Os filhos....

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Algumas histórias do meu tempo!‌

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Os filhos Reparai naquele berço, Afofado, pequenino, Onde jaz no sono imerso Aquele róseo bambino. Junto do filho querido Sente-se orgulhosa a mãe, A pensar, atento o ouvido, Não venha acordá-lo alguém! Quem nem o mais leve insecto Perpasse pela cabeça Deste tenro amor dilecto, Com medo que ele estremeça! Acorda? Já ela aflita Não sabe o que há-de fazer! Se o pequeno chora e grita, Já pensa que vai morrer! Mas voltou ao lindo rosto A rósea cor? Que alegria! Faz até sorrir de gosto Contemplá-lo nesse dia. Chega o marido; nos braços Ela tem o filho agora; Oh! Que famintos abraços! De tanta alegria chora! É que só ela é que sabe Apreciar quanto vale Um afecto que só cabe No coração maternal! Que imenso amor, que doidice! Ó filhos, vós não pagais, Nem que de rastos vos visse, Um beijo dos vossos pais! Simões Dias

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Os Passarinhos Que bonitos, que engraçados, Que pequenos, coitadinhos, Os estouvados Dos passarinhos! A sua vida é cantar, Voar. Brincar pelo ar, E alegrar, Com os seus chilreios Tão cheios De graça e boa alegria, A luz do dia! Que bonitos, que contentes, E que espertos, coitadinhos, Os inocentes Dos passarinhos! A sua vida é voar Cantar, Brincar pelo ar Em ranchos alegres e mui divertidos. E quando pousam nos ramos floridos Parece que as flores estão a gorjear! Que bonitos, que engraçados, Os passarinhos, Se estão casados Dentro dos ninhos, E vão criando com mil cuidados Os seus meninos! E então, quando os pequeninos Já mais crescidos Podem sair?! Vêm com eles os pais, E eles piam, Piam, Piam, Muito contentes, os atrevidos, Assim a modo que a rir E aos ais… Afonso Lopes Vieira

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… E os dois ficaram sujos Um moleiro E um carvoeiro Travaram-se de razões Era um da cor da neve, Outro da cor dos carvões. Cada qual deles teimava Que o outro mais sujo estava; Tinham ambos a mão leve, Choveram os bofetões. E qual foi o resultado? Um ao outro se sujou; Pois ficou, O carvoeiro, Empoado; E o moleiro, Enfarruscado. Assim fazem as comadres, Se começam a ralhar; Assim fazem os compadres, Se a política os separa. Cada qual sem se limpar, Consegue o outro sujar; Nem é isso coisa rara.

Henrique O’Neil

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Diálogo da água e do fogo A água: Eu sou a água das fontes, Fresquinha, que faz gelar. Venho do seio dos montes, Vou ter ao seio do mar. O fogo: Eu sou o fogo que nasce Para aquecer toda a Terra, É de luz a minha face, Toda a vida em paz ou guerra. A água: São meus todos os caminhos, Ninguém mais do que eu tem freimas. Mato a sede aos pobrezinhos Rego os campos que tu queimas. O fogo: Nunca vi vaidade assim. Cala-te lá, não te afoites! Vê tu: na treva sem fim, Eu sou a graça das noites. A água: Eu sou do mundo a alegria Do orvalho às ondas cérulas, Dentro em mim quis Deus um dia Que se criassem as pérolas. O fogo: Tem sempre medo quem passa Por ti, ó água do mar; És a tragédia da Raça, Das caravelas sem par. A água: E tu não poupas ninguém: Destróis palácios enormes. Quantas desgraças não vêm De sob a cinza em que dormes! O fogo e a água: Ninguém deve dizer mal, Agora reparo eu, Somos ambos, afinal, Cada qual p’ro que nasceu. “Leal Conselheiro Infantil”

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O linho e a água O linho dizia à água, Muito baixo, num lamento: - Quisera ser como tu, Ter asas como as do vento; Correr montes, correr vales, Batido nas penedias, Ir contando minhas dores, Num rosário de agonias… Diz-lhe a água, num sussurro: - Vais ser feliz, vou jurar, Branca toalha de mesa, Rica toalha de altar! Ao passo que eu, coitadinha, Aqui vivo desprezada; Não invejes minha sorte, Não a queiras nem por nada! Mas o linho lhe responde: - Ah! Não estejas descontente, Ó água tão cristalina, Pois não é tua a corrente. Que torna os campos tão belos E o prado tão vicejante? Não dás de beber às flores E ao cansado caminhante? Que sina tão bela a tua! Que missão te destinaram! Não te esqueças de correr: Olha, as árvores secaram! Agora, que estão amigos, Fartinhos de conversar, Tiram o linho da água E o linho vem a chorar… Henrique de Sousa

