O Animal ainda rosna

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No Rio, não sou levado a sério. Eu joguei muito no Vasco, mas não fui bem no Flamengo. E todos os formadores de opinião de lá são flamenguistas. Em São Paulo, me respeitam mais.

© foto renato pizzutto

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batebola

O Animal ainda rosna Hoje comentarista, Edmundo dinamita os bons moços do futebol e descarta uma despedida pelo Vasco contra o flamengo no brasileirÃo p or B r EI LL E r pIr E S

P| Você tem adotado um perfil

comportado como comentarista de TV. Amansaram o Animal? R| Pra falar a verdade, eu sempre fui uma pessoa tranquila. Dentro de campo eu era rebelde. Queria ganhar a qualquer preço, e os nervos estão sempre à flor da pele quando você está jogando. Eu acabava extrapolando em alguns momentos. Mas agora estou com 40 anos. A velocidade com que penso e faço as coisas é menor. Estou sossegado e satisfeito com meu modo de ser. P| Mas você costuma evitar os temas polêmicos... R| Quando uma pessoa se omite para não criar polêmica, ela deixa de ser autêntica. Eu sou comentarista de futebol, estou na Band para comentar futebol. Se existe uma polêmica de pênalti, eu vou dizer se foi pênalti ou não. Nunca gostei que falassem da minha intimidade. Aceitava qualquer crítica ao meu futebol. E hoje é natural que eu não me meta na vida pessoal dos outros. P| O futebol está politicamente correto demais? R| Lembra o passinho à frente do Nilton Santos na Copa de 62 para enganar o juiz? Aquilo é maravilhoso. Eu mesmo dava um empurrãozinho no zagueiro antes de subir para ca-

becear. Hoje cada estádio tem dez câmeras, a televisão repete o lance mil vezes, o jogador é punido porque não pode isso, não pode aquilo... Mas pode, porra! O futebol brasileiro perdeu sua essência, aquela malícia que os europeus não têm. P| Você não teve um jogo de despedida no Vasco... R| Não fui a favor da primeira ideia que o pessoal do Vasco me passou, que era jogar o último jogo do Brasileiro deste ano contra o Flamengo, em São Januário. Não aceitei porque existe muita rivalidade. O Flamengo pode estar disputando o título, o Vasco também. Sem contar que eu teria que treinar pra caramba, entrar em forma. Não vou querer jogar por jogar, só para fazer número. Mas provavelmente ainda vamos voltar a conversar sobre essa possibilidade. P| Se arrepende de ter jogado no Flamengo em 95? R| Me arrependo de ter ido para o Flamengo. Eu estava muito bem no Palmeiras, com um monte de propostas para ir para fora. Cheguei ao Flamengo e nada deu certo. P| Se aquela final do Brasileiro de 97 fosse hoje, você torceria por quem: Vasco ou Palmeiras? R| Fui para o Palmeiras com 20 e poucos anos e tenho um carinho

enorme pela torcida. Fico dividido entre o amor de mãe e o amor de mulher. Um clube eu conheci quando nasci; o outro, só quando adulto. Eu seria hipócrita em esconder que o Vasco é a minha casa. P| Há pouco tempo você foi preso por causa do acidente de carro em 95. O que passou pela sua cabeça quando soube que estava foragido? R| Exageraram por causa do meu rótulo. Como alguém pode ser considerado foragido dentro da própria casa? Se a polícia não tinha meu endereço, não é problema meu. Eu não iria sair batendo nas delegacias para dizer onde moro. P| E as acusações de que estaria alcoolizado no acidente? R| Esse boato foi plantado na mídia. Daí as pessoas acabam acreditando que eu estava bêbado e causei o acidente. Mas, ao longo dessa vida de 20 e poucos anos de disposição, aprendi que, quando tem notícia ruim, é melhor a gente não ver. Simplesmente não vi nada do que falaram sobre a prisão. Foi cansativo passar a noite na delegacia, cumprindo todos os procedimentos formais, mas fui muito bem tratado lá. P| A repercussão do caso pela imprensa o surpreendeu? R| Os jornais publicam o que não têm certeza. Logo após o episódio, o jornal Extra deu: “Edmundo, livre da prisão, vai pra balada na casa de Ronaldinho Gaúcho”. Mas eu tinha ido ao apartamento do meu amigo Ronaldo, que nem gaúcho é, no mesmo

