas dos municípios, para além do acolhimento. (confinamento/tendas). Por fim, como bem defende padre Júlio Lancellotti, investir em capacitação humana para os operadores dos serviços e para a sociedade. Segundo, ele, as pessoas estão perdendo a capacidade de enxergar no outro um ser humano. Nesta edição estamos tratando, também, da crise na rede de atendimento da assistência social na cidade de São Paulo, que na verdade é uma crise de governo. Em expressiva manifestação pacífica, verificou-se a sede da prefeitura, como sempre muito “protegida”. É de se perguntar de quem e do que eles se defendem tanto, com o prédio da prefeitura todo gradeado impedindo aproximação? Talvez afastando para longe a participação dos cidadãos nas decisões políticas, esquecendo-se que são representantes eleitos pelo povo. Aguardem as eleições que vêm por aí. Outra pauta deste jornal trata mais uma vez das pessoas que não conseguem ser atendidas pelos serviços e são descartadas, entregues à própria sorte como dona Cecília, que já não era aceita em nenhum albergue e morreu esperando resposta da Defensoria Pública. D. Mara, que morreu sentada num banco da Praça da Santa Cecília e Valter Machado que não consegue vaga fixa e tantas outras que as políticas públicas não conseguem atender. Fica sempre a pergunta: quem vai cuidar deles? Será que Solange Machado tem razão? “O poder público reservou três espaços para quem é pobre, morador de rua e pessoa com transtorno mental, são os manicômios, presídios e ruas”.

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O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

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DE TRECHO EM TRECHO

Arlindo Dias

Alderon Costa

Se tiver uma Vida no Trecho difícil de escrever, podem ter certeza, a de Maria Solange Machado é uma delas. Para vocês terem uma ideia, ao final de nossa conversa, perguntei sobre seus pais. Ela me disse: “O destino é que criou a gente”. Assim tem sido a vida dessa mulher valente, criativa, sofredora e desafiadora. Maria Solange Machado nasceu no interior de Minas Gerais, foi criada numa fazenda, no início dos anos de 1960, em Iturama (MG). “Depois de um tempo, meus tios resolveram vender tudo e ir para a cidade. Eles diziam que naquele lugar as meninas, nós, não íamos virar nada. Sou de uma família de agricultores, e fomos expulsos de nossas terras porque nada que se produzia lá tinha valor. Existia uma esperança que se viesse para a cidade a gente fosse melhorar de vida e a gente tivesse um futuro melhor, o que não houve”, lembra Solange.

“O destino é que criou a gente”

Solange trabalhou como doméstica na casa de uma boa família que lhe possibilitou acesso a bons livros e tinha uma vida razoável. “Fui me formando enquanto ser humano, enquanto cidadã”. Acabou se formando em enfermagem, mesmo não gostando, mas foi o que conseguiu em Fernandópolis (SP). Depois de formada resolveu vir tentar a sorte em São Paulo. Inicialmente, trabalhou no Hospital Universitário, no Instituto do Coração e, em outros hospitais; mas foi no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia que ficou mais tempo e onde começou sua doença. “Hoje, chamamos de assédio moral, mas naquela época chamávamos de terrorismo das chefias”, destaca Solange. Não se tinha o direito de abrir a boca e éramos punidos com advertência, relatórios e processos administrativos. “De 1992 a 1995, sofri quatro processos administrativos”. Em 1993,

Solange entrou para a militância sindical, onde começou a entender o que era precarização do trabalho, desmonte do serviço público, autoritarismo das chefias e assim foi tendo mais conhecimento e foi possível fazer mais enfrentamentos. “Lá, no Dante Pazzanese, eu enlouqueci! (...) Eu trabalhava com cirurgia cardíaca e era exposta, por exemplo, ao mercúrio líquido e eles não tinham nenhuma preocupação com a saúde do trabalhador”, lembra Solange. A partir da militância, os problemas da Solange se agravaram. “Mesmo com a doença fui expulsa do serviço público. Não consegui continuar o tratamento e fui muito perseguida. “Meu último trabalho foi na Seguradora Allianz como auditora de contas médicas. De 2003 para cá eu não consegui nem pegar no meu currículo”, relata Solange emocionada.

