Brasil Observer #35 - BR

Page 1

LONDRES

www.brasilobserver.co.uk

ISSN 2055-4826

FEVEREIRO/2016

# 0 0 3 5


2

brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

3


4

brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 E D I T O R I A L

D

novas narrativas

Dizem que, no Brasil, o ano só começa depois do Carnaval. Mentira! O ano só começa na semana seguinte àquela agraciada pela quarta-feira de cinzas. Quinta e sexta não contam. Mas e a crise? Há clima para brincadeiras carnavalescas? E por que não haveria? Alguma vez, por acaso, celebramos o Carnaval sem que houvesse problemas a serem enfrentados depois da folia? A narrativa do Brasil em cacos é hegemônica. Mas há vida além da emissão conservadora dominante. Não nos enganemos, porém. O ano que começa como consequência de um renhido 2015 nos reserva, logo de cara, o transe do impeachment. Parece que o ímpeto dos que querem ver a presidenta Dilma Rousseff pelas costas diminuiu. Mas, de novo, não nos enganemos. A agenda do país será em breve dominada pelo tema, e de forma não favorável à base governista. Colhem o que plantaram, é sabido. Já a população paga o preço por ter nascido em um país de limitadas lideranças – e poucas narrativas divergentes. Explicar o contexto político brasileiro é tarefa complexa. Mas basta ser honesto: está fadado à falência o país cujo Congresso pretensamente democrático é formado por representantes de interesses corporativos, não da população – sete de cada dez deputados federais eleitos em 2014 receberam recursos de pelo menos uma das dez empresas que mais fizeram doações eleitorais naquele ano. A narrativa dominante elegeu outro culpado, porém. Seria o PT, de Lula e Dilma, o único responsável por todas as mazelas nacionais. O partido, outrora arauto da ética, errou e continua errando – motivos não faltam para criticá-lo, inclusive pelo fato de ter se aliado de maneira desavergonhada

aos interesses de “campeões nacionais”. Acreditar que cabe à legenda a culpa exclusiva da situação pela qual passa o país, no entanto, não é apenas desonesto, é advogar pelo aprofundamento dos problemas existentes. A superação da atual realidade passa pela acumulação de forças capazes de criar um novo consenso no país, e necessariamente pela criação de novas narrativas, novos sujeitos políticos, novas possibilidades. Este jornal está atento a isso e faz parte dessa convergência. Acreditamos que a crise política só se resolve com uma profunda reforma das regras eleitorais – e que isso só acontecerá de forma satisfatória com a eleição de uma assembleia constituinte soberana para a reforma política. Defendemos maior participação da população nas tomadas de decisões e mecanismos mais eficientes de fiscalização. Apostamos na reforma democrática da mídia para que novas narrativas proliferem. No âmbito econômico, é imprescindível equilibrar as contas públicas e conter o déficit orçamentário (próximo a 10% do PIB) para criar um cenário mais favorável ao crescimento econômico – necessário, afinal, para a manutenção do emprego e da renda. Mas que isso seja feito de forma a combater a desigualdade, e não aprofundando o abismo que separa os ricos dos pobres. E que a classe média entenda que para alcançar uma vida melhor não é preciso impedir a ascensão dos que estão em baixo, mas evitar que tudo fique no andar de cima. Assim seguimos adiante. Começamos 2016 com novidades editoriais e novos projetos sendo desenvolvidos. Que a fantasia carnavalesca nos ilumine!

C O N T E Ú D O

Fala, Embaixador! Pg. 10 - Eduardo dos Santos em entrevista exclusiva Chan Chan Pg. 22 - Buena Vista Social Club se despede dos palcos Brasil em transe Pg. 14 - Depois do recesso, a volta do impeachment O anseio do fundista Pg. 20 - Mo Farah fala o que espera para a Rio 2016 Outro fórum é possível? Pg. 18 - Direto do Fórum Social Temático de Porto Alegre Zika braba Pg. 12 - Que vírus é esse que ameaça o Brasil e o mundo? E mais... Pg. 8 - Ilan Cuperstain sobre o desenvolvimento sustentável Pg. 26 - Franko Figueiredo sobre os condomínios fechados Pg. 27 - Marcus Faustini sobre o trabalho de Marcello Dughettu Pg. 27 - Aquiles Reis sobre o novo álbum de Regina Machado Além disso... Pg. 6 - Observações relevantes sobre o que nos cerca Pg. 24 - Dicas culturais para londrinos brasileiros Pg. 29 - A cidade de Londres por Monica O’May Pg. 30 - Paraísos brasileiros a serem descobertos

LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor de Redação guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Aquiles Reis Franko Figueiredo Gabriela Lobianco Marcus Faustini Wagner de Alcântara Aragão IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

Arte da Capa Ricardo AKN www.flickr.com/photos/ricardo_akn

Ricardo AKN representa em sua arte significados e sentimentos, usando recortes figurativos e camadas abstratas. Transitando entre temáticas universais, como mitologia, simbologia e geometria, sua experimentação se utiliza de várias estruturas e materiais, com uma técnica consistente e madura que mistura pintura, colagens em madeira, tecidos e outras possibilidades que surgem durante o processo criativo. Conceitos como overlays, saturação de cor e tridimensionalidade são aplicados sobre tela, instalações e objetos, cada um com seu sentimento, beleza e significado próprio. Artista plástico, ilustrador e muralista, Ricardo AKN está inserido no contexto contemporâneo e urbano brasileiro, de expressão de sentimentos e novos conceitos com uma técnica singular e experimentos.

Circulando em Londres

Edição #34 - dezembro 2015

A capa desta edição foi produzida por Ricardo AKN para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e com apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2016 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados através de uma chamada pública. Em dezembro, os trabalhos serão expostos na Sala Brasil.

APOIO:

5


6

brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

OBSERVAÇÕES King’s College celebra e debate o Brasil

Nathan Clarke

O Brasil esteve em evidência na última semana de janeiro no King’s College, em Londres. Organizada pelo Brazil Institute daquela universidade, a Brazil Week celebrou o país com uma série de eventos culturais e debates. Foi mais uma mostra da relevância dos estudos brasileiros no ambiente acadêmico britânico, além de uma oportunidade de encontrar pessoas de variados backgrounds interessadas pelo Brasil. O Brasil Observer esteve presente em dois eventos da semana; na recepção de abertura, na segunda-feira dia 25 de Janeiro, e na sessão dedicada à discussão do direito à cidade no Rio de Janeiro, na quarta 27. No primeiro, o destaque ficou por conta do sociólogo José de Souza Martins, professor titular da Universidade de São Paulo. Terceiro brasileiro – depois de Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso – a ocupar, em 1993-1994, a prestigiada Cátedra Simón Bolivar da Universidade de Cambridge, Martins falou brevemente sobre a situação política do Brasil. A crise atual, segundo o professor, não é uma crise do PT, mas do sistema político do Brasil, “cada vez menos representativo do provo brasileiro”. Para ele, o atual sistema não permite nenhum traço de inovação democrática, pois é dominado pelo poder econômico, e a polarização entre PT e PSDB não explica a crise política corrente.

O sociólogo, aliás, lança neste mês de fevereiro mais um livro, Do PT das Lutas Sociais ao PT do Poder (editora Contexto), em que questiona: o PT que lutava nas ruas e nas portas de fábrica, pregando ética e justiça social, é o mesmo partido que está no poder há mais de uma década? No segundo evento no qual esteve o Brasil Observer, intitulado “Equality & the City: Discrimination, Cultural Identity and Street Art in Rio de Janeiro”, foi transmitido o documentário Memórias do Cais do Valongo, que inclusive está disponível no YouTube e com legendas em inglês. Dirigido por Antônio Carlos Muricy e Carlos Alexandre Teixeira, este último presente no evento, o filme retrata a história do Cais do Valongo na área portuária do Rio, conhecido no século 19 como “Pequena África”, expressão muito usada pelo pintor e compositor Heitor dos Prazeres. Além de Teixeira, o debate pós-filme contou com as presenças do professor de Direito Transnacional no King’s College Dr. Octavio Ferraz, o rapper e ativista MC Leonardo e o músico e escritor Delcio Teobaldo. Todos falaram sobre a importância de o Brasil encarar o seu passado, principalmente a escravidão, para entender as desigualdades e injustiças do presente; a necessidade de fomentar a cultura popular no Brasil; e as contradições dos projetos de revitalização do Rio por conta dos Jogos Olímpicos, que têm acentuado um processo já existente de gentrificação.

Takumã Kuikuro de volta à aldeia da rainha

Alicia Bastos

Takumã Kuikuro é um cineasta brasileiro da aldeia de Ipatse, na região do Alto Xingu, no estado do Mato Grosso. No ano passado, ele esteve na capital inglesa para promover o seu trabalho e a cultura indígena, com a apresentação do filme As Hiper Mulheres. Além disso, aproveitou para filmar o seu mais novo documentário, Londres como uma Aldeia, agora com première marcada para 15 de fevereiro na Embaixada do Brasil, seguida por uma sessão de perguntas e respostas com o diretor. Quando esteve em Londres para explorar, com uma câmera nas mãos, as similaridades e diferenças entre as culturas Kuikuro e de Londres, Takumã concedeu entrevista ao Brasil Observer. E explicou o que faz: “Meu papel é arquivar a cultura de nossa comunidade. Sou responsável pela documentação

e por ensinar como documentar. Primeiro documentamos os rituais e depois fazemos uma sequência simples para editá-los. Nossos arquivos são então usados para ensinar nossos jovens”. Takumã contou também algumas dificuldades que teve no início. “Achavam que eu ia vender tudo. Às vezes até quebravam minha câmera ou me colocavam para fora da aldeia. Alguns ainda têm a impressão de que eu estou recebendo um monte de dinheiro. E eu preciso explicar que não se trata de ganhar dinheiro, mas sim de preservar e promover nossa cultura para o mundo, representar o povo Kuikuro e a cultura indígena”. A entrevista completa está no site www.brasilobserver.co.uk

Bolsista do CsF escreve na Nature Climate Change O bolsista de doutorado pleno do programa Ciência sem Fronteiras Rafael Silva teve um artigo publicado pela revista Nature Climate Change. O estudo é resultado das pesquisas que ele vem desenvolvendo na Escócia e mostra que a redução do consumo de carne bovina no Brasil pode aumentar as emissões de gases causadores do efeito estufa. Rafael explica como chegou a esse resultado. “Desenvolvi um modelo matemático bem detalhado capaz de linkar a demanda por carne e a variação nos estoques de carbono no solo, sequestrado pelas pastagens. Uma maior demanda serve como estímulo para os produtores recuperarem pastagens degradadas e pastagens de melhor qualidade tem mais biomassa abaixo do solo. Mesmo com mais bois para atender uma demanda maior, o ganho em

sequestro de carbono por pastagens melhoradas faz com que, no fim das contas, as emissões sejam menores. De forma análoga, com a diminuição da demanda, as pastagens degradam e perdem carbono, fazendo as emissões aumentarem”, disse. Segundo o doutorando, que desenvolve suas pesquisas na Universidade de Edimburgo e na Faculdade Rural da Escócia, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o estudo, embora inesperado, foi bem recebido. “Em apenas 48 horas da publicação, tivemos cerca de 20 portais internacionais de notícias falando sobre nosso estudo, além de jornalistas do Reino Unido e Estados unidos que ainda estão entrando em contato para entrevistas. O artigo ficou em segundo lugar dos trendings na Nature Climate Change”, afirmou.

Museu busca projetos com inspiração brasileira O Horniman Museum and Gardens está selecionando artistas e empresas interessados em criar trabalhos em uma série de formatos para eventos que acontecerão nos meses de julho e agosto de 2016 em Londres. Os trabalhos farão parte do festival de verão do museu, que vai celebrar a cultura brasileira através de música,

dança, teatro, street art e mais. Todos os projetos devem ter como inspiração a coleção brasileira do Horniman, celebrar o diálogo entre o Brasil e a Europa ou ter forte conexão com a cultura brasileira. As bolsas vão de 300 a 2 mil libras. O prazo de inscrição encerra-se dia 29 de fevereiro (www.horniman.ac.uk).


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

7

Paulo Pinto/ Fotos Públicas Alexandre Macieira/Riotur

Alalaô

Crise? Que crise? Ao que tudo indica, apesar da recessão econômica, o brasileiro vai festejar o Carnaval como se não houvesse amanhã. Em São Paulo (foto maior) e no Rio de Janeiro, blocos de pré-Carnaval levaram milhares de foliões às ruas no último fim de semana de janeiro. Como canta a inteligência de Elton Medeiros: “Não me leve a mal / Mas muito luxo pode atrapalhar / Alegria ninguém pode fabricar / Um bom Carnaval / Se faz com gente feliz a cantar / Pelas ruas um samba bem popular”.

Jovens brasileiros ganham prêmio de tecnologia Dois alunos da Universidade de São Paulo venceram a competição de desenvolvimento de software TechCrunch Disrupt London na categoria inteligência musical. A disputa foi realizada em dezembro do ano passado. Rodrigo L. Fernandez e Henrique F. Lopes são estudantes de engenharia eletrônica e engenharia mecatrônica, respectivamente, e com mais outros sete integrantes de diversos países (China, Espanha, Grécia, Índia, Líbia) desenvolveram e programaram em apenas 24 horas o software batizado de Musicracy (junção das palavras “Music” e “Democracy”).