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batebola prédio do Ronaldinho, porém em outro bloco. É falta de responsabilidade, sacanagem! Depois eles ficam putos quando me ligam. “Edmundo, aqui é fulano do jornal tal...” Antes de terminarem a frase, eu já desligo. P| O peso da fama de “Animal” atrapalha nessas horas? R| Se o Kaká bater no meu carro parado na rua, o culpado sou eu. Adoro o Ronaldo, mas imagina se fosse eu que tivesse sido pego com travesti, com drogas? Eu sairia preso. O Ronaldo não, coitado, “se enganou” — e deve ter se enganado mesmo. Ele tem o rótulo de pessoa boa. Eu já realizei um monte de ação beneficente, dei casa para todo mundo da minha família e nunca fiz questão de divulgar. Cansei de ver atleta de Cristo na balada bebendo cerveja em latinha de refrigerante. O cara um pouquinho mais culto, que fala duas línguas, é craque por aqui. Eu joguei mais que o Kaká, que o Leonardo, que o Raí... Mas eles são bonitinhos, falam duas línguas, diferente do estereótipo da maioria dos jogadores que fala “nóis vai, nóis foi”. Tenho até vergonha de dizer que sou ex-jogador. Eu sou comentarista. P| Como lida com as notícias sobre a sexualidade de seu filho Alexandre (com a ex-modelo Cristina Mortágua)? R| Encaro com naturalidade. O pai precisa apoiar os filhos. Ele nunca falou comigo abertamente sobre isso. Até por vergonha ou por falta de intimidade. É uma coisa de foro íntimo, que a pessoa faz entre quatro paredes. Mas eu não sou bobo e já percebi. Não vai faltar oportunidade para conversarmos. Já joguei com um goleiro que era gay e não teve problema. Era um cara sensacional. P| A concorrência com o Romário ainda existe? R| Nunca briguei com o Romário cara a cara. Era sempre via imprensa. Meu negócio com ele era no campo. A gente disputava para provar quem jogava mais, quem marcava mais 96 / placar / setembro 2011

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Dizem que o Kléber é o novo Edmundo. Eu era dez vezes melhor. Vejo mais características minhas no Neymar: rápido, driblador. gols, quem batia falta e pênalti no time, quem seria o capitão... P| Mas já brigaram por mulher? R| Até que por isso não. Mas também rolava uma competição. Chegávamos a uma festa juntos e aparecia uma mulher bonita? Ele queria, e eu também. Era páreo duro. P| O Romário demonstra uma posição crítica em relação à CBF no Congresso. É fachada ou ele realmente nunca gostou do Ricardo Teixeira? R| Não é fachada, não. Depois da

Copa de 94, ele ficou uns três anos fora da seleção, porque ele queria ganhar um percentual das cotas de publicidade da CBF. O Romário está me surpreendendo como deputado. P| E você, o que pensa sobre CBF e Ricardo Teixeira? R| Quando o Ricardo pegou a CBF, a instituição estava falida. Hoje é uma das entidades mais fortes do mundo. Ele tem seus méritos. Só que eu acho que a CBF precisa ser de domínio público. O cargo de técnico da seleção só perde para o de presidente. Não é justo que só uma pessoa escolha esse nome, que o dinheiro da seleção vá para cofres privados. P| E a dívida que o Luxemburgo teria com você? R| Emprestar dinheiro para ele foi um erro. Em 96, nos encontramos num restaurante em São Paulo. Ele disse que precisava de dinheiro para fazer investimentos lá no Sul. O Djalminha emprestou uma quantia, e eu emprestei 400 000 reais. Ele pagou o Djalma, mas não me pagou. Cobrei mais de 50 vezes. Mas, durante certo período, ele conseguia me enrolar. Era técnico da seleção e do Corinthians, ia prometendo que me levaria para trabalhar com ele. Eu ligava e ele atendia: “Oi, Edmundo, meu irmão, tudo bem? Eu tô aqui em tal lugar, oi, oi...” e pum!, caía a ligação. Depois eu telefonava para o mesmo número e não existia mais. Quando o levei na Justiça, ele desceu a lenha, falou que eu era mau-caráter e bandido. Já ganhei o processo, agora só falta achar alguma coisa em nome dele para executar, né? Antes, ele me tinha como filho, dizia que eu era o melhor jogador do mundo, que, se tivesse o Edmundo no time dele, seria campeão. Por isso, eu fico chateado e não faço acordo. Com os juros, ele já me deve 2 milhões de reais.

veja mais no site Edmundo analisa sua carreira através das capas de PLACAR http://www.abr.io/1KZH © foto renato pizzutto

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