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Monclar Valverde

Pequena estética da comunicação

ArcadiA Salvador – 2017


© Autor Todos os direitos desta edição reservados à LIVRARIA e DISTRIBUIDORA MULTICAMPI LTDA – EDITORA ARCÁDIA Rua Machado de Assis, 16, Brotas. 40285-280 Salvador – BA. 71 3277-8600 - e-mail: ldm@livrariamulticampi.com.br Empresa filiada à Câmara Bahiana do Livro Coordenação Editorial Luana Maldonado Design Gráfico Carlos Vilmar Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte constitui violação dos direitos do autor (Lei nº 9610-98). O autor é responsável pela revisão do texto, bem como pela escolha do sistema de citação adotado. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica (Elaborada por Rosane Rubim CRB-5/684) __________________________________________________________________ V288p Valverde, Monclar Pequena estética da comunicação./ Monclar Valverde, Salvador: Arcádia, 2017. 180p.

ISBN 978-85-89283-17-5 Comunicação. 2. Filosofia. 3. Artes I. Valverde, Monclar II. Título CDD: 302.23

__________________________________________________ Impresso no Brasil Printed in Brazil Contato com o autor: monclar@ufba.br


Outros livros do autor: Militância e poder. Salvador, Edufba, 1998. Objetos de papel. Salvador, Letras da Bahia, 2000. Estética da comunicação. Salvador, Quarteto, 2007. Livros organizados pelo autor: As formas do sentido. Rio de Janeiro, DP&A, 2003. Merleau-Ponty em Salvador. Salvador, Arcádia, 2008.



SUMÁRIO Apresentação ........................................................... 7 PRIMEIRA PARTE: Sensibilidade e tecnologia na experiência estética 1. Experiência e comunicação................................ 13 2. Corpo e sensibilidade.......................................... 26 3. Recepção e Sensibilidade.................................... 44 4. A plasmação do sentido....................................... 69 SEGUNDA PARTE: Gosto e formatividade na arte e na comunicação 5. A arte e a dimensão estética da experiência...... 93 6. Os limites do jogo poético................................... 111 7. Experiência estética e padrões de recepção....... 130 8. Gosto e comunicação.......................................... 150 Conclusão................................................................. 171 Referências Bibliográficas....................................... 175



Apresentação

O presente livro procura desenvolver uma discussão contemporânea sobre os temas da Estética, tendo em vista o campo da Comunicação. Contudo, não aborda assuntos relevantes, como a poluição, o terrorismo, a globalização da propina e o papel das redes sociais na luta contra tudo isso, ou mesmo importantes fatos da atual conjuntura política internacional, como o Brexit, a guerra da Síria ou o realinhamento das alianças militares, ao redor do planeta. Não porque esses temas e fatos recusem uma abordagem inspirada na tradição estética, mas porque esta última volta-se menos para os fatos e mais para os enquadramentos e pressupostos que tornam possíveis, compreensíveis e contestáveis os fatos enquanto tais. Mesmo se mencionássemos outros grandes acontecimentos do mundo mediático, como a próxima Copa do Mundo de Futebol, na Rússia, ou a última Bienal, em Veneza, não seria diferente. O que efetivamente pode mobilizar uma discussão estética sobre tais tópicos é a tentativa de compreender a força e a amplitude de tais acontecimentos, em termos de vinculação simbólica e envolvimento afetivo entre seres humanos concretos. É desafiador procurar entender que processos reais, simbólicos e imaginários estão por trás dos mecanismos comerciais, dos protocolos institucionais e Pequena estética da comunicação

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dos dispositivos tecnológicos que sutentam a imensa rede de ações, reações e transações que conferem identidade, sentido e valor a aqueles e outros fatos de inquestionável relevância. O que apresentamos aqui é um conjunto de referências conceituais de base, que podem nos ajudar a compreender como acontecimentos de tal magnitude podem ser assimilados e compartilhados, através de meios sensíveis, como episódios da experiência pessoal de cada um de nós. Paradoxalmente, foi no âmbito das “ciências humanas” tradicionais (a sociologia, a antropologia e a psicologia) que a comunicabilidade teve reconhecida a sua condição de vínculo básico para a própria socialidade. Mas trazer este tema para o campo das teorias da comunicação não significa propor um paradigma a mais, mas simplesmente colocar em pauta a necessidade de uma reflexão de caráter transcendental, que oriente melhor as escolhas metodológicas. Esse tipo de reflexão, contudo, dificilmente confirmará a expectativa da criação de uma “ciência da comunicação”. Mesmo no plano das análises empíricas, certas características do processo de comunicação, como seu papel nas relações e práticas sociais, sua participação na definição de cultura e sua importância decisiva no próprio processo de subjetivação, já sugeriam que o tema não podia ser “objeto” de nenhuma ciência particular. Nem a multiplicação de abordagens “inter”, “multi” ou “transdisciplinares” parece capaz de explicar a comunicação como um simples “fenômeno”. 8

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Em contrapartida, o efetivo reconhecimento do caráter transcendental dos padrões de percepção, compreensão e julgamento, compartilhados através das múltiplas formas da comunicação, envolve não só o senso abstrato, mas as sensações e os sentimentos, pelos quais o sentido se enraiza em uma predisposição comunitária, anterior a regras, normas e leis. A percepção, o senso comum e o gosto revelam-se como modos espontâneos de realização dessa compreensão operante, que transforma um conjunto de possibilidades formais no cenário de uma felicidade possível. É necessário descrever e compreender tais processos espontâneos de compreensão, sem ceder a esta espontaneidade ou à compulsão explicativa, que, em nome da universalidade, ignora a ambiguidade de nossa condição de sujeitos imersos num mundo a superar. Quando lancei minha Estética da Comunicação (Salvador, Quarteto, 2007), tinha a ingênua expectativa de participar do debate teórico, em três áreas, que viviam, simultaneamente, o ápice da crise de paradigmas que marcou a experiência intelectual do século XX: as Artes, a área da Comunicação e a Filosofia. Além disso, o subtítulo do livro (Sentido, forma e valor nas cenas da cultura) assinalava, também, o imodesto propósito de pôr efetivamente em prática, naquelas áreas, o tão proclamado desejo de interdisciplinaridade, que já se manifestara, com êxito, no âmbito das ciências humanas. Contrariando minhas expectativas, o livro teve uma acolhida discreta, quando não simplesmente buPequena estética da comunicação

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rocrática, bem como uma circulação restrita. Além das razões óbvias – a posição do professor da Ufba, no mundo acadêmico, uma editora pequena, sem distribuição, a extensão do texto (320 páginas) e o caráter conceitual do trabalho (em sua maior parte, proveniente de uma tese de doutorado em Filosofia) – , pareceu-me ter havido também uma resistência do discurso disciplinar especializado. Para os filósofos, o livro foi associado aos temas da Comunicação, por eles considerados superficiais, enquanto os pesquisadores desta área, o consideraram muito “especulativo”. Os artistas, que parecem entender a interdisciplinaridade como a simbiose entre arte e vida pessoal, afastaram-se do debate intelectual que não envolva diretamete questões técnicas ou dilemas identitários. Por esses motivos, e porque a primeira e única edição do livro (que agora completa uma década) está esgotada, quis acreditar que os argumentos elaborados e desenvolvidos naquele trabalho talvez pudessem merecer uma segunda chance, apresentados num formato mais sintético e com as devidas revisões. Nasceu, assim, a ideia de reunir, os principais itens do livro original, que resultou nesta Pequena estética da comunicação que o leitor tem em mãos.

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PRIMEIRA PARTE: Sensibilidade e tecnologia na experiência estética



1. Experiência e comunicação Comunicação e experiência Já na última década do século XX, durante a Guerra do Golfo, o público politicamente correto mostrou-se chocado com a transformação high tech do conflito num autêntico videogame transmitido, ao vivo, para todo o planeta. Hipocrisia à parte, isto pode ter servido para mostrar, de uma vez por todas, que a guerra é também uma forma de comunicação e, por essa razão, repousa no mesmo jogo de sentido que torna perceptíveis, compreensíveis e até mesmo aceitáveis os mais diversos acontecimentos que compõem o vasto repertório da experiência humana. No passado, só éramos atingidos por um conflito remoto, através de um relato oral ou escrito; hoje, podemos compartilhar a visão que se tem da cabine de comando dos bombardeiros envolvidos no combate. Temos, agora, uma informação mais detalhada das operações de guerra e os acontecimentos nos atingem mais veloz e intensamente. De qualquer modo, tanto num caso como no outro, estes fatos de que tomamos conhecimento vêm acrescentar-se ao nosso repertório anterior, incorporando-se ao patrimônio do que consideramos “nossa experiência”. No entanto, quando pergunto a meus alunos se a Guerra do Golfo ou a invasão do Iraque faz parte da sua experiência, a perplexidade que surpreendo em Pequena estética da comunicação

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seus semblantes me sugere que eles consideram, tacitamente, esse tipo de “acontecimento mediático”, por princípio, estranho à própria ideia de experiência, mesmo que sejam forçados a admitir que tais fatos são compreensíveis e assimiláveis e, portanto, fazem sentido para eles, tanto quanto aquilo que experimentam diretamente. A tradição que herdaram de seus pais – querendo ou não – os induz a considerarem como sua experiência apenas aqueles acontecimentos que ocorrem em sua vizinhança, possuem um “nome” e um sentido familiares e, em maior ou menor grau, “afetam” a sua existência. De um modo geral, sabemos que o sentido não é uma “coisa” dada, nem uma “ideia” arbitrária. Ao contrário, só há ideias e coisas, enquanto fazem sentido para nós. Na verdade, o “fazer sentido” é o modo de vigência próprio aos fenômenos que compõem a nossa experiência simbólica e com eles partilha a ambígua condição da instituição, isto é, de algo que é o resultado sempre provisório de um movimento instituinte, que a cada momento se sedimenta numa referência instituída, sobre a qual agirá novamente esse impulso de expressão da experiência vivida, que nos conduz em direção ao outro e em direção ao futuro, à medida que projeta para além a seta da significação. O que chamamos “nossa experiência” é, pois, indissociável desta ação pela qual lhe atribuímos sentido, obedecendo, portanto, a uma dinâmica reiterativa, que envolve repetição e diferenciação. De fato, qualquer experiência nova é automaticamente conduzida ao 14

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campo constituído pelas experiências prévias, mas só se acrescenta efetivamente ao repertório desse campo, se escapa da redundância e do estereótipo grupal, de modo a promover uma real transformação de quem a vivencia, pois o verdadeiro sujeito da experiência é a comunidade, que antecede e sucede a própria existência de cada indivíduo. Comunicação e subjetividade O que se encontra profundamente posto em questão, na experiência contemporânea, é justamente a própria noção moderna de subjetividade, com seus atributos de permanência, autonomia e autoconsciência. Os mecanismos e processos da atual comunicação mediática revelam a própria subjetividade como instituição humana, exibindo suas fissuras e suas recomposições, frente aos movimentos da estrutura sócio-histórica de compreensão a que está sujeita. Eles contribuem, dessa maneira, para questionar ainda mais o mito que essa época construiu em torno da noção de “liberdade”, explicitando a vinculação simbólica das formas de perceber, falar e atuar que se traduz numa disposição cultural identitária que é partilhada, num determinado grupo, como um padrão de referências comum para o conjunto das experiências de seus membros. Ao mesmo tempo, eles nos obrigam a admitir – apesar da insegurança em que isso nos possa lançar –, que, mesmo a nossa experiência mais enraizada na tradição gruPequena estética da comunicação

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pal é, hoje, sobredeterminada por um horizonte de sentido de caráter planetário. Existir, ser-no-mundo, significa poder abrir-se a possibilidades. Mas o que é “possível” reflete uma condição simbólica prévia, capaz de acolher acontecimentos de uma vida como fatos significativos. Operando como uma matriz de sentido, a tradição age – sobre nós e através de nós –, não só como um repertório de objetos e procedimentos, mas como um modo inconsciente de estruturação, assimilado através do longo adestramento que caracteriza o processo de socialização. O que cada um de nós designa como a “sua” experiência depende, portanto, deste modo como recortamos aqueles acontecimentos de nossa existência atual, sobre o fundo latente, mas ativo, constituído pelo campo simbólico a que estamos vinculados. O advento das formas atuais de comunicação apenas amplia e aprofunda esse campo, evidenciando claramente a condição perspectiva de toda experiência e revelando o caráter “virtual” da realidade em que sempre estivemos imersos, posto que as ocorrências do mundo, da linguagem e da história só se tornam acessíveis, só “fazem sentido”, quando recolhidos por um discurso (logos), que atualiza os padrões de percepção, compreensão e julgamento, que atuam silenciosamente por trás de cada olhar, gesto ou pensamento. A interação com – e através – dos media mostra claramente que a nossa sensibilidade opera com sen16

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tidos que ela não controla e que só existem para nós como possibilidades instituídas por um conjunto de práticas sociais convocadas por “sujeitos” que só se constituem, enquanto tais, ao acioná-las. Ao mesmo tempo, mostra que esta sensibilidade não é uma condição passiva de receptividade, capaz de captar apenas a ocorrência de “coisas” e “acontecimentos” dados de antemão, mas pode envolver processos de apreensão distintos, acionados quando solicitada por estímulos provenientes de diferentes meios. Dessa forma, a comunicação contemporânea mostra a relação intrínseca entre a experiência e aqueles modos de percepção, compreensão e julgamento, revelando, ao mesmo tempo, o caráter sócio-histórico da recepção cultural (sua dimensão estética) e o caráter formador e estruturante de nossa própria atuação no mundo sensível (sua dimensão poética), posto que esse “mundo” com que nos deparamos em nossas vidas, longe de ser uma realidade “em si”, revela-se como um ambiente continuamente transformado pela intervenção de nossos semelhantes. O que as formas atuais da comunicação não cessam de pôr em evidência – para desespero de muitos – é, portanto, o fato de que o vínculo social que efetivamente torna possíveis nossas ações, segundo um padrão de identidade coletiva, é a forma como partilhamos nossas experiências, em cada época e cada lugar, através dos modos e meios de significação disponíveis àquelas práticas expressivas que articulam nossa condição existencial de compreensão. Pequena estética da comunicação

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Comunicação e objetividade Mas não é só no terreno dos princípios universais ou no âmbito do mais imediato senso comum que floresce esse desconforto diante dos fenômenos da comunicação contemporânea. Ele se desenvolve igualmente entre os teóricos da comunicação, cujas análises, apesar das diferenças de ênfase e recorte, geralmente silenciam sobre o papel dos media na formação e na transformação dos modos de significação que conferem sentido coletivo a nossas experiências. Embevecidos com seus algoritmos formais ou embriagados por princípios de universalidade questionável, alguns desses sábios elegem os aspectos quantitativos da comunicação contemporânea como seu elemento específico, procurando estudar suas formas atuais apenas para compreender aspectos como a sua “importância”, o seu “alcance”, as suas “consequências”, a sua “reprodutibilidade técnica”, seu vínculo com a “indústria cultural”, sua dependência com relação à “cultura de massas” ou sua suposta capacidade de manipular política e ideologicamente a “opinião pública”. A questão da comunicação mediática – conforme se apresentou, inicialmente, na sociologia americana da década de 1940 – talvez já contivesse, como vício de origem, um acento obviamente instrumental. Mas este viés foi também reforçado por concepções não-sociológicas, como as da teoria da 18

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informação e da semiótica, que sempre tenderam a submeter os processos mediáticos a um padrão de inteligibilidade fundado nas experiências de interação interpessoal. Ao que tudo indica, essa subestimação do caráter específico das formas contemporâneas de comunicação revela uma certa nostalgia do diálogo direto, da presença viva e imediata do interlocutor, numa relação vis-à-vis. Se insistirmos em conceber a comunicação, no mundo contemporâneo, apenas como uma variante historicamente datada do eterno jogo entre diálogos e discursos, seremos naturalmente levados a crer que a situação atual das sociedades ocidentais é marcada pela “predominância dos discursos sobre os diálogos”. Da mesma forma, se encararmos o diálogo apenas como a síntese de informações novas a partir de informações disponíveis e acreditarmos que os discursos atingem a todos igualmente, não poderemos provavelmente escapar à conclusão de que, frente à redundância das informações que temos a nosso alcance, estaremos fadados a assistir passivamente à “decomposição do tecido social do ocidente”, caracterizada pela redução do verdadeiro diálogo à condição de simples feedback. Tais concepções fazem com que tenhamos, inevitavelmente, na mais baixa conta as produções simbólicas da atualidade, uma vez que as avaliamos por um critério que não as contempla. Por essa razão, devemos desconfiar seriamente dos diagnósticos pessimistas desses autores, que escondem o seu Pequena estética da comunicação

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temor diante da efetiva experiência da comunicação, sob o surrado disfarce da “objetividade” científica. Certo é que a extrapolação das condições da comunicação interpessoal para o âmbito da comunicação social pode ser compreendida hoje como uma consequência quase natural do privilégio da expressão verbal no Ocidente, provavelmente reforçada pelo reconhecimento da identidade cultural de um tipo hegemônico de comunidade (o Estado nacional), estabelecida através da escrita alfabética e da imprensa. Se tal processo foi, num primeiro momento, justificável, ele se mostra, hoje, como algo francamente insustentável, uma vez que a comunicação mediática se dá, não “aquém” ou “além”, mas através do horizonte linguístico. Todavia, isso não justifica substituir esse logocentrismo e essa atitude reativa, frente aos media, por um apologia igualmente ingênua da “nova” comunicação, concebida, à maneira de Walter Benjamin, como a força instauradora de uma nova forma de percepção, produzida pelo shock provocado pelas atuais técnicas de reprodução sobre a atividade do espectador. Se a sensibilidade atual passa por uma profunda transformação, isto não se deve apenas às mudanças históricas em sua condição empírica, mas ao fato mesmo de que ela nunca foi a mera “capacidade de receber representações, graças à maneira como somos afetados pelos objetos”, como pensava o Kant da Crítica da Razão pura. Se os atuais meios de comunicação possibilitam uma outra experiência civilizatória, isto se dá, não 20

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porque eles sejam capazes de “instaurar” uma estrutura neurofisiológica de percepção inteiramente nova, e sim porque desestabilizam e refazem a economia de equilíbrio entre as formas de ver, dizer e agir vigente na Modernidade, alterando profundamente o que chamamos nosso “meio ambiente”. O sentido geral dos meios de comunicação Marshall McLuhan – um pensador tão original quanto mal interpretado – advertia seus leitores quanto à insuficiência da simples “contextualização histórica” dos meios de comunicação para a compreensão apropriada de sua natureza, chamando sua atenção para o fato de que esse contexto é constituído e experimentado através desses próprios meios. Ao invés de tentar compreender o sentido dos mass media, procurando seus efeitos no plano das “opiniões”, das “atitudes” e das “reações” do público, McLuhan propõe que se deixe de considerar o próprio ambiente como simples envoltório das ações humanas, para vê-lo como um quadro dinâmico, permanentemente recriado pela incorporação de novas tecnologias, que não seriam mais que extensões do homem. Tal abordagem permite-lhe estudar o papel dos novos meios a partir do tipo de envolvimento que eles promovem, provocando diferentes comportamentos e modos de atribuição de forma, sentido e valor aos objetos e processos dos mundos físico, simbólico e imaginário. Pequena estética da comunicação

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Descrevendo a diferença das tecnologias elétricas em relação à sequência linear típica da palavra impressa, ele sugere que a eletricidade não só permite um novo tipo de experiência simultânea e um novo conceito de simultaneidade, como realmente põe em xeque a universalidade do padrão de articulação causal que subjaz ao desdobramento da cadeia verbal. Essa transformação equivaleria, assim, à passagem “do mundo das sequências e dos encadeamentos para o mundo das estruturas e das configurações criativas”, compensando o empobrecimento perceptivo provocado pela longa predominância da escrita fonética – responsável, segundo o autor, pela homogeneização dos códigos, pelo isolamento dos indivíduos e pela alteração do equilíbrio interno dos sentidos humanos, nitidamente caracterizada pela hipertrofia da visão no horizonte da Galáxia de Gutenberg. Além disso, ao afirmar que “o meio é a mensagem”, McLuhan mostra que o “conteúdo” de um meio é também um meio – e não uma “ideia” abstrata e descarnada. E o que é ainda mais importante, revelando que cada meio comunica seu próprio funcionamento, de modo prático, através de atitudes e procedimentos que não são apenas adotados pelo usuário, mas são compartilhados e atuam no sentido de reconstituir sua própria gestualidade. Com isso, pretendemos sugerir que a vida contemporânea possa redimensionar a nossa velha convicção de que a força de nossas provisórias certezas nasce mesmo de uma fonte remota, partilhada com 22

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outros seres humanos, de modo prático, simbólico e afetivo. Hoje, assistimos a uma considerável expansão deste “solo ancestral” – que tão facilmente identificávamos com as tradições de nossa própria comunidade –, e o vemos deixar de ser o nosso único ponto de apoio para se entrelaçar com esse rico tecido formado pelo intenso movimento de semiose planetária – que cada vez mais se oferece, como uma espécie de plasma audiovisual, que opera como uma verdadeira fonte, alimentando as disposições poéticas e autopoéticas dos agentes cuja criação floresce nas diferentes condições das mais diversas culturas. Se existir, num sentido propriamente humano, consiste em transcender uma condição dada e projetar-se para além de “si”, essa abertura passa hoje pela rede de signos e processos próprios da “cultura mediática”, pois só posso me abrir à articulação de um projeto diante de possibilidades que se apresentam a mim, não por estarem espacialmente “próximas”, mas por estarem presentes, como alternativas de sentido disponíveis no horizonte temporal das minhas ações. Assim, uma real possibilidade existencial ultrapassa a mera condição de “coisa” dada e opaca, não está sitiada num “agora” pontual, isolado e irrepetível, mas me situa numa condição extática. Mergulho nela como ser historial que vai ao encontro de seu tempo próprio e este gesto atual só faz sentido porque meu presente virtualmente condensa o vigor do que ocorreu num passado sedimentado e a riqueza de um futuro por vir. A experiência de existir, de ser-no-mundo coincide, pois, Pequena estética da comunicação

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com a problemática aceitação desse paradoxo ou desse mistério da sedimentação do espaço e do tempo num sentido. Ela reúne o homem e o mundo, igualando-os como potências imaginantes que se correspondem num quiasma de força e forma, cuja reversibilidade se traduz continuamente nesse movimento circular, estranhamente íntimo, pelo qual somos instados pelo ser – no que chamamos nossa experiência – e atendemos à insistente urgência de sua solicitação – através do movimento de expressão pelo qual lhe atribuímos um sentido. Se uma reflexão sobre a existência, inspirada em autores como Heidegger e Merleau-Ponty, pode nos ensinar a conviver melhor com a nossa época – mostrando que “o tempo temporaliza” e revelando sua dinâmica própria como a articulação e a diferenciação latente do passado e do futuro no campo do presente, é porque nós já o havíamos compreendido, na prática – através do modo como experimentamos, sem sobressaltos, a contínua reconfiguração rítmica do tempo e do espaço, seja no universo de imagens plasmado pelo cinema, pela TV e pelas tecnologias digitais da atualidade, seja no âmbito da literatura e das belas artes – a música, a dança, o teatro, a poesia e as artes visuais (injustamente, as únicas a serem designadas como artes “plásticas”). Já deveríamos, a essa altura, ter superado o velho temor de perder a “identidade” no confronto entre as nossas experiências diretas e imediatas e o fenômeno mediático, adivinhando que o caráter 24

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ativo e formativo da nossa sensibilidade não poderia, afinal, deixar de incidir também sobre as dimensões matriciais do tempo e do espaço. Conceber, tratar e experimentar o espaço e o próprio tempo como matéria plástica: eis aí o horizonte que mal descortinamos e que a comunicação contemporânea nos oferece como a mais rica das possibilidades expressivas e existenciais.