O aplicativo criado pelos estudantes permite que convidados de uma festa possam votar para escolher as músicas que serão tocadas – por isso a escolha da palavra “democracy” (democracia) para o nome. As canções mais votadas são tocadas por ordem de popularidade. A equipe foi premiada com mil euros pela startup de inteligência musical Humm. Os estudantes fazem intercâmbio na Universidade de Surrey, no Reino Unido, pelo programa do governo brasileiro Ciência sem Fronteiras.

Itaipu vence maior prêmio do turismo mundial

Divulgação

A experiência de visitação turística na usina hidrelétrica de Itaipu, que o Brasil divide com o Paraguai, foi vencedora da 12ª edição do Prêmio de Excelência e Inovação do Turismo da Organização Mundial do Turismo. Itaipu ganhou na categoria Pesquisa, Tecnologia e Inovação. O prêmio foi auferido em janeiro na Feira Internacional de

Turismo de Madri. O turismo na Itaipu é gerido pela Fundação Parque Tecnológico Itaipu, uma instituição que investe os recursos arrecadados (depois de cobertos os gastos com a operação) em um fundo tecnológico de fomento à educação, ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo.

Seminário discute os Jogos Olímpicos Rio 2016 A edição 2016 da EPS (Event Production Show) terá seminário sobre a Rio 2016. Intitulado “Rio 2016 – How’s it looking? The challenges and the triumphs”, acontece dia 2 de março, no Olympia London, às 11h45am. Dennis Mills, chefe-executivo da MEI (Major Events International), parceira da EPS, disse ao Brasil Observer que será “uma importante plataforma para compartilhar nossas

impressões sobre a Olimpíada do Rio”. Há cinco anos a MEI trabalha com clientes brasileiros no mercado de eventos esportivos. “Aprendemos muitas lições”, acrescentou Mills. Além dele, o seminário terá entre os panelistas o jornalista Fernando Duarte, da BBC World Service, Marcela Caballero, diretora de negócios da Expomobilia AG, e Eoghan Gill, diretor comercial da Sword Security.


8

brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

CONVIDADO

Conto ambiental de dois Brasis

O Acordo de Paris foi uma vitória para o Brasil, mas grandes dúvidas permanecem em Brasília, escreve Ilan Cuperstein

Lula Marques/Fotos Públicas

Para Ilan Cuperstein, grupos indígenas são responsáveis pela preservação de grande parte das florestas nacionais, mas ainda são vistos como entrave ao “desenvolvimento”; na foto, indígenas apontam flechas para o Palácio do Planalto durante a Semana de Mobilização Nacional Indígena, em abril de 2015

Ilan Cupertein é representante da COPPE/ UFRJ no Centro China-Brasil de Mudança Climática e Energia de Inovação Tecnológica

g

E

Em um ano dominado por crises, a atuação brasileira na COP21 deu ao país a rara oportunidade de celebrar uma vitória nacional. No apagar das luzes de um turbulento 2015, o Acordo de Paris, resultado maior da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, reergueu o regime climático mundial na tentativa de manter o aquecimento global inferior a dois graus Celsius. E o acordo, como colocou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, “tem sotaque brasileiro”. Além de a proposta do Brasil ter sido quase inteiramente seguida, a mediação do país foi crucial para construir pontes. A ironia, portanto, se torna mais cruel em meio aos elogios: os dois ministérios mais presentes em Paris, do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, estão entre aqueles que foram mais enfraquecidos durante o governo da presidente Dilma Rousseff. Primeiro, vamos aos fatos. Depois de anos de negociações para um regime pós-Protocolo de Kyoto, ficou evidente a necessidade de engajamento de um número maior de países na tentativa de diminuir as desconfianças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os Estados Unidos, por exemplo, deixaram claro que não estavam dispostos a negociar outro acordo em que a China, maior emissor de gases de efeito estufa do mundo desde 2006, não tivesse nenhuma obrigação ou meta. Para alcançar essa universalidade, a forma encontrada foi introduzir maior flexibilidade. E o instrumento para essa flexibilidade foram os chamados INDCs (Intended Nationally Determined Contributions), que deveriam ser apresentados por todos os países antes das negociações e em diversas formas – metas absolutas, projetos específicos ou implementação de políticas públicas específicas. Na prática, os INDCs seguiram a proposta

brasileira de “diferenciação concêntrica”, pela qual os países convergiriam progressivamente para obrigações mais ambiciosas e precisas. Essa proposta representou continuação da posição nacional de defesa inegociável do direito ao desenvolvimento, colocando maiores expectativas de metas ambiciosas para países ricos e permitindo às nações mais pobres a proteção ambiental sem risco de sacrifício ao tão necessário crescimento socioeconômico. Como líder, o Brasil deu exemplo ao ser o primeiro país em desenvolvimento a declarar metas absolutas de redução de emissões em seu INDC. O Brasil se comprometeu a reduzir 37% das emissões até 2025 e 43% até 2030, em comparação aos índices de 2005, destacando-se por não usar projeções de emissões ou emissões por unidade do PIB, como a maioria dos países em desenvolvimento. Além disso, o Brasil também não condicionou o alcance das metas ao acesso a financiamento internacional, deixando claro que as metas se tornaram política pública abrangente e não somente questão a ser tratada no âmbito internacional. Vale ressaltar também que a meta em si é ambiciosa ao objetivar maior uso de energias renováveis (45% até 2030) em uma matriz já considerada limpa e a continuação do bem-sucedido programa de reflorestamento e combate ao desmatamento da floresta amazônica, que reduziu seu desmatamento em 82% de 2004 a 2014. A meta do INDC brasileiro que mais gerou críticas foi a de eliminação do desmatamento ilegal até 2030. Isso não só causa estranheza pela admissão explícita de que a lei ainda não é cumprida, como é um retrocesso posto que o Plano Nacional sobre Mudança do Clima de 2007 determinava como prazo para o fim do desmatamento ilegal o ano de 2015. O desmatamento na Amazônia, embora tenha diminuído, ainda é o maior do mundo. Essa questão rendeu à Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o Troféu Cara de Pau, entregue pela ONG Engajamundo na Embaixada do Brasil em Paris. Entretanto, até mesmo em relação a essa crítica, podemos celebrar outro louro da posição brasileira: a vibrante e ativa participação da sociedade civil, que compôs a maior delegação nacional à Paris, com mais de 800 pessoas, todas credenciadas. Apesar de ainda ter amplo espaço para refinar os padrões de participação na formulação da política climática nacional, o Itamaraty destacou-se mais uma vez pelo diálogo permanente antes e durante as negociações com diferentes atores da sociedade civil e governos subnacionais. Essa viva interação entre Estado e sociedade pode ser entendida como uma causa e consequência do protagonismo que a temática ambiental, e mais especificamente a questão climática, alcançou no cenário nacional.

Se Paris foi uma vitória, grandes dúvidas permanecem em Brasília, porém. Antes mesmo de crises politicamente paralisantes terem se assentado sobre a capital brasileira, o governo Dilma já anunciava o enfraquecimento do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente. A diminuição dramática de aporte para o tradicional Ministério das Relações Exteriores tornou árdua a continuação do crescimento da liderança brasileira nas diversas pautas internacionais alavancado pelo governo do ex-presidente Lula. O MMA, que durante aquele governo ganhou destaque inédito com figuras fortes como Marina da Silva e Carlos Minc, foi entregue à Izabella Teixeira, uma competente técnica, mas sem poder político para enfrentar grandes interesses ou pleitear maior fatia do orçamento federal. Até mesmo o Ministério de Ciência e Tecnologia, crucial para o monitoramento, coleta e análise de informações referentes ao meio ambiente, foi ocupado por Aldo Rebelo, um confesso descrente do fenômeno de mudanças climáticas causadas pelo homem, já tão provado e explicado pela comunidade científica internacional. Diante desses movimentos e da fragilidade da presidente Dilma, a bancada ruralista se uniu desde a discussão do novo Código Florestal e hoje caminha a passos largos para dar ao Brasil o vergonhoso título de maior consumidor de sementes transgênicas do mundo. Em outro esforço para o retrocesso, esta mesma bancada tenta retirar da União e passar ao Congresso a competência para a demarcação de terras indígenas, evocando o discurso colonialista e genocida de que índios não só não são merecedores dos mais básicos direitos e reparações como representam entrave para o mítico “desenvolvimento”. Os grupos indígenas, que ao mesmo tempo sofrem com a marginalização social e a violência estrutural e física, são também responsáveis pela preservação de grande parte das florestas nacionais ainda intocadas. Não à toa, o desmatamento na Amazônia teve aumento de 16% no último ano, ligando o alerta para a maior conquista ambiental e climática brasileira até hoje. Por essas e outras, Mário Montovani, um dos mais importantes lobistas ambientais no Congresso Nacional, recentemente afirmou que Dilma faz o “pior governo da história para o meio ambiente”. A alcunha parece exagerada quando nos lembramos do regime militar, que via a natureza (e muitos daqueles que nela habitavam) como inimiga a ser derrotada e conquistada em prol do desenvolvimento, mas a crítica merece reflexão. Assim como a política externa, a política ambiental hoje é um dos maiores alvos do desmonte de um projeto de país, tão bem sonhado e iniciado no primeiro mandato do governo Lula. O Brasil de Brasília precisava de um pouco mais do Brasil de Paris para tornar a política climática nacional um sucesso convincente.


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

9


10 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

ENTREVISTA

Acordo Mercosul-UE é prioridade

Para o Embaixador do Brasil no Reino Unido, Eduardo dos Santos, país precisa diversificar sua pauta exportadora Por Ana Toledo

A

A interpretação britânica do Brasil em 2016 veio sem demora. A primeira capa do ano da The Economist foi dedicada ao país; no mesmo mês, o Ministro das Finanças, George Osborne, alertou que o Brasil faz parte de um “coquetel perigoso de novas ameaças” econômicas lideradas pela China e sua desaceleração. Internamente, o país aguarda o fim do Carnaval para ver o Congresso iniciar seus trabalhos, com uma agenda cheia de temas delicados, como, por exemplo, a votação do processo impeachment da presidenta

Dilma Rousseff, aberto em dezembro do ano passado. Além disso, em agosto deste ano o país ainda vai sediar a primeira Olimpíada realizada na América do Sul, recebendo mais de 200 delegações em sua cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro. É diante desse cenário que Eduardo dos Santos assumiu o posto de Embaixador do Brasil no Reino Unido, no final de 2015. Em sua terceira passagem por terras britânicas, cada uma exercendo um cargo diferente, Santos já foi Secretário Geral do Ministério das Relações Internacionais

entre 2013 e 2015 e já exerceu o posto de Embaixador do Brasil no Paraguai (20082012), na Suíça (2006-2008) e no Uruguai (2002-2006). Destacando que, mesmo em período de recessão, o Brasil ainda tem pontos favoráveis que não devem ser esquecidos, o Embaixador concedeu entrevista exclusiva ao Brasil Observer e ressaltou a importância das relações bilaterais com o Reino Unido diante desse cenário de turbulência econômica, além de maior aproximação entre o Mercosul e a União Europeia, entre outros assuntos. Confira seguir:


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 11

Luís Cintra

Como está sendo esta nova etapa em sua vida diplomática? Estou pela terceira vez no Reino Unido, mas isso não significa que essa nova experiência é uma repetição das anteriores. Hoje o momento e a função que exerço são diferentes e os desafios são novos. O papel do Embaixador do Brasil aqui tem uma relevância especial, pois o Reino Unido é um grande centro formador de opinião, os contatos se diversificam com a comunidade de negócios, acadêmica, governo, Parlamento, organizações não governamentais, agentes culturais. Além disso, é um país com o qual o Brasil tem relações históricas. E se trata de um importante parceiro na União Europeia. O senhor chega aqui em um momento delicado do Brasil...

