Caderno de Educação Popular em Saúde - volume 2

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A crise da interpretação é nossa: procurando entender a fala das classes subalternas As grandes mudanças que têm ocorridas nos últimos anos - a queda do Muro de Berlin e subsequente fim do socialismo real, a vitoriosa onda neoliberal e o processo de globalização que se instaura hoje no mundo - exerceram um papel profundo no nosso modo de pensar a educação popular e o trabalho comunitário. Possivelmente, um dos temas que mais sofreu questionamento como resultado destas mudanças diz respeito às formas através das quais as sociedades transformam-se. Enquanto a revolução ou a rebelião em grande escala, na realidade, sempre foi uma exceção e não a regra, as mudanças ocasionadas pelas forças progressistas têm mais a ver com resistências sutis e pequenos levantes. Embora menos dramáticas, servem para minar a legitimidade política de sistemas diferentes de exploração, e ao mesmo tempo, tendem a indicar melhor o sistema de crenças das classes subalternas do que os confrontos diretos (Serulnikov, 1994). E neste sentido, talvez a grande guinada, a principal mudança de ótica com relação aos trabalhos que são desenvolvidos com as classes subalternas se refere a compreensão que se tem de como pessoas dessas classes pensam e percebem o mundo. Depois de vários esforços para melhor compreender este campo de ideias (Valla, 1992; Valla, 1993), duas questões têm ficado mais claras para mim. A primeira é que nossa dificuldade de compreender o que os membros das chamadas classes subalternas estão nos dizendo está relacionado mais com nossa postura do que com questões técnicas como, por exemplo, linguísticas1. Falo “A categoria de subalterno é certamente mais intensa e mais expressiva que a simples categoria de trabalhador. O legado da tradição gramsciana, que nos vem por meio dessa noção, prefigura a diversidade das situações de subalternidade, e sua riqueza histórica, cultural e política. Induz-nos a entender a diversificação de

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Victor Vincent Valla Graduou-se em Educação, doutor em História pela USP e pós graduação em Saúde Coletiva. Foi um dos criadores do Centro de Estudos da População da Leopoldina (Cepel), criado entre 1987 e 1988, considerado, segundo ele, um brilhante momento de fusão da vida acadêmica com as aspirações populares, e onde passou a ter contato mais próximo com as comunidades. Participou ativamente do Grupo de Trabalho Educação Popular da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), durante duas décadas, marcando fortemente o seu modo de funcionamento e a sua identidade.


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