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O sapo Não há jardineiro assim, Não há hortelão melhor, Para uma horta ou jardim, Para os tratar com amor. É guarda das flores belas, Da horta mais do pomar; E enquanto brilham estrelas, Lá anda ele a rondar… Que faz ele? Anda a caçar… Os bichos destruidores, Que adoecem o pomar E fazem tristes as flores. Por isso ficam zangadas As flores, se se faz mal A quem as traz tão guardadas Com seu cuidado leal. Ele guarda as flores belas, A horta mais o pomar; Brilham no céu as estrelas, E ele ronda a trabalhar… E ao pobre sapo, que é cheio De amor pela terra amiga, Dizem-lhe muitos que é feio E há quem o mate e persiga! Mas as flores ficam zangadas, Choram, e dizem por fim: - “Então ele traz-nos guardadas, E depois pagam-lhe assim?” E vendo, à noite, passar O sapo, cheio de medo, As flores, para o consolar, Chamam-lhe lindo, em segredo.

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O pucarinho O pucarinho de barro, O pucarinho, Tem bochechas encarnadas, Tem faces afogueadas, Dêem-lhe água, coitadinho, Que tem sede o pucarinho. O pucarinho de barro, O pucarinho, Está ao pé de sua mãe, Sua mãe, bilha bojuda, Quem tem como ele, também, A carinha bochechuda. O pucarinho de barro, O pucarinho, Se a água dentro lhe cai, Põe-se baixinho chiando; Parece que diz: - Ai, ai, Já me a sede vai passando! Se se vai pelo caminho, Ao sol ardente, Tem-se uma grande alegria, Se dão de beber à gente, Uma pouca de água fria Que é dada num pucarinho!

Afonso Lopes Vieira

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A Neve Batem leve, levemente, Como quem chama por mim… Será chuva? Será gente? Gente não é certamente E a chuva não bate assim… É talvez a ventania; Mas há pouco, há poucachinho, Nem uma agulha bulia Na quieta melancolia Dos pinheiros do caminho… Quem bate assim levemente, Com tão estranha leveza Que mal se ouve, mal se sente!... Não é chuva, nem é gente, Nem é vento com certeza. Fui ver. A neve caía. Do azul cinzento do céu, Branca e leve, branca e fria… - Há quanto tempo a não via! E que saudades Deus meu! Olho-a através da vidraça Pôs tudo da cor do linho. Passa gente e quando passa, Os passos imprime e traça Na brancura do caminho… Augusto Gil

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Vozes dos Animais Palram pega e papagaio E cacareja a galinha Os ternos pombos arrulham Geme a rola inocentinha. Muge a vaca, berra o touro, Grasna a rã, ruge o leão; O gato mia, uiva o lobo, Também uiva e ladra o cão. Relincha o nobre cavalo, Os elefantes dão urros, A tímida ovelha bale, Zurrar é próprio dos burros. Regouga a sagaz raposa, Brutinho muito matreiro, Nos ramos cantam as aves, Mas pia o mocho agoureiro. Sabem as aves ligeiras O canto seu variar; Fazem gorgeios às vezes, Às vezes põem-se a chilrear. O pardal, daninho aos campos, Não aprendeu a cantar; Como os ratos e as doninhas, Apenas sabe chiar. O negro corvo crucita, Zune o mosquito enfadonho; A serpente no deserto Solta assobio medonho. Chia a lebre, grasna o pato, Ouvem-se os porcos grunhir; Libando o suco das flores, Costuma a abelha zumbir 10


Bramem os tigres, as onรงas, Pia, pia, o pintainho; Cucurita e canta o galo, Late e gane o cachorrinho.

A vitelinha dรก berros, O cordeirinho balidos; O macaquinho dรก guinchos, A criancinha vagidos.

A fala foi dada ao homem, Rei dos outros animais: Nos versos lidos acima Se encontram em pobre rima As vozes dos principais.