Embaixador Eduardo dos Santos

As dificuldades são inegáveis. O país tem atravessado uma transição econômica. Tivemos benefícios com o boom das commodities até recentemente. Isso nos permitiu viabilizar um programa social muito intenso no Brasil. Fortalecemos a rede de proteção social, retiramos milhões de pessoas da pobreza, ampliamos a classe média, o acesso à universidade. Essas conquistas foram possíveis graças a essa situação de bonança econômica. Hoje o mar está mais bravio, mas nem por isso perdemos a confiança de atingir os resultados esperados e recuperar o crescimento econômico de maneira sustentável. Esse é objetivo do Brasil, do governo e nós temos muita confiança que um parceiro importante como o Reino Unido vai prestar uma contribuição em termos de crescimento, ampliação do comércio, cooperação tecnológica e científica. Acho que as oportunidades de intensificação desse relacionamento são muito importantes e é o que a Embaixada tem procurado fazer. O Brasil também vive um momento político tenso, agora em fevereiro a pauta do impeachment deve aparecer novamente... A mim cabe dizer que os temas internos no Brasil são acompanhados com interesse pela opinião pública do Reino Unido, pelo governo daqui. E, obviamente, é um tema que requer nossa atenção. Não me corresponde fazer comentários sobre esse assunto, pois represento hoje o governo da presidenta Dilma Rousseff. O importante é que o Brasil hoje dá mostras do estabelecimento do seu Estado democrático de direito, das instituições, e isso deve nos motivar, dar confiança de que vamos vencer os desafios. Quais são os caminhos possíveis para o Brasil sair dessa? É um cenário de dificuldades e desafios que o Brasil terá que vencer daqui pra frente com os ajustes que se considerem necessários na sua política econômica. Isso tem sido feito pelo governo, e tem sido muito claro. O Brasil tem um enorme potencial, tem fatores muito sólidos que lhe dão condições de participar dos negócios mundiais de maneira muito ativa. Somos a sétima maior economia do mundo, temos uma população de mais de 200 milhões de habitantes, somos uma

economia diversificada que exporta produtos primários e, ao mesmo tempo, exporta produtos industriais de alto conteúdo tecnológico. Isso tudo nos dá confiança. Claro que sofremos o impacto das crises internacionais, também sofremos o impacto de questões internas. Isso tem obrigado o governo a fazer ajustes para assegurar o equilíbrio das contas públicas, e assegurar melhores condições de fortalecermos as relações comerciais e de investimentos com os demais parceiros. O que nos dá tranquilidade para atingir os objetivos esperados. Como estão as relações entre Brasil e Reino Unido? As relações sofreram recentemente o impacto dessas crises que estamos comentando, dificuldades externas e internas, a ponto, por exemplo, de nosso comércio sofrer uma redução sensível no último ano, creio que em torno de 20%, talvez um pouco mais. Tanto no lado das importações, quanto das exportações. Mas o Reino Unido é tradicionalmente um parceiro comercial importante para o Brasil. No ano de 2014, o Reino Unido foi o quarto maior parceiro do Brasil na União Europeia. O comércio com outros países do bloco também sofreu redução e isso é de caráter geral, acontece com os demais parceiros. O esforço que temos que fazer é também de caráter geral. Fortalecer as relações com a União Europeia como um todo, procurar concluir as negociações sobre o acordo Mercosul-União Europeia, que é uma prioridade hoje para o governo brasileiro, incentivar a diversificação e o aprimoramento da nossa pauta exportadora para o Reino Unido, incorporar mais valor agregado as exportações, ampliar as atividades de inovação em nosso comércio, nas nossas relações econômicas. Há anos o Mercosul e a União Europeia buscam viabilizar um acordo comercial relevante. Existem avanços nessas negociações? A mudança de presidente na Argentina é um fator favorável? É um fator favorável e do lado do Mercosul essas negociações tem ganhado impulso. Tanto a Embaixada aqui, como várias outras Embaixadas na União Europeia, tem feito gestões sucessivas junto aos governos europeus para que apoiem a conclusão dessas negociações. Ou melhor, apoiem o início das negociações, pois elas sequer começaram. Isso tem sido prometido desde 1995 e realmente é frustrante constatar que até hoje não foi possível alcançar resultado. O Mercosul concluiu seu trabalho de negociação interna no bloco e preparou uma oferta substancial a ser submetida ao lado europeu, que envolve uma parte considerável do comércio bilateral. Chegamos a um nível de ambição de 87% do comércio. Os europeus já tem sinalizado um interesse de que essa oferta seja melhorada, o que é natural de uma negociação. Nós temos reiterado que a oferta do Mercosul deve ser considerada um ponto de partida. Isso é um sinal de que estamos dispostos a negociar, mas não podemos antecipar a conclusão dessa cota, inclusive sem conhecer o conteúdo e qual é a forma da oferta do lado europeu, que não tivemos acesso

ainda. Toda negociação é um processo em que uma parte abdica determinados objetivos, mas consegue outros. E a outra parte o mesmo, assim chega-se a um ponto comum. Esse é nosso empenho. O senhor pode comentar a indicação do embaixador de Israel no Brasil? Qual é o papel do Brasil no Oriente Médio? Sobre o problema do Embaixador indicado por Israel para o Brasil, não é um assunto da minha jurisdição. Aqui trato das relações do Brasil com o Reino Unido. O Itamaraty, enquanto órgão do governo brasileiro, não tem se manifestado porque é um processo interno. Com relação ao papel do Brasil no Oriente médio, é uma área de atuação prioritária da diplomacia brasileira. O Brasil sempre se posicionou a favor da paz e da solução pacífica dos conflitos, inclusive no Oriente médio. E no caso específico do problema Palestina e Israel, o Brasil sempre defendeu a solução dos dois estados. Obviamente, a nossa capacidade de influencia no assunto é limitada. Não somos atores de primeira grandeza dentro do cenário regional, mas obviamente o Brasil acredita ter uma contribuição a dar, inclusive pelo fato de abrigarmos em nosso território as duas comunidades, e que convivem pacifica e harmoniosamente no país. O senhor tem alguma novidade sobre o Ciência sem Fronteiras? Estamos no ponto de iniciar a segunda fase do programa e fui informado que haverá algumas adaptações. Sobretudo há expectativa de que haja uma ênfase em pós-graduação. Na primeira fase a ênfase foi na graduação. A Embaixada tem um setor de cooperação acadêmica que se dedica ao acompanhamento e ao apoio aos estudantes e pesquisadores brasileiros. E, além disso, temos divulgado o trabalho desses estudantes com o intuito de aproximar pesquisadores e empresas. Tivemos má sorte por ter uma crise em ano da olimpíada? As crises sempre acontecem, não é a primeira vez que acontece uma crise nem no Brasil, nem no mundo. Acho muito importante o Brasil sediar os Jogos Olímpicos, vai ser a primeira vez que se realizam na América do sul, e isso é um fato histórico e o Brasil sente-se honrado com essa oportunidade. A Olimpíada realizada no Brasil significa uma oportunidade de promoção do país, de divulgação, do fortalecimento das nossas relações internacionais. O fato de estarmos enfrentando uma crise econômica não tira a confiança de que os Jogos serão bem sucedidos. O mundo hoje, em diferentes partes, atravessa crises, veja o que está acontecendo na Europa com o problema da imigração, as ameaças do terrorismo, os conflitos que ainda permanecem em diferentes partes do mundo. Portanto, hoje o Brasil e a América do Sul, que constituem uma região de paz, unidade, democracia, de convivência fraterna, de luta pelo desenvolvimento, pelo combate a pobreza, tem condições muito especiais de afirmação internacional e, sobretudo, afirmação das credenciais do Brasil como ator dedicado à paz e à cooperação internacional.


12 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

Copyleft

De onde vem o Zika e por que ele é um problema no Brasil? Relação entre Zika e microcefalia não está confirmada, mas o vírus foi encontrado no líquido amniótico e no tecido cerebral em uma porção de casos Por Amy Y. Vittor, do The Conversation g www.theconversation.com

D

De outubro de 2015 a janeiro de 2016, quase quatro mil casos de bebês com microcefalia foram confirmados no Brasil. Antes disso, eram apenas 150 casos por ano. A principal suspeita recai sobre um vírus transmitido por mosquitos chamado Zika. Autoridades na Colômbia, Equador, El Salvador e Jamaica sugeriram que mulheres adiem a gravidez. Centros para controle e prevenção de doenças aconselharam que mulheres grávidas adiassem viagens a países onde o Zika está ativo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que é provável que o vírus se espalhe, já que os mosquitos que carregam o vírus são encontrados em quase todos os países das Américas. O Zika vírus foi descoberto há quase 70 anos, mas não foi associado a surtos até 2007. Como esse obscuro vírus causou tanto problema no Brasil e em outras nações da América do Sul? O Zika vírus foi detectado pela primeira vez na Floresta Zika, em Uganda, em 1947, em um macaco rhesus, e novamente em 1948 em um mosquito Aedes africanus, que é uma espécie de Aedes aegypti que vive em florestas. Aedes aegypti e Aedes albopictus podem espalhar o Zika. Transmissão por relações sexuais também foram observadas. O Zika tem muito em comum com a dengue e a chikungunya, outros vírus emergentes. Todos os três se originaram nas porções oriental e central da África e no Sul da Ásia, mas recentemente expandiram seu alcance e chegaram aos trópicos e subtrópicos do globo. Todas as doenças são espalhadas pelos mesmos mosquitos. Até 2007 poucos casos de Zika em humanos foram reportados. Então um surto aconteceu na Ilha Yap, na Micronésia, infestando aproximadamente 75% da população. Seis anos depois, o vírus se espalhou na Polinésia Francesa, junto com surtos de dengue e chikungunya. Análises genéticas do vírus revelaram que a raça no Brasil era similar a uma que habitava o Pacífico. O Brasil esteve em alerta para a introdução de novos vírus após a Copa do Mundo em 2014, pois o evento concentrou pessoas de todas as partes do mundo. No entanto, nenhum país de ilhas do Pacífico competiu no evento, diminuindo a chance dessa ser a origem. Outra teoria diz que o Zika vírus chegou após um evento internacional de canoagem que aconteceu no Rio de Janeiro em agosto de 2014, que contou com competidores de ilhas do Pacífico. Outra possibilidade é a migração terrestre do Chile, já que esse país detectou um caso de Zika em um turista que voltou da Ilha de Páscoa. De acordo com uma pesquisa feita depois do surto na ilha Yap, a grande maioria das pessoas (80%) com Zika não sabia

que estavam doentes – elas não desenvolvem os sintomas. Uma minoria dos doentes tende a ter febre, erupções cutâneas, dores nas articulações, olhos vermelhos, dores de cabeça e musculares. Nenhuma morte foi relatada. No entanto, como resultado do surto ficou evidente que o Zika estava associado com a Síndrome de Guillain-Barré, uma condição neurológica de paralisia que pode matar. No começo de 2015, autoridades de saúde pública do Brasil alertaram que o Zika vírus havia sido detectado em pacientes com febre no nordeste do país. Depois houve um aumento de casos da Síndrome de Guillain-Barré no Brasil e em El Salvador. No final de 2015, casos de microcefalia começaram a emergir no Brasil. Até agora, a relação entre Zika e microcefalia não está confirmada, mas o vírus foi encontrado no líquido amniótico e no tecido cerebral em uma porção de casos. Como o Zika pode afetar o cérebro não está claro, mas um estudo dos anos 1970 revela que o vírus poderia se replicar em neurônios de filhotes de ratos, causando destruição neural. Análises genéticas recentes sugerem que espécies de Zika podem estar sofrendo mutações, possivelmente com mudanças na virulência e na habilidade de infectar mosquitos ou hospedeiros.

O MODELO ‘QUEIJO SUIÇO’ Uma forma de entender como o Zika se espalha é usar o modelo “queijo suíço”. Imagine uma pilha de fatias de queijo suíço. Os buracos em cada fatia são a fraqueza e ao longo da pilha esses buracos não são do mesmo formato ou tamanho. Os problemas aparecem quando esses buracos se alinham. Com qualquer surto de doença, múltiplos fatores estão em jogo e cada um pode ser necessário, mas não suficientes para causar o surto. Aplicar esse modelo ao nosso vírus misterioso deixa mais fácil ver como fatores, ou camadas, coincidentes criaram o surto de Zika. A primeira camada entre os fatores é um ambiente fértil para os mosquitos. É isso que os meus colegas e eu estudamos na floresta Amazônica. Descobrimos que o desmatamento acompanhado de agricultura e reflorestamento de vegetação baixa fornece um ambiente mais propício para o mosquito do que a floresta natural. O aumento de urbanização e pobreza cria um ambiente fértil para que os mosquitos se espalhem criando amplos espaços embrionários. Além disso, mudanças climáticas podem aumentar a temperatura e/ou a umidade em áreas que previamente não tinham os requisitos para que os mosquitos vivessem.

A segunda camada do queijo é a adição do mosquito vetor. Aedes aegypti e Aedes albopictus expandiram seu alcance nas últimas décadas. Urbanização, mudanças climáticas, viagens aéreas e transporte, além de esforços de controle que estão à mercê de fatores econômicos e políticos, levaram esses mosquitos a se espalhar para novas áreas e a voltar a áreas onde tinham sido erradicados. Por exemplo, na América Latina, campanhas de erradicação de mosquitos feitas pela Organização Panamericana de Saúde por causa da febre amarela entre as décadas de 1950 e 1960 levaram à diminuição do Aedes aegypti. Seguindo esse sucesso, no entanto, o interesse em manter o controle sobre esse mosquito desapareceu e entre 1980 e os anos 2000 o mosquito voltou com tudo. A terceira camada, hospedeiros suscetíveis, também é crítica. Por exemplo, a chikungunya tende a infectar grande parte da população de um território quando chega a uma área. Uma vez que infecta a população de uma pequena ilha, ele tende a sumir porque sobram poucos hospedeiros suscetíveis. Uma vez que o Zika é novo nas Américas, ainda existe uma grande população de hospedeiros suscetíveis que ainda não foram expostos. Em um grande país, como o Brasil, o vírus pode continuar circulando sem ficar em hospedeiros por um longo tempo. A quarta camada é a introdução do vírus. Pode ser bastante difícil chegar ao ponto exato de introdução. No entanto, estudos associaram o aumento de viagens aéreas com a propagação de vírus como o da dengue. Quando esses múltiplos fatores se alinham, criam condições necessárias para que um surto aconteça. Meus colegas e eu estamos estudando os papeis dessas camadas e como elas se relacionam ao surto de outros vírus, o Madariaga, que causou numerosos casos de encefalite na região de Darien, no Panamá. Lá, estamos examinando a associação entre desmatamento, o fator de mosquitos como vetores e a suscetibilidade de migrantes comparadas às dos povos indígenas na região afetada. Em nosso mundo altamente interconectado e que está sofrendo uma massiva mudança ecológica, podemos esperar surtos de vírus originários de lugares muito distantes e que terão nomes que mal poderemos pronunciar. Amy Y. Vittor é professora de medicina da Universidade da Flórida

g


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 13

PUBLIEDITORIAL

Conteúdo de responsabilidade do anunciante

Escolher cirurgião plástico de confiança é essencial para atingir resultado satisfatório Por Dr. Paul Tulley

A valorização do corpo e da aparência é algo comum à grande maioria das pessoas. A busca é realizada de diversas formas, desde o cuidado com alimentação até a cirurgia estética/plástica em si, passando pelas atividades físicas. Dentre as opções, a decisão de realizar uma cirurgia plástica não é fácil. Procedimentos delicados, anestesia geral e recuperação a longo prazo muitas vezes deixam pacientes com receio. E é neste ponto que a relação com o médico se torna um fator crucial para a tomada de decisão com tranquilidade. Por isso, a busca por profissionais com experiência é fundamental neste processo. Dr. Paul Tulley é um cirurgião plástico, reconstrutivo e estético que atua em Londres. Um dos profissionais mais conceituados da área, com graduação na Charing Cross and Westminster Medical School e com especialização nas cidades de Taipei, Taiwan, e Toronto, Canadá, ele treinou com os melhores cirurgiões nos Estados Unidos. De acordo com ele, existem diferentes causas para uma pessoa buscar a cirurgia estética. “Pode ser por uma característica particular que o paciente gostaria de melhorar (como nariz, peito, orelha), alguma mudança no corpo após o parto ou mudança de peso, por exemplo, além das mudanças com o envelhecimento (facelift, comumente)”, elenca.

