Caderno de Educação Popular em Saúde - volume 2

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meninos entravam e saindo. Sabíamos que nessas saídas havia o consumo de drogas, mas não estávamos ali para trabalhar de forma repressiva. Os horários era outro problema, assim como a fome. Muitos chegavam mareados da noite virada, no forró, no barraco de uns e outros, virando bruxo, lombrado. Mantê-los até o fim exigia atenção constante. Flexibilidade no que tínhamos programado. Falar pouco, trazer a música e não fazer muito movimento físico. Tínhamos que compreender até o silêncio.

A complexidade dos desafios a serem enfrentados nesse lidar com os jovens exigia dos cirandeiros um esforço além do que as Cirandas conseguiram arquitetar em seu processo formativo com os cirandeiros. O compromisso como educadores populares e militantes sociais, no entanto, parecia mantê-los firmes nesse exercício e o cotidiano forjava-lhes as táticas para manter vivo o processo na perspectiva de que se percebam, não como seres carentes, sobreviventes na selva do mundo globalizado, mas, como nos lembrava Arroyo (2004), sujeitos em seus direitos humanos. Uma das questões que vimos seria importante foi a de que eles precisavam receber algum tipo de cuidado. Fizemos uma vivência de argila com o cirandeiro Edvan, onde eles passaram pelo banho com argila, com a respiração, com o sol e o mar. Percebemos que eles foram se permitindo serem tocados tanto pelo facilitador quanto uns com os outros. Parte deles vive em um abrigo e lá dentro tocar o outro é formação de

boiolagem. Outra coisa foi que eles depois comentaram como tiveram dificuldade de caminhar e respirar e associaram a questão das drogas e do fumo. Alguns até explicitaram que precisavam reduzir a quantidade. Dessa forma, mais uma vez, a experiência popular aponta caminhos de superação dos desafios cotidianos ao incorporar a dimensão do cuidado na perspectiva da integralidade. Do cuidado que parte de um olhar respeitoso sobre as marcas que nos revelam silenciamentos, marcas de sua condição social, no dizer de Arroyo (2004), de seu gênero, raça, etnia, classe, condição social, da exclusão, da fome. E nos perguntávamos: o que essa experiência nos ensina para a escuta às falas desses corpos? Foram listadas vinte e nove entidades entre movimentos, igrejas, associações, unidades de saúde, escolas e projetos institucionais ligadas a esse público no que diz respeito ao Grande Lagamar. No Barroso apesar de um número menor de entidades as possibilidades vão se concretizando de forma menos sofrida, assim como no Tancredo Neves, sempre com o protagonismo dos atores do MNMMRCE na articulação e coordenação do processo. A idéia que tínhamos com as parcerias era de construir diálogos entre os jovens e as entidades e apontar propostas inter-setoriais. Desse relato, é possível apreender como a “dialogicidade” entre a esfera institucional e o princípio de comunidade se delineia, especialmente nos espaços onde o movimento popular de juventude edificou sua ação de forma bem mais efetiva. Ao mesmo


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