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2. Corpo e sensibilidade Os sentidos do corpo A expressão “sentidos do corpo” pode nos fazer pensar em várias coisas. De início, segundo a imagem do corpo como um “instrumento” utilizado pelo sujeito para perceber e intervir no mundo exterior, pensamos no conjunto dos órgãos dos sentidos. Adquirimos o hábito de conceber e tratar o corpo segundo a descrição anátomo-fisiológica: como um feixe de aptidões sensoriais e funções orgânicas; uma espécie de interface biológica entre o “eu interior” e o “mundo exterior”. Também pensamos nos sentidos que o conceito de corpo adquiriu ao longo da história, pois temos que admitir que o corpo é datado, que nem sempre foi concebido como objeto autônomo e que já foi submetido a vários olhares, a vários tipos de recorte. Além disso, não só o conceito de corpo é histórico, mas o corpo mesmo, enquanto sensibilidade partilhada pela coletividade humana, é também histórico. A expressão “sentidos do corpo” nos remete ainda aos sentidos conferidos a ele, pela cultura. Não podemos dissociar a experiência que cada um tem, através do seu próprio corpo, dos padrões culturais nos quais a sua comunidade se reconhece, pois são matrizes de sentido, pelas quais cada um reconhece sua própria identidade. Não possuímos um corpo 26

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abstrato; os seus poderes e limites só se revelam nas práticas de uma cultura determinada e mesmo o nosso modo de agir e reagir, à medida que é compartilhável, jamais será totalmente particular ou, ao contrário, completamente universal. Esses “sentidos do corpo”, embora correspondam a algumas interpretações autorreferenciais que se manifestam espontaneamente no âmbito das variadas práticas culturais, também estão presentes no discurso intelectual, seja na filosofia, na antropologia, na sociologia ou mesmo na psicanálise e em certos desdobramentos da teoria da comunicação. Adotando uma perspectiva hermenêutico-fenomenológica, procuraremos esboçar, a seguir, alguns comentários acerca do modo como o corpo foi pensado ou subentendido no pensamento filosófico dominante, para confrontá-lo com as afirmações que celebram a sua superação e a instauração de uma “nova sensibilidade”. O corpo e a sensibilidade no pensamento filosófico Seria certamente muito temerário recorrer brevemente à longa história do pensamento ocidental sobre o corpo, pretendendo “demonstrar” o que quer que fosse, especialmente porque seria um grave anacronismo acreditar que os pensadores de outras épocas traduziam suas indagações no mesmo tipo de problemas que enfrentamos hoje. Mas podemos assumir o risco de traçar um quadro, sem dúvida esquemático e Pequena estética da comunicação

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talvez caricatural, da “evolução” do papel que o corpo desempenhou, explicita ou implicitamente, em diversas matrizes intelectuais da civilização ocidental. O pensamento grego arcaico parece não ter tido a preocupação, que temos hoje, de firmar um conceito de corpo. Ele está subentendido nas reflexões sobre a disposição, a conduta e em sua representação visual ou dramática. Na primeira filosofia da Antiguidade, poderemos talvez dizer que o corpo é a sede do espanto, a possibilidade de nos encontrarmos com o mistério ou o meio de experimentarmos a magia da unidade de um mundo que não deixa de nos maravilhar por sua riqueza. Em Platão, quando a filosofia começa a legislar sobre os desempenhos espontâneos da cultura, o corpo torna-se a sede do esquecimento, o sintoma de nosso afastamento do mundo das essências, pois o reino das ideias absolutas, um universo paralelo, onde os arquétipos das coisas estariam reunidos, foi apagado em nossa existência corpórea, mutável e perecível. Num sentido semelhante, Pitágoras chegara a ver no corpo “o sepulcro da alma”. Aristóteles abandona essa abordagem do corpo como entidade subsidiária e, literalmente, salva sua pele, reconhecendo que o corpo é dotado de forma própria, uma vez que se trata de “uma realidade limitada por uma superfície”. Na escolástica, esse viés retorna na concepção do corpo como união de forma e matéria, mas em contraposição ao que São Paulo havia chamado de “corpo espiritual” e a discussão teológica tratou como “corpo glorioso”. Os estóicos 28

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prosseguiram na reabilitação do corpo, mas identificando-o com a natureza a ser dominada. O corpo torna-se, assim, o lugar da inércia. A palavra portuguesa “corpo”, que vem do corpus latino, confunde-se simplesmente com essa ideia de uma pura materialidade. Nesse sentido, inicialmente, a expressão “corpo” diz respeito apenas ao que a física chama de “corpo sólido”, uma entidade compacta, dotada de massa e situada no espaço e no tempo. A filosofia cartesiana herda este sentido objetal (e um tanto abjeto…) do corpo como “coisa extensa”, mas lhe adiciona um “espírito” imaterial, transparente a si mesmo e senhor de sua própria vontade. Nesse horizonte, o corpo não passa de um suporte material, um “equipamento de navegação” de que o espírito se serve, na sua inspeção do mundo exterior. Mas todo equipamento está sujeito a falhas e o corpo aparece, então, como o lugar do erro, da ilusão e do equívoco, contra o qual luta a ciência, procurando iluminar justamente o aspecto obscuro dos automatismos desse corpo que se engana sobre o seu próprio funcionamento. Na filosofia de Kant, que é o filósofo dos filósofos, o corpo tem basicamente o mesmo sentido que no racionalismo cartesiano e no empirismo inglês e é concebido como a sede das sensações. Enquanto tal, presta-se apenas a captar e transmitir ao cérebro os dados que serão processados pelo entendimento. Ele conquista, assim, alguma dignidade, mas não abandona o segundo plano. Em Hegel este papel secundário é acentuado e Pequena estética da comunicação

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o corpo aparece como uma condição a ser superada, como um meio de transição, no processo do devir pelo qual o espírito absoluto, depois de transformar-se em natureza, recupera-se como cultura; em suma, como a via pela qual a ideia em si retorna como ideia para si. Esse corpo não tem, portanto, qualquer singularidade, poder-se-ia dizer até que ele é invisível para esses autores, já que só aparece como suporte e possibilidade daquilo que não é. Marx faz o corpo aparecer como o emblema das relações sociais e, neste sentido, invertendo o sistema hegeliano, mas procurando conservar a sua dialética, concebe o corpo, não mais como o lugar do processo de autoconstituição da ideia, mas como um veículo da autoconstituição real, prática, da sociedade, através do trabalho e da organização. Por outro lado, o sentido romântico do corpo como o lugar da dor e da redenção vai ressoar, diferentemente, no cristianismo de Kierkgaard e no agnosticismo de Nietzsche, nos quais o corpo é compreendido ora como instrumento de salvação, ora como um meio de prazer e perfeição. O corpo já não nos engana, mas se deixa enganar, fazendo-nos oscilar entre a felicidade e o sofrimento. Surge, então, como o lugar do projeto e promessa de superação. Em nosso século, acostumamo-nos a conceber o corpo como o lugar das inscrições – da linguagem à disciplina do trabalho, do amor à moral – e ao mesmo tempo como meio de expressão de uma subjetividade imaginária, embora enraizada no mundo sim30

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bólico. Nas últimas décadas, vemos ser ressaltado o aspecto material dessa inscrição no corpo da cultura, através dos rastros deixados pela técnica. Nesse âmbito, o corpo, como nós o entendemos habitualmente, deixa de ser considerado um equipamento defeituoso e passa a ser visto como um equipamento ultrapassado, obsoleto, prestes a dar lugar a um meta-corpo, um corpo-prótese, híbrido de matéria orgânica e tecnologia. Nessa história, observamos a reiterada desqualificação do corpo como uma espécie de contraposto material e opaco da livre atividade que definiria o sujeito enquanto tal. Ele parece manter-se numa inércia imanente, aparentemente oposta a toda atividade do espírito. O corpo estaria, assim, condenado a permanecer fora do registro das expressões culturais, aquém de toda iniciativa, alheio à reversibilidade, à complexidade e à criatividade, que caracterizam a vida simbólica. A fenomenologia, inaugurada por Husserl, para refundar a racionalidade, criticando o racionalismo científico, distingue o corpo estesiológico e o corpo volitivo e procura evitar a redução do corpo à condição natural sem, no entanto, negar-lhe a condição material. Em sua vertente hermenêutica, inspirada em autores como Heidegger, Gadamer, Merleau-Ponty e Ricoeur, o corpo é visto como sede da significação e dos processos simbólicos, como sede e verdadeiro meio da experiência. Este corpo não pode ser confundido com um mero equipamento físico, nem com Pequena estética da comunicação

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um sistema anátomo-fisiológico ou mesmo com uma presa dominada por dispositivos disciplinares. Ele não pode ser visto de fora, como objeto que se estuda com distanciamento, mas vivido como corpo próprio, condição de acesso a toda e qualquer realidade. Corpo e experiência na fenomenologia hermenêutica Tomando como critério nossa experiência do mundo, a fenomenologia posterior a Husserl procura descrever as bases pragmáticas e corporais da intencionalidade que nos lança ao encontro dos apelos naturais e das obras da cultura. Nesse horizonte, o corpo é a sede da sensibilidade: ao mesmo tempo meio da percepção sensível, da linguagem e de todo tipo de atuação. A sensibilidade foi concebida, classicamente, como uma coleção de capacidades localizadas, especializadas na apreensão de determinados aspectos do mundo, por meio dos vários órgãos dos sentidos. Em nossa experiência efetiva, porém, os sentidos jamais operam dessa forma, mas em conexão sinestésica. Portanto, falar em tato ou visão, audição ou paladar não passa de um recurso classificatório de que o discurso analítico não é capaz de abrir mão. Contudo, a nossa relação efetiva com o mundo é uma relação integral e, nesse sentido, a própria ideia de “órgãos do sentido” é já uma abstração. Por comodidade descritiva e analítica, falamos 32

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nos diversos órgãos dos “sentidos”, assim como nos referimos aos diversos “sistemas fisiológicos”, mas jamais importamos essa imagem do corpo para o âmbito existencial. Não aceitamos completamente a imagem do corpo como um conjunto de órgãos e tecidos, assim como não nos contentamos com a descrição da nossa sensibilidade através da justaposição de “faculdades” compartimentalizadas e unilaterais. O próprio Kant, que eternizou a noção de faculdade, sempre procurou mostrá-las em interação, atrvés da noção de “jogo entre as faculdades”. Além disso, rejeitamos a redução de nossa percepção do mundo a uma função estritamente sensorial, pela qual teríamos acesso a sensações puras, pontuais, isoladas. Ela se mostra, antes, como uma atividade configuradora, pela qual destacamos determinadas relações num campo virtualmente contínuo. Maurice Merleau-Ponty iniciou sua carreira universitária publicando dois livros fundamentais no processo de fecundação recíproca entre filosofia e psicologia, que, em certa medida, caracterizou o ambiente intelectual dominante em todo o século XX: A estrutura do comportamento, de 1943, e a Fenomenologia da percepção, de 1945. Esses livros partem da crítica à ideia de que a imagem que vemos do mundo resulta da reunião, no entendimento, dos dados captados, separadamente, pela sensibilidade. Segundo esta concepção, a unidade significativa que caracteriza os acontecimentos mundanos seria o resultado intelectual de um processo para o qual a sensibilidade contribuiria apenas Pequena estética da comunicação

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como uma recepção passiva, e estritamente reativa, destinada a transformar os estímulos físicos do mundo exterior em representações mentais. Partindo das descobertas da teoria da Gestalt, mas recusando sua autointerpretação nos termos de uma filosofia substancialista, Merleau-Ponty reconhece que suas análises do comportamento humano revelam, na percepção e na conduta, uma condição estrutural que ultrapassa velhas dicotomias e nos permite superá-las (forma/conteúdo, atividade/passividade ou interioridade/exterioridade). Ele procura mostrar que a operação pela qual atribuímos sentido às coisas não é posterior e exterior à via corporal, carnal e comportamental, pela qual temos acesso a elas. O mundo percebido jamais se reduz, para nós, a um mundo físico neutro, pois é uma estrutura de estruturas hierarquizadas segundo o modo e o intresse com o qual o abordamos. Não temos sequer a possibilidade de enxergar ou imaginar as coisas “em si mesmas”, independentemente de suas conexões; cada coisa é, ao mesmo tempo, um todo para suas partes e uma parte para o todo que a compreende num nível mais abrangente. Ver o mundo, portanto, percebê-lo, é já, imediatamente, atribuir sentido a ele. Dessa forma, não se pode reduzir a visão ao registro fotográfico do mundo exterior, ao simples reconhecimento de sua evidência física objetivamente dada, independentemente de nós; ela é um ato de organização que orienta as “intuições sensíveis”, segundo um 34

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determinado ponto de vista e confere a unidade do sentido à diversidade das “sensações”. Claro que esse sentido não deriva de uma atitude solipsista, de uma condição individual e solitária. Atribuímos sentido ao mundo no caldo da cultura, no fluxo das significações, a partir das quais a nossa experiência é sempre retomada. O conceito mesmo de experiência nos remete a essa dinâmica de retomada do passado e projeção para o futuro, que caracteriza a existência; nela, nós estamos sempre partindo de uma configuração prévia, estabelecida em nossa cultura como algo instituído, através de uma iniciativa instituinte, um gesto particular que sempre permite um certo grau de desvio em relação aos cânones. A tradição estabelecida, referência obrigatória de uma cultura, só pode ser reproduzida e passada adiante se for apropriada por alguém numa situação concreta. Essa apropriação singular transforma esse legado, bem como aquele que a experimenta; e pode-se mesmo dizer que a essência da cultura, enquanto tradição que se mantém viva, através de uma grande diversidade de situações, está nessa sutil transformação exigida por toda transmissão social. A experiência nos remete, portanto, a esse processo singular de participação num fluxo que nos antecede e no qual o próprio sentido do mundo físico desliza entre diferentes matrizes compreensivas e diferentes pontos de vista. Nesta medida, a própria atividade perceptiva aproxima-se da forma de compreensão que experimentamos na linguagem e podemos Pequena estética da comunicação

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dizer que a percepção é já expressão, porque o que percebemos, mais do que representar o mundo, expressa o próprio movimento pelo qual o habitamos. A percepção aproxima-se, pois, da linguagem, não por sua estrutura gramatical, mas por ela ser resultado da atividade expressiva dos falante, de uma praxis, uma ação coletiva convergente, no espaço de uma comunidade. Nesse âmbito linguageiro (para não dizer “linguístico”), todos nós sabemos que se aprende a falar falando e que as regras de uma língua são assimiladas de um modo automático e inconsciente. Mais tarde, aprendemos a gramática desta língua, através dela mesma, o que é algo profundamente misterioso, ou pelo menos seria misterioso para aquela descrição cartesiana que parte sempre do mais simples para o mais complexo. Como na visão, nós temos uma relação primária com as estruturas linguísticas complexas. De início, elas são apreendidas como um regime de funcionamento e só mais tarde passamos a entendê-las como regras de combinação de unidades abstratas, tais como lexemas, morfemas ou fonemas. Isto mostra que a nossa relação com o léxico e com a gramática ocorre praticamente e não por uma decisão intelectual voluntária, adotada a partir de uma reflexão temática. Ela não se dá, tampouco, pela obediência estrita a regras e prescrições voltadas explicitamente para regulamentar as operações simbólicas, mas como aquisição de determinadas possibilidades de atuação corporal, que se tornarão disponíveis para fins expressivos. A fala é uma prática, não 36

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só no sentido de que ela é regulada coletivamente, de que ela segue uma praxe e obedece a uma determinada ordem, mas também no sentido de que ela não pode prescindir de uma atuação, em última instância, corporal. Nós precisamos acionar diversos músculos para falar e aqui reencontramos, na linguagem, aquela relação entre expressão e movimento que já havíamos mencionado em relação à percepção. Perceber o mundo e descrevê-lo são possibilidades indissociáveis de nossa capacidade motora. Apesar de, no âmbito científico, o conhecimento adequado supor separação e distanciamento entre sujeito e objeto, no plano existencial, avesso a essa simplificação epistemológica, compreendemos as coisas à medida que nos movemos entre elas. A recuperação das descobertas da psicologia da Gestalt, através da abordagem fenomenológica, privilegia exatamente uma descrição da percepção que a toma como copertinência e imersão. A unidade da imagem percebida e sua espantosa evidência não seriam possíveis sem aquela intimidade entre quem percebe e o que é percebido, pois, como mostra Merleau-Ponty, o corpo tem a carne do mundo, mas é um sensível exemplar, pois é um sensível que é capaz de sentir. Não estamos “fora do mundo” ao percebê-lo, participamos dele, a tal ponto que poderíamos dizer que é uma parte deste mundo que percebe a si mesmo, segundo o esquema de uma conexão originária. As ideias de “boa forma”, de pregnância e da estrutura figura-fundo, que descrevem a percepção em sua Pequena estética da comunicação

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dinâmica configuradora, têm raízes naquela imersão. Através delas, portanto, questiona-se a ideia de uma sensibilidade voltada exclusivamente a captar, de maneira passiva, uma realidade totalmente exterior. A descrição da sensibilidade como passividade (e não como passibilidade), traduz-se na representação de uma condição virtualmente estática, à espera da estimulação externa. Não nos damos conta de que as forças a que estamos submetidos seriam incapazes de exercer-se na total ausência de disposição. Quando sofremos o efeito de alguma ação que se exerça sobre nós, não deixamos de agir, quer para reagir, quer para aderir àquela força (como quando nos apaixonamos, por exemplo, e nos deixamos arrebatar pela força da paixão). Newton já havia mostrado, através de suas três conhecidas leis, que a inércia física não coincide com a ausência de movimento, mas com uma situação de equilíbrio de forças; e que um corpo, numa condição inercial, não está, por esta razão, necessariamente em repouso. Desse modo, o caráter passivo da recepção não implica, necessariamente, a ideia de um espectador destituído de atividade. A recepção não é uma atitude exclusivamente contemplativa e, menos ainda, uma ausência de atitude, mas uma atuação corporal, uma performance, um desempenho comportamental eficaz. A recepção também tem sua techné e essa destreza técnica é, como diria Marcel Mauss, técnica do corpo.

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O corpo e a sensibilidade no discurso da era digital Sempre foi difícil descrever a vida cultural, especialmente porque procuramos espontaneamente compensar a diversidade das culturas, apelando para a universalidade da experiência sensível, supostamente fundada em sua base natural. Associamos as diferenças culturais a diferentes situações históricas ou geográficas, a diferentes estruturas de poder e a diferentes relações sociais de produção, mas acreditamos que, por trás delas, subsiste uma universal experiência do mundo físico. Esquecemo-nos, com isso, de que uma cultura não é senão um determinado modo de experimentar o mundo e que a experiência sensível inclui todos os artefatos que criamos e não poderá jamais servir como uma prova da possibilidade de eliminar as diferenças culturais, mesmo diante do que chamamos “natureza”. Nossos esquemas mentais herdaram do passado metafísico um preconceito causal que nos leva sempre a procurar o fundamento último (ou primeiro), pelo qual se poderia explicar os aspectos mais complexos da vida social. Daí talvez o sucesso dos reducionismos (independentemente de seu caráter histórico, sociológico ou econômico), ao procurarem definir uma infraestrutura em relação à qual se contraporia uma instância superestrutural, na qual se desenvolveriam os processos simbólicos da cultura, mediadas por uma instância psicológica (a mente), em que dispositivos imaginários Pequena estética da comunicação

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configurariam um ideal de subjetividade adequado e aderente a cada um desses esquematismos. Isso nos leva a escalonar a nossa experiência numa sequência de níveis que separam e hierarquizam a percepção, a compreensão e a ação. A atividade sensório-motora, a expressão linguística e o engajamento prático estariam, assim, separados em regiões distintas, separadas e autônomas. Ainda que o mundo físico, o reino da vida e o universo da cultura, sejam efetivamente estruturados por processos distintos, sua representação simbólica revela os mesmos processos matriciais de sedimentação de casos em exemplos e regras ou da atualização diferenciadora de lembranças e expectativas, no campo da ação presente. A fenomenologia de Merleau-Ponty, tentando escapar do dualismo, sem retroceder a algum tipo de monismo, sugere que, se quisermos reduzir a experiência humana à sua base mínima, essa base não vai se revelar como algo singular ou binário, mas como uma tríade. Desse modo, assim como Peirce, antes dele, decidiu tratar a significação, tendo em vista unidade indissolúvel entre objeto, signo e interpretante, e assim como Lacan, depois dele, quis vincular o real, o simbólico e o imaginário, Merleau-Ponty insistiu em apontar a unidade existencial entre perceber, falar e agir, segundo ele, “experiências irrecusáveis”, como processos simbólicos sediados no corpo e inscritos na cultura. Irredutível a apenas uma dessas dimensões (a percepção, a expressão ou a ação), a sensibilidade hu40

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mana, característica desse modo de ser que se manifesta numa existência, corresponderia muito mais ao seu entrecruzamento, à dinâmica de uma remissão contínua, circular e reversível daqueles três aspectos da experiência. Deveríamos, assim, reconfigurar o nosso próprio conceito de sensibilidade como capacidade natural de captação do mundo sensível, para concebê-la, segundo aquela estrutura triádica, como o meio (estético, simbólico e prático) da instituição do sentido, que reconhecemos como desafio e destino de toda experiência. Esta é, portanto, uma nova concepção da sensibilidade, capaz de dar conta do estágio atual da nossa experiência cultural, sem que seja necessário falar de uma “nova sensibilidade”, um “novo corpo”, uma “nova arte”, totalmente originais e desconhecidas. Uma vez reconhecido o caráter dinâmico da sensibilidade, podemos dar conta de sua diversidade histórica, a partir do peso relativo que cada uma de suas dimensões assume, a partir da prevalência de certos meios e extensões tecnológicas, na configuração do meio ambiente em que se dá a nossa experiência. Com relação ao lugar do corpo na sociedade da informação, nota-se ultimamente uma peculiar disposição a celebrar o advento das tecnologias digitais, com entusiasmo e talvez até mesmo com deslumbramento, como se elas representassem a inauguração de um outro “Novo Mundo” que viria a redefinir integralmente o sentido de nossa existência. Aí emergiriam uma sensibilidade híbrida, um corpo protético e uma arte Pequena estética da comunicação

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absolutamente mental, que nos transformariam em ciborgs vivendo num ambiente totalmente simulado. Mas se as tecnologias digitais podem simular novas situações e novos ambientes, não podem, de modo algum, simular a experiência que estes ambientes suscitarão em nós, pois é parte da estrutura da experiência, não só o preceder-se a si mesma, mas o exceder-se a si mesma. Ao vivenciarmos uma situação, todo o vivido longamente sedimentado pela experiência passada é, não apenas reconvocado e restituído, mas re-instituído em seu vigor-de-ter-sido, pela abertura dessa experiência atual. Todas as mudanças tecnológicas já experimentadas promoveram uma certa comoção na época de seu aparecimento, mas o fato é que sempre deram margem a um regime bastante confortável de assimilação e familiarização subsequente. Se tivermos em conta o choque provocado pelas inovações tecnológicas, ao longo da história, seremos mesmo obrigados a admitir que as transformações por elas provocadas são cada vez menos traumáticas. Assim, o aparecimento do cinema, por exemplo, foi, relativamente, mais chocante e provocou mais desconforto “sensorial” do que o aparecimento da televisão e, mais tarde, do computador. Se as formulações de McLuhan estavam corretas, a tecnologia é uma extensão de nós mesmos e, portanto, não pode ser, de modo algum, algo tão estranho ou oposto ao que é humano. Não haveria nenhum sentido em recorrer à tecnologia para reeditar 42

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a dicotomia entre natureza e cultura. Independentemente de seu automatismo e do seu grau de sofisticação, qualquer nova tecnologia, que exista ou venha a existir, terá sempre a mesma dimensão cultural do primeiro artefato que transformou o espaço físico em ambiente propriamente humano. Mais espantosa do que a emergência das tecnologias digitais é a capacidade (e a velocidade) de assimilação de que nos mostramos capazes. A introdução do computador em nossa vida diária e a incorporação espontânea das tecnologias digitais a nossa ambiência contemporânea mostraram que, mais surpreendente do que o advento dessas novas tecnologias, é a capacidade da cultura em utilizá-las nos processos de partilha simbólica, nos processos criativos ou na vida ordinária; enfim, nos momentos de trabalho, prazer e invenção. E se o que se anuncia para o futuro próximo é uma simbiose ainda maior entre o homem e a tecnologia, pela qual seremos capazes de desenvolver próteses que invadirão a intimidade de nossos órgãos, isto só virá mostrar que as possibilidades do nosso corpo permanecem, em grande medida, desconhecidas; e que, ao invés de estar ficando obsoleto, ele vem revelando uma potencialidade que, se não é inesgotável, ainda está bem longe de ser esgotada.

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3. Recepção e Sensibilidade A “nova sensibilidade” na cultura mediática Desde o momento em que se procurou identificar a crise da Modernidade, o furor classificatório dos analistas sociais ganhou um novo campo de atuação, através da busca das características “típicas” da atualidade. Da associação óbvia do contemporâneo com o simultâneo, até a problemática relação entre o mundo digital e a fragmentação, multiplicaram-se os quadros de atributos desta “época”, supostamente nova, sem que os seus autores tenham se questionado sobre a “pós-modernidade” desse método de compreensão através da classificação de processos sucessivos. Utilizando critérios empíricos para captar as mudanças de sensibilidade que caracterizariam o novo estágio de desenvolvimento da cultura humana, não espanta que esta démarche parta de um conceito empirista de sensibilidade. Não por acaso, é esta mesma ambiência teórica que domina nos estudos “científicos” (biológicos, fisiológicos e psicológicos), os quais procuram explicar mecanismos como os da percepção, a partir da sua observação e manipulação em laboratório. E, como não poderia deixar de ser, é também esta concepção que, simplificada, predomina na esfera do senso comum, devidamente alimentada pelos programas televisivos supostamente dedicados à divulgação científica. 44

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Mas a sensibilidade que se manifesta num experimento controlado e isolado não pode deixar de ser passiva e contemplativa, e sua abrangência está previamente limitada pelos próprios critérios de observação. Além do mais, trata-se de uma sensibilidade segmentada (como os mercados...), dividida em regiões e regimes autônomos, associados unilateralmente a situações em que cada um dos órgãos dos sentidos é afetado isoladamente. Neste sentido, embora a definição enciclopédica da sensibilidade seja sempre nuançada em várias acepções – “1. Faculdade do organismo vivo de experimentar impressões de ordem física (...). 2. Percepção aguda (...). 3. Faculdade que tem uma pessoa (artista, poeta, escritor) de captar ou transmitir impressões capazes de causar emoção. 4. Tendência, disposição a ser dominado pelas impressões, sentimentos, emoções; impressionabilidade, suscetibilidade, irritabilidade (...)”–, predomina muito frequentemente a compreensão de caráter funcional derivada da abordagem neuro-fisiológica, para a qual a sensibilidade se organiza a partir “dos receptores que levam às fibras nervosas uma mensagem codificada descrevendo a forma e a intensidade de um estímulo mecânico ou químico” (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998, vol. 22). Concebida, portanto, como “faculdade” especializada na função de captação de dados, ela seria apta muito mais a reconhecer os objetos e os cenários já devidamente identificados por uma dada representação Pequena estética da comunicação

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do que a traduzir nossa imersão numa situação efetiva. Mais sensível à representação do que à presença, a sensibilidade, concebida deste modo, assumiu desde cedo um papel subsidiário em relação ao entendimento e não é de estranhar que ela apareça, nos termos de hoje, como uma espécie pouco maleável de interface sensorial entre o espírito e o mundo, situada no corpo; mas as limitações dessa imagem da sensibilidade devem-se muito mais ao modelo que a descreve desse modo. Ironicamente, não é nova a ideia da emergência de uma “nova sensibilidade” por efeito da tecnologia. No âmbito das teorias da comunicação formuladas neste século, a relação entre sensibilidade e tecnologia esteve inicialmente no centro da reflexão de pelo menos dois autores, hoje considerados clássicos: Walter Benjamin e Marshall McLuhan. Motivados, fundamentalmente, por meios de comunicação cujo aparecimento foi possibilitado por novas tecnologias de reprodução (fotografia e cinema) e difusão (rádio e televisão), suas considerações, de certo modo, prepararam o terreno para as atuais discussões sobre os efeitos produzidos pela comunicação digital e interativa (o hipertexto e sua versão on line: a multimídia e a rede), desenvolvida a partir das microtecnologias de processamento da informação. Mas, apesar do profetismo e do reducionismo presentes em muitos dos textos de ambos os autores, sua reflexão não pode reduzir-se simplesmente à ideia de que cada nova tecnologia gera uma nova sensibi46

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lidade, e assim sucessivamente, segundo o esquema de um historicismo fundado na técnica, caricatura do já questionável modelo de interpretação sócio-antropológica característico do “materialismo histórico” de Marx e seus inúmeros intérpretes. Surpreendentemente, contudo, parece ser justamente esta a interpretação pós-modernista da dinâmica da cultura, presente, por extensão, nas concepções mais recentes sobre o fenômeno comunicacional na atualidade. Por essa razão, o entusiasmo voluntarista dos velhos utopistas revolucionários parece retornar agora na euforia da nova era eletrônica. E como o desenvolvimento tecnológico é, ao menos teoricamente, sem limites, supõe-se que a “expansão da sensibilidade” também o seja. Mas uma sensibilidade indefinidamente expandida e ampliada não corresponderia mais a nenhuma das condições existenciais em que se enraíza a experiência estética: a finitude, a corporeidade e a expressividade. Ilimitada, imaterial e insondável, tal sensibilidade etérea se traduziria na substituição da memória por um arquivo inesgotável, da linguagem por um algoritmo e do corpo por uma prótese programada para se atualizar. Não seria propriamente uma “nova sensibilidade”, mas, antes, a própria eliminação da sensibilidade enquanto tal... Mas caminhemos por partes. Procuremos estabelecer quanto deste discurso estava efetivamente presente nas formulações daqueles precursores (Benjamin e McLuhan), e de que outro modo podemos Pequena estética da comunicação

