Caderno Literário Pragmatha # 26

Page 1

Editora Pragmatha Porto Alegre, Março/2010 Ano 03. Número 26 Circulação gratuita

Caderno literário Pragmatha Poesia e transporte


Caderno literário

Editorial Editar o Caderno Literário é sempre uma grande surpresa. Cada edição é uma caixinha da qual podem saltar tantas possibilidades quantas a sensibilidade e a imaginação permitirem. Os temas, por vezes, até podem ser óbvios e naturalmente poéticos, mas a previsibilidade, para o resultado, raramente se aplica - tamanha a variedade de formas, estilos, vocábulos, ângulos de percepção e análise, e também de expressão que um único ponto suscita nos olhares que a ele se dirigem. E quando esbarra em ‘proposta editorial’ como, por exemplo, meios de transporte? Surpresa, surpresa, surpresa, a cada email aberto, poema lido, relido, diagramado, editado, revisado e disparado! Por isso não canso de repetir: pra mim, a quem a poesia não se mostra, revela ou entrega, editar o Caderno Literário Pragmatha é uma grande honra. Desejo uma boa leitura, ao mesmo tempo em que agradeço ao poeta Dimythryus, autor da imagem que ilustra a capa, escolhida em votação pelos poetas do projeto.

Sandra Veroneze Editora

02

Caderno Literário é uma publicação da Pragmatha Laboratório de Ideias e Gestão de Projetos. Porto Alegre/RS. Fone 51 3398 0134. www.pragmatha.com.br, e-mail revista@cadernoliterario.com.br. Ano 03. Número 26. Março/2010. Editora: Sandra Veroneze. Msn: pioggia76@hotmail.com. Skype: sandraveroneze. O conteúdo dos poemas é de responsabilidade de seus autores.


Caderno literário

Índice 05 - Enquanto o ônibus não vem / Valquíria Gesqui Malagoli 06 - A propulsão humana / Coelho de Moraes 07 - Sonhador / Carlos Vanilla 08 - Trânsito / Valdeck Almeida de Jesus 09 - Sem pernas para tanto / Fabio Daflon 10 - Trânsito / Dimytryus 11 - Infinito / Sandra Veroneze 12 - Todos os carros / Bruno Vargas 13 - Ferrugem / Renata Iacovino 14 - Eu não sei andar de bicicleta / Gabriella Slovick 15 - Livre de poluentes / Tino Portes 16 - Caminho alado / Lúcia Constantino 17 - Elevador / Gustavo Gollo 18 - Viajadores / Antenor Rosalino 19 - Transitório / Geraldo Trombin 20 - A melhor viagem / Ed Carlos Alves de Santana 21 - Magrela / Carlos Leser 22 - Nas asas do vento / Rubens Lace 23 - Aeroportos / Mário Feijó 24 - Poema férreo / Flávio Machado 25 - Tempos modernos / Jusberto Cardoso Filho 26 - Cair e levantar / Edinan Almeida 27 - As personagens do meu ônibus / Reginaldo Honório da Silva 28 - A alma da embarcação / Marcelo Moraes Caetano 29 - Esperando o ônibus / Flavio Machado 30 - Poesia... Meu transporte / Kastrowiski 31 - Piuiu... uiu... / Conceição Pazzola 32 - Carretas / Joaquim Moncks 33 - Repousa / Tânia Diniz 34 - Meu corpo / Marcos de Andrade 35 - Porto / Jade Dantas

03

36 - Percursos, ab urbe condita / Guilherme Carvalho da Silva 37 - Transpoema / João Evangelista Rodrigues 38 - Teletransporte / B´Ro. 39 - O voo da bola de tênis / Odenir Ferro 40 - Marulho / Marta Velozo 41 - Lembranças / Alessandra Cezarini Araújo 42 - Carretas das tardes / Fabiana Fraga da Rosa 43 - Meu voo / Tchello ´d Barros 44 - Veículo / Karla Hack dos Santos 45 - A rota da vida - Rodrigo Valverde Beitum 46 - Transporte da saudade / Nere Beladona 47 - Portas escritas / Sandro Kretus 48 - Eu quero saber / Janjão 49 - Pequeno poema de após a rotina / Valdir Azambuja 50 - Filosofia fotocomposta / Isabel Máximo 51 - O ônibus da escola / Adriana Pavani 52 - Gado urbano / Ricardo Santos 53 - Pelos trilhos de um trem que não vem ainda / Clevane Pessoa 54 - Andanças / Bilá Bernardes 55 - A navegante / Elaine Pauvolid 57 - Silencioso inverno / Ronaldo Campello 58 - Secretice / Douglas Tedesco 59 - Ícaro urbano! / Ricardo Mainieri 60 - Egéria / Ronaldo Campello 61 - Pra que dizer ‘eu te amo’ / Antonio Ó Urso 62 - Isso que vive e gira / Manoel Guedes de Almeida 63 - Problemas / Evanise Gonçalves Bossle 64 - Máquinas do crime / Amélia Luz Capitu


Poesia e transporte


Caderno literário

Enquanto o ônibus não vem Valquíria Gesqui Malagoli Jundiaí / SP

Enquanto o ônibus não vem, vou praticando a leitura. As letras nos entretêm... São passaporte à cultura! Quando se entra no veículo, no empurra-empurra – ah – um lugar! Há um crente a ler um versículo, e um bebê a cochilar. Da janelinha é possível olhar, lá fora, os pedestres. Saber, dali, é impossível Quais são alunos... quais mestres! Tem a criança que chora... Tem as meninas de salto... Quem chega e quem vai embora... Tem chão de terra e de asfalto. Todos, enfim, dia a dia (uns rumo à escola, outros não), uns buscam sabedoria... outros, pôr na mesa o pão!

