Políticas urbanas e o Estado de exceção

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POLÍTICAS URBANAS E O ESTADO DE EXCEÇÃO Zona Leste e a Copa do Mundo em Itaquera como estudo de caso



POLÍTICAS URBANAS E O ESTADO DE EXCEÇÃO Zona Leste e a Copa do Mundo em Itaquera como estudo de caso

Carolina Geise Trabalho Final de Graduação FAUUSP, 2012 Orientação: Maria Camila Loffredo D’Ottaviano

Banca examinadora: Flávio José Magalhães Villaça João Sette Whitaker Ferreira



“Pedimos, por favor, não achem natural o que muito se repete!” (B. Brecht, A exceção e a regra)


SUMÁRIO

10

INTRODUÇÃO SEÇÃO 1. A ZONA LESTE DE SÃO PAULO

1. Formação urbana do setor leste de São Paulo

2. Planos municipais passam a contemplar a região leste

2.1 Abertura da Av. Jacú-Pêssego

2.2 Plano Diretor Estratégico e Planos Regionais

2.3 As Operações Urbanas Consorciadas

_A Operação Urbana Consorciada Rio Verde-Jacú

_ Revisão da Lei

2.4 Polo Institucional e Tecnológico de Itaquera

2.5 Leis de Incentivos Seletivos para a Região Leste

16 37 39 42 47 54 57 64 70


SEÇÃO 2. DESTRINCHANDO A POLÍTICA DE MERCADO EM SÃO PAULO:

O CASO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014

A. O papel do Estado na contradição capitalista

B. A cidade-empresa e o Estado de exceção

3. Megaeventos esportivos como estratégia: a promessa do Legado

3.1 Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, 2007

3.2 Copa do Mundo no Brasil: nova perspectiva para a política urbana

3.3 FIFA, COL e CBF

3.4 Discurso vs. Realidade

3.5 Festejando a cidade de exceção

3.5A. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012 - Lei Geral da Copa

80 81 89 90 97 98 102 111 112


SUMÁRIO

3.5b. Lei nº 12.462, de 5 de agosto de 2011

Regime Diferenciado de Contratação (RDC)

116

3.5c. Lei nº 12.350, de 20 de dezembro de 2010 e

Decreto nº 7.319, de setembro de 2010 – Regime Especial

de Tributação para Construção, Reforma ou Modernização

de Estádios de Futebol - RECOPA

3.6 Estádio em Itaquera: Arena São Paulo,

Fielzão ou catalizador de transformações?

3.6a. O palco de São Paulo: Morumbi vs. Itaquera

3.6b. Viabilização econômica da Arena de Itaquera

3.6c. Malabarismo Financeiro

_ Programa PróCopa Arenas, BNDES

_ Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CID), PMSP

118 120 120 124 130 131 136


_ Assentos móveis para abertura da Copa, Governo

do Estado de São Paulo

_Conceção do terreno, PMSP

3.6d. Ações do Ministério Público

139 141 145

OBSERVAÇÕES FINAIS

4. Direitos para poucos

4.1 Articulações populares e resistência

4.2 A tomada de consciência: o verdadeiro Legado

150 155 161

BIBLIOGRAFIA

164

ÍNDICE DE IMAGENS

171


INTRODUÇÃO

A proposta do trabalho é analisar a pro-

físico e nas relações entre os habitantes

dução e reprodução da cidade sob uma ótica

desse espaço (de que forma o mercado,

urbanística, política e econômica, com o objetivo

formado principalmente por empreiteiras e

de tomar consciência de quem são e quais

agentes imobiliários, e a população se apropriam

os papéis de cada agente do espaço urbano.

das políticas urbanas e como elas incidem

Em especial, como as políticas urbanas

sobra cada um desses agentes). Ao conjunto

e as leis (criadas, reproduzidas e aplicadas pelo

dos agentes dá-se o nome de governança.

poder público) agem e interferem nessa produção, de que forma são tomadas as decisões

“Governança urbana é algo bastante distin-

com elas relacionadas (ou seja, a quais in-

to de governo urbano, uma vez que o poder

teresses as leis e políticas urbanas servem)

real de organização do espaço está em uma

e

ampla coalizão de forças mobilizadas por

10

quais

os

desdobramentos

no

espaço


diversos agentes sociais, onde o governo

físico? Além disso, de que forma é feita a dis-

e a administração urbana desempenham

tribuição de infraestrutura entre a população?

apenas um papel facilitador e coordenador.

São questões que permeiam as cidades.

É um processo conflituoso, principalmente em espaços onde a densidade social é muito

Como se chega à construção de uma nova

diversificada.” (HARVEY, 2005)

avenida na Berrini e não à provisão de creches em bairros como Brasilândia ou São Miguel,

Esse conceito é fundamental para compreensão

carentes de equipamentos públicos? Porque

do trabalho, cujo objetivo central é verificar a

conceder incentivos fiscais a grandes empresas

forma de atuação dessa constante coalizão e

e não aos pequenos produtores familiares?

disputa de forças pelo espaço urbano.

Porque anistiar dívidas de IPTU de proprietários de imóveis abandonados no centro de São

As edificações da cidade são o resultado con-

Paulo ao invés de conceder o direito de uso

creto de uma disputa mais ampla que corre

de áreas ocupadas por moradia de baixa renda,

nos bastidores da produção material e edílica.

hoje consideradas irregulares, como acontece

Afinal, o acesso à terra e aos bens físicos da

com mais de 6% da área do município de São

cidade não são concedidos a todos, pois enquanto

Paulo1?

alguns vivem em regiões cobertas por ampla 1 Fonte: Habisp, julho 2010.

infraestrutura, outros têm de se submeter à vida

A questão fundamental sobre a qual o presente

em locais desprovidos de necessidades básicas

trabalho se debruça, considerando-o a porta de

como água, luz, esgoto, transporte, áreas verdes,

entrada para a profissão de arquiteto urbanista,

empregos, escolas, hospitais. De que forma é

é com relação às decisões sobre quais, onde e

feita essa divisão das pessoas dentro do espaço

de que forma a produção edílica da cidade será

11


implantada. Para um projeto, não basta que ele

anúncio da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil

seja adequado por si só e bem resolvido como

e a abertura do evento no novo estádio do

edifício isolado, mas que seja adequadamente

Corinthians, em Itaquera. Os olhos do mercado

inserido em um contexto: a cidade e a socie-

imobiliário se voltaram para a região e as disputas

dade que nela habita.

pelo espaço mudaram de forma e escala, enquanto o prazo e conseqüente senso de

Os temas aqui levantados foram trabalhados

urgência exacerbam as transformações. É

a partir da análise das políticas públicas

nesse contexto que abordaremos o que Carlos

implantadas na cidade de São Paulo, mais

Vainer chama de cidade de exceção, caso em que

especificamente na Zona Leste do Município e

o desrespeito à lei torna-se legalmente aceito

na região de Itaquera, cujo marco considerado

e autorizado pela própria lei, sob a justificativa

foi a instituição do Plano Diretor Estratégico

da necessidade de responder rapidamente

de São Paulo, em 2002. A escolha se deu pela

à demanda criada por uma exceção, como a

circunstância peculiar em que se encontra

Copa do Mundo (VAINER, 2010).

essa área: retrata a periferia autoconstruída e excluída, que cresceu nos anos 1950 durante

Megaeventos tornaram-se uma estratégia das

o surto industrial do município e, nas décadas

governanças urbanas para atrair investimentos

de 1970 e 1980, consolidou as franjas urbanas

e atenção às cidades onde estes se realizam,

como locus da população de baixa renda,

apoiados por um novo padrão discursivo, cuja

através da promoção de grandes conjuntos

retórica anuncia a convergência de interesses

habitacionais pelo poder público. Porém, um

públicos e privados. Em um contexto onde

novo contexto está mudando radicalmente o

as cidades competem por recursos e reconhe-

cenário desse território antes marginalizado: o

cimento de sua posição global, megaeventos

12


como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos

realidade, o que é apenas promessa e o que

são justificados como alavancas para um novo

de fato se desdobrará em benefícios concretos.

patamar de destaque e redefinição da sua ima-

Procura, finalmente, verificar o que Agamben

gem no cenário mundial, levando ainda à

chama de estado de exceção, ao comprovar

dinamização da economia ao atrair a atenção

que

do capital globalizado. Enquanto os lucros e benefícios são canalizados para o capital privado

práticas

das grandes empresas vinculadas aos eventos,

como medidas ligadas a acontecimen-

seu financiamento é quase sempre realizado

tos excepcionais, reservadas a situações

por

limitadas no tempo e no espaço,

instituições

neoliberal:

gastos

públicas.

É

a

compartilhados,

máxima lucros

inicialmente

apresentadas

tornam-se regra. (AGAMBEN, 2004)

concentrados. Ao comparar as políticas públicas para São O discurso do legado justifica a maciça partici-

Paulo e Zona Leste antes e depois do anúncio

pação pública para a realização de megaeven-

da Copa do Mundo, será possível perceber que

tos, que no caso do Brasil apela ao orgulho

as diferenças são menos gritantes do que se

nacional do país do futebol, da hospitalidade

poderia imaginar. O que ocorre é apenas uma

e da festa, deixando promessas vazias e planos

agudização da cidade de exceção.

descompromissados que não encaram as questões mais urgentes que assolam o país, que sofre com uma brutal desigualdade social. O presente trabalho visa identificar o que é discurso e de que forma ele se relaciona com a

13



SEÇÃO 1. A ZONA LESTE DE SÃO PAULO


1. FORMAÇÃO URBANA DO SETOR LESTE DE SÃO PAULO

A ocupação da região leste do município

ferroviário no relevo natural, inaugurando a

de São Paulo começou como um pontilhado

tradição de ocupação das várzeas pela rede de

de núcleos ao longo do antigo caminho que

transportes. A Estrada de Ferro (E.F.) Central do

ligava o centro histórico paulistano ao Rio

Brasil foi por muito tempo a única ligação do

de Janeiro, desde meados do século XIX.

Rio de Janeiro e Minas Gerais com São Paulo,

Esse caminho de penetração do território foi

sendo que a maior parte de seu traçado segue

aproveitado na implantação da Estrada de

paralelo ao eixo do Vale do Paraíba, mas se

Ferro Central do Brasil, inaugurada em 1877.

distancia do Rio Tietê ao se aproximar de São

As técnicas construtivas disponíveis na época

Paulo, devido, em parte, às características

tornavam os diversos obstáculos topográficos

topográficas favoráveis da região, de terras

do município um enorme empecilho, de

ainda baixas e relativamente planas.

modo que a solução foi acomodar o sistema

16


Outra linha férrea que orientou, de certa forma,

Além disso, a proximidade com o transporte

a formação da região leste foi a Santos-

público de massa representado pelas ferrovias

Jundiaí, inaugurada em 1867, responsável pelo

foi

escoamento da produção cafeeira do interior

pressões por implantação de modal para

de São Paulo para o porto de Santos. A

transporte

introdução das ferrovias impulsionou a dinâmica

linhas extraregionais, cujo objetivo inicial

do setor agroexportador dentro do incipiente

era o transporte de carga (VILLAÇA, 2001).

quadro

econômico

paulistano

determinante. de

Prova

passageiros

disso ao

eram longo

as de

(FRANCO,

2005). A acumulação de capital resultante

As ferrovias representaram um dos primeiros

criou condições para o florescimento de

fatores responsáveis pela urbanização extensiva

indústrias e boom urbano correlato. Essas

que caracterizou São Paulo. Diferentemente

escolheram as margens das estradas de ferro

das indústrias, que se encontravam na extensão

para se instalar, próximas à rede de escoamento

de todo o eixo, as localizações residenciais da

de mercadorias e com extensas áreas livres e planas.

suburbanização se restringiam às áreas próxi-

As várzeas inundáveis foram, por muito tempo,

masàs estações, uma vez que eram os únicos

desprezadas pelo processo de urbanização,

pontos de acesso ao transporte, ao passo que

que se concentrava nas regiões mais altas.

as indústrias poderiam facilmente puxar um ramal que as conectasse à rede principal. Como

Nas proximidades dos núcleos industriais surgi-

as estações eram escassas, implicaram na valo-

ram os bairros operários, onde hoje se encontram

rização de localidades específicas, construindo

Brás, Belém e Mooca, atraídos pelos baixos

um modelo de urbanização linear e polarizado

custos da terra, decorrentes das persistentes

(FRANCO, 2005), como mostra o Mapa 1.

inundações e baixas condições de salubridade.

17


MAPA 1. São Paulo: Estradas de ferro e mancha urbana, 1920. Fonte: elaboração do autor.

18


Os anos 1930 trazem o início da transição do

incrementada pela massa de trabalhadores

transporte sobre trilhos para o modelo baseado

atraídos pela oferta de empregos na metrópole.

no transporte sobre pneus. Esse modelo se

Estavam colocadas as condições que firmaram

consolida nos anos 50, mostrando-se muito

o padrão periférico de expansão urbana,

conveniente para São Paulo, pois se adequa

como mostram as densidades demográficas

com versatilidade à sua topografia acidentada,

do

permitindo a ocupação tanto de áreas recor-

(MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004), com

tadas geograficamente quanto das longínquas

uma mancha urbana desarticulada e pouco

e rarefeitas periferias, até então não atingidas

densa que emergiu e se consolidou entre os anos

pelo sistema de transporte. Viabilizou, dessa

40 e 60. Pelos Mapas 2 e 3 é possível ver sua

forma, um novo modelo de expansão urbana:

grande expansão entre os anos 1949 e 1964, se

extensiva, descontínua e de baixa densidade,

espalhando por toda a extensão do município

a ocupação rarefeita do território que alguns

através da crescente malha viária, chegando

autores chamaram de padrão periférico .

até os municípios limítrofes de São Paulo.

A dinâmica territorial da metrópole se altera

A população da Subprefeitura de Itaquera saltou

significativamente pela conjugação de dois

de 15.246 habitantes na década de 1950 para

fatores: a instalação de grande número de in-

quase 37 mil na década seguinte, um aumento

dústrias automobilísticas e relacionadas na região

de mais de

do ABC paulista, impulsionando o crescimento

crescimento populacional ser quase o dobro da

rodoviarista da cidade e atraindo grande

de regiões mais centrais do município, como Sé

número de operários para a região leste, e a

e Pinheiros, sua densidade populacional ainda

mudança na escala da demanda habitacional,

é comparativamente baixa (Quadro 1).

2

2 Bolaffi, em 1979, utilizou o termo “padrão periférico de crescimento” e Bonduki, 1983 o termo “padrão periférico de urbanização” (MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004).

município

em

1960:

2,46

hab/km²

242%. Apesar de sua taxa de

19


QUADRO 1. Taxa de crescimento populacional, de 1950 a 1960 Unidades Territoriais

Itaquera

Área (km²)

População

Hab/km²

População

1960

Hab/km²

Cidade Líder

10,2

7.254

711,18

15.064

1477

Itaquera

14,6

5.070

347,26

15.245

1044

José Bonifácio

14,1

Parque do Carmo

15,4

54,3

1.188

15.246

84,26

280,77

112,53

1.733

2.706

36.965

192

207,66 681

256

3.949

1950-1960 (%) 300,69 227,78

242,46

227,87

Pinheiros

31,7

169.003

5.331,32

247.079

7794

146,20

26,2

350.947

13.395

432.708

16.516

123,30

1.522.986

2.151.313

1,41

3.667.899

2,41

170,50

MSP Fonte: elaboração da autora com base nos dados: IBGE: Censos Demográficos, 1950, 1960

Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960 SMDU/Dipro - Retroestimativas e Recomposição dos Distritos para os anos 1950, 1960 Metrô/SP - Pesquisa Origem e Destino 2007

20

1950


MAPA 2. São Paulo: Mancha urbana, 1949. Fonte: elaboração do autor.

21


MAPA 3. São Paulo: Estradas de ferro, vias principais e mancha urbana, 1964. Fonte: elaboração do autor.

22


Junto com a industrialização iniciada a partir

de sua área inserida no plano, diferenciando

dos anos 1950, começa um processo de expansão

usos e parâmetros, as regiões norte e leste

da mancha urbana e especulação imobiliária

permanecem quase desprovidas de qualquer

no sentido leste, no espaço até então mais

definição e têm suas áreas identificadas como

ou menos ocupado por pequenas propriedades,

“não demarcadas”. Essa falta de controle

várzeas vazias e olarias.

materializou-se

em

uma

malha

urbana

fragmentada, com pequenas vias locais auto O descompasso entre realidade e ações públicas

construídas e sem planejamento.

de planejamento e controle urbano era tamanho que, em 1965, quando foi aprovada a primeria lei que regulava o uso do solo em zona considerada rural, a metrópole já havia alcançado uma mancha de aproximadamente 745 km² (MEYER,

GROSTEIN,

BIDERMAN,

2004),

avançando sobre as regiões antes rurais. Outro descompasso é visível no mapa de zoneamento de 1972, principal instrumento de planejamento urbano naquele momento. Ele mostra com clareza a diferença de postura quanto à gestão das diferentes regiões de São Paulo: enquanto as áreas ocupadas predomimantemente pelas classes mais altas da população (centro expandido, quadrante sudoeste) tem quase a totalidade

23


MAPA 4. Município de São Paulo – Zoneamento 1972. Fonte: Rolnik, 2000.

24


A partir dos anos 1970, no período de surto

do perímetro do município. Essas vias foram

rodoviarista, a região leste passou a ser sistema-

implantadas posteriormente à formação auto-

ticamente

crescente

construída da região e se sobrepuseram ao seu

importância de grandes avenidas, como a Av.

tecido irregular de forma brusca. Não existe uma

Salim Farah Maluf (1969), Av. Aricanduva (1979)

malha de transição entre essas duas escalas, local

e, porteriormente, a Av. Jacú-Pêssego (1995).

e metropolitana, e o resultado é um tecido

O Anel Viário Metropolitano, que compreende

urbano recortado, de baixa fluidez, com bairros

algumas das grandes vias da zona leste, construído

separados por barreiras urbanas quase intrans-

entre 1976 e 1985, carrega grandes fluxos

poníveis, além de enormes congestionamentos.

reorganizada

pela

metropolitanos, apesar de se situar dentro

FOTOS 1. (cont.) >

25


> FOTOS 1. Morfologia da região leste do município de São Paulo, composta por malha viária irregular e atravessada por grandes vias de fluxo rápido e vazios subutilizados, configurando uma série de barreiras urbanas de difícil transposição. O resultado é um tecido urbano de baixa fluidez. Fonte: Google Earth, 2011.

26


MAPA 5. São Paulo: Anel viário metropolitano, principais vias e cinturão industrial, 1974. Fonte: elaboração do autor.

27


FOTO 2. Congestionamento na Av. Alcântara Machado, principal ligação da região leste com o centro da cidade de São Paulo.

Mas apesar do crescimento rodoviarista, o elo

autoconstruída leste (ROLNIK, 2001), como pode

entre a cidade de São Paulo e as periferias pobres

ser visto no Mapa 5.

e distantes, principalmente a Zona Leste, permanece formado principalmente pelo sistema

É nesse quadro, a partir da década de 1960,

ferroviário, obsoleto e carente de investimentos

que o poder público acrescenta um forte com-

por parte do poder público. O cinturão industrial

ponente no processo de formação da periferia.

que se formou ao longo da E.F. Santos Jundiaí,

Na região de Itaquera perduravam extensos

somado à ferrovia propriamente dita configuram,

vazios e áreas semiocupadas, que chamaram a

desde então, uma forte barreira entre o centro

atenção do poder público para um enorme pla-

urbano da cidade e a ocupação

no habitacional. A COHAB-SP (Companhia de

28

periférica


Habitação de São Paulo) adquire glebas rurais

Previdência Social) e que foram passadas ao

no extremo leste para promoção de grandes

BNH (Banco Nacional de Habitação) para,

conjuntos

momento

finalmente, serem repassados à COHAB-SP. Os

os loteamentos populares, irregulares e clandes-

empreendimentos realizados foram possíveis

tinos, já eram uma realidade, assim como sua

graças a uma série de alterações na política

precariedade. Entre as décadas de 1960 e 1970

do BNH, que vinha promovendo a partir de

o maior incremento de ocupações irregulares

1960 maciça construção de grandes conjuntos

se encontrava justamente na região leste,

como política habitacional do governo fed-

com 167 hectares (MARCONDES, 1999).

eral e oferecendo financiamento através do

habitacionais.

Nesse

programa da PLANASA (Plano Nacional de A decisão da COHAB de investir em moradia

Saneamento). As principais exigência do

em grande escala se deu por uma questão

novo programa eram maior faixa salarial para

econômica, pelos preços acessíveis dos terrenos

financiamento das habitações – aumentou da

e presença de latifúndios improdutivos que

faixa de 1 a 3 salários mínimos (SM) para 3 a 5

serviam de lazer a famílias tradicionais. A cres-

SM – e o aumento da densidade de ocupação,

cente demanda por moradia, que na década

que passou de 150 hab/ha para 450 hab/ha.

de 1960 chegava a mais de 800 mil unidades, levou a COHAB a uma mudança de atuação, aumentando a proporção dos conjuntos construídos. Além disso, a região de Itaquera contava

com

outro

fator

determinante:

a existência de extensas glebas que pertenciam ao INAMPS (antigo Instituto Nacional de

29


MAPA 6. São Paulo: Conjuntos Habitacionais promovidos pelo poder público, 1988. Fonte: elaboração do autor com base nos dados de MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004.

30


Nos anos 1970 e 1980, a população de Itaquera

foram construídos em Guaianases e Cidade

aumenta exponencialmente e este se consolida

Tiradentes. Só nesses complexos, entre 1980 e

como bairro dormitório, efeito causado princi-

1984, mais de 200 mil pessoas se instalaram.

palmente pela construção de enormes Conjuntos

Os quadros 2 e 3 revelam um crescimento cons-

Habitacionais pela Prefeitura (Mapa 6), a

tante e sempre acima da média da população

começar pelo Cohab I, na região do Arthur

na subprefeitura de Itaquera. Em especial en-

Alvim, na antiga fazenda Caaguaçu, seguido

tre os anos 1970 e 1990, quando contou com

pelo Cohab II e III, em José Bonifácio, em

um incremento de mais de 300 mil pessoas,

área antes pertencente à Fazenda do Mor-

aumentando em 330 % sua população.

gante. Além destes, outros grandes conjunto QUADRO 2. Crescimento populacional de 1950 a 2010 Unidades Territoriais Itaquera

1950

Cidade Líder

7.254

Itaquera

5.070

José Bonifácio

1.188

Parque do Carmo

1.733

Pinheiros MSP

1960

1970

15.246

15.245 2.706

1980

38.420

15.064 36.965

3.949

63.070 11.313

1991

70.508 129.314

16.511

126.727 24.049

2000

97.370 256.383

35.099

175.366 103.712

2010

116.841 431.191

54.743

201.512 107.082

126.597 489.502

64.067

204.871 124.122

523.848

68.258

169.003

247.079

297.644

378.617

339.630

272.574

289.743

2.151.313

3.667.899

5.924.615

8.493.226

9.646.185

10.434.252

11.253.503

Fonte: elaboração do autor com base nos dados: IBGE: Censos Demográficos, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010 Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960 SMDU/Dipro - Retroestimativas e Recomposição dos Distritos para os anos 1950, 1960 , 1970 e 1980

31


QUADRO 3. Taxa de crescimento populacional de 1950 a 2010 Unidades Territoriais Itaquera

1950-1960 (%)

1960-1970 (%)

1970-1980 (%)

1980-1991 (%)

1991-2000 (%)

Cidade Líder

207,66

255,05

183,52

138,10

120,00

Itaquera

300,69

413,71

200,93

138,38

114,91

José Bonifácio

227,78

Parque do Carmo

227,87

242,46

418,07

349,83

418,11

212,58

198,26

212,58

431,25

168,18

155,97

103,25

108,35 113,52

117,03

101,67 115,91

107,02

106,54

Pinheiros

146,20

120,47

127,20

89,70

80,26

106,30

MSP

170,50

161,53

143,35

113,58

108,17

107,85

Fonte: elaboração do autor com base nos dados: IBGE: Censos Demográficos, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010 Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960 SMDU/Dipro - Retroestimativas e Recomposição dos Distritos para os anos 1950, 1960 , 1970 e 1980

A construção das Cohab’s trouxe uma série de

não encontravam uma identidade própria.

problemas para a região, dentre eles a falta de

Em meio à vastidão formada por centenas de

identidade com o lugar. Os conjuntos habita-

prédios e apartamentos iguais, as pessoas mal

cionais em Itaquera e Guaianases significaram

conseguiam encontrar suas casas (LOPES, 2011).

um processo de massificação, trazendo milhares de pessoas das mais diversas regiões da cidade, sem nenhuma relação com o local e que não se reconheciam como parceiras. O espaço foi redefinido de forma violenta, sua identidade neutralizada, a memória sobreposta por uma massificada produção em série de moradias. Os moradores anteriores não reconheciam sua cidade nem seu passado e os novos habitantes

32

2000 -2010 (%)


FOTO 3. Conjunto Habitacional produzido pela COHAB-SP. Itaquera, São Paulo. Fonte: arquivo fotográfico SVMA (Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente).

Distantes dos locais de emprego e dos centros

das instalações disponibilizadas pela Cohab

de comércio, são ilhas desconectadas de

na região leste. Foram construídas, no caso do

qualquer relação com a cidade. A infraestrutura

Conjunto Habitacional José Bonifácio, quatro

da região foi sendo implantada de forma des-

creches para um universo de cerca de 98 mil

contínua, principalmente a partir de 1970, por

pessoas, ou seja, uma unidade para cada

pressão de iniciativas populares. Os investimentos

24.500 moradores. Não foram pensadas áreas

realizados pelo poder público, nesse sentido,

de comércio e serviços nem propostas de

são mais de conjuntura política do que fruto

desenvolvimento econômico complementares

de um processo planejado de expansão urbana,

às habitações. Hoje, o número de empregos di-

realizados apenas para responder às pressões de

sponíveis na região atende a pouco mais do que

grupos organizados. As habitações foram im-

10% da população total (Quadro 5), obrigan-

plantadas antes da chegada de equipamentos

do-a a um deslocamento diário de mais de 20

públicos. O Quadro 4 mostra a precariedade

quilômetros até regiões centrais onde a oferta

33


de postos de trabalho é mais farta. Essa pere-

casos, o gasto adicional com transporte não

grinação diária é feita através de um sistema

pode ser bancado pelos precários orçamentos

de transporte insuficiente e sobrecarregado a

das famílias moradoras da região, obrigando-as

partir de ônibus, trens e, posteriormente, metrô

a uma verdadeira condição de exílio.

(inaugurado em 1988). Além disso, em muitos

QUADRO 4. Características gerais dos conjuntos habitacionais Itaquera I, II e III Equipamentos

Itaquera I

Conjunto Habitacional Itaquera II e III Nome oficial: C. H. José Bonifácio

Distância do centro de São Paulo Área Construída Total de Unidades Apartamentos Casas Embriões População estimada

Equipamentos Comunitários Centros comunitários

21 km

28 km

648.000 m²

918.000 m²

12.260

19.600

11.610

17.240

650

1.782

_

578

61.300 habitantes

98.000 habitantes

27

11

(2.270 hab/equipamento)

(8.909 hab/equipamento)

6

_

Creches

4

4

EMEIs¹

4

4

Postos de Saúde

2

2

Escolas

5

6

Centro de Esporte, Saúde e Lazer

1

1

Igrejas

1

1

¹Escola Municipal de Educação Infantil Fonte: História dos bairros de São Paulo - Itaquera. LEMOS, Amália Inês Geraiges de. FRANÇA, Maria Cecília. São Paulo, 1999.

34


QUADRO 5. Densidade demográfica e Número de empregos por habitante, 2007 Unidades Territoriais

Itaquera

Área (km²)

Itaquera Cidade Líder

1.474 1.066

Parque do Carmo José Bonifácio

1.565 1.449

Pinheiros Sé

5.554 3.220 3.300 152.668

MSP

População 217.239 127.951 688.752 108.662

Densidade demográfica (hab/ha²)

522.604 236.630 367.282 10.896.639

147,38 120,03 440,10 74,99

94,10 73,49 111,30 71,37

Empregos 23.969 16.379 15.390 11.423

67.161 588.298 1.000.640 3.948.016

Empregos/ Habitante 0,11 0,13 0,02 0,11

0,13 2,49 2,72 0,36

Fonte: elaboração do autor com base em: IBGE: Censo Demográfico 2010 Metrô/SP - Pesquisa Origem e Destino 2007

A Linha 3 – Vermelha do metrô começou a

continua crescendo, até hoje (Quadros 2 e 3).

ser construída em 1972, mas alcançou o bairro

3 Uma série de investimentos viários, em infraestrutura e parques foram realizados no eixo que liga o centro de São Paulo até a Av. das Nações Unidas, passando por regiões como Consolação, Av. Paulista, Pinheiros, Higienópolis, Parque do Ibirapuera, Morumbi, Brooklin.

de Itaquera apenas em 1988. Foi planeja-

No processo de formação da região, a ação do

da para chegar até Guaianases, paralela à

Estado foi decisiva e aprofundou as desigual-

linha ferroviária e, em um segundo momento,

dades sócio-espaciais ao concentrar investi-

extender-se até Poá, o que acabou não ocor-

mentos em áreas já consolidadas e abastadas

rendo, mantendo como ponto final a leste

do município - notadamente o eixo sudoeste3

a Estação Corinthians–Itaquera. A linha, ao

- e, simultaneamente, confirmar a expansão da

ser inaugurada, já se encontrava saturada:

periferia atrevés da autoconstrução desregula-

só o bairro de Itaquera já contava, em 1980,

da, carente de investimentos e impulsionada –

com mais de 255 mil pessoas, número que

pode-se até dizer incentivada – pela promoção

chegou a 430 mil até o fim da década – e

de grandes conjuntos habitacionais nas franjas

35


do município, para onde foi enviado enorme

falta de uma política de desenvolvimento

contingente populacional de baixa renda. Hoje,

urbano que estimulasse a instalação de ativi-

a subprefeitura é mais densamente povoada

dades geradoras de empregos - consolidou

do que a média do município, ultrapassando,

a dinâmica de exclusão sócio-espacial iniciada

inclusive, bairros como Pinheiros (Quadro 5).

nas décadas anteriores.