“Eu fui literalmente morar na rua”

De depressão em depressão foi perdendo tudo que já tinha conquistado. “Eu fui literalmente morar na rua no dia 21 de junho de 2005. A oficial de justiça fez a reintegração de posse do apartamento em que eu morava. Não tinha para onde ir e não conhecia a rede assistência social”. Daí para frente começou outra trajetória, a busca de seus direitos. “O Movimento é ainda uma esperançazinha que a gente se agarra, não tem outra saída a não ser morrer! Tenho que lutar!” Depois de conversar, escutar suas histórias, vê-la chorar, sorrir, emocionar-se, só podemos concluir que Solange, mesmo sem os códigos de doença fs20,22,32,60, é uma louca, mas por justiça. Que você consiga o seu desejo! “Eu quero apenas viver em paz”, finaliza Solange.

Ruagenda......

Acabar com uma vida custa R$ 100,00

Fevereiro e Março de 2012

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Editorial

O Trecheiro

Em SP, Seminário discutirá a mercantilização da vida

Seminário discutirá a mercantilização da vida No próximo dia 24 de março, das 10 às 13 horas (gratuito), o Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), em parceria com o Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe), realizará, em São Paulo, o Seminário: “Justiça Ambiental: Contra a Mercantilização da Vida”. A intenção do evento é discutir e debater sobre o conceito de Justiça Ambiental, numa ótica integrativa em que, problemas ambientais e sociais se inter-relacionam e, não podem ser discutidos separadamente. Centro Franciscano – Rua Riachuelo, 268. Informações (11) 3392-4433.

Congresso da MNPR

Nos dias 19, 20 e 21 de março de 2012 será realizado em Salvador, o 1º Congresso do Movimento Nacional da População de Rua, no Centro de Formação de Lideranças (CTL) no bairro de Itapoã com o tema: “Protogonizando história, garantindo direitos” com a presença de representantes de cidades brasileiras. Informações: (71) 3266-0034.


Diário da Rua

Maria Emilia Mattos Schumacker*

Ouvi um grito vindo de uma filha da rua. O grito ecoou de uma forma tão forte, sem palavras, sem gemidos, era o “grito dos esquecidos”. Em cima de um viaduto, deitada sozinha, parecia um pardal solitário, estava lá simplesmente Maria... Sem eira nem beira, convulsionando, caindo, ferindo-se a cada crise de convulsão. Foi assim que a encontramos numa manhã de segunda-feira. Ao chegarmos perto de Maria, fomos alertados: “Ela é agressiva, não fale com ela, é melhor passar longe”. Após um BOM DIA meu e da enfermeira Kátia surgiu um diálogo, após um longo silêncio, respirou fundo e finalmente falou: “Meu nome é Maria, tenho 29 anos, sofro de epilepsia e estou alguns dias sem medicamentos”. Maria estava suja e exalava odor forte de seu corpo. Convidamos Maria para ir ao Centro de Saúde Escola Barra Funda, mas ela recusou a vir conosco. Concordou que viéssemos no dia seguinte. Fomos ao encontro de Maria, munidas de um kit de higiene pessoal, roupas e sapatos e a encontramos mais debilitada. O sol ardia no rosto de Maria, enquanto caminhávamos para a Casa de Convivência Porto Seguro (AEB). Maria parecia não entender o que estava acontecendo, mas deixou ser levada por nós, que seguramos uma de cada lado dos seus braços, atravessamos ruas e avenidas. Finalmente chegamos ao nosso destino,

ou seja, ao nosso “Porto Seguro”. Que momento lindo foi aquele, a acolhida e o tão esperado banho. Enquanto a banhávamos, Maria aplaudia e sorria. Depois do banho, ela parecia ser outra pessoa. Que transformação! Que diferença! Oferecemos alimentação assistida e, em seguida, fomos para a unidade básica de saúde. Maria dormiu durante o trajeto inteiro, um sono profundo e havia um sorriso em seus lábios que era inexplicável. Parecia estar sonhando sabe lá com o quê! Talvez com uma realidade diferente da sua. Parecia que naquele momento Maria era feliz! Foi atendida na unidade básica, submeteu-se a exames e ficou internada por alguns dias. Após alta hospitalar, voltou para as ruas de São Paulo. Talvez seja o momento de refletirmos: Onde estão as casas de apoio, os hospitais de retaguarda? Essa é a nossa cidade, nosso estado, nosso País! O que fazer? Sou Maria Emília, pessoa que vê todo dia o sofrimento da rua. * Técnica de enfermagem (PSF-Rua, equipe 70) Bom Parto.