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interpretar a relação que estabelecem entre sensibilidade e tecnologia, sem cair nas aporias assinaladas. Quando dizemos que nossa sensibilidade se transformou, que nosso “modo de ver” as coisas, foi modificado, precisamos esclarecer o caráter do processo considerado. É certo que o modo humano de ver as coisas é diferente daquele dos pássaros, e que estes não captam a realidade do mesmo modo que os peixes. Da mesma forma, falamos também em diferentes modos de apreensão humana, tendo em vista a diversidade de época, localização, nacionalidade, faixa etária, situação econômica etc. No primeiro caso, situamo-nos no plano das diferenças genéricas entre as espécies e nos remetemos ao campo descrito pelas ciências da vida e do comportamento. A sensibilidade humana é encarada, então, como disposição característica da espécie e sua modificação corresponderia a uma alteração na própria estrutura fisiológica envolvida em nossa capacidade de apreender o mundo exterior, através dos órgãos dos sentidos. No segundo, referimo-nos às práticas coletivas, mediante as quais partilhamos, por meios simbólicos, a vida social. Neste âmbito, a sensibilidade remete aos padrões culturais vigentes, e sua modificação corresponderia à alteração dos hábitos perceptivos. A confusão entre esses dois planos é tão frequente quanto problemática, e talvez seja ela a maior responsável por um certo exoterismo do discurso pós-moderno. Na medida em que ele fala da emer48

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gência de uma “nova sensibilidade”, a partir do advento de novas tecnologias, sem distinguir os dois níveis assinalados, tende a justificar antecipadamente uma naturalização da técnica. Parecendo ter-se esquecido de que o desenvolvimento da tecnologia confunde-se com a história da cultura, e que esta é simultaneamente condição e efeito da própria tecnologia, ele compreende a “incorporação das tecnologias” de modo literal e naturalista. Por outro lado, tendo soberanamente ignorado a interpretação que vê nos meios e nas tecnologias a extensão de nós mesmos, ele proclama a bombástica e suspeita “descoberta” de que não passamos de uma extensão das novas tecnologias. Mas se, no âmbito neurofisiológico, a ideia da assimilação da técnica significaria a sua incorporação orgânica, no âmbito comportamental, ela remete às “técnicas do corpo”, incorporadas como condutas e, portanto, transformadas em hábitos nos campos da produção e da recepção. Desse modo, o discurso pós-moderno sobre a “nova sensibilidade” e seus desdobramentos nos estudos sobre a recepção perdem de vista o que é certamente mais importante na obra daqueles autores: a relação entre as tecnologias, os meios de comunicação e os nossos hábitos perceptivos. É bem verdade que a referência alternada à “estrutura orgânica” e ao “hábito” já está em textos clássicos como A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936) ou Os meios de comunicação como Pequena estética da comunicação

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extensões do homem (1964). Mas trata-se, como se verá, de uma imprecisão terminológica, que não esconde o sentido último da interpretação proposta por aqueles autores. Benjamin, por exemplo, fala das “metamorfoses profundas” do “aparelho perceptivo” (s/d, p. 192), das “estruturas perceptivas” (p. 194) ou do “sistema perceptivo” (p. 194), associa a importância crescente da estatística, na esfera teórica, à estandardização provocada, na “esfera sensorial” (p. 170), pela reprodução em série e chega a afirmar que “a natureza que se dirige à câmara não é a mesma que se dirige ao olhar” (p. 189 – grifos meus, MV). Mas a ideia mestra que atravessa toda a sua formulação é a de que “o modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente” (p. 169). Ao considerar, portanto, que “no interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência” (p. 169), ele pretende destacar justamente a dimensão cultural das mudanças em questão. E, ao tratar particularmente das relações entre o cinema, a fotografia e a pintura – no plano óptico – ou entre o cinema, a escultura e a arquitetura – no plano tátil – o essencial de sua análise está em mostrar que “transformações sociais muitas vezes imperceptíveis acarretam mudanças na estrutura da recepção, que serão mais tarde utilizadas pelas novas formas de arte” (p. 185 - grifos meus, 50

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MV). O que sugere, por outro lado, que essas mudanças estão, de algum modo, ancoradas em práticas anteriores, numa regressão sem fim. E que nenhuma mudança de hábitos perceptivos pode ser tão radical quanto o corte que há entre “automatismo natural” e “hábito”, ou entre a idealização que fazemos da “natureza” e a compreensão de nós mesmos, exercitada na cultura. Tendo em vista a arquitetura, Benjamin se dá conta de que a recepção exigida por este meio torna inadequada a atitude de recolhimento típica do viajante que contempla um monumento, como se a sua monumental grandiosidade lhe exigisse uma igualmente monumental passividade. Com argúcia, ele observa que “os edifícios comportam uma dupla forma de recepção: pelo uso e pela percepção” (p. 193). Mas completa esta penetrante observação, de modo novamente impreciso, vinculando o uso aos “meios táteis” e a percepção aos meramente “ópticos”. Ora, poder-se-ia falar de modo igualmente legítimo de uma contemplação auditiva ou mesmo tátil, e de um uso visual (ou “óptico”) do mesmo edifício. Na verdade, Benjamin associa o termo “tátil” ao movimento corporal, à mudança de tônus, posição e angulação, que experimentamos na ação corriqueira. Antes que no tato, em si mesmo, ele pensa no sentido cinestésico; e, dessa forma, acentua, mesmo sem dizê-lo com todas as letras, o caráter prático da recepção em geral, a condição ativa e coletiva, pela qual ela se configura como uma pragmática, com Pequena estética da comunicação

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praxes diferenciadas, que se efetuam “menos pela atenção que pelo hábito” (p. 193). Reconhecendo que, “no que diz respeito à arquitetura, o hábito determina em grande medida a própria recepção óptica” e esclarecendo que também esta, “de início, se realiza mais sob a forma de uma observação casual que de uma atenção concentrada”, ele conclui que “essa recepção, concebida segundo o modelo da arquitetura, tem em certas circunstâncias um valor canônico” (p. 193). O que se anuncia aí, portanto, é a ideia de que as diferentes formas de sensibilidade são diferentes padrões de recepção adquiridos pelos hábitos introduzidos por diversos meios, sustentados em diferentes tecnologias. E, além disso, que a recepção facultada pela sensibilidade compreende a mediação tecnológica e depende, portanto, da relação física com alguma interface; ou seja, é sustentada pela percepção sensorial, mas não se reduz a ela, uma vez que opera num ambiente discursivo e segundo uma disposição (pathos), que se traduz em determinados usos e costumes (ethos). Da mesma forma, McLuhan fala da percepção como “apreensão sensória” (p. 27) e, quando classifica o artista como “perito nas mudanças da percepção” (p. 34), descreve essas alterações como uma reorganização da “vida dos sentidos” (p. 34 - ambos os grifos são meus, M.V.). Mas, já num texto de 1954, ele analisa o efeito da introdução de novas formas de divulgação sobre o espectador, como “um desvio 52

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considerável, porém, inconsciente, de suas maneiras de pensar e sentir” (McLUHAN, 1978, p. 146) e, de um modo geral, podemos dizer que a ênfase de suas colocações recai sobre o aspecto comportamental e não sobre o aspecto neurofisiológico. Em suas palavras, a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia é “a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas” (p. 22), e é dessa forma que a introdução de um novo meio de comunicação reconfigura o meio ambiente. Tendo em vista a comunicação de massa, mas já atento às potencialidades do computador na comunicação, McLuhan afirma que, ao romper com a sequência linear da palavra impressa, a eletricidade não só teria permitido um novo tipo de experiência simultânea como teria realmente posto em xeque a universalidade do critério de articulação causal subjacente à organização do discurso. Com ela, teríamos passado “do mundo das sequências e dos encadeamentos para o mundo das estruturas e das configurações criativas” (McLUHAN, s/d, p. 26), mais ou menos o contrário, diga-se de passagem, do que afirmam hoje os apologistas da ideia de uma fragmentação promovida pelos processos digitais. Mesmo quando se detém na análise do entorpecimento relativo de um dos sentidos por estimulação controlada ou quando analisa o usuário de um determinado meio ou tecnologia como seu servomecanismo, é ainda a uma teia de relações que McLuhan se refere. Ele assinala claramente que “como extenPequena estética da comunicação

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são e acelerador da vida sensória, todo meio afeta de um golpe o campo total dos sentidos” (p. 63), o que mostra que ele concebe a percepção como um fenômeno geral da existência e não como uma dimensão unilateral ou uma faculdade especializada. E quando analisa os sentidos isoladamente, como, por exemplo, em suas observações sobre a percepção da cor, aí também refere-se a uma dinâmica estrutural que não se deixa apreender por uma abordagem atomista, fundada em “sensações” concebidas como “puras qualidades sensíveis” (p. 62). Por fim, ao assinalar que “os efeitos da tecnologia não ocorrem nos níveis das opiniões e dos conceitos (...), mas manifestam-se nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção” (p. 34), ele está enfatizando os mesmos aspectos pragmáticos a que se referia Benjamin, ao falar das mudanças nos hábitos perceptivos. Além de assinalar que o “conteúdo” de um meio é um outro meio, sua mais famosa afirmação – condensada no slogan “o meio é a mensagem” – significa também que cada meio comunica seu próprio funcionamento, não como o “código” ou a “lógica” de um sistema, mas como um jogo participativo, um modo de usar inseparável de sua relação física com um usuário, cujas atitudes e crenças vêm a ser informadas e enformadas por esse mesmo meio. Desse modo, as ideias de McLuhan deslocam nossa atenção dos aspectos conscientes e normativos da cultura instituída para o plano inconsciente, 54

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no qual as oposições e contrastes entre elementos significantes têm ainda poder instituinte. Na sua perspectiva, a análise da ação dos meios sobre a sensibilidade enquanto tal é também um reconhecimento de que eles não atuam apenas segundo mecanismos estritamente intelectivos ou sensoriais, mas envolvem aspectos emocionais, que estão na base dos julgamentos de valor geralmente associados a uma determinada tradição. Benjamin e McLuhan chegam, assim, muito perto de uma descrição pragmática ou fenomenológica da sensibilidade, na qual a percepção dos “objetos” se dá segundo a estrutura de um campo visual estabelecido pela circunvisão associada a alguma ocupação prática. Sugerida por Heidegger no Ser e Tempo, de 1927, e desenvolvida por Merleau-Ponty, especialmente na Fenomenologia da Percepção, de 1945, esta perspectiva tem muito a esclarecer sobre o problema da sensibilidade e, por isso, deveria merecer de todos nós uma consideração mais atenta. A sensibilidade como gosto e percepção A simples consideração dos debates acerca da sensibilidade no terreno da filosofia obriga-nos a ampliar consideravelmente o horizonte de nossa discussão. Além de forçar-nos a admitir que a sensibilidade não se reduz à percepção sensorial e que esta última não é passível de apreensão apenas pelo jogo entre estímulos físicos e representações mentais, eles nos levam a reconhecer, neste âmbito, o papel decisivo das emoções. Pequena estética da comunicação

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Como assinala Ferrucci, O conceito de sensibilidade, com os seus significados de aparelho perceptivo e de capacidade intuitiva, de ‘excitabilidade’ e de fantasia criativa, de gosto e de ‘delicadeza de sentir’, esteve sempre no centro tanto das reflexões sobre os mecanismos do conhecimento como das teorias sobre os sentimentos e a arte (FERRUCCI, 1992, p. 122).

Na filosofia grega, esses dois âmbitos da sensibilidade – o cognitivo e o afetual – mantêm-se vinculados, embora com estatutos distintos. Mas já aí, na diferença entre as abordagens de Platão e Aristóteles, vemos anunciar-se uma clivagem em torno do estatuto ontológico da sensibilidade, que será continuamente atualizada no debate filosófico subsequente, opondo idealismo e realismo, especialmente na esfera dos estudos sobre a arte. Enquanto a desvalorização platônica do corpo e das artes sugere, por contraste, que o acesso ao conhecimento verdadeiro exige a superação das paixões, a defesa aristotélica das sensações e das representações, como base de todo tipo de conhecimento, reforça a importância da catarse, que acompanha a fruição estética, “sublinhando os efeitos libertadores e purificadores que a obra trágica produz na sensibilidade do público” (Ibid., p. 123). Só no Renascimento, esta conexão entre esfera gnosiológica e esfera artística volta a colocar em 56

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pauta o significado e o valor da intuição sensível, “pondo em discussão o ser absoluto e sobremundano das ideias platônicas, em nome da indagação da natureza e da experiência concreta (...)” (Ibid., p. 123). Partindo da natureza sensível, mas seguindo a imaginação, o artista-teórico renascentista é o emblema do modo de apreensão e assimilação características de uma sensibilidade capaz de “agarrar e sintetizar tanto os dados da realidade natural como os impulsos do sentimento” (Ibid., p. 124). Postula-se, então, uma construtiva colaboração entre as esferas da sensação, da intelecção e da imaginação com a dimensão emocional explorada pela arte. Como assinala, com muita propriedade Ferrucci, o pensamento e a arte renascentistas promovem o simultâneo advento (...) da concepção segundo a qual as leis da razão e da ciência nascem da procura de relações de tipo geométrico e matemático aplicáveis à realidade percebida, e portanto de uma nova “colaboração” entre sensibilidade e pensamento, e de uma visão da arte como forma particularmente instrutiva de mediação – por exemplo, através da técnica da perspectiva – entre dados dos sentidos e indagação teórica (Ibid., p. 123).

Desse modo, do ponto de vista da atitude de cada época frente à sensibilidade e a seu confronto com o entendimento, o que há de mais importante a observar na cultura renascentista é a surpreendente Pequena estética da comunicação

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conciliação entre dois regimes discursivos que, a partir de então, passarão a se opor cada vez mais até se constituírem como campos autônomos: o da estética e o da epistemologia. A espantosa fertilidade do casamento entre a observação empírica e a descrição matemática, nas ciências naturais, não só impulsionou o pensamento epistemológico e os temas da teoria do conhecimento, como passou a segregar a reflexão estética, confinando-a à região das “ideias confusas” produzidas pela arte e situadas a meio caminho, entre o caos das sensações e a unidade abstrata das ideias claras e distintas. Não é à toa que o próprio Baumgarten, criador da Estética como disciplina específica, reconhece que sua “ciência” pertence ao âmbito da “gnosiologia inferior”. No racionalismo cartesiano e também, mais tarde, na dialética do espírito absoluto, de Hegel, a beleza artística se sustenta na medida em que manifesta a verdade e a objetividade racional, acessível apenas mediante a superação da realidade sensível. Por essa razão, a estética hegeliana elege a poesia como arte absoluta, uma vez que só no discurso verbal o material sensível se nega como tal para se tornar “o meio da extrinsecação do espírito ao espírito”. Mas será Kant quem tentará superar completamente as “contaminações residuais entre a esfera das ciências rigorosamente demonstrativas e a organização artística do sensível” (Ibid., 125). Na Crítica da Razão Pura, alia a sensibilidade – concebida como receptividade, isto é “capacidade de receber representações, graças à 58

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maneira como somos afetados pelos objetos” (KANT, 1985, p. 61) – ao entendimento, como condição de possibilidade da experiência de qualquer objeto ou acontecimento do mundo físico. Já na Crítica do Juízo, é a conciliação entre a imaginação e o entendimento, no “sentimento do livre jogo das faculdades representativas”, que fundamenta o “consenso universal” que o juízo sobre o belo busca alcançar, afastando-se da esfera sensorial em que se manifesta o juízo pessoal sobre o que é meramente agradável. Desse modo, embora, no plano da percepção ordinária, Kant descreva como uma sensação o “efeito de um objeto sobre a capacidade representativa”, no plano propriamente artístico, a estética kantiana vincula os aspectos ativo (produtivo) e passivo (receptivo) da sensibilidade, mediante a ideia da adequação exercida, pelo gênio criativo, entre o conceito do que deve ser a obra e as condições sócio-culturais que caracterizam o gosto do público que irá recebê-la. Neste sentido, portanto, a específica capacidade do artista para comunicar o conceito da obra sem a coação das regras vigentes no domínio intelectual, encontra correspondência na comunicabilidade universal proporcionada pelo gosto. Mas a introdução do conceito de gosto, para designar a capacidade de sentir e julgar a arte, havia sido a singular contribuição do empirismo inglês à compreensão da própria atividade artística, enquanto investimento construtivo regulado por sua recepção. Criou-se, assim, uma rubrica capaz de acolher a dimensão da sensibilidade que não se deixa confinar ao círculo Pequena estética da comunicação

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traçado pelas exigências do discurso científico. Tomando como modelo a imaginação criadora do artista da renascença, o pensamento inglês dos séculos XVII e XVIII (Hobbes, Locke, Hume, entre outros) caracteriza a criatividade artística como combinação de sensibilidade e “engenho”. A partir disto, ele propõe, como critério mais flexível de apreciação e julgamento, entre a rigidez da “vocação” medieval e o irracionalismo do “gênio” romântico, a noção de “bom gosto”, como discernimento, sentido de medida e capacidade de discriminação, ao mesmo tempo espontânea e passível de aperfeiçoamento. Tomando de empréstimo, mais uma vez, as palavras de Ferrucci: Embora ligando-se ao lado intuitivo da inteligência e, portanto, dependendo também das predisposições inatas dos indivíduos singulares, o gosto é uma faculdade largamente susceptível de ser cultivada e afinada pelo constante e direto contato com os testes e as opiniões críticas que a opinião pública apresenta à atenção de todos quantos, como protagonistas ou como simples cultores, acedem ao mundo da arte. Por outras palavras, representa o conjunto das normas extremamente fluidas e largamente inconscientes que, num dado contexto cultural, definem a propriedade de linguagem e de estilo sem a qual o deleite que a obra estabelece não seria alcançado, e canalizam a sensibilidade privada do artista de modo a fazê-la coincidir com a sensibilidade coletiva (Ibid., p. 127).

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Apontando a sensibilidade como um limite e uma instância reguladora do processo criativo, a abordagem centrada no conceito de gosto procura, evidentemente, domar o seu aspecto irracional, que escapa à tutela da metafísica, da lógica e do intelecto científico. Por essa razão, o reconhecimento de que o gosto obedece a regras, ainda que inconscientes, pode também abrir espaço para um discurso moralizante, disposto não só a reconhecer tais regras como a prescrevê-las. Desta forma, o caráter regulador do gosto poderia justificar seu papel normativo e, em certas circunstâncias, até mesmo diretivo. O “bom gosto”, o gosto requintado, tomado como critério de julgamento, estaria assim muito próximo do comportamento de “bom tom”, como prática e exemplo do necessário controle das paixões (“bom senso”). Talvez por essa razão a noção de gosto tenha caído no ostracismo teórico, após a Revolução Francesa, não só por efeito do formalismo kantiano, nem pelo olímpico desprezo hegeliano, mas especialmente pelo pequeno racionalismo que se estabeleceu com o advento do materialismo progressista e cientificista do século XVIII e sua radicalização dialética, o marxismo, no qual a problemática do gosto se confunde com as da ideologia e da política de classes. Gosto versus experiência estética Os movimentos modernistas do século XX serão, neste sentido, o resultado da exacerbação racionalista Pequena estética da comunicação

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da Modernidade tardia. Chegando a importar do campo da ciência e da epistemologia a ideia de um “método de invenção” (Valéry), eles se miram na ciência (qualquer “ciência”, mesmo que seja a psicanálise, como no caso do surrealismo), para exorcizar as mistificações, embora acabem por instaurar a mistificação heróica da vanguarda, enquanto iluminada portadora de uma sensibilidade avançada e libertadora. Nesse âmbito, a “sensibilidade” do artista é magnificada e separada da sensibilidade mediana e muito das estratégias poéticas da arte de vanguarda, desde então, resume-se ao “revolucionário” projeto de contrariar e mesmo chocar o gosto do público (embora procurando agradar o gosto dos críticos), como forma de assegurar a sua “pureza” artística... Tal maneira de tratar a sensibilidade do artista como uma faculdade superior remonta, pois, ao Romantismo de um Novalis, para quem o poeta é um “sacerdote” em comunhão mística com as forças da natureza; tem antecedentes no ideário renascentista de um Leonardo da Vinci, para quem a pintura tem um “caráter divino” e “representa a sensibilidade das obras da natureza com mais verdade e certeza do que o fazem as palavras ou as letras” (Da VINCI, 1999, § 327, p. 81) e reaparece nas antecipações “pós-modernas” de um McLuhan, para quem o artista é dotado de uma personalidade tão excepcional que pode “corrigir as relações entre os sentidos, antes que os efeitos de uma nova tecnologia hajam entorpecido os processos conscientes” (apud FERRUCCI, p. 134). 62

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Essa apologia da sensibilidade artística moderna (e “pós-moderna”) opera, pois, como uma eficiente forma de denegação da sensibilidade “normal”; do mesmo modo, no horizonte do “novo espírito científico”, atua a ênfase no corte epistemológico, concebido como ruptura radical entre o saber legítimo e o espúrio “senso comum” (Bachelard chega mesmo a proclamar, na primeira fase de sua obra, que a intuição é muito útil, pois “serve para ser abandonada”...). Não é por acaso, portanto, que a arte eletrônica acolha com tanta simpatia o modernismo tardio da “poesia concreta” e seu paideuma, uma vez que, desde Poe e, depois, Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé, o que se busca é uma precisão das figuras poéticas “afim da precisão das operações da matemática, que, graças ao contraste entre o rigor da composição e a liberdade dos conteúdos, torne ainda mais forte o choque produzido no leitor” (Ibid., p. 135). Nas palavras de Ferrucci, “esta fratura que a nova “estética militante” institui entre a sensibilidade inspirada e a percepção “neutra” do mundo, entre a sensibilidade do artista e a do homem comum, é acentuada pela teorização de uma arte que, além de se debruçar sobre os abismos do inaudito e do invisível, se liberte de qualquer envolvimento emotivo” (p. 135), em aberto contraste com a “sensibilidade média” dos contemporâneos, considerados obtusos e “filisteus”. Pretendendo, pois, criticar, e mesmo atacar, os hábitos emotivos e perceptivos do público, o modernismo estético, assim como, agora, Pequena estética da comunicação

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a “estética pós-moderna” (isto é: o discurso estético hiper-moderno derivado das poéticas digitais), produz uma forma de arte que se refugia no formalismo e no intelectualismo, para exorcizar o “gosto médio” da massa ignara. No caso dos teóricos da comunicação, envolvidos com a análise da arte de massa, esse tom nem sempre tem sido o hegemônico e o próprio McLuhan, mesmo fazendo o elogio do artista, como personalidade superior, se afasta da posição elitista dominante, por dar-se conta de que o aspecto comunicativo da atividade artística é preponderante e por perceber que é desse âmbito, em última instância, que provêem as mais decisivas provocações à inovação expressiva. Ao comentar, por exemplo, as mudanças introduzidas na poesia de Dylan Thomas, depois que este passou a dispor do rádio como meio de publicação da sua obra, McLuhan observa que ele “descobriu uma nova dimensão na sua linguagem, quando estabeleceu uma relação nova com o público” (McLUHAN, 1978, p. 145). Naquela altura, o pensador canadense perguntava-se se não seria precisamente devido ao fato de termos estabelecido uma separação tão profunda entre a cultura intelectual e os novos meios que teríamos nos tornado incapazes de encarar esses meios como veículos legítimos para a cultura séria. Hoje, talvez devêssemos perguntar se não é por considerarmos os novíssimos meios de comunicação da atualidade como meros transmissores de informação numérica, 64

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voltada a uma tradução formal e a uma interpretação supostamente mental, que temos dificuldade para compreender a dimensão cultural de sua assimilação na vida cotidiana. Parece-nos que é justamente esta tensão entre as formas artísticas e simbólicas, supostamente dirigidas a nossa atividade emocional e nossa capacidade de fruição e avaliação propriamente estéticas, por um lado, e as formas do mundo físico, dirigidas a nossa atividade cognitiva, através das nossas capacidades perceptiva e intelectiva, por outro lado, o que deveria ser investigado, para melhor compreendermos as relações entre as discussões sobre a sensibilidade e os estudos sobre recepção. Conforme mostramos anteriormente, esta “tensão atrativa” reaparece na complexa relação entre gosto e conhecimento, mas parece significar mais do que um simples reflexo da relação entre sensibilidade e entendimento. Na verdade, quando revisitamos o debate sobre o gosto, damo-nos conta de que esta associação da experiência estética com a atividade de um sentido considerado inferior, como o paladar, esconde o reconhecimento de que ela se refere a uma forma profunda, embora inconsciente, de compreensão, a qual, se não pode ser defina como conhecimento, não pode deixar de ser associada a algum tipo de saber. Tal vinculação entre o gosto e o saber, através do sabor, não é, nova, aliás, já tendo sido, ao contrário, explorada por autores com Nietzsche e Barthes. Pequena estética da comunicação

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Como afirma Agamben, Quando, no decurso dos séculos XVII e XVIII se começa a distinguir uma faculdade específica a que são confiados o juízo e o gozo da beleza, é justamente o termo “gosto”, oposto metaforicamente, como um “super sentido”, à acepção própria, que se impõe na maior parte das línguas européias, para indicar aquela forma especial de saber que goza o objeto belo e aquela forma especial de prazer que ajuíza da beleza (AGAMBEN, 1992, p. 139).

Trata-se, portanto, de desvendar a natureza mesma desse “outro saber” que é, ao mesmo tempo, um “outro prazer”; um saber que não pode explicar o seu conhecer, mas goza-o, como assinalava Montesquieu, já em 1755 (MONTESQUIEU, 2005, p. 51-55). O discurso estético, à medida que é referido à sensibilidade, entretém-se, justamente, na busca desse “não sei quê”, que impregna toda recepção. Ainda conforme Agamben: A ideia de uma forma de conhecimento outra, que se opõe tanto à sensação quanto à ciência, e é ao mesmo tempo prazer e saber, é o traço dominante das primeiras definições do gosto como juízo sobre o belo (p.144). (...) Nesta perspectiva, o gosto aparece como um sentido supranumerário, que não pode encontrar lugar na divisão metafísica entre sensível e inteligível, mas cujo excesso define o estatuto particular do conhecimento humano (Ibid., p. 145).

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Esta colocação do gosto numa região intermediária entre saber e prazer parece indicar, nas formulações habituais, uma perniciosa confusão entre o tipo de conhecimento prático, que se veicula espontaneamente através da atividade simbólica da cultura e a cognição propriamente intelectiva, associada aos processos racionais e formalizados do conhecimento científico. O belo suscita em nós um tipo de satisfação indissociável da surpresa. O gosto pelo que é belo é, portanto, uma forma de compreensão que não se poderia reduzir ao simples reconhecimento da adequação entre os nossos modelos de interpretação e explicação e a realidade que eles pretendem representar. O que gozamos no belo é “o puro remeter de uma coisa a outra coisa; por outras palavras, o seu caráter significante, independentemente de qualquer significado concreto” (AGAMBEN, 1992, p. 146). Por esta razão, Diderot definiu o belo como um “significante excedente” e Kant, antes dele, como “um excesso da representação sobre o conhecimento”, excesso este que se apresenta, justamente, como prazer propriamente estético (ver VALVERDE, 2003). Na sua formulação mais radical, a reflexão setecentista sobre o belo e sobre o gosto culmina assim no reenvio a um saber, que não se pode explicar porque se apóia num puro significante (...), e tem um prazer que permite julgar, porque se apóia não numa realidade substancial, mas naquilo que no objeto é pura significação. (AGAMBEN, 1992, p. 147). Pequena estética da comunicação

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Tendo se dedicado essencialmente à análise da interpretação dos significados atribuídos pelo receptor às mensagens que o atingem, muitos estudos sobre a recepção afastaram-se da instância significante, deixando escapar, assim, todo um campo de motivações que envolve necessariamente a compreensão do modo como somos afetados no processo comunicacional.