A conjugação de três procedimentos - a conivência com a abertura de loteamentos irregulares, a construção de conjuntos habitacionais de escala desproporcional e desconectados das redes de infraestrutura urbana e a

36


2. PLANOS MUNICIPAIS PASSAM A CONTEMPLAR A REGIÃO LESTE

A partir da década de 1990, diferentes

voltada para interesses econômicos, de aumento

visões sobre o território levaram à elaboração

das possibilidade de acumulação de capital,

de grandes projetos para a Zona Leste de

aproveitando a conexão estratégica entre

São Paulo. Por um lado, uma perspectiva de

dois dos maiores equipamentos logísticos de

desenvolvimento socioeconômico para uma

transporte de carga e mercadorias do país, o

região historicamente vulnerável, buscando

aeroporto de Guarulhos e o porto de Santos.

reverter o quadro de isolamento e expansão a partir de grandes conjuntos habitacionais,

A idéia de ‘revitalização’ através de grandes

loteamentos irregulares e autoconstrução. Por

projetos catalisadores de transformações passa

outro, alguns indícios parecem se sobrepor ao

a ditar o novo planejamento urbano. Seu

desejo de reverter a realidade socioespacial

objetivo principal é atrair a atenção do mercado

excludente, indicando uma motivação mais

imobiliário e impulsionar um processo de

37


valorização de seu entorno, além de criar ‘marcos’

que a região possui uma ‘vocação cultural’

na cidade. Não raro, esses grandes projetos

e buscando atrair um novo perfil de morador.

são diretamente vinculados a uma gestão da

Outra forma de megaprojeto são as faraôni-

prefeitura, tornando-se símbolos de grupos

cas obras viárias, como o Túnel Ayrton Senna,

políticos. No caso de São Paulo, é possível citar

a nova Ponte Estaiada, a duplicação da Marginal

como exemplo os investimentos realizados

Tietê, os Túneis Jânio Quadros e Sebastião

no centro da cidade em grandes equipamentos

Camargo

culturais, como a Pinacoteca do Estado, a Sala

(para citar alguns exemplos, pois existem

São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa e

muitos outros), todos construídos dentro

a futura Praça das Artes, sob a justificativa de

do perímetro do centro expandido.

e

a

Avenida

Água

Espraiada

QUADRO 6. Ações e Leis incidentes na Região Leste a partir da década de 1990 Ações

Ano 1995-2012

Av. Jacú-Pêssego Lei nº 13.430

Plano Regional Estratégico (PRE)

Lei nº 13.885

2004

Operação Urbana Consorciada Rio Verde - Jacú (OUC-RVJ)

Lei nº 13.872

2004/2011 2004/2011-2012

Polo Institucional e Tecnológico de Itaquera

2004/2011-2014

Parque Linear Rio Verde - Jacú Leis de Incentivos Seletivos para a Região Leste

Leis nº 13.833, 14.654 e 14.888

Concessão de Incentivos Fiscais para construção de estádio para a Copa 2014

Lei nº 15.413

Intervenções viárias no entorno da estação de Metrô Corinthians-Itaquera Fonte: elaboração do autor

38

2002

Plano Diretor Estratégico (PDE)

2004/2007/2009 2011 2011-2012


No caso da zona leste, a ligação estratégi-

- 1992) e seu primeiro trecho inaugurado em

ca entre o aeroporto e o porto é utilizada

1995 durante a gestão de Paulo Maluf (1993 -

como justificativa de uma ‘vocação logística’,

1996) e vem, desde então, sofrendo uma série

servindo-se desse argumento para investir em

de prolongamentos, sendo o mais recente o

grandes projetos que visam aflorar esse poten-

trecho sul, inaugurado em novembro de 2011.

cial e atrair o interesse do mercado na região. A Avenida Jacu-Pêssego foi pensada como parte O capítulo a seguir contempla as ações que

de um anel viário, fazendo a ligação entre o

marcaram a política urbana na Zona Leste a

aeroporto de Guarulhos e o porto de Santos

partir da década de 1990, considerando leis e

(Mapa 7). Essa importante conexão atravessando

grandes projetos, para observar de que forma

uma região de grandes vazios fez com que

se deu a mudança de postura quanto à gestão

a avenida se mostrasse um eixo com grande

urbana da região e quais foram seus impactos.

potencial

de

desenvolvimento

industrial.

Criou-se um programa de incentivos a estabelecimentos fabris e posteriormente a Operação

2.1 ABERTURA DA AV. JACU-PÊSSEGO/ NOVA TRABALHADORES

Urbana Consorciada Rio Verde-Jacu (2004 e 2011), com a mesma intenção de atrair indústrias e gerar empregos. Entretanto, com a construção do trecho leste do Rodoanel, torna-se necessária

O complexo Jacú-Pêssego teve seu pri-

a revisão de sua função.

>

meiro projeto formulado durante a gestão de Luíza Erundina na Prefeitura de São Paulo (1989

39


MAPA 7. São Paulo: Ligação entre o Aeroporto de Cumbica e o Porto de Santos através da Av. Jacú-Pêssego, passando por Itaquera. Fonte: elaboração do autor.

40


A via foi traçada com dimensões de rodovia,

moradores por ligações entre os dois lados

de caráter expresso. Porém foi sobreposta a

transformou-a numa avenida semi-expressa,

um tecido urbano anterior, resultado de uma

com semáforos em alguns pontos. Ainda assim,

urbanização precária e sem planejamento,

apresenta altos índices de atropelamento,

composto por uma malha irregular de pequenas

um dos mais altos da cidade, devido à

vias e grande adensamento, culminando

incompatibilidade entre seu uso de ligação

numa relação conflituosa com a avenida. Bairros

rápida metropolitana e o tecido local.

foram cortados e divididos e a demanda dos

FOTO 4. Av. Jacú-Pêssego, cortando o tecido viário anterior.

41


Essa inconciliação levou à necessidade de novos

No caso do trecho sul, que liga a avenida ao

investimentos para construção de marginais e

município de Mauá, no período de sua inau-

transposições. Dentre os planos existentes para

guração (2010) existiam apenas três passarelas

a região, é citada inúmeras vezes a necessidade

provisórias5 para uma extensão de 13,2 km.

4 Operação Urbana Consorciada Rio Verde – Jacú, Plano Regional Estratégico de Itaquera, Pão Miguel Paulista e São Matheus.

de “recomposição das áreas atingidas pelas intervenções no sistema viário estrutural

Ainda assim, a via melhorou a acessibilidade

e

local e intrabairros, porém não se configurou

os

de

transporte

danos

público”4,

causados

ao

evidenciando

tecido

urbano

pela aberturas de grandes avenidas.

como uma nova centralidade, tampouco conseguiu atrair expressivo número de atividades

5 “Nova Jacu-Pêssego será inaugurada com passarelas provisórias”, acessado em 23.05.2012.

da propostas no traçado original, tornando

Antes de adentrar no tema específico da criação

o acesso à Avenida Jacu-Pêssego bastante

do Plano Diretor Estratégico do Município

limitado e escasso, configurando-se mais

de São Paulo, é fundamental falar de dois

6 Art. 11 – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, no mínimo, os seguintes requisitos: I - o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social, o acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento econômico; II - a compatibilidade do uso da propriedade com a infraestrutura, equipamentos e serviços públicos isdponíveis; III - a compatibilidade do uso da propriedade com a preservação da qualidade do ambiente urbano e natural;

como barreira urbana do que como ligação.

artigos da Constituição Federal, incluídos a

(cont.) >

produtivas, industriais e de logística no seu Isso porque, apesar do discurso de seu potencial

entorno, principalmente pela falta de outras infra-

para tornar-se catalisadora de usos comerciais

estruturas necessárias à atividade industrial.

de serviços e melhorar a dinâmica de empregos do seu entorno, ela não foi construída para usufruto da população moradora da zona leste, mas para ligar duas regiões economicamente estratégicas – o porto de Santos e o aeroporto de Guarulhos. Prova disso é o reduzido

2.2 PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO E PLANOS REGIONAIS

número de ligações entre as vias locais e a aveni-

42


> IV - a compatibilidade do uso da propriedade com a segurança, bem estar e a saúde de seus usuários e vizinhos. (...) Art. 13 - Para os fins estabelecidos no artigo 182 da Constituição da República, não cumprem a função social da propriedade urbana, por não atender às exigências de ordenação da Cidade, terrenos ou glebas totalmente desocupados, ou onde o coeficiente de aproveitamento mínimo não tenha sido atingido, ressalvadas as exceções previstas nesta lei, sendo passíveis, sucessivamente, de parcelamento, edificação e utilização compulsórios, Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo e desapropriação com pagamentos em títulos. (Fonte: Lei nº 13.430/02, Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, 2002) 7 Constituição Federal, 1988, Art nº 182 § 4º.

partir da demanda de movimentos de reforma

porém, ser definidos no Plano Diretor (PD) de

urbana que, através de uma emenda popular

cada município, obrigatório para cidades com

que recolheu milhares de assinaturas (os

mais de 20 mil habitantes, segundo a Consti-

números variam de 120 mil a 160 mil nomes),

tuição. Os parâmetros de obrigatoriedade para

regulamentou a política urbana brasileira

criação do Plano Diretor foram detalhados no

com a inclusão dos Artigos 182 e 183. Dentre

Estatudo da Cidade, aprovado em 2001, regu-

seus pontos mais importantes destaca-se a

lamentando os Artigos 182 e 183. Estabelece

Função Social da Propriedade e a indicação

que “cidades integrantes de regiões metropo-

de instrumentos que devem ser aplicados

litanas e aglomerações urbanas, as integrantes

para o cumprimento desta. São eles:

de áreas de especial interesse turístico e as

6

inseridas na área de influência de empreendi• parcelamento ou edificação compulsórios;

mentos ou atividades com significativo impacto

• imposto sobre a propriedade predial e

ambiental de caráter regional ou nacional”8

territorial urbana progressivo no tempo;

devem elaborar um PD. Portanto, por maior

• desapropriação com pagamento mediante

força que a utilização efetiva do conceito de

títulos da dívida pública de emissão previa-

função social da terra pudesse ter, sua aplicação

mente aprovada pelo Senado Federal, com

ficou dependente da aprovação de um outro

prazo de resgate de até dez anos, em par-

plano. Até lá, era apenas uma promessa.

celas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.7

8 ESTATUTO DA CIDADE. Guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Instituto Pólis/ Laboratório de Desenvolvimento Local. Brasília, 2001.

A

elaboração

de

planos

diretores

para

municípios com mais de 20.000 habitantes já Tanto o conceito de função social da proprie-

é uma exigência do Governo Federal desde

dade quanto os instrumentos citados deveriam,

a Constituição de 1988. Mas apenas com o

43


Estatuto da Cidade se estabeleceu um prazo, até

não detalha. São os Planos Regionais, Lei de

outubro de 2006, para que essa obrigatoriedade

Uso e Ocupação do Solo, Plano de Circulação

fosse cumprida. Em setembro de 2002, durante

e Transporte e o Plano de Habitação. Até 2006

o mandato da então prefeita Marta Suplicy, foi

deveriam ser desenvolvidas as ‘ações estratégi-

finalmente aprovado o Plano Diretor Estratégico

cas’ previstas no Plano Diretor e propostas novas

(PDE) para o município de São Paulo :

diretrizes para um segundo período, até 2012.

9

Nessa fase, foi prevista a revisão do PDE. “O PDE define a política de desenvolvimento urbano do município; a função social

Grande parte dos 308 artigos são generalidades –

da propriedade urbana; as políticas públicas

diretrizes, objetivos, conceitos – que não obrigam

do

urbanístico-

ninguém a fazer nada. Em nenhum momento

ambiental; a gestão democrática.” (Lei nº

são previstas sanções para o não cumprimento

13.430/02, Plano Diretor Estratégico do

das 338 ações estratégicas propostas, nem

Município de São Paulo, 2002)

enunciado quem deverá executá-las, como e

Município;

o

plano

com quais recursos. Ao longo das 206 páginas, O PDE define conceitos relativos ao planeja-

10 mapas e 19 tabelas, é muito difícil iden-

mento urbano, prevê uma série de ações e dire-

tificar o que de fato será feito da cidade.

trizes, porém determina e obriga, de fato, muito pouco. As ações previstas são, na verdade,

Como bem descreve Flávio Villaça (2005), trata

resultados previstos, sem um plano de ações

-se de uma “prática burocrática de produzir

consistente. São estipulados prazos para a

planos”. Alguns definem diretrizes, porém sem

criação de mais planos, que deverão definir

oferecer meios reais para executá-las (caso do

mais minuciosamente o que o Plano Diretor

Plano Diretor Estratégico), outros tratam de

44

9 Lei 13.430, 13 de setembro de 2002.


10 O próprio nome do instrumento insiste em manter o que alguns urbanistas (tendo Ermínia Maricato como principal referência) consideram a raíz do problema das cidades: a questão fundiária e de propriedade da terra. Ao trocar “função social da propriedade” por “função social da terra”, talvez já se vislumbrasse uma mudança de postura mais consistente frente ao conceito de posse da terra e fosse possível extender o conceito de função social para além da propriedade.

instrumentos, mas não definem os conceitos

2 e 3 e na Operação Urbana Centro. Ou seja:

para os quais os instrumentos foram criados.

a função social da propriedade, um conceito

Um exemplo é a já mencionada função social

que deveria se extender à cidade como um

da propriedade : sua obrigatoriedade foi in-

todo, se restringe apenas a zonas especiais.

10

stituída pela Constituição Federal de 1988, os instrumentos para sua aplicação foram deta-

A irracionalidade e o excesso de planos serve tan-

lhados no Estatuto da Cidade de 2001, mas seu

to para desmoralizá-los quanto para sustentar

significado legal estava vinculado aos Planos

sua imagem tecnocrática (VILLAÇA, 2005).

Diretores, que no caso de São Paulo só foi aprovado em 2002. A Lei nº 15.234/2010,

“São cortinas de fumaça para tentar ocultar

que institui os instrumentos (listados no início

o fracasso da classe dominante em resolver

deste capítulo) para o cumprimento da Função

problemas urbanos.” (VILLAÇA, 2005:21)

Social da Propriedade Urbana no Município de São Paulo, só foi regulamentada em novembro

Os planos são exigidos, porém não são tratados

de 2010, através do Decreto nº 51.920 assinado

pelo poder público com seriedade. Uma forma

pelo então prefeito Gilberto Kassab. Em setem-

interessante de ilustrar a falta de diálogo entre

bro de 2011 foram entregues as primeiras no-

realidade e planos é observar, durante o pro-

tificações para 1.053 proprietários de lotes que

cesso de desenvolvimento dos Planos Region-

não cumprem sua função social. De acordo com

ais, as audiências públicas realizadas em 2004

a prefeitura, o número de imóveis notificados

para debatê-los com a sociedade. O Estatuto

corresponde a 3 milhões de m2. As notificações

da Cidade exige a realização de três audiências

se aplicam a terrenos e edifícios localizados

públicas como parte do processo participa-

em Zeis (Zona Especiais de Interesse Social)

tivo de construção dos planos. Em regiões

45


conhecidas pelo alto patamar de seus mora-

vida da população mais vulnerável de São Paulo:

dores na hierarquia socioeconômica da cidade,

em nada. Sabem que eles não contemplam

como Pinheiros, foi realizada uma consulta para

os problemas das classes populares excluídas.

toda a subprfeitura, que conta com cerca de

Portanto, nem os Planos e nem a população da

343 mil habitantes. Já no caso da Zona Leste,

Zona Leste têm nada a dizer um para o outro.

foi chamada apenas uma audiência pública

As audiências públicas são circos organizados

para todas as 11 subprefeituras que a compõe

de forma a impedir o diálogo objetivo e claro,

– um universo de mais de 3,69 milhões de

chamadas apenas para cumprir um protocolo

pessoas, ou 35,4 % da população paulistana. Na

e não para incluir a voz da população na

primeira, compareceram 85 pessoas no horário

discussão dos rumos da cidade.

de pico, enquanto na segunda foram apenas 60. O que se entende disso? Para um olhar de-

Alguns instrumentos elaborados pelo Plano

satento, pode parecer puro descaso da popu-

Diretor Estratégico, entretanto, conseguem in-

lação de baixa renda – grande maioria moradora

terferir diretamente no desenho da cidade. São

das regiões leste e sul da cidade – por não com-

aqueles relacionados à questão do zoneamento

parecer em peso e também da própria Câmara

e associados ao controle de uso e ocupação do

Municipal,

diferenciado

solo, como a Outorga Onerosa11, a Transferência

para cada área (e conseqüentemente grupo social)

do Direito de Construir12 e as Operações Urbanas

da cidade ao oferecer apenas um espaço de de-

Consorciadas (OUCs), estas últimas tratadas

bate para uma parcela tão grande da população.

com maior profundidade mais adiante.

com

tratamento

Mas uma interpretação que parece mais adequada é a de que ambos sabem de que forma esses Planos podem transformar – para melhor - a

46

Trazem uma nova forma de abordar o espaço

11 Outorga Onerosa é a concessão, pelo Poder Público, de potencial construtivo adicional acima do Coeficiente de Aproveitamento (CA) médio até o CA máximo estabelecidos para cada área, mediante pagamento de contrapartida financeira (Lei nº 13.430/2002, Art. 146).

12 Transferência do Direito de Construir é o direito de construir em outro local o restante do potencial construtivo de um determinado imóvel urbano, no caso de este ser tombado ou protegido, utilizado pelo poder público para implantação de equipamentos públicos ou servir a programas de regularização fundiária para população de baixa renda. Nesses três casos, o proprietário do lote pode utilizar o potencial subutilizado em outro lote, segundo cálculo específico (Lei nº 13.430/2002, Art. 217 e 218).


urbano, enfatizando a implementação dos chamados Grandes Projetos de Desenvolvimento Urbano (GPDU), com vetores privilegiados e “estruturantes”do desenvolvimento.

2.3 AS OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS As

Operações

Urbanas

Consorciadas

São operações emblemáticas, voltadas para a

(OUC) são instrumentos urbanísticos definidos

monumentalidade espetacular e projeção da

no Estatuto da Cidade como

imagem urbana. O que eles têm em comum é que oferecem incentivos para a ação da ini-

“o conjunto de intervenções e medidas

ciativa privada em determinadas áreas e sua

coordenadas pelo Poder Público munici-

implantação depende do interesse do mercado

pal, com a participação dos proprietários,

imobiliário, que tende a se concentrar em áreas

moradores, usuários permanentes e investi-

já imobiliariamente dinâmicas. A concessão de

dores privados, com o objetivo de al cançar

vantagens fiscais para a iniciativa privada sin-

em uma área transformações urbanísticas

tetiza a nova forma de gerir as cidades dentro do

estruturais, melhorias sociais e a valorização

capitalismo contemporâneo. Suas consequën-

ambiental. “(Art. 32 § 1)

cias são nebulosas, pois tendem à perpetuação

13 Trata-se do máximo aproveitamento construtivo de um lote, ou seja, o máximo de área construída permitida em um terreno.

do ciclo de investimentos para os já favorecidos,

Seu principal mecanismo é a alteração do

enquanto os excluídos permanecem social,

potencial construtivo13 e maior permissividade

econômico

exilados,

quanto aos tipos de uso permitidos nos lotes

aumentandoo abismo entre as classes sociais.

pertencentes ao perímetro definido pela

e

espacialmente

operação. Cada OUC tem sua abrangência, seus objetivos e os instrumentos de apoio utilizados tratados em lei específica.

47


MAPA 8. São Paulo: Operações Urbanas Consorciadas. Em destaque, Operação Urbana Consorciada Rio Verde-Jacú, 2011.

48


14 Parte dos lucros adicionais obtidos.

15 Fonte: SP Urbanismo – SMDU.

Ao alterar os índices de potencial construtivo e

especulação imobiliária financeirizada (Fix,

usos permitidos, ou executar melhorias em uma

2000). A lógica do CEPAP só funciona se o título

determinada área, o poder público promove

é valorizado, pois só assim sua compra des-

sua valorização fundiária. As contrapartidas

14

pertaria algum interesse, de forma que devem

recolhidas da iniciativa privada permitem a

estar vinculados a uma área que apresente

recuperação dessa valorização pelo poder

perspectivas de valorização imobiliária.

público e podem ser pagas através de dinheiro, bens imóveis ou títulos financeiros especí-

Os recursos obtidos através das contraparti-

ficos, os CEPACs - Certificados de Potencial

das só podem ser utilizados pelo poder públi-

Construtivo. Este último é um título emitido

co dentro do perímetro da operação urbana,

pelo Município e equivale a determinado valor

reinvestindo na mesma área, e a deliberação

de metros quadrados para utilização em área

sobre a destinação do montante arrecadado

adicional de construção ou em modificação

é feita por um Conselho Gestor formado por

de usos e parâmetros de um terreno dentro do

representantes do poder público e da socie-

perímetro da OUC . São vendidos em leilões

dade civil.

15

e podem, depois de arrematados, ser negociados livremente no mercado secundário, até

As Operações Urbanas foram aclamadas como

que sejam vinculados a um lote dentro do

alternativa ideal ante o congelamento financeiro

perímetro da Operação Urbana Consorciada.

e falta de verbas das prefeituras. Ao permitir

Por ser um título, seu preço oscila conforme

a compra de exceção à lei de zoneamento,

o mercado. Como sua compra é aberta a

como direito de construir além do permitido,

qualquer um, independente de ter ou não um

aumento da ocupação do terreno ou instalação

lote na região, o resultado é um novo tipo de

de atividade não prevista na legislação, a

49


prefeitura desperta o interesse do mercado para

pressão para realização de novos investimentos.

investir em uma região e, em troca, recebe o pa-

As OUCs pressupões algum interesse do mercado

gamento de contrapartidas. Direferentemente

imobiliário na região, fazendo com que se con-

das operações interligadas, instrumento prede-

centrem em setores já privilegiadas da cidade.

cessor das OUCs e que se restringia ao lote,

Geralmente incluem importante investimento

resolvendo o problema de investimentos isola-

inicial do Estado, a fim de criar uma perspectiva

dos, as operações urbanas expandiram a pos-

de valorização e dessa forma atrair investidores.

sibilidade de venda de exceção à lei de zonea-

São as chamadas “âncoras” ou “projetos motor”,

mento para regiões inteiras, permitindo criar

como novas avenidas (no caso da OUC Faria

zonas “planejadas”. O enorme e rápido aumento

Lima e Água Espraiada) ou equipamentos

da densidade dessa área, graças à maior ocu-

culturais (OUC Centro), por exemplo (FIX,

pação permitida, gera a médio prazo uma

2000).

sobrecarga na infraestrutura e conseqüente

FOTO 5. (esq.) Ponte Estaiada e Av. Roberto Marinho, dentro do perímetro da OUC Água Espraiada.

FOTO 6. (dir.) Av. Faria Lima, parte da OUC Faria Lima.

50


FOTO 7. (esq.) Pinacoteca do Estado, reformada em 1998.

FOTO 8. (dir.) Sala São Paulo, inaugurada em 1999.

Esta é uma importante contradição. A as-

iniciativa privada (FIX 2000). Se a operação

sociação entre Estado e capital é legitimada

vingar, o poder público pode contar com reem-

por instrumentos urbanísticos de parceria que

bolso dos investimentos realizados, porém, se

tomam como justificativa a crise fiscal, diante da

der errado, é o único a arcar com os prejuízos.

qual o Estado não teria condições de financiar, sozinho, obras urbanas, de forma que a única

A questão para entender os impactos da oper-

alternativa seria assumir o papel de ‘promotor’,

ação urbana não está apenas em seus aspectos

facilitando e criando condições para que a

técnicos, que por si só não têm a propriedade

oferta de infraestrutura seja feita pela própria

de ser benéficos ou maléficos, mas em sua

51


implementação em nível municipal. Ou seja, é

e o privado, ambos se ajudando mutuamente:

acima de tudo uma questão política e de gestão

a prefeitura cria condições para o mercado

do instrumento, já que depende de participação

atuar com grande liberdade e arrecada recursos

ativa da sociedade civil para impor um proje-

para investir ainda mais na região, promovendo

to que contemple seus interesses, colaborando

sua valorização e dinamizando seu mercado. Pois

para a construção de uma sociedade mais inclu-

bem, mas o que acontece quando a população

dente, como definido pelo Estatuto da Cidade.

não pertence à realidade do mercado? A proposta

Caso contrário, o instrumento abre espaço para

da OUC beneficia apenas quem já está dentro

a dominação por parte do mercado imobiliário,

dessa lógica e alimenta o ciclo de exclusão

permitindo que este aja com força total e

dos que não se enquadram nessa forma de

grande flexibilidade (Ferreira, Maricato, 2002).

crescimento – a grande maioria da população.

A redação das leis permite diferentes interpre-

“Políticas públicas que se associem à inicia-

tações, o que pode representar um risco, pois

tiva privada visando uma dinamização do

são as circunstâncias e os interesses que defi-

mercado como alavanca para a revitalização

nem de que forma ela será aplicada. Além disso,

urbana

por mais promissores que soem os discursos

parte da sociedade. Considerando a dimensão

em favor das operações urbanas consorciadas,

do mercado imobiliário legal entre nós, as

ter em mente o abismo que costuma separar

idéias neoliberais de fortalecimento do

o discurso da realidade é crucial.

poder do mercado e diminuição do papel

O ponto de partida da operação urbana consiste

do Estado mostram-se completamente deslocadas.” (FERREIRA e MARICATO, 2002)

na parceria que se cria entre o poder público

52

fatalmente

atingirão

somente


FOTO 9. Favela da Paz, em Itaquera, será removida até 2014 para construção do Parque Linear Rio Verde.

O objetivo arrecadatório se sobrepõe à possi-

Isso tem conseqüencias diretas para a população

bilidade de execução de um plano maior.

de baixa renda que mora dentro ou próxima a

A OUC torna-se um fim em si e suas áreas

esse perímetro, resultando em sua expulsão da

passam a ser escolhidas pelo critério da “mais

região, quase sempre para áreas mais distantes

rentável”, ou seja, são as áreas que mais des-

e precariamente servidas de infraestrutura, não

pertam o interesse do mercado imobiliário, em

raro áreas de proteção ambiental. Isso porque a

detrimento daquelas que realmente necessitam

valorização imobiliária decorrente dos investi-

intervenção, como as periferias.

mentos realizados e da especulação resultante 53


tornam enorme a pressão para que deixem a

objetivos sociais enquanto não houver efetivo

região, a fim de liberar seu espaço para empreen-

controle social por parte da população.

dimentos mais rentáveis ao mercado. Os altos

Porém, é importante refletir quanto a um dos

preços da terra inviabilizam sua permanência.

pontos que levou ao “sucesso” das OUCs: a possibilidade de flexibilizar a enrigecida legis-

Torna-se um ciclo, pois a proximidade com a

lação funcionalista17, principalmente quanto à

população de baixa renda é grande fator de

regulação de uso e ocupação do solo em todo

desvalorização do entorno e é portanto de

o território (Ferreira, Maricato, 2002). Pois essa

interesse dos investidores estar o mais longe

é, de fato, uma discussão importante, já que

possível dessa realidade. Caso ela se encontre

freqüentemente essa normatização não leva em

“perigosamente” próxima, a opção adotada

conta especificidades locais, peculiaridades dos

é removê-la, como ocorreu com as favelas da

territórios e as características que os tornam

Operação Urbana Água Espraiada16. A promessa

um lugar. A impessoalidade e frieza dos planos

de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas

funcionalistas que excluem a espontaneidade

se inviabiliza pela própria proposta da operação,

demandou formas diferentes de gerir a cidade.

de valorização imobiliária. Em nenhuma das operações vigentes em São Paulo as habitações

sociais

foram

construídas,

apesar de previstas em seus textos.

A OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA RIO VERDE-JACU

A OUC Rio Verde-Jacú é uma das nove Operações Urbanas definidas no Plano Diretor de 2002.

O fato é que a regulação, frequentemente exa-

Foi aprovada em 12 de julho de 2004 através

gerada, convive lado a lado com o desres-

da Lei nº 13.872/04, durante a gestão de

peito à lei. Nenhum instrumento atingirá seus

Marta Suplicy (2000-2004), articulada ao

54

17 Refere-se aqui às leis que pretendiam abarcar a normatização do uso do solo no território urbano como um todo, de controle centralizado e burocrático, freqüentemente ignorando as especificidades de cada local (FERREIRA, MARICATO, 2002).

16 Para tratar do assunto com maior profundidade, ver o livro Parceiros da Exclusão, de Mariana Fix, 2000, editora Boitempo.


