Brochura Madre Purificação dos Santos Silva

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JANEIRO 2024

COMISSÃO MUNICIPAL DE TOPONÍMIA

MADRE PURIFICAÇÃO DOS ANJOS SILVA 1904-1988

Fundadora da Congregação das Irmãs Ser vas da Sagrada Família



Madre Purificação dos Anjos Silva A Comissão Municipal de Toponímia, a que presido, e a Câmara Municipal de Lisboa aprovaram por unanimidade a atribuição do nome da Madre Purificação dos Anjos Silva a um arruamento de Lisboa, na Freguesia de Alvalade, junto à sede do Governo Geral da Congregação das Irmãs Servas da Sagrada Família, na Avenida Almirante Gago Coutinho. Fizemo-lo por imperativo de um caminho a percorrer no sentido da equidade entre géneros refletida na toponímia da cidade, ainda com uma prevalência de personalidades masculinas, tendência que procuramos inverter e equilibrar. Fizemo-lo por homenagem a uma figura feminina que merece reconhecimento público, que dedicou a sua vida aos outros, aos mais desfavorecidos, “uma clara opção pelos pobres: pobres de pão ou de carinho, de saúde ou de cultura, de fé ou de esperança.” A Congregação das Irmãs Servas da Sagrada Família foi iniciada a 12 de novembro de 1942, por Purificação dos Anjos Silva, madre fundadora, no seguimento rigoroso de duas premissas essenciais: “O serviço dos mais pobres, assistidos em especial ambiente de Família.” Uma atitude humanista, de uma personalidade revestida de humanidade, fundadora de uma instituição que ainda hoje se dedica às causas da caridade, da solidariedade social, sobretudo da educação com base na humanização, na qual a liberdade e a responsabilidade, com forte sensibilidade comunitária, ocupam lugares cimeiros no processo educativo das crianças. A escolha de valores fundamentais como a verdade, a justiça e a amizade ganham particular significado na ação educativa e na missão da Congregação que Madre Purificação fundou em Lisboa e que a partir da nossa cidade se expandiu para Aveiro, Évora, Açores, Fátima e desde 1967 que se alargou a outros continentes, instalando-se em Timor, depois Moçambique e S. Tomé e Príncipe. Fica um registo na memória de Lisboa através desta homenagem sentida à mulher de fé, altruísta, que da sua humildade robusteceu a confiança e a coragem, que nos deixa obra social feita e pensamentos como “A paz é o sossego do espírito e o fruto de uma boa consciência”, que não poderia deixar de partilhar.

Diogo Moura Vereador da Cultura 3


A origem Tal como acontece com as grandes figuras que ultrapassam o tempo, pouco se sabe da infância da nossa Fundadora. A Madre Purificação nasceu a 7 de março de 1904 na humilde aldeia de Miuzela do Côa, concelho de Almeida, distrito da Guarda. Filha de Maria Luísa da Silva e Francisco de Almeida Nave, recebeu o sacramento do Batismo no dia 30 de março de 1904, recebendo o Espírito Santo e o dom da Fé, com o nome de Purificação dos Anjos Silva. De temperamento forte, cresceu no seio da sua calorosa família, vivendo num verdadeiro ambiente são e de recolhimento onde, apesar da alegria, o trabalho duro e o espírito de sacrifício permaneciam nesta origem pobre e humilde. Conheceu, ao todo, cinco irmãos, quatro rapazes e uma rapariga. Juntos, formavam uma família numerosa em tempos difíceis. Tempos esses em que, mesmo apesar de tudo, havia espaço para o diálogo e brincadeiras no aconchego do seu lar.

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◊ Miuzela do Côa

Aos sete anos, ingressou na escola primária. Tinha por hábito acompanhar a sua mãe nas tarefas de casa, assim como na responsabilidade que assumia com a ornamentação da igreja paroquial. A observação do serviço da mãe levava a que as suas brincadeiras recriassem os altares e a organização de procissões com os amigos da sua idade. Aos 10 anos, no primeiro encontro com Jesus Sacramentado, iniciou a descoberta da grande paixão pela entrega total da sua vida ao serviço da Igreja. Ao longo da adolescência, foi desenvolvendo a sua intimidade de oração dialogada junto do Sacrário, procurando todas as oportunidades e espaços para poder permanecer junto Dele.

Foi o despertar do seu grande chamamento.

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Ao Encontro da Vocação Se, até então, para a mãe era belo viver o sonho da sua filha, a partir do momento em que lhe confiou o segredo de querer ser consagrada como religiosa, resistiu em deixar Purificação partir. Contudo, fiel ao chamamento interior que nunca a deixou, sentiu-se impelida pela força do Espírito Santo, deixando a sua terra natal para ir ao encontro do seu sonho. O dia rompera e a hora da chegada do comboio não vinha longe. De mala aviada, Purificação, apesar da insistência dos familiares e amigos, partiu confiando sempre na força dos desígnios do projeto de Deus sobre ela.