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4. A plasmação do sentido O sentido dos meios de comunicação Como já sugerimos anteriormente, entre os autores associados à rubrica “teoria da comunicação”, apenas Marshall McLuhan parece ter percebido que, para compreender o funcionamento dos meios de comunicação contemporâneos, não é suficiente situá-los “adequadamente” em relação a um contexto histórico-social determinado, uma vez que o próprio contexto é constituído e representado por esses mesmos meios. Já em 1954, McLuhan observava que “se existe algum truísmo na história da comunicação humana é o de que qualquer inovação nos meios externos de comunicação trazem no seu rastro choque sobre choque de mudança social” (ADORNO et al., 1978, p. 152); e em 1964, em seu livro mais conhecido, lembrava que “qualquer tecnologia pode fazer tudo, menos somar-se ao que já somos” (McLUHAN, s/d, p. 26). McLuhan atinge o ponto essencial da questão ao tomar os media em geral como extensões do homem e ao vincular os seus efeitos ao modo como cada meio, segundo suas caraterísticas técnicas específicas, incide sobre a percepção e sobre o comportamento humanos. Dessa forma, ele desloca uma concepção mentalista do sentido e situa os meios de comunicação globalmente em relação ao horizonte da sensibilidade. Por outro lado, como ele recusa a noção cartePequena estética da comunicação

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siana de conhecimento como fruto da contraposição entre sujeito e objeto, concebendo-o, antes, como participação reconfiguradora dos sujeitos em seus ambientes, ele enfatiza o aspecto ativo deste ambiente na reconfiguração dos próprios sujeitos. Isso traz à tona, em oposição ao critério epistemológico do distanciamento, o caráter de envolvimento que marca a relação entre o ser humano e o mundo que ele habita. A partir desta perspectiva, ele estabeleceu a sua famosa distinção entre meios “quentes” e “frios” – que suscitam, respectivamente, menor ou maior envolvimento do público – e formulou a sua peculiar análise da história dos meios de comunicação, segundo a qual o advento dos meios elétricos teria ocasionado novamente, e em maior profundidade, condições especiais de participação e envolvimento, após um longo período de especialização e fragmentação dos sentidos humanos, em função do predomínio da palavra escrita. Ao romper com a sequência linear da palavra impressa, a eletricidade não só teria permitido um novo tipo de experiência simultânea como teria realmente posto em xeque a universalidade do critério de articulação causal subjacente à organização do discurso. Com ela, teríamos passado “do mundo das sequências e dos encadeamentos para o mundo das estruturas e das configurações criativas” (Ibid., p. 26), de modo que o empobrecimento verbal das formas de comunicação contemporânea não seria senão uma contrapartida do empobrecimento perceptivo provo70

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cado pela escrita fonética, pois, “como intensificação e extensão da função visual, o alfabeto fonético reduz o papel dos sentidos do som, do tato e do paladar em qualquer cultura letrada” (Ibid., p. 103). Além de defender a idéia de que o alfabeto “significou o poder, a autoridade e o controle das estruturas militares à distância” (Ibid., p. 101), McLuhan crê que somente sociedades letradas poderiam instituir “a separação do indivíduo, a continuidade do espaço e do tempo e a uniformidade dos códigos” (Ibid., p. 103), chegando a afirmar que nossa civilização “se baseia na alfabetização porque esta é um processamento uniforme de uma cultura pelo sentido da visão, projetada no espaço e no tempo pelo alfabeto” (Ibid., p. 105). De um lado, portanto, encontraríamos aquilo que Emmanuel Carneiro Leão, referindo-se ao pensamento de McLuhan, denominou “esquizofrenia histórica” – a alfabetização, com todos os seus efeitos desagregadores. De outro, a promessa de uma “civilização integrada”, capaz de readquirir a “possibilidade de vivenciar a totalidade de modo integral e instantâneo” (LEÃO, 1977, p. 160) – ou seja, a idéia da reversibilidade dos “meios superaquecidos” e do advento da aldeia global. Num caso como no outro, o sentido dos meios de comunicação se define a partir da natureza mesma desses meios e do modo como eles participam nas relações bilaterais entre o homem “e” o meio ambiente, diluindo ou acentuando esta oposição, mas confirmando a idéia segundo a qual “as consequências dos meios resultam do novo padrão induzido por Pequena estética da comunicação

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uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos” (McLUHAN, s/d, p. 21). A despeito do tom profético que assumiram algumas de suas afirmações – como, por exemplo, a de que “o computador, pela tecnologia, anuncia o advento de uma condição pentecostal de compreensão e unidade universais” (Ibidem, p. 99) – e apesar do caráter ambíguo e limítrofe de sua própria contribuição ao debate – que o faz escrever livros para denunciar a homogeneidade, a uniformidade e a continuidade na “galáxia de Gutenberg” –, McLuhan sugeriu uma solução, ao mesmo tempo original e interessante, para os impasses da teoria da comunicação, aproximando-se de uma analítica da compreensão em termos existenciais e associando linguagem, percepção histórica, atividade técnica e experiência estética, sob o pano de fundo de uma análise dinâmica da sensibilidade. Perante a problemática comparação entre “comunicação social” e “comunicação interpessoal”, ele enfatiza o caráter social de qualquer comunicação e a necessidade de alguma forma de mediação que permita aos homens partilharem um sentido. O diálogo, nestes termos, não deixa de ser comunicação “mediática”, já que a língua é também um meio, embora não se confunda com o jornal, o cinema ou a televisão, a ponto de lhes servir de modelo explicativo. Por outro lado, não se trata simplesmente de afirmar – como pensam seus críticos mais apressados e mais empenhados em defender a pureza de certos dogmas “teóricos” – que o “mesmo” conteúdo se torna distinto 72

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quando veiculado por diferentes meios, mas sim de compreender mais profundamente sua idéia de que “o meio é a mensagem”, como exigência para se pensar a especificidade dos mecanismos e dos procedimentos que cada meio aciona para a produção e a partilha de sentido nos processos da comunicação. Aquele slogan significa, em primeiro lugar, que o “conteúdo” de um meio é também um meio, cujo papel e cujo caráter foram substancialmente modificados pelo advento do meio mais recente. Mas significa também que cada meio comunica seu próprio funcionamento, não como o “código” ou a “lógica” de um sistema, mas como um jogo participativo, um modo de usar inseparável de sua relação física com um usuário, cujas atitudes e crenças vêm a ser informadas e enformadas por esse mesmo meio. Finalmente, essa formulação desloca nossa atenção dos aspectos conscientes e normativos da cultura instituída – supostamente acessíveis através das “opiniões”e “atitudes” do público que constituiria o seu alvo – para o plano inconsciente das ações e dos gestos espontâneos, em que as oposições e os contrastes entre elementos significantes ainda não estão estereotipadas e ainda conservam todo o seu poder instituinte. Nesse ponto, a análise de McLuhan se distancia nitidamente das demais tentativas de teorizar a comunicação contemporânea, à medida que leva a extremos a crítica ao dualismo e sua duvidosa atualização psicológica, formulada nos termos de uma dialética cujos pólos seriam a experiência “interior” e a experiência “exterior”. Na sua perspectiva, a análise da ação Pequena estética da comunicação

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dos meios sobre a sensibilidade, enquanto tal, é também um reconhecimento de que eles não atuam apenas segundo mecanismos estritamente intelectivos ou “sensoriais”, mas envolvem aspectos emocionais, que estão na base dos julgamentos de valor geralmente associados a uma determinada comunidade. Vai neste sentido, por exemplo, a sua observação de que as culturas orais agem e reagem ao mesmo tempo. Para ele, “agir sem reagir e sem se envolver é uma das vantagens peculiares ao homem ocidental letrado” , pois “a cultura fonética fornece aos homens os meios de reprimir sentimentos e emoções, quando envolvidos na ação” (Ibid., p. 105). Arte e tecnologia na comunicação contemporânea Ao afirmar que a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia “é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas” (Ibid., p. 22), McLuhan, reconhece, através dos meios de comunicação, uma ação recíproca entre a tecnologia e a sensibilidade que faz com que os meios e as tecnologias, como extensões do homem, não possam deixar de desempenhar um papel ativo no ambiente e na vida humana, introduzindo novos hábitos perceptivos. Por essa razão, ele nos leva a uma conclusão ao mesmo tempo surpreendente e auspiciosa, pois abre caminho a uma série de outras relações de natureza estética: a idéia de que “o estudo dos 74

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meios, de uma só vez, abre as portas da percepção” (Ibid., p. 13). Tal idéia aponta, em primeiro lugar, para aquilo que já assinalamos – a ação dos meios e das tecnologias no âmbito da própria sensibilidade. “Os efeitos das tecnologias”, escreve McLuhan, “não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas da percepção” (Ibid., p. 34). Em segundo lugar – e mais radicalmente –, ao apontar o sentido propriamente estético da ação dos meios e das tecnologias, ela permite também compreender, sob a vigência dos meios de comunicação contemporâneos, a mútua fecundação entre a arte e a técnica, na experiência atual da produção do sentido. Ao estabelecer um novo ambiente, o novo meio e a nova tecnologia conferem ao ambiente anterior uma visibilidade de que antes não era dotado, pois, enquanto ambiente humano simplesmente, como fenômeno simbólico articulado por um sistema de valores, sua presença, sua atuação e seu funcionamento escapavam à consciência individual. Aquele antigo meio é transformado, assim, num “objeto” que ganha efetividade exatamente por ter a sua eficácia relativizada e atingir, então, uma co-realidade que faz dele uma nova forma de arte. Ao mesmo tempo, as atividades artísticas realizam sua condição de contra-ambiente, tornando-se “mais do que nunca, um meio de treinar a percepção e o julgamento” (Ibid., p. 13), atuando como radar e capacitando-nos “a descobrir e Pequena estética da comunicação

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a enfrentar objetivos sociais e psíquicos com grande antecedência” (Ibid., p. 14). A comunicação contemporânea, desse modo, aproxima esses termos aparentemente opostos: arte e tecnologia. Passando por cima da suposta oposição entre o “subjetivismo” de uma e a “objetividade” da outra, os processos envolvidos na comunicação mediática, segundo as possibilidades de cada meio e convocando simultaneamente a inteligência e a sensibilidade do receptor, possibilitam a experiência da instituição do sentido como plasmação sensível, tanto na constituição de formatos para a significação quanto na modulação plástica que permite, em cada formato, a multiplicação de configurações expressivas aparentadas, porém distintas. Mas é exatamente do ponto de vista da recepção que pode se tornar necessário distinguir entre “objeto técnico” e “objeto estético”, para que o esforço teórico de aproximação entre arte e tecnologia não se perca na afirmação de uma identidade abstrata entre elas ou na suposição, embora disfarçada, de uma relação de determinação, ainda que “em última instância”. Ao afirmar que “o artista sério é a única pessoa capaz de enfrentar, impune, a tecnologia, justamente porque ele é um perito nas mudanças da percepção” (Ibid., p. 34), McLuhan parece querer mostrar que a arte não é apenas um efeito das condições tecnologias da sociedade ou mesmo um simples resultado de determinados processos de produção material, mas uma fonte de transformação da própria tecnologia. No que 76

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se refere aos meios de comunicação, ele chega mesmo a acentuar o papel da arte frente à tecnologia, ponderando que, enquanto “radar das transformações sociais”, a arte tem “a maior relevância não apenas no estudo dos meios e veículos da comunicação, como no desenvolvimento dos controles nesses mesmos meios” (Ibid., p. 15). Ao chamar nossa atenção para o fato de que “a força plasmadora dos meios são os próprios meios” (Ibid., p. 26), McLuhan parece querer recusar qualquer explicação exógena e determinista para o fenômeno da produção do sentido através dos meios, ao mesmo tempo em que acentua a sua potência no que se refere à ampliação do horizonte de nossa experiência. Contudo, ao falar de um “enfrentamento” entre arte e tecnologia e sugerir que a capacidade do artista diante desta última é antes de tudo a de responder a seus estímulos, ele parece atribuir à arte um caráter reativo, reintroduzindo, ao mesmo tempo, o postulado da primazia da tecnologia enquanto “força produtiva”. Talvez nos encontremos, aqui, diante do que pode ser a maior limitação do pensamento desse heterodoxo teórico canadense: uma concepção apologética da tecnologia e um reducionismo que confere um caráter estritamente técnico à dimensão prática da arte. McLuhan acredita que a transição da sucessão linear para a configuração nos faça retornar “à forma inclusiva do ícone”, de modo que, no mundo atual – marcado pela presença de estruturas e não de fragmentos – o jovem tenderia a viver “miticamente e Pequena estética da comunicação

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em profundidade”, mas não hesita em reportar essas transformações da sensibilidade a uma “tecnologia” que parece constituir uma segunda natureza, chegando a afirmar, a certa altura, que “a aspiração de nosso tempo pela totalidade, pela empatia e pela conscientização profunda é um corolário natural da tecnologia elétrica” (Ibid., p. 19). Ora, toda tecnologia – e não apenas as “tecnologias mecânicas” – proporciona uma forma de objetivação do mundo que será retomada pela ciência. Ela se materializa em objetos que se pretendem “fragmentos desprendidos do mundo, abstratos e transportáveis, e, em toda a parte eficazes” (DUFRENNE, 1981, p. 240). Em contrapartida, como esclarece Simondon, “o caráter estético de um ato ou de uma coisa é sua função de totalidade, sua existência, ao mesmo tempo, subjetiva e objetiva, como ponto notável”(Ibid., p. 240). Somente reconhecendo essa distinção fundamental e explorando suas consequências será possível assimilar profundamente a reconciliação entre tecnologia e estética proporcionada pela comunicação contemporânea, sem cair na lamentação ou na apologia. Como observa Mikel Dufrenne, a busca de uma estética industrial tem uma significação considerável: o homem, aprendendo a viver o progresso técnico, pode dominar o mundo sem romper com ele, também pode habitá-lo como sua pátria, pode permanecer no fundamento sem deixar de produzir sua história (Ibid., p. 241).

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Criação e formatividade Dufrenne chama nossa atenção para o fato de que “antes de construir conceitos ou máquinas, enquanto fabricava as primeiras ferramentas, o homem criou mitos e pintou imagens” (Ibid., p. 23), o que sugere que a capacidade humana de produzir e reproduzir socialmente sua vida não se revelou primeiro através de uma tecnologia, para só depois revelar-se por uma expressão plástica. Por outro lado, essa experiência estética primitiva, viabilizada pelos poderes da imaginação, não representava e não buscava certamente outra coisa senão “o liame do homem com a Natureza”, através de uma forma de expressão capaz de provocar uma experiência que estavesse enraizada na vida como um todo. Num primeiro sentido, segundo as raízes etimológicas dessa expressão, a experiência estética, enquanto se refere à sensibilidade como capacidade de receptividade (aísthesis), é o protótipo de toda experiência. Mas, mesmo em seu sentido mais corrente, referido à experiência artística enquanto experiência do belo, ela condensa, de modo exemplar, o sentido existencial do ser-no-mundo. Se o homem sente necessidade do belo, observa Dufrenne, é porque quer se sentir no mundo. “Estar no mundo não é ser uma coisa entre as coisas, é sentir-se em casa entre as coisas, mesmo as mais surpreendentes e as mais terríveis, porque elas são expressivas” (Ibid., p. 25). Enquanto o “objeto técnico” (ou, mais preciPequena estética da comunicação

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samente, tecnológico) é separado do mundo, é anônimo e abstrato – pois se inscreve num horizonte funcional que solicita exclusivamente a intelecção –, o “objeto estético” (ou o objeto visado esteticamente) nos engaja como um todo, apenas por sua presença, pois “ele existe plenamente, definitivamente, segundo uma necessidade intrínseca, na glória do sensível” (Ibid., p. 245). Neste sentido, a experiência estética não é apenas “anterior”, mas simplesmente mais universal, uma vez que o reconhecimento do caráter técnico de um objeto não depende apenas de sua forma e supõe, no menor grau que seja, um conhecimento especializado; enquanto sua qualidade estética pode ser experimentada por todos – ainda que não da mesma forma – pelo reconhecimento de sua “beleza”, uma vez que ele então aparece “na gratuidade exuberante das imagens, quando a percepção cessa de ser uma resposta prática ou quando a praxis cessa de ser utilitária” (Ibid., p. 25). A arte não está, no entanto, “acima” da tecnologia, no plano da pura contemplação. Ao contrário, sua ocorrência revela um fazer essencial, uma vez que, através dos processos artísticos, o homem mesmo se faz e se refaz, em sua relação com o mundo. Neste sentido, a arte é não apenas um dos modos do fazer humano, mas um limite exemplar de toda atividade criadora, “a marca humana do fazer” (SEABRA, 1988, p. 49). Ela traduz, portanto, a sobrevivência do dinamismo natural da existência, no plano 80

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dos signos, exibindo, desse modo, o vínculo de todo produto cultural em relação à própria vida. Por um lado, isto quer dizer que a arte, mediante seus jogos de significação, é capaz de condensar, num acontecimento exterior, certas cadências do movimento profundo que precede qualquer forma de expressão, tornando visíveis algumas das forças que impulsionam o próprio existir. Mas tal prolongamento simbólico da natureza naturante realiza, por si só, na diversidade das expressões possíveis, a reunião do homem e da natureza, não “apesar” da cultura e sim através dela (Ibid., p. 47). Por outro lado, por estar enraizada no mundo através do corpo, pela via estética – a via da carne –, a arte realiza uma forma de comunicação fundamental, que tem como condição de possibilidade justamente a familiaridade que permite a cada um de nós reconhecer, no gesto realizado por alguém, uma possibilidade do nosso próprio corpo. O que significa que a arte nos fornece o modelo da experiência do outro, a partir de sua própria atividade e, em particular, através da autoprodução daquele que produz de uma determinada obra (Ibid., p. 52). A palavra “formatividade” procura exatamente registrar o sentido prático (e não apenas tecnológico ou mesmo técnico) desse fazer estético, que se encontra tanto na atividade artística quanto na própria recepção estética. Evidentemente, a arte, enquanto atividade, não pode deixar de compreender um “momento técnico”. Como assinala Alfredo Bosi, a arte é, entre Pequena estética da comunicação

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outras coisas, construção, ou seja, é “um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura” (BOSI, 1985, p. 13). Mas ele próprio associa o pensamento artístico ao “pensamento selvagem”, defendendo a concepção da arte como “jogo e recombinação dos dados perceptivos” (Ibid., p. 13) e reconhecendo, na linha de pensamento de Max Bense, que, na sua dimensão própria, a arte “traz em si uma co-realidade, pelo seu modo específico de ser, que remete a operações ordenadoras de signos”, que são, por sua vez, estímulos sensíveis (Ibid., p. 17). Há, portanto, em toda essa discussão sobre a atividade artística, uma tensão entre a tendência a privilegiar o tratamento da matéria-prima, num sentido físico, e a tendência a considerar a obra de arte enquanto tal, apesar da natureza material do seu processo de realização, como algo que tem, antes de tudo, uma dimensão significativa. O próprio Bosi reconhece isto, dizendo – de um modo talvez excessivamente hegeliano – que a arte, além de construção, é também “conhecimento” (preferiríamos dizer, à maneira kantiana, que ela implica uma “cognitividade”, a princípio, independente de cognição). Retomando o velho tema da arte como mimesis, ele mostra como, aos poucos, o juízo negativo sobre a falsidade e o teor imaginário da obra de arte, que se encontra já em Platão, vai mudando de sinal, a ponto de se tornar critério de valor para uma atividade que se apresenta, cada vez 82

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mais, como uma prática análoga à fantasia (Ibid., p. 28-30). A solução de compromisso entre essas duas tendências aparece, de início, através do reconhecimento do princípio formal básico da “imaginação construtiva”, pelo qual, segundo Coleridge, o trabalho do artista se desenvolve, ao mesmo tempo, “no plano do conhecimento do mundo” (ainda a mimesis) e “no plano da construção original de um outro mundo (a obra)” (Ibid., p. 36). Mas só um conceito dinâmico de expressão será realmente capaz de ultrapassar esta polarização, apontando a mútua relação entre força e forma que opera na plasmação estética e revela o nexo “entre uma fonte de energia e um signo que a veicula ou a encerra” (Ibid., p. 50). A elaboração de uma concepção dinâmica da expressão encontra uma grande barreira na acepção que esse termo assumiu na tradição romântica e idealista e, na primeira metade do século XX, especialmente no pensamento estético influenciado por Benedetto Croce. Neste, como assinala Umberto Eco, o conceito de expressão corresponde a uma idéia da arte como “visão que se manifesta”, à qual se faria necessário opor “um conceito de arte como forma, em que o termo forma significa organismo, fisicidade formada, dotada de vida autônoma, harmonicamente dimensionada e regida por leis próprias (…)” (ECO, s/d, p. 14). Daí porque Eco considere necessário opor ao conceito de expressão a noção de produção, compreendida esteticamente como “ação formante”, apesar de Pequena estética da comunicação

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acrescentar, em seguida: “são formas produzidas pela ação humana os edifícios teoréticos ou as instituições civis, as realizações cotidianas ou os empreendimentos técnicos, um quadro e uma poesia” (Ibid., p. 15). Curiosamente, o próprio Luigi Pareyson (cuja “teoria della formatività” serviu de ponto de partida para as principais discussões desse tema), ao afirmar que “na arte formar significa formar uma matéria”, não deixa de ressaltar o fato de que “a matéria é, necessariamente, matéria física (…)” (PAREYSON, 1988, p. 41-55), embora atribua o caráter de ação formante a toda atividade artística, no sentido de uma plasmação radical que implica fazer, inventando, ao mesmo tempo, o “modo de fazer”,. Do ponto de vista das formas tradicionais da expressão artística (dança, música, poesia, pintura, escultura e arquitetura), as vantagens dessa concepção são evidentes, uma vez que ela permite assinalar, como constituinte da atividade artística, toda a série de procedimentos de pesquisa, ensaio e improvisação que caracteriza a interrogação paciente da matéria, que está na base dessas formas de arte. Ela permite também formular uma concepção dinâmica da recepção e da interpretação das obras de arte, como “consideração ativa que refaz o processo que deu vida à forma”, indo da forma formada à forma formante. Além disso, ela possibilita a compreensão do estilo de um autor como o modo de formar que remete à autoformação do artista através do movimento de sua obra (ECO, s/d, p. 17, 20, 80). 84

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Contudo, se esse esforço de compreensão visa a superar a normatividade e o apriorismo das estéticas tradicionais, ele não pode se resumir a um reconhecimento de que “a obra é o conjunto das relações interpretativas que suscita”, devendo sublinhar exatamente “a conexão estreitíssima, na obra, de gêneses, propriedades formais e reações possíveis do fruidor (…)” (Ibid., p. 32). Desse modo, se levarmos efetivamente a sério a noção pareysoniana de forma, como “definitude que encerra uma infinidade”, seremos obrigados a nuançar nossa compreensão do caráter físico da matéria artística, reconhecendo, na “teoria da formatividade”, a demanda de uma concepção formativa da própria sensibilidade. A essa demanda poderíamos responder, como o faz o próprio Pareyson, postulando um “Figurador metafísico”, que seria capaz de dar conta da necessidade de uma “formatividade cósmica cujo processo incessante se apresenta como fundamento e possibilidade da formatividade artística e da percepção e interpretação das formas” (Ibid., p. 26-27). Mas acreditamos ser possível encontrar uma outra resposta, a partir de uma fenomenologia da significação e das práticas simbólicas, que nos revele os vínculos estruturais entre a experiência da expressão e a própria percepção, compreendida como uma primeira forma de expressão da condição perspectiva da existência, experimentada por um sujeito corporal que apreende o mundo pelo movimento.

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Uma hermenêutica da sensibilidade Num de seus cursos no Collège de France, ainda no início da década de 50, Maurice Marleau-Ponty apontava, no pensamento filosófico da época, uma situação paradoxal com relação ao sentido da sensibilidade na vida humana: ao mesmo tempo em que se reconhecia a importância e a peculiaridade dos mecanismos sensíveis para a dinâmica existencial, desqualificava-se tais mecanismos, quando se tratava de analisar os aspectos cognitivos ou a dimensão cultural da experiência dos homens (MERLEAU-PONTY, 1968, p. 11). Por um lado, assinala ele, somos obrigados a admitir que o ideal de adequação que caracteriza as teorias da representação é profundamente abalado, quando se descobre que o sentido de uma coisa percebida é algo de natureza perspectiva, depende de sua situação num horizonte de relações e se configura como a experiência de uma singularidade no campo da experiência. Por outro lado, a própria compreensão do mundo percebido como uma instituição sensível sugere que “a expressão propriamente dita, tal como a obtém a linguagem, retoma e amplia uma outra expressão que se revela à ‘arqueologia’ do mundo percebido” (Ibid., p. 12-13). De qualquer modo, somos levados a este “lugar” que é o foco de uma série de práticas que caracterizam nosso modo peculiar de habitar o mundo: o nosso corpo próprio – “o registro onde nós estamos inscritos e continuamos a nos inscrever” (Ibid., p. 16). Este corpo – que não é uma “coisa”, mas um meio de comunica86

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ção com o tempo e o espaço (Id., 1971, p. 191-192), o foco de um campo de relações que constituem os órgãos dos sentidos em “órgãos de experiência” (Id., 1971a, p. 137) – é, para Marleau-Ponty, “o portador de um número indefinido de sistemas simbólicos cujo desenvolvimento intrínseco excede certamente a significação dos gestos ‘naturais’, mas que se desmoronam se o corpo deixa de pô-los à prova e instalá-los no mundo e na nossa vida” (Id., 1968, p. 18). Enquanto reunião do mundo sensível e da expressão, este corpo próprio – para onde convergem as experiências de ordem perceptiva, linguística e histórica – experimenta a simples existência material como uma forma de “intimidade prática com o espaço” (Ibid., p. 16), o que significa em última instância que, do ponto de vista existencial, a compreensão do mundo repousa na potência expressiva que já se observa no esquema corporal do mais banal dos gestos – o que autoriza Merleau-Ponty a afirmar: “Da mais simples percepção de movimento à experiência da pintura é sempre o mesmo paradoxo de uma força legível numa forma, de um vestígio ou de uma assinatura do tempo no espaço” (Ibid., p. 20). Ora, o filósofo já havia mostrado que “a percepção é um paradoxo, e a coisa percebida é em si mesma paradoxal”; e, à medida que a experiência de cada um se liga à dos outros, mostrou também que a percepção é “o fenômeno paradoxal que nos torna acessível o ser” (Id., 1990, p. 48-49). Mas o que nos diz agora – numa formulação curiosamente nietzschiana – é que a exPequena estética da comunicação

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pressão obedece a um pathos, o que implica que a interpretação é uma potência configuradora, que se exerce a partir de uma perspectiva, que está situada num campo de forças e se traduz, no plano humano, no movimento, na linguagem e na arte. Este parece ser, para ele, o sentido da própria experiência hermenêutica, já que o pensar mesmo é concebido como uma experiência na qual o pensamento se dá a nós próprios na linguagem (Id., 1971, p. 188) e a fala se revela como outra gesticulação, que “contém seu sentido como o simples gesto contém o seu” (p. 194). À medida que “toda consciência é consciência perceptiva, mesmo a consciência de nós mesmos” (Id., 1990, p. 42,), isto equivaleria a afirmar que a produção do sentido, na experiência expressiva, dependeria de um “sentido da instituição”, desenvolvido na experiência interpretativa, e que toda compreensão seria uma experiência estética – pois se dá no campo da aísthesis –, e deveria ser submetida a uma hermenêutica que considerasse a expressão como atualização de uma potência de comunicação e comunicação de uma potência plasmadora. Nas suas palavras: É necessário, pois, reconhecer como fato último esta força aberta e indefinida de significar – quer dizer, ao mesmo tempo apreender e comunicar um sentido –, pelo qual o homem se transcende em direção a um comportamento novo ou em direção ao outro ou em direção a seu próprio pensamento através de seu corpo e de sua palavra (Id., 1971, p. 204).

