A lei de Diniz

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Carrossel holandês ou tiki-taka? Audácia ou roleta-russa? Alegria com a bola no pé. Ex-jogador mediano, Fernando Diniz encontra a felicidade, se reinventa como treinador... E pode tirar o futebol brasileiro da mesmice 36

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A lei de Diniz por

Breiller Pires Alexandre Battibugli

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nem freud explica Arrojado no comando do Audax, Diniz é uma pilha de nervos à beira do campo: “Pressiona, c...!”

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passes certos

dribles

posse de bola (min.)

roda gigante lidera nos fundamentos

faltas cometidas

B

icões, sarrafos, chuveirinhos na área, mais força, menos técnica. Essa é a tônica dos jogos que marcam os campeonatos estaduais e o início de temporada no Brasil. Em São Paulo, porém, há uma exceção. Com toque de bola, ousadia, jogadas ensaiadas, rotatividade e ojeriza aos chutões, o Grêmio Osasco Audax desperta comparações — do carrossel holandês ao tiki-taka do Barcelona. Os jogadores apelidaram o estilo de “roda-gigante”, mas o mentor da revolução tática em Osasco rejeita paralelos. “Não copiei ninguém”, diz o técnico e ex-meia-atacante Fernando Diniz, 39. “Eu valorizo a estética, o jogo bonito. Minha ideia sempre foi montar um time que jogasse bem e fosse competitivo.” O Barça como espelho? Talvez o contrário... “Quando eu me lancei como treinador no Votoraty, o Guardiola estava começando no Barcelona. Meus times sempre jogaram dessa maneira.” Diniz foi revelado pelo Juventus-SP, onde surgiu aos 9 anos, no futsal. “Fui melhor na quadra do que no campo”, conta. “O futebol de salão é mais tático. A margem para correção de erros é menor e a colaboração entre os jogadores, maior.” Embora tenha sido campeão paulista, carioca e mineiro nos gramados, Fernando Diniz realizou-se somente ao pendurar as chuteiras, cinco anos atrás. “O dia em que botei o apito na boca pra dar meu primeiro treino eu senti um prazer que a vida de jogador não me deu.” camacho Explica-se: “No futebol, os valores que volante eu prezo, meritocracia, lealdade, honestidade, oscilavam em torno do resultado. “Na primeira semana de treino, com Treinador que cedia à pressão e cometia esse negócio de sair jogando atrás, eu vi uma injustiça, a falta de interesse em ajuaquilo e pensei: vai dar merda. Mas hoje dar as pessoas, jogadores tratados como a gente acredita plenamente na filosofia máquinas... Isso me feria por dentro”. do professor Diniz. Fui formado no Um desses episódios Diniz viveu em fim Flamengo, mas eu nunca tinha treinado de carreira, de volta ao Juventus, em tanto numa pré-temporada como treinei 2008. No duelo contra o América de Rio aqui. Com prática se chega à perfeição.”

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média do audax

média do paulistão

18,5

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472

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Preto, o técnico José Carlos Fescina já havia feito duas mexidas quando o volante Vampeta, inconformado com a reserva, chamou o auxiliar, disse que entraria no lugar de Fernando Diniz e processou a substituição. Foi o último jogo de Vampeta como profissional. Ele e Diniz romperam a amizade dos tempos de Corinthians. E se reencontraram no time de Osasco, que é dirigido pelo pentacampeão, sem ressentimentos. “Minha primeira decisão como presidente foi mantê-lo como técnico para a série A do Paulistão. Confio no trabalho dele”, diz Vampeta. No treino que PLACAR acompanha, depois do empate em 1 x 1 com o Palmeiras, no Pacaembu, Fernando Diniz dá bronca em Camacho, o jogador que mais distribui passes no campeonato. “Vai lançar pra quê? O que ele ia fazer com a bola lá do outro lado, sozinho? Toca perto, p...!” No dia a dia, os goleiros não jogam na linha só em rachão. Participam dos trabalhos táticos e dos coletivos. Uma posição crucial no esquema do técnico. Felipe Alves, 25, o titular, jogou ao lado de Diniz pelo Paulista de Jundiaí, em 2007. Já mostrava habilidade com os pés — no treino, anotou gol de cavadinha da entrada da área. Em uma carona com o então meia-atacante, ouviu a promessa: “Se eu me tornar treinador, você vai ser o meu goleiro”. Na equipe de Diniz, o camisa 1 raramente dá chutão os segredos em tiro de meta e sempre é do audax opção para a saída de bola. Os zagueiros sobem, os atacancomo fernando diniz tes marcam e não há quem arma seu time em nome tenha receio de arriscar. da “estética do futebol”

“Parece que eu só fui jogador para ser técnico um dia.”