EXISTE IDADE CERTA?

Mais informações: www.paultulley.com

E para que a decisão seja feita com confiança, em qualquer uma das situações acima, conhecimento do procedimento desde os preparativos até o pós cirúrgico é fundamental. “Com a forma com que trabalho, normalmente o paciente tem um número considerável de consultas para esclarecer as suas exigências para a cirurgia, para examinar áreas relevantes do corpo e coletar dados para avaliação. Depois disso, o próximo passo é apresentar as melhores opções para atingir aquele objetivo específico. Este período é fundamental para avançar para o processo cirúrgico e atingir um resultado satisfatório”, explica Dr. Paul. Após a cirurgia, a maioria dos pacientes tem um período afastado do trabalho e atividades sociais que pode durar até 14 dias. Uma semana após a cirurgia, o paciente volta ao consultório para remover os pontos e trocar o curativo. Nesse período, é possível notar um pouco de inchaço e hematomas, que diminuem durante esta etapa. Uma quantidade de edema residual pode estar presente em alguns casos, e isso aparece nas semanas subsequentes. Por isso, a instrução para garantir um pós -operatório tranquilo é evitar fumar, ter uma dieta saudável e também evitar medicações anti-inflamatórias não esteróides (Aspirina, Nurofen e Voltarol são alguns exemplos), que podem causar hematomas e sangramento.

A idade apropriada para a cirurgia plástica pode variar de paciente para paciente. Mas algumas indicações são necessárias, por exemplo: não é comum a cirurgia plástica nas mamas antes da paciente completar 20 anos. A rinoplastia, cirurgia plástica indicada para correção estética do nariz, também não é comum antes do amadurecimento do esqueleto facial, que acontece por volta dos 18-20 anos. No entanto, a otoplastia, a cirurgia plástica nas orelhas, são comumente realizadas em adolescentes mais jovens e crianças. A de rejuvenescimento facial com 40 anos, ocasionalmente com pacientes mais jovens, porém com abordagem menos invasivas.

Bsc MB BS MD FRCS(Plas)

Acredite no

seu corpo!

Consultant Plastic, Reconstructive and Cosmetic Surgeon

É um prazer poder falar do Dr. Paul Tulley. Um grande médico que foi responsável por algumas cirurgias plásticas que fiz. E por estar falando em cirurgia, é muito importante conhecer e certificar-se do profissional que vai escolher, já que colocamos a nossa vida nas mãos dessa pessoa. Fiz a opção de realizar a cirurgia em Londres, pois encontrei a confiança necessária com o Dr. Paul. Tirou todas as minhas dúvidas com tranquilidade e profissionalismo, me deixou segura para, enfim, fazer a cirurgia. O resultado foi o esperado e hoje eu agradeço e recomendo, pois me fazer sentir realizada. Simone Bello Diretora Executiva da Bellaface Studio

Falamos português

Cirurgia plástica e reconstrutiva da face Seios e corpo, incluindo rejuvenescimento facial (facelift) Cirurgia plástica dos seios (aumento, redução e elevação) Contorno corporal (abdominoplastia, lipoaspiração e nádegas)

152 Harley St. London | 0207 183 1559 | enquiries@paultulley.com


14 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

INVESTIGAÇÃO Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

Capítulos decisivos do impeachment Pedido de afastamento da presidenta Dilma Rousseff tende a ser rejeitado. Há, porém, outras complicações para o governo Por Wagner de Alcântara Aragão

D

Depois de mais de 30 dias, o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff volta a ganhar destaque nas discussões e no noticiário da política nacional, agora em fevereiro. As férias de virada de ano e uma série de episódios que se sucederam desde que o pedido foi acatado em dezembro pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, parecem ter tornado a possibilidade de afastamento de Dilma menos provável. O desenrolar dos acontecimentos nas próximas semanas é que vai indicar, no entanto, se esse arrefecimento em torno da questão é aparente ou não. É fato que, nas ruas, apesar da impopularidade da presidenta, não há adesão suficiente para bancar um afastamento. Pelo contrário. As manifestações promovidas por movimentos sociais em 16 de dezembro em várias cidades do país deram uma demonstração de que há uma parcela considerável da população disposta a defender o mandato de Dilma, ainda que essa mesma população esteja insatisfeita com os rumos do atual governo. Manifestos assinados por lideranças politicas, jurídicas, artísticas, intelectuais e populares em geral rechaçando o pedido de impeachment em tramitação atualmente também sinalizam respaldo consistente ao mandato de Dilma. Mesmo integrantes de grupos políticos não alinhados ao governo têm condenado a tentativa de tirar Dilma Rousseff da Presidência da República.


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 15

REAÇÕES Uma amostra das reações contrárias ao impeachment foi o Fórum Social Mundial Temático ocorrido entre os dias 19 e 23 de janeiro em Porto Alegre. Em boa parte das atividades realizadas no evento, mesmo naquelas em que o tema central não tinha relação direta com a conjuntura política brasileira, manifestações contrárias ao impeachment – de simples críticas a declarações coletivas e públicas – se fizeram presentes. O Brasil Observer conversou no fórum com dois líderes estudantis, representantes de uma parcela da população para a qual uma turbulência semelhante à de hoje só era conhecida por meio dos livros de história. Tanto para Rafael Bogoni, da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da Organização Continental Latino-Americana e Caribenha dos Estudantes (Oclae), como para Camila Lanes, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), os próximos meses deverão ser marcados pela participação cada vez maior de jovens em manifestações políticas de norte a sul e leste a oeste do Brasil. Embora façam avaliações nem sempre concordantes sobre o governo Dilma Rousseff, os dois líderes estudantis garantem que seus movimentos vão ocupar as ruas para lutar contra o impeachment da presidenta. “Nós da Ubes somos contra [o afastamento de Dilma]. Isso não significa que somos a favor do governo – tem uma série de programas que precisam ser repensados; também não dá para admitir cortes [no orçamento da educação], vamos pra rua contra isso também. Mas esse pedido de impeachment, sem chance. Lutamos tanto pela democracia, sabemos o preço que se pagou, não podemos aceitar [o impeachment], porque não há nada contra a Dilma”, argumentou Camila Lanes. Para Rafael Bogoni, antes de tudo é preciso compreender que a tentativa de afastamento da presidenta Dilma representa, no Brasil, um avanço da direita e suas forças conservadoras, algo semelhante ao que tem ocorrido em várias partes da América Latina. Na avaliação dele, mais do que nunca é hora de os jovens não se omitirem. “Os estudantes estão na rua e vão continuar indo às ruas para barrar esse impeachment. Esse impeachment é golpe. Golpe como o que aconteceu em Honduras, no Paraguai, como tentaram fazer na Venezuela. Temos que ir para as ruas para a defesa da Constituição.”

VIÉS GOLPISTA A pecha de golpe colada ao impeachment em tramitação se apresenta como resposta à seguinte pergunta: se a maior parte dos brasileiros, inclusive aqueles que elegeram Dilma, está descontente com os rumos do segundo mandato, por que o afastamento da presidenta não conta com apoio popular maciço?

O rótulo tem sido pregado principalmente pelos governistas ou simpatizantes – e a própria Dilma, em eventos públicos, tem utilizado a definição. “Impeachment vira golpe quando não tem fundamento legal. Não há fundamento legal porque eu tenho uma vida ilibada. No meu passado e no meu presente não há nenhuma acusação fundada contra mim”, declarou a presidenta em solenidade de inauguração de estação do metrô em Salvador, em dezembro. Tal rótulo pegou, mas não só em razão da retórica. A inexistência de qualquer indício de que a presidenta tenha cometido crime de responsabilidade; o protagonismo da oposição de direita que não se conforma com a apertada derrota sofrida no pleito de 2014; falas e atitudes do vice-presidente da República, Michel Temer, que soam infidelidade; e a reputação no fundo do poço do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a quem coube aceitar o pedido de impedimento e colocar o processo em votação, são fatos que têm colaborado para dar ao pedido de impeachment cor, aroma, sabor e feições revanchistas. Ainda no Fórum Social Mundial Temático de Porto Alegre, num painel de debates específico sobre a conjuntura política brasileira, o impeachment foi tratado como uma clara tentativa de golpe por parte da oposição de direita. Integrante da base do governo e cabo eleitoral de Dilma, mas grande crítico principalmente do segundo mandato da presidenta, o senador Roberto Requião, um dos palestrantes, definiu como “absolutamente ridícula” a tese que sustenta o pedido de impeachment (a de que o governo praticou as chamadas “pedaladas fiscais”). “O pedido de impeachment de Dilma surge de uma disputa política insana movida a ódio”, classificou.

NO TSE Se a fragilidade do processo do impeachment em curso pode dar relativa tranquilidade aos governistas, é certo que, se superada essa questão, o governo terá outra árdua batalha para se manter onde está. Dentro dos próximos meses, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverá voltar a julgar as contas da campanha de Dilma de 2014. Em dezembro daquele mesmo ano as contas tinham sido aprovadas pelo TSE, mas uma ação movida na sequência pela coligação do candidato derrotado Aécio Neves motivou investigação e julgamento em torno de supostas irregularidades em pagamentos por serviços gráficos da coligação adversária. A reprovação de contas de campanha não significa, automaticamente, a suspensão ou cancelamento da diplomação dos eleitos. Abre, porém, possibilidade para a abertura de processo de cassação da diplomação propriamente dita – e, por tabela, da perda de mandato. Isto é: escapando do impeachment a ser apreciado pela Câmara até o final de março, o governo Dilma continuará a sofrer ameaças de destituição.


16 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

A TRAMITAÇÃO

FATORES DECISIVOS

Abertura | A abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi autorizada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em 2 de dezembro, ao acatar, naquele dia, pedido que havia sido protocolado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale.

● Embora especialmente neste segundo mandato o governo Dilma Rousseff tenha tido dificuldade de contar com uma base consistente na Câmara dos Deputados, avaliase, em razão do contexto em que o processo do impeachment tramita, que a oposição terá dificuldade para conseguir que dois terços do plenário votem pela aprovação do impedimento da presidenta. ● Ainda que passe na Câmara, a palavra final vai ficar com o Senado, onde o governo tem conseguido maioria com menores dificuldades do que na Casa vizinha.

swaldo Corneti/ Fotos Públicas

Comissão | Aceito o pedido, a Câmara dos Deputados deve constituir Comissão Especial para avaliação da matéria. Uma Comissão chegou a ser eleita em 8 de dezembro; no entanto, o processo foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento em 17 de dezembro, motivado por ação indireta de inconstitucionalidade movida pelo PCdoB. Uma nova Comissão será constituída agora em fevereiro.

● Movimentos favoráveis ao impeachment marcaram para o dia 13 de março manifestações em todo o país. O êxito ou fracasso desses atos terá peso importante na tramitação do processo. ● O comportamento da grande mídia, que tem aberto muito mais espaço à defesa do impeachment do que a suas críticas e contradições, também poderá ter impacto no desenrolar do caso. Vale destacar que o julgamento do chamado “mensalão” se deu com forte pressão midiática, o que influenciou decisões.