Plano de Desenvolvimento da Zona Leste

A Lei nº 13.872/04 traz como diretrizes espe-

com o objetivo de atrair investimentos gera-

cíficas o incremento de atividades industriais,

dores de emprego e renda para a região. O Estudo

comerciais e de serviços na região, a fim de

de Impacto Ambiental e o Relatório de Im-

fomentar a geração de novos postos de tra-

pacto Ambiental (EIA-RIMA) não haviam

balho. Articulada a isso está a proposta de

sido,

prevista

criação do Polo Institucional e Tecnológico

sua realização posteriormente, o que acabou

de Itaquera, que contará em seu projeto

não ocorrendo. Com a mudança de gestão e

com um polo educacional voltado para a for-

reestruturação interna equipe de Operações

mação e capacitação profissional, pensado

Urbanas, o escritório técnico foi desativado

para qualificar a mão de obra da região

e a OU foi deixada de lado, permanecendo

para os novos empregos a serem gerados.

porém,

aprovados,

sendo

congelada até 2010, quando surge interesse 18 Direito de Preempção: confere ao poder público municipal a preferência na compra de imóvel particular. Caso o proprietário tenha intenção de vender um imóvel que se encontre dentro de perímetro sob ação do direito de preempção, a Prefeitura deve ser notificada e terá, a partir daí, 30 dias para manifestar interesse. Caso isso não ocorra, o proprietário fica livre para vendê-lo a terceiros nas condições da proposta apresentada, isto é, o valor oferecido não deve ser mais baixo do que aquele apresentado à prefeitura.

do governo em implantar as OUCs Lapa-Brás

Outras diretrizes são a criação de projetos

e Mooca-Vila Carioca e, com o anúncio da

especiais, criando áreas verdes junto aos cór-

Copa do Mundo e possível sede de São Paulo

regose áreas de risco, a regularização fundiária

no futuro estádio do Corinthians, em Itaquera,

e melhoria das condições de habitabilidade

volta também o interesse em retomar a OUC

e criação de habitação de interesse social (HIS)

Rio Verde-Jacú. O novo pacote de licitações

e de mercado popular (HMP).

foi aberto em 23 de junho de 2011 para contratação de projetos e estudos para a revisão

Quanto às áreas definidas sob ação de direito de

da lei anterior. Em 14 de maio do ano seguinte

preempção18, instrumento previsto nas opera-

(2012) foi anunciado o consórcio vencedor.

ções urbanas, o foco está voltado para intervenções de caráter prioritariamente viário, tanto

55


em escala regional quanto local. No âmbito local também são previstas HIS e projetos especiais compostos por parques e áreas verdes. Os estoques de área adicional de construção são distribuídos por subsetores, cada qual podendo sofrer um acréscimo de até 20% da área indicada a priori, respeitando o estoque total de 3,57 milhões de metros quadrados. Os centros de comércio e serviço foram desenhados com vistas à criação de novas centralidades, inexistentes na região até o momento. Essa falta de centralidades é fruto da urbanização sem planejamento e de um desenho de vias sem organização ou hierarquia.

56

MAPA 9. OUC Rio Verde-Jacú. Centros de Comércio e Serviço, 2004. Fonte: Lei nº 13.872/04.


MAPA 10. OUC Rio Verde-Jacú. Setores, 2011. Fonte: Termo de Referência para a Operação Urbana Rio Verde-Jacú, 2011.

REVISÃO DA LEI

A justificativa apresentada no termo de referência para a revisão da Lei nº 13.872/04 de 2004 consiste na aprovação de novas leis urbanísticas (Planos Regionais Estratégicos, Lei de Incentivos Seletivos para a Zona Leste, Polo Institucional Itaquera) e nos investimentos que vem sendo realizados ou programados para a região num futuro próximo, como o prolongamento da avenida que dá nome à operação, resultando numa revisão de seu perímetro de abrangência. Segundo entrevista realizada com representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), Maria Teresa Oliveira Grillo19,

19 Entrevista realizada em 14 de novembro de 2011.

a revisão da lei se mostrou necessária pois, ao tentar ser inovadora, acabou se mostrando equivocada e ineficiente, por ser deslocada dos Planos Regionais das subprefeituras. A nova lei se propõe a aprofundar as questões levantadas nos planos e compatibilizar as duas escalas. Os estudos iniciais já foram realizados dentro

57


do âmbito da prefeitura e aguardam aprofun

estratégicos propostos pela OU, três têm como

do âmbito da prefeitura e aguardam aprofun-

diretriz, dentre outros, a “recomposição de

damento a ser feito pela empresa contratada. A

áreas atingidas por intervenções no sistema

lei, entretanto, será redigida dentro da Secretaria

viário”.

Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). O pré-texto já existe e aguarda revisão

Outros objetivos são a diversificação do uso do

após os estudos. Para a comparação aqui

solo e do padrão de construção, incentivando

apresentada, será utilizado o último termo de

o remembramento de lotes, a verticalização e

referência publicado, em outubro de 2011.

o desadensamento construtivo. Ou seja, lotes populacionalmente mais adensados com menor

Os principais objetivos da Operação Urbana Rio

taxa de ocupação do terreno. O desdobramen-

Verde-Jacú são o desenvolvimento econômico

to desses incentivos será, certamente, um pro-

e a geração de empregos através do incremento

longamento para a zona lesta da cidade do

das atividades industriais, comerciais e de

padrão urbanístico que vem sendo adotado no

serviços. As principais intervenções previstas

restante da cidade, de condomínios fechados

são de caráter viário e de drenagem, visando

isolados no lote e sem relação com seu entorno,

recompor o tecido urbano rasgado por grandes

em contrapartida ao padrão horizontal, denso

avenidas e para as quais será destinada grande

e de pequenos lotes, predominante hoje. Para

parte dos recursos da operação. Esses projetos

isso, os parâmetros urbanísticos exigidos serão

deverão ser realizados conjuntamente com

simplificados, dando maior flexibilidade às leis

a SEHAB, devido às remoções previstas para

ao permitir diferentes usos e coeficientes de

as obras. Não há projetos vinculados à rede

aproveitamento maiores, a fim de atrair o in-

de transporte público. Dos cinco projetos

teresse do mercado para a região.

58


FOTOS 10. Morfologias predominantes na Zona Leste, no perímetro da OUC Rio Verde-Jacú.

O plano urbanístico específico prevê uma divisão da área total em grandes setores, caracterizados por certa autonomia funcional e espacial e que deverão se submeter a uma série de regras propostas (Mapa 10). São eles: • comércio e serviço, consideradas Zonas de Centralidade Polar e incluídas no Programa de Incentivos Seletivos da Zona Leste, que será tratado adiante. Entre elas está o Polo Institucional Itaquera; • comércio, serviço e indústria, onde devem ser implementados Centros de Distribuição Logística (CDL) ao longo das grandes avenidas estruturadoras (Av. Assis Ribeiro, Av. JacúPêssego), lindeiros ao centro petroquímico de Capuava a ao Polo Econômico Leste. Os CDL estão ligados a atividades de abastecimento, terminais intermodais e plataformas logísticas; • uso misto, onde é proposta verticalização e utilização de 70 % do estoque para habitação,

59


porém sem especificar a quantidade para

como as áreas mais aptas a estruturar as

cada tipo (HIS, HMP, médio e alto padrão);

transformações previstas, de forma a moldar uma estrutura de ocupação que sirva de

coincide

âncora e referência a todo o perímetro da

com a macrozona de proteção ambiental:

Operação Urbana Consorciada e que possa

APA do Carmo e APA Iguatemi.

acelerar sua requalificação, ressaltando ou

urbanização

controlada,

que

alterando suas características em função Cabe comentar a mudança feita no Termo de

do papel que essas áreas desempenharão

Referência para revisão da lei, onde os centros

no contexto do conjunto de intervenções e

de comércio e serviços deixam de configurar

a necessária relação de complementaridade

polos para tornarem-se eixos que correm ao

que deverá se estabelecer entre estas e o

longo das grandes vias. A proposta de criar nú-

entorno.”

cleos concentradores dos bairros é, portanto,

contratação de empresa para revisão da Lei

abandonada para que seja dada maior força

nº13.872/04 – Operação Urbana Consorciada

aos eixos viários estruturadores da proposta de

Rio Verde-Jacú – grifos do autor)

(Termo

de

referência

para

operação urbana (vide Mapas 9 e 10). De 2004 a 2011 todo o perímetro constante Além desses setores, propõe a criação de cin-

na lei ficou, em tese, sujeito às determinações

co projetos estratégicos, chamados São Miguel

da mesma. Assim, como a OUC RVJ não foi

Paulista, Caititu, entre Rios Verde e Jacu,

de fato implantada, uma vez que dependia da

Ragueb Chofi e São Mateus.

aprovação do EIA-RIMA que nunca foi realizado, os estoques construtivos previstos para a área

“Os projetos estratégicos foram definidos

60

no Plano Diretor foram congelados (Mapa 11).


Em novembro de 2011, por pressão do mer-

vinculadas diretamente à operação urbana e os

cado imobiliário, foram liberados os estoques

recursos dela provenientes não estão fisicamente

disponíveis mediante o pagamento de outorga

ligados ao seu perímetro, de forma que

onerosa até que a nova OUC fosse aprovada. As

o dinheiro que deveria ser canalizados

arrecadações feitas através da outorga foram

para melhorias urbanas na região não têm mais

realizadas mediante lei específica, indepen-

o compromisso formal com ela.

dentemente da UOC-RVJ, portanto não estão

MAPA 11. Os estoques de potencial construtivo na Zona Leste para uso residencial mostram que pouco ou nada do potencial disponível no extremo leste do município foi utilizado. Fonte: Secovi, 2012.

61


A Operação Urbana Rio Verde-Jacú tem uma

exemplificam a aplicação do instrumento com

proposta diferente das demais operações urbanas

objetivos bastante distintos, arrecadatórios para

de São Paulo. No termo de referência publicado

o poder público e de valorização imobiliária

encontra-se o seguinte trecho:

através da criação de uma nova “centralidade globalizada” (MARICATO, FERREIRA, 2002)

“É a primeira Operação Urbana Consorciada

para certos agentes da iniciativa privada.

proposta na cidade com vistas ao desenvolvimento econômico, buscando a melhoria das

Ambas as regiões sofreram enormes investi-

condições de vida de sua população, através

mentos em infraestrutura, melhoramento de

do incremento da oferta de empregos, da

vias, construções de túneis e pontes. Porém

capacitação profissional e da melhoria da

o caráter urbanístico-social foi esquecido e

qualidade ambiental da região.“ (2011, pág. 5)

a segregação sócio-espacial foi radicalizada, como mencionado anteriormente.

Esta afirmação é bastante significativa pela forma como foi redigida, ao defender ser a única a

A OUC RVJ, ao contrário do pressuposto arreca-

propor o que o Estatuto da Cidade descreve como

datório esperado ao promover uma reconversão

objetivo e função da operação urbana (o desen-

econômica (NEGRELLOS, 2005), deverá buscar

volvimento urbano, social e ambiental através

um caráter regulatório e a expansão da

de parcerias público-privadas), declarando seu

infraestrutura, buscando melhorar tanto a

fracasso nas operações até então implantadas

qualidade de moradia quanto criando condições

e trazendo à tona o caráter retórico da re-

para a implantação de empreendimentos,

dação da lei de 2001. As operações urbanas

principalmente industriais, oferecendo mais

Água Espraiada (FIX, 2001) e Faria Lima

e melhores postos de trabalho. A questão

62


da oferta de empregos é central para uma

pouco ou nada abordados (NEGRELLOS, 2005).

região que concentra cerca de 11,7% da popu-lação residente no município20 e ape-

Outra questão que deve ser considerada é a

20 Segundo censo IBGE – 2010.

nas 2,72 % do total de empregos formais .

de que a OUC-RVJ foi inicialmente baseada

21 Segundo RAIS 2007.

Porém, por mais necessários que sejam tais in-

reavaliada com a entrega do trecho leste do

vestimentos, uma análise minuciosa de seus im-

Rodoanel Metropolitano. Isso explica parte das

pactos é fundamental para avaliar se as melhorias

mudanças entre os planos de 2004 e 2011 e

realmente ocorrem e evitar que seja gerado

demonstra a fragilidade do plano. A propos-

um processo de gentrificação e elitização.

ta de desenvolvimento da região é encabeçada

Essa análise é em parte feita pelo EIA-RIMA

por uma justificativa ainda instável - a Avenida

(Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de

acú-Pêssego - ainda mais considerando a

Impacto sobre o Meio Ambiente), mas para

relação conflituosa que mantém com os bairros

a Lei de 2004 ele não foi realizado. Para sua

que rasga.

22 A consultoria internacional At Kearney foi contratada para elaborar um estudo chamado “Atração de investimentos em atividades industriais para a Zona Leste de São Paulo” no campo econômico-empresarial para identificação das potencialidades de implementação de determinados setores de atividade econômica industrial. Ela orientou a elaboração do Programa de Desenvolvimento da Zona Leste.

21

numa única avenida, cuja função deve ser

revisão, o estudo ainda deve ser elaborado. O efeito dominó que uma grande intervenção

Além disso, segundo o termo de referência

pode gerar ainda não está sendo levado em

disponível, a nova proposta não contempla a

conta. Os relatórios apresentados

tratam de

discussão sobre a permanência da população

impactos na população economicamente ativa

atualmente residente nem a regularização

e no PIB e dão ênfase à questão da expor-

fundiária. Compreendemos, porém, que esse

tação, ao passo que o potencial que as econo-

ponto pode ser posteriormente trabalhado na

mias locais e domésticas têm como possível

redação da lei, mas é preciso que haja atenção

fonte de geração de riqueza e empregos são

para que o tema seja devidamente tratado, uma

22

63


vez que há grandes áreas de loteamentos irreg-

qualificar a mão de obra da região e prepará-

ulares e favelas na região. Dada a forma como

la para os novos empregos que se pretendia

o processo vem sendo trabalhado até agora,

gerar ao atrair novas indústrias para a região.

sem nenhum tipo de participação popular na

O Pólo contará com Fórum Judiciário, Etec23 (a

formulação e desenvolvimento dos projetos, é

segunda de Itaquera), Fatec24 e uma unidade

uma preocupação urgente. Não há perspectiva

do Senai25 para capacitação da população da

de participação nos próximos passos e a única

região, além de incubadora e laboratórios para

previsão de alguma aproximação com a

fortalecer as iniciativas de pequenas empresas

população deve ocorrer com a proposta já

que queiram se firmar na região. Um centro de

pronta, através de consultas públicas.

convenções e auditório visam oferecer espaço

23 Escola Técnica Estadual. 24 Faculdade de Tecnologia. 25 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

para eventos. Contará também com um quartel da polícia militar e corpo de bombeiros, unidade

2.4 POLO INSTITUCIONAL E TECNOLÓGICO DE ITAQUERA

do Instituto Dom Bosco26 e um terminal rodoviário integrado à estação Itaquera de trem e metrô, ao terminal de ônibus urbanos e ao Parque

O Polo Institucional e Tecnológico de Itaquera é

Linear Rio Verde. Além disso, já conta em

um complexo previsto desde a Lei nº 13.872/04,

seu entorno com uma unidade da Fundação

que regulamentou a Operação Urbana Rio

Casa Escola, uma creche e a EMEF Danylo José

Verde-Jacú, definido como uma das Zonas

Fernandes Amacidade Líder.

de Centralidade Polar (ZPC) relacionadas pelo Plano Regional de Itaquera (PRE). Foi pensado como parte do programa de desenvolvimento da Zona Leste de 2004, com o objetivo de

64

26 Instituição evangélica que promove programas sociais para população de baixa renda.


MAPA 12. Polo Institucional de Itaquera, estádio do Sport Club Corinthians e primeira fase do Parque Linear Rio Verde.

Dos recursos necessários para as obras,

terminal rodoviário (abril de 2013), o batalhão

R$ 345,9 milhões vêm do Governo do Estado e

da polícia militar e a primeira parte do

R$ 132,3 milhões da prefeitura. A obra, no entanto,

Parque Linear Rio Verde deverão ser entre-

será realizada apenas pela municipalidade.

gues antes da Copa do Mundo de 2014.

A Fatec foi o primeiro equipamento entregue, dando início às suas aulas no segundo semestre

O terreno onde se situa o complexo é dividido

de 2012. Inicialmente foram oferecidas 160

de acordo com o Mapa 13, que mostra que

vagas no curso de graduação tecnológica,

a maior parte era pertencente à COHAB e o

sendo 80 para Fabricação Mecânica e 80 para

restante à PMSP. O terreno da Cohab foi trans-

Processos de Soldagem (40 à tarde e 40 à noi-

ferido à Prefeitura em 2010, mediante ressar-

te para cada curso). Já a Etec tem previsão

cimento realizado pelo município no valor de

de iniciar suas aulas em agosto de 2013. O

cerca de R$ 14,7 milhões.

65


“A Companhia formalizou com a Prefeitura

para implantação do Fórum de Itaquera e

do Município de São Paulo, através de seu

do Polo Institucional, o que representa o

Departamento de desapropriações, Ecritura

recebimento pela COHAB-SP do montante

Pública de Desapropriação amigável das

de R$ 14.767.811,27 a título de indenização.”

áreas de propriedade da COHAB-SP locali-

(Diário Oficial Empresarial, 19 de abril de 2011)

zadas em gleba denominada Itaquera I-D, MAPA 13. Propriedade dos lotes onde estão sendo construídos o Polo Institucional de Itaquera e o estádio do Sport Club Corinthians. Fonte: elaboração do autor a partir de imagem de imagem de D’Elias, 2012

66


FOTO 11. Primeira fase do Parque Linear Rio Verde em construção. Ao fundo, Favela da Paz e Favela Miguel Ignácio Curi I. Fonte: elaboração do autor a partir de foto do arquivo Depave – SVMA (Secretaria do Verde e Meio Ambiente)

Quanto ao Parque Linear, são 35 km de extensão

O trecho mais próximo ao Polo Institucional

de córregos a céu aberto que estão sendo recu-

deverá ficar pronto antes da Copa. É onde se

perados. Enquanto a prefeitura faz a limpeza, a

encontra a administração do parque e a maior

Sabesp se encarrega da infraestrutura de capta-

parte de seus equipamentos, como quadras

çãode esgoto. A proposta é transformar as mar-

esportivas, pista de caminhada, estaciona-

gens do Córrego Verde em uma nova área verde

mento e áreas de estar Mapa 12 e Foto 10).

que, hoje, é amplamente ocupada por barracos. 67


É, também, a área mais visível a partir do estádio de futebol e também onde se encontram a favela da Paz e a favela Miguel Ignácio Curi I. Desde o anúncio da realização da abertura da

27 D’Elias, Jessica. “A Copa do Mundo é Nossa?” São Paulo: Trabalho Final de Graduação FAUUSP, 2012.

Copa no estádio do Corinthians em Itaquera, canalizaram-se esforços em concretizar os projetos já em andamento ou, ao menos, previstos para o seu entorno. O parque linear saiu do papel com rapidez e ações integradas entre Sabesp e PMSP vêm sendo planejadas. São ações fundamentais para a região do entorno do estádio, como limpeza dos córregos, implantação de rede de esgoto e drenagem, mas seu principal motivador, infelizmente, não é a melhoria da qualidade de vida da população (caso contrário estariam sendo previstas habitações para todas as 4.500 famílias27 que deverão ser removidas da região para implementação desses projetos) e sim preparar o entorno do estádio para receber visitas internacionais. Como disse um representante da PMSP em seminário apresentado em abril de 2012, “pega mal ter uma favela como pano de fundo das transmissões dos jogos da Copa”. 68

MAPA 14. Área de abrangência do Parque Linear Rio Verde e demais equipamentos do entorno. Fonte: SVMA (Secretaria do Verde e Meio Ambiente)


É possível observar essa questão ao analisar

abril de 2014 (dois meses antes da abertura do

os cronogramas e a localização dos próximos

mundial de futebol).

investimentos a serem realizados (Quadro 7). Estão todos concentrados em uma mesma área

Impulsionados pelos investimentos públicos,

(entorno imediato do estádio e suas principais

estão previstas na região da antiga pedreira,

vias de acesso) e as ações de maior visibili-

uma área de cerca de 266 mil metros quadrados

dade estão previstas para serem finalizadas até

localizada nas proximidades do futuro estádio,

QUADRO 7. Cronograma de intervenções na Bacia do Córrego Verde

JUSANTE (1ᵃ etapa do Parque Linear Córrego Verde - da Av. Jacú-Pêssego até Av. Líder)

Trecho

Eixo

Ação

2012

Pólo Institucional

Copa 2014

2013

2014

1º Trim 2º Trim 3º Trim 4º Trim 1º Trim 2º Trim 3º Trim 4º Trim 1º Trim 2º Trim 3º Trim 4º Trim

Quantificação: famílias a serem reassentadas Provisão de áreas Habitação

Projeto Executivo dos Conjuntos Habitacionais Licitação das obras dos Conjuntos Habitacionais Construção de Conjuntos Habitacionais Desocupação das áreas irregulares Prolongamento Radial Leste - DERSA (obra em andamento)

Mobilidade urbana

Interligações viárias - DERSA (obra contratada) Alargamento Av. Itaquera - SPTrans - Projeto executivo Licitação das obras de alargamento da Av. Itaquera Alargamento Av. Itaquera - SPTrans - Obras

Drenagem

Canalização do Córrego Verde - Trecho Jusante - Projeto Executivo Canalização do Córrego Verde - Trecho Jusante - Obras Projeto executivo da 1ᵃ etapa do Parque Linear Verde

Área verde

Licitação das obras da 1ᵃ etapa do Parque Linear Verde Implantação da 1ᵃ etapa do Parque Linear Verde Remanejo de adutora (parceria com DERSA) Execução de redes de distribuição

Saneamento

Projetos executivos de coletores tronco Licitação das obras de coletores tronco Execução de coletores tronco do entorno do estádio execução do coletor tronco na Av. Itaquera

Fonte: SVMA, São Paulo 2012.

69


torres comerciais e de serviços, como restau-

sejam superiores a R$ 1 milhão. Para usufruir

rantes. Outra iniciativa vem da rede hoteleira,

dos incentivos oferecidos, é preciso que o pro-

que deve levantar pelo menos quatro hotéis

jeto que pretende recebê-los demonstre sua

no bairro, segundo projeções.

finalidade em termos de volume total de investimento a ser realizado, os empregos que serão gerados, os recursos a serem aplicados em ins-

2.5 LEI DE INCENTIVOS SELETIVOS PARA A REGIÃO LESTE

talações, equipamentos, pesquisas e na formação de recursos humanos. Os pedidos para concessão de incentivos deverão ser aprovados por um Conselho do Programa e deverão ser anualmente verificados pelo mesmo.

Em 27 de maio de 2004 a então prefeita Marta Suplicy instituiu o Programa de Incen-

Há duas formas de incentivos fiscais previstas:

tivos Seletivos para a Zona Leste, através da

a isenção direta de IPTU28, ITBI-IV29 e ISS30

Lei nº 13.833. Seu objetivo era promover e

sobre serviços de construção civil e a emissão

fomentar o desenvolvimento da região através

de Certificados de Incentivo ao Desenvolvi-

da concessão de incentivos fiscais, atraindo

mento, os CIDs. Eles podem ser utilizados

empresas geradoras de emprego e renda

no pagamento posterior dos impostos acima

para uma área carente desses recursos.

mencionados ou negociados pelo investidor com pessoas jurídicas localizadas na região de

A lei determina que podem ser beneficiários

abrangência do Programa. Os certificados têm

do programa pessoas jurídicas com atividades

validade de cinco anos a partir do prazo de

econômicas relacionadas ao setor industrial ou

expedição.

de prestação de serviços cujos investimentos 70

28 Imposto Predial e Territorial Urbano. Incide sobre a propriedade urbana imóvel. 29 Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Incide sobre transações (transmissão/cessão) que envolvam imóveis. 30 Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza. Incide sobre serviços gerados por empresas ou profissionais autônomos. É recolhido pelo município onde o serviço foi prestado.


A concessão dos incentivos é limitada de acordo

Itaquera. O novo perímetro corresponde a

com o porte do negócio. As micro e pequenas

apenas 10% da área definida na lei anterior.

empresas poderiam receber um incentivo proporcionalmente maior do que as demais (até

Os incentivos concedidos são mais amplos do

20% nos custos de implantação do empreen-

que os oferecidos em 2004, chegando a re-

dimento e 10% para despesas anuais contra

duções de até 50% do ITBI-IV e IPTU, sendo

10% e 5%, respectivamente, para empresas

que este último benefício tem duração de até

de maior porte), como forma de priorizar as

10 anos a partir da conclusão do investimento,

iniciativas locais e de pequeno porte.

e até 60 % de redução de ISS, também por 10 anos. Além disso, os benefícios se extendem

Uma revisão do programa foi publicada em 2007

a empresas comerciais, além das industriais e

através da Lei nº 14.654, de 13 de dezembro,

de serviços já contempladas anteriormente.

durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab. O novo programa tem duração prevista de 10

Quanto à concessão de CIDs, há algumas dif-

anos, respeitando as validades dos incenti-

erenças consideráveis com relação à Lei anterior.

vos concedidos. Nessa revisão foram estabe-

A primeira é que eles serão emitidos apenas após

lecidos 5 perímetros para sua aplicação, com

a conclusão do investimento, ou seja, o ben-

diminuição significativa da área de abrangên-

eficiário deve ter um capital inicial suficiente

cia com relação à Lei nº 13.833, privilegiando

para arcar com os custos da operação ao longo

a região de Itaquera, em especial a região

de sua realização. Isso dificulta a operação para

onde hoje se localiza a obra do estádio do

micro e pequenas empresas, que não possuem

Corinthians, o eixo da Av. Jacu-Pêssego

esse poder financeiro e dependeriam de outras

e a área destinada ao Pólo Industrial de

formas de financiamento para iniciar as obras.

71


Outra mudança é que na revisão da lei não existe

retornados ao contribuinte na forma de CIDs.

a obrigatoriedade, como havia na lei de 2004, de

Na revisão de 2007, os certificados não podem

realizar investimentos superiores a R$ 1 milhão.

ser utilizados para pagamento de tributos

ntretanto, para aqueles que empregarem

anteriores

melhorias superiores a R$ 500 mil, a benefi-

Outra mudança é com relação ao Conselho

ciação equivale, proporcionalmente, ao dobro

do Programa, que apesar de ter as mesmas

(ou triplo) do oferecido para investimentos de

atribuições definidas em 2004, além de

menor porte, como mostra o Quadro 8. Isso

“formular diretrizes da política do programa”,

inverte a lógica da lei anterior, quando havia

mudou consideravelmente seus representantes

maior estímulo a micro e pequenas empresas

(vide Quadro 9). Ela muda novamente sua for-

em detrimento de grandes companhias.

mação na revisão de 2009, ainda sob gestão

ao

término

do

investimento.

do prefeito Gilberto Kassab, através da Lei nº Na lei anterior, os valores pagos em tributos

14.888. À medida que sua composição muda,

entre a aprovação do investimento e a aprovação

são acrescidos representantes da prefeitura en-

da concessão do benefício poderiam ser

quanto os representantes da sociedade civil

QUADRO 8. Lei nº 14.654 - Concessão de Incentivos Seletivos na ZL. Concessão de benefícios Investimento realizado até R$ 500 mil

5 parcelas anuais correspondentes a até 20% do investimento realizado

maior do que R$ 500 mil

10 parcelas anuais correspondentes a 40% para comércio e 60% para atividades industriais ou de prestação de serviços

Fonte: Lei nº 14.654/07

72

Benefício concedido


QUADRO 9. Representantes do Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste de São Paulo, em suas diversas revisões. Lei nº 13.833, 2004

Lei nº 14.654, 2007

Lei nº 14.888, 2009

Lei nº 15.413, 2011

Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste:

Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste:

Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste (COPISLeste):

Comitê de Construção do Estádio da Copa do Mundo de Futebol de 2014:

1 representante da Secretaria Municipal das

Secretário Municipal de Coordenação das

Secretário Municipal de Coordenação das

Secretário Municipal de Desenvolvimento

Subprefeituras

Subprefeitura (presidente)

Subprefeituras

Econômico e do Trabalho (presidente)

Secretário Municipal de Planejamento

Secretário Municipal de Planejamento

Secretário Municipal de Finanças

Secretário Municipal de Finanças

Secretário Municipal de Habitação

Secretário Municipal de Habitação

Subprefeito de Itaquera

Subprefeito de Itaquera

Secretário Municipal de Finanças;

Subprefeito de São Mateus

Subprefeito de São Mateus

Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano;

1 representante da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico (presidente) 1 representante da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade 3 representantes da sociedade civil

Presidente da Empresa Municipal de Urbanização Subprefeito de Ermelino Matarazzo Coordenador do Comitê de Desenvolvimento da Cidade de São Paulo

Subprefeito de Itaim Paulista

2 representantes civis, indicados pelo prefeito

Subprefeito de São Miguel

Secretário Municipal Especial de Articulação para a Copa do Mundo de Futebol de 2014; Secretário Municipal do Governo Municipal; Secretário Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão;

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

Subprefeito de Guaianases Subprefeito de Cidade Tiradentes Presidente da Empresa Municipal de Urbanização Coordenador do Comitê de Desenvolvimento da Cidade de São Paulo 2 representantes da sociedade civil, indicados pelo Prefeito. 3 representantes do poder público

8 representantes do poder público

13 representantes do poder público

7 representantes do poder público

3 representantes da sociedade civil

2 representantes da sociedade civil

2 representantes da sociedade civil

nenhum representante da sociedade civil

Fonte: elaboração do autor com base nas Leis mencionadas.

73


diminuem até serem completamente excluídos.