05


Caderno literário

A propulsão humana Coelho de Moraes Mococa / SP

Tempos de décadas de idas e vindas Anos e décadas em rede em canoa em batel pé na estrada Kerouac já tomei do meu chapéu pede tanto o mundo todo / deixa fora o desperdício brinda o povo andando a pé / pé na estrada / mundaréu pé na rua / tempo passo a passo tempo / pé ante pé educa e sana o corpo meu Eu não tenho carro / não tenho não... não poluo por aí / não por mim nem por ninguém Pode ser que seja útil ter um carro mas não é pra todo dia Bicicletas uso tanto e tantas vezes que das vezes me perdi Ser pedestre é natural / ah! Tempo real cara ao vento / com cuidados triciclos tive muitos em criança patim era outro meio / rolimã / pedalinho / patinete patinete nem te falo elegante porte aberto / peito inteiro a pleno vento / orgulho e prosa há quem sofra por andar / há quem sofra por ser vivo a força própria do seu corpo ai, como isso dói

06


Caderno literário

Sonhador Carlos Vanilla Sorocaba / SP

No ônibus eu estava e uma grande multidão, sentados e os de pé, todo composto. Fui então que ela entrou e foi parando o complexo povo, e vi o seu rosto. Em seus olhos criavam um gesto de inocência. Mas todo aquele povo admirava a sua existência. E no corredor do ônibus ela espalhava perfume de ardência. Todos os bancos estavam lotados e do meu lado estava vazio e de uma senhora também, mas que estremecimento... Ela vinha para sentar num deles, e qual a escolheria? Eu fazia de tudo, até pensamento positivo, mas que alento... Não acreditei, ela sentou do meu lado e me envolveu na sua inspiração. A minha carne fraca e tola se resumia em paixão. Ver o seu rosto lindo, a sua boca e os traços de seu rosto era para mim uma fascinação. O gesto e movimentos com os seus cadernos eram serenos. Como se a minha paixão espontânea fosse comparada a uma dose letal, Ó quão mortais venenos. Assim o meu pensamento é quebrado por uma campainha de ônibus, que anunciara a descida da minha amada, exuberante e suprema. Ela desce e tudo volta ao normal, o mesmo ponto, o mesmo bairro e digo: Porque vivemos na extrema. As suas vestes comportadas ludibriavam os olhos perversos. O seu andar estimulavam várias fórmulas e versos.

07


Caderno literĂĄrio

Trânsito Valdeck Almeida de Jesus Salvador / BA

Motoristas aflitos AutomĂłveis coloridos Do ano ou antigos Chamados perigos. Incautos assassinos Culpados da morte De muitos pedestres Distantes da sorte. Pedestres negligentes Culpados de acidentes Com muitos motoristas. Motoristas imprudentes Culpados de acidentes Com pedestres na pista.

08


Caderno literário

Sem pernas para tanto Fabio Daflon Vitória/ ES

09

carro de rolimã barco movido a pilha infância velocípede

o trem da vida toda é a composição dos vagões da família

ônibus escolar bicicleta e lambreta puberdade veloz

patins vi na menina nascida após o amor da escolha bem adulta

Volkswagen branco foi antes do avião da juventude breve

o carro do dever se compra a gasolina provoca efeito estufa

navio todo em ferro compôs o trem da esquadra da vida de marujo

mas cadeiras de roda nas paraolimpíadas e nunca na velhice.


Caderno literário

O vapor Dimythryus São Paulo / SP

Corre máquina, voa depressa Lança fagulhas No rastro das linhas que pintavas Risca de pedras os subúrbios Desenhas as vozes da minha imaginação. Apita, sacode novamente as árvores Retoma de brilho as extintas várzeas Enche-nos o olhar de um todo negro Da cor que irradia de seu corpo quente Das fagulhas que te chispam do passado. Voa Maria fumaça, voa Traz de volta nosso orgulho Desenha novamente nossas vilas Resfolega bem alto Para novamente arrancar o fôlego da nossa paixão. Amada Baldwin dos fios dourados Amada nuvem de rosas vaporosas Retoma seus caminhos Reporta-nos ao tempo em que reinavas Carrega seu tender e nos leve de volta sob suas asas.

10

Neste vale de gente Nos esprememos de modernidade E nos tingimos com olhares de inox Que ofusca entre rodas descarriladas Neste vale de gente o vapor se apagou.


Caderno literário

Infinito Sandra Veroneze Porto Alegre / RS

O céu é o limite Agora que você chegou Amor que faz e deixa voar

11


Caderno literário

Todos os carros Bruno Vargas Bagé / RS

As máquinas motorizadas passam a noite pelas ruas molhadas e amanhã estarão dispostas a levar seus donos para um passeio romântico ou a trabalho. Uma garota com a bunda presa no banco do carona que nem é mais carona pois ele é o motorista ou ela é a motorista levando seu cara para cima do morro para poderem ver a chegada da noite o começo do amanhã Então se ruma aos postos vinte e quatro horas para apreciarmos um café quente e vadio que sai de uma máquina idiota. Nada o carro tem com isso.

12


Caderno literário

Ferrugem Renata Iacovino Jundiaí / SP

A velocidade engoliu os trilhos desta e de tantas ferrovias. A rapidez com que o consumo nos consome, fez-nos agir assim... com desfaçatez frente à história. Hoje, nenhum veículo possui o calor da locomotiva a vapor. Hoje, os automóveis carregam a total ausência de conteúdo, sem passado, sem presente... Hoje, inexiste acenos, e o apito silencioso é o que embala alguma memória. Hoje, os vagões são elementos subtraídos de si mesmos, restando ali uma vaga ferrugem, que não corrói as mentes humanas, pois que de tanta indiferença buscam por paisagens que habitam o além-trilho, e sob esta terra enterram sonhos... sonhos que conduziram gerações.