Chegada a Elvas, ao ver que ninguém a esperava, sentiu-se perdida. Não conhecia ninguém e não tinha a certeza de saber se a esperavam sequer. No entanto, Deus nunca abandona aqueles que confiam Nele. Tal como um anjo, surgiu um rapaz que a ajudou a chegar ao destino, o colégio Luso-Britânico das Irmãs Teresianas de Elvas.

A entrada no colégio das Irmãs Teresianas de Elvas deu-se no dia 25 de maio de 1922. Neste semi-internato Luso-Britânico, a vida de aspirantado nem sempre lhe correu de feição, dado que as aspirações da sua vocação religiosa voavam mais alto, num desejo de maior intimidade com Deus, talvez em maior recolhimento e mais oração, como parece tê-la concebido e vivido nos primeiros instantes de entrega, ainda na sua terra natal.

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Esperavam-na trabalhos duros de provação, onde a sua aplicação aos afazeres mais comezinhos, como sejam as limpezas da casa e a faina da cozinha, levaram as superioras a retê-la mais tempo que o normal, pois necessitavam dela por ser útil e responsável. Depois de alguma insistência, Purificação recebeu a tão esperada notícia de partida para Tortosa, em Espanha, que era onde as postulantes faziam a sua prova vocacional. Foi a 15 de outubro de 1924, dia de Sta. Teresa de Jesus, que deu início, finalmente, ao seu noviciado. Aí, sentiu um diálogo mais íntimo e permanente com Deus, aprofundando a interioridade da oração, nos momentos dedicados ao silêncio. Decorridos cerca de dois meses, numa bela tarde de dezembro, aconteceu algo de indescritível que marcaria para sempre o maior e o mais decisivo rumo da sua vida. No burburinho de uma pausa de recreio, ouviu então, meio recolhida e meio perturbada, expectante, uma voz interior. Fechando os olhos e tornando-se a voz mais clara e nítida, ouviu “melhor do que se fosse com os ouvidos”: - Quero que fundes uma Congregação muito pobre, muito humilde e muito observante. Estas foram as palavras mais marcantes da sua existência, cravando um verdadeiro marco para a sua Congregação.

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A Fundação Entretanto, em Espanha os dias corriam agitados. Perante o turbilhão da Guerra Civil que eclodira, a igreja foi perseguida, as ordens religiosas esbulhadas e os seus bens confiscados. Foi este o ambiente vivido pela Madre Purificação numa das zonas mais conturbadas, Barcelona. Terá sido esse o motivo pelo qual as Superioras impuseram o regresso de todas as religiosas cuja nacionalidade não era espanhola aos seus países de origem. Retomamos, neste contexto, a chegada da Madre Purificação à Comunidade das Teresiana de Santo Tirso, corria o ano de 1942. Uma vez chegada a Portugal, a interpelação do Céu tornou-a de novo e não duvidou que esse pedido tinha de cumprir-se: “Quero que fundes uma Congregação muito forte, muito humilde e muito observante”. Balançando-se num grande conflito interior entre o dilema de ser fiel aos votos solenes na Congregação das Irmãs Teresianas ou sentindo que as abandonaria, numa troca justa para que a sua própria Congregação fosse a resposta ao seu segundo chamamento, a fundação da Obra. Assim se passaram anos a fio, entregue ao silêncio e à oração. Guardado ao longo de 20 anos, confiou este segredo ao seu Diretor Espiritual, o Padre José Maria Alves, S.J. Sozinha, não teria sido capaz de pedir a saída à Madre Geral e assim o virtuoso sacerdote prontificou-se a fazê-lo, com a apresentação de um documento para que fosse dispensada dos votos. Sentiu que era em Lisboa o campo de ação que o Senhor lhe traçara, encaminhando-lhe os passos, mesmo quando idealizava outras rotas, nomeadamente na cidade do Porto, onde tinha mais conhecimentos. Contudo, também o seu confessor concordou com a iniciativa da fundação da Obra na capital, pois ali se encontrava perto da sua família e havia muitas famílias necessitadas na cidade.

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Quanto ao nome a dar à Obra, durante a elevação da sagrada hóstia na Missa da Aurora, conta que ouviu com clareza o nome de Servas da Sagrada Família. Sem especial devoção à Sagrada Família, sentiu-se surpreendida: “Não sei como explicar estas coisas…”. Uma vez chegada a Lisboa, instalou-se em casa da sua família que a recebeu de braços abertos. A bênção da consagração do seu esforço que só a fé podia coroar com a criação desta Obra manteve-se de mãos dadas às dificuldades sentidas nos primeiros tempos. O peso do valor do aluguer e da caução necessários à primeira casa do n.º 27 na Rua Actor Isidoro, em Lisboa, foram exigentes mas a oportunidade não foi desperdiçada. A abertura e fundação da Obra aconteceu no dia 12 de novembro de 1942, quando entraram na Casa as primeiras crianças carenciadas. Era o berço da Congregação. Nesse mesmo dia, o Cónego Joaquim Martins Pontes, prior da Igreja de Arroios, onde a Irmã Purificação colaborava ativamente, entregou-lhe uma Declaração na qual constava que S. Eminência, o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, concedia autorização para abrir a Casa de Caridade, chamada das Irmãs Servas da Sagrada Família.