Pedro Dinis

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O pastor Longe da terra, Cá pela serra Sozinha, Do céu azul vizinha, Guardo o rebanho, Toco flauta e oiço os passarinhos: Dlim, dim… Vivo longe do povoado, O rebanho é meu cuidado, E estamos perto do céu Os meus cães, a serra, eu E o meu rebanho… Os lobos dão-me trabalhos, Mas os meus cães são valentes, E para os lobos têm dentes E têm festas para mim: Dim, dlim, dim… Longe da terra, Cá pela serra Sozinha, Do céu azul vizinha, Guardo o rebanho, Toco flauta e oiço os passarinhos: Dlim, dim…

Afonso Lopes Vieira

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A Cigarra e a Formiga Tendo a cigarra em cantigas Folgado todo o Verão Achou-se em penúria extrema Na tormentosa estação. Não lhe restando migalha Que trincasse, a tagarela Foi valer-se da formiga Que morava perto dela. Rogou-lhe que lhe emprestasse, Pois tinha riqueza e brio, Algum grão com que manter-se Até voltar o aceso Estio. "Amiga - diz a cigarra - , Prometo, à fé de animal, Pagar-vos antes de Agosto Os juros e o principal". A formiga nunca empresta, Nunca dá, por isso junta. "No Verão em que lidavas?" À pedinte ela pergunta. Responde a outra: "Eu cantava Noite e dia, a toda a hora". - Oh! Bravo! - torna a formiga! - Cantavas? Pois dança agora! Bocage

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A Pena e o Tinteiro Uma pena presumida De escrever grandes sentenças, Falava das suas obras Tão sublimes como extensas. "Sem mim, disse ela ao tinteiro, Pouca figura farias: Cheio de um licor imundo, Sem mim, triste, que serias?" O tinteiro, injuriado, Vazou logo a tinta fora, E voltou-se para a pena, Dizendo-lhe: "Escreve agora!" Assim responde aos ingratos, Muitas vezes, a razão; Muita gente há como a pena, Como o tinteiro outros são.

Marquesa de Alorna

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A MOLEIRINHA Pela estrada plana, toc, toc, toc, Guia o jumentinho uma velhinha errante. Como vão ligeiros, ambos a reboque, Antes que anoiteça, toc, toc, toc, A velhinha atrás, o jumentinho adiante! Toc, toc, a velha vai para o moinho. Tem oitenta anos, bem bonito rol!... E, contudo, alegre como um passarinho, Toc, toc, e fresca como o branco linho, De manhã nas relvas a corar ao sol. Vai sem cabeçada, em liberdade franca, O jerico ruço, duma linda cor; Nunca foi ferrado, nunca usou retranca. Tange-o, toc, toc, a moleirinha branca, Com o galho verde duma giesta em flor. Toc, toc, é tarde, a moleirinha santa, Nascem as estrelas, vivas em cardume... Toc, toc, toc, e, quando o galo canta, Logo a moleirinha, toc, se levanta, P'ra vestir os netos, p'ra acender o lume... Toc, toc, como o burriquinho avança! Que prazer de outrora para os olhos meus! Minha avó contou-me, quando fui criança, Que era assim tal qual a jumentinha mansa Que adorou nas palhas o menino Deus.

Guerra Junqueiro 15


"A Panela de Ferro e a Panela de Barro" A panela de ferro, um certo dia, Ao sair do esfregão da cozinheira, Mui fresca e luzidia, Disse à de barro sua companheira: "Vamos dar um passeio, Fazer uma viagem de recreio." - "Iria com prazer, disse a de barro, Mas sou tão delicada, Que, se acaso em seixo ou tronco esbarro, Lá fico esmigalhada! Acho mais acertado aqui ficar, Ao cantinho do lar. Tu, sim, que vais segura. A pele tens mais dura." - "Se é só por isso, podes ir comigo, É medo exgerado o teu, - contudo, Se houver qualquer perigo, Serei o teu escudo." A tal dedicação, a tal carinho, Não pôde a companheira replicar, E as duas, a caminho, Lá vão nos seus três pés a manquejar. Mas, ai! não tinham dado quatro passos, Numa vereda estreita, Eis que se tocam - e a de barro é feita, Coitada, em mil pedaços! Para sócio, não busques o mais forte, Que te arriscas decerto à mesma sorte.

Acácio Antunes (fábulas de Lafontaine)

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