13


Caderno literário

Eu não sei andar de bicicleta Gabriella Slovick Rio de Janeiro / RJ

Lá estava ela... A primeira bicicleta. Que maravilha poder sentir o vento no rosto... Aquela sensação me invadiu quando olhei meu presente: a primeira bicicleta. Uma emoção! Liberdade! Liberdade! Pensei em correr e fazer curvas! Uma tentativa... Duas tentativas... Três tentativas... Quarenta anos se passaram. Ainda lembro bem Da primeira bicicleta. A primeira, única e última. Como passar por esta vida sem pedalar? Pois eu não sei andar... Nunca aprendi a equilibrar a vida nem me equilibrar numa... BICICLETA!

14


Caderno literário

Livre de poluentes Tino Portes Santa Rosa do Viterbo / SP

Quando pequeno, eu ia de trem A lugares onde jamais foi alguém. Porque, se o corpo estava num vagão, Ah... a mente tinha asas de avião! Hoje em dia a vida é um vai e vem; Coisa alguma por completo me entretém. Parece até que a vida vai na contramão! Bom mesmo era ir de garupa... solta a mão... Quem já foi assim livre sabe bem Que a memória é a maior viagem: Transporta-nos sem causar poluição Ao meio ambiente ou ao coração.

15


Caderno literário

Caminho alado Lúcia Constantino Curitiba / PR

Ainda é sonho secreto nas minhas noites de turbulência. Aquela dança azul de minha alma, sem nome, sempre renascida sob os olhos das estrelas. Aquele sonho que é meu mais belo tempo deixado entre roseirais, de onde parti, já faz muito, com meus olhos de penumbra. Não posso tocá-lo. É cristal. Cristal nos meus olhos. Esse trem de minha infância (e suas asas humanas que atravessaram um dia, meus bosques e vales entre Curitiba e Maringá) me cadencia na pauta da saudade que ainda estou viva e que os retratos não são velhos, nunca foram - nunca serão. Só ganharam a cor das auroras.

16


Caderno literรกrio

Elevador Gustavo Gollo Rio de Janeiro / RJ

Eleve-me elevador, Eleve-me!

17


Caderno literário

Viajadores Antenor Rosalino Araçatuba / SP

Escondendo vestígios de sonhos ocultos, amanhece o dia, ostentando respingos de orvalho no negro asfalto e nas paredes de concreto. A população cumpre o seu círculo dial, utilizando os meios de transporte, tomando rumos diversificados ao lazer ou ao trabalho. A necessidade urge nos olhares orvalhados: correrias de gente que vem e vai e, por fim, o assento e a espera no banco trêfego sobre quatro grandes rodas! Vez por outra, freadas bruscas, inesperadas... Mas os passageiros seguem: cumprem o ritual por meios terrestres, marítimos ou viários... Nas viagens próximas ou longínquas, criam-se elos gratificantes e inesquecíveis de amizades imorredouras! A cada viagem uma história: indefinições disseminadas de alegria ou de dor.

18


Caderno literário

Transitório Geraldo Trombin Americana / SP

Terminal rodoviário, ferroviário, portuário; Terminal aéreo; Terminal de passageiros; Vida terminal. Está tudo terminando. Está tudo terminado. É o fim. Viu! Estamos aqui só de passagem. Por isso, adeus! Eu também já estou indo!

19


Caderno literário

A melhor viagem Ed Carlos Alves de Santana Alagoinhas / BA

Quando ponho a cabeça em meu travesseiro vem-me as lembranças de quando de minha infância passava as férias na casa de minha avó em Satiro Dias-Ba Me lembro do piso de tijolos feito na olaria de meu avô, É como se meus pés sentissem aquele friozinho. Mas tudo passa, permanece a lembrança, Insiste a saudade, às vezes fico triste, Porém enxugo as lágrimas, e continuo, Tudo foi um sonho real, Se o tempo voltasse gostaria novamente de sentir o piso frio da casa de minha avó, Tudo passa, todos passam, Permanece a recordação, Muito feliz.

20


Caderno literário

Magrela Carlos Leser Montenegro / RS

Encontrei-a em um canto, solitária, enrolada em trapos e iluminada por uma nesga de luz que, pela janela, o dia lhe doava. Encontrei-a por acaso e um misto de remorso e alegria juvenil impediam meus passos, mas pediam recordações. Do primeiro encontro, do primeiro toque de mão, da sua maciez, das suas curvas, de todos os caminhos que descobrimos no passado, de tudo que passamos juntos. A tão sonhada liberdade e todos os nossos segredos. Minha bicicleta, minha confidente predileta. Como podemos ser tão cruéis quando crescemos?

21


Caderno literário

Nas asas do vento Rubens Lace Capão da Canoa/RS O espírito do artista Voa livre pelo espaço Captando nuances breves Pra transpô-las num pedaço De tecido ou papel ou ainda moldando-as no barro retocando com o cinzel. A criança sonha alto Naquele sorvete gigante Ou no super herói flamejante Na borboleta tão linda Ou no estranho coachar do sapo Antes que a mãe a chame Para lustrar o sapato. Mais alto voou ainda O sonho do criador Que deu asas a seus planos E a torre Eiffel contornou No 14 Bis intrépido que o mundo abismou. De Leonardo então Sonhos desenhados no papel Alguns até montados E, numa visão futurista Máquinas adivinhou Que hoje são realidade No mundo que já deixou. Viajar, nas asas do vento Livre, só com seu pensamento Há máquina mais perfeita Que o cérebro que nos foi dado Por um Inventor imaginário Mas que nos leva num segundo Ao infinito alcançar?

22


Caderno literário

Aeroportos Mário Feijó Capão da Canoa/RS

As luzes que piscam são formas de orientação forças do destino As naves seguem um brilho estático, morno, pálido, qual vaga-lumes agonizantes, portos, aeroportos, encontros, destinos e desatinos Escadas que sobem olhares que descem, suspiros e saudades rostos anônimos perdidos Nos passos que seguem sobram os pensamentos tristezas e saudades feito luzes inebriantes Poderosa sedução: flor e beija-flor; abelha e mel; nuvens e céu; estrelas e luar; pássaro no ar (E o desejo de voar)...