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A experiência contemporânea da comunicação amplia o reconhecimento desta indefinida capacidade de significar, exibindo radicalmente a dimensão plástica do sentido, segundo as formas características de cada meio de expressão. Enquanto meio da plasmação do sentido, a comunicação revela-se como compreensão operante, pela qual se institui o sentido e se reitera o seu modo de instituição. Dessa forma, extrapolando o restrito círculo do convívio vicinal e livrando-se da cadeia de determinações em que já esteve confinada, a experiência da comunicação revela, enfim, o seu sentido originário de mergulho radical na condição existencial da convivência: a coexistência. Pacífica ou não... Mas esta é uma outra estória!

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SEGUNDA PARTE: Gosto e formatividade na arte e na comunicação



5. A arte e a dimensão estética da experiência Arte e artisticidade No mundo contemporâneo, a palavra “arte” tornou-se extremamente ambígua. Na maioria da vezes, somos tentados a associá-la a coisas do passado, preservadas pelo zelo anacrônico de colecionadores e museus e revivida apenas no culto nostálgico de uma pequena elite. Noutras ocasiões, somos obrigados a reconhecer o valor “artístico” de certos produtos e desempenhos, mas é sempre de modo figurado e entre aspas que nos referimos ao futebol, à culinária, à computação gráfica ou à publicidade como “arte”. Tal hesitação sugere, por um lado, a possibilidade de um critério estético que amplia implicitamente a gama das atividades consideradas, para além do estreito círculo das chamadas “belas artes”. Por outro lado, podemos perceber aí um questionamento espontâneo daquela dicotomia que opõe, de maneira radical, experiência estética e experiência ordinária. Tradicionalmente, a arte foi associada à destreza, a uma certa excelência no fazer, o que levou alguns historiadores a relacionarem a primeira noção do “belo” com o critério derivado do “tecnicamente mais bem feito” (ANDRADE, 1967, p. 11). Tal constatação reforça a ideia de que a arte, além de um modo de conhecimento e de expressão é também um modo de construção, um fazer. Pequena estética da comunicação

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Em suas Reflexões sobre a arte, Alfredo Bosi (1985, p. 13) chama atenção para o diálogo com a matéria, pelo qual o artista interpreta a resistência de uma substância inerte como as condições iniciais que sugerem, ordenam e possibilitam sua ação formativa. Sem esse diálogo primeiro, essa interrogação paciente da matéria, o artista ver-se-ia condenado a um delírio extremamente frustrado, incapaz de tomar corpo e assumir uma forma passível de ser partilhada com os outros. É o que acentua igualmente Umberto Eco, em seu comentário acerca da “teoria da formatividade” de Luigi Pareyson: (...) o artista, formando, inventa efetivamente leis e ritmos totalmente novos, mas esta novidade não surge do nada, surge como uma livre resolução de um conjunto de sugestões que a tradição cultural e o mundo físico propuseram ao artista sob a forma inicial de resistência e possibilidade codificada (ECO, 1986, p. 18).

Certamente, esse fazer característico da arte não se reduz a uma operosidade genérica, uma vez que está intimamente associado à criação, isto é, a um fazer que inventa igualmente o modo de fazer, de maneira que se pode dizer que “a atividade artística consiste propriamente no ‘formar’, isto é, exatamente num executar, produzir e realizar que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar, descobrir” (PAREYSON, 1989, p. 32). Mas esta necessidade de 94

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reconhecer e apontar a autonomia e a especificidade da arte não nos deve cegar para o fato de que há uma artisticidade intrínseca em todas as operações humanas. Sobre este ponto, aliás, o próprio Pareyson observa que “Sem ‘formatividade’, nenhuma atividade é bem-sucedida no seu intento. Em toda a obra humana está presente um lado inventivo e inovador como primeira condição de toda realização” (Ibid., p. 36). Em suma, a arte propriamente dita pode ser definida como formatividade pura, dissociada de qualquer finalidade exterior, como atividade que não busca outra justificativa além do êxito de sua realização, mas é preciso acrescentar: Entre a arte assim especificada e a arte que se estende a toda atividade do homem não há um abismo qualitativo ou uma solução de continuidade: há, antes, uma passagem gradual que, dos primeiros esboços oferecidos por aquele tanto de inventividade que é exigido pela atividade regulada e uniforme, alcança as mais altas e desinteressadas realizações da arte. A arte verdadeira e propriamente dita, não teria mais lugar se toda a operosidade humana não tivesse já um caráter ‘artístico’, que ela prolonga, aprimora e exalta (Ibid., p. 37/38).

Dessa forma, a artisticidade seria o elo que aproximaria as civilizações “de alto sentido artístico”, como a grega e a renascentista, de períodos caracPequena estética da comunicação

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terizados pela intensificação e pela multiplicação de práticas expressivas, como a nossa época. No primeiro caso, ela se traduz na associação entre valor artístico e o valor específico de cada atividade; no segundo, através da renovação do gosto, que não ocorre apenas na arte propriamente dita, mas “nos mais diversos âmbitos da vida, da decoração à arte gráfica e do desenho industrial às artes de massa” (Ibid., p. 36). A obra de arte como estrutura dinâmica Na verdade, por trás dessa artisticidade das atividades humanas encontramos algo ainda mais básico: o jogo como fonte de sentido. Não apenas o jogo com os objetos materiais, mas o jogo simbólico, o jogo dialógico e todas as práticas da cultura. A arte aparece, então, como jogo criativo que atualiza a condição existencial de abertura a possibilidades. Com sua capacidade de plasmar âmbitos de significação, a arte fornece ao homem o modelo de seu meio ambiente autêntico, constituído, não por coisas, mas por campos da possibilidade. O jogo estético mostra-se, então, como protótipo de interação criadora que caracteriza os acontecimentos que constituem a nossa experiência acumulada (QUINTÁS, 1992, p. 42). Mas, se “o jogo é gerador de sentido” é porque ele, longe de ser apenas um movimento contínuo, conhece ciclos e obedece a condições recorren96

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tes, as quais impõem regras mais ou menos estritas. Numa palavra, o jogo configura uma estrutura dinâmica. E esta estrutura, presente já na mais ingênua brincadeira infantil, é o que aparece nitidamente na arte: “múltiplos arranjos dos mesmos elementos, composições simétricas, irrupção do acaso no interior de uma ordem prefixada, espaço e tempo imaginários e, portanto, suspensão do espaço e do tempo ‘reais’, lógica imanente ao processo expressivo, fusão de brincadeira e seriedade, paixão...” (HUIZINGA, apud BOSI, 1985, p. 13). Essa dimensão estrutural universal não é, portanto, de natureza formal ou conceitual. Ela está sempre duplamente dinamizada. Por um lado, pela ação formante, que, atendendo aos apelos da matéria, estabelece, combina e redefine os elementos figurativos. Por outro, pelo diálogo com a tradição histórica desse fazer, que sempre ultrapassa a delimitação local e individual. Essa duplicidade de uma condição simultaneamente estrutural e dinâmica, coletiva e individual, que explica a capacidade peculiar do jogo estético para veicular e promover uma abertura de sentido e lhe confere o caráter existencial de transcendência, traduz-se na dialética entre o desenvolvimento da estruturação artística e a fixação cultural dos padrões estéticos que informam a fruição. A unidade desses dois aspectos realiza-se claramente no estilo, concebido como “modo de formar” que também se forma, através da própria obra, como fruto siPequena estética da comunicação

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multâneo da sua artesania e de seu diálogo com a tradição. Como lembra Alfredo Bosi: O conhecimento cada vez mais extenso e profundo das artes pré-colombianas, africanas e da cultura popular de todo o mundo prova à saciedade que as leis de perspectiva e simetria, assim como as regras de harmonia tonal, são apenas casos particulares, historicamente situados, de tendências estéticas universais que talvez se pudessem batizar com o nome de estruturais. Na realidade, formaram-se na vida simbólica de todos os povos certos padrões estilísticos resistentes durante séculos, e que receberam da sua regularidade interna e do seu enraizamento comunitário uma força de reprodução extraordinária (BOSI, 1985, p. 18).

É o que assinala também Quintás: Os estilos não surgem de uma simples vontade estética de plasmação de formas. São o resultado da confluência de diversos elementos - estéticos, éticos, religiosos, econômicos, políticos e sociais - que dão lugar a uma determinada concepção da existência e a uma atitude vital correlativa (1992, p. 156).

Por outro lado, é possível atribuir a esse movimento de confluência um papel ainda mais profundo; o de ser o critério por excelência da arte, enquanto 98

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“unidade na diversidade”. Como atividade formadora de âmbitos de significação, fundada num ato complexo de expressão, a arte cria produtos dotados de uma articulação estrutural que os capacita a estabelecer vínculos com outras realidades expressivas. Esta parece ser, aliás, a vocação maior de todo o investimento estético: obter um sentido de unidade que não se reduza à mera unicidade de motivos ou à homogeneidade de materiais ou técnicas, mas que alcance o nível de uma verdadeira “unidade expressiva” - “Obra de coerência formal obtida mediante a interação de momentos diversos entre si” (BOSI, 1985, p. 60). Mesmo no plano estritamente material, reconhecemos aquele imperativo atuando através do movimento que recorre a elementos físicos, para fazê-los ultrapassar sua suposta objetividade, em direção a uma condição relacional e contrastiva que redefine e revaloriza cada elemento a partir do todo. E no sentido mais pleno, enquanto plasmadora de âmbitos e instituidora de campos de possibilidades, cada obra de arte autêntica opera como uma verdadeira origem, uma vez que produz o salto “para uma realidade que existe como fruto da confluência de diversas realidades e acontecimentos” (QUINTÁS, 1992, p. 153). Sentido estético e unidade plástica Essa capacidade integradora da arte retoma e atualiza a própria condição existencial de um ser situado, Pequena estética da comunicação

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que não conhece o mundo como uma coleção de objetos diante de si, mas como horizonte originário do sentido que se materializa em cada experiência vivida. Como assinala Kuperman: Horizonte externo significa uma abertura e uma infinitude de objetos co-implicados nos objetos percebidos. Os horizontes dos diversos objetos por sua vez se implicam e se fundam mutuamente e em última instância remetem a um horizonte total. Este horizonte total é chamado mundo. Em toda experiência de algo singular co-implicamos necessariamente o mundo (1973, p. 45).

Plasmando âmbitos de uma realidade singular, instaurando mundos possíveis, a obra de arte desdobra e amplia aquela unidade originária do existir, aquela contínua intimidade com o múltiplo, que caracteriza a experiência de estar vivo. Uma obra que é produto de um ato instaurador humano apresenta as características do real: unidade interna, efetividade, expressividade, comunicabilidade, interferibilidade, luminosidade... Este modo de existência não meramente fáctica, opaca, mas alumiadora de um mundo de sentido e de sentimento é o que a ação instauradora do artista persegue (QUINTÁS, 1992, p. 148).

O critério da unidade estabelece, enfim, a ponte entre a surpresa provocada pelo belo e a familiaridade com que a arte, acolhendo-nos em seu mundo, imita 100

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o modo como o real nos acolhe, em conjunto com um “mundo”. Ele alude, assim, ao modo como, na experiência estética, se realiza a fusão, o encontro, entre sujeito fruidor e objeto de fruição, pois “o caráter estético de um ato ou de uma coisa é sua função de totalidade, sua existência, ao mesmo tempo, subjetiva e objetiva” (SIMONDON, apud DUFRENNE, 1981, p. 240). No mesmo sentido, Mikel Dufrenne assinala que “se o homem, na experiência estética, não realiza necessariamente sua vocação, ao menos manifesta melhor sua condição: essa experiência revela sua relação mais profunda e mais estreita com o mundo” (DUFRENNE, 1981, p. 25). Essa assimilação da noção de beleza ao sentido de unidade é, aliás, o tema recorrente, por trás das reflexões que constituíram o pensamento estético ocidental. Numa visão de sobrevôo, abarcando a história estética, poderemos confirmar tal afirmação (cf. BEARDSLEY E HOSPERS bem como BAYER). Em Platão, a destreza (techné), enquanto habilidade em geral produtora de objetos ou imagens, associa a arte à imitação (mimesis) e a beleza à medida ou à proporção, no sentido geral e moral de “adequação ou conveniência à função”. Para Aristóteles, o prazer da beleza está associado à perfeição e à unidade orgânica que se materializa na dimensão e na disposição ordenada das partes (e, no caso da representação dramática, no critério universal da necessidade, traduzida pela sensação de inevitabilidade do desenvolvimento do argumento). A experiência estética enquanto tal se Pequena estética da comunicação

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realiza na purgação catártica das emoções e no aprendizado racional que reconduz a imitação artística ao campo do “pensamento”, que constitui as três dimensões da experiência: conhecimento (theoria), ação (praxis) e realização (poiesis). Para os filósofos clássicos posteriores, essa correspondência se traduz na relação entre a virtude de uma vida ordenada (e vivida com decoro) e a harmonia na disposição das partes do objeto estético (o estoicismo de Zenão, Crisipo, Diógenes...) ou na “unidade da forma e do conteúdo” (o epicurismo de Filodemo) ou no gozo provocado pelo reconhecimento da afinidade que há entre a alma do contemplador e o objeto contemplado, enquanto participantes da “forma ideal”, em sua divindade (o neoplatonismo de Plotino). Na Idade Média, a beleza é normativa e se traduz ora em critérios derivados de um conceito de ordem ideal, alcançada por iluminação (Santo Agostinho e suas noções-chaves de unidade, número, igualdade, proporção), ora em uma espécie de conhecimento do bem através da percepção, cujas condições são: integridade ou perfeição; proporção ou harmonia (consonância) e luminosidade ou claridade. No Renascimento, a busca da destreza clássica da imitação se traduz no interesse pela fidelidade da representação e nos detalhados estudos de proporção e perspectiva, enquanto no racionalismo ilustrado, a arte é vista como “conhecimento sensível” (Baumgarten) que é capaz de imitar a natureza e seguir as normas da razão (segundo os critérios cartesianos do 102

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universal, do normativo, do essencial, do característico e do ideal). No empirismo ilustrado, aquela correspondência se traduz na satisfação imaginária provocada pela beleza, enquanto “ordem e disposição das partes” (Hume), que introduz a problemática do gosto. Ou através de uma “faculdade estética” (o olho interno, associado ao sentido moral, em Shaftsbury), capaz de discernir as três qualidades que originariam ‘os prazeres da imaginação’: grandeza (sublimidade), singularidade (novidade) e beleza (Joseph Addison), ou através dos sentimentos evocados por qualidades perceptivas que produzem efeitos fisiológicos equivalentes aos naturais (amor sem desejo, na beleza e assombro sem perigo real, no caso da sublimidade – Burke). No âmbito do idealismo alemão, Kant fala da harmonia das faculdades (entendimento e imaginação) que realizaria a relação entre os mundos da natureza e da liberdade, num sentido teológico-moral que se radicaliza na ideia (espiritual) do sublime como “o que agrada imediatamente pela resistência ao interesse dos sentidos”. Em Schiller, o impulso de jogo, que responde à forma vivente da beleza do mundo, sintetiza os dois impulsos básicos do homem: o impulso formal e o impulso material. Schelling reúne, sob a “intuição artística” (ao mesmo tempo consciente e inconsciente), a deliberação (Kunst) e a inspiração (Poesie), numa harmonia entre liberdade e necessidade. Já para Hegel, a beleza é a encarnação da ideia nas formas materiais produzidas pela arte, Pequena estética da comunicação

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o que proporcionaria simultaneamente uma relação cognoscitiva da verdade e uma revigoração do observador, pelas quais o homem explicita para si mesmo o que ele é e pode ser. Os românticos, em geral, conceberam a arte essencialmente como expressão das emoções pessoais do artista, mas através de uma noção de imaginação que supera a razão e o entendimento e se apresenta como capacidade de captar imediatamente a verdade, estabelecem uma nova versão do enfoque cognoscitivo da arte. No limite, as concepções organicistas (Herder, Coleridge) definem a obra de arte como um todo orgânico, que reúne elementos vinculados por uma unidade profunda, que chegaria a ser concebida como um “símbolo”, ou seja, como a encarnação material de um significado espiritual (Goethe, Schlegel, Wordsworth), ainda que se possa conferir a este sentidos diferenciados, como em Schopenhauer - para quem a contemplação das ideias universais representadas artisticamente nos libertariam da vontade e do princípio de razão suficiente – e Nietzsche – para quem a arte, compreendida como uma conjunção entre os impulsos apolíneos e dionisíacos e expressando a superabundância da vontade de potência do artista, seria um “tônico” e um grande “sim” à vida. Essa relação com a vida assume um estatuto empírico e até mesmo experimental no projeto realista ou naturalista (no sentido de Zola), no qual a arte é considerada como uma manifestação da natureza humana e dos condicionamentos sociais ou, 104

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mais radicalmente, como “expressão da felicidade do homem em seu trabalho” e signo da fraternidade humana (Tolstoi). Nas teorias estéticas contemporâneas, finalmente, voltamos a encontrar o tema da unidade e da inserção no mundo sob diversos aspectos. Em teorias de inspiração metafísica, como a estética de Benedetto Croce, por exemplo, a expressão é associada a um conhecimento intuitivo e a arte concebida como passagem dos meros dados sensoriais a um nível de autoclarificação das impressões. No amplo espectro do pragmatismo de origem norte-americana, a estética assume um sentido contextualista no qual se acentua a continuidade entre a arte e o resto da vida e da cultura. Com sua teoria da beleza como “prazer objetivado”, por exemplo, George Santayana deu uma significativa contribuição no sentido de relativizar a separação entre as belas artes e as artes “úteis”. Os estudos influenciados pela antropologia filosófica, pela psicanálise e pela teoria da Gestalt, por sua vez, acentuaram, com diversas nuances, a vinculação dos mais básicos processos simbólicos da arte e da literatura às práticas rituais, às imagens arquetípicas primordiais, aos mecanismos de sublimação inconsciente e às estruturas básicas da percepção. Experiência estética e experiência ordinária A abordagem da experiência estética em termos de unidade e correspondência permite, pois, Pequena estética da comunicação

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reconciliar os dois sentidos divergentes que a palavra “estética” assumiu, desde que passou a ser usada, no século XVIII, como teoria (ou “ciência”) do belo (a partir de Baumgarten) e como análise das condições de possibilidade da apreensão sensível (no sentido da “estética transcendental” de Kant). Esta reaproximação permite-nos reconhecer a congenialidade entre criação e fruição, reintroduzindo a problemática do gosto no fluxo da experiência. Enquanto estruturação, o fazer artístico “conforma, configura os diversos elementos, e o bem conformado se torna ‘formosus’, formoso” (QUINTÁS, 1993, p. 168). Mas, por seu dinamismo, ele faz com que o reconhecimento de suas categorias próprias - harmonia, simetria, repetição, etc. - só se revelem no jogo da recepção (Ibid., p. 183). Esse jogo revela-se também como a transição entre uma fruição compreensiva e uma compreensão fruidora, uma vez que a experiência estética - como assinala Jauss - “se realiza ao adotar uma atitude ante seu efeito estético, ao compreendê-lo com prazer e ao desfrutá-lo compreendendo-o” (JAUSS, 1986, p. 13). A beleza pode muito bem ser definida como ‘splendor ordinis’, ‘splendor formae’, ‘splendor realitatis’, o esplendor que desprende toda realidade bem configurada. (...) Configurar algo é fazer com que as partes que o integram façam jogo mútuo entre si.

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Este jogo é a fonte última de beleza (QUINTÁS, 1992, p. 184).

Essa condição de configuração e integração que funciona como emblema da integridade de uma obra de arte, é, ao mesmo tempo, o testemunho de sua realização consumada e seu critério de excelência. É ela que permite a correspondência entre criação e fruição e possibilita o acordo entre o artista e seu público, no âmbito da experiência estética. Para ambos, a obra se impõe, necessariamente, pela autoridade de sua evidência. A única diferença entre o criador e o espectador é que o primeiro pensa em termos de regras e operações, de modo que a necessidade é precisamente uma necessidade técnica; e o segundo pensa em termos de efeitos, de modo que a necessidade é, imediatamente, a de um sentido (DUFRENNE, 1981, p. 91).

Esse caráter necessário (não-contingente) da obra representa, para o artista, a garantia de ter contornado os apelos diluidores e acessórios de todo elemento ou procedimento supérfluo, para alcançar o essencial. Para o fruidor, esta necessidade com que a obra se impõe é o signo de seu êxito, reconhecido como beleza e traduzido no prazer em experimentar a sua plenitude. Mas esses dois juízos não se processam racionalmente. É através do veredicto da sensibilidade que o criador pode julgar a obra acabada e o fruidor Pequena estética da comunicação

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pode considerá-la bela. Como aponta Dufrenne, O primeiro sentido do objeto estético [isto é, artístico], e que é comum ao objeto musical e ao objeto literário ou pictórico, não é um sentido que apela para o discurso e que exercita a inteligência como o objeto ideal que é o sentido de um algoritmo lógico. É um sentido totalmente imanente ao sensível que, portanto, deve ser experimentado no nível da sensibilidade e que, contudo, cumpre bem a função do sentido, a saber: unificar e esclarecer (Ibid., p.92).

Esta formulação é fundamental justamente porque nos permite relativizar o papel do controle racional e do propósito consciente na consumação da obra, bem como levanta uma séria objeção àquelas teorias que estabelecem uma distinção muito nítida entre os aspectos poéticos e estéticos de uma obra de arte, separando criação e recepção. Na medida em que desenvolve um processo cumulativo, o criador é obrigado a incorporar continuamente em seu fazer o efeito que sobre ele produz o que já está feito. Esta capacidade de vincular cada conexão particular (entre sofrer uma impressão e agir de modo a provocar um efeito) ao resultado que pretende produzir é o seu exercício singular de pensamento pelo qual a obra se realiza. E isto nos conduz ao ponto decisivo: a constatação de que toda obra de arte segue o plano e o padrão de uma experiência completa, que não apenas acu108

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mula acontecimentos e desempenhos ocasionais, mas que os vê convergirem para aquela unidade que lhe confere seu nome e sinaliza a sua conclusão, que não é algo separado e independente, mas a consumação de um longo movimento. Há, portanto, padrões comuns a várias experiências, não importa quão diversas sejam uma da outra nos pormenores de seu tema. Há condições a serem preenchidas sem as quais uma experiência não pode vir a ser. O esquema do padrão comum é dado pelo fato de que toda experiência é o resultado da interação entre uma criatura viva e algum aspecto do mundo no qual ela vive. (...) O processo continua até que emerja uma adaptação mútua do eu e do objeto, e então tal experiência específica alcança um término. (...) Mas a interação de ambos constitui a experiência total que é tida, e o término que a completa é a instituição de um sentimento de harmonia (DEWEY, 1974, p. 253/254).

Portanto, se rejeitamos, uma concepção excessivamente intelectual da experiência, podemos admitir que nenhuma acontecimento alcançará a unidade pelo qual se constitui, sem que apresente uma qualidade estética. Para Dewey, “à medida que o desenvolvimento de uma experiência é controlado pela referência a essas relações imediatamente sentidas de ordem e de preenchimento, tal experiência torna-se predominantemente estética em sua natureza” (Ibid., p. 258). Contrariando, pois, uma concepção convencional Pequena estética da comunicação

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que só reconhece a experiência estética como um tipo particular no campo geral da experiência humana, reafirmamos que a experiência estética é o limite para o qual tende toda experiência e sem o qual ela não seria capaz de fazer sentido. Para Dewey, “o estético não é um intruso na experiência, (...) ele é o desenvolvimento clarificado e intensificado de traços que pertencem a toda experiência normalmente completa” (Ibid., p. 255).