Futebol de 2014.” (Lei nº 15.413/11)

A lei complementar também inclui nove novos

Aprovada pelo prefeito às vésperas do anúncio

perímetros e permite, ao contrário da lei anterior,

oficial da sede de abertura da Copa do Mundo e

que os incentivos fiscais sejam concedidos

poucos meses após o início das obras da Arena

concomitante com outros eventuais programas

São Paulo, na Zona Leste, a lei não vincula a

de incentivos seletivos.

concessão do benefício à nomeação de sede da abertura do mundial. Sua redação foi modificada

Em 2011, após o anúncio da FIFA da realização

para que o benefício não dependesse da decisão

da abertura da Copa do Mundo no estádio de

da FIFA para ser concedido, uma vez que o

Itaquera, o programa muda de caráter, com a

anúncio oficial ainda não havia sido feito. A lei

promulgação da Lei nº 15.413, que

aprovada na Câmara dos Vereadores apresentou uma versão onde constava o condicionamento

“Dispõe sobre a concessão de incenti-

dos incentivos à escolha do estádio como

vos fiscais para construção de estádio

sede, mas a emenda foi vetada pelo prefeito.

na Zona Leste do Município. Esse é um detalhe importante, que mais adiante,

74

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a

no desenrolar do trabalho aqui apresenta-

conceder incentivos fiscais para construção

do, sustentará a hipótese de que as partes

de estádio que venha a ser aprovado pela

envolvidas nos assuntos da Copa – FIFA, CBF,

Federação Internacional de Futebol Asso-

Governo do Estado, Prefeitura, COL, Corinthians

ciado - FIFA como apto a ser sede do jogo

– trabalham com cartas marcadas. As de-

de abertura da Copa do Mundo de

cisões já estavam tomadas, resta, para os


32 Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Medido mensalmente pelo IBGE, foi criado com o objetivo de oferecer a variação dos preços no comércio para o público final. O IPCA é considerado o índice oficial de inflação do país.

envolvidos e beneficiados, encontrar uma

programa não sejam implementados, o ISS de-

forma de justificá-las em discurso oficial.

verá ser pago, acrescido de juros e atualização monetária. Eles podem ser negociados no merca-

A área de abrangência da Lei nº 15.413 é a

do aberto e transferir sua titularidade a terceiros.

mesma definida pelas Leis nº 14.654/07 e 14.888/09. Seus incentivos não podem ser

Para receber os benefícios disponibilizados pela

concomitantemente utilizados aos oferecidos

lei, o estádio a que ela se refere deve estar:

pela Lei de Incentivos nº 14.654 de 2007. “I – concluído antes da abertura da Copa do Os incentivos fiscais concedidos são a sus-

Mundo de Futebol de 2014; e

pensão de ISS sobre a construção e a emissão

II – localizado na área definida no § 1º do

de CIDs no valor de até 60% do investimento

art. 1º da Lei nº 14.654, de 20 de dezembro

realizado e limitado a R$ 420 milhões. Coin-

de 2007, com a redação dada pela Lei nº

cidência ou não, é justamente o valor faltante

14.888, de 19 de janeiro de 2009.” (Lei nº

para a construção do estádio em Itaquera, que

15.413/11, Art. 1, § 1º)

já conta com o financiamento de R$ 400 milhões do BNDES, aprovados em julho de 201231.

A lei de 2011 se volta para um empreendimento específico, privado, o estádio do Corinthians,

31 Voltaremos ao tema referente ao financiamento do estádio do Corinthians em Itaquera mais adiante.

Da mesma forma como estabelecido pela Lei

pois nenhum outro investimento poderia se

de 2007 e em sua revisão de 2009, os CIDs só

enquadrar nos requisitos por ela estabelecidos.

poderão ser utilizados após a conclusão do in-

Ela fere o princípio da impessoalidade e demon-

vestimento e sofrerão atualização monetária se-

stra primorosamente o que é a cidade das de-

gundo IPCA . Caso os requisitos exigidos pelo

cisões ad hoc (VAINER, 2011), quando a norma

32

75


geral – mesmo que, no caso das diversas versões das leis de incentivos seletivos, seria exagero chamá-la de geral - dá lugar a acordos caso a caso. Se torna cada vez mais específica: incentivos para uma região, substituídos por incentivos para uma subprefeitura, que finalmente se transfigura para favorecer um lote, um empreendimento, um consórcio.

76




SEÇÃO 2. DESTRINCHANDO A POLÍTICA DE MERCADO EM SÃO PAULO: O CASO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014


O capítulo 2 contemplou as ações promovidas

existe para mediar uma contradição funda-

pelo poder público para a região leste do muni-

mental do capitalismo. A produção e troca

cípio de São Paulo. Nele foi possível verificar,

capitalistas são inerentemente anárquicas.

no âmbito das ações do Estado, uma forma

Os indíviduos, em busca de seus interesses

de regulação do espaço pautada no regime de

privados, não podem levar em consideração “o

exceção, seja pelo caráter das leis ou pela for-

interesse comum”, pois as relações do capital-

ma desigual de sua aplicação no território. A

ismo são principalmente pautadas na acumu-

cidade de exceção vai se tornando, ela mesma,

lação através da exploração do trabalho. Mesmo

regra do Estado contemporâneo. No limite, os

considerando os interesses de classes, como a

exemplos até aqui apresentados podem ser ex-

classe burguesa detentora dos meios de pro-

tendidos para todas as grandes metrópoles bra-

dução, a anarquia prevalesce dentro da própria

sileiras. A seguir será apresentada uma reflexão

classe e a competição é desenfreada. O Estado

teórica sobre a cidade de exceção a partir da

surge como mediador dessas relações, regu-

leitura de Carlos Vainer e David Harvey para,

lando a competição, a exploração do trabalho

em seguida, nos debruçarmos sobre a gestão

(através do salário mínimo e do limite máximo de

da política urbana da zona leste nos dias de

horas de trabalho, por exemplo) e, geralmente,

hoje, a partir do contexto criado pelo anúncio

estabelecendo um piso sob o processo de

da Copa do Mundo de futebol a ser realizada

exploração e acumulação capitalistas.

no Brasil em 2014. Além disso, o Estado desempenha papel funA. O PAPEL DO ESTADO NA CONTRADIÇÃO CAPITALISTA

Segundo David Harvey (2006), o Estado

80

damental no provimento de “bens públicos” e infraestruturas sociais e físicas, pré-requisitos necessários para a produção e troca capitalista.


Mas, apesar de fundamental, nenhum capita-

geral ilusório” e impondo-se “não como classe,

lista individual acharia possível provê-las com

mas

lucro, de forma que a única forma de obtê-las

da sociedade” (MARX e ENGELS, 1970,

é através do Estado.

apud. HARVEY 2006).

como

representante

do

conjunto

Essa análise permite fazer as seguintes obser-

“A classe dirigente tem de exercer seu poder

vações: o Estado capitalista não é uma instituição

em seu próprio interesse de classe, enquan-

neutra independente mas, pelo contrário,

to afirma que suas ações são para o bem de

surge a partir do embate de classes, como me-

todos.” (HARVEY, 2006)

diador de conflitos, de forma que o capitalismo não se autodestrua pela exploração desenfreada de uma classe sobre a outra.

B. A CIDADE-EMPRESA E O ESTADO DE EXCEÇÃO

“Esse poder, nascido da sociedade, mas co-

Houve um tempo em que a questão urbana que

locando-se acima dela e, progressivamente,

norteava discussões sobre a cidade trazia como

alienando-se dela, é o Estado.” (ENGELS,

temas estruturadores o crescimento desnortea-

1941, apud. HARVEY, 2006)

do das cidades, equipamentos de uso coletivo, racionalização do solo e movimentos sociais.

É formado por representantes de classes, quase

O pensamento moderno do pós-guerra era

sempre da economicamente dominante que, sob

funcionalista e pouco flexível, com forte caráter

o manto da neutralidade estatal, favorecem seus

estatal regulador. A ‘nova questão urbana’,

interesses de classe e impõe sua ideologia como

por sua vez, rechaçou a rigidez anterior para

universal, transformando-a em um “interesse

dar espaço a um novo eixo central de discussão:

81


a competitividade, que visa integrar as ci-

fiscal (rigor no controle de gastos), ligado a

dades na lógica da economia financeirizada

uma tendência ascendente de conservadorismo

e da liberalização do mercado, competin-

e um forte apelo à racionalidade do mercado

do entre si por investimentos externos

e à privatização constituem o plano de fundo

para que sobrevivam na nova ordem da

da adoção por diversos governos dessa nova

economia global (VAINER, 2001).

postura. O regime fordista, de produção em larga escala e de rígida organização, é substi-

“Em

contraposição

às

certezas

que

tuído pelo que David Harvey chama de acumu-

amparavam as concepções e proposições

lação flexível, com o intuito de garantir que o

dos urbanistas modernos, a pós-moderni-

sistema produtivo seja capaz de operar dentro

dade é caracterizada pela incerteza e pela

de contextos que exigem rápidas mudanças,

multiplicação/fragmentação

adaptando-se continuamente às variações

de

atores

sociais e interesses.“ (VAINER, 2010)

da demanda. Uma das formas de flexibilizar o processo produtivo foi a precarização dos

No contexto mundial, governanças urbanas

contratos de trabalho, a subcontratação e

que até a década de 1960 adotavam uma

a terceirização, que tornam a relação entre

abordagem mais administrativa deram lugar

o trabalhador e seu posto muito mais frágil.

a formas de ação empreendedoras na década de 1970 e 1980, inseridas num contexto de

Vale a observação de que governança urbana

dificuldades econômicas enfrentadas a partir

é algo distinto de governo urbano. Entende-se

da recessão de 1973, com a crise do petróleo.

por governança a vasta aliança de forças impulsionadas pelos diversos agentes sociais

Desindustrialização, desemprego, austeridade

82

que organizam o espaço urbano, sendo que o


governo e a administração urbana desempe-

Porém atentemos ao que foi descrito anterior-

nham apenas um papel facilitador e coordenador

mente, com relação à liberação dos mercados

(HARVEY, 2010). Nesse processo, as disputas

e a necessidade de buscar recursos com o merca-

são constantes – principalmente em “espaços

do global. É ele que se está buscando atrair e es-

onde a densidade social é muito diversificada”.

tão a venda os atributos específicos valorizados pelo capital transnacional: espaços de convenção,

O planejamento estratégico é o discurso que

parques industriais, segurança, torres de comuni-

pauta a nova questão urbana, empreende-

cação e comércio. São os atributos da ‘cidade

dora e competitiva, e se apóia sobre três

global’. E o que desvaloriza essa cidade é a

analogias: a cidade como mercadoria, a cidade

violência, a desigualdade social, a pobreza.

como empresa e a cidade como pátria

Feia e subdesenvolvida. Se o que valoriza as

(VAINER, 2000).

cidades são grandes prédios “ecológicos”, viadutos estaiados e helipontos e o que desvaloriza

33 Para aprofundar no conceito de cidade-global e no discurso de São Paulo como centro globalizado, ler “O Mito da Cidade Global”, de João Sette Whitaker Ferreira. Editora Unesp, 2007.

A cidade como mercadoria indica o que parece,

são favelas, ônibus lotados e movimentos

hoje, o maior objetivo dos governos locais:

sociais reivindicatórios, que fazem barulho

vender a cidade. Mas, afinal, o que é que está se

e confusão, o marketing urbano trata de exaltar

pondo a venda? Poder-se-ia iniciar uma discussão

os primeiros e esconder os segundos. Qual o

sobre quem são os consumidores da cidade,

discurso que se propaga aos quatro ventos?

pois estes decidiriam o que lhes é adequado.

Que São Paulo é uma cidade global, moderna,

Num primeiro momento poderíamos pensar

cujo símbolo é o entorno da Marginal

nos cidadãos comuns, que buscam espaços

Pinheiros33. A periferia distante e carente

de lazer, transporte adequado, educação de

pouco importa. Mas se a miséria está perto

qualidade, bons empregos, estabilidade social.

demais, trata-se de removê-la34. Para onde

83


vai tampouco interessa, desde que longe

políticos e seus “limitadores”. O mecanismo

dos holofotes do mundo dos negócios.

encontrado para isso são as Parcerias PúblicoPrivadas (PPP), que criam formas mais ágeis de

“A cidade agora é mercadoria de luxo.”

transferência de recursos para grupos privados.

(VAINER, 2000)

É uma parceria onde o setor privado projeta,

34 A remoção de cortiços do centro e de favelas no entorno dos eixos imobiliários de expansão vem ocorrendo frequentemente em São Paulo.

financia, executa e opera. Em contrapartida, A cidade-empresa alcança a eficacia, isto é,

o Estado paga uma remuneração periódica

competitividade e produtividade, permitindo

pelo serviço prestado. Ou seja, a separação en-

que as decisões sejam tomadas por agentes

tre aquele que planeja e aquele que executa,

vinculados diretamente ao mercado, os em-

favorável ao interesse público para que haja

presários. A cidade-empresa deve ser realista

um controle e transparência na execução e nos

e prática, ágil e flexível, evitando controles

gastos, é abolida. Agora quem constrói a cidade FOTO 12. Região da Marginal Pinheiros, próxima à Av. Berrini, símbolo de São Paulo como “cidade global”.

84


35 É o caso de organizações internacionais que se sobrepõe à soberania nacional, como ocorre no Brasil com a FIFA e CBF no período de preparação para a Copa de 2014. 36 Entrevista com Carlos Vainer. http://www. epsjv.fiocruz.br/index. php?Area=Entrevista&Num=21, acessado em 28.06.2012.

37 http://goo.gl/ToqAy acessado em 25.09.2012.

38 http://blogs.estadao. com.br/jt-cidades/ prefeitura-quer-proibir-sopao-gratis-no-centro/, acessado em 25.09.2012.

39 http://goo.gl/ZOYfn acessado em 25.09.2012.

40 http://s.conjur.com.br/ dl/projeto-lei-altera-consumo-bebida.pdf, acessado em 25.09.2012.

são seus compradores, sem intermediários.

junto diferente. Uma cidade sem conflito se

Quem está excluído da lógica capitalista está

enquadra em uma das duas possibilidades:

também excluído da cidade e de sua construção.

ou é brutaliza da por uma violência que impede a manifestação ou o autoritarismo

Segmentos de “escassa relevância estratégica”

foi internalizado por cada citadino. O

(FORN Y FOXÀ, 1993, p.11. in VAINER, 2000, p.

conflito permite que os atores sociais

89) serão destituídos. É a despolitização, miti-

se construam.” (VAINER, 2011)36

gação do conflito, do embate e da ação política. Na cidade-empresa não se elegem dirigentes,

A violência que impede a manifestação pode vir

eles

discutem

na forma de leis proibitivas que minimizam o

objetivos, pois ele já está definido: ganhar a

espaço público e seu uso natural, espontâneo.

competição entre cidades. Tampouco há tempo

Diminuindo o encontro, racionalizando seu

e condições de refletir sobre valores, filoso-

uso. Em São Paulo são freqüentes as notícias

fia ou utopias e predominam os interesses.

de proibições descabidas, feitas sob ameaça

Na cidade-empresa há a idéia de que o conflito

policial, como a ação de camelôs37, a dis-

é uma manifestação patológica da sociedade.

tribuição de ‘sopão’ a moradores de rua38, apre-

Eles atrapalham os negócios.

sentações de artistas de rua39 e muitos outros.

são

indicados . 35

Não

se

No início do ano de 2012 tramitava o Projeto “O banimento do conflito é o banimento

de Lei nº767/1140, que proíbe a venda e con-

da política. Uma cidade sem conflito é uma

sumo de bebida alcólica em lugares públicos.

cidade morta. As cidades podem ser defini-

Internalizar o autoritarismo significa instaurar o

das pela sua dimensão, heterogenei-

consenso. Para o sucesso do projeto estratégico,

dade e densidade. Ou seja, muita gente

a cidade é sempre tratada como unidade coesa:

85


‘a cidade compete, a cidade necessita, a cidade

Mas essa idéia é bastante instável – não se

deseja’. Ao discutir o que ela necessita e deseja

pode contar com o sentimento de crise, sabi-

e como compete, adota-se como natural o

damente passageiro, para sustentar um con-

emprego do substantivo simples, sem qualifi-

senso. Vem então a idéia de pátria, o senti-

cações nem separações. A Cidade. Para isso, as

mento de pertencimento.

idéias de crise e patriotismo unificam. Os megaeventos se enquadram em ambos. No O sentimento de crise dentro da idéia de econo-

caso da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a

mia globalizada cria a condição de “trégua

urgência dos prazos permite que decisões sejam

para conflitos internos”, de união patriótica

tomadas sem debate e que se criem atalhos

frente às pressões externas. Necessita criar um

nos caminhos da legislação. O sentimento de

contexto análogo à guerra, ou à crise urbana,

orgulho nacional e a pressão por ‘fazer bonito’

um momento de insegurança que fragilize as

e propagandear mundo afora ‘do que o Brasil

representações políticas, criando espaço para

é capaz’ tornam-se justificativas para quaisquer

a formulação de uma nova forma de poder

ações tomadas sob a desculpa de preparação

na cidade, como uma empresa que responde

para os olhos do mundo. A flexibilização

prontamente a uma crise econômica. Os bons

das leis é uma resposta rápida da eficiência

líderes devem agir rapidamente, tomando

empresarial para agarrar a oportunidade que

as decisões cabíveis para retomar o rumo do

tais eventos oferecem. Quais oportunidades?

sucesso. Nesse contexto, as palavras de ordem

Visibilidade e bons negócios.

são flexibilização e empreendedorismo. “O que Ascher chamava de urbanismo ad hoc, o que pudicamente se designou de

86


flexibilidade, o que outros saúdam como

Já a idéia de patriotismo é também reforça-

empreendedorismo

cidade-

da por monumentos que consigam suportar a

empresa, sen transfigura em permanente e

nova identidade da cidade. Não se tratam de

sistemático processo de desqualificação da

monumentos que remetam ao passado, mas

política.“ (VAINER, 2010)

sim ao futuro. É a destruição da memória cole-

urbano

e

tiva de uma região e substituição por um novo A lei pode ser legalmente desrespeitada.

ícone que simbolize a cidade moderna e global.

Criam-se leis que legitimam seu desrespeito. Na verdade, leis que consolidam a prática

“Essa promoção interna deve apoiar-se em

da exceção legal, substituindo a razão pela

obras e serviços visíveis, tanto os que têm

negociação e a norma geral dá lugar a acordos

caráter monumental e simbólico como

caso a caso. O princípio da legalidade segundo

os dirigidos a melhorar a qualidade dos

o qual à administração pública só é permitido

espaços públicos e o bem-estar da popula-

fazer o que a lei autoriza, enquanto na

ção.” (CASTELLS & BORJA, 1996, p. 160.

administração particular é lícito fazer tudo

apud. VAINER, 2000, p. 94)

que a lei não proíbe, nesse contexto não vale mais. Não convém valer. Consolida-se a prática

Há bons exemplos em São Paulo. Os edifícios es-

da exceção como regra, que se torna uma

pelhados, altos e imponentes da Marginal Pinhei-

ação sistemática. As Operações Urbanas Con-

ros, junto da monumental ponte estaiada,

sorciadas, já comentadas anteriormente, são

que ilustram os cartões postais da cidade, ou

o exemplo primordial do que essa reflexão

os museus e centros culturais do centro, que

teórica traz. A cidade é negociada.

tentam alavancar um projeto de ‘revitalização’ da região central pela ação catalisadora de

87


equipamentos de cultura inseridos dentro de uma Operação Urbana que pretende mudar a cara da população residente e, recentemente, o estádio do Corinthians na Zona Leste, um “presente” para a população periférica, um símbolo da cultura popular do futebol e motivo de orgulho e sensação de, finalmente, pertencer à cidade. Eis a força que um monumento tem, junto de um discurso retórico bem amarrado.

88


3. MEGAEVENTOS ESPORTIVOS COMO ESTRATÉGIA: A PROMESSA DO LEGADO

“Sem medo de errar, podemos afirmar que

tensão e a violência foram constantes), a

poucos acontecimentos mobilizam tantas

valorização da tecnologia, a consolidação

paixões e emoções como os megaeventos

de identidades nacionais, a busca de uma

esportivos. Eles evidenciam o espaço social

emoção controlada, o exaltar de um certo

que o esporte vem ocupando no decorrer do

conceito de beleza, entre outras. Para falar

século XX. Por certo estamos falando de uma

um pouco mais sobre a pene-tração dessa

das mais importantes e influentes manifesta-

prática social por todo o mundo, basta

ções culturais da modernidade, eivada das

lembrar que há mais países filiados à FIFA

representações de valores e desejos que per-

e ao COI do que à ONU.” (MELO, 2007)

meiam o imaginário do século: a superação de limites, o extremo de determinadas situa-

Os megaeventos estão na ordem do dia em todo

ções (comuns em um momento onde a

o mundo. São os Jogos Olímpicos, a Copa do

89


Mundo FIFA, congressos, fóruns (Rio+20, por exemplo), todos mobilizando pessoas das mais diversas partes do mundo, atiçando o interesse

3 . 1 J O G O S PA N A M E R I C A N O S R I O D E J A N E I R O 2 0 07

de inúmeros segmentos econômicos e levando

A análise dos Jogos Panamericanos de 2007,

cidades de todo o globo a disputar o direito

no Rio de Janeiro, se faz pertinente antes de

a sediá-los, tomados como incontestáveis ala-

abordar a Copa por vir, pois serve de alerta para

vancas da dinamização econômica, erguendo

as conseqüências e verdadeiros legados deixa-

as cidades-sede a patamares que redefinem sua

dos por grandes eventos quando mal adminis-

imagem mundial de cidade competitiva, rumo

trados. Seu resultado foi uma catastrófica dívida

ao progresso. Mas a que preço?

pública, equipamentos com diversos problemas e que permanecem fechados até hoje para a

Antes de nos debruçarmos sobre o caso da

população carioca. Em 2002, seu custo inicial

Copa do Mundo no Brasil em 2014, será feita

foi avaliado em R$ 409 milhões. Em outubro

uma rápida análise do que significaram os

de 2006, os gastos previstos somavam

Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, em

R$ 2,8 bilhões - 584% a mais. Em março e

2007, um megaevento que pode ilustrar os

junho de 2007, os valores cresceram ainda mais:

riscos e limites da realização de grandes jogos,

R$ 3,2 bilhões e R$ 3,7 bilhões, respectiva-

caso não sejam apropriadamente debatidos e

mente (crescimentos de 684% e 793%), sendo

preparados com seriedade.

mais de 90% investimento público41. Não obstante, as pretensões iniciais com relação à infraestrutura urbana diminuiram drasticamente ao longo da revisão dos planos de metas para o evento42.

90

41 Fonte: . http://www1. folha.uol.com.br/folha/ esporte/ult92u632797. shtml, consultado em 24/08/2012

42 Até o final de 2004 constava nos planos da municipalidade a construção de novas linhas do metrô, alcançando a periferia metropolitana. Todavia, assim que o prefeito César Maia foi reeleito, com base em promessas como esta, todas articuladas explicitamente à realização do Pan-2007, a idéia de expansão do metrô foi imediatamente abandonada.


43 Fonte: http:// puc-riodigital.com. puc-rio.br/cgi/cgilua. exe/sys/start.htm?infoid=3626&sid=13&tpl=printerview , acessado em 25.08.2012. 44 No tocante à questão ambiental, a vila foi edificada em área próxima às margens da Lagoa de Jacarepaguá, sob solo predominantemente hidromórfico, isto é, com características de elevada umidade subterrânea. Por este motivo, as fundações da referida construção atingem a profundidade de quase trinta metros. Trata-se portanto de local mais adequado a usos leves, como parques, dadas suas condições naturais. O uso habitacional impôs o encarecimento da intervenção. 45 Área B da Subzona A-39, definida no Decreto 3.046/81.

CUSTOS DOS JOGOS PANAMERICANOS N O R I O D E J A N E I R O, 2 0 07

43

inadequada para construções do porte proposto44, uma série de edifícios de até 17 andares. Seus custos foram altíssimos devido às funda-

Prefeitura do Rio de Janeiro:

ções e, ainda assim, diversos deles sofrem com

R$ 588,7 milhões (54,6%)

problemas de rachaduras e estão fechados.

Governo federal: R$ 328,3 milhões (30,5%)

A Legislação vigente no local onde foi cons-

Governo do Estado do RJ:

truída a Vila do Pan45 estipulava lotes mínimos de

R$ 126 milhões (11,7%)

3 mil m², testada mínima de 40 m e construções

Iniciativa privada:

restritas a uma unidade habitacional de apenas

R$ 35 milhões (3,2%)

um pavimento e ocupação máxima de 10% do terreno. Esses parâmetros induziam a uma

Ainda assim, nenhuma das instalações esporti-

ocupação pouco densa e de pouca carga, pois

vas se prestou para qualquer uso social após os

levava em consideração as frágeis condições de

jogos. A Vila do Pan, local de hospedagem dos

resistência do solo no local (VERÍSSIMO, 2011).

atletas ao longo da competição, foi construída em uma área de expansão imobiliária da Barra da Tijuca, na Av. Ayrton Senna, reforçando o vetor de valorização. Além do alto custo da região, que por si só impossibilitaria seu usufruto pela população vulnerável do Rio de Janeiroe carente por moradias dignas, a área era considerada por muitos engenheiros como

91


FOTO 13. Vila do Pan, Rio de Janeiro.

A partir de 2002, após o anúncio da realização

A construção da Vila do Panamericano teve

dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro,

grande apoio finaceiro por parte do poder

diversas leis e decretos alteraram significativa-

público:

mente os parâmetros urbanísticos e edilícios do local46, aumentando em diversas vezes seu

• R$ 189,3 milhões de financiamento da Caixa

potencial construtivos. Esse fato levou a duas

Econômica Federal

conseqüências: o aumento exponencial do

• R$ 25 milhões de direito de uso sobre os

valor de mercado desses lotes – já situados

imóveis (durante os jogos)

em importante vetor de expansão da cidade

• R$ 52,9 milhões para obras de infra-estrutura

do Rio de Janeiro - e, também, os riscos aos

no entorno (repasse à Prefeitura do Rio para

edifícios ali instalados, uma vez que a já sabida

execução)

precária

• R$ 31,8 milhões para os serviços de hotelaria,

condição

do

solo

dificilmente

daria conta de suportar a carga permitida. 92

governança e lavanderia (durante os jogos)47

46 Leis Complementares N.º 59, 60 e 61, de 2002; Decreto N.º 23811/2003; Decreto N.º 23900/2004.

47 Fonte: http://esporte. uol.com.br/pan/2007/ ultnot/2007/05/09/ ult4343u793.jhtm , acessado em 25.08.2012


Após o término da competição, os imóveis de

que conseguiram a suspensão, através de

1 a 4 quartos, foram vendidos a particulares de

determinação judicial, em setembro de 2006,

classes média e média-alta, com preços variando

das reformas na Marina. E em 29 de janeiro

entre R$ 146 mil e R$ 512 mil a unidade.

de 2007, o Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos informou ao Ministério Público

Quanto aos complexos esportivos construídos,

Federal que não seriam executadas as obras

o potencial que teriam para abrigar usos sociais

de expansão na Marina da Glória, admitindo

e de incentivo à cultura do esporte foi abando-

que não se tratava de uma obra essencial para

nado e a maior parte deles está fechado.

a disputa dos jogos (MASCARENHAS, 2007).

Um dos polêmicos projetos foi o de “moder-

A construção do Parque Aquático Maria Lenk

nização” da Marina da Glória, no Parque do

custou aos cofres públicos R$ 85 milhões

Flamengo. O megaempreendimento fugia

e hoje encontra-se em estado de abandono.

completamente aos objetivos de uma marina,

Foi utilizada apenas em duas oportunidades

incluindo uma série de edifícios (galpões,

logo após o Pan: em outubro de 2007 rece-

centro de convenções, shopping center, esta-

beu as disputas do Mundial de Nado Sincron-

cionamento, restaurantes, centros de evento,

izado e, mais tarde, o Troféu Maria Lenk de

etc), cujas obras eram realizadas sob a justi-

natação e, desde então, permanece fechado.

ficava de urgência por conta da proximidade

Sem manutenção e abandonado pelo poder

dos Jogos. o projeto proposto resultaria em um

público, o parque aquático – que já sofreu

grande obstáculo visual para a contemplação

uma obra de manutenção – foi classificado

do mar e acabou por mobilizar movimentos

como área de foco de mosquitos da dengue.

sociais, tais como o SOS Parque do Flamengo,

93


O Velódromo utilizado nos Jogos foi projetado

FOTO 14. Velódromo do Rio de Janeiro. Na foto é possível ver as duas pilastras que atrapalham a visão plena do espaço.

em 2003 a um preço inicial de R$ 7 milhões. Ao final da obra o custo dobrou: R$14.116.000,00. Desse total, R$ 2,1 milhões foram do governo federal, para a importação de madeira maciça de pinho siberiano para a pista. Os R$ 12 milhões restantes saíram do orçamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, segundo o relatório do Pan 2007, do Ministério do Esporte. A proposta original do Comitê Organizador

A instalação custou R$ 14 milhões e tem somente

do Pan era ter um velódromo provisório. O

uma similar na América do Sul, na Colômbia,

Ministério do Esporte e a Prefeitura do Rio

onde o ciclismo é um dos esportes nacionais.

decidiram por um permanente, pois não havia

A pista precisa de cuidados especiais exigidos

nenhum na cidade. Agora, cinco anos depois,

pela pista de madeira, que não vêm sendo

conclui-se que o espaço está “fora dos padrões

realizados. Ainda assim, atletas dependem dessa

olímpicos” e será, portanto, demolido. As novas

infraestrutura para seus treinos que, com a

exigências são quanto à capacidade, que

demolição do velódromo, ficarão prejudicados.

deve ser de 5000 lugares ao invés dos 1500

Outras 60 crianças que ali fazem iniciação ao

disponíveis. Além disso, duas pilastras que

ciclismo, além de atletas da patinação e da

sustentam a cobertura impedem a visualização

ginástica,

total da arbitragem e prejudicam as trans-

prejudicados .

missões de TV.

94

também 48

serão

diretamente

48 http://josecruz. blogosfera.uol.com. br/2012/07/legadode-r-14-milhoes-dopan-2007-sera-demolido/. Acessado em 25.08.2012.


FOTO 15. Estádio do Engenhão e entorno. O equipamento não foi capaz de mudar a qualidade de vida da população que vive nas proximidades e as pequenas vias de acesso não dão conta da vazão em dias de jogos, gerando grandes congestionamentos.