23


Caderno literário

Poema férreo Flávio Machado Cabo Frio/RJ

A chuva é como benção (chove miúdo sobre os telhados baixos de sapê Sobre o telhado marrom do Armazém Paratodos de Suruí) chuva criadeira na roça chuva erosiva no plantio morro acima (flor amarela do quiabo rusticidade do aipim pólen cor de ouro do milho) chuva de fim de estação lenta sobre os trilhos e no peito explode um poema férreo.

24


Caderno literário

Tempos modernos Jusberto Cardoso Filho Ouro Preto / MG

Tempos modernos... Tempos modernos de Charlie Chaplin! Anedotas do sistema. ônibus-metrô-elevador elevador-ônibus-metrô a fuga do vento a fuga do dia e eu prisioneiro como um arranha-céu.

25


Caderno literário

Cair e levantar Edinan Almeida Aracruz/ ES

Um dos meus sonhos de criança Foi ganhar uma bicicleta E quem sabe um dia ser atleta? Mas primeiro deveria aprender a andar E para isso Foi preciso cair e levantar Na pracinha, na rua... Em qualquer lugar Eu com minha bicicleta Caindo pra lá e pra cá Isso era importante Para mim aprender a andar... Até que um dia A bicicleta, comecei guiar E depois de tantas quedas Aprendi a andar Mas pensando bem... Bom era o tempo Que eu caia Pra lá e pra cá.

26


Caderno literário

As personagens do meu ônibus Reginaldo Honório da Silva Rio Claro / SP

Vez em quando Tem um velho de muletas Têm empregadas insatisfeitas Reclamando dos patrões... Tem a funcionária do banco A balconista da loja O estudante atrasado O cobrador sonolento O senhor risonho... Um negro excepcional Um carteiro fardado Um policial armado E um bebezinho chorando... Tem pais aflitos A procura de emprego Tem mães aflitas À procura do filho... Tem marido triste À procura da esposa Tem esposa insatisfeita À procura de amor... Tem gritos de espera Quando passa o ponto Quando não abre a porta Quando alguém atrasado Acena da esquina Em corrida maluca Para não perder a hora

27

Para não perder o emprego... Tem alguém que me ignora Tem alguém que me olha Que me diz bom dia Que me dá tchau Que me dispensa um sorriso... São tantas as personagens Do meu ônibus!... Cada uma com sua dor Com sua tragédia Com seu infortúnio E com sua felicidade... Mas nenhuma delas Sabe do que sinto O que penso... Nem faz idéia Que sou como elas... Tenho desencontros Tenho alegrias Tenho esposa Tenho filhos Tenho contas atrasadas E nome sujo na praça... Nenhuma delas sabe Da alegria que me invade Por vê-las todos os dias... Vivas!


Caderno literário

A alma da embarcação Marcelo Moraes Caetano Rio de Janeiro / RJ

Barcos velejam sólidos safáris, Torrentes de água e sal de ondas loquazes. Do argumento azul, o infinito quase Esquece a vastidão verde dos mares... ... das lagoas, das cachoeiras, dos vales... Partem sonhos em brancas caravelas, Naves de amor, pulmões a plenas velas, Fluem da Antártida ao País de Gales... Intermitentemente o seu tesouro Aqui, ali – no sobe e desce plenos – Nua, dentro, a renúncia dos acasos... No estrépito aquático, o duradouro Colhe marujos que possam, ao menos, Verter-se em profundos avessos rasos...

28


Caderno literário

Esperando o ônibus Flavio Machado Cabo Frio / RJ

a diferença entre o 347 e o 346 é uma questão de (h) uma (u)nidade.

29


Caderno literário

Poesia. . Meu transporte! Kastrowiski Palmas / Tocantins

O meio de transporte de um poeta É a capacidade de flutuar em meio ao imponderável. Fluir em um sonho Flanando entre nuvens... Usando o combustível da percepção Enquanto homens-máquinas Descontroem suas vidas Tentando chegar a lugar nenhum. Eis o poeta...transportando-se aos mais distantes lugares Sem mesmo sair do lugar. Eis o poeta...

30


Caderno literário

Piuiu. .uiu. . Conceição Pazzola Olinda / Pernambuco

Lá vai o trem que me leva Cada vez vai mais depressa Cada curva é uma promessa De uma parada ou de chegada Segue a viagem sem trégua Pelos trilhos passam estações De vez em quando ele sossega Ano após ano, lá vai o trem. Sem que perceba, vou sozinha Levo na viagem todas as escolhas Cada vez seguimos mais depressa Cada curva é só uma promessa A minha chegada se avizinha! Passam os anos, vão com o vento Mal desmancham os cabelos Para trás deixo breves momentos Apagam-se imagens no espelho

31

Lá vai o trem que me leva De quando em vez ele resfolega Distante da hora de partida Falta só uma breve trégua Nessa viagem só de ida.


Caderno literário

Carretas Joaquim Moncks Passo de Torres/RS

Carregas estafas e andanças e em mim a outrora criança: ressoam cirandas e lanças. E o gemido de liberdade é um aboio nos confins da terra. Carretas, rondas do tempo, maniáticas de sóis e lunaréus. Nave do nauta telúrico, rancho sobre duas luas, gêmea de pampas, estrelas e léus, roçando várzeas, lançantes, traçando cíclica gesta: esperanças, trabalho e terra. Nas lonjuras dos caminhos, sofrendo encruzilhadas e escarcéus, arremataste ao gaúcho verdades abertas no céu.

32


Caderno literário

Repousa Tânia Diniz Belo Horizonte / MG

sob a árvore sobre o carro repousa o joão-de-barro!

33


Caderno literĂĄrio

Meu corpo Marcos de Andrade Passo Fundo / RS

Leve feito pluma Pesado feito chumbo Suave feito brisa Arrasador feito “El Nino� Assim vai meu corpo Deslizando nas sendas da vida Curtindo ais e felicidades. Assim segue minha nau carnal Correndo de encontro ao mar Deus Ao centro gravitacional de ser. Sou nada mais que um sopro...