Prefeitura de São Paulo proíbe doação de material reciclável Davi Amorim

No início de março, fiscais da Prefeitura de São Paulo percorreram lojas da Rua 25 de Março com ameaça de multa de R$ 11.000 aos comerciantes que doarem material aos catadores. Ao que tudo indica a prefeitura tem como referência a Lei nº 14.973/2009 e o Decreto nº 51.907, que responsabilizam os grandes geradores de resíduos pela reciclagem, dispositivo legal que impediria o trabalho dos catadores. Por esta lei, estabelecimentos comerciais e instituições que produzem mais de 200 litros de lixo por dia ou condomínios com mais de 1.000 litros devem contratar empresa para coletar os resíduos e pagar pelo serviço. A Lei nº 14.973/2009 não proíbe a doação de material aos catadores, mas o decreto diz que só as empresas autorizadas com lista publicada no site da prefeitura podem realizar o serviço. Nessa lista não há nenhuma cooperativa

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Cleisa Rosa com a colaboração de Alderon Costa e Joelma de Couto

Ercília Stanciany

A catadora de materiais recicláveis, Ercília Stanciany, de 41 anos, foi aprovada no curso de Artes Plásticas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) neste ano. Começou seus estudos com os livros reciclados que ela encontrava no lixo. “É uma emoção inexplicável, parecia que meu coração ia explodir quando cheguei na UFES. Realizei meu sonho de infância. Fui para meu primeiro dia de aula e fui pintada pelos meus veteranos no trote, estou cheia de tinta, teve muitas brincadeiras, mas valeu à pena. Agora preciso tomar um banho reforçado para tirar essa tinta toda”, disse aos risos, Ercília.

E o direito à moradia social? No dia 15 de fevereiro, em reunião com residentes da Favela do Coruja, na zona norte, Maria Cecília Sampaio, diretora da Superintendência de Habitação Popular da Secretaria de Habitação da gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), afirmou que “Para ser cidadão em São Paulo, é preciso ter como pagar”. Fonte: Leandro Melito, repórter da Rede Brasil.

Absurdo: Prisão por vadiagem

No mês de fevereiro, a PM prendeu, em Florianópolis, 62 moradores de rua em flagrante por vadiagem, contravenção penal prevista em lei de 1941. O coronel Carlos Alberto Araújo Gomes, da PM, disse que as prisões ocorreram em locais com maior incidência de furtos e roubos. Observação: não há abrigos para essa população na cidade. Segundo o professor de direito constitucional da PUC-SP, Marcelo Figueiredo, “A vadiagem está em desuso no direito penal, assim como o dote, e aplicá-la é um “exagero” e uma “ilegalidade”.

Mudança da cooperativa

A transferência, para a Avenida Nossa Senhora do Socorro, está prevista para o dia 19 de março. Assim, a prefeitura de São Paulo expulsa definitivamente a Cooperativa de Catadores Granja Julieta Nossos Valores, apesar da mesma prestar relevantes serviços ao bairro e região há mais de oito anos.

Ponto Cultural dos Kunumingue

de catadores mencionada. Por outro lado, na cidade de São Paulo, apenas 20 cooperativas de catadores têm parceria com a prefeitura para trabalhar no Programa de Coleta Seletiva, que significa quantidade insuficiente para atender toda a cidade. Outros 90 grupos de catadores trabalham de maneira organizada, mas em péssimas condições, sem infraestrutura e sem parceria com o poder público. Dessa forma, arcam com todos os custos operacionais da

DIRETO DA RUA

W. Francisco participou da gravação do programa “Conexão Repórter”, veiculado no dia 8 de março de 2012. No entanto, um dia antes foi avisado pelo produtor que não apareceria no programa, mas em outro ainda sendo produzido. –– “Você está me parecendo muito ingênuo na lida com

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Trecheirinhas

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O Trecheiro

coleta, como aluguel, combustível e outras despesas. Outros 16 mil catadores trabalham de maneira individual pelas ruas da cidade com carroças e são obrigados a vender seus materiais a sucateiros a preços irrisórios. A falta de apoio ao desenvolvimento da atividade de catação têm tornado inviável a organização dos catadores e as leis têm, progressivamente, promovido exclusão dos catadores do processo de participação efetiva na cadeia produtiva.