“Ninguém quis ser jogador pra ficar rebatendo bola. Para ter se tornado profissional, o cara um dia foi o melhor da escola, o melhor da rua, inclusive o defensor. Eu tento resgatar a pureza lá da origem, o sentimento de criança, que, no meu time, ele tem liberdade de reviver”, afirma o técnico. Trocando passes dentro da própria área, a roda-gigante de Diniz Fernando Diniz, pode soar como roleta-russa realizado no ofício ao torcedor mais afobado. “Existe o risco, assim como em tudo na vida. Mas tenho convicção de que é o melhor jeito de se alcançar a vitória.” Formado em psicologia há um ano, Fernando Diniz começou a fazer terapia ainda na época de jogador. “Se não fosse técnico, eu seria psicólogo”, diz, retomando a crítica ao meio. “As pessoas não veem o lado humano no futebol, que é muito mais complexo que um sistema tático.” Para ele, seu mérito não é a audácia ou o método de treinamento, mas sim a capacidade de mergulhar na mente do atleta. “Time sem confiança é time fraco. Tenho uma comunicação íntima com os jogadores, vontade de estar perto, de ajudá-los. Quando um deles consegue melhorar como jogador e como pessoa, eu me sinto realizado.” Apesar da terapia, Diniz nunca foi de engolir desaforo. Como jogador, não raro se desentendia com técnicos e colegas.

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fonte: footstats

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Atrai o adversário para o campo de defesa e aposta em enfiadas de bola.

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time arrisca muitos chutes de fora da área, ao contrário do barcelona.

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Adianta a linha de defensores. “quanto mais rápido roubar a bola, melhor”, afirma diniz.

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zagueiros, volantes e laterais não têm medo de driblar. “rebatedor não joga comigo.”

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Goleiro participa ativamente e desafoga o jogo com defensores bem abertos pelas pontas.

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Jogadores trocam de posição a cada 10 minutos, em média, menos o goleiro...

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Em 2001, no Fluminense, trocou socos em campo com o palmeirense Galeano. No ano passado, após ter sido expulso na vitória do Audax sobre o Noroeste, quebrou telhas do estádio Alfredo de Castilho, em Bauru. Seu histórico recente ainda inclui confusões com treinadores rivais, árbitros e repórteres. “Já fui expulso mais de dez vezes. Falo muito palavrão”, conta. “Mas, quando estou irritado, não estou infeliz. Nunca pensei em largar a profissão.” O temperamento, segundo ele, não atrapalha seu relacionamento com os jogadores. Antes de abrir o treino à PLACAR, reuniu o grupo no vestiário e, aos berros e socos na porta, cobrou mais atitude. “Jogamos mal”, afirma, referindo-se ao empate com o Pal©1 meiras, fora de casa. Diniz sonha alto. Quer levar o time pelo menos à segunda fase do Paulista. Nos primeiros dez jogos da competição, o Audax teve posse de bola superior a todos os seus adversários, incluindo Palmeiras e Santos, como visitante e dono de um elenco bem mais modesto. “Pouquíssimos times nos pressionam, porque a gente consegue sair da marcação da maioria.” Oswaldo de Oliveira, amigo de Diniz desde o período em que o comandou por Fluminense, Flamengo e Santos, elogia: “Sempre conversei sobre futebol com o Fernando Diniz. Contra a gente [Santos], o empate de 1 x 1 foi injusto, ele mereceu ganhar. É um time que desgasta o adversário com o domínio de bola”. Mas também faz uma ressalva ao estilo de jogo que só admite o chutão como último recurso. “Uma teoria da forma inteligente de jogar, evolução mas é mais fácil fazer isso no como jogador, ele gostava Audax, que não tem pressão. de time graúdo. hoje, é mais A ‘chinelada’ lá não arde tanto feliz no banco do audax como em nossos jogadores.”

FELIPE ALVES goleiro

“Nos outros times em que joguei, se um atleta recuava a bola para o goleiro, o técnico mandava parar o treino e dava esporro. Aqui é diferente. Eu sempre tive qualidade pra jogar com os pés, mas hoje participo mais do jogo. Não fazemos nada na loucura. Nossa ‘roda-gigante’ é reflexo de treinamento à exaustão.”