34


Caderno literรกrio

Porto Jade Dantas Recife / PE

por qualquer meio de transporte para qualquer continente onde os sonhos se tocarem livre de amarras com o tempo subjugado e o sol iluminando a alma leve como um pรกssaro onde estiveres serรกs meu porto de chegada

35


Caderno literário

Percursos, ab urbe condita Guilherme Carvalho da Silva Brasília / DF

De pé a pé a cidade é micro, da altura de encontros, da dimensão de tropeços. São lugares dentro de lugares juntando espaços. De bicicleta a cidade é perto, da altura de um banco, da dimensão de movimentos. São paisagens afetivas percebendo e sentido espaços. De moto a cidade é gigante, da altura de um olhar, da dimensão de segundos. São fluxos velozes descortinando os espaços. De carro a cidade é pequena, da altura de um busto, da dimensão de minutos. São fixos perpassados que formam espaços. De ônibus a cidade é ampla, da altura de um arvoredo, da dimensão de horas. São formas arrebatadas na existência dos espaços. De metrô a cidade é comprimida, da altura de um túnel, da dimensão de frações. São estruturas indutoras da mobilidade em espaços.

36

Deslocar-se na cidade é viver na altura da urbe, na dimensão do cotidiano. São processos que abrem o espaço aos espaços.


Caderno literário

Transpoema João Evangelista Rodrigues Belo Horizonte / MG Walt Whitman cantou a locomotiva velhos vagões enferrujados no corpo da paisagem em ruínas os românticos voavam para a lua em doidas carruagens alçadas por cavalos negros a música dos astros as vogais dissonantes animavam os simbolistas tristes os filhos do parnaso contentavam com o brilho da oficina com a geometria do cristal com rimas e ritmos esotéricos os modernistas fincaram o pé no chão reinventaram a gramática do verso saudaram o avião com palavras sem nuvens em nome do progresso atômico dos homem anônimos adoraram a velocidade da luz a eletricidade a voracidade da cidade sem alma suas cicatrizes Maiakovski precisava apenas de uma bicicleta um lápis um bloco de papel e um guarda-chuva para engendrar revoluções verbais muitas gerações perderam-se em vanguardas em círculos e circuitos pereceram sob as rodas dos tanques nos campos de concentração entre piadas e processos máquinas surreais torpedos e submarinos inconscientes entre bons e ruins só os loucos sobreviveram os pós modernos gabam-se de si mesmos não rimam não riem não rezam são rasos por excelência não remam contra a maré seguem o fluxo dos automóveis brilhantes a dicção dos horrores dos motores da Fórmula I vibram com os meios de transporte com os suportes da mídia eletrônica com a exatidão dos mísseis com o permanente espetáculo dos homens sem futuro em um planeta ameaçado Poetas deveriam ler no escuro compreender os signos escusos desvendar as tábuas das leis da literatura não deveriam jantar com os ditadores com os ícones da moda com os traidores com os gestores da ordem poetas não devem ter pressa para encontrar a morte

37


Caderno literário

Teletransporte B'Ro. Porto Alegre/RS

Onde você quer chegar, e como? Ser um arrogante patrão, ou um simplório mordomo? Se que tem boca vai a Roma, com minhas pernas vou muito além E nesta viagem eu descobri que escravo é quem depende de alguém, e não quem faz de coração uma obrigação A terra é a nave que me emprestaram pra buscar a evolução O combustível é a vida, os quatro elementos e sua voz que diz: insista! Para poder entender todo mundo, basta me transportar para todos os pontos de vista Teletransporte Na frente da tv eu encontrei a morte

38


Caderno literário

O voo da bola de tênis Odenir Ferro Rio Claro / SP Enquanto o trem atingiu velocidades Rápidas e máximas entre uma Estação A outra fui me perdendo dentro de mim, Num dos vagões do Metrô. Aonde, viajante Desconfortável, fiquei sentado. Recostado Numa das laterais, enquanto sonhando, revia, Bem à minha frente através da outra lateral Pelos vidros das janelas, sons, movimentos, Redemoinharem-se em velozes tracejados belos Em muitos coloridos desinformes, riscando-se. E eu, abstraindo-me nas memórias pregressas, Enquanto, entre os riscos coloridos, me revia Caindo da pequena bicicleta que me levava, Deslizando morro abaixo. Após ter obedecido Os gritos caco fônicos do meu primo dizendo: - Aperte bem forte, o freio dianteiro!... Então eu fui voando ares acima do guidom, Até cair em “câmera lenta”, esfolando-me, Todo. Na terra avermelhada e endurecida! O trem desacelerou, freou. Uma voz anunciou: “Próxima Estação: Paraíso! Desembarquem pela Sua lateral esquerda!” (Acordei em mim, rindo por dentro, daquela Nostalgia que ficou reprisando-me o filme!) Nisto tudo, entrementes, distraído, ainda, Pude ver uma bolinha profissional de Tênis Caindo do vão da mochila de um jovem rapaz E ele não percebeu. Entretanto uma senhora Chutou-a para fora do vagão, no alvoroço Da saída. Logo a seguir, um idoso Senhor Fez o mesmo. Projetando-a bem longe dali. Mais adiante, outro jovem pegou-a e subiu Com ela, malabarizando-a entre uma e outra Mão. E eu, logo atrás dele, o perseguia nos Seus movimentos, olhando aquela bolinha, que, Girando em suas mãos, ia e vinha, e logo ia, E vinha. Dando volteios no ar, enquanto A escada rolante nos locomovia pra cima. Ele entrou no mesmo ônibus que eu entrei. Distraindo-se, ao pagar a sua passagem, Deixou-a cair. E ela, rolando, acabou Vindo parar entre os meus pés. Zás! Peguei-a e a pus no bolso.

