PEQUENAS CRÓNICAS MEMÓRIAS DA GUERRA EM TEMPOS DE PAZ - José Leal

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PEQUENAS CRÓNICAS MEMÓRIAS DA GUERRA EM TEMPOS DE PAZ José Leal Soldado, Angola, 1972-74 nasceu a 9 de julho de de 1951, em completa. Montemor-o-Novo. Cumpriu a recruta nemJosé queLeal passem por ela. São 2 anos tortura Não vou falar dos feridos nem em Beja e tirou especialidade no Regimento Transmissões do Porto. Foi a 12 de novembro de 1972 que se dosamortos, isso é o que as pessoasde vêem todos os dias.

despediu da família e embarcou num avião na Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa, rumo a Angola, onde esteve durante 24 meses, entre 1972 e 1974. José Leal foi soldado (testemunho de José Leal, CMMN, 2021) radiotelegrafista na Companhia de Comando e Serviço do Batalhão de Caçadores 4611. Sou um combatente. Porque isso de ex-combatentes não existe. Somos combatentes a vida toda. Passei 2 anos em Angola, a ver o que não queria ver. Não é muito fácil falar disto. Fui radiotelegrafista, rádio em morse ou grafia, são mensagens em cifra, secretas, que vêm em código, o qual só mudava de 5 em 5 anos, e que apenas o operador cripto podia descodificar. Eu lia as que vinham “em claro”, sem cifra, mas tinha conhecimento das outras também. Eu lia mensagens que não queria ler. Dormi mal e senti-me mal com todas estas torturas que nos faziam, de ter de saber que mais um camarada tombou, mais uma bala... mais uma mensagem a pedir “uma mala forrada e acessórios”, que era o código para mais uma urna preparada para o não sei quantos. Isto passou-se ao longo dos 2 anos.

(fotografias cedidas por José Leal)

Enquanto operador do Centro de Transmissões, o soldado José Leal tinha o conhecimento antecipado das operações a executar. Ordens que só poderia partilhar com os seus superiores e nunca com os seus camaradas de caserna, aqueles que deixariam o seu sangue, ou até os seus corpos jazidos em terras tão distantes. O terror da guerra está presente em cada palavra, mais ainda em cada silêncio do seu testemunho. A morte, na guerra, é um verbo, uma ação que não cessa. José Leal viu amigos seus morrerem numa guerra que nunca consideraram ser a sua, nem tão pouco seus os inimigos dessa guerra. E teve que conviver com esses mesmos amigos naquelas noites em que só ele, o soldado radiotelegrafista, poderia imaginar serem a última. A gente dormia em “Porto Rádio” e na caserna não fazíamos turnos. A malta queria era jogar uma cartada, uma suecada, e a sueca joga-se a 4. Eu estive muitas vezes a jogar com camaradas que sabia que às 3 da manhã seriam chamados para operações em zonas muito complicadas. Ficava a olhar para eles. Eles não suspeitavam de nada. Eu nem me concentrava nas cartas. Será que para a semana ainda jogamos uma cartada?...


José Leal é atualmente o Presidente do Núcleo de Montemor-o-Novo da Liga dos Combatentes, onde desempenha um papel social de enorme valor, sobretudo junto da comunidade de combatentes mas também junto de todos os montemorenses, através do seu exemplo de enorme humanismo. A não menos difícil quanto urgente partilha do seu testemunho em prol da Paz, assim como a de outros combatentes que a ele se juntam, deveria servir para todos enquanto lição. A guerra é uma coisa que eu gostava que não aparecesse mais enquanto andar por cá. Aquilo foi um terror e não vou falar mais... aquilo que eu vi não quero que ninguém veja, nem que passem por ela. São 2 anos de tortura completa. Não vou falar dos feridos nem dos mortos, isso é o que as pessoas vêem todos os dias. (testemunho de José Leal, CMMN, 2021)

Liga dos Combatentes / Feira da Luz 2019

Sessão solene da atribuição da Medalha de Honra ao Mérito – Grau Ouro a Hortênsia Menino, Presidente da Câmara de Montemor-o-Novo, pela Liga dos Combatentes, a 11 de novembro de 2019, no Forte do Bom Sucesso, em Belém. Condecoração atribuída pelo apoio dado pela Câmara Municipal ao Núcleo de Montemor-o-Novo da Liga dos Combatentes.

MONTEMOR-O-NOVO - -

TERRA DE abril


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