Parecer da Comissão Especial | Depois de constituída, de eleger presidente e relator, a Comissão Especial tem dez dias para emitir parecer sobre a possibilidade de o pedido de impeachment ser admitido. Discussão | O parecer da Comissão Especial deverá ser lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional e em avulsos, juntamente com a denúncia. As publicações devem ser distribuídas a todos os deputados. Após 48 horas da publicação, o parecer será incluído, em primeiro lugar, na Ordem do Dia da Câmara dos Deputados, para uma discussão única. Cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer. O relator da comissão especial poderá responder a cada um. Votação | O parecer da Comissão Especial será submetido a uma votação nominal. Caso a denúncia constante do pedido de impeachment não seja considerada procedente, ela será arquivada. Caso contrário, a denúncia segue e o presidente da Comissão terá 20 dias para contestá-la e apresentar provas que sustentem a defesa. Para que o pedido de impeachment prossiga, dois terços (342) dos 513 deputados devem votar a favor. Análise | Terminado o prazo, com ou sem a defesa, a Comissão Especial colherá depoimentos de testemunhas de ambas as partes, podendo ouvir tanto denunciante quanto denunciado. Poderá ainda fazer interrogações e acareações. A presidenta denunciada poderá assistir a todas as sessões pessoalmente ou mandar um representante ao local. A comissão terá dez dias após o fim das sessões para proferir um novo parecer sobre a procedência ou não das denúncias do pedido de impeachment. O novo parecer também será publicado e incluído na Ordem do Dia da próxima sessão para ser submetido a duas discussões, com intervalo de 48 horas entre uma e outra. Cada representante de partido poderá falar uma só vez e durante uma hora. O parecer será votado nominalmente. Acusação | Caso a denúncia seja considerada procedente, será decretada a acusação pela Câmara dos Deputados. A presidenta será intimada imediatamente pela Mesa da Câmara, por intermédio do 1º Secretário. A Câmara dos Deputados elegerá uma comissão de três membros para acompanhar o julgamento do acusado. Presidenta suspensa | Decretada a acusação, a presidenta é suspensa da função e tem metade do salário cortado até a sentença final. Passa a ser substituída pelo vice-presidente (no caso, Michel Temer). Conforme se trate da acusação de crime comum ou de responsabilidade, o processo será enviado ao Supremo Tribunal Federal ou ao Senado Federal. No Senado | A próxima etapa é o Senado Federal, onde há prazo de 180 dias para deliberação, comandada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Caso dois terços dos senadores [54 de um total de 81] votem pelo impeachment, o presidente perde o mandato e seu vice, no caso, Michel Temer, toma posse.

Maioria dos governadores e prefeitos de capitais defende mandato de Dilma Rousseff A ameaça de impeachment ronda a presidenta Dilma Rousseff desde o início do segundo mandato, há um ano. Diversos pedidos foram protocolados na Câmara dos Deputados até que, em dezembro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, numa declarada retaliação ao governo, resolveu acatar um deles – assinado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale. Como o que era apenas uma assombração se tornou uma pos-

sibilidade concreta, diversos segmentos da sociedade passaram a se mobilizar e a declarar publicamente contrariedade ao processo de impeachment em curso. A presidenta já recebeu, por exemplo, o apoio de 16 dos 27 governadores estaduais, de vários partidos; prefeitos de 14 das capitais, igualmente de diversas legendas, já se posicionaram também contra a destituição de Dilma. “O Brasil deve respeitar a von-

tade da população que conferiu à presidenta da República o exercício de seu mandato (...) e Dilma Rousseff tem demonstrado retidão institucional e compromisso público no exercício de suas funções”, diz trecho de manifesto assinado pelos prefeitos. Carta dos governadores, por sua vez, ressalta que “não está configurado qualquer ato da presidenta que possa ser tipificado como crime de responsabilidade”.

Contagem regressiva para Eduardo Cunha? Se o impeachment da presidenta Dilma Rousseff parece uma possibilidade remota, são cada vez maiores as chances de o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ser destituído do posto. Na volta do recesso, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá a tarefa de analisar e julgar pedido feito em dezembro pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de afastamento de Cunha do cargo de deputado federal e, em consequência, da

condição de presidente da Casa. Rodrigo Janot listou uma série de razões para justificar a necessidade de afastamento de Eduardo Cunha. São fatos que, em síntese, representam uso do cargo a favor de interesses pessoais, integração de organização criminosa e tentativa de obstrução das investigações criminais. “O Eduardo Cunha tem adotado, há muito, posicionamentos absolutamente incompatíveis com o devido processo legal, valendo-se

de sua prerrogativa de Presidente da Câmara dos Deputados unicamente com o propósito de autoproteção mediante ações espúrias para evitar a apuração de suas condutas, tanto na esfera penal como na esfera política”, escreveu Janot na peça de 183 páginas. De acordo com o procurador-geral, o objetivo da medida é garantir a ordem pública para evitar nova prática de crimes e o “regular andamento da instrução e aplicação da lei penal”.


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 17


18 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

CONECTANDO

Futuro e relevância do Fórum Social Mundial Participantes históricos avaliam que o FSM chegou a um impasse. É preciso aglutinar novos sujeitos políticos

T

Terminou no dia 23 de janeiro a edição temática do Fórum Social Mundial que, além de celebrar os 15 anos do processo que teve início em 2001, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, também se propôs a debater, com seriedade, as perspectivas para a continuidade desta articulação global. A reflexão não começou agora. Já há quatro anos as organizações que integram o Conselho Internacional do FSM (CI) constataram que o espaço vinha perdendo relevância e a capacidade de pautar agendas e articulações de impacto global. Algo muito diferente do que aconteceu no ano de 2003, quando um chamado internacional pela paz saiu dos palcos do FSM em Porto Alegre, às vésperas da invasão no Iraque, para levar milhões às ruas em todo o mundo. Hoje os obstáculos são muitos. O mundo mudou bastante desde então, assim como as formas de organização da sociedade civil e dos movimentos populares. O FSM, entretan-

Por Bia Barbosa, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social g

to, não conseguiu acompanhar essas transformações. Atualmente, além das dificuldades internas de aglutinação do campo progressista, o chamado movimento ‘altermundista’ enfrenta uma conjuntura externa mais complexa. E um inimigo cada vez mais forte. “A velocidade de cruzeiro que o capitalismo alcançou em sua expansão está levando o mundo ao precipício. O sistema se transformou numa máquina de produção enlouquecida, insaciável. Uma máquina que, para produzir e ter lucro, destrói o que tem pela frente. Se a barragem estoura em nome do lucro, não tem problema”, avaliou Chico Whitaker, da Comissão Justiça e Paz, um dos construtores do processo do FSM, em referência ao crime ambiental da Samarco em Mariana. “É um sistema que está em crise, mas que domina a comunicação global e assim faz todo mundo acreditar que outro mundo não é nem possível, nem necessário, que não há o que fazer, que não estamos fazendo nada”.

Apesar dos percalços do capitalismo, ele ainda é a força que detém a hegemonia política, econômica e ideológica, argumentou Givanilton Pereira, secretário de relações internacionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). Na última mesa de convergência da programação do fórum, o sindicalista lembrou que foi contra esses propósitos que o FSM se articulou, produzindo denúncias e mobilizações. “Socializamos consciência crítica para que os povos lutem e resistam contra a barbárie do capital. E a diretiva ‘outro mundo é possível’ se tornou inspiração para as lutas em todo o planeta”, afirmou. Visões divergentes e mudanças na conjuntura global, porém, têm dificultado a capacidade de elaboração de uma resposta à altura dos atuais desafios globais. Para Oded Grajew, outro ativista dos primórdios deste processo, hoje na Rede Nossa São Paulo, o FSM está em crise, assim como as associações que dele participam. “Temos que reconhecer nossa responsabilidade sobre essa crise. g

Só conseguiremos reerguer as forças do outro mundo possível e enfrentar o neoliberalismo se reconhecermos nossos erros, fizermos uma reflexão sincera sobre eles e construirmos outras formas de dar legitimidade às nossas ações. Se não conseguirmos mudar, haverá muito poucos conosco”, alertou Grajew.

CAMINHOS POSSÍVEIS O diagnóstico é duro, mas há caminhos possíveis. A presença de 15 mil pessoas no Fórum Social Temático de Porto Alegre comprovou que, apesar de todos os seus limites, o FSM carrega um legado antineoliberal que acumulou o patrimônio de articular organizações e movimentos com profundo conhecimento teórico e político dos campos em que atua, além de grande experiência prática, como lembrou Givanilton Pereira. Para o dirigente da CTB, com uma estratégia bem definida, esta importante frente política social pode ter um papel maior na luta contra o capitalismo.

Este artigo foi produzido para a cobertura compartilhada do Fórum Soci al Temático, realizado em Porto Alegre de 19 a 23 de janeiro


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 19

Aline Baker/Ciranda

15 mil pessoas estiveram no FST de Porto Alegre

“Mas, para isso, devemos ampliar a base política do FSM e forjá-la com objetivos comuns. Isso poderá maximizar sua energia, aumentar a capacidade aglutinadora do fórum e elevar sua força transformadora. Essa é uma necessária atualização tática, para melhor se posicionar frente à transição geopolítica em curso”, analisou Pereira. “Temos que considerar que existem novos sujeitos políticos se organizando, como os jovens que ocuparam as escolas em São Paulo, os jovens que vão à luta contra o aumento das passagens de transporte público, os que lutam na África e na América Latina contra todas as formas de opressão. É importante que se absorva essa rica experiência e é necessário que o FSM seja o espaço de articulação de todas essas lutas”, ressaltou Dennis de Oliveira, professor da Universidade de São Paulo e membro do coletivo de ativistas antirracistas Quilombação. O momento seria, portanto, de envolver no processo do FSM os inúmeros

e plurais sujeitos que têm protagonizado a resistência dos povos nos territórios e que têm ampliado a agenda de lutas. Dar conta dessa tarefa depende das opções que forem feitas no caminho. Uma delas, sempre motivo de polêmica, é se o FSM deve ou não ser um espaço de tomada de decisões, com encaminhamentos e orientações concretas aos seus participantes feitas após os encontros mundiais – que agora ocorrem a cada dois anos, mudança feita no curso desses 15 anos já como uma resposta às dificuldades políticas e financeiras que os movimentos têm de se encontrarem anualmente em escala global. “Buscamos novos formatos para que o fórum possa, além de reivindicar, incidir concretamente e, quiçá, até implementar diretamente algumas de suas propostas. Os sonhos tem que ter suas próprias ferramentas. Esperamos que o FSM tenha a possibilidade de construir sua própria ferramenta de incidência”, disse Cesare Otonini, da AIH/Itália.

QUESTÕES INTERNAS E EXTERNAS O desafio, porém, vai além da inclusão de novos atores e de processos decisórios. Passa por todo o funcionamento do FSM, incluindo as responsabilidades de cada organização membro do Conselho Internacional (composto por mais de 100 entidades) e a democracia interna do órgão. “É possível oxigenar este espaço. Estamos avançando, com boa parte da organização do próximo FSM sendo feita por jovens no Canadá, visto que o desafio de oxigenação do CI passa pela juventude”, afirmou Rogério Pantoja, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do CI. Por fim, será preciso também relacionar os desafios internos com o processo externo vivenciado por governos progressistas em âmbito global – e sobretudo na América Latina –, que chegaram ao poder com apoio significativo das organizações e movimentos que participam do FSM.

“Não podemos desvincular nossas questões dos impasses, conflitos e limites que esses governos tiveram e que agora estão implicando nas derrotas que estamos tendo na região. Tais impasses são fruto de uma relação contraditória desses governos com a ordem geral capitalista, que se utilizaram das ferramentas do capital para implementar uma série de políticas públicas”, criticou Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres. “Assim, não temos apenas uma rearticulação das forças imperiais para combater em nosso continente, mas também a incorporação e cooptação das nossas demandas no discurso do capitalismo”, completou. Que a energia militante e a vontade de construir lutas lado a lado, que animaram as discussões em Porto Alegre, sejam a base para a condução desse complexo e também conflituoso processo de transição. “O futuro dependerá de como articulamos todas essas questões”, concluiu Faria.

CONECTANDO é um projeto criado pelo Brasil Observer que busca fomentar experiências de comunicação ‘glocal’. Em parceria com universidades e movimentos sociais, nosso objetivo é fazer com que pautas locais atinjam uma audiência global. Para participar e/ou obter mais informações, escreva para contato@brasilobserver.co.uk


20 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

ESPECIAL

O Rio pode ficar pequeno para Mo Farah Primeiro atleta de longa distância a fazer o chamado ‘triplo-duplo’, somali radicado no Reino Unido quer mais Por Samuel Green, do Portal Rio 2016 www.rio2016.com

M

Mo Farah foi posto à prova a vida inteira. Aos oito anos de idade, pediu asilo ao Reino Unido após fugir da guerra na Somália, sua terra natal. Ninguém poderia prever, mas, naquele momento, um novo herói nacional britânico estava chegando ao país. Mesmo em 2008, quando não conseguiu se classificar para a final dos 5.000 metros nos Jogos de Pequim, era quase impossível imaginar que aquele atleta se tornaria um dos fundistas (especialistas nas distâncias acima de 3.000 metros) mais famosos deste século.

Hoje, aos 32 anos, Mo Farah tem o nome escrito na história do esporte de elite. Já são duas medalhas olímpicas, cinco títulos mundiais e uma estátua de cera no museu Madame Tussaud de Londres. No último Mundial, em Pequim, Farah se tornou o primeiro atleta de longa distância a fazer o “triplo-duplo” – ele ganhou o ouro nos 5.000m

e nos 10.000m em Londres 2012 e em dois Mundiais consecutivos. Só que ele ainda não está satisfeito. Farah está obstinado em defender os dois títulos e continuar a fazer história no Rio 2016. “É para isso que estou treinando todos os dias”, disse em entrevista exclusiva ao Rio2016. com, por e-mail. Se ele conseguir o “quádruplo-duplo”, e seu amigo Usain Bolt conquistar o “triplo-triplo” (três ouros consecutivos nos 100m, 200m e 4x100m), o Rio de Janeiro vai ficar pequeno para a festa que as duas feras planejam dar. Muçulmano devoto, Farah se tornou exemplo para os milhares de imigrantes que vivem na Grã-Bretanha. Ele se considera feliz por viver em “uma sociedade verdadeiramente multicultural”. Este ano, ele vai ao Brasil pela primeira vez e espera repetir a experiência vivida em Londres, que lembra como o melhor momento de sua vida.