39

Fiquei apertando-a entre a carteira e a mão Até apear. Sinalizei a um taxi que me levou Rumo ao Aeroporto. Embarquei num voo destino Para Porto Alegre. E quando por lá desembarquei Notei feliz que havia esquecido a bolinha, Na poltrona do avião que seguiu à Argentina!


Caderno literário

Marulho Marta Velozo Recife / PE

o mar engoliu duzentas e vinte e oito almas. Mar, Ó! mar, de uma só vez. ... o mar corpos tragou cento e setenta e sete nas ondas, no frio, na profundez depois cuspiu cinquenta e um tuchiuuuuuuuuuuuuuuu! vez a vez a trezentos e trinta duzentos trinta e um, zero cinco, zero nove e eu comprei o bilhete a efe quatro-quatro-sete e eu marquei dezenove zero três e eu dobrei na mala uma Dior macia e eu o levei ao rouxinol desazado eu cheirei sua tez ouço a sua voz chamando-me mainha! acha-me no mar ... no mar... ... no mar...

40


Caderno literário

Lembranças Alessandra Cezarini Araújo Guararapes / São Paulo

Minha infância Meus passeios de trem Naquela velha estação E aos domingos Passeio no parque Roda gigante... Minha primeira bicicleta banco azul com estrelas brancas... Lembranças sonhos e emoções... De um adulto que um dia foi uma criança feliz!

41


Caderno literário

Carretas das tardes Fabiana Fraga da Rosa Balneário Pinhal / RS Perdeu-se no passado O cenário calado Bóis e inquietudes Desgarrando as tardes. No tempo estradeiro Passado foi fronteiro Carroças carregadas De cantigas estradas! Na poesia da tarde Quebrou a pura saudade Das carretas andantes Em caminhos cedentes! Percorriam fronteiras Minguando-se inteiras Desencilhando noites Em estrelas inocentes! Dias ensolarados Ventos adormecidos! Eram bóis irmãos Andando pelos sonhos! Foram noites de truco Céu na ponta do casco Desbravando estrelas Das flores amarelas. Se foram sonhadores

42

Carreteirando charques Bóis e inquietudes Desgarrando as tardes.


Caderno literário

Meu voo Tchello d´Barros Maceió / AL

meu vôo é tão só um ufo sob o sol uma ave ao sul do céu uma nau no mar ao .léu

43


Caderno literário

Veículo Karla Hack dos Santos Xanxerê/SC

Passa Na marcha Em ré Sem dó U L T R A P A S S A

44


Caderno literário

A rota da vida Rodrigo Valverde Beitum Assis / SP

A vida é como uma rota de um ônibus Cheia de voltas e reviravoltas Dotada de imensos ganhos e grandes ônus Perpetuada por alianças e confrontos sem qualquer tipo de escolta. É um intenso movimento de trocas Umas ruins outras nem tanto Pessoas que o comportamento nos choca Pessoas que nos surpreendem, simplesmente encantam. Nesse entra e sai, nessa correria Perdemos alguns amores que juravam não ter fim Conhecemos outros que nem bem começariam Mas amadurecemos, como se viver fosse tão simples assim. E nesse trecho de tantas horas que passam como um segundo Sentimos muitas saudades de pessoas que ficaram pelo caminho É como se, de vez em quando, tivesse fim o nosso mundo Então, quando menos esperamos, chegamos ao ponto final e por lá ficamos, sozinhos.

45


Caderno literário

Transporte da saudade Nere Beladona Restinga Seca / RS

Um trem badalou épocas, Fluiu muitos encantos Junto à imensidão da linha. Quisera eu ainda ouvir o apito... Piuííí..Piuííí...Maria Fumaça, Na curva das saudades. O romantismo que se foi ... Dos beijos trocados nos estribos, Soa de repente!... O sinal estridente da sineta, No gingado dos vagões, Parte o trem! Piuííí...Piuííí...Maria Fumaça, Lá se vai... Muito longe, levou minhas ilusões, Deixando de retagurda minha esperança. Piuííí... Piuííí... Maria Fumaça, Nunca mais.

46


Caderno literário

Portas escritas Sandro Kretus Porto Alegre / RS

Minhas calças curtas De travessuras, de caçadas E aventuras, Monteiro Lobato Minha filosofia Suassuna E meus olhos cegos, Saramago Nas minhas borboletas mortas, Baudelaire Na minha angústia, Florbela Espanca Uma rosa sem perfume E em sua dor, Augusto dos Anjos Beija sem ciúmes Um beijo tépido no silêncio Mortes, chagas, visões, infernos de Dante Minhas mãos Machadianas escrevem versos de Quintana Em uma ensolarada tarde, e as horas passam, voam Ninguém vê Virginia Woolf E Drummond com cara de bom, olhando o céu ao lado de Bandeira De bobeira, soltando pipas no ar, sentados na areia Na Villa dos lobos, um Tom toca Vinícius Eça de Queiroz iça seus anzóis com palavras de ternura Usando toques de Neruda Eu ando pela Baker street mas não encontro Conan Doyle Nem Jô Soares, e na corrida do ouro, Allan Poe corre Apressado com os corvos enquanto Mary Shelley tranca seu monstro no armário No corredor, Crowley vê Levi, e Bram Stoker carrega um bebê vampiro nos braços Fernando pessoa visita o salão filosófico de Platão Enquanto meus olhos de Byron naufragam num mar revolto...............

47


Caderno literário

Eu quero saber Janjão Limeira / SP

Que trem foi este de sucatear o trem bão, de passear e viajar? Quem mandou encerrar o sonho de um garoto de ser maquinista e voar pelos campos e vilas em sua imaginação? Agora não se tem como, correr do bilheteiro, quando se anda de graça? Quem foi o monstro do K, que achou engraçado, por fim a saga do Trem? Quem foi o matador da inspiração dos poetas, Escritores e compositores, quando se contava H(e)istórias de viagens? Eu quero saber, o mundo quer saber.