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6. Os limites do jogo poético A formatividade do processo artístico Do ponto de vista de sua produção, a tradição ocidental concebeu a arte, sucessivamente, como construção, como conhecimento e como expressão. A discussão estética do século XX tende a aproximar esses três modos de compreensão do processo artístico, e a teoria desenvolvida por Luigi Pareyson chega a aproximar esses três sentidos, através do conceito de formatividade, pelo qual a artisticidade de uma obra remeteria, antes de tudo, à formação do modo de formar segundo o qual ela foi produzida. De maneira sucinta, pode-se dizer que, no mundo arcaico, a techné estava associada à habilidade no fazer, a um certo desempenho e, portanto, era vista segundo o prisma da atividade produtiva envolvida em sua construção. No horizonte clássico (helênico ou renascentista), ela passa a ser vista predominantemente como mimesis, como imitação ou cópia, como representação de uma realidade anterior e exterior à própria obra, estando, portanto, associada a uma forma de conhecimento. E, desde o Romantismo, ela é vista como expressão de uma subjetividade, como uma forma de manifestação que estaria tonalizada basicamente pelos afetos, pela dimensão emocional da condição humana. Na atualidade, reconhece-se que as práticas criativas da cultura parecem envolver Pequena estética da comunicação

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todos os aspectos assinalados, embora em um sentido distinto. Se a arte é construção, isso não significa que ela seja uma prática exclusivamente ativa, imune a toda passividade e inteiramente voltada à tarefa de dominar, de maneira meramente instrumental, uma natureza absolutamente inerte; porque, em qualquer produção, o agente sofre continuamente o efeito de sua atuação e a continuidade de sua própria ação depende de um feedback, através do qual o artista é afetado, como receptor, por sua própria atividade. Esta concepção da atividade mostra que o paradigma dualista é um meio precário para a compreensão de fenômenos complexos, como a experiência estética, pois submete a experiência a uma polarização que opõe sujeito e objeto como instâncias isoladas, eternamente condenadas à atividade e à inércia, à transcendência e à imanência, à transparência e à opacidade. Não se pode conceber o fazer como uma atividade meramente positiva, de simples acumulação de gestos, porque a ação só vem a ser configuradora, na medida em que é acolhida por uma condição virtual que já estava “atuando” muito antes dela. Toda ação é histórica e opera também como um tipo de interpelação. Quando eu me dirijo a alguém, por mais singular que seja o meu gesto ou o meu discurso para meu interlocutor imediato, eu suponho que ele partilhe comigo algo que precede esse encontro. No plano verbal, é toda a história da língua, sedimentada numa 112

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estrutura sintática e num léxico, que funciona, num determinado domínio cultural, como um padrão virtual, sem o qual as mensagens efetivas não podem circular. Sem essa dimensão presente, porém invisível, que é a gramática, a fala não seria possível; por isso, a ação de falar depende não só da iniciativa do falante, mas também da passividade com que ele se submete à gramática que está virtualmente presente e que, se lhe permite dizer o que quer, o obriga a dizê-lo de um modo determinado. Por outro lado, se associamos a arte ao conhecimento, é preciso livrar este conceito da cristalização a que foi submetido na moderna (e renascentista) ideia de “representação”. Os filósofos da Modernidade conceberam o conhecimento do mundo como a representação que o homem constrói da realidade exterior na sua consciência, e, do ponto de vista da imagem, a pintura do Renascimento foi talvez a arquetípica tradução formal dessa concepção, pelo cuidado com a representação figurativa e pelos recursos que a perspectiva inventou para projetar numa superfície plana a realidade tridimensional. O fato é que nós estamos tão acostumados com os truques derivados da perspectiva geométrica que até chegamos a acreditar que a própria visão obedece a suas leis, o que, de fato, não acontece, já que temos dois olhos, situados num corpo que se move, e a perspectiva é a invenção de um olhar monocular, fixo e descarnado. Nossa relação efetiva com o mundo é uma experiência da profundidade, enquanto a perspectiva é Pequena estética da comunicação

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uma operação em que as distâncias relativas são representadas, no plano, pela diferença de tamanho entre as figuras, causando a impressão de profundidade. Ou seja, a perspectiva é uma invenção técnica capaz de simular a profundidade do mundo exterior, numa representação plana. Tudo isso é muito conhecido, mas nós estamos tão familiarizados com a representação figurativa que resulta desse procedimento, que concebemos espontaneamente a nossa própria apreensão visual do mundo segundo os moldes dessa representação, acreditando que perceber o mundo é o mesmo que tê-lo representado numa imagem plana projetada na retina e decifrada em algum lugar do cérebro. Isso supõe uma vez mais aquela dicotomia que separa homem e mundo, para aproximá-los mediante essa ideia de uma representação do mundo pelo homem. Mas o mundo não está diante de mim, o mundo está em torno de mim, é uma realidade tridimensional que me inclui e, nesse sentido, se eu o represento bidimensionalmente, essa representação é uma redução da complexidade do universo circundante, para efeitos de apropriação e dominação. Numa análise etimológica da palavra “conhecimento”, revela-se um sentido que se mantém evidente na língua francesa, na qual a expressão connaissance sugere que o “conhecimento” seja algo como um co-nascimento, um nascimento simultâneo. Conhecer algo seria nascer para o que se conhece, na medida e no momento em que aquilo se revela para nós; seria um advento conjunto e recíproco de sujeito e objeto. 114

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Não haveria, assim, duas substâncias dadas e separadas, um sujeito e um objeto previamente constituídos, que se encontrariam e se corresponderiam, pela adequação entre a coisa e sua representação. Pensando dessa forma, podemos recuperar o sentido da arte como conhecimento, como advento de uma verdadeira relação entre sujeito e objeto ou como essa relação de advento recíproco, como co-nascimento, origem comum. E isso é válido, tanto para o espectador, que sai transformado pela experiência estética proporcionada pela obra, renascendo como sujeito, a partir desse encontro, quanto para o artista, que nasce para a obra, enquanto se capacita a executá-la, à medida mesmo que ela nasce como fruto do seu trabalho de elaboração. Da mesma forma, podemos livrar o conceito de expressão da conotação romântica, em que ele é visto como a manifestação, a exteriorização de uma subjetividade naturalmente privilegiada. Hoje, entendemos que o sujeito é indissociável de sua expressão, que se reconhece nela e através dela se constitui. Ninguém sabe exatamente o que vai dizer, quando inicia um diálogo, pois quase nunca sabe antecipadamente como vai dizer o que quer dizer, e só o descobre na medida em que fala. Ao mesmo tempo, esse discurso é modulado pelo contexto, pela relação entre os interlocutores, por seus interesses e intenções. A expressão não pode ser reduzida a uma simples manifestação da subjetividade de uma pessoa, pois efetua uma transição dinâmica entre as tendências profundas e as marcas Pequena estética da comunicação

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superficiais que constituem o sujeito concreto de um determinado modo. Mas falar dessas tendências “profundas” não nos remete necessariamente a uma obscura esfera de interioridade individual. Se a expressão pode ser vista como a tradução de uma força numa forma, essa força não remete apenas a uma capacidade individual, mas também à potência e às possibilidades de um determinado modo de ser, que é coletivo e que se compartilha nas disposições imaginárias que estão por trás das formas simbólicas da cultura. Desse ponto de vista, nossa “disposição de espírito” é simultaneamente herdada e exercitada por nós, enquanto sujeitos; é uma força que estabelece e reitera os quadros da nossa experiência: seus limites e possibilidades. Isso remete ao que os gregos chamavam de pathos e que está na origem de toda experiência, pois, quando experimentamos algo, nós o fazemos sempre de um determinado modo, e nossa recepção dos acontecimentos e das obras está submetida a padrões que resultam da ação de forças anônimas que nos arrebatam e nos colocam em uma certa disposição prévia. Assim, a própria expressão está ligada a um padecimento, não no sentido de sofrimento e infelicidade, mas no sentido de que a própria experiência é vivida segundo o modo como somos afetados originariamente pelas disposições atuantes em nossa comunidade, sedimentadas nas formas de ver, agir e dizer, vigentes em nossa cultura. Portanto, podemos reconfigurar nossa ideia de arte, entendendo que ela é construção, conhecimento 116

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e expressão (num sentido agora distinto do habitual) e que, sendo essas três coisas, ela pode ser vista, sinteticamente, como uma atividade formativa. Dizer, pois, com Pareyson, que a arte é formatividade, equivale a dizer que ela é invenção, ou seja, um tipo de ação que não apenas executa uma idealização prévia, mas que, ao produzir um objeto, cria, antes, o modo de produzi-lo, produzindo também o produtor, naquilo que lhe é mais próprio: o seu estilo. A artisticidade de toda arte estaria nessa atividade de segundo grau. E toda atividade em que se dá a produção do seu modo de produção mereceria o reconhecimento de uma qualidade artística, de uma artisticidade. Todavia, o reconhecimento dessa qualidade não significa a priori uma equivalência de valor: a qualidade dessa artisticidade está ligada à capacidade que a obra tenha de impor-se por si mesma, como forma que, segundo os termos de Pareyson, “realiza aquela especial adequação de si consigo que caracteriza o puro êxito”. Reconhecido como belo pelo fruidor, esse êxito é experimentado pelo criador como acabamento, perfeição, síntese e inclusão do processo de formação no se próprio resultado, pois, segundo Pareyson, “o processo artístico consiste precisamente no acabar, no levar a termo, no fazer amadurecer; em suma, no perficere”, ou seja, no processo que perfaz a criação. Mas o “êxito interno” de uma obra determinada está vinculado também aos êxitos de um gênero ou de um estilo e depende, portanto, de uma feliz Pequena estética da comunicação

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correspondência entre os enquadramentos formais estabelecidos pela norma poética adotada pelo criador – de maneira inconsciente ou programática – e os padrões genéricos a que o próprio criador, enquanto receptor, está submetido, segundo os hábitos cristalizados nos formatos vigentes. A condição de possibilidade desse êxito artístico (e também de sua eficácia) é, pois, o solo comum da experiência estética, que aproxima criador e fruidor, na medida em que ambos se deparam com a resistência que a matéria (ou a obra) opõe a sua ação (ou interpretação). Além disso, esses dois agentes têm muito mais em comum do que uma polarização superficial pode sugerir. Se o fruidor interpreta a obra acabada, o criador precisa igualmente “interpretar” a base física e cultural da qual se apropria como matéria-prima, antecipando e concretizando suas possibilidades formais. Do mesmo modo, se o criador é o primeiro espectador dos efeitos dos seus atos, o fruidor é convocado, por sua vez, a reagir aos estímulos que a obra lhe envia, “executando-a” para realizá-la. Do ponto de vista poético, essa resistência da matéria-prima faz a “criação” oscilar entre a liberdade e a obediência, a incerteza e a possibilidade, a inspiração e a obstinação, manifestando-se igualmente através da tensão entre o processo de trabalho e o seu resultado, naquilo que a Estética da Formatividade concebe como “a dialética entre a forma formada e a forma formante”: a correspondência dinâmica entre imagem imaginada e imagem figurada; a constituição recíproca 118

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de ato e efeito, descoberta e reconhecimento, desempenho e apreciação. A criação artística como diálogo Tudo o que dissemos até aqui mostra que, mesmo quando analisamos a experiência estética apenas do ponto de vista da produção artística, não podemos mais conceber a própria ação criativa como fruto exclusivo da atividade de um sujeito que seria sempre a fonte de toda a iniciativa. Se a criação é uma aposta singular, é igualmente uma resposta aos desafios materiais e aos apelos culturais e históricos. Baseando-se em Huizinga, Pareyson mostrou, com muita propriedade, o papel fundamental do elemento lúdico no investimento formativo. O processo de criação, enquanto tal, é visto como um jogo, o que significa dizer que ele é afetado pela incerteza das condutas, mas está igualmente submetido a uma certa ordem de convenções; e essa dialética entre regularidade e indeterminação é o que garante simultaneamente sua riqueza e sua solidez. Certamente, do ponto de vista dinâmico, o jogo é um palco para tensões que podem traduzir a simples diferença, o conflito ou a sedução, que, do ponto de vista expressivo, podem-se traduzir numa brincadeira solitária, numa disputa amistosa ou numa atraente provocação; mas, mesmo em sua condição de atividade estruturante, desenvolvida em função da aposta numa expectativa de desdobramentos futuros, todo jogo é um comportamento Pequena estética da comunicação

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estruturado a partir do que foi feito no passado. Desse modo, ao encarar a criação como jogo, estamos admitindo que as estratégias da invenção artística são indissociáveis da obediência a certos padrões de regularidade, representados por suas regras estilísticas. Mas o jogador não carrega essas regras consigo, como um estandarte, como um repertório de que tenha consciência o tempo todo; ele as apreende e as assimila em seus procedimentos, de modo que, quando produz uma obra, está empenhado apenas no objetivo estratégico de expressar algo através de seus “lances”, sem pensar nas regras, mas sem deixar de respeitá-las, porque elas foram adotadas por ele, como balizas para seu modo de atuação; e quanto mais experiente for, mais essas regras estarão incorporadas e mais espontâneo será o seu desempenho produtivo. Ao mesmo tempo, é possível alterar as próprias regras, a partir dos lances que o jogo propõe, de modo que, se nenhum jogador admite que as regras do jogo sejam mudadas durante uma partida, todos sabem que, com o tempo, as jogadas inovadoras transformam-se em procedimentos sistemáticos e recorrentes, e podem gerar novas regras, o que acontece também no jogo mais universal, que é o jogo da linguagem. Obedecemos o tempo todo à regularidade gramatical, somos submetidos às regras da sintaxe e, no entanto, ninguém pensa nas regras da gramática ao falar ou ao entregar-se à conversação. A nossa fluência advém do fato de que essas regras foram incorporadas por nós paulatinamente e nos entregamos à fala 120

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de um modo aparentemente livre de qualquer legislação. Num primeiro momento da aprendizagem e da socialização, o desrespeito às regras é punido como erro e inadequação, mas à medida que alguém se desvia de algumas regras, em função de uma efetiva necessidade de expressão, fazendo com que seu desvio seja partilhado por outros, seu “lance” pode passar a constituir também uma regra. Quando um poeta introduz um neologismo ou um modo de falar que é repetido e retomado por outros, ele introduz na língua, através de sua intervenção singular, algo que assume um papel estrutural, mas isto não depende apenas de uma decisão sua. Com isso, damo-nos conta da necessidade de relativizar a interpretação que trata a experiência artística apenas do ponto de vista da atividade de produção, dos procedimentos que um autor adota na concepção e execução de suas obras. Além de estar submetido a condições que não determina, o autor não é onisciente em relação a esses procedimentos e seus resultados. Ele não sabe exatamente o que vai fazer, ele só o descobre fazendo e depois de ter feito, depois que aprende a tratar as condições de trabalho como meio de expressão; e nisso ele se descobre também, liberando nuanças da sua personalidade que permaneceriam ocultas se não se manifestassem através da obra. Nesse sentido, é importante ressaltar que os procedimentos adotados por um autor, na realização de seu trabalho, estão associados a critérios e escolhas que ultrapassam a esfera idiossincrática da sua subjePequena estética da comunicação

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tividade. Concebendo a arte como jogo, percebemos a criatividade artística como uma força que resulta da tensão entre o padrão e o desvio. Todo processo simbólico, todo processo em que a configuração de signos ou elementos plásticos visa à construção de um sentido partilhado, só é possível através do permanente confronto e combinação entre o regime espontâneo de uma performance que assimila o acaso, a circunstância e o próprio “erro”, e os quadros sistemáticos, regrados e estruturais, que restauram continuamente a tensão entre diferença e repetição. Portanto, ao falar das formas de expressão cultural como “criação”, não devemos supor, apressadamente, que um desses dois aspectos do processo simbólico deva ser privilegiado. Ao contrário do que prega o discurso de vanguarda, o sentido não vem apenas da diferença, mas do rebatimento do desvio sobre os padrões de repetição. Cada lance no jogo entre o outro e o mesmo parte de uma condição prévia, que se atualiza uma vez mais frente a cada desvio. De maneira geral, as possibilidades de fazer valer e expandir nossa singularidade são limitadas e qualificadas pelos modos de visão, disposição e compreensão que herdamos de nossos pais e legaremos aos nossos filhos, graças justamente a nossa atuação desviante e, não obstante, recorrente. É fácil perceber que, se fizermos uma anamnese da nossa vida, da nossa experiência, nós poderemos retroceder a camadas cada vez mais primitivas de sentido, na nossa formação psicológica ou na formação cultural de 122

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nossa sociedade, mas jamais conseguiremos chegar a um instante originário. É característico da experiência simbólica o fato de que não exista o grau zero do sentido, ou, dito de outro modo, que não seja concebível um estado de experiência nula, pois, na medida em que somos acolhidos numa convivência coletiva, segundo padrões simbólicos prévios, antes mesmo que possamos desempenhar qualquer papel que nos proporcione uma experiência própria, já estaremos partilhando os formatos e os padrões da experiência vigentes em nossa cultura. Por essa razão, muitos autores insistem na tese de que a comunicação, antes de ser uma simples troca de informações, caracteriza-se pela participação numa comunidade de sentido, desde sempre imersa num fluxo de ideias e imagens sem autoria determinada. Caminhando na direção oposta e tendo em vista o desenvolvimento de nossas “faculdades superiores”, ainda seremos obrigados a admitir que, mesmo as nossas opções mais racionalmente fundadas, têm também um fundo obscuro que é exatamente o horizonte da nossa cultura, que nós não escolhemos, que nós não adotamos por meio de uma opção temática, como se tivéssemos possibilidade de eleger os nossos valores. Os valores são exatamente os padrões de julgamento que nós acionamos diante das coisas, mas que nunca aparecem para nós como coisas e nunca se apresentam diante de nós. Dessa forma, raramente temos em vista os valores que nos instruem em nossas opções, porque eles funcionam para nós como uma Pequena estética da comunicação

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ambiência simbólica e afetiva que possibilita as nossas escolhas, mas que não está entre as escolhas possíveis. Do mesmo modo, nós não podemos escolher e nem podemos nos desvencilhar completamente dos nossos preconceitos. Sobre esse ponto, aliás, talvez seja oportuno lembrar aqui a observação de Octávio Paz, para quem o grande preconceito da época moderna foi justamente o preconceito iluminista contra o preconceito, materializado na ideia de que a ciência se faz contra o senso comum. Esta ideia, que penetrou no próprio senso comum, vem sendo abandonada na prática científica de fronteira, para dar lugar à constatação de que não se pode fundar logicamente o discurso lógico e não se pode fundar racionalmente o discurso racional, pois, em última instância, eles dependem de certos padrões culturais e institucionais, de certos modos de experiência do mundo, que não podem ser reduzidos a um simples modelo intelectual. Jogo poético e enquadramento estético A utopia “vanguardista” lança o artista num estado paranóico, porque lhe impõe a obrigação de se afastar de si mesmo todo o tempo, para impedir a sedimentação de um “identidade” definitiva. Para escapar da cristalização, ele tem que se tornar um mutante obsessivo, um verdadeiro transformista, que deve continuamente produzir revoluções sintáticas no seu próprio discurso ou subverter as regras do seu próprio estilo. Ele vive num regime de insegurança premedi124

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tada, tentando alcançar a originalidade absoluta, buscando a novidade pela novidade, o efeito do choque, o efeito do escândalo. Foi isso, de certa maneira, que comprometeu a expressividade da arte de vanguarda: a busca desmesurada da originalidade, da novidade, do efeito de estranhamento. E, paradoxalmente, foi também isso que a aproximou de seu gêmeo antípoda – o kitsch –, pela busca de um efeito facilmente previsível, embora de natureza contrária. A arte e a comunicação, com as devidas proporções, são simultaneamente estranhamento e reconhecimento, porque não se pode experimentar o estranhamento enquanto tal, a não ser no abismo da angústia existencial. Numa atividade qualquer, é preciso estar referido a um padrão, para poder desviar-se dele. O sentido da palavra tradição é, na verdade, o de um movimento complexo, capaz de reproduzir um quadro de referências, assimilando as inovações mais diversas. A tradição não é o monolitismo de um conjunto de valores que se impõem pela força, de cima para baixo, de maneira unilateral. Ao contrário, ela é essa capacidade de pôr em movimento o jogo simbólico a partir de determinadas regras, constituindo um sistema capaz de assimilar os desvios sem comprometer sua estrutura. Neste sentido, o nosso tempo conquistou, digamos assim, uma serenidade hermenêutica, com relação ao passado recente. A tradição não mais nos ameaça, no sentido de ser uma imposição ou uma interdição; pelo contrário, ela nos motiva a permanecer Pequena estética da comunicação

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ativos dentro dos costumes estabelecidos e nos desafia a produzir essa singularidade e essa diferença que nós somos, sem termos necessariamente que romper (ou proclamar a ruptura) com os padrões vigentes. Por isso, ainda continua sendo mais desafiador e instigante, para o poeta, compor um bom soneto do que simplesmente adotar o verso livre e escrever um poema sem rima e sem métrica. É mais complexo e interessante responder com originalidade aos desafios de uma velha regra, do que instaurar ou adotar uma regra nova, sem grande alcance, apenas para contornar as dificuldades inerentes ao trabalho da expressão. De certo modo, uma parte muito grande da “arte moderna” está marcada por esse procedimento: o artista instaura uma sintaxe própria e, nela, impõe-se como mestre absoluto, já que, como seu inventor, tem maiores chances de se mover com agilidade, segundo uma gramática que, no entanto, só concerne a ele e ninguém mais reconhece como regra. É muito mais fácil fazer as coisas dessa forma e a criatividade, nesse caso, transforma-se apenas em um expediente ardiloso e egocêntrico. O velho desafio continua sendo o mesmo, para todo artista: ser expressivo a partir do formato, da estrutura e das formas dadas, até esgotá-las, e não se deixar levar precocemente por essa obsessão de produzir uma nova sintaxe a cada obra, como artifício para distinguir-se radicalmente dos seus contemporâneos e alimentar a presunção de pertencer ao mundo futuro. Com isso, evidentemente, não se está condenando a busca da originalidade, mas, sim, a presunçosa ilusão 126

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de se poder ser voluntariamente extemporâneo, sendo “absolutamente” original. Todo grande criador é obrigado, pelo simples desenvolvimento de sua busca expressiva, a ultrapassar os limites normativos de sua própria poética, mas ele faz isto espontaneamente, por um desdobramento necessário de seu percurso, acabando por assumir, em relação aos procedimentos ou recursos materiais empregados em sua atividade criadora, um papel inovador, sem precisar adotar explicitamente um programa ou uma pose de vanguarda. No que diz respeito a esse último aspecto, aliás, não se pode deixar de mencionar a verdadeira histeria provocada, em nossa época, pela adoção da tecnologia eletrônica e digital no processo artístico. Há artistas e teóricos que supõem que esta tecnologia introduziu padrões tão distintos na operatividade humana, que estabeleceu a possibilidade de configurações absolutamente originais, situados totalmente além de todas as expectativas. Em função disso, temos testemunhado, não só na mídia, mas também na esfera da cultura artística e mesmo acadêmica, uma verdadeira mistificação das questões postas pela atualidade, um certo deslumbramento e até mesmo uma “nova” fetichização da tecnologia. Do ponto de vista da experiência estética, o procedimento construtivo enquanto tal é o que menos importa, se não se tem em mente os resultados, os efeitos e o grau de vigência de uma determinada obra. A tecnologia digital, como qualquer tecnologia, traz diferentes instrumentos, que permitirão produPequena estética da comunicação

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zir obras cujo resultado, no entanto, precisa ainda ser fruído por alguém. Nesse sentido, é completamente ingênua a dicotomia entre átomos e bits, essa ideia de que tínhamos vivido até hoje no universo dos átomos e hoje passamos a viver no universo dos bits, das configurações numéricas, submetidas a algorítimos lógicos. É preciso não esquecer que a base da experiência estética é a forma, cujo regime de funcionamento é irredutível a seu modo de produção. Se olhamos uma imagem na página de um livro ou na tela de um computador, o que vemos é uma figura, e não dígitos ou átomos. O que realmente importa é saber de que modo a ambiência de cada meio nos afeta. Mesmo o artista digital configura formas e ainda que utilize algoritmos numéricos como instrumentos para produzir formas, ele toma suas decisões sobre a construção de uma imagem a partir do que vê numa tela. Suas escolhas são, portanto, baseadas na percepção, e não na racionalidade de uma fórmula abstrata ou na suposta objetividade de uma tabela de valores numéricos. Excetuando o caso da geometria fractal, na qual não ocorre exatamente a produção de formas, mas a tradução visual de processos numéricos iterativos e automáticos, o artista não cria formas escrevendo equações; além disso, ele continua a acionar a sua sensibilidade para decidir se uma obra está pronta, assim como o espectador continua a depender dos próprios olhos para poder decidir se ela é bela, não importando se foi formada por pixels ou pigmentos. Equívoco semelhante, embora ainda mais grave, 128

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é o de supor que a cultura contemporânea instaurou uma estética do fragmento, uma estética da fuga ou da desaparição, por ser a época em que as formas de expressão dominantes no âmbito das poéticas audiovisuais, auxiliadas pelo processamento digital da informação, apelam para a fragmentação e a velocidade. A exigência básica da experiência estética é, e sempre será, o critério da unidade, porque essa é também a exigência básica da percepção, da ação e da expressão em qualquer experiência mundana.

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7. Experiência estética e padrões de recepção Das “belas artes” à “arte digital” Ao procurarmos refletir sobre o complexo percurso que leva das chamadas “belas artes” às poéticas audiovisuais contemporâneas, a primeira dificuldade que enfrentamos diz respeito ao uso da própria palavra arte. Será que nós podemos falar de “arte” ainda hoje, com referência ao videoclipe, por exemplo, ou à canção pop que toca numa rádio digital? Por outro lado, por que é que, desde Hegel, fala-se da “morte da arte” e esse cadáver renasce sem cessar, de modo que a arte é assassinada e ressuscitada praticamente a cada década, em função talvez de uma insegurança com relação a sua natureza? De início, é necessário admitir que é difícil pensar a arte, hoje, de uma maneira unitária e uniforme, usando a palavra no singular e sem qualquer referência a um modo específico de elaboração. A rigor, deveríamos simplesmente evitar a utilização abstrata desse termo, pois a “Arte”, num sentido singular e maiúsculo, surgiu apenas com o nascimento do museu. Como bem assinalou Régis Debray, esta noção é uma particularidade histórica da cultura européia moderna, já que os antigos não conheciam “a arte” e os astros da cultura pop não fazem questão de utilizar esse rótulo para caraterizar o seu trabalho. Ironicamente, os próprios publicitários, que receberam, 130

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sem pleitear, o título de “verdadeiros artistas da sociedade de consumo”, recusam-se a considerar como arte as peças que criam; pelo contrário, mantêm uma verdadeira cruzada contra essa interpretação “pouco profissional” de sua atividade. No entanto, na vida cotidiana, quando comemos uma comida feita com esmero, dizemos que ela é uma “obra de arte”, da mesma forma que, ao assistir a um gol mirabolante, misto de ousadia e habilidade, nós dizemos que ele é “uma pintura!”. O que quer que possa estar na origem dessa situação – que se caracteriza, por um lado, pela necessidade de reconhecer o caráter artístico dessas realizações e, por outro lado, pela virtual interdição em chamá-las de “arte” – eis aí algo que parece impossível desvendar. Quando Marcel Duchamp colocou um urinol numa galeria de arte, antes de estar apenas praticando um ato de iconoclastia, estava talvez antecipando essa compreensão do fenômeno artístico, como algo de natureza institucional. Não deveríamos, pois, nos perguntar “o que é arte?”, buscando identificar os atributos de um tipo ideal, mas procurar compreender quando algo produzido por um membro da comunidade é destacado de todos os usos prosaicos e erigido em padrão de beleza digno de ser contemplado e cultivado pelo grupo. O gesto de Duchamp serviu para sugerir que, se o museu é a instituição que diz o que é e o que não é arte, tudo o que estiver no museu deverá ser considerado arte, porque o que assegura o seu caráter artístico Pequena estética da comunicação

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não é sua natureza substancial, mas exatamente uma relação social que se encarna nessa instituição. A radicalização modernista de sua crítica às tradições, acabou por inverter essa equação, recusando a autoridade dos salões e dos museus e proclamando a chegada de uma era de antiarte. Paradoxalmente, o desejo vanguardista de se colocar fora dos espaços tradicionalmente reservados à arte, mostrou-se, a médio prazo, uma veleidade, na medida em que as instituições artísticas se apressam em assimilar todas as atitudes que são anti-institucionais. À esse propósito, é muito interessante observar que propostas artísticas que procuravam por em questão os suportes tradicionais, como o “happening”, a “performance” e a “instalação”, por exemplo, acabaram sendo considerados como formatos plenamente aceitáveis pelas instituições que elas procuravam justamente questionar. Como já se disse várias vezes, a ruptura com a tradição acaba instituindo outras tradições, mesmo que sejam tradições de ruptura, que não deixam de se tornar institucionais por causa disso... Desde que o cinema, depois da fotografia, obrigou os críticos a ampliarem seu quadro classificatório das “belas artes”, para conceder-lhe o título de “sétima arte”, não houve mais lugar para a preocupação em saber qual seria a oitava, a nona ou a décima arte, e nós passamos a encarar com naturalidade o fato de não sabermos se um formato plástico como o videoclipe ou o game digital se enquadraria 132

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nessa classificação, embora sejamos obrigados a reconhecer a sua qualidade artística. Um urinol no museu é uma obra de arte, mas em casa é um utensílio, e é aquele contexto institucional que decide a questão, pois não existe uma substância artística que nos permita identificar uma “obra de arte” com isenção e segurança. Somente este critério poderá nos libertar da angústia e da insegurança quanto ao que é ou não é arte. Independentemente disso, teremos que continuar correndo o risco de julgar se algo é belo, quer os museus o aclamem, ou não, como “arte”. Segundo a Estética da Formatividade, proposta por Luigi Pareyson, ao admitir que uma obra é bela, estamos reconhecendo que ela é íntegra, que se sustenta, que sua elaboração obedeceu a sua própria vontade, a sua própria lei, que conseguiu ir até o seu próprio limite e impor-se ao próprio “autor” como um estilo de abordagem do material de que é feita. E é esse seu êxito que nos faz reconhecê-la como uma nova matriz de sentidos, capaz de ampliar o horizonte da própria experiência ordinária. Desse ponto de vista, os produtos expressivos da cultura contemporânea são igualmente dotados de artisticidade e podem ser considerados belos, assim como um quadro ou uma escultura, desde que tenham sido plasmados com êxito e tenham cumprido plenamente o seu propósito, assumindo a forma adequada a sua função e a seu material.