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 21

Divulgation

Como está a preparação para os Jogos Rio 2016? Estou na Etiópia para um treinamento em altitude. Correr aqui significa que o corpo pode armazenar melhor o oxigênio e esta é uma parte importante do treino de resistência. Vou ficar aqui até o Grand Prix Indoor de Glasgow, que acontece em fevereiro. Depois, volto aos Estados Unidos para continuar a me preparar para o Rio. Quais são os principais desafios a superar para o Rio? Minha principal preocupação agora é não me machucar. Assim posso seguir com o atual plano de treinamentos – sair da minha programação complica as coisas e tenho que estar focado no Rio todos os dias. Um desafio pessoal é ficar tanto tempo longe da minha família – o que se torna cada vez mais difícil ao longo dos anos. Como se sente ao saber que é o único a ter conquistador o “triploduplo”? Fico muito feliz com minhas medalhas de ouro de Londres, Moscou e Pequim. Nenhuma delas foi fácil de conquistar e defendê-las é algo que significa muito para mim. Qualquer vitória internacional é algo a se orgulhar para um atleta, mas há algo de especial em fazer história no palco do mundo. No início da carreira, você acreditava que teria este sucesso?

Mo Farah ganhou o ouro nos 5.000m e nos 10.000m em Londres 2012 e em dois Mundiais consecutivos

Precisei de muito tempo e muito trabalho para chegar a este nível. É preciso valorizar o tempo – são meses e anos. Quando comecei, não tinha ideia do que poderia acontecer. Eu estava ainda sonhando em jogar futebol. O atletismo mudou a minha vida, deu forma ao meu mundo e me ensinou disciplina sobre mente e corpo. Também me deu a chance de sustentar a minha família e garantir que meus filhos tenham oportunidades que não tive quando era criança. Quando chegou à Grã-Bretanha, aos oito anos de idade e sem falar inglês, imaginava como sua carreira se desenvolveria? Não. Naquela época, eu não sabia nem o que era correr competitivamente. Quando era criança, eu amava futebol e sonhava em jogar pelo Arsenal. Nunca tinha sequer considerado correr até meu professor de educação física, Alan Watkinson, ver que eu tinha talento para o atletismo. Graças a ele, consegui vencer alguns títulos escolares. Mas foi só quando venci o Europeu Junior que pensei que poderia fazer isso profissionalmente. Como a sua experiência como imigrante influenciou o seu crescimento como pessoa e como atleta? Como era muito pequeno, não lembro muito da Somália. Mas eu e minha família nos sentimos em casa no Reino Unido. As pessoas são muito receptivas

e é uma verdadeira sociedade multicultural. É o país onde cresci, onde estudei. Tenho orgulho de minha dupla cidadania e tenho orgulho de ser britânico. Quando eu corro, corro pela Grã-Bretanha. O ano de 2015 deve ter sido difícil para você, com as controvérsias envolvendo seu treinador (o ex-fundista Alberto Salazar, que nega veemente ter receitado substâncias irregulares a seus atletas). Como esse episódio te afetou? Foi frustrante ser tragado para dentro dessa história. Não quero passar por isso de novo. Eu simplesmente me concentrei e continuei com meu plano de treinamento. As duas medalhas de ouro no Mundial de Pequim foram o resultado. Então, ano passado foi um grande ano para mim. Qual é a sua memória mais forte dos Jogos Olímpicos Londres 2012? Lembro-me do barulho da torcida quando estava na última volta. Foi um sentimento muito bom ter 80 mil pessoas torcendo por mim, gritando meu nome. Foi o melhor momento da minha carreira. Olho para trás e ainda não consigo acreditar. Você acha que consegue fazer o “quádruplo-duplo” ao defender seus títulos no Rio? Quem são seus principais adversários? É para isso que estou treinando todos os dias. Acredito que os principais adversários sejam os mesmos dos últimos anos – a maioria, atletas do Quênia e da Etiópia. As provas de 5.000 e 10.000 metros sempre têm velocistas extremamente talentosos. O que você acha do Rio como cidade-sede dos Jogos Olímpicos? Nunca fui ao Rio, mas mal posso esperar para ir. Todo mundo me falou sobre como são bonitas as praias e que as pessoas são muito amigáveis. O Brasil é famoso pelo futebol, então eu espero ter um tempinho para melhorar o meu drible. Mas o mais importante é que, ainda que eu esteja a mil milhas de Londres, sei que terei o apoio de casa. É o que me faz seguir em frente. Como é a sua amizade com Usain Bolt? Se ambos conquistarem seus objetivos no Rio, vão comemorar juntos? Nos conhecemos há mais de dez anos. Usain e eu crescemos juntos no atletismo, os dois sob os holofotes, ele sabe bem como é isso. Desejo tudo de melhor para ele no Rio. Se nós dois ganharmos, tenho certeza que vamos fazer uma festa enorme. Quais os planos para depois do Rio? Em 2017, teremos o Mundial em Londres – esse provavelmente é o meu próximo objetivo. Ainda não decidi, mas talvez depois eu passe a correr maratonas e outras distâncias. Mas tenho que esperar e ver o que acontece no resto do ano.


22 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

O último ‘adiós’ F Fernando Pessoa nos ensinou que “tudo o que é bom dura o tempo necessário para ser inesquecível”. Assim, após uma brilhante trajetória de quase 20 anos, a Orquesta Buena Vista Social Club – como se intitula atualmente – chega a Londres em sua turnê mundial de despedida, Adiós Tour, no dia 6 de Abril na The O2 Arena, sob a liderança ilustre de Omara Portuondo e Eliades Ochoa, membros da primeira geração deste icônico grupo cubano. “Embora seja uma despedida, tenho vontade de continuar cantando por muitos anos ainda”, disse Omara Portuondo ao Brasil Observer. A cantora e dançarina cubana iniciou sua carreira artística em conjuntos como Cabaret Tropicana e Cuarteto d’Aida, e, no auge de seus 84 anos, continua a arrasar em suas performances. O público brasileiro, aliás, deve se lembrar: Omara esteve em turnê pelo Brasil em 2008, ao lado de Maria Bethânia, com quem lançou um DVD ao vivo. Buena Vista Social Club era um clube de dança para sócios da cidade de Havana que se tornou um popular ponto de encontro entre músicos durante a década de 1940. Quase 50 anos depois de seu fechamento, já na década de 1990, o clube inspirou uma gravação feita pelo músico cubano Juan de Marcos Gonzáles e pelo guitarrista americano Ry Cooder, que conseguiram juntar para a empreitada diversos músicos cubanos tradicionais, incluindo alguns que haviam tocado no clube em seus tempos áureos. Os membros do grupo que se formava foram encontrados nos lugares menos prováveis, como é o caso do engraxate Ibrahim Ferrer, eternizado por seus duetos românticos com Omara Portuondo antes de falecer em 2005. A banda era um sopro de esperança em uma Cuba sofrida com a queda da União Soviética e o embargo estadunidense. E logo alcançou fama internacional. O primeiro disco, Buena Vista Social Club, foi lançado em 1997 e teve mais de nove milhões de cópias vendidas pelo mundo. O sucesso também se delineou depois que o diretor alemão Wim Wenders (Asas do Desejo) ganhou um Oscar com o documentário de mesmo nome, Buena Vista Social Club, que retrata os primeiros concertos da banda, em Berlim e Nova York, além de entrevistas em Havana. A história do grupo conta ainda com

Só tenho a agradecer pelos anos de carinho Omara Portuondo


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 23

Icônico grupo cubano Orquesta Buena Vista Social Club vem a Londres em sua turnê mundial de despedida Por Gabriela Lobianco

Alejandro Gonzalez

outros dois álbuns, um gravado ao vivo (Buena Vista Social Club at Carnegie Hall) e outro com faixas exclusivas que estavam guardadas em arquivo (Lost and Found). “Só tenho a agradecer pelos muitos anos de cuidado e carinho do público”, reconheceu Portuondo. A banda teve que lidar, porém, com os falecimentos dos integrantes mais antigos, como Ibrahim Ferrer, Compay Segundo e Rúben González. “Há muito tempo já nos acompanham jovens músicos muito talentosos, como o pianista Rolando Luna e os cantores Carlos Calunga e Idania Valdéz”, explicou Portuondo. Nessa nova formação, artistas veteranos e novatos embalam os maiores sucessos da orquestra por quase duas horas de espetáculo, como eu pude testemunhar na apresentação que eles fizeram em Cork, na Irlanda, em 2013. O ritmo latino pulsa e, sem perceber, estamos bailando como os músicos que estão no palco. É impossível não se lembrar de canções como “Candela”, “Chan Chan” ou “Dos Gardenias” desde o instante em que os primeiros acordes ecoam dos instrumentos metalizados conduzidos pelos mais de 40 músicos que compõem a trupe. Entretanto, não somente de sucessos antigos se nutre o show: Rolando Luna desponta com uma interpretação lindíssima ao piano de “Como Siento Yo” e Jesus ‘Aguaje’ Ramos nos presenteia com um primoroso solo de trombone em “Bodas de Oro”. Eliades Ochoa, outra estrela da antiga composição, domina o palco em certa altura com sua vestimenta estilo cowboy para tocar “Guajira El Carretero”. Portuondo espera que o público em Londres seja igualmente intenso e belo como das outras vezes em que estiveram no Reino Unido. “O nosso público é muito diverso e no Adiós Tour percebemos que as pessoas que nos acompanham há muitos anos agora comparecem no show com seus familiares e filhos”, disse. “Convido a todos e prometemos um concerto muito especial nesta nossa despedida”. O fim está próximo. A apresentação derradeira da banda em Havana acontece também no mês de abril. Mas, talvez, os fãs possam ainda ter um fio de esperança por uma volta. Afinal, como diz a canção: Siempre que te pregunto/ Que, cuándo, cómo y donde/ Tú siempre me respondes/ Quizás, quizás, quizás. Quem sabe?

Da esquerda para direita: Eliades Ochoa, Barbarito Torres, Omara Portuondo, Guajiro Mirabal e Jesus ‘Aguaje’ Ramos

Orquesta Buena Vista Social Club Quando: 6 de abril Onde: The O2 Arena Preço: £42,50 – £113,25 Info: www.comono.co.uk


24 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

DICAS

MÚSICA Divulgação

Zeu Azevedo

Arrastando o tamanco em festival de forró Em sua quinta edição, o Forró London Festival oferece uma rara oportunidade de imergir em um dos ritmos mais populares do Brasil. Os participantes têm a chance de aprender a dançar em uma série de workshops e arriscar novos movimentos em festas que acontecem em

lugares como Guanabara, Grace Bar e Stoke Newington Hall. Entre as atrações musicais estão Geraldinho Lins, Os 3 Do Nordeste, Bernardo Luiz, Zeu Azavedo e ForroBamba. O festival é liderado e organizado por Carlos Andre, que há mais de 12 anos ensina os passos do forró.

Forró London Festival Quando: 25 a 28 de fevereiro Onde: Vários locais Entrada: £89 (para o fim de semana) Info: www.forro.co.uk

Criolo é destaque em festival de música latina O La Linea Festival já construiu uma respeitável reputação trazendo para Londres proeminentes nomes da música latina. E neste ano não será diferente. Em abril, se apresentam na capital inglesa o rapper Criolo, a cantora de fado portuguesa Ana Moura, a cantora cubana Daymé Arocena e a banda de cumbia chilena Chico Trujillo, entre outras atrações. Além de tocar em Londres, dia 24 de abril, na casa de shows Koko, Criolo também se apresentará em outras cidades inglesas: Cambridge (21/4), Bristol (22/4), Leeds (23/4), Brighton (25/4) e Manchester (26/4).

La Linea Festival Quando: 19 a 27 de abril Onde: Vários locais Entrada: A partir de £12 Info: www.comono.co.uk

Divulgação

Criolo


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 25

EXIBIÇÃO Divulgação

Mario Cravo Neto: ‘A Serene Expectation of Light’ O trabalho do fotógrafo brasileiro Mario Cravo Neto explora o patrimônio cultural da Bahia, como o Candomblé e suas raízes africanas. A exposição – a primeira em formato solo de Cravo Neto em território britânico – compreende duas séries: ‘The Eternal Now’, em preto e branco, produzida nas décadas de 1980 e 1990, e ‘Laróyé’, colorida, produzida nos anos 2000, durante a última parte da carreira de Cravo Neto, que faleceu em 2009. A primeira combina seres humanos com objetos inanimados e animais, enquanto a segunda descreve a vida urbana em Salvador.

