Caderno de Educação Popular em Saúde - volume 2

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formas diferentes de amar e dançar com este e outros mundos. Artes e saúdes são formas amorosas da cultura. Duas formas expulsas do jardim dos Saberes Autorizados: a arte foi relegada à forma de divertimento e de desviar a atenção das massas; e a Saúde ficou invisível porque somente se elaboraram saberes e discursos sobre a Doença. Qualquer arte tem origem social e tem efeitos sociais e culturais que os próprios artistas ou artesãos - e colocamos aqui os dois no mesmo nível - não imaginam. Efeitos, alguns, de muito fôlego e longo prazo. Muitos grupos, organizações e movimentos criam formas de arte que fazem parte da própria identidade coletiva, dos símbolos de unidade ou de uma tradição de comunidade. Formas próprias, mas que bebem das culturas - locais e globais. Criações pessoais de artistas - todo e qualquer tipo de artista, criador de qualquer forma de expressão - são abraçadas e modificadas amorosamente pelos coletivos. Muitas vezes o artista custa a reconhecer aquilo que semeou, sob a forma de obra de arte. Mas aqui, nesta parte da reflexão vale a pena abordar duas questões centrais à Arte e às suas construções: a criação e a experiência poética. A pessoa humana é criadora. Mesmo presa em redes de exploração e alienação, incitada a ser um autômato consumista, cria. E criar é transformar, questionar, rever, pensar de outra forma, quebrar a forma comum de ver as coisas. Criar também é uma forma de ser mais, de ir além de nós mesmos, de mergulhar em realidades delicadas

e pouco conhecidas - o mar do desconhecido. A criação é a invenção de mundos, a criação de planetas e galáxias. Todas as formas de criação são possíveis e válidas - da arte humilde da dona de casa que se distrai, do artesão que luta pelo sustento diário, do poeta emocionado nas horas vagas; até os que vão incorporando essa atividade criadora como algo que toma quase todo o seu dia: artistas profissionais. Mas a essência humana da criação é compartilhada por todos eles. As expressões de arte - que não deixam de nos surpreender - são, talvez, mais diversas ainda do que os processos de criação. Elas respondem ao momento histórico, à personalidade do artista, às suas relações sociais, etc. Cada produto é único no tempo e no espaço. E, mais ainda, por exemplo, um bonequinho delicado do Alto do Moura em Caruaru, feito anos atrás, pelo mesmo artista, será diferente de outro feito hoje. Artistas e suas obras são seres vivos. Mudam, crescem, avançam e voltam, aperfeiçoam ou partem para outros caminhos de beleza e estética. A criação, ato sagrado dentro da carne e do espírito humanos, tem uma dimensão política profunda - recuperar o inútil, os trastes de Manoel de Barros, aquilo que os sistemas de valores e hierarquias predominantes descartaram e exilaram rapidamente do desejável e que traz “sucesso”; por fora das linhas do reconhecido como saber. Dizer, como Freire, que todos podemos criar, é afirmação perigosa, que questiona uma das bases da ordem excludente: que alguns pen-


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