A demolição do velódromo atende a interesses do mercado imobiliário, pois se situa em região altamente valorizada, próxima à Lagoa do Camorim. O Engenhão foi mais uma das obras em que o orçamento estourou. De R$ 74 milhões, quando anunciado, foi para R$ 380 milhões após a conclusão da obra – um aumento de mais de 400%. Construído especialmente para sediar o Pan, foi implantado em uma região de baixa renda, sobre o antigo campinho recreativo da comunidade. Hoje, abriga jogos dos grandes clubes cariocas e excui os moradores dos arredores. Não foram feitas melhorias na circulação viária do entorno, resultando em grandes tumultos em dias de jogos. Eles trazem oportunidades para os comerciantes ambulantes, mas ainda

promovido “mudanças espetaculares”, o evento

assim apenas margeando seu potencial uso e

esportivo foi capaz de chamar a atenção quanto

sem garantir um efetivo desenvolvimento

às “necessidades” da cidade, o que parece um

econômico.

retorno ínfimo para tamanho investimento realizado. Numa honesta e acertada cons-

49 Jornal do Commercio, 26 de março de 2007.

Em entrevista em 2007, o secretário estadual

tatação do secretário, afirmou que houve

de Habitação Noel de Carvalho afirmou que,

“poucas mudanças estruturais necessárias para

apesar de os Jogos Pan-Americanos não terem

o desenvolvimento” mas, “de qualquer forma,

95


o evento favoreceu o setor imobiliário”49.

de contratos superfaturados. Atualmente é o

As operações do Pan acabaram por favorecer

diretor de segurança do Comitê Organizador

a especulação imobiliária, beneficiar emprei-

dos Jogos Olímpicos. Em 2011 foi aberta uma

teiras, promover a valorização fundiária, implantar

ação civil pública pedindo a condenação do

moderna infraestrutura (telecomunicações) em

delegado por improbidade administrativa.

áreas nobres, aquecer o setor hoteleiro, bem

O processo ainda tramita. Além dele, outro

como assegurar a permanência de grupos

envolvido no mesmo processo é o delegado

políticos no executivo local. Ainda traz uma

Odécio Carneiro, que até janeiro de 2012

vantagem: atiça o otimismo nacionalista,

era diretor da Secretaria de Segurança para

que acaba justificando medidas arbitrárias em

Grandes eventos do Ministério da Justiça, órgão

nome do “fazer bonito”.

que cuidou da segurança da Conferência Rio+20 da ONU e cuidará da Copa do Mundo 2014 e dos

Após constatar todos os problemas ocorridos

Jogos Olímpicos de 2016. O então Secretário

antes, durante e depois da realização dos Jogos

do Esporte, Eduardo Paes, é hoje nada menos

Panamericanos, nos restaria verificar se os

do que o prefeito reeleito do Rio de Janeiro.

responsáveis foram devidamente punidos. O então secretário Nacional de Segurança Pública,

Ainda assim, a edição de setembro de 2007 da

o delegado Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor

revista do TCMRJ50, com o título “Legado do

geral da Polícia Federal é réu em um processo

Pan: uma nova fase para o Rio?”, traz em suas

que tramita na Justiça Federal por desvio de

primeiras páginas algumas palavras do presi-

dinheiro público durante sua participação nos

dente da entidade, dizendo que

Jogos Panamericanos 2007, onde teria lesado os cofres públicos em R$ 18 milhões por meio

96

“Hoje, há consenso sobre o sucesso dos

50 Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro.


Jogos Panamericanos de 2007 realizados no

seria abrigada em um país da América do Sul,

Rio de Janeiro. Não há voz dissonante quan-

cuja confederação, a CONMEBOL (Confede-

to à bem-sucedida organização do evento.

ração Sul-Americana de Futebol) anunciou

(...) O grande legado do Pan contrariou todas

em 2003 a candidatura do Brasil, Argentina e

as expectativas negativas, pois demonstrou

Colômbia para 2014. Com a proximidade da

que o Poder Público é capaz de grandes e

data de votação a ser realizada pela FIFA, em

importantes realizações.” (Thiers Vianna

2006 as confederações da CONMEBOL votaram

Montebello, então presidente do TCMRJ)

de forma unânime na candidatura única do Brasil, cujo anúncio oficial foi feito em

3.2 COPA DO MUNDO NO BRASIL: NOVA PERSPECTIVA PARA A POLÍTICA URBANA

30 de julho de 2007. Três meses depois, foi eleito por unanimidade entre os membros do comitê da FIFA como nova sede da vigésima edição da Copa do Mundo de futebol.

Para a escolha das sedes do Mundial de

O processo de escolha da sede para 2014 não

futebol, a FIFA instituiu em 1998 um sistema

ocorreu sem complicações. O então presidente

de rodízio de continentes, de forma a ofere-

da FIFA Joseph Blatter se mostrou descontente

cer com maior igualdade chances aos países

com a candidatura única do Brasil, alegando que

emergentes e distribuir melhor o direito de

o ideal seriam ao menos três ou quatro países

sediar a Copa pelo globo. A África do Sul foi

na disputa. No mesmo ano foi votado pela FIFA

o primeiro escolhido dentro do novo sistema

o fim de rodízios entre continente, permitindo

e foi a estréia de um país africano como sede

que quaisquer países concorressem à candida-

da Copa do Mundo, em 2010. A Copa seguinte

tura para 2018 (menos África e América do Sul).

97


Antes de adentrar o tema específico da Copa no

e CBF. São os principais agentes do mundial,

Brasil, faz-se importante uma pequena intro-

responsáveis por decisões de grande impacto

dução sobre alguns dos principais agentes do

nas cidades sede, porém são instituições

evento. Instituições privadas que comandam o

alheias aos interesses da população. As pala-

rumo de toda sua organização e realização: a

vras de Julio Grondona, vice-presidente da

Fédération Internationale de Football Associa-

FIFA, são esclarecedoras: “A Copa do Mundo

tion (FIFA), a Confederação Brasileira de Futebol

é da FIFA e apenas ocorre no Brasil”. Apesar de

(CBF) e o Comitê Organizador Local (COL).

o Brasil ser tratado como salão de festas, quem está pagando por ela somos nós: mais de 90% dos recursos gastos com a Copa do Mundo são

3.3 FIFA, CBF E COL

de origem pública. Ou seja, os brasileiros pagam e cedem sua casa, mas a festa não é para eles.

A Copa do Mundo é um evento que envolve diversos interesses e tem grande impacto

Fundada em 1904, hoje a Fédération Interna-

econômico e social no país que a sedia. São

tionale de Football Association é integrada

bilhões de reais injetados em forma de inves-

por 208 países, mais do que a própria ONU,

timentos em infraestrutura e incentivos fiscais,

que conta com 192 nações filiadas. Poucas

grande parte deles vindos dos cofres públi-

instituições são tão poderosas, ricas e fecha-

cos. Mas as principais decisões tomadas com

das quanto a FIFA. A renovação do comitê é

relação ao evento são fruto de exaustiva nego-

extremamente baixa: a maioria dos cartolas51

ciação entre o poder público e órgãos inter-

está no cargo a mais de quinze anos.

nacionais responsáveis pela promoção da Copa sendo os principais deles, no caso do Brasil, FIFA

98

Legalmente, trata-se de uma entidade sem fins

51 Dirigente, diretor ou presidente de time de futebol.


lucrativos. Seus gastos se resumem a organi-

dependiam basicamente de bilheteria das par-

zação de campeonatos, viagens de cartolas,

tidas, da venda de jogadores e de moderados

repasses para times e confederações e prêmios

lucros comerciais. Foi a partir da eleição de

para jogadores e seleções. Na Copa de 2010,

João Havelange, em 1974, que a organização

a seleção campeã recebeu U$ 30 milhões e a

mudou de caráter e se tornou um grande

vice, U$ 24 milhões.

negócio. Hoje a FIFA é responsável pela comercialização de qualquer produto ligado ao fute-

“Talvez a FIFA deva ser pensada como um

bol profissional, patrocínios e, o grande gera-

híbrido entre uma empresa multinacional

dor de riquezas, direitos televisivos.

e um tipo de Estado supra e transnacional,

52 Foul: The Secret World of Fifa: Bribes, Vote Rigging and Ticket Scandals, livro do jornalista inglês Andrew Jennings, trata de suposto esquema de corrupção e compra de votos envolvendo dirigentes da Fifa, Adidas e ISL. Dentre eles está a compra de votos por parte de Horst Dassler na primeira eleição de João Havelange na presidência da Fifa.

dado o seu poder atual e o seu perfil de

Em 1983 foi criada a empresa de marketing

atuação. Ainda assim, ela mesma é uma

e gestão de direitos esportivos International

das grandes impulsionadoras e depositárias

Sport and Leisure (ISL), cujo dono era o então

dos sentidos de pertencimento nacional,

presidente da Adidas, Horst Dassler. A empresa

que se fazem construir através do apoio

tornou-se braço comercial e associada número

às “seleções nacionais” de futebol que a

um da FIFA. Essa relação é fruto de uma parce-

ela se vinculam, criando uma interessante

ria que começou durante a primeira eleição de

necessidade de coexistência entre a FIFA e

João Havelange à presidência da entidade, que

os Estados-Nação em que o futebol seja um

contou com grande apoio de Horst Dassler e

esporte de importância pública de média

rendeu à ISL o poder exclusivo sobre a comer-

para cima, em um sentido político amplo.“

cialização dos principais eventos futebolísti-

(ANDRADE, 2010)

cos mundiais52. Ela garantiu o monopólio da gerência econômica do futebol por décadas,

Até a década de 1970, as finanças da FIFA

mas foi à falência em 2001 quando veio à tona 99


um gigantesco esquema de propinas a altos

previstas para a execução da Copa, informando

executivos da Fifa.

à FIFA sobre o andamento dos preparativos. Presidida por Ricardo Teixeira até março de 2012, período em que renunciou aos postos

A Copa do Mundo de futebol é um evento

do COL e da CBF, da qual era presidente há 23

da FIFA, totalmente controlado por ela. O

anos, após uma série de denúncias envolvendo

país que queira sediar o evento deve aceitar

casos de corrupção, o posto máximo do COL é

todas as exigências listadas no chamado

agora ocupado por José Maria Marin, que tam-

Caderno de Encargos da entidade. Nele constam

bém assumiu o lugar de presidente da CBF. Foi

os mais diversos requisitos, desde a capacidade

nomeado pelo próprio Ricardo Teixeira na CBF

dos estádios, número e localização de banheiros

e no COL, sendo alinhado aos seus interesses.

até a distância entre as arenas e os centros

Antes de deixar o posto, o famoso cartola

de imprensa. Todos os itens são verificados e

Ricardo Teixeira nomeou sua filha, Joana

decididos pelo Comitê Organizador Local (COL),

Havelange, diretora executiva de Suporte,

cujo seleto grupo presta contas apenas à FIFA.

que trata do planejamento, marketing e

Até 2011 contava com apenas 6 representantes,

suporte a operações do COL. O Conselho

nenhum deles da sociedade civil ou do poder

de Administração conta com Ronaldo e

público. Conta hoje com cerca de 80 fun-

Bebeto, ex-jogadores de suma importância

cionários.

para o futebol nacional, símbolos do esporte. Ambos são defensores de Ricardo

O Comitê Organizador Local é uma entidade

Teixeira e os rostos carismáticos do comitê,

jurídica criada pela FIFA/CBF para realização

trazendo forte apelo emocional. O Diretor

da Copa no Brasil. Seu papel é exercer

Executivo de Operações do COL é Ricardo

o controle sobre o andamento das ações

Trade, nomeado em 2010 também por Ricardo

100


53 http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ quem-vai-impor-limites/, acessado em 29.08.2012

Teixeira. Foi também gerente geral de serviços

Em maio de 2012 o COL passou a contar tam-

e um dos diretores de operações do Panameri-

bém com um membro do governo federal, o

cano de 2007. Francisco Müssnich, cujo es-

secretário-executivo do Ministério dos Esportes

critório Barbosa, Müssnich & Aragão representa

Luis Fernandes. Como coordenador do Gru-

a CBF em questões jurídicas da Copa, faz parte

po Executivo da Copa do Mundo (GECOPA),

do comitê como diretor jurídico, assim como

Fernandes tem um panorama de toda a prepa-

Rodrigo Paiva, diretor executivo de comuni-

ração do Brasil para o Mundial. Sua aproxi-

cação do COL, assessor de imprensa da CBF e da

mação no comitê resolve problemas mais

seleção desde 200253. Ele acompanhou todas

práticos, estabelecendo um canal direto entre a

as denúncias que envolveram o ex-presidente

entidade, responsável pela organização geral, e

da CBF. Além disso, o arquiteto Carlos de La

o governo, que toca as obras de infraestrutura.

Corte, que assessorou o Ministério do Esporte

A chegada de Fernandes também rompe com

em 2002 para projetos de centros esportivos,

um alinhamento político existente no comitê.

tornou-se consultor de estádios e finalmente

Até a indicção do membro do governo, to-

o último integrante, Carlos Langoni, ex-pres-

dos os diretores e conselheiros do órgão eram

idente do Banco Central e administrador do

ligados ao ex-presidente da CBF, Ricardo

patrimônio pessoal de Teixeira. Marco Polo Del

Teixeira.

Nero, substituto de Ricardo Teixeira no Comitê Executivo da FIFA, também entrou recente-

A participação de governos nos comitês orga-

mente ao COL, indicado pela própria entidade

nizadores da Copa não é comum. De acordo

internacional. É também o atual presiden-

com o próprio secretário-geral da Fifa, Jérôme

te da Federação Paulista de Futebol (FPF) e

Valcke, só na África do Sul, em 2010, é que

integrante do Comitê Executivo da Conmebol.

pessoas ligadas ao governo entraram no COL.

101


3.4 DISCURSO VS. REALIDADE O discurso mais recorrente das autoridades brasileiras é de que a Copa do Mundo trará recursos e desenvolvimento para o país numa escala jamais vista. Gerará empregos e riqueza, permitirá às cidades-sede expandir sua infraestrutura e seu reconhecimento internacional, deixando para a população brasileira um legado jamais visto. E o melhor de tudo, com o mínimo de investimento público, já que a iniciativa privada se encarregaria de grande parte dos gastos. O Brasil adotou,

Essas foram as palavras do então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, em discurso proferido em 2007 em Brasília, ao lado do então presidente Lula, defendendo que não haveria motivos para se preocupar com excesso de gastos públicos na organização do Mundial de futebol. Em dezembro do mesmo ano, o então ministro do Esporte, Orlando Silva, em discurso no Rio de Janeiro, reforçou: “Os estádios para a Copa do Mundo serão construídos com dinheiro privado. Não haverá um centavo de dinheiro público para os estádios.”

durante a gestão de Lula na presidência, a missão de se projetar internacionalmente através da realização de megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. “O melhor da Copa do Mundo é que é um evento que consome a menor quantidade de dinheiro público do mundo. O papel do governo não é de investir, mas de ser facilitador e indutor”.

102

Ainda em 2007, a FIFA publicou um relatório onde a entidade justifica a escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014, trazendo a seguinte informação: “O modelo brasileiro para a Copa do Mundo de 2014 dará prioridade ao financiamento privado na construção e reforma dos estádios. O objetivo é erguer arenas modernas que atenderão ao padrão Fifa, enquanto os recursos públicos serão


54 http://www.conjur. com.br/2011-jun-05/ entrevista-francisco-mussnich-advogado-especialista-direito-societario, acessado em 12.09.2012

aplicados em obras de infraestrutura, de aeroportos, rodovias e hospitais. (relatório Fifa sobre a Copa no Brasil)

parte que lhe cabe.”54 (Francisco Müssnich) Infelizmente, tais alegações não poderiam ser mais falaciosas. É o que mostra o quadro abaixo (Quadro 10), realizado a partir do relatório de acompanhamento das obras da Copa pelo Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em agosto de 2012. Já está prevista a quantia de mais de R$ 27 bilhões em recursos públicos (10 vezes o orçamento do Ministério dos Esportes em 2011) nas obras das 12 cidades sede, mais de R$ 2 bilhões a mais do que o divulgado cinco meses antes, no relatório de março. Só para os estádios, o valor atinge mais de R$ 6,76 bilhões, o triplo do previsto em 2007 pela CBF, que à época informou à FIFA sobre a

Em alguns casos, o próprio discurso é incapaz de esconter sua contradição, tornando-se quase desconexo. Foi o caso da declaração de Francisco Müssnich, assessor jurídico da CBF e diretor jurídico do COL, que disse em entrevista publicada em junho de 2011 que “a Copa é 100% um evento privado. A FIFA é detentora dos direitos da Copa do Mundo. Tudo que estiver relacionado à organização da Copa não tem nada a ver com o Estado. (...) Não existe Copa do Mundo, mesmo sendo ela privada, sem que o governo faça a

quantia de cerca de R$ 2,12 bilhões.

QUADRO 10. Gastos em obras da Copa, por fonte do investimento Área de investimento

Governo Federal em R$ milhões

%

março de 2012 Municípios

Estados em R$ milhões

%

em R$ milhões

Setor Privado %

em R$ milhões

%

TOTAL

agosto de 2012 TOTAL

em R$ milhões

em R$ milhões

Estádios

3.356,63

50,14

1.537,90

22,97

0,00

0,00

1.800,21

26,89

6.694,74

6.761,00

Mobilidade urbana

6.576,30

60,15

2.923,20

26,74

1.433,50

13,11

0,00

0,00

10.933,00

12.050,00

877,10

97,57

21,80

2,43

0,00

0,00

0,00

0,00

898,90

899,00

6.134,78

93,76

0,00

0,00

0,00

0,00

480,00

7,34

6.542,78

7.335,00

-

371,00

67,59

4.482,90

17,88

1.433,50

5,72

2.280,21

9,10

25.069,42

27.416,00

Portos Aeroportos Telecomunicações TOTAL

16.944,81

-

-

-

Fonte: Relatórios TCU, março 2012; agosto 2012 *Foram usados os dados de março/2012 para comparar a origem dos gastos pois tais dados relativ os ao mês de agosto não foram encontrados.

103


QUADRO 11. Previsão de custo dos estádios da Copa (em R$ milhões) Estádio

outubro 2007 maio 2009

janeiro 2010 abril 2012

Arena Amazônia (AM)

535

533

Arena Baixada (PR)

151

234

Arena Fonte Nova (BA)

592

592

Arena Pantanal (MT)

454

519

Arena Pernambuco (PE)

491

530

Beira-Rios (RS)

média de

média de

143

330

Castelão (CE)

R$ 185,5 por estádio¹

R$ 309 por estádio²

452

623

413

350

Estadio Nacional (DF)

702

800³

Itaquerão (SP)

820

Maracanã (RJ)

705

890⁴

Mineirão (MG)

456

695

492,8

547,8

5.912

6.904

Arena das Dunas (RN)

VALOR MÉDIO TOTAL

2.200

3.708

808

Fonte: elaboração do autor a partir de dados do Ministério dos Esportes ¹ Segundo estimativ as da CBF em relatório env iado à Fifa após anúncio da Copa no Brasil ² Valor foi obtido atrav és da média do custo de 15 dos 17 estádios candidatos a sediar jogos da Copa – Curitiba e Belo Horizonte não informaram os v alores. Cálculo realizado pela Folha, http://w w w 1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk2705200922.htm, acessado em 30.08.2012. ³ Prev isão do Gov erno de DF

104


O Quadro 10 mostra que quase três quartos

recebendo as delegações. Se forem contabiliza-

dos gastos em estádios para o Mundial são de

dos os recursos totais investidos na construção

origem pública – e esse valor segue galopante

de equipamentos para Copa e Olimpíadas, o

a cada novo relatório de contas, como pode ser

país poderia diminuir o déficit habitacional,

verificado no caso dos estádios, apresentado

ampliar o acesso aos serviços urbanos básicos,

no Quadro 11.

promover melhorias socioambientais, criar programas de trabalho e renda, investir na saúde

Mais de 90% do montante investido na Copa

pública e na educação.

vem dos cofres federais (67,59%), estaduais (17,88%) e municipais (5,72%), enquanto o in-

Para tornar a equação entre discurso e realidade

vestimento privado se restringe a meros 9,1%.

ainda mais complexa, soma-se o fato de que,

O abismo existente entre discurso e realidade

depois da competição, os nove estádios públi-

aparece de forma tão gritante no caso das

cos (pois três dos estádios do Mundial já são

contas que coloca em cheque as intenções e

privados – São Paulo, Porto Alegre e Curitiba)

a seriedade dos envolvidos com o evento. Essa

devem ser entregues a empresas para adminis-

é uma contradição mensurável, mas e quanto

tração, como indicado no Quadro 12 abaixo.

aos discursos de legado, de que forma será

Uma vez que os custos de manutenção são

possível quantificá-los?

demasiado altos para que o poder público possa arcá-los, após realizar os enormes gas-

Além das quantias apresentadas pelo TCU, foi

tos em construção e readequação de estádios

aprovada isenção de impostos para as constru-

eles serão entregues à iniciativa privada. Não

toras dos estádios e dos campos de treinamento

deixa de ser contraditório: investimentos

nas cidades que atuarão como apoio à Copa,

públicos sendo entregues para desfrute privado.

105


QUADRO 12. Destinação dos estádios da Copa após a realização do evento Estádio

Antes da Copa

Após a Copa

Estádio Mané Garrincha (Brasília)

Governo do Distrito Federal (pública)

Administração será concedida a uma empresa privada por meio de licitação.

Maracanã (Rio de Janeiro)

Governo do Rio de Janeiro (pública)

Administração será concedida a uma empresa privada por meio de licitação

Arena Amazônia (Manaus)

Governo do Amazonas (pública)

Administração deve ser concedida a uma empresa privada

Arena Pantanal (Cuiabá)

Governo do Mato Grosso (pública)

Administração deve ser concedida a uma empresa privada

Mineirão (Belo Horizonte)

Governo de Minas Gerais (pública)

Consórcio responsável pela reforma administrará estádio por 25 anos

Fonte Nova (Salvador)

Governo da Bahia (pública)

Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 35 anos

Castelão (Fortaleza)

Governo do Ceará (pública)

Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 8 anos

Arena das Dunas (Natal)

Prefeitura de Natal (pública)

Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 20 anos

Arena Pernambuco (Recife)

Estádio novo

Consórcio responsável pela obra administrará estádio por 33 anos

Itaquerão (São Paulo)

Corinthians (privada)

Administração será privada

Beira-Rio (Porto Alegre) Arena da Baixada (Curitiba)

Internacional (privada) Atlético Paranaense (privada)

Administração permanecerá privada Administração permanecerá privada

Fonte: UOL Notícias. "Dinheiro público paga 97% dos estádios da Copa, mas governo não controlará nenhum". 28/05/2012.

Do projeto inicial da Copa, enviado à FIFA

realizadas, dificilmente se poderia identificar

como proposta em 2007, apenas quatro

algum resquício do estádio anterior, como no

estádios precisariam ser construídos do zero,

caso do Maracanã, posto praticamente inteiro

enquanto os demais seriam equipamentos

abaixo e agora reerguido a um custo previsto

já existentes adequados às exigências da FIFA

de quase R$ 1 bilhão, sendo, por enquanto,

através de reformas. 18 cidades brasileiras se

a obra mais cara dentre as 12 arenas. Vale

candidataram para sediar jogos do mundial,

destacar que ele já sofreu uma reforma para os

das quais um máximo de 10 seriam escolhidas

Jogos Panamericanos de 2007, há apenas

após inspeção da FIFA. Hoje temos 12 cidades

5 anos, que consumiu mais de R$ 200 milhões

selecionadas e 7 novos estádios sendo cons-

à época.

truídos (Quadro 13), sendo que, das reformas 106


QUADRO 13. Cidades candidatas a sedes da Copa, seus estádios e situação Cidade

Estado

Estádio

situação

proposta 2007

situação atual

Belo Horizonte

Minas Gerais

Estádio Mineirão

reforma completa

reforma

Brasília

Distrito Federal

Estádio Mané Garrincha

reforma completa

reconstruído

Cuiabá

Mato Grosso

Estádio Verdão

reforma completa

reconstruído

Curitiba

Paraná

Arena da Baixada

reforma

reforma

Fortaleza

Ceará

Estádio Castelão

Manaus

Amazonas

Estádio Vivaldão

Natal

Rio Grande do Norte

Estádio Estrela dos Reis Magos

Porto Alegre

Rio Grande do Sul

Estádio Beira-Rio

Recife-Olinda *

Pernambuco

Rio de Janeiro

estádios selecionados para sediar a Copa do Mundo

reforma

reforma

reforma completa

reconstruído

estádio novo

estádio novo

reforma completa

reforma

Arena Recife-Olinda

estádio novo

estádio novo

Rio de Janeiro

Estádio do Maracanã

reforma

reforma

Salvador

Bahia

Arena da Bahia

estádio novo

estádio novo

São Paulo

São Paulo

Estádio do Morumbi/Arena Itaquera**

reforma completa

estádio novo

Belém

Pará

Estádio Mangueirão

reforma

_

Campo Grande

Mato Grosso do Sul

Estádio Morenão

reforma completa

_

Florianópolis

Santa Catarina

Estádio Orlando Scapelli

reforma completa

_

Goiânia

Goiás

Estádio Serra Dourada

reforma

_

Maceió

Alagoas

Arena Zagallo **

estádio novo

_

Rio Branco

Acre

Arena da Floresta

reforma

_

estádios não selecionados

* Candidatura única ** Na proposta de 2007 constava o Estádio do Morumbi. Por fim, será erguido o novo estádio Arena Itaquera Fonte: elaboração própria a partir de dados do Relatório de Inspeção FIFA, 2007.

107


Posta rapidamente a real situação dos gastos

investimento um ganho social em si. As

públicos e para onde fluem, resta confrontar

prefeituras das cidades-sede vêm conceden-

o discurso de que o retorno financeiro e social

do uma série de incentivos para a construção

prometido compensaria largamente tamanho

das arenas de futebol e demais equipamentos

investimento. A palavra mais repetida em

exigidos para a Copa. De que outras formas

qualquer fala oficial é “legado”. Mas afinal, o

as cidades poderiam utilizar o mesmo fluxo de

que isso significa? Dificilmente se pode dizer

investimentos? Também, a capacidade de

que a população gozará de melhores condições

endividamento das prefeituras, limitada pela

de vida graças à Copa. É certo que as obras vêm

Lei de Responsabilidade Fiscal, é aumentada

gerando grande número de empregos, mas até

para

quando? O termo ‘custo e oportunidade’ trata

através do Regime Diferenciado de Contra-

da comparação do custo benefício de um certo

tação56. Novamente, o custo e oportunidade

investimento com o de um outro investimento

social não é levado em conta. Pois se um

que poderia ser feito utilizando o mesmo

município tem permissão para se endividar a

montante de recursos do primeiro. Por exem-

fim de construir um estádio de futebol e não

plo, a Arena São Paulo consumirá cerca de

para aumentar e melhorar, por exemplo, sua

R$ 1 bilhão, segundo projeções55, e está

rede de saneamento e provisão de moradia

gerando 2 mil empregos diretos em 3 anos. Mas

e saúde, pode-se concluir que as prioridades

esse mesmo R$ 1 bilhão, se convertido em pos-

do poder público estão defasadas quanto às

tos de saúde, centros de educação, habitação

reais necessidades da população.

popular, saneamento

obras

associadas

aos

megaeventos

e outras necessidades

sociais gerariam os mesmos 2 mil empregos,

Uma série de intervenções estão sendo reali-

além

zadas no entorno do estádio, grande parte de

108

de

trazer

com

o

produto

desse

56 Vainer, 2011. Le Monde Diplomatique Brasil, entrevista de 02.08.2011.

55 A Lei que regulamenta o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) será mais minuciosamente analisada adiante.


57 Pesquisa Origem e Destino (POD) 2007, Metrô.

caráter rodoviário. Mas afinal, quantas pessoas

agora, nenhuma melhoria pode ser vista. Pelo

da região possuem automóveis e dependem

contrário, a paisagem no entorno imediato

desse tipo de transporte? Segundo a Pesquisa

da nova arena, se não permanece igual, está

Origem e Destino de 2007, realizada pelo

pior: é o caso da favela Vila Progresso, cujos

Metrô, das 900 mil viagens produzidas diaria-

moradores tiveram suas casas demolidas e, para

mente na subprefeitura de Itaquera, apenas

aqueles que permaneceram no lugar, sofrem

196 mil são feitas de carro .

de problemas estruturais além do convívio com

57

infiltrações, escombros e o medo de serem os próximos a perderem suas casas. As obras

FOTO 16. As linhas de metrô e trem que abastecem a Zona Leste de São Paulo estão sobrecarregadas a anos, obrigando os moradores que dependem de transporte público a se submeterem a situações quase insuportáveis.

do Parque Linear Rio Verde se encontram adiantadas, mas ao invés de trazer tranquilidade aos moradores do entorno, que poderão finalmente contar com equipamento público de lazer, traz insegurança, pois sua construção não abarca uma política habitacional compensatória para a população que será desapropriada das favelas que se encontram no perímetro Curiosa também a declaração do secretário de

previsto para o parque, de forma que as incer-

Desenvolvimento Econômico, José Alexandre

tezas superam qualquer possível retorno aos

Sanches, ao alegar que a obra do estádio em

moradores que conseguirem lá permanecer.