Diniz discorda do técnico santista. “Futebol é resultado em todo lugar. Aqui não tem pressão da torcida, mas tem a de um cara que gasta um montão de dinheiro pra bancar o time”, diz, em alusão ao empresário Mário Teixeira, que comprou o Audax por 30 milhões de reais em 2013. “A maneira mais fácil de chegar ao gol é sair tocando a bola. Para mim, é o melhor pro futebol. Se eu for para um time grande, vou aplicar minha filosofia. Vou tomar porrada pra caramba se der errado, mas, por outro lado, o clube de ponta oferece mais estrutura e tem capacidade maior de seleção de jogadores. Não vejo nenhum fantasma.” Antes do Audax, o mineiro de Patos de Minas comandou — além do Votoraty — Paulista, Botafogo e Atlético Sorocaba, todos do interior de São Paulo, arrebatando três títulos e dois acessos à série A. Recusou propostas de outros estados para terminar a faculdade e não se afastar da mulher e dos quatro filhos, um deles recém-nascido. Já chegou a estudar biologia e vestiu várias camisas. Preferia ganhar menos em time grande a ser estrela no baixo clero, até se encontrar com a prancheta na mão. “Queria que todo mundo sentisse o que eu sinto como treinador.” Sob a lei de Diniz, o bom futebol se sente acolhido. ©1

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escola em reciclagem

Cardeais da prancheta como Vanderlei Luxemburgo estão em xeque, e o mercado do futebol se abre aos professores da nova geração p o r Felipe Ruiz Enderson Moreira

CLUBES Ipatinga, Inter B, Fluminense, Goiás e Grêmio

Juventus 1996 ©3

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flamengo 2003

CRUZEIRO 2004

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PALMEIRAS 1996 ©5

SANTOS 2005

CLUBES Sertanense-POR e Botafogo

Precoce e sem bagagem como boleiro, ele assumiu a equipe sub-20 do Sete de Setembro-MG aos 27 anos. “Acredito que existem prós e contras de não ter sido jogador. O ideal seria a experiência teórica e prática.” Antes do Grêmio, havia dirigido Goiás e Fluminense, enquanto Abel Braga acertava seu retorno. “O convite de um time com a grandeza do Grêmio me encheu de orgulho. Encontrei um ótimo grupo para trabalhar.”

Cristóvão Borges

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Dado Cavalcanti

50 anos

Após ganhar projeção levando o modesto Sertanense, time que estava na série D, às quartas da Taça de Portugal, acertou com o Botafogo para gerenciar as equipes de base em 2010. Com a saída de Oswaldo de Oliveira, assumiu a equipe principal na temporada em que o clube retorna à Libertadores depois de 18 anos. “O treinador tem de acompanhar a coragem da direção. É a oportunidade da minha vida e não temo nada. A minha motivação é a capacidade dos jogadores.”

32 anos

CLUBES Ulbra, Brazsat, Santa Cruz, AméricaRN, Central, Icasa, Ypiranga, Luverdense, Mogi Mirim, Paraná e Coritiba Enquanto ainda atuava nas categorias de base do Náutico, já cursava educação física. Perdendo algumas disciplinas, resolveu deixar o futebol, ao menos dentro das quatro linhas. O jovem treinador diz que a idade não é problema e os atletas sempre o respeitaram. “Prego muito pela intensidade. Já dei treinos de 15 minutos. Faço também um trabalho integrado com todos os departamentos do clube.”

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corinthians 1997

Eduardo Húngaro

42 anos

fluminense 2001

54 anos

Marquinhos Santos

34 anos

Claudinei Oliveira

44 anos

CLUBES Vasco e Bahia

CLUBES Coritiba e Bahia

CLUBES Santos e Goiás

Meia com passagem por grandes clubes brasileiros, começou a carreira como auxiliartécnico de Ricardo Gomes, à frente da seleção pré-olímpica, em 2004. Homem de confiança do ex-zagueiro, Cristóvão o acompanhou em diversos clubes. Até que, em 2011, surgiu a oportunidade de dirigir o Vasco após o AVC de Gomes. “Gosto que minha equipe jogue compacta, com as linhas mais próximas”, afirma o treinador, que está desempregado.

Sem ter sido jogador profissional, Marquinhos obteve o reconhecimento como treinador à frente dos garotos do Atlético-PR. Em 2009, levou o time à final da Copa São Paulo de Juniores, contra o Corinthians. “Temos um software, com dados numéricos e imagens, de todos os atletas do time. Isso ajuda na melhora tática e técnica dos atletas, como corrigir um posicionamento ou algum fundamento do jogo.”

Goleiro revelado pelo Santos, com passagens apagadas por clubes paraenses, Claudinei começou como avaliador nas peneiras do Peixe. Após incursões pelas categorias de base, assumiu o time profissional em maio de 2013, no lugar de Muricy Ramalho. Tem um profissional destacado apenas para analisar os adversários. “Procuro trabalhos que simulem o jogo, tanto na parte técnica quanto tática”, afirma.

PAULISTA 2007 ©1 ALEXANDRE BATTIBUGLI ©2 EDUARDO MONTEIRO ©3 GAZETA PRESS ©4 PABLO REY ©5 MAURICIO DE SOUZA ©6 RENATO PIZZUTTO ©7 grêmio oficial ©8 botafogo oficial ©9 coritiba oficial ©10 bahia oficial ©11 edson ruiz ©12 goiás oficial

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