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Experiência estética e experiência artística Pareyson foi talvez o primeiro estetólogo que frequentou o ateliê, que não elaborou uma teoria estética deduzida a partir de determinados princípios filosóficos gerais, mas procurou penetrar no processo produtivo, tentando conhecer a relação que o artista tem com o seu métier, bem como sua reação à resistência do material. Por essa razão, escreveu um texto de estética que o artista recebe muito bem. Contudo, se esse foi certamente um dos seus principais méritos, foi também, provavelmente, sua maior limitação, porque, ao concentrar-se no âmbito da criação, ele, que foi também um dos primeiros a assinalar a importância da interpretação e da leitura da obra de arte, acabou interpretando a própria leitura segundo o paradigma da produção. A teoria estética dominante desde Kant, voltada para as “belas artes” e guiada pela concepção da criatividade como um dom de personalidades geniais, reduziu a experiência estética à mera contemplação, considerando o fruidor como um coadjuvante passivo, prostrado à frente da obra, à espera do milagre. Dessa forma, a contemplação estética foi associada a uma forma de inatividade, que correspondia ao oposto da ação. O grande mérito de Pareyson e da estética ligada a ele - especialmente o seu aluno mais famoso, Umberto Eco, que produziu em 1966 um livro totalmente inspirado pelos ensinamentos de Pareyson, que é 134

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a Obra Aberta - foi o de mostrar que a experiência estética é uma forma de atividade e não apenas uma contemplação passiva, ou seja, que a recepção estética é uma ação de leitura, de interpretação, de avaliação e de fruição. Desde então, ficou claro que a leitura e a interpretação também são condutas determinadas; que não são ausência de atitude, mas exatamente uma determinada atitude. A partir daí, tornou-se fundamental para a investigação estética a compreensão da dimensão performativa da recepção. Mas, numa estética que, em meados do século, ainda tinha como referência o círculo das formas tradicionais de manifestação artística, a ênfase na formatividade só poderia desembocar numa disfarçada apologia da produção. Dessa forma, infelizmente, o próprio Pareyson, ao tentar descrever o regime da atividade do receptor, acaba caindo num jogo especular e fazendo da prática receptiva o reflexo da prática do produtor. Uma posição que está muito clara na dialética que ele propõe, ao descrever a relação entre o processo de produção artística e a fruição que caracteriza a experiência estética, nos termos de uma simetria entre o percurso do autor, que parte da forma formante - a forma enquanto projeto e construção - para a obra, enquanto forma formada, e o movimento do fruidor, que faz o caminho inverso, partindo da obra enquanto produto realizado, para penetrar na dinâmica do seu processo de configuração. Isso é interessante porque tenta sublinhar o caráter ativo da recepção, mas é frustrante, do ponto de vista estético, porque descreve Pequena estética da comunicação

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a atividade típica do receptor nos termos da atividade do produtor; o que significa, em última instância, denegar a especificidade da prática da leitura, não reconhecer que ela tem uma particularidade, que exige uma abordagem própria e não admite ser tratada apenas como uma imagem no espelho. Do ponto de vista da formação pessoal, a capacidade produtiva de alguém depende, em grande medida, da sua habilidade receptiva, e, quanto mais ele for sensível a determinada forma de expressão, mais poderá instruir-se nela, mais possibilidades terá de penetrar na dinâmica de sua produção. Indo mais além, podemos dizer que, de certo modo, a recepção é mais abrangente e originária do que a própria produção, pois mesmo o artista tradicional tem o seu primeiro aprendizado na experiência da fruição e não no treinamento formal. Alguém se decide, por exemplo, a ser pintor, através da fruição da pintura e é aí que tem a sua introdução ao universo pictural. Quando entra num ateliê para pintar, ele já fez, antes, várias escolhas, e suas predileções tendem a se tornar regras de estilo, ainda que provisórias e inconscientes. E uma vez mais, no momento mesmo da conclusão de uma obra, quando tiver que decidir se ela está pronta, será como receptor que tomará esse decisão. Mas é claro que existe aí uma diferença sutil entre a perspectiva do autor, para o qual a obra se impõe quando está pronta e a do receptor, para quem a obra se mostra bela quando se impõe. Observa-se aí uma assimetria entre os processos de produção e 136

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de recepção, pois esta é mais abrangente que aquela, uma vez que nem todos os homens se pretendem “autores”. Provavelmente está aí a profunda verdade de toda a problemática da recepção e da artisticidade, na época da reprodutibilidade tecnológica e das sínteses digitais: numa situação em que as técnicas de produção e reprodução são universalmente acessíveis, a autoria se transforma numa espécie sofisticada de leitura. Mas talvez tenha sido sempre essa a essência por trás da excelência de toda techné, e não era certamente por acaso ou descaso que o grande extemporâneo que foi Jorge Luis Borges insistia em dizer, aos admiradores de sua obra, que ele não passava de um leitor meticuloso. Em última instância, seria necessário reconhecer que, não só a experiência estética, mas a própria comunicação cotidiana é, antes de tudo, um processo de recepção. Na verdade, pode-se mesmo dizer que não há sujeito da comunicação, pelo menos no sentido do sujeito fundador da filosofia moderna, na medida em que o “emissor” nem é a causa da sua mensagem nem do sentido que se realiza na comunicação. Cada locutor que toma a palavra põe em jogo uma série de mecanismos que ele não criou e uma série de processos dos quais ele não é a origem; e, mesmo em situações muito concretas, quando parece que só ele pode ser a causa de suas atitudes, certamente não poderá ignorar o papel da reação do seu interlocutor, na configuração do sentido do seu próprio discurso, e não poderá jamais pretender ser a fonte das estruturas que perPequena estética da comunicação

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mitem que esse discurso seja pronunciado por ele e partilhado com os outros. Nesse sentido, a comunicação é um fluxo sem paternidade e cada interlocutor ingressa numa corrente que o antecede e o sucederá. Cada locutor diz sempre mais do que diz e é legítimo que as interpretações divirjam, justamente porque é próprio da palavra a polissemia, a riqueza, a equivocidade, a capacidade, enfim, de abrir mundos, de gerar uma cadeia de significações que faz deslizar os significantes em todas as direções, permitindo que cada um retome a palavra do outro e a leve a participar em diferentes jogos de linguagem, independentemente da sua vontade e, mais ainda, livre do seu controle. Está claro que o autor de um texto pode tentar legislar sobre as possibilidades de superinterpretação que possam vir a ocorrer, especialmente se sua obra tiver caráter discursivo, mas, em termos de expressão artística, e no que se refere aos aspectos plásticos, esse controle é ainda mais relativo, na medida em que as obras resistem à simples decodificação. Por essa razão, seria inútil, para o autor, tentar estabelecer definitivamente o modo como se deve interpretar uma obra que ele produziu num determinado momento. Precisamos admitir que, uma vez tornada pública, uma mensagem ou uma obra não tem mais propriedade ou paternidade, não pode mais ser remetida a uma origem, a uma causa, muito menos se essa causa for concebida como esse núcleo psicológico que seria o autor. Mas como o leitor só se forma em contato 138

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com várias gerações de obras, que citam e comentam outras obras, é totalmente insatisfatório inverter simplesmente as coisas e passar a afirmar que o leitor empírico é o verdadeiro sujeito da leitura. Os hábitos mentais dominantes ainda hoje, herdeiros das tradições e instituições modernas, submetem a experiência estética a um enquadramento estabelecido a partir da produção artística. E nós tendemos a reduzir a própria arte ao exercício da atividade voluntária (e, geralmente, voluntarista) de uma subjetividade especial, “artística”, autoral e criativa, chegando a tematizar a própria experiência estética a partir das operações construtivas que são desenvolvidas durante a elaboraração da obra. A exacerbação modernista desse ponto de vista leva-nos a uma atitude que procura decifrar a experiência estética a partir de uma análise exclusivamente procedimental daquelas operações que o autor aciona para produzir efeitos no seu público, sem nos darmos conta propriamente do modo como esses efeitos se produzem ou do tipo de dinâmica que eles envolvem. A discussão propriamente estética é, assim, rebaixada ao plano poético e este último é reduzindo à mera descrição dos gêneros, modos e técnicas de expressão. Certamente, a crítica estruturalista já anunciou a morte do autor e o “fim” do sujeito, mas apenas para proclamar o primado do texto, que passava, assim, a ser encarado como uma espécie hipertrofiada de sujeito. Ao afirmar que a produção de sentido se dá na leitura e não na escritura, é claro que nos afastamos Pequena estética da comunicação

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do estruturalismo e também do paradigma semiótico, exatamente porque este igualmente denega o aspecto de recepção que toda obra implica, permanecendo na esfera da produção. Hoje já não acreditamos que tenha sentido tratar o texto como uma espécie de arquétipo do seu próprio sentido. O sentido não é algo que esteja simplesmente embutido nas obras e nas coisas, e se o próprio texto funciona como uma espécie de instrução a partir da qual o leitor vai operar para produzir sentido, ele herda estas suas “estruturas de apelo” de outros textos e outras experiências de leitura. Além disso, é esse mesmo sentido, compreendido de maneira extra-textual, a partir do conjunto das interpretações a que o texto esteve sujeito numa certa tradição, que vai, por sua vez, produzir o leitor e “sua” leitura. Padrões culturais da recepção estética Uma alternativa a esse privilégio do texto e do autor foi proposta, na década de 60, na Alemanha, no âmbito de um movimento que se autodenominou Estética da Recepção e que procurava reconhecer, na discussão estética relacionada ao campo da literatura, a posição e a função da leitura. Com grande repercussão, Hans Robert Jaus e Wolfgang Iser denunciaram, em 1967, a história da literatura como “história dos autores”. Para eles, se a literatura é um fato nacional, um fato cultural de dimensão substantiva, se ela plasma a língua em que uma comunidade 140

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se reconhece e se ela fornece as figuras institucionais e imaginárias com as quais uma determinada comunidade elabora sua própria identidade, então não se pode pensar a literatura como o ato idiossincrático de um autor isolado ou um grupo de autores que obedecem a um programa. A história da literatura diz respeito a sua vigência enquanto sentido cultural, e a reivindicação que a Estética da Recepção fazia era a de que a história da literatura levasse em conta a leitura, e o leitor, enquanto agentes do acolhimento social que realiza a obra. Essa postura, a principio restrita à literatura, se expandiu quase que espontaneamente, de modo a abarcar outras formas de expressão, a tal ponto que, hoje, temos plena convicção de que um empreendimento expressivo qualquer não se completa no momento da sua conclusão, e só se realiza de fato quando faz sentido para alguém. Certamente, há dois aspectos distintos na recepção de uma obra: o seu efeito individual, de caráter pessoal e psicológico (e que em geral identificamos com a recepção como um todo), e sua repercussão social, que a situa na constelação linguística e cultural da sociedade em questão. As contribuições de Iser, como as do próprio Pareyson, referem-se ao primeiro desses aspectos, mas, pela excessiva ênfase na subjetividade, acabam deixando de lado talvez o aspecto mais importante: a dimensão social da recepção. Além do mais, é preciso admitir que temos muito mais facilidade em descrever os mecanismos pessoais do que os mecanismos sociais da recepção. Pequena estética da comunicação

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Para melhor considerar a dimensão social da experiência estética, a primeira coisa a observar, é que o que nós chamamos de experiência não se reduz à vivência subjetiva, psicológica, íntima, de um sujeito. O que merece a designação de uma “experiência” é toda vivência partilhável e partilhada. A rigor, mesmo as vivências mais solitárias de alguém só se tornam parte de sua experiência, na medida em que possa expressar sua vida interior através desse bem comum que é a linguagem. O sentido, na vida como na arte, não é uma coisa, nem um código que se decifra e que já está incrustado nas coisas, nas obras ou nos textos. Mas também não é apenas esse movimento de construção que se reduz à atividade de um sujeito. Ele é, antes de tudo, o fruto de um movimento intersubjetivo de atualização simbólica que reitera uma partilha social prévia. A experiência é, pois, antes de tudo, a experiência da instituição do sentido, do que faz sentido para nós, numa determinada época e numa determinada cultura, e segundo os padrões dessa cultura, vigentes, inclusive no plano das formas. Desse modo, o simples nascimento de uma criança ultrapassa o âmbito dos fenômenos biológicos ou fisiológicos; e, mesmo para o nascituro, ele é já um acontecimento sócio-histórico-cultural que supõe a condensada assimilação (auditiva), ainda no útero, de alguns padrões de comportamento e comunicação, vigentes em sua sociedade, entre os quais aspectos muito relevantes, como as estruturas fonológicas 142

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da língua materna, recebidos como um tipo de musicalidade primordial. Compreendemos, assim, que a ideia, aparentemente ingênua, de que a mãe deva conversar com o bebê em sua barriga, tem um sentido profundo, porque, nessa “conversa”, ela está comunicando ao filho a ambiência estética de sua língua, base dos padrões simbólicos de sua cultura; desde então, a criança vem se familiarizando com as configurações frasais de sua língua, antes de ter acesso às suas dimensões sintática e semântica. Mais tarde, o adulto poderá reconhecer “naturalmente” se uma frase, da qual não ouve todas as palavras, é uma pergunta ou uma ordem, posto que identifica o sentido desse ato de fala, a partir da sua entonação. E essa conclusão não decorre da decifração de um código abstrato, mas da intimidade com uma certa plasticidade que é própria de uma determinada língua, que se conhece e se pratica. Podemos dizer que nossa primeira relação com o mundo simbólico, nossa primeira relação com o mundo linguístico é essa relação estética, que passa exatamente pela assimilação dos padrões plásticos da língua e da cultura. Ora, quando um sujeito vem ao mundo e passa pela socialização, entrando em contato com as práticas sociais, em geral, e com as práticas educacionais, em particular, ele é evidentemente adestrado a reconhecer como naturais aquelas condutas que sua cultura elegeu. Daí porque nós, na verdade, embora involuntária e inconscientemente, cerceamos as crianças, pois estaPequena estética da comunicação

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mos a todo momento corrigindo sua fala e moldando seus gestos, para que elas se aproximem do cânone da língua adulta e se integrem à vida social, o que significa dizer que precisamos, de certa forma, reduzir a sua imensa capacidade fonológica, em função das características fonéticas e dos padrões acústicos que são típicos da “sua” língua. Daí também porque é tão difícil aprender uma língua estrangeira na idade adulta, pois já estamos de tal modo formatados pela fonologia (bem como pelas estruturas sintáticas, as regras semânticas e as convenções pragmáticas) da nossa língua, que o novo aprendizado implica como que uma reprogramação dos nossos “softwares” linguísticos e isso, é claro, demanda um esforço muito maior do que a aquisição gradual da língua materna, através desse contato familiar, que é o protótipo de todo convívio social. Com isso nós nos deparamos com a exigência de uma concepção hermenêutica da vida social e da própria experiência mundana, enquanto experiência compreensiva; uma apreensão do nosso modo de estar na cultura como algo que requer determinados meios de inserção social, como a interpretação e o diálogo. A hermenêutica procura descrever os modos pelos quais a aquisição do sentido se torna possível a partir de um sentido prévio. Para isso, ela apela para dois grandes conceitos fundamentais, que serviram de base para a elaboração da estética da recepção: os conceitos de círculo hermenêutico e 144

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horizonte de expectativa. O primeiro contempla o fato de que toda compreensão é sempre a modulação de uma pré-compreensão, o que os hermeneutas assinalam, de maneira provocativa, afirmando que “só compreendemos o que já compreendíamos”, no sentido de que só podemos assimilar algo novo a partir de um padrão de assimilação já sedimentado. Toda interação, exige algum grau de reiteração, no centro da qual possa ocorrer um desvio, uma modulação. A ideia do círculo hermenêutico quer exatamente trazer isso à tona. Cada experiência singular que temos, vai se incorporar ao repertório da experiência acumulada e por isso podemos dizer que a experiência mesma tem uma estrutura circular. Mas, para que seja uma experiência singular, terá que diferir, em algum grau, daquele patrimônio estabelecido, porque só há experiência efetiva se ela provocar alguma transformação no sujeito que a vivencia, o que nos autoriza a dizer que a experiência mesma está submetida a uma dinâmica desviante, capaz de provocar uma frustração da expectativa. No campo expressivo, essa dialética entre o horizonte de expectativas, projetado pela experiência acumulada, e a experiência singular, proporcionada por uma determinada obra, constitui o mecanismo básico de toda recepção e a experiência estética ocorrerá como efeito da tensão entre as propostas da obra e as estruturas já cristalizadas pela recepção anterior. O êxito estético depende, assim, do deslocamento que uma obra é capaz de realizar na Pequena estética da comunicação

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reação do receptor frente às disposições poéticas já codificadas e reforçadas pelos hábitos de leitura estabelecidos. Segundo Jauss, o caso ideal para o deslocamento frente a tais sistemas histórico-literários de referência é o daquelas obras que, primeiramente, graças a uma convenção do gênero, do estilo ou da forma, evocam propositadamente um marcado horizonte de expectativas em seus leitores para, depois, destruí-lo passo a passo. Mas a possibilidade de objetivação do horizonte de expectativas verifica-se também em obras historicamente menos delineadas. Na ausência de sinais explícitos, a predisposição específica do público com a qual um autor conta para determinada obra pode ser igualmente obtida a partir de três fatores, derivados de normas conhecidas ou da poética imanente ao gênero, da relação implícita com obras conhecidas do contexto histórico-literário ou da oposição entre ficção e realidade, entre a função poética e a função prática da linguagem, oposição esta que, para o leitor que reflete, faz-se sempre presente durante a leitura, como possibilidade de comparação. No caso dos produtos da comunicação mediática, a predisposição do público estará associada aos hábitos estéticos infundidos por determinados meios ou tecnologias da expressão, à relação implícita com outras peças do universo mediático internacional ou ao corte semiótico estabelecido pelo enquadramento característico de cada formato estético (a dimensão sócio-técnica de sua forma de apresentação plástica). Esse 146

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conceito procura estabelecer uma articulação dinâmica entre forma, meio e modo de expressão, com o campo da recepção. O formato é a forma em ato, encarnada em seu corpo mediático e investida de sua vigência midiológica. É o meio pelo qual as praxes de recepção se transmitem a uma dada situação receptiva, estabelecendo o quadro necessário para o desenrolar da experiência estética. Quando alguém diz, por exemplo, que gosta muito de ir ao “cinema” ou de ouvir “música”, podemos compreender tais expressões, mas sabemos que elas não são precisas, porque ninguém efetivamente vai ao cinema ou ouve música, neste sentido genérico. A nossa fruição das formas de expressão está completamente formatada, está subordinada a determinadas configurações socio-técnicas: não se vai ao cinema, assiste-se a um filme, que desenvolve algum tipo de trama durante um período médio de duas horas. Da mesma forma, quando ligamos o rádio, não esperamos ouvir uma sinfonia, mas uma canção de três minutos e meio. Mas a configuração típica da canção popular (uma estrutura de partes separadas por um refrão, cantados por uma voz solo que contrasta com um acompanhamento instrumental, num desenvolvimento que dura cerca de três minutos e meio) não foi estabelecida arbitrariamente, ela é o resultado de uma série de transformações práticas, que envolvem progressos técnicos, inovações mediáticas e alterações na atitude do ouvinte. Quem vai a um concerto se predispõe a ouvir peças musicais que duram entre Pequena estética da comunicação

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trinta e quarenta e cinco minutos e se desdobram em três ou quatro movimentos. Quem liga o rádio está com uma predisposição inteiramente distinta. Há uma certa maneira de descrever esta situação de modo muito instrumental, muito maquiavélico e maniqueista, supondo que a indústria nos manipule a ponto de poder definir as nossas preferências estéticas, a partir do propósito de obter maiores lucros. Essas configurações, e essas formatações não obedecem apenas a desígnios industriais ou conveniências comerciais, mas à dinâmica da própria recepção, que pode ser - isto sim - codificada e explorada pela indústria cultural, de modo a transformar aqueles padrões em esquemas rígidos e estereotipados. Existe uma certa expectativa social, que não pode ser dissociada da interação que o espectador tem com uma determinada peça. E o que pretendemos enfatizar aqui, é simplesmente o fato de que essa predisposição deriva de uma história da configuração deste formato em que ela se inscreve. A experiência estética não se dá no encontro entre um sujeito genérico e uma obra abstrata, mas dentro de determinados locais, configurações, instituições e relações pragmáticas. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que não se trata de formatos sucessivos, a canção popular não derrubou a sinfonia, ela simplesmente colocou a sinfonia no seu devido lugar, enquanto música de concerto, assumindo também o seu lugar adequado, enquanto música de entretenimento. 148

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Em suma, a nossa experiência comunicacional mediática não é só a relação direta com uma obra singular, mas a relação com uma obra que é produzida dentro de determinado formato, que obedece a certos padrões, que foram estabelecidos socialmente e que, do ponto de vista estético, são equivalentes às estruturas da pré-compreensão hermenêutica. Assim como, do ponto de vista semântico, temos um certo padrão prévio de compreensão, do ponto de vista estético, temos um certa expectativa prévia com relação aos formatos expressivos. Daí porque a riqueza da obra singular tem a ver, não com a instauração de um formato original, mas com a capacidade expressiva que se manifesta nos formatos dados, os quais serão historicamente abandonados, a partir da necessidade expressiva de ultrapassar os modelos estabelecidos e promover outros padrões.

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8. Gosto e comunicação Introdução Nos termos convencionais de um discurso objetivo e impessoal, costuma-se dizer que a comunicação põe em comum “significados” – concebidos como entidades substantivas, anteriores e exteriores à comunicação mesma. Mas está claro que o que aí se enuncia é a própria impossibilidade de um pôr em comum, já que só se pode comungar de um já dado por omissão e apatia e jamais por experiência. O que, desta forma, se põe em comum é, antes, a impossibilidade mesma de um comunicar, inviabilizado pela indiferença desta falsa “relação”, fundada numa estranheza originária e insuperável. Portanto, a proclamação precipitada daquele significante – o “significado” – como o que se põe em comum na comunicação não nos deve fazer ignorar aquela camada mais originária (e originante), na qual o que se põe em comum, faz-se comum, pela dinâmica da “significação”, ou seja, pela ação comum de significar. O “significado” aparece, então, na sua condição de resultado provisório deste movimento duplo e simultâneo, pelo qual o acervo da experiência acolhe e reitera aquilo em que se sustenta a compreensibilidade: o sentido, na abertura que caracteriza a experiência como processo e a existência como possibilidade do próprio vir-a-ser. Na experiência da comunicação es150

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tão em jogo, portanto, a forma e o valor deste sentido, que atualiza o instituído da tradição e o projeta com força instituinte. A experiência da comunicação surge, aqui, com toda a sua força e em toda a sua amplitude, como instituição do sentido e sentido da instituição; enfim, como experiência da comunicação, inscrição do sujeito no âmbito operante da compreensão partilhada. Mas fica claro também que este compartilhamento da compreensão, através das formas da comunicação, envolve uma dimensão axiológica, pela qual o sentido e suas formas se enraizam num sentimento comunitário, anterior a regras, normas e leis. A percepção, o senso comum e o gosto revelam-se, assim, como modos espontâneos de realização de uma compreensão operante, que transforma um mundo de possibilidades no cenário de uma felicidade possível. Uma estética da comunicação deve procurar descrever e compreender tais processos espontâneos de compreensão, sem confundir-se com eles, mas igualmente sem ceder à compulsão explicativa, que, em geral, desconsidera sua dimensão existencial. Comunicação e comunicabilidade Durante o século XX, o tema da comunicação emergiu, em vários campos, com uma urgência e uma insistência que pareciam querer compensar sua ausência quase absoluta nas mais diversas correntes de pensamento desenvolvidas até então. No próprio Pequena estética da comunicação

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discurso filosófico, tradicionalmente abrangente, o tema sempre ficou ofuscado pela questão da linguagem, abordada no âmbito da dialética, da retórica ou da lógica. Até então, a palavra “comunicação” remetia às vias de comunicação e ao campo dos transportes, e só o aparecimento da fotografia e do cinema fizeram com que o estudo dos meios e formas de comunicação se dissociasse da reflexão sobre as formas de deslocamento físico de pessoas e mercadorias. Mas a problemática do “transporte” manteve-se, de modo vago mas persistente, nas nascentes “teorias da comunicação”, permanecendo até hoje nos discursos sobre o papel das infovias na “sociedade do conhecimento”. Ao longo do século, a teoria da informação, a análise funcionalista e a própria semiótica, tomadas como “teorias da comunicação”, reforçaram esse objetivismo, através da tendência a reduzir esse fenômeno a parâmetros apropriados a uma abordagem com pretensões científicas, isto é, de natureza analítica, passível de verificação e capaz de quantificação. Nesses modelos teóricos, foram valorizados aspectos específicos, como a decisão, a intencionalidade e a capacidade de decifração de códigos, para explicar a circulação de mensagens, os agenciamentos simbólicos ou os processos de significação, sem que a comunicação mesma viesse a ser tratada com a devida amplitude hermenêutica e existencial. A essa altura, o mero confronto entre mode152

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los explicativos dá lugar a uma outra indagação: até que ponto pode-se mesmo explicar a comunicação? Em que medida pode-se dizer o que ela é ou deixa de ser? Será possível explicitar todos os seus nexos, apontando a cadeia necessária de suas causas e consequências? Será possível, enfim, determiná-la de maneira unívoca e definitiva? Mas não se trata aqui de proclamar a comunicação como algo inefável e avesso à investigação. Trata-se, antes, de mostrar que a investigação sobre a comunicação não pode se reduzir às tentativas de abordá-la apenas como acontecimento do mundo empírico, portanto, como algo observável, mensurável e, em última instância, explicável. Há uma dimensão transcendental na comunicação, que, desde então, vem sendo reconhecida, ainda que de forma indireta. No horizonte da filosofia da linguagem, por exemplo, ela foi identificada como um “princípio de colaboração” (Grice), no âmbito da hermenêutica, como uma forma operante de “pré-compreensão” (Vattimo) e, nos termos da pragmática da comunicação, como uma forma prévia de enquadramento ou “metacomunicação” (Watzlawick). No primeiro caso, supõe-se uma disposição originária à convergência, sem a qual nem mesmo o dissenso poderia se manifestar. No segundo, reconhece-se que as trocas comunicacionais têm, como condição de possibilidade, um sentido já compartilhado na cultura. No terceiro, aponta-se a diferença entre dois níveis distintos, mas solidários em toda comunicação: Pequena estética da comunicação