Itaquera “antecipou uma série de melhorias no entorno, que vão impactar a vida da Zona Les-

O discurso de que o evento trará riquezas para

te como um todo”. Ao que foi observado até

o país é bastante questionável. Em nenhum

109


momento defini-se quem é, afinal, o “país”.

se beneficiar, pois o fluxo de pessoas poderia

São todos os cidadãos? Ou são empresas nacio-

permitir maior contato do mundo com a reali-

nais? Ou os cofres públicos? Vejamos: os cofres

dade local e sua produção. Artigos típicos e

públicos poderiam ser enormemente beneficia-

pequenas empresas teriam uma oportunidade

dos, de fato. Afinal, são centenas de milhares

única de propagandear e comercializar seus

de pessoas adentrando o país, requerendo a

artigos e serviços, promovendo uma troca real

concessão de milhares de vistos de entrada e

de cultura, conhecimento e oportunidades.

permissões de trabalho. Os impostos cobrados durante a construção da infraestrutura

Infelizmente, não é o que se vê. Em primeiro

necessária para a realização do evento seriam

lugar, as arrecadações tributárias relacionadas

enormes, permitindo que os benefícios gera-

à Copa não ocorrerão normalmente, pois foram

dos pela Copa pudessem ser redistribuídos para

aprovadas diversas leis de isenção tributária:

outras regiões das cidades e do país, benefician-

seja isenção fiscal na construção de estádios

do distintas áreas em um prazo de tempo mais

e infraestrutura, aeroportos, hotéis, seja com

longo. Também produtores locais poderiam

relação a direitos alfandegários e concessão de vistos com dispensa de pagamentos de eventuais retribuições, da mesma forma que ocorrerá nos procedimentos de registro de marcas, realizados junto ao Inpi sem qualquer ônus para a FIFA (tema que será tratado em maiores detalhes mais adiante). A isenção descriteriosa de impostos por parte do governo fecha os cofres públicos para importantes arrecadações, que

110

FOTO 17. O entorno do futuro estádio do Corinthians sofre com moradias precárias e falta de suporte governamental.


no contexto da Copa representam quantias

condições exigidas pela Fifa impedem que o

consideráveis que seriam capazes de beneficiar

país como todo disfrute das benesses geradas

o investimento do país em crescimento interno.

pelo evento de forma plena. De fato, muitos

Outra questão está relacionada aos parceiros

recursos são gerados e a economia aquecida,

credenciados da FIFA, que em um raio de dois

porém não para o país sede e sua população,

quilômetros dos locais oficiais do evento –

mas para grupos externos, agudizando a con-

estádios, centros de imprensa, alojamentos e

centração.

centros de treinamento das delegações – serão os únicos com permissão para comercializar seus produtos. A FIFA trabalhará apenas com seus parceiros multinacionais, tirando dos comerciantes e produtores locais uma grande

3.5 FESTEJANDO A CIDADE DE EXCEÇÃO

oportunidade e transferindo os recursos dire-

A seguir, serão apresentados alguns exemplos

tamente para as mãos dessas poucas grandes

de como o município de São Paulo está rea-

empresas, ao invés de distribuí-los. Nesse mes-

gindo a esse novo contexto através da criação

mo raio de intervenção da FIFA, fica proibido

de leis excepcionais, que vigoram especial-

realizar qualquer tipo de propaganda, sob pena

mente para a preparação da Copa do Mundo

de um tribunal especialmente criado para tal

e sua realização. O tema já foi iniciado na

tipo de julgamento, no período da Copa.

apresentação da Lei de Incentivos Seletivos para a Zona Leste e sua evolução até chegar

Ou seja, a festejada geração de recursos e in-

na Lei 15.413/2011, que trata dos incentivos

jeção de investimentos para dentro do país

fiscais concedidos para a construção do estádio

é, na verdade, apenas um discurso, pois as

do Corinthians.

111


3.5A. LEI Nº 12.663, DE 5 DE JUNHO DE 2012 - LEI GERAL DA COPA

termo “símbolos oficiais”, que pode efetivamente abranger qualquer imagem, idéia ou até expressão linguística. Mais de mil itens foram

A Lei Geral da Copa é uma exigência da FIFA

objeto de requisição de registro pela entidade.

para a realização da Copa do Mundo e se de-

Cria exceções à lei federal, como permitir o

bruça sobre diversos temas relativos à organi-

registro de marca a nomes, prêmios e símbolos

zação do torneio e aos direitos e deveres das

de eventos esportivos e dispensa a entidade de

partes envolvidas, até dezembro de 2014.

eventuais custos referentes aos processos de licenciamento junto ao INPI (Instituto Nacional

Um dos temas centrais da Lei trata da proprie-

de Propriedade Industrial). Trata-se quase de

dade intelectual de símbolos e marcas da FIFA e

um processo de privatização da cultura,

da Copa. A legislação brasileira, porém, já abarca

através do direito de uso exclusivista.

o tema (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 e outras). A Lei Geral cria condições especiais para

Quanto à captação de imagens, sons e retrans-

registro de marcas relacionadas e indicadas pela

missão de partidas ou eventos relacionados, a

FIFA e demais órgãos diretamente relaciona-

FIFA seleciona “flagrantes de imagem” de até

dos. Ela desregula e desburocratiza o processo,

dois minutos disponibilizados para fins não

dando carta branca para a entidade explorar

comerciais. A única emissora autorizada a trans-

qualquer conteúdo minimanente relacionado ao

mitir as partidas do Mundial é a Rede Globo,

evento, inclusive expressões como “Mundial de

que comprou os direitos referentes através de

futebol” e “Brasil 2014”. No caso da proteção

um contrato milionário que garante boa parte

à propriedade industrial, não há qualquer re-

da renda da FIFA com o evento.

strição ou definição sobre o significado do

112


IMAGEM 1. Em 2010, a compania aérea sulafricana Kulula Airlines criou um anúncio que, de forma irônica, remetia indiretamente à Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. Por não se tratar de uma parceira oficial da FIFA, foi obrigada pela entidade a tirar o anúncio de circulação e pagar uma multa por infringir suas regras de direitos autorais. Como resposta ao que a empresa considerou uma reação exagerada da Fifa, refez o anúncio substituindo as imagens relacionadas a futebol que apareciam no primeiro anúncio – a bola, o estádio, o apito – por semelhantes sem relação direta com o esporte e reescreveu as mesmas informações sem mencionar os termos registrados. “Compania aérea não oficial de Você-SabeO-Que” (referindo-se à Copa do Mundo); “Não ano que vem, nem ano passado, mas em algum momento entre” (referindo-se ao ano de 2010, período do evento). O episódio exemplifica a forma de atuação da FIFA com relação aos direitos de imagem e símbolos oficiais.

Outro ponto bastante polêmico é com relação

e art.1º, IV da Constituição Federal), pois impli-

ao controle da FIFA sobre o território, através

ca na priobição de venda ou exposição, dentro

da criação de áreas de restrição comercial nos

desse perímetro, de quaisquer mercadorias que

“Locais Oficiais de Competição”, zonas de ex-

não obtenham permissão expressa da entidade.

clusão no entorno dos estádios e suas princi-

Os estabelecimento regularmente existentes

pais vias de acesso e espaços de transmissão

não serão comprometidos, desde que sem

dos jogos e eventos relacionados, que podem

qualquer forma de associação aos eventos – ou

chegar a até dois quilômetros ao redor dos

seja, os bares não poderão vender outra cerveja

locais oficiais. Trata-se de uma restrição ao

que não seja aquela patrocinadora do even-

direito de ir e vir e à livre iniciativa (art. 5º, XV

to, nem poderão citar o evento de qualquer

113


forma. O comércio ambulante, fonte de renda

em que a lei tem como princípios funda-

de milhares de pessoas e típico nos arredores

mentais a universalidade e a impessoali-

de grandes eventos, principalmente jogos de

dade – gerando uma lei especial para alguns

futebol, fica vetado. Pequenas empresas e

privilegiados e entregando a cidade ao des-

pequenos comércios locais serão comprometi-

regramento total.” (VAINER, em entrevista

dos, ao contrário do que diz o discurso cor-

de 2011)

rente de que a Copa traria oportunidades para a sociedade brasileira como um todo.

Os ingressos para o mundial terão seus preços definidos pela FIFA e serão divididos em qua-

Vistos e permissões serão emitidos em caráter

tro categorias de preço. Até a aprovação da Lei,

prioritário e sem custos para todos aqueles

estava em discussão a possibilidade de venda

indicados pela FIFA, com algumas restrições

de meia-entrada para estudantes, idosos e par-

previstas pelo Conselho Nacional de Imi-

ticipantes de prorgamas federais de transferên-

gração. Porém,

cia de renda. A FIFA se colocava contrária, mas esse direito, garantido por legislação federal,

“é da natureza de todo Estado soberano

foi mantido na Lei Geral da Copa.

determinar como se faz o ingresso dos estrangeiros em seu território. Mas essa lei

Foram criados novos tipos penais específicos,

entrega a uma instituição privada o poder

de natureza pontual e temporária: marketing

consular, isso é anticonstitucional, mas

de emboscada por intrusão, por associação e

é uma lei enviada pelo governo nacional.

utilização indevida de símbolos oficiais. Isso

Assim se constrói a legislação de exceção,

reforça a tendência à hiperpenalização já acen-

que tem a forma da legalidade, mas na

tuada na polícia criminal brasileira.

verdade fica à margem da lei – na medida 114


Outro ponto crítico é quanto à responsabili-

Lei Geral da Copa se extendeu por mais de um

zação da União quanto a quaisquer danos e

ano e diversos pontos foram alvo de discussão

prejuízos que possam eventualmente ser cau-

e negociação. A FIFA exigia medidas e pre-

sados à FIFA duante o torneio.

cauções que iam na contramão da legislação nacional, a fim de garantir o máximo possível

“Todo e qualquer dano resultante ou que

seus interesses econômicos.

tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado

“A cidade é expropriada do controle do seu

aos eventos.” (Lei nº 12.663/12, Art. 30)

próprio território. O Brasil não elegeu Joseph Blatter [presidente da Fifa], não entregou

Nada poderia ser mais genérico. Praticamente

poderes de governo a uma instituição

qualquer eventualidade pode se enquadrar na

privada sobre a cidade.” (VAINER, 2011)

formulação. O texto original enviado pela entidade sofreu O homem indicado para ser relator na Câmara

uma série de alterações até ser aprovado. Ainda

foi o deputado Vicente Cândido, também um

que alguns pontos tenham sido adaptados para

dos vices da Federação Paulista de Futebol

respeitarem a legislação brasileira, o governo

(FPF) e sócio de Marco Polo Del Nero, presi-

brasileiro se dobrou a uma série de exigências

dente da entidade. Uma situação que deve ser

feitas por uma entidade privada, favorecendo

ponderada pela sua proximidade com a FIFA e

interesses econômicos particulares em detri-

seus interesses.

mento da coletividade.

A disputa entre representantes da entidade e

Em meio a questões fundamentais que per-

do governo federal foi acirrada. A aprovação da

meiam a Lei Geral da Copa, como o veto à livre 115


iniciativa econômica, que permaneceu intocada

Ci-vil, articulada ao Ministério da Defesa),

na redação final aprovada, representantes de

cargos de confiança nos ministérios, autoriza

esferas do governo se degladiavam em torno

contratações temporárias (controladores de

de questões que ouso considerar, comparati-

tráfego aéreo) e revoga diversas disposições le-

vamente, pouco relevantes, como a permissão

gais59. 59 Revoga dispositivos da Lei nº 9.649/98.

ou não de venda de bebida alcólica dentro de estádios, que a legislação federal proíbe mas

Permite sigilo dos custos de obras e dispensa

que é uma exigência da FIFA, já que um de

publicação no Diário Oficial, pontos bastante

seus principais parceiros comerciais da Copa é,

controversos, uma vez que grande parte das

justamente, uma indústria de cervejas.

obras relacionadas conta de alguma forma com dinheiro público. Além disso, permite que

3.5B. LEI Nº 12.462, DE 5 DE AGOSTO D E 2 0 11 - R E G I M E D I F E R E N C I A D O D E CONTRATAÇÃO (RDC)

municípios e estados se endividem acima dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o que pode levar a sérios problemas financeiros futuramente, caso o endividamento

A lei flexibiliza a contratação de licitações ex-

não seja adequadamente planejado e adminis-

clusivamente para a Copa 2014 e para os Jogos

trado. Considerando o caráter da lei, de encur-

Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, incluindo

tamento do processo burocrático de aprovação

as obras de infraestrutura e contratação de

de licitações e aceleração dos tramites legais,

serviços para os aeroportos próximos às suas

ações precipitadas quanto à gestão do di-

cidades-sede. Altera leis58 que tratam de con-

nheiro público são um sério risco.

tratações de obras públicas e, de carona, cria uma nova secretaria (Secretaria de Aviação

116

Constitui o desmonte do controle político e

58 Altera as Leis nos 11.182/05; 5.862/72; 8.399/92; 11.526/07; 11.458/07; 12.350/10 e a Medida Provisória nº 2.185-35/01.


60 O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) sensatamente chamou o RDC de Regime “Desesperado” de Contratação. http://noticias.uol.com. br/politica/ultimas-noticias/2012/06/27/ senado-aprova-mp-deregime-especial-paraagilizar-obras-do-pacpara-copa-e-olimpiadas. htm, acessado em 22.07.2012. 61 Idem. 62 Idem. 63 O relator-revisor da matéria no Senado é o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

burocrático e um exemplo paradigmático da

escamotear essa incapacidade estatal de

cidade de exceção. O novo modelo do RDC

planejar o desenvolvimento nacional60.

dispensa a benéfica separação entre aquele que planeja e aquele que executa, permitindo

Como mostram as reflexões a partir de Harvey e

união, em uma única contratação, das ativi-

Vainer, apela-se ao discurso de crise para justi-

dades de elaboração do projeto e realização da

ficar a legitimação da exceção como estratégia

obra e turvando a necessária transparência que

de gestão: ”o senador Gim Argello (PTB-DF)

deve permear esse relacionamento.

reafirmou a importância do RDC como instrumento para desenvolver o Brasil neste momen-

Vale destacar o discurso recorrente das autori-

to de crise mundial”61.

dades, alegando que essa flexibilidade permite redução de custos e agilidade. O regime obje-

Segundo notícia de 27 de junho de 201262,

tiva facilitar as contratações e o desenvolvi-

foi aprovada pelo Senado a Medida Provisória

mento das obras para cumprir os cronogramas

(MP)63 que estende para as obras do PAC (Pro-

assumidos internacionalmente. Todavia, ele

grama de Aceleração do Crescimento) o regime

impede que se crie uma visão estratégica, de

especial de licitações que vem sendo usado para

longo prazo, que permita rever o modelo de

agilizar as obras da Copa e dos Jogos Olímpi-

contratação numa perspectiva

de conciliar

cos. É a consolidação, dentro da estrutura leg-

melhor o Estado gerencial com o Estado

islativa, de uma das leis mais polêmicas dentro

burocrático. A edição da medida provisória

do regime de exceção criado nos últimos

evidencia a inaptidão do Estado brasileiro

anos. Dessa vez, ele se extende para obras de

para eleger prioridades, buscando recuper-

saneamento, construção de escolas, postos de

ar o “tempo perdido” e, mais do que isso,

saúde e outros.

117


Os mecanismos de licitação são notoriamente

de ingerência imeditata do Executivo. Os

complexos e lentos, porém não sem motivos.

ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso

Eles envolvem quantias massivas de dinheiro

(1994-2002) e Lula (2002-2010) criaram 82 e

público transferidas para o setor privado e seu

72 MPs em seus mandatos, respectivamente.

emprego deve, portanto, ser minuciosamente

Se fica latente a necessidade de pensar me-

analisado e regulado para garantir sua apli-

canismos mais eficientes para os processos lici-

cação adequada. A teoria, porém, é distinta

tatórios, que se faça uma reflexão completa

da prática. Os mecanismos lentos e complexos

sobre o assunto ao invés de seguir aprovando

não vêm garantindo regularidade nas licitações

leis que relativizam leis anteriores, ou medidas

aprovadas e não é raro encontrar notícias de

provisórias como respostas paleativas a um

obras paradas devido a investigações por

sistema ineficiente, tornando a legislação

irregularidade no processo licitatório. Mas se

brasileira um campo tão turvo que passa a

os processos burocráticos se mostram inefici-

depender de mera interpretação, aplicada à

entes, flexibilizá-los através de medidas pro-

conveniência de cada um.

visórias para cumprir metas não resolverá o problema, visto que não modifica sua estrutura administrativa. O RDC é um verdadeiro atalho à Lei de Licitações, que teve início com uma medida provisória, a MPV nº 527/11. As medidas provisórias

3.5C. LEI Nº 12.350, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2010 E DECRETO Nº 7.319, DE SETEMBRO DE 2010 – REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO, REFORMA OU MODERNIZAÇÃO DE ESTÁDIOS DE FUTEBOL - RECOPA

são uma frequente estratégia de enfraqueci-

A Lei nº 12.350 garante isenção fiscal à FIFA

mento de direitos. De medida de exceção, tor-

e ao Comitê Organizador Local (COL) da

nou-se prática comum e ferramenta cotidiana

Copa em impostos relativos a “operações de

118


importação e de venda de máquinas, equipa-

• Contribuição para a Seguridade Social dev-

mentos, materiais de construção e serviços,

ida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou

quando importados ou adquiridos por pessoas

Serviços do Exterior – Cofins-Importação;

jurídicas beneficiárias e são também desti-

• Imposto sobre Produtos Industrializados

nados à construção, ampliação, reforma ou

– IPI; e

modernização dos estádios de futebol a serem

• Imposto de Importação – II.

utilizados nas partidas oficiais da Copa das

64 Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). contribuições sociais tributárias devidas por pessoas jurídicas, com objetivo de financiar o pagamento do seguro-desemprego, abono e participação na receita dos órgãos e entidades para os trabalhadores públicos e privados. 65 Contribuição tributária incidente sobre a receita bruta de pessoas jurídicas, destinada a financiar a seguridade social. 66 http://goo.gl/nPir6 acessado em 07.08.2012.

Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo

A expectativa é que haja uma renúncia de im-

FIFA 2014” (cf. Exposição de Motivos da MP

postos de cerca de R$ 35 milhões de tributos

n. 497/2010; Lei n. 12.350/2010, artigos 19

federais relativos ao Recopa66.

e 20, e Decreto n. 7.319/2010, art. 2º), assim como a todos os bens e mercadorias para uso

Em 11 de outubro de 2011 foi publicado o

ou consumo exclusivo na organização e reali-

Decreto nº 7.578, que complementou as regu-

zação da Copa das Confederações e da Copa

lamentações referentes aos benefícios relacio-

do Mundo, cuja importação seja promovida

nados à Copa. Ela prevê a possibilidade de a

pelas entidades mencionadas. Os benefícios

FIFA indicar à Receita Federal pessoas jurídicas

do RECOPA incidem, especificamente, sobre

como prestadoras de serviços relacionados

as alíquotas dos seguintes tributos federais:

ao evento, para usufruírem dos benefícios fiscais referido (CRESTANI e LARA, 2011).

• Contribuição para o PIS/Pasep ; 64

• Contribuição para o PIS/Pasep-Importação; • Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins65;

119


3.6 ESTÁDIO EM ITAQUERA: A R E N A S Ã O P A U L O, F I E L Z Ã O OU CATALIZADOR DE TRANSFORMAÇÕES?

lugares), como ambicionava o Governo do Estado e a municipalidade, mas uma série de outras adequações seriam necessárias. Porém, nota-se uma indisposição da FIFA e CBF em aceitar o Morumbi, estádio do São Paulo Futebol Clube (SPFC), como sede em São

3.6A. O PALCO DE SÃO PAULO: MORUMBI VS. ITAQUERA

Paulo. Seis projetos de reforma foram envia-

Na proposta de candidatura do Brasil à Copa

nal. Algumas análises, listadas a seguir, podem

2014 enviada à FIFA, constavam 18 cidades

ajudar a entender as escolhas feitas na capital

capazes de sediar jogos durante o torneio,

paulista e as polêmicas envolvendo as decisões

das quais de oito a dez seriam seleciona-

quanto ao seu estádio sede.

dos, todos vetados pela entidade internacio-

das para sediar o evento, segundo a FIFA. Ao final, doze acabaram sendo escolhidas, a

A primeira delas trata de conflitos pessoais e

pedido da CBF, usando como justificativa

divergência de interesses entre os envolvidos

a escala continental do país e alegando

na realização da Copa na cidade de São Paulo –

que, dessa forma, a competição ficaria melhor

representantes da FIFA, CBF e São Paulo Fute-

distribuída pelo território nacional.

bol Clube (SPFC). Como se viu no Capítulo 3.3, os cargos das diversas entidades relacionadas

Na proposta inicial, o estádio do Morumbi era

ao futebol (tais como federações, clubes, con-

listado como arena da cidade de São Paulo.

federações e a própria FIFA) freqüentemente

Sua capacidade para 80 mil pessoas seria mais

se confundem. Muitos de seus representantes

do que suficiente para comportar uma aber-

ocupam mais de um cargo, em diferentes orga-

tura de Copa (a FIFA exige ao menos 65 mil

nizações e as posições mais altas são alcançadas

120


67 Conhecido como Clube dos 13, seu nome oficial é União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro. Pessoa jurídica responsável por defender os interesses comerciais dos 20 maiores clubes brasileiros (Atlético Mineiro, Atlético Paranaense, Bahia, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Guarani, Internacional, Palmeiras, Portuguesa, Santos, Sao Paulo, Sport, Vasco da Gama, Vitória), inclusive negociação de direitos televisivos.

através de um forte sistema paternalista de troca

A segunda observação refere-se às condições

de favores com base em distribuição de cargos

impostas pela FIFA e CBF para aceitar o projeto

de confiança, como demonstra a baixíssima

de reforma do Morumbi. Na primeira proposta

rotatividade dos componentes da FIFA e CBF e

apresentada pela diretoria do SPFC, de autoria

as recentes denúncias de corrupção e compra

do arquiteto Ruy Ohtake, o orçamento era de

de votos nas votações internas para presidência

R$ 135 milhões, a ser realizado inteiramente

da entidade máxima.

com recursos privados e utilizando as receitas do estádio projetadas até 2019 como garan-

Nesse contexto de troca de favores por cargos de

tias68. Mesmo após realizar as alterações de

confiança, Ricardo Teixeira e Juvenal Juvêncio,

projeto exigidas pelo COL, que incluíam a

presidente do SPFC, estiveram envolvidos, em

cobertura do estádio e o rebaixamento do

2010, na disputa pela presidência do Clube

campo em oito metros, a proposta foi recusada.

dos 13 . O então presidente da CBF defendia

A FIFA chegou a vetar a proposta do São Paulo

a candidatura de Kleber Leite, ex-presidente

Futebol Clube de utilizar arquibancadas móveis

do Flamengo e então vice-presidente do

para a abertura do Mundial, avisando ao comitê

clube, enquanto Juvela Juvêncio apoiava

organizador que, independentemente do tipo

Fábio Koff, ex-presidente do Grêmio Foot-Ball

de material utilizado para a estrutura das arqui-

Porto Alegrense. A vitória foi para o segundo,

bancadas provisórias, elas não seriam aceitas

reeleito, e a partir de então estabeleceu-se

no estádio de abertura69. O próximo proje-

uma rixa pessoal entre os dois cartolas, que

to enviado, com custo calculado em R$ 250

se refletiu no episódio da negociação entre

milhões, foi igualmente recusado. A cada novo

representantes do Morumbi, da CBF e da FIFA

projeto surgiam novas exigências por parte

para o estádio sede de São Paulo.

dos organizadores, que ao final resultariam em

67

68 Segundo SPFC.

69 Curiosamente, esse veto foi esquecido ao anunciar a Arena Corinthians como estádio da abertura.http://goo. gl/ebV19 acessado em 21.09.2012 e http://goo.gl/aj0wK, acessado em 19.03.2012.

praticamente reconstruir o estádio70 (tal qual 121


está ocorrendo com o Maracanã, no Rio de

pela extravagância dos valores apresentados,

Janeiro). Os projetos foram assinados pelo es-

com o qual não poderia arcar sem correr sérios

critório GMP, que já havia realizado reformas

riscos financeiros e, no próximo projeto envia-

de seis estádios para as Copas de 2010 e 2006

do à FIFA, ofereceu novamente um orçamento

e tinha, portanto, vasta experiência no tema,

de R$ 250 milhões, sem pleitear a abertura.

o que tornou as persistentes recusas surpresas

Em junho de 2010 a proposta foi novamente

ainda maiores. O Comitê Organizador Local

recusada e a entidade máxima do futebol vetou

tentou impor ao clube uma reforma de R$ 650

definitivamente o estádio do Morumbi para a

milhões, cujo orçamento não oficial incluía a

Copa, abrindo caminho para decisões ‘a toque

exigência por parte da FIFA e da CBF do pa-

de caixa’ a fim de viabilizar um novo proje-

gamento de R$ 100 milhões diretamente para

to de estádio, dados os curtos prazos restan-

cada uma das entidades . A viabilização finan-

tes até o mundial. A justificativa do veto foi

ceira para tal exigiria, além dos investimentos

a falta de garantias financeiras apresentadas

previstos pelo SPFC e bancados por dinheiro

por parte do SPFC, fato negado através de nota

privado, o empréstimo oferecido pelo BNDES

oficial emitida pela diretoria do clube73, que

através do Programa Arenas para estádios da

afirmou ser suportado por sólidas garantias

Copa, cujo teto é de R$ 400 milhões e que com-

prestadas por empresas de grande renome.

71

pletaria, dessa forma, os R$ 650 milhões exigidos. As garantidas exigidas para a realização do empréstimo envolviam o próprio estádio, além de obrigar o clube a assumir uma dívida pelos próximos 30 anos72. Dessa forma, a diretoria sãopaulina recusou-se a aceitar tais exigências

122

70 As maiores exigências envolviam o rebaixamento do campo em oito metros, desvio do corrego próximo ao estádio, demolição da arquibancada inferior, aumento do anel central, colocação de cobertura e construção de edifício de apoio com estacionamento. Fonte: entrevista realizada com representante do SPFC.

71 Informação obtida em entrevista com representante do SPFC.

72 http://www. cartacapital.com.br/ sociedade/quem-vai-impor-limites/, acessado em 28.08.2012.

73 http://www.saopaulofc.net/noticias/noticias/ futebol/2010/6/17/ nota-oficial-17062010/, acessado em 21.09.2012.


FOTO 18.1. Estádio do Morumbi, São Paulo, 2010.

FOTO 18.2. Simulação do Estádio do Morumbi após reforma proposta para a Copa 2014.

74 Infelizmente, essa decisão durou pouco, como veremos mais adiante.

75 http://copadomundo. uol.com.br/2010/ultimas-noticias/2010/06/19/ por-abertura-em-2014governador-de-sp-dizque-ira-procurar-teixeira-apos-esta-copa. jhtm, acessado em 19.09.2012.

76 A nota oficial publicada à época pela CBF não está mais disponível no site da entidade, sendo apenas encontrada em reproduções disponibilizada por outros veículos de informação.

Vale notar que, mesmo após a exclusão do

de exclusão do estádio como “complô políti-

Morumbi por parte da FIFA e CBF, represen-

co”75. De fato, o então presidente corinthiano

tantes do governo continuaram declarando,

Andrés Sanchez foi convidado pela CBF a

ao menos publicamente, apoio ao estádio

chefiar a delegação da seleção brasileira na

sãopaulino, alegando que tratava-se do projeto

Copa de 2010, na África do Sul, mantendo

mais adequado e viável, pois São Paulo havia

lá contato próximo com a cúpula da FIFA.

tomado a decisão de não desviar dinheiro

Coincidência ou não, foi durante a Copa que

público para a construção de estádio .

foi feito o anúncio oficial de exclusão do

Apesar disso, o poder público não teve força

Morumbi do mundial76. Durante o mesmo

ou vontade política o suficiente para seguir

evento, Andrés Sanchez admitiu a construção

com sua escolha e submeteu-se à resolução

do estádiocorinthiano em Itaquera, apesar

da FIFA de construir um novo estádio,

de apenas oficializá-lo no final de agosto.

74

ao invés de buscar com maior ênfase um projeto mais interessante para a cidade. Representantes do SPFC classificaram a decisão 123


3.6B. VIABILIZAÇÃO ECONÔMICA DA ARENA DE ITAQUERA

Dois mêses após a exclusão definitiva do estádio do Morumbi do Mundial, o Sport Club Corinthians anunciou a construção de sua arena na região de Itaquera (31 de agosto de 2010), no terreno cedido em 1988 pela prefeitura para construção de estádio. Um projeto assinado pelo arquiteto Anibal Coutinho com custo previsto de R$ 350 milhões e capacidade para 48 mil torcedores que, segundo representantes do clube, estava “à disposição da Copa do Mundo”. Mas para o jogo de abertura que o município e Governo do Estado de São Paulo ambicionavam, o estádio apresentado não seria suficiente. Os requisitos da FIFA exigem capacidade para pelo menos 65 mil torcedores e complexa estrutura de salas VIP e VVIP77, salas de imprensa, área para geração e captação de imagens e mais (vide Quadro 14), que encareceriam consideravelmente a proposta inicial, chegando a R$ 600 milhões78. Os dirigentes do clube lavaram as mãos quanto às

124

exigências extras e alegaram diversas vezes que, caso o Estado quisesse um estádio para

77 VVIP: Políticos e autoridades.

a abertura da Copa, deveria assumir os custos adicionais de adequação. O estádio que interessava ao Corinthians se restringia à primeira proposta apresentada e qualquer adição estava fora de seu escopo. Tem início um jogo político de empurra-empurra, com o então presidente corinthiano Andres Sanchez79 declarando em maio de 201180 que a cidade de São Paulo corria o risco de não sediar a abertura da competição, alegando que as adaptações exigidas para atender aos requi-

78 Segundo o diretor de marketing do Corinthians, Luis Paulo Rosenberg, em declaração de 2010. http://veja.abril.com. br/blog/reinaldo/geral/ copa-de-2014-obras-engatinham-e-ninguem-sabe-quanto-o-mundialvai-custar/, acessado em 17.09.2012.

79 Presidente do Corinthians de 2007 até dezembro de 2011, sendo então substituído por Mário Gobbi Filho.

sitos da abertura ultrapassavam muito a capacidade do clube, que não estava interessado em bancar tamanha monumentalidade. Uma eficiente estratégia para jogar a responsabilidade para as mãos do estado, declaradamente o maior interessado em sediar a abertura.

80 http://www1. folha.uol.com.br/ esporte/915908-por-exigencias-da-fifa-andres-admite-perder-abertura-da-copa. shtml, acessado em 17.09.2012.


MAPA 15. Localização do estádio do Corinthians no município de São Paulo. Fonte: elaboração do autor.