Quando: 15 de janeiro a 2 de abril Onde: Autograph ABP, Rivington Place, Londres EC2A 3BA Entrada: Gratuita Info: www.autograph-abp.co.uk

Rosângela Rennó:

Claudio Tozzi:

Julieta Schildknecht:

‘Rio-Montevideo’

‘New Figuration and the Rise of Pop Art’

‘Stone Valley’

A primeira exposição solo da artista brasileira Rosângela Rennó no Reino Unido apresenta imagens de arquivo do fotojornalista Aurelio Gonzales e usa 20 projetores análogos. Tiradas entre 1957 e 1973, as fotografias foram escondidas nas paredes da então redação do jornal comunista El Popular antes do golpe militar no Uruguai, e foram descobertas por acaso 30 anos depois. Rennó destaca as narrativas de um tempo de convulsão social naquele país e na América Latina, debatendo o fenômeno de amnésia nacional causada pela censura imposta pelos regimes militares.

A exposição foca o momento chave da carreira do pintor, desenhista e programador visual brasileiro Claudio Tozzi, entre 1967 e 1971, um dos períodos mais repressivos da ditadura militar brasileira (1964-1985). Para produzir arte que pudesse contornar a censura, e também evitar punições, Tozzi e outros foram forçados a adotar técnicas diferentes que normalmente acabavam polarizando artistas e curadores. O trabalho de Tozzi, com predominância de temas urbanos e conflitos sociais, joga uma luz particular na política da Pop Art brasileira daquela época.

Em ‘Stone Valley’, a fotógrafa suíço-brasileira Julieta Schildknecht cria um diálogo metafórico entre a transformação ambiental de hoje e a relação do homem com a natureza. Suas imagens em camadas geram situações surreais que podem ser vistas tanto como questões de percepção e memória quanto como alterações entre paisagens físicas e mentais. As camadas são um acúmulo de impressões aleatórias, fragmentárias e subjetivas, sendo mais surrealistas do que representações naturalistas da natureza, em uma busca contínua por uma consistência geocultural.

Quando: 23 de janeiro a 24 de março Onde: Cecilia Brunson Projects, Bermondsey Street, Londres SE1 3GD Entrada: Gratuita Info: www.ceciliabrunsonprojects.com

Divulgação

Divulgação

Divulgação

Quando: 22 de janeiro a 3 de abril Onde: The Photographers’ Gallery, 16-18 Ramillies St, Londres W1F 7LW Entrada: Gratuita antes de 12pm; £2,50 antecipado; £3 na porta Info: www.thephotographersgallery.org.uk

Quando: 27 de janeiro a 22 de fevereiro Onde: Sala Brasil, 14-16 Cockspur Street, Londres SW1Y 5BL Entrada: Gratuita Info: www.culturalbrazil.org

PERFORMANCE Quando: 12 de fevereiro a 6 de março Onde: Barbican Theatre Entrada: £32–£42 Info: www.barbican.org.uk

Divulgação

The Encounter

Uma jornada sonora às profundezas da Amazônia Em ‘The Encounter’, Simon McBurney transporta-nos para as profundezas úmidas da Amazônia em uma narrativa que conta com a presença envolvente da tecnologia binaural. Em 1969, o fotógrafo Loren McIntyre se perdeu em uma parte remota da floresta tropical brasileira durante uma busca pelo povo Mayoruna. Misturando cenas de sua própria vida com os detalhes da jornada de McIntyre, McBurney incorpora objetos e efeitos sonoros para esta performance em formato solo que busca recriar uma paisagem tropical. Transmitido direto para o público através de fones de ouvido, um som inovador se conecta ao poder da imaginação, provocando nossas percepções de tempo, comunicação e consciência.


26 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

Vivendo com medo Não seriam os condomínios fechados contrários ao verdadeiro significado de democracia? Reprodução

g

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs

À

À medida que nos tornamos mais conectados através de um mundo virtual, estamos ficando mais desconectados na vida real? À medida que nos tornamos cidadãos globais, estamos construindo mais muros e fronteiras? Em dezembro passado, enquanto passava férias no Brasil, me reconectei com uma amiga que eu não via há 30 anos! Tínhamos nos encontrado em um grupo de WhatsApp e marcamos de nos reunirmos no apartamento da mãe dela, em um desses condomínios fechados cada vez mais comuns no país. Peguei alguns presentes e entrei em um táxi. Chegando ao local, me deparei com quatro portões de entrada, cada um com seu próprio sistema de segurança e porteiro. Só depois de responder uma série de perguntas, fazer alguns telefonemas, fornecer a identidade, escrever meu nome em um livro especial de convidados e receber uma pulseira colorida minha entrada foi permitida. Parecia que eu estava prestes a visitar a rainha da Inglaterra, ou no portão de embarque de um aeroporto. Fui soterrado por todo o palavrório, que me fez sentir nada bem-vindo. O lugar era enorme, quase uma cidade pequena em tamanho! Havia 17 prédios altos, ou melhor, “torres”. Cada complexo de três torres tinha sua própria piscina, cinema, restaurantes e área de descanso e lazer. Minha amiga e sua família esperavam por nós em seu respectivo restaurante, ao lado de uma bela piscina. Tínhamos começado a desfrutar de uma bebida e um bom papo quando fomos interrompidos abruptamente: minha amiga havia convidado algumas outras pessoas e sua mãe estava sendo alertada de que sua “cota mensal de amigos” para a área do restaurante e da piscina acabava de ser ultrapassada. Aquela informação realmente me chocou e de supetão perguntei: qual era a “cota mensal”? O porteiro solenemente respondeu: quatro. Ual! Viver em um lugar tão exclusivo e ter uma cota mensal de quatro amigos, quanta generosidade! A coisa toda parecia absurda. Era perfeitamente possível ver toda aquela situação como uma encenação da peça “Drowned World”, de Gary Owen, na qual se apresenta um mundo dividido entre cidadãos e não cidadãos, o belo e o repulsivo, o puro e o imundo, e reinados deformados pela violência. Extravagâncias à parte, conseguimos ter uma noite bastante agradável. No entanto, o episódio me alertou para o fato de que, durante a última década, houve um aumento significativo no número de condomínios fechados no Brasil. Se eles são ou não mais seguros do que propriedades sem muros é um debate importante, mas não seriam esses condomínios fechados contrários ao verdadeiro significado de democracia? Os residentes desses condomínios certamente vão defender e tentar provar as vantagens de estar dentro desses lugares. É a necessidade de “segurança”. Não estou convencido, porém. Parece-me uma resposta fácil para o medo do “outro”, e um desejo por status, afinal, esses lugares estão sendo comercializados como “resorts residenciais”, mesmo que se pareçam mais com prisões residenciais “glamurizadas”.

Não vou negar que o Brasil é um país violento. Os brasileiros de fato parecem viver com medo. O noticiário está constantemente alardeando relatos de crimes terríveis que fariam qualquer ser vivo pensar duas vezes antes de sair de casa, por isso não me surpreende que o número de moradores que vivem em comunidades fechadas tenha dobrado para mais de um milhão. Eu provavelmente me sentiria da mesma maneira, assustado, pois condicionado a ter medo de tudo. Mas há algo masoquista sobre essa atitude: são temas como violência e ilegalidade que atraem maior audiência na TV. As pessoas parecem que secretamente gostam dessa vida com medo, seja praticando ou sendo vítimas desse sentimento. Não há dados concretos que provem, ou não, que os condomínios fechados são realmente mais seguros ou contêm menores índices de criminalidade. No entanto, muitos acreditam que os condomínios fechados reduzem a incidência de crimes, porque portões de segurança fornecem acesso limitado àqueles que não moram ali, e eu entendo isso; condomínios fechados parecem não só fornecem uma barreira física sólida, mas também agir como um impedimento psicológico para os criminosos. No entanto, a integridade de um condomínio fechado é tão forte quanto a integridade das pessoas que vivem dentro dele. Você não deve assumir que, apenas porque uma comunidade é cercada, dentro dela só estejam pessoas cumpridoras da lei. Essa sensação de segurança é principalmente psicológica e falsa; na verdade, muitas empresas de segurança têm arrecadam fortunas fazendo as pessoas se sentirem com medo através da fabricação de crimes falsos. Ao separar complexos de apartamentos e bairros inteiros com muros, estamos impedindo que as comunidades se unam como um todo, o que é o método mais eficaz contra o crime. Uma das formas mais eficientes de deter o crime no Reino Unido é o chamado neighbourhood watch, o maior esquema voluntário de prevenção da criminalidade. Cidadãos comuns concordam juntos em vigiar suas propriedades as dos seus vizinhos, patrulhar a rua e relatar incidentes suspeitos à autoridade local. A maioria das ruas do Reino Unido onde os residentes adotaram tal abordagem teve menos ou quase nenhum roubo em comparação àquelas onde nada foi feito. É uma questão complexa e minha perspectiva, de quem está de fora, mas eu acredito que nos foi dado livre arbítrio para criar nossas realidades. No momento, estamos apenas nos curvando a formas arcaicas de resolução de problemas profundos que no fundo só criam mais problemas. Estamos perpetrando a segregação quando deveríamos estar compartilhando, nos abrindo mais. Em vez de tentar compreender a causa-raiz da violência e tomar medidas humanas para resolvê-la, fechamos os olhos e esperamos que alguém lide com o problema. Mas adivinhem o quê? O problema só vai crescer até que cada cidadão decida assumir sua própria responsabilidade por isso. Condomínios fechados não são nada além de mais uma expressão da desigualdade, do aumento da inquietação em aceitar a diversidade, em aceitar “o outro”.


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 27

MARCUS FAUSTINI

O gueto está de pé Marcello Dughettu faz parte de uma geração que veio da periferia e fincou bandeira no mapa da cidade

g

Para saber mais sobre Marcelo Dughettu, acompanhe a sua página no Facebook (/marcello.silva.7)

Marcus Faustini é escritor e criador da Agência de Redes para Juventude, que acontece no Rio, Londres e Manchester, e do Festival Home Theatre, realizado no Rio e em Londres g

AQUILES REIS

Nada mais bonito Pensamentos sobre o novo álbum de Regina Machado, dedicado ao trabalho de Tom Zé

g

Aquiles Reis é músico, vocalista da icônica banda MPB4

Não é uma novidade, mas não deixa de ser relevante. A quantidade de personagens surgidos na história do Rio de Janeiro que possuem profunda relação com a cidade continua sendo uma marca de sua identidade. Artistas populares, intelectuais, cronistas, líderes, figuras marcantes de gerações ou épocas, boêmios, rebeldes, empreendedores ousados, etc. Seja da elite ou das camadas populares, a história do Rio se conta pela história de seus personagens que inventam a narrativa da cidade. Dos conflitos às celebrações. De Cartola a João do Rio (um dos mais emblemáticos). De Prata Preta a Jovelina Pérola Negra. Nos últimos oito anos, no embalo das mudanças que aconteceram no país e, sobretudo, pelas mudanças no processo de realização de grandes eventos, a cidade passou a ser berço de uma nova leva de personagens. De figuras críticas emergentes aos que se alimentam do imaginário consolidado do “carioquismo”. A grande novidade é uma geração que veio da periferia, dos subúrbios, e que fincou bandeira no mapa da cidade. Marcello Dughettu é um desses personagens. Dughettu é rapper e empreendedor, e se arriscou a entrar para o governo (Prefeitura do Rio) criando o Instituto Eixo Rio, cujo objetivo é integrar cultura urbana a esferas governamentais, gerando fomento e articulação. Atendeu ao chamado do prefeito e articulou um lugar novo para a cena urbana e do subúrbio. Teve êxito, muita coisa foi criada a partir dessa ação, apesar das dificuldades típicas do poder público. Agora, está em outra empreitada. Em uma articulação com o mercado, ele acaba de criar um espaço em Madureira – subúrbio clássico do Rio. Aproveitando o Parque de Madureira, Dughettu criou uma espécie de produtora, casa de show e de convivência que reúne artistas, músicos e ativistas da cena do hip-hop. A DUTO, nome da iniciativa, coloca a cena urbana do subúrbio em um patamar de disputa com lugares mais privilegiados da cidade. Dughettu tem consciência do que faz e desponta como um personagem da atual história

da cidade pela coragem de estar em ação, fazendo trânsitos incomuns. Suas falas são certeiras, assim como suas músicas: “Estar no poder público significou inverter a lógica de poder público para público poder. Interferir por dentro para articular os movimentos da cidade. Minha posição não foi político-partidária ou ideológica, foi se posicionar para criar uma nova forma de aproximação com os movimentos da cidade, buscando uma nova conexão mais autêntica com o poder público. Foi um exercício de aprendizado como cidadão, como profissional, entender que o poder público é um navio duro de virar, mas quando você vira a bombordo você leva muita gente. A iniciativa privada é uma lancha rápida, mas que leva pouca gente”. “A DUTO é um espaço de renovação da ideia de criativo. Todos os espaços que legitimavam a criatividade do subúrbio estavam na zona sul. A possibilidade de ter um espaço que traz uma visibilidade, uma estrutura, e fortalece uma estética na periferia abre o cardápio para criatividade ser legitimada na própria periferia. Se a gente consegue evoluir como artista, mudando nosso território e fortalecendo os parceiros, alcançamos uma trinca poderosa. É o gueto de pé.” “Quando percebe um artista negro que fala na primeira pessoa, o mercado se intimida. Você tem muitos negros artistas, mas poucos negros cuidando da carreira deles. O mercado de show, música e festas ainda é branco. Os artistas negros são uma lista na planilha, eu não quero ser um artista na planilha, quero ser a planilha. Acho que a gente está conseguindo fazer isso, dando passos para por atrás do palco um cara parecido conosco também. Nos próximos anos teremos muitos se revelando neste mundo. O rap tem ficado branco no Brasil. O rap é uma coisa de pele. A conquista do espaço do rap negro é o nosso desafio, não basta empoderar o gênero, é preciso empoderar os artistas. O universo do rap no Brasil é significativo, mas ainda temos poucos negros reconhecidos”.