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o conteúdo e a relação, a informação veiculada pela mensagem e a meta-informação sobre o modo de interpretá-la, a partir do contexto intersubjetivo. Mas nenhum desses autores se dá conta de que a vigência de tais condições depende, não apenas da assimilação de certos valores, através de uma comunhão afetiva, que reitera o vínculo comunal sem precisar explicitá-lo num contrato ou mesmo numa declaração, mas do compartilhamento de um sentimento de existência, pelo qual os membros de uma comunidade se reconhecem. Esse aspecto de comunhão estética, que sustenta a adesão a normas éticas e possibilita até mesmo a convicção intelectual é representado pelo exercício do gosto e pelo gozo que a ele está associado. Desse ponto de vista, esta dimensão do prazer estético aparece, então, como base da comunicação e da socialidade. Trata-se, portanto, de um prazer gregário, que traduz a auto-afeição originária de uma comunidade de não-sujeitos e é o objeto original de uma reflexão transcendental que retorna, hoje, como estética da comunicação. Após um momento de euforia, em que se acreditou que o “novo mundo” criado pelos computadores e pela Internet só poderia ser compreendido por uma teoria da comunicação inteiramente nova, a virada do século colocou os investigadores do campo comunicacional diante da exigência mais complexa: ampliar suas referências teóricas, tendo em vista as constantes inovações tecnológicas, mas sem perder de vista as principais contribuições conceituais e metodológicas 154

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legadas pela filosofia e pelas ciências humanas. A emergência da estética da comunicação assinala, assim, o esgotamento de modelos que, embora tenham florescido durante o século XX, foram herdados fundamentalmente do século XIX. Ao adotarem o nome de uma disciplina que teve seu apogeu no século XVIII, como designação de seu campo de estudos, os pesquisadores dessa área parecem dispor-se a dar um passo atrás, para ampliar o horizonte e poder ver mais distante. Inicialmente, o tipo de reflexão situado sob essa rubrica poderia ser descrito como uma “crítica da cultura de massa”, predominando as abordagens fundadas na crítica à ideologia que seria veiculada pelos meios de comunicação ou a denúncia da submissão da produção simbólica à lógica da “indústria cultural”. Num sentido mais pertinente, embora mais próximo da poética que da estética propriamente dita, encontram-se as tentativas de análise dos produtos da cultura de massa, as quais procuravam estabelecer parâmetros para uma discussão formal que não se reduzisse a uma simples aplicação das tradicionais teorias das “belas artes” aos produtos da cultura urbana dos últimos cem anos. A partir da década de 60, num esforço de aprofundamento da problemática comunicacional, capaz de destacar o aspecto da recepção, alguns autores desenvolveram análises e modelos de análise inspirados, de modo nem sempre bem sucedido, em disciplinas como a semiologia, a semiótica, a teoria da informaPequena estética da comunicação

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ção, a psicanálise ou os “estudos culturais”, mas, de maneira geral, diante das inspirações clássicas dessas abordagens (o signo, a significação, a informação, o sujeito, a identidade), o caráter estético dessas reflexões ficou em grande parte ofuscado, quando não foi simplesmente deixado de lado. De qualquer modo, mesmo em seus momentos mais felizes, nenhum desses autores utilizou expressamente a rubrica “estética da comunicação” para designar seus trabalhos e sua contribuição a essa área deu-se muito mais de forma involuntária, consistindo, antes, na introdução de um modo sutil de olhar os produtos da cultura de massa, do que no estabelecimento de um modelo que pudesse servir de referência segura para outros pesquisadores. Mais recentemente, nas duas últimas décadas do século, utilizou-se explicitamente o rótulo “Estética da Comunicação”, mas para designar, em realidade, a análise (ou mesmo a simples descrição) das poéticas desenvolvidas a partir dos meios de comunicação ou das tecnologias que lhes servem de suporte. O caso mais célebre é certamente o de Mario Costa, que, no livro O sublime tecnológico, utiliza aquela rubrica para tratar do uso artístico dos meios de comunicação e seus efeitos, mas se detém na apologia do que poderia simplesmente ser chamado de “arte comunicacional” ou “mediática”, sem desenvolver o que há de mais essencial na discussão estética: um investimento propriamente teórico, que vá além das questões técnicas e poéticas e procure compreender os mecanismos de 156

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recepção, pelos quais toda essa produção encontra seus destinatários e se realiza. Finalmente, encontramos um autor como Herman Parret, que, no livro A estética da comunicação (que tem o sugestivo subtítulo de “Além da Pragmática”), procura efetivamente vincular as discussões semânticas a uma abordagem propriamente estética da sensibilidade. Desenvolvendo uma reflexão conceitual, em que o senso comum de uma comunidade afetiva aparece como condição da comunicação, este é, provavelmente, o livro que traz as mais importantes contribuições para pensar uma estética da comunicação, no sentido próprio, embora menospreze os aspectos plástico e mediático da experiência contemporânea, concentrando sua análise da comunicação no âmbito estritamente linguístico. Acreditamos que uma estética da comunicação deve ser algo mais amplo do que o estudo das interações verbais ou a análise poética das “linguagens” plásticas contemporâneas. Ela deve envolver um empenho conceitual capaz de dar conta da especificidade desses produtos, sem ignorar seu vínculo com a história da arte e a experiência ordinária, o que implicaria estudar as condições da experiência estética proporcionada pelas formas de expressão contemporânea, sem desconsiderar os aspectos sensíveis envolvidos em toda forma de comunicação, inclusive a verbal.

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Algo assim como: comunicação… sem informação Muitos autores tiveram um papel importante no desenvolvimento da discussão sobre a comunicação contemporânea como o terreno ideal para repensar a relação entre arte e tecnologia, mas dois se destacaram, na década de 80, por terem tomado a iniciativa e por defenderem seus pontos de vista com uma obstinação militante: o já mencionado Mario Costa, com seu projeto de atingir o “ultra-humano” pelas tecnologias de comunicação e, pouco depois dele, Jean-François Lyotard, com suas indagações sobre a possibilidade da experiência estética a partir das imagens sintéticas. Costa, apesar de professor universitário, atuou principalmete como ativista e seus textos sempre oscilaram entre o manifesto e o panfleto. Já Lyotard, como se sabe, praticamente desencadeou toda a onda de revisionismo e desconstrução que fechou o século passado, com sua considerações sobre a “condição pós-moderna”. Embora pretendesse, ao contrário de Costa, questionar o entusiasmo juvenil frente às recentes inovações tecnológicas, antecipando sua assimilação pelo mercado, ele acabou contribuindo, talvez inadvertidamente, para levar esse entusiasmo do âmbito do consumo para o terreno da pesquisa universitária. Mario Costa considera que as novas tecnologias de comunicação deslocaram a experiência estética do campo da arte para o terreno do sublime tecno158

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lógico. Retomando de Kant a definição do sublime como a disposição da alma ante o “absolutamente grande”, reconhece que ele implica atração e repulsa em alternância, causando prazer e assombro, por escapar das determinações simbólicas. Para ele, portanto, a arte anterior não poderia ser sublime porque o sublime é o que não pode ser expressado e a arte é, para ele, pura expressão. Esse autor identifica quatro fases na relação entre a produção artística e as tecnologias de comunicação. Na primeira fase, teria havido apenas a transmissão a distância de formas de arte produzidas tradicionalmente e sem a intenção de serem transmitidas. Na segunda fase, teria sido explorada a experiência obtida através da transmissão, independentemente da performance,deixando de fazer sentido a comparação entre a performance e sua transmissão na mídia de massa. Na terceira fase, a distinção entre a performance original e sua circulação na mídia de massa teria deixado de existir, posto que a própria produção passara a visar apenas a transissão. Na última fase, que Costa chama de “estética de comunicação”, haveria, segundo ele, uma tematização e uma exploração da ambiência de redes e canais, nas quais as representações e os conteúdos intencionais teriam passado ao segundo plano. Esta última etapa caracterizaria uma verdadeira mutação estética e representaria a substituição da produção artística tradicional pela mera operação do dispositivo neotecnológico da comunicação, em busPequena estética da comunicação

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ca de uma experiência capaz de abolir as limitações espaço-temporais. Neste contexto, haveria um enfraquecimento do sujeito individual, em prol de um hipersujeito planetário. Ao mesmo tempo, a passagem da técnica à tecnologia resultaria na desapropriação do próprio corpo do artista, que, em lugar de manifestar sua subjetividade, atuaria apenas para tornar objetivo o sublime tecnológico. Pensando criticamente, é impossível deixar de assinalar a patente ingenuidade desta crença em uma mutação radical da experiência estética, baseada na transformação da técnica em tecnologia. Pensar que, com as novas tecnologias, a experiência estética se transforma de um modo inédito, acreditar que as tecnologias da nossa era sejam mais transformadoras que as “novas tecnologias” de séculos passados, ou imaginar que só agora, e não antes, há uma perda de expressividade na arte e uma diminuição da importância do artista é adotar uma perspectiva simplesmente a-histórica. Ao afirmar, por exemplo, que, já na fase da “investigação das formas estéticas tecnológicas, a produção subtrai-se notavelmente à intencionalidade, à vontade expressiva, à subjetividade do artista” (COSTA, 1995, p. 32), o autor parece desconhecer que o papel do criador viveu uma grande transformação na própria história da pintura anterior ao aparecimento das tecnologias reprodutivas. Por outro lado, é difícil aceitar a ideia de que o fenômeno tecnológico descrito por Costa seja predominante na atualidade, e que a idade da arte e da 160

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expressão esteja consumada. Ele mesmo consegue enumerar vários exemplos de arte visual, musical, ou multimídia que representariam “uma evolução do espírito, qual uma nova ciência”, e contribuiriam para o advento do sistema nervoso do ultra-humano. Mas as atividades dominantes no campo da arte de hoje certamente ainda podem ser encaradas como “formas de expressão” e muitas delas são produzidas sem intenção de transmissão na mídia de massa e sem estarem sequer adaptadas para esta transmissão. Na verdade, embora apresente a “estética da comunicação” como “uma reflexão filosófica sobre a nova condição antropológica”, ou seja, como empreendimento teórico, o que o autor de fato propõe é a utilização das novas tecnologias, pelos “artistas da comunicação” (p. 37), para criar ambiências e situações cujas características derivariam mais da lógica desses meios do que das intenções expressivas de um autor. Mas, apesar de dizer o contrário, sua proposta permanece no âmbito poético (o âmbito da produção), embora não se traduza na proposição de uma poética específica. Tal conclusão é reforçada pela menção que ele faz às ideias desenvolvidas no trabalho L’estetica dei media: Tecnologie e produzione artistica, no qual seu ponto de partida são as “transformações profundas” que as novas tecnologias de comunicação provocariam na arte, segundo “um movimento de aceleração que dela consuma e exaure todos os possíveis modos de ser” (p. 15). Embora se remeta a Kant, ao falar do sublime Pequena estética da comunicação

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tecnológico, Costa caminha exatamente no sentido contrário ao do pensador alemão, uma vez que este sublinha o caráter subjetivo do sentimento do sublime e destaca seu efeito desnorteador, enquanto o autor italiano supõe (e propõe) exatamente sua objetivação controlada, sua “produção e fruição socializadas”, através da tecnologia (p. 15). Na verdade, neste ponto ele retoma os textos de Teilhard de Chardin, que, já nos anos 20, falava do advento de uma condição ultra-humana, decorrente da evolução antropológica dos homens e caracterizada por uma única consciência planetária. Neste sentido, ao propor a fruição globalizada deste sublime tecnológico, ele parece não perceber aquilo que Herman Parret assinala, com propriedade, em A estética da comunicação: “A relação do belo e do sublime é análoga à relação do fundamento e de sua crise. (...) A comunidade afetiva é de solidariedade diante do belo; está em crise diante do sublime” (1997, p. 192). Parret defende, portanto, uma ideia bem diferente acerca do sentimento do sublime, descrevendo-o não como uma perda de subjetividade, mas como uma perturbação intersubjetiva, uma crise na comunidade afetiva. Em contraste com a ideia do ultra-humano e do hipersujeito, Parret propõe “pensar o ser-em-comunidade, não como um jogo de xadrez ou como uma informática generalizada (...), mas num modo aesthetico” (p. 184). Se o belo suscita uma reação unânime, pela convergência entre entendimento e imaginação, o sentimento do sublime representaria o 162

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conflito dessas faculdades e a comunidade afetiva não disporia de um sensus communis para sustentá-lo. Embora admitindo que “o sublime sempre é gerado por uma crise do simbólico”, Costa não só afirma que esta condição “nada tem a ver com a obra de arte” (1997, p. 21), que ele identifica com a “expressão”, mas parece acreditar que a expressão seja sempre plena, isto é, capaz de produzir puras representações. Aparentemente, ele não percebe que o próprio domínio simbólico está sendo permanentemente colocado em crise pelo movimento do imaginário e parece alimentar uma relação nostálgica com a natureza perdida. Provavelmente por isso, apesar de fazer apologia dos dispositivos tecnológicos comunicacionais, em função de sua capacidade de desmaterialização (capaz de promover a virtualidade e a ubiquidade, mediante a “abolição” das referências espaço-temporais), ele não hesita em caracterizar as novas tecnologias como “um ser que excede toda paisagem interior ao sujeito e instaura uma nova situação material” (p. 37). Lyotard aborda a questão de modo diferente. Para ele, esta exacerbação do sentimento do sublime no mundo contemporâneo teria mais a ver com o “recuo do ser” diagnosticado por Heidegger, em sua reflexão sobre o sentido da técnica na sociedade capitalista, do que com a emergência de um ente planetário, gerado pela autonomização das tecnologias. Ele seria o sintoma da própria crise de fundamentos que atingiu a nossa capacidade de representação e que tornou-se evidente nos últimos movimentos da história da arte. Pequena estética da comunicação

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Ultrapassada a ingenuidade figurativa, superada toda pretensão referencial e questionada a própria presencialidade da representação, o sentimento do sublime traduziria hoje o trágico confronto do homem com a volatilização tecnológica do que fora pensado até então como as condições universais da experiência: as “formas puras da sensibilidade” – o tempo e o espaço. Mas, nesse luto pelo aqui-agora, Lyotard constata a paradoxal sobrevivência do tema hegeliano da “morte da arte”, correlato prático da redução teórica do tempo ao puro conceito. A “indústria da arte” seria, para ele, malgrado todas as manifestações de iconoclastia, uma realização da metafísica especulativa, e se enquadraria, desse modo, no logocentrismo generalizado que caracteriza nossa civilização. A própria magnificação tecno-científica da atividade artística representaria uma última via para salvar um sujeito incapaz de realizar por si a identidade que deveria ser o fruto natural de seu processo de autoconstituição. O culto à interatividade faria parte deste quadro. Seria uma forma extrema de recusa à receptividade, um voluntarismo levado ao paroxismo. Lyotard revela a condição paradoxal de tal obsessão, num mundo tão estereotipado, e mostra o caráter reativo desta tardia superestimação da “atividade”, que, de fato, consistiria apenas em “reagir, repetir, na melhor das hipóteses conformar-se febrilmente a um jogo já dado ou instalado” (1993, p. 265). Ele não hesita em apontar, nessa apologia da interação, o retorno do modelo cartesiano de um sujeito dominador, alheio a qualquer doação 164

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originária proveniente de um “mundo da vida”. E mostra que esta postura tem consequências desastrosas no âmbito estético, uma vez que, indiretamente, ela transforma a contemplação numa forma desvalorizada de passividade. Lyotard mostra que esta condenação da contemplação estética resulta de uma equivocada contraposição entre “atividade” e “passividade”, que não se dá conta de que o que está em jogo, na comunicação e na experiência estética, é uma receptividade que dependeria antes da passibilidade que da passividade. Enquanto capacidade de ser afetado, esta passibilidade não deveria ser situada apenas como um momento ou um aspecto do processo de apreensão da obra pelo sujeito individual, mas como condição de possibilidade de um reconhecimento público da obra de arte enquanto tal. Seguindo o pensamento de Kant, Lyotard assinala que, para este, “a passibilidade não desaparece com o sublime, torna-se uma passibilidade em falta” (p. 266), mas não deixa de observar também que, enquanto gozo e pertencimento necessários a uma comunhão imediata, “esta passibilidade encontra-se recalcada na problemática geral da comunicação, em nossos dias, chegando mesmo a parecer vergonhosa” (p. 265). Mas o fato é que sua própria abordagem do problema alimenta alguns dos equívocos que ele aponta. Numa provocativa intervenção feita, em 1985, num colóquio parisiense sobre Arte e Comunicação, publicada em seguida com o sugestivo título “Algo assim como: ‘comunicação… sem comunicação’”, Lyotard Pequena estética da comunicação

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propõe-se a discutir uma questão eminentemente estética, no âmbito da comunicação: “o que ocorre com uma comunicação sem conceitos no momento mesmo em que os próprios ‘produtos’ das tecnologias aplicadas à arte não podem ser feitos sem a intervenção maciça e hegemônica do conceito?” (p. 258). Contudo, apesar de reconhecer o papel dessa receptividade estética no processo comunicacional, ele assimila, sem questionar, o modelo informacional como paradigma para a “teoria da comunicação”. Isto o leva a afirmar que a comunicabilidade estética (universal, a priori e imediata) “escapa à atividade comunicacional, a qual não é uma receptividade, mas algo que se maneja, que se faz”. Dessa forma, apesar de defender que “essa comunicabilidade a priori, que ocorre no sentimento do belo imediatamente, é sempre pressuposta em qualquer comunicação conceitual”, ele observa que ela é... “bem ‘anterior’ à comunicação no sentido das teorias da comunicação” (p. 259). Ora, se aquela comunicabilidade é uma condição de possibilidade das formas empíricas de comunicação, seria mais adequado dizer que a teoria da comunicação deveria reconhecer e investigar sua condição transcendental. Algo que “se faz” não é o fruto da atividade de um só sujeito, mas de uma comunidade, que é anterior aos próprios sujeitos. É certo dizer que essa comunicabilidade a priori é sempre pressuposta em qualquer comunicação ordinária, mas o problema está exatamente em atribuir a esta última uma natureza “conceitual”, como faz Lyotard. 166

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Afinal, só assim a questão que ele propõe (“o que ocorre com o sentimento estético quando situações calculadas são propostas como estéticas?”) seria efetivamente pertinente. Lyotard crê na existência de “uma forma de pensar a arte que não é um pensamento da não-comunicação, mas sim da comunicação não conceitual” (p. 258). Mas parece não perceber que este deveria ser o ponto de partida para uma “estética da comunicação”. Se devemos adotar, como ele sugere, a definição kantiana do gosto como a faculdade de julgar aquilo que torna nosso sentimento “universalmente comunicável, sem a mediação de um conceito”, e se devemos começar lembrando “o regime de comunicação que é próprio, ou que acreditamos ser próprio – após Kant, ao menos – da recepção estética”, por que não explorar exatamente esta dimensão estética no âmbito das reflexões sobre a comunicação? Considerações finais Em suma, não basta reconhecer que a comunicalidade estética é irredutível às formas ordinárias de comunicação. É necessário admitir que todas as formas de comunicação, incluindo as mais “conceituais”, repousam nessa comunicabilidade estética originária. Por outro lado, se “o sentimento é a recepção imediata daquilo que se dá” (p. 260), devemos admitir o aspecto afetivo de toda experiência e reconhecer que o gosto é o modo mais espontâneo para a comunicação do Pequena estética da comunicação

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valor. Mas é preciso admitir também que esta comunicação não se reduz a uma simples troca de informações, mas tem como meio a experiência em comum, desdobrada em hábitos, praxes e rotinas familiares. Por fim, é necessário reconhecer que sua vigência não depende de sustentação racional, pois sua autoridade vem do costume e sua força da comunidade. É esta relação com o outro que Kant parece ter visto como fundamento do sentido comum que é manifestado pelo juízo de gosto. Quando classifica o gosto “como uma espécie de sensus communis” (Cfj, § 40), Kant adverte que esta expressão não se refere ao que é comum, no sentido de vulgar, “que se encontra por toda a parte, e cuja posse absolutamente não é nenhum mérito ou vantagem” (p. 196), mas deve ser entendida como um sentido comunitário, pelo qual, no juízo, “transpomo-nos para o lugar do outro”. Por outro lado, Kant insiste na condição imediata do juízo de gosto, restituindo, assim, a ideia da espontaneidade da experiência estética e sustentando a legitimidade dos juízos de gosto proferidos até mesmo por leigos. Enquanto Hume supõe, no juízo particular, a obediência a padrões de gosto, estabelecidos por pessoas especiais, dotadas de uma delicadeza de imaginação devidamente cultivada, poderíamos dizer que Kant compreende, ao contrário, o gosto como um padrão coletivo a que alguém deve se remeter quando emite um juízo de gosto particular. 168

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No plano da expressão artística, a estética kantiana vincula os aspectos ativo (produtivo) e passivo (receptivo) da sensibilidade, mediante a ideia da adequação exercida, pelo gênio criativo, entre o conceito do que deve ser a obra e as condições sócio-culturais que caracterizam o gosto do público que irá recebê-la. Noutras palavras, em cada contexto cultural, haveria padrões ou normas “extremamente fluidas e largamente inconscientes que canalizam a sensibilidade privada do artista de modo a fazê-la coincidir com a sensibilidade coletiva” (FERRUCCI, 1992, p. 127). Neste sentido, portanto, a específica capacidade do artista para comunicar o conceito da obra sem a coerção das regras vigentes no domínio intelectual, encontra correspondência na comunicabilidade universal proporcionada pelo gosto. Concluindo, poderíamos dizer que, independentemente dos objetos e meios que a tornam possível, a recepção estética consiste num jogo entre sensibilidade, entendimento e imaginação, no qual forma, sentido e valor se reenviam continuamente, em torno de um ponto de equilíbrio sempre instável. Nesse sentido, a recepção de uma obra é este modo de apreensão em que estão implicados simultaneamente percepção, interpretação e avaliação. A percepção destaca a obra do mundo ordinário e a acolhe como um mundo próprio, que nos atinge como um estímulo sensorial, que provoca efeitos em nosso afeto. A interpretação explora Pequena estética da comunicação

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as possibilidades abertas pelo fato de que a obra também é capaz de “fazer sentido”, mas um sentido em aberto, que precisa ser compreendido por um destinatário para acontecer efetivamente. O juízo avalia, enfim, se a obra efetivamente alcançou êxito neste propósito de “fazer sentido”, através do efeito suscitado pela contemplação de sua forma sobre o comportamento do espectador. São operações complementares, portanto, irredutíveis, ainda que indissociáveis. A crítica acrescenta ainda a avaliação minuciosa do quanto a obra é bela e a explicação histórico-analítica de como ela resultou assim tão bela, a partir dos materiais, procedimentos e técnicas adotados pelo criador. Enquanto capacidade genérica de ajuizamento (ou faculdade de julgar), o gosto é, assim, o que torna possível a experiência estética enquanto tal, colocando no mesmo plano criador, espectador e crítico. Enquanto acontecimento individual que remete a um subsolo comunitário, o juízo de gosto é o atestado dessa predisposição a uma experiência estética genuína. E, à medida que envolve comunhão, convivência e complacência, esta comunicabilidade originária evidencia plenamente a dimensão estética da própria comunicação. Tudo isso mostra a pertinência de uma hermenêutica do gosto e justifica a expectativa de que o retorno ao tema possa fecundar simultaneamente os campos da reflexão estética e da teoria da comunicação.

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Conclusão: comunicação e comunicabilidade estética

Vinculando a problemática da recepção ao prazer estético, procuramos mostrar que o aspecto essencial da comunicação é o compartilhamento de um sentido, que é anterior a todos os significados codificados e repousa sobre a originária comunhão do sentimento de existência. Do mesmo modo, procuramos mostrar que, se há legitimidade em afirmar que a arte comunica, isto não ocorre apenas porque ela transporta informações ou mensagens, ou porque reproduz situações psicologicamente emblemáticas, mas porque, por sua expressividade, pode estabelecer uma empatia capaz de envolver os espectadores afetivamente. Dessa forma, se, do ponto de vista poético, cada obra de arte ou produto cultural procura promover a adesão do fruidor, a partir do enquadramento de sua experiência estética singular na tradição narrativa dominante, isto não ocorre por mera submissão a sua condição hegemônica, mas por sua função de integração histórica, uma vez que a narrativa, enquanto tal, é a forma primária de assimilação e compartilhamento da experiência. As demais formas expressivas apenas potencializam, no âmbito plástico, a circularidade e sua dinâmica de retomadas e antecipações, já estabelecida pelo encadeamento narrativo (RICOEUR, 1997, p. 273-314). Pequena estética da comunicação

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Mesmo numa forma estática de expressão, como a pintura ou a fotografia, a experiência de fruição ocorre numa duração real. Assim sendo, a recepção, por si mesma, “narrativiza” a própria forma, para poder assimilá-la ao fluxo de uma experiência. Ao percorrer a imagem, em sua contemplação, o olhar desenvolve um trajeto narrativo, em que os processos de projeção e retrospecção se complementam e se transformam, atualizando, de maneira exemplar e compacta, a estrutura hermenêutica de toda experiência (o círculo pré-compreensão – compreensão). A própria obra de arte, antes de ser reconhecida como uma forma expressiva e muito antes de ser concebida como um discurso, é experimentada como um acontecimento exemplar, capaz de acolher a narração de inúmeros acontecimentos ou simplesmente mimetizá-los. Ao atualizar-se, na leitura, proporciona ao espectador uma experiência em segundo grau, uma experiência da experiência, um modelo arquétipo de todo “fato” possível, capaz de assimilar uma série de acontecimentos particulares, remetendo-os às condições e aos processos fundamentais da existência. A dinâmica da “identificação estética” extrapola, portanto, o âmbito psicológico e revela a forma mais originária de adesão do espectador à condição do próprio existir: sentir-se inserido num fluxo, ter um horizonte, reconhecer-se como ser-no-mundo. O prazer desta forma radical de participação dissolve o sujeito num magma originário, que se confunde, inicialmente, com a eufonia de sua comunidade, manifesta-se, 172

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em seguida, como convergência de valores e revela-se, afinal, como uma verdadeira intercorporeidade, pela qual o sujeito da recepção se dá conta de sua sujeição ao mundo da vida. Apesar de nossa civilização estar habituada a situar todo investimento expressivo no âmbito do sentido, a investigação da comunicabilidade estética, que lhe serve de base, leva-nos a constatar que aquele investimento se inicia como valorização da alteridade e busca de contato. Enquanto meio de uma comunhão sensível, a comunicação não se caracteriza apenas (ou principalmente) por transmitir ideias abstratas ou transferir vivências individuais, mas por resgatar e ampliar o círculo originário entre o vital prazer de existir e o incontornável medo de morrer, ambos suscitados pelas circunstâncias criadas ao construirmos um mundo comum.

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“Este livro foi impresso na Viena Gráfica e Editora para a Livraria e Distribuidora Multicampi Ltda – Editora Arcádia em 2017, no formato 13 x 19,5 cm, em papel pólen soft 80g no miolo e cartão Triplex 250g na capa, em primeira edição, com tiragem de 300 exemplares. Fonte usada: Garamond corpo 12”


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