48


Caderno literário

Pequeno poema de após a rotina Valdir Azambuja Campinas / SP

No transporte coletivo, fretado, Rostos cansados De segunda a sexta-feira Num silêncio quase humano... Uma palavra pode mudar tudo A palavra se perdeu Em meio à rotina bestilizante Pela indiferença Pela diferença Entre seu ego e o meu.

49


Caderno literário

Filosofia fotocomposta Isabel Máximo Lisboa / Portugal Rasga o céu no ventre daquele que é o que sempre se recusou a ser. Rasga o inferno da orgia do mar dando murros no ar pelo vento ameno e brusco, qual homem marinheiro em busca do monstro da fronteira. Rasga o ventre da raia da nuvem velha, afastando-se do orvalho da madrugada que já foi pelo horizonte selvagem dos apitos dos transportes citadinos. Rasgo-me eu em ti, numa última despedida de orgasmos frescos e repentinos num filho por nascer num futuro promissor de nunca o vermos à luz do dia, porque de noite já dorme num sono profundo no berço provisório do colégio já fechado. Rasga-te na penúria do esforço de sonhares em seres mãe numa mulher com vários braços e olhos, qual deusa olímpica ou mesmo hindu ou como queiras ser neste universo pequeno cheio de nada na filosofia do arranque da panela de pressão. Lavo-me à pressa, pois o autocarro já espera em demasia pelo trânsito e o comboio vai cheio de vampiros adormecidos para de noite nos assustarem no regresso ao túnel… São viagens, dir-me-ás, de ida e volta, na folha de ponto e na gravata cheia de nódoas de café… E lá vai o médico afirmando que temos a tensão alta devido ao stress da comida de plástico que nunca mais entra nas meias horas extraídas aos livros, incompletos de leitura pelos solavancos do eléctrico a descer a rua da Conceição…

50


Caderno literário

O ônibus da escola Adriana Pavani Barra Bonita/SP

Pensei ter de caminhar muito para encontrar o amor. Mas não percebi que o amor já estava comigo. Não pensava propriamente no que seria o amor. Mas ele já estava ali, na figura de um amigo. Que ia comigo pelas mesmas estradas E se abrigava no mesmo abrigo. Ele se tornou meu companheiro de jornada E o ônibus da escola uma eterna lembrança, Que levou o amigo.... E deixou o marido.

51


Caderno literário

Gado urbano Ricardo Santos São Paulo / SP

Quem usa trem de subúrbio, no Brasil, sabe bem como os usuários são maltratados. Eles mais se parecem como gado confinado no curral. Espremidos, mal conseguem respirar, mexer os pés, os dedos das mãos e os braços. Sofre muito quem usa esse tipo de transporte de massa, aliás, é uma pena tanta humilhação!

52


Caderno literário

Pelos trilhos de um trem que não vem ainda Clevane Pessoa Belo Horizonte / MG

Andar de braços abertos - qual a protagonista na proa do Titanic pelos trilhos bem assentados por onde passará um trem que dificilmente descarrilará: cumprir a destinAÇÃO de mulher; andar na linha, sim, mas dessa feita, rebelde, anda sozinha, sem roteiros certos, ao vento enquanto a cabeleira negra se desalinha, a recitar mentalmente, um limerique, equilibrada por seu próprio querer, na ponta dos pés descalços, linda, translúcida veste branco à luz da hora misteriosa em que deixará de ser botão, para ser rosa, seios que serão sugados, no infinito segundo em que o pólen será deliciosamente usado pelo bico do beija-flor em milenar ritual onde não há Bem nem Mal, apenas um ser a existir de si para o Outro, em plena entrega, apesar de percalços, de distâncias e talvez equívocos, sem medos...

53


Caderno literário

Andanças Bilá Bernardes Belo Horizonte / MG

O carro corta a estrada Janelas abertas vento no rosto me acerta O verde se descortina penetra a retina descansa o olhar do cinza na capital O espaço revela proximidade de caminhos Seguimos em busca de descanso Ir é tão bom quanto chegar

54


Caderno literário

A navegante Elaine Pauvolid Rio de Janeiro / RJ

Eu sou um mar plúmbeo mas sobre este mar ainda sou a que, sonâmbula, tenta não soçobrar e, cheia de náusea, olhos semi-abertos, apesar da inércia e peso, prossegue a viagem. Há um barco que habito, um barco forte e solitário. Na minha mão, um mapa em branco em que cunho um itinerário. O destino é impreciso, os horizontes, muitos. As tempestades e os dias claros se revezam à minha revelia. Além do mar, do barco, e da comandante, existe em mim uma baleia cujo instinto reto é seguir. Ela viaja sob o casco de meu barco e, misturada ao resto que sou, faz-me acreditar que os animais não desistem e que não sigo à deriva.

55


Livre


Caderno literário

Silencioso inverno Ronaldo Campello Pedro Osório / RS As vozes tão claras em minha mente... A solidão enfraquece meus sentidos, o abismo abre-se aos meus pés ..este é o lugar onde nem mesmo os anjos querem ir... Eu conheci a dor, senti frio e senti medo. Suportei caladas as injustiças... Abri meus braços e entoei cantos em seu funeral. Ouvi as vozes que falavam de dor e desespero, que falavam de solidão... O céu ficou pesado A tempestade inicia Estamos longe demais das graças Imersos na escuridão Afogado em lágrimas, afogado em pesadelos. No silencioso inverno que invade minha alma Sufocado por meus sonhos adormeço Repleto de culpas e angústias A melancolia no (em seu) olhar piedoso transborda sentimentos O anjo ergue seus olhos aos céus e percebe o quanto o infinito é belo O infinito é o abismo que lhe prende Os séculos enferrujam em seus ossos... E toda essa miséria (maldade) lhe destrói o coração A tristeza A solidão E a dor, coniventes no claustro. Coniventes no abandono Envelhecer na solidão Envelhecer como as folhas ...se as portas da percepção estivessem limpas, tudo se mostraria ao homem tal como é infinito... Pois, o homem encerrou-se em si mesmo, a ponto de ver tudo pelas estrelas, fendas de sua caverna...