A cantora e compositora paulistana Regina Machado lançou Multiplicar-se Única – Canções de Tom Zé (Canto Discos), álbum dedicado à obra de Antônio José Santana Martins, o extraordinário e sempre surpreendente Tom Zé.

Canta por nós/ Cordas vocais/ Sem cais, cordas ou nós. A bateria acentua a marcha na caixa, a guitarra se lança aos acordes firmes, a percussão leva ao fim. Baixo (Zé Alexandre Carvalho) e guitarra (Dante Ozzetti) regem o início de “O Amor é Velho-Menina”. A linda música de Tom Zé cresce nos agudos de Regina. Puxado pela percussão (Guilherme Kastrup), o ritmo chega. O violão (Dante Ozzetti) dá o chão harmônico para os versos: O amor zomba dos anos/ O amor anda nos tangos/ No rastro dos ciganos/ No vão dos oceanos. “Menina Jesus” tem levada encadeada pelo violão (Dante Ozzetti) e por programações (Guilherme Kastrup). Levada que se mantém até o final da épica canção, acrescida do belo som de um clarinete (Maria Beraldo Bastos). A homenagem a São Paulo “Augusta, Angélica e Consolação” tem participação vocal especial de Suzana Salles e Wandi Doratiotto. O arranjo coletivo, com violões tenor e de sete cordas, tuba e clarinete, cavaquinho e percussão, veste a referência a Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini. A minimalista “Solidão” tem um triste fagote (Ronaldo Pacheco) e ruído de passos e sons ambientes que, por vezes, cortam o canto bruscamente, como quando interrompem o canto na última sílaba da palavra “telefone”: Solidão/ Olha a casa é sua/ O telefo.../ Solidão... Apenas e nada mais do que o canto bonito de Regina Machado e os insofismáveis arranjos de Dante Ozzetti. Nada tão belo. Nada além do que músicas de Tom Zé.

Com produção e arranjos de Dante Ozzetti, os trabalhos começam com “Lua-Gira-Sol”. O violão de Dante Ozzetti sola a introdução. Logo a bateria (Sergio Reze) se junta a ele, criando efeitos percussivos. Regina (en)canta: Lua uva/ Lua nova/ Lua noiva, ô luar. Há um suingado riff de guitarra (Dante Ozzeti), baixo (Zé Alexandre Carvalho) e bateria que se repete ao longo do arranjo instrumental e acrescenta pimenta ao molho da levada. É quando, graças ao arranjo de Dante Ozzetti e à voz de Regina Machado, as melodias e as letras de Tom Zé principiam a redescoberta de suas origens iniciais. Este começo é apenas uma parte da fina concepção estético/musical implementada por Dante Ozzetti ao longo das nove faixas do álbum. Com a sutileza de uma adequada emissão de voz, tanto nos agudos quanto nos graves, sua boa afinação e seu bom gosto para dividir as frases melódicas, Regina desnuda a fortuna das canções escolhidas por ela e por Silvia Ferreira. “Multiplicar-se Única”, que dá título ao disco, vem a seguir. A guitarra (Norberto Vinhas) “esbarra” em notas que servem de fundo para o cantar ad libtum de Regina. A programação do teclado e a percussão (Guilherme Kastrup) logo têm o reforço do rufo na caixa. Irrompe, então, a guitarra, distorcendo as notas. Regina canta: No ar/ O som da voz/


28 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

LONDON BY

G

Grande parte do charme de Londres é resultado de sua diversidade cultural. O bacana é se misturar à aparente confusão da cidade mais internacional do mundo e sentir a sua energia. Caminhar pelas ruas e absorver os aromas, ouvir as músicas, observar os costumes, o jeito de ser do londrino e dos imigrantes que aqui vivem. Tudo é fruto de uma mistura fascinante de povos, credos, culinária, moda, arquitetura. É surpreendente a quantidade de diferentes idiomas que escutamos diariamente nas ruas, restaurantes, ônibus, lojas e metrô. Embora o inglês seja o idioma oficial, fala-se mais de 300 línguas em Londres!

Sem querer ser bairrista, já que moro na região, North London é para mim uma das áreas mais bonitas da cidade. Aqui temos uma perfeita mistura do que existe de melhor em Londres, com um toque countryside. Para quem tem tempo, recomendo passeios por Highgate, Muswell Hill, Belsize Park, Hampstead, Camden, Primrose Hill, St John’s Wood. Uma das caminhadas mais gostosas de fazer quando tem sol é ao longo do Regent’s Canal. Costumo ir de Camden até Little Venice pela beira do canal, passando por Primrose Hill, Regent’s Park e Abbey Road. Durante o percurso há várias atrações inesperadas, mas essas eu guardo apenas para os turistas com quem faço os roteiros aqui em Londres! Quem acha muito puxado ir a pé, há alternativas: bicicleta, caiaque, barcos e punting, barquinhos tipo gôndolas, com um remador numa ponta e um músico na outra – romântico, não? Já vi muita noiva de branco e noivo de fraque fazendo esse passeio. Tem gosto para tudo! Aliás, o que não se vê em Londres? Se você já conhece Londres e quer fugir dos passeios óbvios, sugiro

começar por Hampstead. Apesar de ser um dos bairros mais caros da cidade, com casas avaliadas em até 20 milhões de libras, você não paga nada para caminhar por suas ruelas e becos cheios de lojas, cafés e pubs. Entre eles, destaco três: Holly Bush, Spaniard’s Inn e Flask Tavern, este último sendo o que tem a melhor comida. Também tem um trailer que vende o melhor crepe da cidade. Sempre com filas gigantes. Sabe quem já viveu aqui? George Orwell, Charles Dickens, Byron, Keats, Coleridge, Agatha Christie, entre outros. A casa onde viveu o poeta romântico John Keats, aliás, é hoje um museu e centro literário. Outro local que vale a pena ser visitado é a Burgh House, com museu e café, em um lugar simplesmente lindo. Da estação de Hampstead Tube Station, dá para ir a pé até o parque Hampstead Heath, o maior e mais belo de Londres, com mais de 170 espécies de aves, esculturas de Henry Moore, vistas panorâmicas da cidade e vários lagos muito bem aproveitados durante o verão – sim, aqui também faz calor! Também vale super a pena conhecer a Kenwood House, uma mansão neoclássica com muita história para contar que fica bem ao norte do parque. A entrada é de graça. E lá estão obras de Rembrandt (um de seus autorretratos, inclusive), Vermeer, Turner e Van Dyck. Os filmes Um Lugar Chamado Notting Hill e Belle, por exemplo, tiveram várias cenas gravadas na Kenwood House. Se a fome bater, dá para almoçar no café do parque, que tem desde comidas quentes e sanduíches até os famosos bolos ingleses, sem esquecer o delicioso chá. Bem ao lado tem uma lojinha que vende vários itens para quem gosta de jardinagem, andar de bicicleta e fazer piqueniques. Mas isso é só um aperitivo do que Hampstead e outros bairros no norte de Londres têm para oferecer.

Suporte a brasileiros que chegam a Londres para estudar, morar ou fazer turismo. Passeios guiados e roteiros personalizados. Londres de ponta a ponta. (www.inlondonlondon.com) WhatsApp: +447720879247 Instagram: london.london.guia

Back Lane, Hampstead

Little Venice

Keenwood House

Laura Nolte/Flickr

Monica O’May explica por que o norte de Londres é uma das regiões mais bonitas da cidade

Laura Nolte/Flickr

Encontrando seu


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 29

Moelock/Flickr

norte

Camden Town

Christopher Chan/Flic kr

Adrian Scottow/Flickr

Hampstead Heath Park


30 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

BR TRIP

Paraísos brasileiros para descobrir Com o inverno no hemisfério norte, quem não tem sonhado com o calor do Brasil? Conversamos com Alison McGowan, dona do site HiddenPousadasBrazil.com, que indica quais destinos do país devem estar no topo de sua lista Por Christian Taylor

“Barra Grande é hoje o que a praia de Jericoacoara era há 20 anos”, diz Alison. Essa simples vila de pescadores está apenas começando a ficar conhecida, graças às suas lindas pousadas, praias espetaculares e ótimas condições para a prática de kitesurf. “Não é o melhor lugar se você está à procura de vida noturna, mas o que você vai encontrar é um paraíso: céu azul, areia branca e cerveja gelada”. Barra Grande fica à uma hora e meia de Parnaíba e não é o lugar mais fácil de chegar. Apesar disso, Alison descreve o tempo que passou lá como “extasiante” – acordando com o som das ondas do mar e passando as tardes em restaurantes à beira da praia, com direito a peixes para todos os gostos e paisagens deslumbrantes. Para quem deseja conhecer outras atrações do Estado do Piauí, Alison recomenda o Parque Nacional Serra da Capivara. “Lá você vai encontrar milhares de desenhos feitos nas pedras, alguns há mais de 30 mil anos. É absolutamente impressionante”, ela conta. Onde ficar: Terra Patris Atellier (terrapatris.com.br)

Barreirinhas e Lençóis Maranhenses, Maranhão “Barreirinhas é uma cidade que se espalha pelas margens do Rio Preguiças, ponto de partida ideal para uma viagem aos Lençóis Maranheses”, indica Alison. “E se ficar do lado mais pacato do rio, o único barulho que irá escutar será das árvores e dos passarinhos”. Alison recomenda chegar ao local por São Luís, capital do Maranhão, de onde você pode pegar uma condução que sai às 7h – direto da pousada ou do hotel em que você estiver hospedado. Dessa forma, é possível chegar a Barreirinhas por volta do meio dia, em tempo para almoçar e aproveitar o passeio pelas dunas que começa às 14h. O melhor período do ano para conhecer os Lençóis Maranhenses é entre julho e novembro – quando as lagoas ficam cheias. “Só não esqueça o chapéu, o protetor solar e o repelente”, alerta Alison. Onde ficar: Sossego do Cantinho (sossegodocantinho.com.br)

Icaraizinho de Amontada, Ceará “Com uma paisagem formada por praias, dunas, surfistas e lagoas, esse é um local onde tudo que você irá ouvir é o barulho do mar e do vento”, garante Alison. “Você provavelmente não vai encontrar Icaraizinho de Amontada na maioria dos mapas, mas o lugar fica na costa do Ceará, 198 km ao norte de Fortaleza”. A própria Alison, por sinal, descobriu a vila por acaso, quando dirigia pelas praias desertas do Maranhão, Piauí e Ceará com uma caminhonete 4x4. Alison descreve Icaraizinho como “um lugar onde todo mundo conhece todo mundo, com uma igreja, uma praça e um bar, perfeito para relaxar tomando uma cerveja logo depois de sair do mar”. Quando você estivar suficientemente relaxado, haverá muitas coisas para fazer, como praticar kitesurf, passear de buggy pelas dunas durante o por do sol, saborear frutos do mar fresquinhos no restaurante do Zé e tomar caipirinhas com os pés no rio Aracatiassu. Se você não tiver um carro, a pousada pode organizar um transfer a partir do aeroporto de Fortaleza por R$ 350. Há também o ônibus FretCar que sai da capital cearense todos os dias às 14h. Onde ficar: Casa Zulu (casazulu.com)

Chapada Diamantina, Bahia Não poderia faltar, é claro, destinos pelo interior do Brasil. A Chapada Diamantina, na Bahia, fica a cinco horas de Salvador e oferece belezas naturais abundantes, incluindo imensas cachoeiras e cavernas para explorar. Para conhecer o parque nacional, há duas cidades que servem como ponto de partida: Lençóis e Palmeiras. “Esse é um lugar extraordinário – o curioso é que as montanhas chapadas datam de bilhões de anos e já estiveram no fundo do oceano”, conta Alison. “O Vale do Capão tem mil metros de altitude e a temperatura lá é mais baixa do que a da costa da Bahia – média de 19º C durante praticamente todo o ano”. Onde ficar: Lagoa das Cores (lagoadascores.com.br)

Santana dos Montes, Minas Gerais “Eis um excelente ponto de repouso para quem pretende visitar as cidades históricas de Tiradentes e Ouro Preto – mas você vai precisar de um carro”, aponta Alison. “Os visitantes podem nadar em cachoeiras, piscinas naturais e lagoas, passear a cavalo ou de bicicleta e caminhar pelas montanhas”. Onde ficar: Fazenda Santa Marina (fazendasantamarina.com.br)

Divulgação

Barra Grande, Piauí


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 31


32 brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016

Subscribe now and get it in your doorstep!

12 editions

More information: contato@brasilobserver.co.uk

Payment forms: Bank Deposit or Paypal

6 editions


brasilobserver.co.uk | Fevereiro 2016 33

LONDON

JULY/201

5

EDITION

ISSN 2055

-4826

WWW.BR

ASILOBSE

B R A S I L O B S E R V E R # 0 0 2 9

RVER.CO.U

K

CRÂNIO ANIOARTE S.COM)

(WWW.CR


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.