FOTOS 19. Maquetes eletrônicas do futuro estádio do Corinthians (cont) >

125


> FOTOS 19. Maquetes eletrônicas do futuro estádio do Corinthians

Ainda sem definição oficial quanto ao local da

Paulo81, tudo passou a ser decidido muito

abertura, é dado início às obras do Itaquerão,

rapidamente. Tão rápido quanto as decisões

como a arena é chamada pela mídia e pela

tomadas a partir daí foi o crescimento do valor

população, apesar de insistentes pedidos por

final da Arena de São Paulo, nome oficial do

parte da diretoria corinthiana para abolir o ape-

estádio até que se defina o investidor que

lido. Em 30 de maio de 2011, nove meses após

comprará o direito de nomeá-lo, através dos

seu anúncio, começam as primeiras movimen-

namig rights82. Um mês após o pontapé inicial

tações de terra e, cinco meses depois, a FIFA

das obras o custo já estava estimado em R$

o anuncia oficialmente como palco da aber-

820 milhões, mais de 230% a mais do que os

tura da Copa do Mundo 2014.

R$ 350 milhões anunciados em 2010.

Depois de meses de incertezas, disputas políti-

Vale ressaltar que o orçamento constante-

cas, recusas por parte da FIFA e CBF e espe-

mente apresentado não leva em consideração

culações, que chegaram a apontar quatro dif-

as exigências da FIFA para o estádio de aber-

erentes arenas como possíveis sedes em São

tura da Copa, dentre eles, capacidade para

126

81 Estádio Cícero Pompeo de Toledo (Morumbi), Estádio Municipal do Pacaembu, Palestra Itália (ou Parque Antártica) e o ‘Piritubão’, proposta de estádio em Pirituba, rapidamente descartada.

82 Estratégia utilizada pelo Sport Club Corinthians para captação de recursos.


QUADRO 14. Estrutura exigida pela FIFA para o estádio de abertura da Copa do Mundo 2014 Para o público capacidade de 60.000 lugares

Para convidados pelo menos 1/3 de camarotes (1.600) capacidade de 4.800 lugares

1.130 assentos VIP 100 assentos VVIP

restaurante com 1.130 m² Restaurante para VVIP com 180 m²

Para a imprensa estrutura para atender 5.000 profissionais centro de imprensa com 6.000 m² área para geração de imagens e transmissão de jogos com 6.000 m²

Estacionamento especial 200 vagas para convidados VIP 30 vagas para ônibus VIP 450 vagas para veículos de imprensa 520 vagas para parceiros comerciais

Área interna espaço para patrocinadores com 5.000 m² espaço para artistas convidados: 5 vestiários com 30 m² cada 50 vagas de estacionamento para representantes Fifa 50 vagas de estacionamento para Comitê Organizador da Copa Fonte: http://esporte.uol.com.br/futebol/copa-2014/ultimas-noticias/2011/06/22/exigenciasda-fifa-podem-custar-ate-r-300-milhoes-segundo-odebrecht.jhtm

127


FOTO 20. Obras do estádio do Corinthians em setembro de 2012. Fonte: Portal da Copa 2014.

65 mil pessoas. Esse considerável acréscimo,

e infraestrutura necessários à operação do es-

porém, não foi publicamente debatido e não

tádio” não estão incluídos no valor firmado.

foram feitos anúncios oficiais quanto ao valor

Aos poucos, à medida que os documentos oficiais

que demandaria. Uma série de outros itens não

foram sendo divulgados, viu-se que o valor real

foram contabilizados e não constam no valor

ainda estava muito acima do até então previs-

do contrato assinado entre Corinthians e Ode-

to, podendo passar de R$ 1 bilhão (Quadro 15).

brecht, construtora do estádio. Uma das cláusulas define, por exemplo, que “equipamentos

128


QUADRO 15. Relação de gastos não considerados no contrato entre a Arena São Paulo e Odebrecht Itens a considerar para cálculo do custo final Valor do estádio previsto em contrato

Itens adicionais

Custo

R$ 820 milhões

20 mil arquibancadas móveis

R$ 46,6 milhões*

Tranposição dos dutos da Transpetro

R$ 9,8 milhões

Atendimento das exigências para obtenção de selo de excelência ambiental Leadership in Energy and Environmental Design – LEED, do Green Building Council Brasil (GBC), exigido para pleitear o empréstimo do BNDES

Até 7% do valor da obra (R$ 54,7 milhões)

Equipamentos de telecomunicações, instalações provisórias exigidas pela Fifa e mobiliário

R$ 50 milhões **

TOTAL

mais de R$ 981,1 milhões

Juros do empréstimo ***

R$ 340 milhões

TOTAL + juros

mais de R$ 1,32 bilhões

*http://esporte.ig.com.br/futebol/arquibancada+do+fielzao+que+governo+pagara+custa+33+menos+que+o+anunciado/n1597131996438.html, acessado em 25,09,2012 ** Segundo estimativa divulgada em http://www1.folha.uol.com.br/esporte/1171583-custo-para-levantar-e-operar-oitaquerao-vai-superar-r-1-bilhao.shtml, acessado em 19,10,2012. ***Segundo previsão de 10% de taxas e juros a.a. Sobre o empréstimo de R$ 400 milhões, ao longo de 12 anos Fonte: UOL Notícias. http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2012/05/18/licenca-ambiental-e-areas-vip-do-itaquerao-serao-pagas-pelo-corinthians-revelacontrato.htm, acessado em 15.04.2012. a partir do contrato para construção do estádio

129


3.6C. MALABARISMO FINANCEIRO

O estádio do Corinthians conta com complexa engenharia financeira para viabilizar economicamente sua construção, envolvendo diversos atores. Seus principais financiadores são o BNDES, a PMSP e o Governo do Estado. o BNDES oferece com o Programa PróCopa Arenas uma linha de crédito aos estádios participantes da Copa do Mundo, através de um empréstimo de R$ 400 milhões. A Prefeitura, por sua vez, publicou a Lei nº 15.413/11, refe-

rente aos incentivos seletivos para estádio em Itaquera, equivalentes a R$ 420 milhões em Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CID). Finalmente, o Governo do Estado se comprometeu a bancar todos os custos referentes à arquibancada móvel que deverá ser utilizada durante os jogos do Mundial. Isso tudo sem contar os pesados investimentos que estão sendo realizados no entorno do estádio, de caráter principalmente rodoviário e de embelezamento (através do Parque Linear Rio Verde).

QUADRO 16. Ações públicas para viabilização econômica da Arena Itaquera Ação

Agente

Programa Pró Copa Arenas

BNDES

Características principais Concessão de financiamento de R$ 400 milhões para estádios da Copa Taxas de juros muito abaixo das praticadas no mercado Financiamento a longo prazo: pagamento deve ser realizado em 15 anos

Lei nº 15.413 - Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento

PMSP

Concede títulos no valor de R$ 420 milhões a estádio na ZL aprovado como apto para sediar a abertura do Mundial

Assentos móveis para a abertura da

Governo do

Disponibilização de arquibancadas móveis e demais exigências específicas para o estádio de

Copa

Estado

abertura da Copa

Concessão do Terreno

PMSP

Fonte: elaboração do autor

130

Concessão do terreno onde se encontra o futuro estádio mediante pagamento de contrapartidas sociais


83 Tempo concedido para dar início ao pagamento da primeira parcela da dívida.

PROGRAMA PRÓCOPA ARENAS, BNDES

um prazo de até 180 meses (15 anos) para quitação da dívida, já incluído o período de

Para contrair

o empréstimo oferecido pelo

carência83 de até 36 meses (3 anos) a partir da

Banco Nacional de Desenvolvimento foi pre-

primeira parcela de financiamento recebida.

ciso cumprir uma longa lista de exigências e garantias, listadas no quadro abaixo.

O banco exige um Agente Financeiro Intermediário para realização do empréstimo, que

A participação máxima do empréstimo do

no caso do Itaquerão é o Banco do Brasil. Ele

banco é de 75% do valor total da obra e fica

repassará os recursos para uma empresa criada

limitado a R$ 400 milhões por projeto, inclu-

para receber o empréstimo, a Sociedade de

indo os investimentos do entorno. Define

Propósito Específico (SPE) Arena Itaquera SA,

QUADRO 17. Exigências do BNDES para concessão do empréstimo PróCopa Arenas • Projeto executivo da arena aprovada pela Fifa • Estudo de impacto de vizinhança • Certificado de sustentabilidade. A Fifa sugere o USGBC (U.S. Green Building Council), representado no Brasil pelo Green Building Council Brasil (GBC). O BNDES, porém, já libera 20% do empréstimo se a obra simplesmente estiver inscrita no processo de certificação. Para obter o selo, o empreendedor deve ater-se a práticas de construção sustentável nas áreas de eficiência energética, localização, uso racional da água, materiais com baixo impacto ambiental e qualidade ambiental interna. • Estudo de viabilidade econômica a longo prazo • Que o favorecido ofereça garantias reais equivalentes a, no mínimo, 130% do valor do financiamento Fonte: BNDES, 2012.

131


formada por Odebrecht Participações e Inves-

três estádios da Copa (Maracanã – RJ, Arena

timentos SA e Jequitibá Patrimonial SA. Essa

Pernambuco – PE e Arena Fonte Nova – BA), já

SPE foi criada, primeiro, pois o BNDES não

haveria estourado sua cota devido aos outros

permite concessão de financiamento direta-

empréstimos que realizou junto ao banco para

mente a clubes de futebol e, segundo, devido

financiamento das demais arenas.

às garantias reais exigidas. No primeiro pedido feito por Corinthians e Odebrecht pelo finan-

Os juros e taxas que deverão ser pagos pelo

ciamento junto ao banco, em abril de 2011,

empréstimo à construção da Arena Corinthians

o BNDES negou as garantias oferecidas pelo

giram em torno de 10% a.a., calculados

clube e construtora. O protocolo do banco

da seguinte forma:

pede, para entidades de capital privado que não possuam ações na Bolsa de Valores – caso

• 6% referem-se à taxa de juros de longo

do Corinthians e Odebrecht – garantias equiva-

prazo (TJLP);

lentes a 130% do valor do financiamento,

• 0,9% ao BNDES por remuneração anual;

ou seja, no mínimo R$ 520 milhões para o

• 1 a 4,18% de taxa de risco anual, depen-

Itaquerão . A Odebrecht, construtora de outros

dendo da análise de risco de crédito para o

84

84 Há poucas informações disponíveis quanto às garantias, quais são e quem às está oferecendo.

FOTO 21.1. (esq) Obras do Estádio do Maracanã (RJ)

FOTO 21.2. (centro) Obras da Arena Pernambuco (PE)

FOTO 21.3. (dir.) Obras da Arena Fonte Nova (BA)

132


cliente. Para o Estado, equivale a 1% e para

Club Corinthians e Jequitibá Patrimonial SA,

clientes privados pode chegar a 4,18%.

responsável pela construção e manutenção

Para base de cálculo consideraremos 1%;

do equipamento e, também, pelo pagamento

remuneração

instituição

financeira

do empréstimo junto ao BNDES. O Banco do

deve

negociada

Brasil também está diretamente ligado ao Fun-

diretamente com o banco – no caso do

do, pois é o banco intermediário da concessão

Itaquerão, o Banco do Brasil . Para base de

do empréstimo – e, portanto, o responsável

cálculo consideraremos 3%.

pela dívida no caso de inadimplência.

Condições como as oferecidas pelo BNDES não

O FII Arena terá validade de 30 anos, o do-

podem ser encontradas com outros bancos,

bro do tempo limite estipulado pelo BNDES

cuja taxa de juros anual para financiamen-

para pagamento da dívida do financiamento.

tos dessa magnitude gira em torno de 20%

A extensão do período de existência do Fundo

a.a. , números proibitivos para grandes em-

foi um pedido por parte do Banco Nacional

préstimos a longo prazo, tal qual está sendo

de Desenvolvimento, como medida de segu-

feito com quase todos os estádios da Copa

rança. Caso o Fundo se desfizesse findo o

(todos, menos o de Brasília, que não solicitou

prazo de 15 anos e fosse encontrada alguma

financiamento junto ao BNDES).

pendência quanto à quitação do emprésti-

intermediária,

da que

ser 85

85 Não foram encontradas informações mais precisas quanto às taxas cobradas pelo financiamento no caso da Arena São Paulo.

86

86 Segundo a Taxa de Juros média de Mercado publicada pelo Bando Central para agosto de 2012.

mo, o BNDES e o Banco do Brasil não teriam O empréstimo será realizado em nome da SPE

a quem cobrar a dívida, já que o contrato de

Arena Itaquera SA e aportado no Arena Fundo

financiamento foi feito em nome do FII Arena.

de Investimento Imobiliário (FII Arena), fundo formado pela Construtora Odebrecht, Sport

O Banco do Brasil assinou um contrato

133


IMAGEM 2. Esquema da engenharia financeira elaborada entre Corinthians e Odebrecht para viabilizar economicamente a obra do estรกdio.

134


diretamente com Corinthians e Odebrecht para

realizada pelo Banco do Brasil, responsável por

detalhar sua situação de banco intermediário

repassar o dinheiro, e a Odebrecht. O Corin-

entre clube, construtora e BNDES para aqui-

thians seria apenas o terceiro no comando.

sição do empréstimo de R$ 400 milhões. Qua-

87 Segundo notícias, em consultas extra-oficiais por parte dos dirigentes do Corinthians e Odebrecht junto a representantes do BNDES, o banco recusou propostas e garantias oferecidas pelos dois grupos, até entregar sua proposta oficial.

tro contratos diferentes foram necessários para

Em 11 de julho de 2012, 14 meses depois do

a construção do estádio: um para definir os

início das obras do Itaquerão e após três re-

termos da SPE (Sociedade de propósito espe-

cusas (não oficiais87), o BNDES finalmente

cífico), outra para o Arena Fundo de Investi-

aprovou o financiamento de R$ 400 milhões

mento Imobiliário (FII Arena), outro contrato

para a Arena Corinthians, equivalente a 46%

de construção do estádio entre Corinthians

do valor definido no contrato da obra. No

e Odebrecht e um último juntoa o BNDES.

entanto, três meses depois nenhuma parcela do valor havia sido repassada para a obra. A

A assinatura dos contratos passou por algumas

liberação do empréstimo depende da assina-

dificuldades, como o fato de o clube ser sócio

tura

minoritário da arena até 2026, ao quitar a úl-

financiamento entre o FII e o Banco do Brasil

tima parcela do financiamento, que desagrada

e o atual entrave consiste nas garantias de pa-

à diretoria do Corinthians. O segundo impasse

gamento do crédito por parte do Fundo.

do

contrato

de

intermediação

do

é o altíssimo montante de juros que deverão ser pagos: R$ 340 milhões pelo financiamento

Após aprovação do empréstimo por parte

de R$ 400 milhões junto ao BNDES (apesar de

do BNDES, a operação entre o banco inter-

ainda baixo de comparado ao que cobram os

mediário e a empresa beneficiada leva cerca

demais bancos). A última é quanto à gestão

de um mês. O atual atraso de dois meses

da nova arena, que será preferencialmente

preocupa os envolvidos na construção da

135


Arena, qua conta com o empréstimo para dar

Todas as três versões da Lei de Incentivos Se-

continuidade às obras no ritmo previsto .

letivos para a Zona Leste89, desde 2004, nunca

88

foram utilizadas. Mesmo assim, foi aprovada a nova Lei de Incentivos Seletivos para estádio na CERTIFICADOS DE INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO (CID), PMSP

A Lei nº 15.413 do Município de São Paulo,

Zona Leste, com funcionamento independente das demais e objetivo abertamente direcionado a um empreendimento específico e privado.

comentada no capítulo 2.5, é mais um recurso que será utilizado para financiar a obra do está-

“Apesar do diploma legal referir-se a

dio. Os Certificados de Incentivo ao Desenvolvi-

um programa novo, trata-se de simples

mento no valor de R$ 420 milhões concedidos

adatação de outro já existente e nunca utili-

pela prefeitura devem completar os R$ 820

zado.” (promotor Marcelo Milani, 2012)90

milhões previstos em contrato para execução da obra, segundo valor firmado em contrato.

88 http://copadomundo. uol.com.br/noticias/ redacao/2012/09/28/ falta-de-garantia-trava-emprestimo-para-itaquerao-construtora-admite-preocupacao. htm, acessado em 11.10.2012. 89 Leis nº 13.833/04, 14.654/07 e 14.888/09. 90 Ação Civil Pública pela prática de improbidade administrativa contra Gilberto Kassa, Sport Club Corinthians Paulista, Construtora Norberto Odebrecht S.A., Arena Fundo de Investimento Imobiliário, Administradora BRL Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por meio de Marcelo Camargo Milani, 8º promotor de justiça do patrimônio público e social da capital, em 25 de maio de 2012. IMAGEM 3. Reprodução de trecho do processo do Ministério Público contra o Sport Club Corinthians, prefeito Gilberto Kassab, Construtora Odebrecht e FII Arena, de 25 de maio de 2012.

136


91 http://copadomundo. uol.com.br/noticias/ redacao/2012/03/06/ mp-chama-simulacao-de-concorrencia-a-incentivo-do-itaquerao-de-risivel-e-anuncia-investigacao. htm, acessado em 30.05.2012.

IMAGEM 4. Reprodução do Diário Oficial do MSP, do dia 03 de março de 2012.

O Corinthians já havia anunciado a construção do estádio muito antes de a proposta de lei de concessão de benefícios fiscais para tal equipamento ter sido redigida. O poder público municipal apenas reformulou uma lei criada com o propósito de fomentar o desenvolvimento econômico da região leste, desconfigurando-a por completo até perder qualquer característica de incentivo ao desenvolvimento e se transformar em verdadeira transferência de capital público para um ente privado. Isso porque a redação da Lei não deixa margem para que outro equipamento que não o estádio do Corinthians receba incentivos. Ela canaliza o destino do invetimento público, sem brechas para disputa pelo benefício. Não houve qualquer tipo de licitação, apenas uma rizível simulação, segundo palavras do promotor Marcelo Milani91, responsável por uma ação civil pública aberta contra os envolvidos na construção do estádio e aprovação da lei em questão. A convocação de projetos pode ser lida na reprodução da Imagem 4, retirada do Diário Oficial do Município de

137


São Paulo do dia 03 de março de 2012, pá-

foi sancionada a Lei de Incentivos Fiscais para

gina 3. Nela, os “concorrentes” são convoca-

construção de estádio aprovado pela FIFA para

dos a apresentar proposta para avaliação do

o jogo de abertura da Copa. Dois meses depois

Comitê de Construção do Estádio da Copa.

é assinado o contrato entre Corinthians e

Não obstante, a Lei de Responsabilidade Fiscal

92

Odebrecht, no qual já constava em seu item

exige que a renúncia de receita esteja acom-

financiamento suas duas principais fontes de

panhada de estimativa do impacto orça-

recursos: a linha de créditos PróCopa Arenas,

mentário-financeiro e de medidas de compen-

do BNDES, e a concessão de CIDs oferecidos

sação. Nada disso foi realizado.

pela Prefeitura, completando os R$ 820 milhões previstos em contrato. O anúncio oficial da FIFA

Façamos então um retrospecto: em agosto

veio em outubro para confirmar a Arena Corin-

de 2010 o Corinthians anuncia a construção

thians como sede da abertura, a pesar de se

de seu estádio em Itaquera e suas obras são

especular desde vários meses antes sobre

iniciadas nove meses mais tarde, em maio de

esse resultado. E apenas em março de 2012

2011. Em junho do mesmo ano foi publicado

é feita a convocação dos interessados em

o PL 01-00288/2011 referente aos incentivos

receber os benefícios fiscais mencionados.

fiscais para estádio na Zona Leste e em julho

138

92 Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2011.


Ou seja, antes do anúncio da sede de abertura

Itaquera é uma das regiões mais carentes da

dos jogos - do qual dependeria a concessão

cidade e, ainda assim, o poder público age em

dos incentivos, pois mesmo que sediá-la não

favor a um estádio de futebol, como se seus

fosse (mais) um requisito, a FIFA deveria de-

cofres não dependessem de impostos e suas

clará-lo apto a recebê-la - e antes mesmo de

contas estivessem transbordando de recursos.

submeter o projeto ao crivo do Comitê de Construção do Estádio da Copa, responsável por deliberar se o projeto que concorre é apto ou não a receber os benefícios, Corinthians e Ode-

ASSENTOS MÓVEIS PARA ABERTURA DA COPA, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

brecht já contavam e, inclusive, dependiam dos R$ 420 milhões oferecidos pela Prefeitura.

As arquibancadas móveis de 20 mil lugares

Contradição agravada pelas sucessivas decla-

foram a solução encontrada para completar

rações, ao longo de 2010, de que o Governo

os 68 mil lugares exigidos para a abertura da

do Estado e a Prefeitura de São Paulo não

Copa do Mundo (A FIFA pede um mínimo de

aplicariam recursos públicos para construção

65 mil assentos). Elas serão bancadas pelo

de estádio.

Governo do Estado a um custo estimado entre R$ 50 e 70 milhões.

Ainda: com a isenção de ISS, equivalente a R$ 42 milhões, a prefeitura abre mão de re-

O Secretário Estadual do Planejamento e

cursos suficientes para construir, por exemplo,

chefe do Comitê Estadual da Copa, Emanoel

40 creches, cada uma podendo abrigar até 100

Fernandes, se comprometeu a bancar o gasto

crianças, a um custo estimado de R$ 1 milhão

de forma um tanto irresponsável, como mos-

por unidade. É importante lembrar que

tra declaração feita por ele mesmo:

139


“Quando fomos ao Rio de Janeiro [em 11

milhões abarcam a arquibancada móvel com

de julho de 2011, no encontro com o COL

capacidade para 20 mil pessoas e outras es-

para apresentar as garantias financeiras do

truturas necessárias somente para a abertura,

estádio] e a Odebrecht ofereceu as garantias

como bancadas extras para jornalistas e outros

financeiras para o estádio, percebemos que

itens, já listados no quadro 14. Caso não se-

os assentos removíveis não estavam nesse

jam encontrados investidores, o dinheiro virá

orçamento. A Odebrecht só dá garantias

diretamente do estado. “A nação corinthiana

para 48 mil lugares. Daí, oferecemos essa

queria, a opinião pública queria abrir a Copa, o

possibilidade, mas nem cheguei a falar com

governo se sentiu na obrigação de ajudar”,

o governador e nem sabemos como fazer

disse um representante93. Infelizmente, a

esse investimento.”

resposta a outras demandas não vem tão rapidamente quando se trata de melhoria na quali-

Optou-se pelas arquibancadas móveis pois o

dade dos transportes da cidade, por exemplo,

Corinthians não estava disposto a arcar com o

ou mesmo em casos mais urgentes, como na

custo de um estádio para 65 mil pessoas, ale-

resposta a desabamentos de encostas provo-

gando que os 48 mil lugares que construirá dão

cados por chuvas. Os discursos fazem parecer

conta da demanda de cerca de 80% dos jogos

que R$ 70 milhões se materializam facilmente

que o time disputa. Além disso, quanto maior

nas contas do poder público, através de uma

o estádio, maiores os gastos com manutenção.

promessa. Trata-se de uma contradição com relação às declarações anteriores de que não

Sediar a abertura foi uma decisão tomada

seria empregado investimento público nos

pelo próprio Estado que, portanto, se com-

estádios e completo descaso com o dinheiro

prometeu a disponibilizar o investimento que

estatal, sem contar a escandalosa falta de pri-

a garantiria. Os gastos estimados em R$ 70

oridades na aplicação de verbas.

140

93 http://esporte. uol.com.br/futebol/ copa-2014/ultimas-noticias/2011/07/21/ promessa-de-r-70-mi-noitaquerao-foi-feita-aspressas-e-sem-consultaa-aclkmin.htm, acessado em 22.07.2012.


IMAGEM 5. Reprodução de reportagem da Revista Placar, de 1978.

CONCESSÃO DO TERRENO, PMSP

A área de 197.095 metros quadrados onde está sendo erguido o estádio do Corinthians era uma antiga pedreira que passou para propriedade da Cohab na década de 1970, quando a prefeitura adquiriu diversos terrenos na região leste do município para construção de conjuntos habitacionais. Segundo reportagem de outubro de 1986, o terreno havia sido doado pela prefeitura paulistana ao Corinthians em 1978 para construção de estádio. Três anos depois, seu projeto estava aprovado, porém nunca foi executado. Em maio de 1986 o então prefeito Jânio Quadros rescindiu a concessão do terreno, alegando que o Corinthians não havia executado qualquer benfeitoria na área (!). Em 1988, ainda na gestão da prefeitura de Jânio Quadros, foi assinada a Lei nº 10.622, de 9 de setembro, concedendo ao Sport Club: “mediante concessão de direito real de uso,

141


gratuitamente, pelo prazo de 90 anos, inde-

O contrato firmado faz algumas exigên-

pendentemente de concorrência, área de pro-

cias ao concessionário, que ficava obrigado:

priedade municipal que constitui parte da área recebida em permuta da Companhia Metropo-

“Artigo 3º (...) a iniciar as obras de terra-

litana de Habitação de São Paulo - COHAB/SP.”

planagem e execução das obras relativas as águas pluviais no prazo máximo de 90 dias, a contar da lavratura do instrumento MAPA 16. Implantação da Arena São Paulo e equipamentos propostos do entorno.

142


94 Comissão Parlamentar de Inquérito

de concessão, bem como a concluí-las no

Por esse motivo, em 2001 foi movida uma ação

prazo máximo de 6 meses, a partir e seu

contra o Corinthians pedindo a anulação da

início; a ter o estádio de futebol, ainda que

concessão do terreno pelo descumprimento

não totalmente construído, em condições

de suas cláusulas, iniciada a partir da CPI94

de realização de jogos oficiais, no prazo de

das Áreas Públicas, que avaliou a situação. O

4 anos a contar da aprovação dos

processo foi extinto em 2002 e reaberto em

necessários projetos (1992);

2005 por decisão do Tribunal de Justiça de

(...)

São Paulo, arrastando-se até 2011, quando foi

Artigo 6º (...) A inobservância de qualquer

assinado um Termo de Ajustamento de Conduta

prazo fixado, implicarão na automática

(TAC) entre o Ministério Público, Corinthians

rescisão da concessão, revertendo a área

e Prefeitura de São Paulo. o TAC devolveu o

à disponibilidade do Município e incorpo-

terreno para uso do clube através de um con-

rando-se ao seu patrimônio todas as

trato de cessão válido até 2078, mediante pa-

edificações e as benfeitorias nela construídas,

gamento de contrapartidas sociais no valor

ainda que necessárias, sem direito de

de R$ 12 milhões. O valor se baseia em um

retenção e independentemente de qualquer

cálculo equivalente à quantia compensatória

pagamento ou indenização, seja a que

do período em que o terreno foi usado, con-

título for.”

siderando os últimos 3 anos contados a partir da assinatura do TAC. O Grupo Advento,

95 http://goo.gl/AtUZK, publicado em 16.09.2010, acessado em 03.09.2012

As obrigações nunca foram cumpridas e o ter-

conglomerado de empresas de engenharia e

reno apenas abrigava, até o início das obras do

construção que apresentou proposta para a

estádio, em 2011, o Centro de Treinamento do

construção do estádio (e perdeu para a Ode-

Corinthians.

brecht) avaliou o terreno em R$ 200 milhões95.

143


FOTO 22. Terreno concedido ao Sport Club Corinthians, ocupado pelo Centro de Treinamento do clube, 2009.

A definição de onde serão aplicadas as con-

o clube solicitou o abatimento de parte da

trapartidas sociais consta no Termo de Ajusta-

dívida social pelo espaço da camisa, normal-

mento de Conduta e foi criada uma comissão

mente destinado a patrocínios, concedido em oito

pela Prefeitura para fiscalizar o andamento das

jogos do Campeonato Brasileiro a instituições

ações sociais do clube. Três projetos já estão

beneficientes e campanhas assistenciais96.

em andamento, como o Time do Povo, que

Em novembro ocorrerá uma reunião entre

ajuda crianças carentes, a cessão de espaço

Corinthians, prefeitura e Ministério Público

da sede do clube para atividades sociais e pro-

para avaliar a proposta e analisar o balanço

gramas de terceira idade. Em setembro de 2012

dos últimos seis meses.

144

96 As instituições beneficiadas foram a Graacc, AfroReggae, Criança Esperança, Doutores da Alegria, SOS Mata Atlântica e AACD.


3.6D. AÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

serviços. O Sport Club Corinthians Paulista é uma associação civil, fugindo do objetivo ini-

Tantas irregularidades e questões abertas

cial de incentivo à atividade econômica na

não

Promotores

região. Traz também as contradições já apre-

estaduais e federais iniciaram investigações

sentadas nesse trabalho, com relação à análise

sobre as diversas polêmicas que rondam

cronológica dos fatos, como por exemplo

a construção da Arena de São Paulo.

o chamamento público publicado no Diário

passaram

despercebidas.

Oficial do Município convocando os interes97 Ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da administração, cometido por agente público, durante o exercício de função pública ou decorrente desta.

98 Ação Civil Pública pela prática de improbidade administrativa contra Gilberto Kassa, Sport Club Corinthians Paulista, Construtora Norberto Odebrecht S.A., Arena Fundo de Investimento Imobiliário, Administradora BRL Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por meio de Marcelo Camargo Milani, 8º promotor de justiça do patrimônio público e social da capital, em 25 de maio de 2012.

O 8º promotor de justiça do patrimônio públi-

sados em participar do programa, um ano

co e social da capital, Marcelo Milani, entrou

após o início das obras do estádio nomeado

com uma ação civil pública por improbidade

pela FIFA como sede da abertura da Copa.

administrativa

na concessão de incentivos

O promotor pediu a suspensão da concessão

fiscais, alegando que a lei que a regulamen-

de incentivos fiscais e o cancelamento da lei,

ta, a Lei nº 15.413/11 , é “um engodo para

além do pagamento de multa civil, perda de

burlar não só a constituição federal, bem

função política e suspensão dos direitos políti-

como a lei de licitações e a lei de responsabi-

cos por três a cinco anos. O valor solicitado

lidade fiscal”98, justificando que seu programa

pela causa corresponde a R$ 1,742 bilhão.