O grupo Kunumingue Inbaraeté (Jovens Fortes), em parceria com o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, inaugurou, no dia 10 de março de 2012, o Ponto Cultural dos Kunumingue e de Artesanato Guarani Mbya. Durante a inauguração aconteceu apresentação musical das crianças da Aldeia Tekoá Pyaú-Jaraguá. O Ponto Cultural, com a loja de produtos artesanais, fica na Rua 25 de Janeiro, 274, próximo à Estação Luz do Metrô, e tem apoio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Pastoral Indígena, Oxfam, União Europeia, Comissão Pró-Índio de São Paulo.Contato: (11) 3322-8604, com Daniel, Cláudia ou Renê. Foto: Alderon Costa/Rede Rua

Salvador de Acolá

este povo de televisão”! Artista é uma pessoa sincera, verdadeira, transparente e até teima em dizer verdades que muitas pessoas prefeririam não ouvir. Essas pessoas a que me refiro são os profissionais que trabalham para editores e redes de comunicação com interesses que, pode ter certeza, não é para melhoria da nossa qualidade de

Profissionais e Artistas vida. Esses profissionais são capazes de absolutamente ‘tudo’ para dar lucros inimagináveis aos patrões. Não para nós da “população de rua”, assim equivocadamente chamada, pois na verdade passamos a maior parte de nosso tempo nas calçadas, parques e outras áreas, não na rua. O que torna também a expressão “morador de rua” outro equívoco até por parte de cientistas políticos, sociais e técnicos da área social. Na realidade são seres humanos; ex-trabalhadores; vítimas da hipocrisia social que existe há séculos e séculos (amém); reféns do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que pretende ser um modelo gestor, como o

SUS, já falido. Os resultados são “desistentes sociais”; falhas inúmeras em serviços precários oferecidos em parcerias público-privadas e ONGs. Exemplifico a “Pedagodia da humilhação”, existente nos serviços de acolhida social, assim chamados albergues, que botam prá baixo a autoestima de qualquer pessoa fragilizada e vulnerável. Enfim, um perfil de pessoas que posso até me dar o direito de dizer que são “desumanas”. O comportamento/ relacionamento/trato com os “assistidos sociais” é de uma soberba tamanha, que somente quem é frio ou de outra raça não conseguiria perceber que algumas palavras derrubam aos poucos pessoas que já estão

abaladas por motivos vários. Depois reclamam dizendo que estão “engessados” ou que a “autoridade” deles não alcança a solução. Enfim, é isso. Quem não concorda com meu ponto de vista, com o que eu disse, podemos conversar. Vou gostar muito de debater esta questão, particularmente com assistente social ou profissional da comunicação que se utilizam de conhecimentos e princípios para deixar seus interlocutores num nível abaixo do seu. Mas a conversa tem que ser frente a frente, cara a cara, olho no olho, não pelas redes sociais, num debate mediado. Falei?


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Do Pinheirinho para a Rua Davi Amorim

“Estamos jogados na rua”

Violência, brutalidade, desrespeito, barbárie é pouco para definir o que os moradores do bairro Pinheirinho sofreram com ações de agentes públicos do governo do estado de São Paulo e da prefeitura de São José dos Campos Na manhã do dia 22 de janeiro de 2012, moradores da comunidade do Pinheirinho acordaram em meio a um campo de batalha, cercado por um efetivo de dois mil policiais militares, tropas de choque, cães, cavalaria e tanques blindados. Não era uma incursão contra o tráfico de drogas altamente armado, como se vê no Rio de Janeiro, tampouco uma ação contra terroristas perigosos. A operação da Polícia Militar (PM) e Guarda Civil Municipal de São José dos Campos, amparada por liminar judicial expedida pela juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, tinha o objetivo de expulsar seis mil

famílias que ocupavam o terreno há, mais ou menos, oito anos em área de 1,3 milhões de m2. Cerca de 300 catadores de materiais recicláveis estão, ainda, entre os desalojados, sendo 12 deles da Cooperativa Futura, filiada ao Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Foi uma ação extremamente violenta que gerou confronto com os moradores. Há depoimentos de que a Guarda Civil Municipal e a própria PM usaram armas de fogo na ação e centenas de moradores foram hospitalizados com ferimentos graves após receberem tiros, além de muitos moradores desaparecidos.

Denúncias

Há relatos de claro desrespeito aos direitos humanos por parte de agentes públicos dessas duas corporações contra os moradores do Pinheirinho: excesso de violência, pressão psicológica, crianças e idosos submetidos a risco e sem atendimento, além de furto de bens pessoais e destruição de móveis. Grande parte dos moradores relata que não puderam retirar seus bens materiais e pertences após a invasão dos policiais em suas casas. Muitos moradores perderam tudo, até documentos pessoais. “Não deixaram a gente tirar nada de dentro. Lá fora, eles estavam nos tratando como animais... a gente não era ser humano para eles”, relatou a catadora Simone dos Santos Vicente. Alguns cooperados da Futura não conseguiram retornar ao trabalho e desistiram por