57


Caderno literário

Secretice Douglas Tedesco Tijucas / SC

Ninguém guardará restos amados. Ninguém se armará diante da paz tomando tapas. Minhas mãos em meio as facas, retirando lascas de vida rubra na gaveta escura. O poço d´agua na eletricidade... Se tivesse sentido eu era história perfeita, e o perfeito acaba no amanhecer. Há buracos por todos os lados. Retalhos do meu universo no céu das bocas. Cuidado! Tem uma Ave Maria de pernas para o ar, brilha no escuro um crucifixo sem os braços. Atrasado! Tanto poder tem tempo no relógio imaginário, cuspindo na tua garganta tulipas de horários. Há coisas inexplicáveis que eu consigo entender, há sucessos mal formulados que eu consigo resolver. Sob todo aquele entulho que você chama de orgulho, dentro do luto radiante que exige a vitória, tem um caso roubado, uma cópia triste de sol manchado. Abraçando o monstro de espinhos no armário. Banhando-se dos furos sistemáticos. São meus pés deslizando nos estilhaços, meu rosto flertando o ácido. Não vai demorar pra acabar. Vai acontecer, sem você saber.

58

Antes passado. Ponteiros pasmos. Correndo futuros. Girando ontens otários. E de repente... Agora! Sem música, só pó. Sem cochichos, só devassidão. Mais um começo de mundo vai acontecer... E sem você saber.


Caderno literário

Ícaro urbano Ricardo Mainieri Porto Alegre/RS

Acordes da manhã no horizonte fosco São Paulo surge. Janela aérea abaixo edifícios & os homens. Trago na mente outro clima & climax fecundando a cidade. Desadormeço.

59


Caderno literário

Egéria Ronaldo Campello Pedro Osorio / RS

Delirante e doente adormeci em teus braços ó alma pura Suavemente conduziste-me em teus braços e em teus sonhos mais belos e nos mais tristes, onde neles pude sentir tua profunda lamentação. Sangro como você já um dia sangrou E talvez sorrir não seja mais possível Sua dor esmaga o peito, leito onde me vejo morrer. Tua alma imortal repleta de maldade A face enlutada, sombria sem encantos dilacerando o peito em prantos, tingindo os verdes campos onde repousam guerreiros santos, anjos caídos, corpos vencidos.

60


Caderno literário

Pra que dizer ‘eu te amo’ Antonio Ó Urso Rio Claro / SP

Na exatidão de tuas mágoas o lento orvalho esclarece para te deixar alegre, esmaece na noite que já se desce... O que será dessas pelejas? Seu olhar, triufante junto ao meu a mesma ilusão, seremos iguais a todos nada além da natureza animal do instinto, do que sinto feniletilamina, dopamina, endorfina, e ocitocina? Para que dizer "eu te amo?"

61


Caderno literário

Isso que vive e gira Manoel Guedes de Almeida Teresina / PI Que a vida é curta, devemos vivê-la logo que o caminho é longo, devemos seguir depressa que devo conter a ira que me mantivera vivo que devo sorrir sempre, que devo dizer adeus que devo dizer a Deus, que devo sorrir sempre Que o mundo é sagrado, devemos untá-lo com as mãos que as mãos são pequenas e não bastam devemos deixá-lo Que devemos andar de bonde, que devemos andar depressa que devemos afagar as flores que sob o Sol murcharam - que deves ter sonhos... Que o amor é eterno, que é ânsia que nasce do sono [que isso tudo seja maior que o desespero - que nos baste Que não podes ter preguiça que deves ter casa e carro - sê funcionário público, tê mesa que não podes amar sem medidas – que não podes viver sem medidas que tens que regrar até a ultima gota de mel Que está seguro, que estamos dispersos Que estamos longe demais pra qualquer afago Que a vida passa de bonde, que o bonde passa apressado que a esperança passa, que passa o sonho o ideal que tivera na infância Que a pressa se foi no medo Que o medo se dissolveu no mundo Que o mundo girou sem ninguém.

62


Caderno literário

Problemas Evanise Gonçalves Bossle Tramandaí / RS

São bichos, são gentes, São muitos e urgentes, São câimbras dormentes, São todos, são muitos, Distúrbios, condutas, Intrusos, profundos. E a hora inexata, Parada, calada, Confunde o meu mundo Difuso. Eu calma, inerte, Olhando o relógio do tempo, no templo da aurora. E agora?

63


Caderno literário

Máquinas do crime Amélia Luz - Capitu Pirapetinga/MG Meu filho nasceu Sem teto Sem nome Sem sobrenome... Nu, apenas nu! Filho das calçadas da vida Um dia expulso do meu ventre, Único bem que lhe pertencia... Nasceu num país tão rico Mergulhado em tão grande miséria, Fruto da dívida social... Analfabetismo, ignorância, Despreparo, desemprego, Desproteção total... O pai? Quem, o pai? Tantos foram os saciados Que somente os traços do rosto Poderiam dize-lo! Mas entre os reprodutores transitórios Não havia meios para identifica-lo! Assim, mais um brasileiro-cidadão A viver na contramão Filho-da-mãe de 12 anos! Na inexplicação total da vida, Nem o leite materno pude lhe dar Pois os peitos de menina-mãe secaram E não tive seiva para alimenta-lo! Nada é tão forte como a vida... Hoje cresceu, é até manchete de jornal: “Menor delinquente mata para roubar”

64


O D A V R E S E R O Ç A A P I S S E E O P A U S A R A P Você se inspira, concentra, transpira e escreve! Depois envia para o email sandra.veroneze@pragmatha.com.br


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.