97

é uma mera adaptação de outro já existente, desvirtuado para adaptar-se à necessidade do

Outro promotor estadual, José Carlos Freitas,

estádio. As previsões legais para concessão

que responde pela área de Habitação e Urba-

de incentivos fiscais para o fomento da ativi-

nismo, faz uma investigação administrativa

dade econômica são oferecidos para empre-

pela cobrança do acordo judicial entre Corin-

sas comerciais, industriais ou prestadoras de

thians e Prefeitura pela concessão do terreno

145


e contrapartidas sociais a pagar, no valor de

o acesso ao contrato firmado com o Banco do

R$ 12 milhões. Questiona também a utilização

Brasil para análise do Ministério Público Federal.

do terreno, por parte do Corinthians, como

As ações abertas pelo MP-SP e MPF centraram

garantia no contrato firmado com a constru-

em fase de análise. O pedido de liminar por

tora Odebrecht99, uma vez que, antes que as

parte do promotor paulista Marcelo Milani,

contrapartidas sejam pagas, o terreno ainda

que pedia o pagamento imediato dos impostos

não pertence legalmente ao Corinthians.

que deixaram de ser cobrados, além de multa e cancelamento da concessão dos CIDs, foi ne-

Pelo Ministério Público Federal, o procurador

gado pela juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública,

da república José Roberto Pimenta de Oliveira

Laís Lang Amaral. A ação civil prossegue nor-

niciou uma fiscalização do dinheiro do finan-

mal e vagarosamente.

ciamento concedido pelo BNDES, a fim de obter maiores detalhes quanto à intermediação do empréstimo pelo Banco do Brasil e quanto às garantias oferecidas ao Banco Nacional de Desenvolvimento. Pediu a divulgação dos detalhes do financiamento alegando que, por se tratar de dinheiro público envolvido (tanto por parte do BNDES quanto do Banco do Brasil), o sigilo bancário defendido pelas partes não cabe nessa situação. Após ameaça por parte do procurador de entrar com uma ação civil pública para quebra do sigilo, a Odebrecht autorizou

146

99 http://copadomundo. uol.com.br/noticias/redacao/2012/05/26/dois-promotores-e-um-procurador-da-republica-investigam-a-construcao-do-itaquerao. htm, acessado em 26.05.2012.




OBSERVAÇÕES FINAIS


DIREITOS PARA POUCOS

Ao reunir as principais ações que vêm sen-

da cidade: a gestão da política urbana como

do anunciadas e promovidas na região leste

negócio, nos moldes da iniciativa privada.

de São Paulo em diferentes momentos – durante seu processo de formação, ao consoli-

As intervenções são planejadas a partir da

dar-se como habitat da população socialmente

lógica do mercado: ocorrem onde há interesse

marginalizada e após o anúncio da Copa do

econômico ou potencial de valorização, utili-

Mundo e construção de novo megaprojeto

zando-se de mecanismos criados inicialmente

no coração do bairro – o que se buscou foi

para promover a democratização do acesso à

mostrar que, por mais aleatórios e desarticu-

cidade e que acabaram sendo incorporados

lados que eles, muitas vezes, pareçam, fazem

apenas pelo mercado, que deles se apropriou.

parte de uma forma de gestão do espaço ur-

É o caso das operações urbanas, como foi

bano que vem crescendo e tomando conta

descrito em capítulo anterior, ou das leis de

150


incentivos seletivos para a zona leste, que

mente com transporte público de massa, como

foram paulatinamente revistas e desvirtuadas

trens e metrôs. A atração de grandes indústri-

até tomar a forma da Lei nº 15.413/11, que

as e empresas de logística são uma boa fonte

concede incentivos fiscais para a construção de

de novos postos de trabalho, porém o incen-

um empreendimento específico, privado, o es-

tivo a pequenos estabelecimentos, cooperati-

tádio do Corinthians. Cada vez mais são nego-

vas e atividades que viabilizem uma economia

ciadas as condições específicas para a viabili-

autosustentável é mais compatível com a re-

zação de projetos e parcerias público privadas,

alidade local e promove um desenvolvimento

através de acordos caso a caso. A Copa do

mais equilibrado, a partir da base da popu-

Mundo veio consolidar essa prática, aprovei-

lação, além de melhorar a qualidade ambien-

tando-se das condições especiais que ela cria.

tal do dia-a-dia e trazer mais vida à região. A proposta de criação de um pólo educacional é

São ações que promoverão a valorização

de suma importância. Porém, com uma popu-

imobiliária de seu entorno, porém sem pre-

lação de cerca de 1.320.138 habitantes em sua

ver mecanismos de proteção e assistência

área de abrangência, desprovidos de um siste-

à população vulnerável que vive nas ime-

ma de equipamentos públicos, marginalizados

diações. Algumas delas são propostas im-

e vivendo em condições precárias, seria sufici-

portantes,

não

ente pensar nesse polo como fomentador de

levam em consideração a realidade socio-

desenvolvimento e educação para uma região

econômica de seus habitantes. A abertura

que inclui três subprefeituras e cujos índices

de vias que resolvam as rupturas originais

de vulnerabilidade social estão entre os mais

da formação da região devem ser realizadas,

altos da cidade, conforme mostra o mapa 17?

mas

insuficientes,

pois

porém é fundamental pensá-las conjunta-

151


O resultado são projetos desarticulados, sem que façam parte de uma rede planejada de infraestrutura capaz de aumentar o potencial de cada intervenção. Perde-se a dimensão da cidade em prol do ganho econômico isolado. Como conseqüência, ao invés de a cidade ser pensada como rede, constrói-se como conjunto de polos que surgem em torno de “projetos catalisadores”. Esses polos, fechados em si mesmos, tornam a cidade um espaço mais segregado e conflituoso, pois excluem a maior parte da população dos benefícios que porventura possam trazer. Nessa realidade onde se declara constante estado de alerta devido às mais diversas “urgências” - como ocorre no contexto de preparação para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos

as

fronteiras

institucionais

entre o legal e o ilegal são um campo ardiloso, retrabalhado conforme a situação. Itaquera é historicamente uma região ocupada pela população de baixa renda, isolada dos 152

MAPA 17. Índice de exclusão/ inclusão social. Fonte: Município em Mapas – Série Temática: Índices Sociais. São Paulo: PMSP, 2002.


principais polos (econômicos, culturais, educa-

despejos forçados, alegando que se encontram

cionais, etc) da cidade e para quem os direitos

em “zona de risco” ou no caminho de “projetos

e a justiça nem sempre se aplicam de forma

necessários” promovidos pelo poder público;

plena . Grandes projetos urbanos que trans-

através de ostensiva ação policial, criminali-

formam bruscamente a realidade construída do

zando a pobreza e ignorando a diferença entre

local e promovem repentino valor especulativo

delito e trabalho precário101.

100

100 Exemplo disso são as remoções forçadas e a própria condição de exclusão territorial e falta de acesso a direitos básicos.

101 Como no caso dos vendedores ambulantes e mendigos, frequentemente tratados como bandidos.

trazem à tona as desigualdades sociais e tornam a região uma zona de disputas por interesses

A maleabilidade que o campo do direito

divergentes. Por um lado, os antigos mora-

adquiriu toma forma institucionalizada com as

dores buscando a manutenção de seu espaço

Medidas Provisórias e as leis criadas especifica-

na cidade e, por outro, o mercado imobiliário

mente para os megaeventos. A pressão de órgãos

avançando em novas áreas com potencial de

externos como a FIFA e o COI se sobrepõe à so-

valorização.

berania nacional ao exigir condições especiais independentes da regulamentação vigente.

Como resposta, a forma autoritária de gestão de conflitos que caracteriza o controle social

Para legitimar essas ações apela-se ao ideário

nas cidades brasileiras pode agir de diferentes

atiçado pelo esporte, uma das manifestaçãoes

formas: desregulando as leis de uso do solo

que mais mobilizam paixões em qualquer par-

que, ao promover a valorização imobiliária,

te do mundo. Aflora sentimentos alinhados

inviabiliza economicamente a permanência

com conceitos muito em voga nos dias atuais:

da população pobre, tirando-a de cena e obri-

a superação de limites, o orgulho nacional,

gando-a a se mudar para regiões mais dis-

a disciplina, a soberania sobre os demais Esta-

tantes; removendo-a a força através de

dos. Sentimentos são manipulados e a

153


perspectiva de sediar eventos tão grandiosos

e da modernidade. Os megaeventos esportivos

como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos “jus-

entram como alavanca para o reconhecimento

tificam” os abusos cometidos.

internacional, elevando as cidades sede a um novo patamar no contexto global, utilizando

Nesse contexto, a FIFA, a CBF, a seleção bra-

-se do esporte como mobilizador de pai-

sileira de futebol, a nação e o próprio Estado,

xões, a política do pão e circo que cega para os

todos se confundem, o limite entre o interesse

abusos cometidos em nome do evento.

público e o privado, o individual e o coletivo, torna-se impreciso, indefinível. As instituições

Segundo os discursos mais propagados pelas

privadas vão se infiltrando no campo público,

autoridades brasileiras, a Copa traz consigo

assim como o Estado vai permeando o campo

imensas oportunidades de desenvolvimento

dos interesses privados. Sua porosidade e hi-

urbano e social, ao atrair maciça quantidade

bridismo vão tornando mais difícil distinguir a

de recursos antes (com o investimento privado

própria legalidade da ilegalidade, criando cam-

em obras de preparação para a competição),

po fértil para o abuso.

durante (graças aos turistas quem visitam o país para prestigiar o evento) e depois (pre-

Eis a receita para os abusos cometidos no con-

vendo que a Copa transmitirá uma imagem

texto dos megaeventos: propaga-se o senti-

favorável do país para possíveis investidores in-

mento de crise e instabilidade (econômica,

ternacionais e gerará um maior fluxo de capital

social), soma-se a isso a necessidade de as

e turistas) do evento. A questão da imagem do

cidades se mostrarem aptas a participar da

Brasil frente ao restante do mundo durante a

nova lógica do mundo globalizado, de entrar

Copa é crucial e justifica grande parte do der-

no circuito mundial dos grandes investimentos

rame de dinheiro público em obras e ações que

154


pulam etapas dos processos regulares de sua

A Copa do Mundo é um evento esportivo? Um

aprovação e execução.

investimento? Ou um negócio? Para os torcedores ludibriados ela é entretenimento, é a

Ao discorrer sobre as oportunidades geradas

política do pão e circo que cega para os abusos

pela Copa, os discursos oficiais falam sobre o

cometidos em nome de seu sucesso. Nos dis-

enorme investimento em infraestrutura que é

cursos oficiais é considerada investimento. Para

realizado para recebê-la e como isso funciona-

outros é negócio e para uma parcela sem voz

rá como alavanca para o desenvolvimento. Mas

ela representa injustiça e desrespeito.

parecem esquecer que é obrigação do Estado promover as melhorias urbanas que a sociedade demanda e não um privilégio concedido graças a um evento. O planejamento urbano

ARTICULAÇÕES POPULARES E RESISTÊNCIA

está sendo dirigido pelos grandes eventos e

A realização da Copa do Mundo de Fu-

não usando os grandes eventos para melhorar

tebol e dos Jogos Olímpicos no Brasil traz à

as cidades. Todos têm o direito irrenunciável

tona importantes questões quanto à gestão da

de, com ou sem megaevento, ter acesso a

política e da justiça no país. Pois a manutenção

transporte coletivo de qualidade, moradias

da cidade de exceção não se dá apenas através

dignas, educação e lazer. A vinculação de

da criação de leis excepcionais, mas também

políticas públicas urgentes e necessárias à reali-

através da penalização distintiva dada a dife-

zação de megaeventos, com duração de um

rentes grupos da população. Ou seja, as leis

mês, é um discurso irresponsável e descompro-

não são iguais para todos, a justiça e os direitos

missado com a sociedade brasileira.

incidem de forma desigual, dependendo de fatores como classe social e poder político

155


(dentre outros) e podem ser negociados, respeitados quando e onde convém. Em meio a todas as leis, ações, obras e bons

QUADRO 18. Relação entre intervenções propostas para a Copa do Mundo e famílias atingidas, em Itaquera Intervenção

negócios que estão tramitando no cenário nacional em função da Copa do Mundo, milhares de famílias vivem acuadas com a perspectiva de perderem suas casas em decorrência das

Favela atingida

300

300

Miguel Ignácio Curi I

500

500

Fco. Munhoz Filho

440

440

Lavios

90

90

Fco. Jorge da Silva Parque Linear Rio Verde

obras do Mundial.

Famílias* Famílias atingidas

Paz

Maria Luiza Americano

17

17

1.100

550

Senabria

5

5

Freguesia de Poiares

47

47

Jd. Marabá

273

137

Segundo levantamento da Articulação Nacion-

Francisco Tranchesi

33

33

al dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) há,

Manuel Ribas

15

15

Gentil Fabriano

230

92

Três Cocos

900

900

520

520

Caititu

130

130

Jacupeval

480

480

Jd. Guarani II

272

em todo o Brasil, 170 mil pessoas ameaçadas de remoção forçada devido às obras ligadas à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016. O cálculo tomou por base os projetos divulgados pelos próprios governos, nem sempre claramente disponibilizados.

Ligação N-S entre Av. Radial Leste e Av. Água de Haia

Ligação entre Av. Nova Radial e Pacarana Av. Águia de Haia Ligação da Av. Caititu a leste com a Av. Jacu-Pêssego e a oeste com a Av. Águia de Haia TOTAL

Fonte: D'Elias, Jessica. "A Copa do Mundo é nossa?". TFG, 2012, FAUUSP * HABISP

156

272 4.528


MAPA 18. Intervenções previstas para o entorno do estádio e favelas atingidas. Fonte: D’ELIAS, 2012.

102 As dificuldades quanto ao acesso às informações no caso de São Paulo são bem abordadas por Jessica D’Elias no Trabalho Final e Graduação “A Copa do Mundo é Nossa?”, FAUUSP, 2012.

Um dos grandes problemas é a falta de trans-

subsidie ações justas com relação às famílias

parência e informações no que tange às pre-

atingidas102. Com toda a atenção dada ao

visões de remoção. Não há uma organização

evento e às obras dos estádios, é contra-

dos dados, um levantamento consistente e,

ditória a falta de seriedade com que o tema

menos ainda, um planejamento adequado que

da habitação e dos direitos humanos é tratado.

157


O direito à moradia digna e saudável é assegu-

ao longo de todo o processo, não podendo

rado por normas como a Declaração Universal

haver em hipótese alguma formas de violência

dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de

ou intimidação.” (D’ELIAS, 2012)

Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

As remoções também causam problemas indiretos, como o agravamento do gargalo no

“Todos esses documentos apontam que, no

transporte público – uma vez que muitos estão

caso de remoções por obras de infraestrutura

sendo reassentados em regiões distantes dos

que forem julgadas necessárias e indis-

bairros centrais – e limitações de acesso a

pensáveis, a participação da comunidade

serviços, como hospitais e escolas.

atingida ao longo de todo o processo deve ser garantida, permitindo-se, inclusive, a aber-

A questão das remoções forçadas virou tema

tura para acordos sobre os reassentamentos.

central em Itaquera e nas demais cidades-sede.

Quando houver a necessidade de reassenta-

Porém, até 2011, não existia um grupo organi-

mento, ele deve ocorrer em área próxima e

zado que tratasse especificamente da questão

em condições iguais ou melhroes às originais.

na região. Apesar de o processo de remoções

Tal

de

em grande número já ter se iniciado com

preferência antes que quaisquer obras sejam

a abertura da Avenida Jacú-Pêssego/Nova

iniciadas, e, caso não seja possível, deve

Trabalhadores, o anúncio da Copa veio para

ser prevista compensação monetária. As

agravar e massificar essas ações.

reassentamento

deve

ocorrer

informações referentes ao projeto e às

158

condições de remoção (porque remover,

Além da falta de informações, outra dificul-

para onde e quando ir) devem ser acessíveis

dade no processo de mobilização da população


é o próprio discurso oficial de que o estádio

Nesse sentido, a Arena Corinthians torna-se

dará conta de desencadear as transformações

mais do que um estádio, mas um monumento.

necessárias que gerarão uma melhoria na qualidade de vida dos moradores da região. A

Esse sentimento é legítimo, mas muito perigo-

própria população, frequentemente, reproduz

so, já que é aproveitado por outros agentes

esse discurso e passa a acreditar que o estádio

para manipular a população e mascarar ações

tratá, de fato, uma nova dinâmica que trans-

arbitrárias daqueles que detém o poder políti-

formará a cara do bairro e mudará a vida de

co e econômico. Os discursos oficiais são pro-

seus moradores para melhor. A força simbólica

feridos de forma a se aproveitar do imaginário

que uma arena de futebol carrega, principal-

despertado pelo esporte – principalmente o

mente no contexto da Copa, como sede de

futebol – e passam a impor seus interesses

sua abertura e pertencendo ao clube que tem

como interesses comuns a toda a sociedade

a segunda maior torcida do Brasil, situado em

(HARVEY, 2005).

uma região carente de infraestrutura e de identidade, é de uma grandeza imensurável.

Além das remoções diretas, os moradores da periferia repentinamente valorizada têm que lidar

O Itaquerão resgata a autoestima da população

com os novos valores da região, cujos altos preços

de uma região historicamente marginalizada,

podem inviabilizar sua permanência no local.

que finalmente se vê contemplada com ações que a tornam parte da cidade – mesmo que

“Imóveis que valem R$ 80 mil saltaram para

fazer parte da cidade exija, também, que faça

R$ 120 mil. Aluguel de casa de R$ 600 foi para

parte da lógica do mercado, realidade à qual a

R$ 800’, conta Hildeberg Araujo, dono da

maioria das pessoas da zona leste não pertence.

Aruana, uma das dezenas de imobiliárias do

159


bairro. ‘Em consequência, as vendas caíram’

articulação mais forte entre os cidadãos. Cria-

(...) Segundo o corretor, Itaquera está agora

dos em várias capitais do país para discutir os

com preços equivalentes aos de bairros da

impactos e as violações de direitos humanos

zona leste mais próximos do Centro, como

relacionados aos grandes eventos esportivos,

Penha e Vila Matilde. ‘Houve uma especula-

os comitês populares são articulações de movi-

ção imobiliária muito rápida’, constata.”

mentos sociais, pesquisadores, militantes e

103

estudantes. Têm por objetivo criar uma articuDesde 2007, ano do anúncio da Copa do Mun-

lação local, nacional e global com a finalidade

do no Brasil, até 2010, quando foi confirmada

de unir forças, denunciar violações, organizar

a construção do estádio de futebol do Corin-

assembléias e manifestações de forma a ame-

thians, os imóveis em Itaquera sofreram uma

nizar os efeitos negativos da Copa do Mundo

valorização de mais de 200% e seguem subin-

sobre a população. Permitem uma troca de

do. Segundo corretores da região, imóveis

informações fundamental para mobilizações

vendidos a R$ 450 mil em 2010 alcança-

eficientes. Comunidades cariocas, por exemplo,

vam o valor de R$ 600 mil em setembro de

contam com uma bagagem importante con-

2011 . O mesmo ocorreu com o metro

quistada após a realização dos Jogos Paname-

quadrado de imóveis comerciais: de junho

ricanos e vêm, através de encontros promovi-

de 2010 a junho de 2011 o preço foi de R$

dos entre os grupos organizados de luta por di-

650 para cerca de R$ 1 mil

reitos, transmitindo esse repertório para outros

104

105

e houve um

crescimento de 25% na procura de pequenos e médios empresários por terrenos e galpões. Porém, o risco iminente de despejo e expulsão pela repentina valorização despertou

160

uma

núcleos.

103 http://noticias.uol. com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2011/08/01/ itaquerao-vira-porta-da-esperanca-para-uns-e-porta-da-angustia-para-outros-moradores-do-bairro.htm, acessada em 05.08.2012.

104 http://www. cte.com.br/site/ ver_noticia.php?id_noticia=4852, acessado em 15.10.2012. 105 http://goo.gl/tyZY3, acessado em 15.10.2012.


106 37% da população, segundo Datafolha. Pesquisa realizada em 25 e 26.06.2012, registrada no TRE com o número SP-00087/2012.

107 Na região Oeste a torcida corinthiana soma pouco mais de 25% de seus moradores. http:// globoesporte.globo.com/ platb/files/1112/2012/07/ Fig-01.jpg, acessado em 26.09.2012.

A TO M A D A D E C O N S C I Ê N C I A : O VERDADEIRO LEGADO

um evento como a Copa do Mundo consegue

Em meio a tantos abusos e desrespeitos, é

Paulo. Esse mérito da construção do Itaquerão

possível vislumbrar o verdadeiro legado deixa-

é inegável: finalmente a atenção de toda a ci-

do pela Copa do Mundo e Jogos Olímpicos:

dade está voltada para uma área que era vista

a retomada de consciência da força política

apenas como “periferia”, longe e pobre demais

da população organizada e mobilizada, uma

para ser lembrada por outros aspectos. Por bem

conseqüência, inclusive, dos próprios direitos

ou por mal, é um elemento que vai inverter o

atropelados. Trata-se de um legado não tangível

fluxo de pessoas na cidade em dias excepcio-

e imensurável que carrega grande potencial de

nais. A torcida do Corinthians em São Paulo cor-

transformação, que vai muito além do próprio

responde a mais de um terço da população106,

evento. As trocas promovidas pelos encontros

com sua maioria morando nas periferias da

entre os diversos comitês e movimentos popu-

cidade, chegando a 40% na subprefeitura de

lares fomentam uma compreensão mais ampla

Itaquera107. O futebol é um esporte que mexe

de direitos e deveres dos cidadãos e de como

com o imaginário dos brasileiros e a longa es-

reivindicá-los. Seu reflexo é um maior controle

pera pelo tão aguardado estádio do segundo

social por parte da população sobre as ações

time mais popular do país faz com que sua

realizadas na cidade, de forma a garantir seus

construção tome ares de conquista, um direito

interesses e o respeito aos seus direitos.

alcançado e uma “honra” para os moradores

provocar nas pessoas, com especial importância para os moradores da região leste de São

de seu entorno. Um benefício que traz riscos, Também não podemos menosprezar a im-

como já foi abordado anteriormente.

portância da retomada da autoestima que

161


Temos ainda dois anos até que a Copa do Mundo seja realizada e muitos episódios ainda marcarão a trajetória até o evento. Mas mesmo com tantas contradições e probemas encontrados até agora, é possível guardar certo otimismo – despertado, principalmente, pelas pessoas que de forma consciente e combativa continuam se mobilizando para construir uma cidade, um bairro, uma comunidade e um país mais democráticos, acessíveis e saudáveis.

162



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168


Seletivos para regiões da Zona Leste do Município de São Paulo. SÃO PAULO. Lei nº 14.888, de 19 de janeiro de 2009 – Altera dispositivos da Lei nº 14.654, de 20 de dezembro de 2007, que dispõe sobre o Programa de Incentivos Seletivos para regiões da Zona Leste do Município de São Paulo. SÃO PAULO. Lei nº 15.413, 20 de julho de 2011 - Concessão de incentivos fiscais para construção de estádio na Zona Leste do Município. SÃO PAULO. Projeto de Lei nº 671, de 2007 – Proposta de revisão do PDE e PRE. SÃO PAULO. Termos de Referência e Editais para Revisão da Operação Urbana Rio Verde-Jacú, 2011. SITES www.habisp.inf.br comitepopulario.wordpress.com forumsocialurbano.wordpress.com www.portaldatransparencia.gov.br direitoamoradia.org www.prefeitura.sp.gov.br comitepopularsp.wordpress.com comunidadesunidasdazonaleste.blogspot.com.br www.jogoslimpos.org.br noticias.uol.com.br

169


copadomundo.uol.com.br/noticias www.diplomatique.org.br www.cartacapital.com.br www.folha.uol.com.br www.estadao.com.br redeforum.net revistapiaui.estadao.com.br carosamigos.terra.com.br www.corinthians.com.br www.odebrecht.com.br http://www.portal2014.org.br/

170


171


ÍNDICE DE IMAGENS MAPAS Mapa 1. São Paulo: Estradas de ferro e mancha urbana, 1920. Mapa 2. São Paulo: Mancha urbana, 1949. Mapa 3. São Paulo: Estradas de ferro, vias principais e mancha urbana, 1964. Mapa 4. Município de São Paulo – Zoneamento 1972. Mapa 5. São Paulo: Anel viário metropolitano, principais vias e cinturão industrial, 1974. Mapa 6. São Paulo: Conjuntos Habitacionais promovidos pelo poder público, 1988.

18 21 22 23 27 30

Mapa 7. São Paulo: Ligação entre o Aeroporto de Cumbica e o Porto de Santos através da Av. Jacú-Pêssego.

40

Mapa 8. são Paulo: Operações Urbanas Consorciadas. Em destaque, Operação Urbana Consorciada Rio Verde-Jacú, 2011. Mapa 9. OUC Rio Verde-Jacú. Centros de Comércio e Serviço, 2004. Mapa 10. OUC Rio Verde-Jacú. Setores, 2011. Mapa 11. Estoques de potencial construtivo na Zona Leste para uso residencial.

48 56 57 61

Mapa 12. Polo Institucional de Itaquera, estádio do Sport Club Corinthians e primeira fase do Parque Linear Rio Verde.

65

Mapa 13. Propriedade dos lotes onde estão sendo construídos o Polo Institucional de Itaquera e o estádio do Sport Club Corinthians. Mapa 14. Área de abrangência do Parque Linear Rio Verde e demais equipamentos do entorno. Mapa 15. Localização do estádio do Corinthians no município de São Paulo.

66 68 125


Mapa 16. Implantação da Arena São Paulo e equipamentos propostos do entorno. Mapa 17. Índice de exclusão/inclusão social. Mapa 18. Intervenções previstas para o entorno do estádio e favelas atingidas.

142 152 157

QUADROS Quadro 1. Taxa de crescimento populacional, de 1950 a 1960. Quadro 2. Crescimento populacional de 1950 a 2010. Quadro 3. Taxa de crescimento populacional de 1950 a 2010. Quadro 4. Características gerais dos conjuntos habitacionais Itaquera I, II e III. Quadro 5. Densidade demográfica e Número de empregos por habitante, 2007. Quadro 6. Ações e Leis incidentes na Região Leste a partir da década de 1990. Quadro 7. Cronograma de intervenções na Bacia do Córrego Verde. Quadro 8. Lei nº 14.654 – Concessão de Incentivos Seletivos para a ZL. Concessão de benefícios.

20 31 32 34 35 38 69 72

Quadro 9. Representantes do Conselho do Programa de Incentivos Seletivos para a Zona Leste de São Paulo, em suas diversas revisões. Quadro 10. Gastos em obras da Copa, por fonte de investimento. Quadro 11. Previsão de custo dos estádios da Copa (em R$ milhões). Quadro 12. Destinação dos estádios da Copa após a realização do evento. Quadro 13. Cidades candidatas a sedes da Copa, seus estádios e situação.

73 103 104 106 107 173


Quadro 14. Estrutura exigida pela FIFA para o estádio de abertura da Copa do Mundo 2014.

127

Quadro 15. Relação de gastos não considerados no contrato entre Arena São Paulo e Odebrecht. Quadro 16. Ações públicas para viabilização econômica da Arena Itaquera. Quadro 17. Exigências do BNDES para concessão do empréstimo PróCopa Arenas.

129 130 131

Quadro 18. Relação entre intervenções propostas para a Copa do Mundo e famílias atingidas, em Itaquera.

156

FOTOS Foto 1. Morfologia da região leste do município de São Paulo. Foto 2. Congestionamento na Av. Alcântara Machado. Foto 3. Conjunto Habitacional produzido pela COHAB-SP. Itaquera, São Paulo. Foto 4. Av. Jacú-Pêssego, cortando o tecido viário anterior. Foto 5. Ponte Estaiada e Av. Roberto Marinho. Foto 6. Av. Faria Lima. Foto 7. Pinacoteca do Estado, reformada em 1998. Foto 8. Sala São Paulo, inaugurada em 1999. Foto 9. Favela da Paz, Itaquera. Foto 10. Morfologias predominantes na Zona Leste, no perímetro da OUC Rio Verde-Jacú. Foto 11. Primeira fase do Parque Linear Rio Verde em construção, Favela da Paz e Favela Miguel Ignácio Curi I.

174

25/26 28 33 41 50 50 51 51 53 59 67


Foto 12. Região da Marginal Pinheiros, próxima à Av. Berrini, símbolo de São Paulo como “cidade global”. Foto 13. Vila do Pan, Rio de Janeiro. Foto 14. Velódromo do Rio de Janeiro. Foto 15. Estádio do Engenhão e entorno. Foto 16. Estação de metrô da Linha 3 – Vermelha em horário de pico. Foto 17. Barracos de madeira em favela de Itaquera. Foto 18.1. Estádio do Morumbi, São Paulo, 2010. Foto 18.2. Maquete eletrônica do Estádio do Morumbi após reforma proposta para a Copa 2014. Foto 19. Maquetes eletrônicas do futuro estádio do Corinthians. Foto 20. Obras do estádio do Corinthians em setembro de 2012. Foto 21.1. Obras do Estádio do Maracanã (RJ). Foto 21.2. Obras da Arena Pernambuco (PE). Foto 21.3. Obras da Arena Fonte Nova (BA).

84 92 94 95 109 110 123

123 125/126 128 132 132 132

Foto 22. Terreno concedido ao Sport Club Corinthians, ocupado pelo Centro de Treinamento do clube, 2009.

144

IMAGENS Imagem 1. Anúncios da compania aérea sulafricana Kulula Airlines, em 2010, remetendo de forma irônica à Copa do Mundo FIFA 2010.

113

175


Imagem 2. Esquema da engenharia financeira elaborada entre Corinthians e Odebrecht para viabilizar economicamente a obra do estádio.

134

Imagem 3. Reprodução de trecho do processo do Ministério Público contra o Sport Club Corinthians, prefeito Gilberto Kassab, Construtora Odebrecht e FII Arena, de 25 de maio de 2012. Imagem 4. Reprodução do Diário Oficial do MSP, do dia 03 de março de 2012. Imagem 5. Reprodução de reportagem da Revista Placar, de 1978.

176

136 137 141


177


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