◊ A Madre Purificação com a sua sobrinha, Irmã Maria dos Santos, que veio ajudá-la à idade de 12 anos, ainda servindo a Congregação até aos dias de hoje. 11


A obra desabrochava de dia para dia. Era tal a afluência de crianças necessitadas que, passado somente um ano, tiveram de se mudar para a Rua Carlos Mardel n.º 96, onde ocuparam três partes do edifício. Como toda a obra que tem o selo de Deus, as Casas foram proliferando com uma regularidade impressionável, de acordo com as necessidades que se apresentavam ao seu espírito dinâmico e apostólico, acompanhando e ajudando no crescimento e desenvolvimento das crianças que a rodeavam.

Em 1943, deu-se um passo importante na Congregação, ao adquirir-se o primeiro imóvel localizado na Av. Almirante Gago Coutinho, n.º 72. O Lar de S. José, anteriormente iniciado na R. Carlos Mardel, foi transferido a 15 de novembro de 1954 para esta morada, atual sede da Congregação das Irmãs Servas da Sagrada Família desde 1982 até aos dias de hoje. Ali funcionou como escola Primária e Infantil e ainda como internato feminino.

E a Obra foi crescendo e alargando os seus raios de ação por várias dioceses: Lisboa, Aveiro, Açores, Évora, Timor, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

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◊ Rua Actor Isidoro, n.º 27 - Berço da Congregação.

◊ N.º 96 da Rua Carlos Mardel.

◊ N.º 72 da Avenida Almirante Gago Coutinho. Adquirido em 1943 pela Congregação. 14


Partida para o Pai O seu espírito de mulher de ação ao serviço de Deus nunca a descansou. Concluída a Obra que se assumiu como a sua grande e verdadeira missão, as criancinhas eram a sua companhia de eleição. Com o avançar do tempo e da idade, a sua saúde foi-se deteriorando, embora a força do seu espírito resiliente nunca se queixasse com desconforto ou dores. Os últimos momentos aproximavam-se… A tarde cinzenta de sexta-feira, 22 de janeiro de 1988, adivinhava o infeliz e inevitável desfecho. Sob um Sol encoberto, chuva miudinha e frio glacial, na Casa da Comunidade da Divina Providência do Restelo, numa colina sobranceira ao Tejo piorava a agonia da Madre Fundadora, cuja consolação e últimas forças residiam na oração. A certo momento, exclamou: “- Ai, tanta dor! Eu vou morrer!” E assim foi deixando, lacrimosas e de terço na mão, aquelas filhas amadas, que vieram reunir-se à volta do seu leito. Era o desenrolar dos últimos acontecimentos. Por várias vezes, a Madre percorreu os olhos de cada uma das Irmãs ali presentes. Numa dessas vezes, demorou-se mais detidamente. Em silêncio se deu o adeus da sua despedida. A respiração tornou-se cada vez mais ténue até que, por volta das 17h10min cessou definitivamente. Aquele coração que tanto tinha amado e feito erguer a Congregação do nada, das pedras das ruas de Lisboa, deixou de bater.

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◊ A última presença da Madre Fundadora num dos Capítulos Gerais da Congregação.

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A GA V. G O A LM CO I R A UT NT IN E HO

A cidade de Lisboa, em sinal de profundo reconhecimento e agradecimento à Madre Purificação dos Anjos Dias, cujo espírito de missão, pleno de fé e inspirado na Sagrada Família, a conduziu ao serviço dos mais pobres, ou, como afirmou nas suas “Constituições”, a um caminho «de pão ou de carinho, de saúde ou de cultura, de fé ou de esperança», tem a honra de perpetuar o seu nome na memória toponímica da cidade, atribuindo-o a uma rua da Freguesia de Alvalade.

RUA MADRE PURIFICAÇÃO DOS ANJOS DIAS

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A GA V. G O A LM CO IRA UT NT IN E HO

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FREGUESIA DE ALVALADE 17



FICHA TÉCNICA

EDIÇÃO_

Câmara Municipal de Lisboa PRESIDENTE _

Carlos Moedas PELOURO DA CULTURA_

Diogo Moura

DIREÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA_

Laurentina Pereira

DEPARTAMENTO DO PATRIMÓNIO CULTURAL_

Jorge Ramos de Carvalho

TÍTULO_

Madre Purificação dos Anjos Silva

TEXTOS_

COORDENAÇÃ_ António Adriano Irmã Maria Olívia Pereira Rego DESIGN_ Ana Filipa Leite

DEPÓSITO LEGAL_

TIRAGEM_ 100 526648/24

EXECUÇÃO GRÁFICA_ IMPRENSA MUNICIPAL DE LISBOA

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