conta da instabilidade vivida após o despejo. Os que ainda permanecem na cooperativa estão vivendo em casas de parentes. Mesmo com o auxílio moradia no valor de R$ 500, eles não conseguem alugar casas na cidade pela falta de imóveis, valor excessivo de aluguéis (acima de 500 reais) e preconceito dos proprietários em relação às famílias despejadas. “Nós até conseguimos pegar o cheque de R$ 500, mas não se acha casa para alugar nesse valor. Além disso, há lugares que não aceitam as crianças. Estamos jogados na rua”, relatou Simone. Os catadores se queixam das más condições dos abrigos fornecidos pela Prefeitura e da falta de transporte para que as crianças hoje despejadas cheguem à escola. “Meus filhos têm que andar duas horas todo dia para

demais moradores, Andreia conseguiu vaga na cooperativa Futura para poder reorganizar sua vida. Hoje, ela e sua família moram com uma das cunhadas. As violações são muitas, entre as mais graves está a denúncia levada pelo senador Eduardo Suplicy, que ouviu menores de idade dizerem que foram abusadas, sexualmente, por policiais militares da ROTA. O episódio aconteceu a 100 metros da àrea despejada. Há, ainda, relatos aterrorizantes de ações de tortura e humilhação promovidas por policiais militares.

chegar na escola, chegam cansados na escola, com risco de serem atropelados ou atacados por um estuprador, porque eles saem de casa às seis horas da manhã para conseguir chegar no horário”, relata aos prantos, a catadora Ângela, moradora no Pinheirinho há oito anos. As crianças são as que mais sofrem os efeitos psicológicos da ação violenta que lhes tirou o lar. “Meu filho não pode ver polícia, quando vê ele tampa o ouvido e chora: `puliça´ mamãe, bomba...”, relata Andreia Ribeiro Santos, catadora. Após ser brutalmente despejada, como os

Fotos: Davi Amorin

“Nós do MNCR estamos aqui em solidariedade aos catadores da Futura e estamos muito tristes com o que ouvimos e vimos hoje. Vamos encaminhar essa denúncia para os organismos de direitos humanos e lutar por justiça para os catadores de São José dos Campos”, declarou Eduardo Ferreira de Paula, em visita ao Pinheirinho após despejo.

Interesses em jogo

As ações judiciais mostraram-se controversas, sendo que nos últimos dois meses houve diversas decisões liminares. Um dia antes da invasão pelos policiais no Pinheiro, a reintegração de posse estava suspensa, por meio de um acordo entre as partes. Até mesmo durante a ação de despejo, a Justiça Federal expediu

liminar suspendendo a ação, mas a ordem não foi obedecida pelo Comando da PM que recebeu orientação de Rodrigo Capez, juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, representante do Tribunal na operação de desocupação. Vale dizer que este juiz é irmão do deputado federal Fernando Capez do PSDB. São vários os indícios que demonstram interesses implicados nessa invasão por parte da prefeitura de São José dos Campos, administrada pelo PSDB. Além disso, o megaespeculador Naji Nahas, preso em uma operação da Polícia Federal, em 2009, é dono do terreno do Pinheirinho, que deve milhões em impostos à prefeitura.

Pressão popular evita venda de patrimônio público

A Prefeitura de São Paulo desistiu de vender diversas áreas públicas ao setor imobiliário Davi Amorim

Eduardo do MNCR em visita aos catadores e catadoras do Pinheirinho

O galpão da Cooperativa de Catadores Granja Julieta Nossos Valores, no bairro de Santo Amaro sofreu um incêndio criminoso, em 2008, e nunca mais pôde retomar suas atividades na área onde funcionava, na Avenida Prof. Alceu Maynardi Araújo, região cercada por condomínios de classe média. Apesar desse fato lamentável que produziu danos materiais e emocionais, os catadores nunca desistiram de retornar ao trabalho no local. Realizaram dezenas de mobilizações e ingressaram com ação na justiça contra a venda do terreno. Este foi colocado à venda juntamente com outras áreas onde funcionam creches, biblioteca e espaços culturais. A pressão popular surtiu

efeito. A própria prefeitura admitiu que a repercussão negativa desses fatos e as ações judiciais inviabilizam a venda dos terrenos que somados valem cerca de R$ 480 milhões.

A pressão popular surtiu efeito. Realizaram dezenas de mobilizações e ingressaram com ação na justiça contra a venda do terreno.

Fotos: Joelma Couto


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