Desaparecidos II

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nOvembro • 2015

@jornalesquina

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cidadania

Jade Abreu

No caso de encontrar Rodrigo, pode entrar em contato direto com a Magna: 8475-0530.

Arquivo Pessoal

A família de Everaldo também disponibiliza o contato: Vilma Alves Santana – 9370-6864 Eliete Alves de Santana Sousa – 9315-5733 Viviane Alves Santana – 9133-7745

O termo “mortos sem sepultura: o desaparecimento e seus desdobramentos” é o título de um livro, sobre desaparecidos escrito pelo major da Polícia Militar de Santa Cantarina e coordenador do Programa S.O.S. Desaparecidos, Marcus Claudino. O texto recolhe informações de desaparecidos do estado sulista. Santa Catarina é uma das poucas unidades da Federação que têm delegacias especializadas em pessoas desaparecidas. A especialização permite um trabalho de busca voltado para os casos de desaparecimento, o que pode dar mais rapidez e orientação aos familiares sobre o assunto. Delegacias especializadas nas cidades a partir de 100 mil habitantes fazem parte do projeto de lei de Sandra Moreno. Após o desaparecimento da filha em 2009, mergulhou nesse universo e tenta mudar as instituições. “A criação de delegacias especializadas é só o primeiro passo”. O projeto parte da iniciativa popular e precisa de 1,5 milhão de assinaturas para que possa ser votado no congresso. As propostas ainda incluem a necessidade de divulgação dos desaparecidos em todas as mídias (televisão, rádio, internet), trabalhos de prevenção e outras demandas. As assinaturas são on-line e podem ser feitas pelo site: www.abaixoassinadobrasil.com.br/ site/assine/

O último registro que se tem era de que Everaldo queria voltar para casa

E

Sem vestígios, Rodrigo tinha 18 anos quando sumiu

É

como se eu tivesse parado no tempo”. Magna Vieira Teixeira tentou descrever o vazio que ficou após o sumiço do filho, Rodrigo Henrique Lino Teixeira, há cinco anos. O jovem tinha completado a maioridade cinco meses antes de desaparecer em julho de 2010. Hoje, aos 23, não há sinal ou pistas do que pode ter levado ao desaparecimento. Na ocasião, havia um almoço na casa de um parente, mas o filho não quis ir. De acordo com ela, ele preferiu ficar no computador e conversar com alguém pelo MSN – chat popular na época. “Ele ‘era’ muito enjoado, não gostava de sair, nem de dormir fora e nunca tinha passado uma noite longe de casa”. Magna retornou por volta das 15 horas e Rodrigo já não estava mais lá. As roupas, o computador e o dinheiro estavam no mesmo lugar de sempre. Ainda que com tudo aparentemente normal, Magna estranhou. “Ele nunca sai sem a chave”. As horas passavam, o que deu início a uma contagem desesperadora. “Passei aquela noite em claro”. Assim que o dia raiou, a mãe foi à delegacia registrar a ocorrência de que o filho estava desaparecido. As buscas começaram em hospitais, delegacias e no Instituto Médico Legal. “Você vai para tudo o que é lugar. Cada lugar é uma dor”. A família começou a procurar na vizinhança, a perguntar e colar cartazes.

Informações picadas chegavam, recebiam telefonemas que podiam indicar algum paradeiro dele. Mas, segundo Magna, havia quem ainda passasse trote com as ligações. A mãe lembrou que, certa vez, a denúncia era de que Rodrigo estivesse em uma “boca de fumo” – ponto de venda de drogas. “Achei estranho. Meu filho não era envolvido com essas coisas”. Os familiares foram até o local e perguntaram pelo menino. Os frequentadores teriam confirmado a presença dele. “Um homem falou que ele (Rodrigo) estava comendo lixo de madrugada e que devia estar com fome. Quase morri nesse dia”. Segundo a mãe, oito carros com a família fizeram campanha durante cinco dias em busca do jovem. Mas não era ele. Ambos se pareciam, eram altos – Rodrigo tinha 1,94 metro quando desapareceu aos 18 anos -, cabelos castanhos e com corte curto. “Não sei se é ‘graças a Deus’ ou se fico triste”, Magna chorou ao lembrar. Com o tempo, as denúncias diminuíram, as ligações se tornaram raras. As pistas de onde Rodrigo poderia estar, também foram, aos poucos, desaparecendo. “Sinto falta até dos trotes”, lamentou a mãe. Mas para a família, a esperança de encontrar nunca morre. Com lágrimas nos olhos, Magna vai sempre fazer a pergunta que não quer calar, enquanto seu filho estiver desaparecido, “cadê Rodrigo?”

veraldo Alves Santana tinha 33 anos quando desapareceu em 2011 - onze dias antes do Natal. Ele tinha machucado a mão ao trabalhar para uma indústria em São Paulo, o que o fez parar de trabalhar e viver da renda do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Por causa do acidente, começou a beber. O álcool virou vício e Everaldo. O homem decidiu ficar próximo à família, que mora em Planaltina, e voltou ao Distrito Federal. Mas todo ano, retornava a São Paulo para realizar as perícias, que comprovassem estar incapacitado de trabalhar. Na última dessas viagens, Everaldo ficou transtornado com a possibilidade de perder o direito. O resultado do exame médico demorou a sair. De acordo com a família, ele não esperou a reposta dos laudos, comprou uma passagem de ônibus para voltar à capital. Everaldo havia sido também diagnosticado com esquizofrenia e o vício do álcool já estava em estado avançado. Os familiares afirmaram que, sem beber, ele ficava transtornado, tremia e tinha alucinações. Após embarcar no ônibus, nunca mais teve sinal de Everaldo. As investigações com os passageiros do transporte e motorista indicaram que ele parou em Catalão (GO) a 314 quilômetros de Brasília. Era uma das paradas do trajeto. A família contou que ele desceu para tomar um café e não voltou ao veículo, que partiu sem Everaldo. Esta foi a última vez que se teve notícias dele. Os caminhos de Everaldo não podem mais ser narradas com precisão. A cidade do interior especula sobre o que pode ter acontecido. Os boatos de prostituição, trabalho escravo, morador de rua e até mesmo de morto e enterrado como indigente ferem os ouvidos dos familiares, que não sabem mais o que fazer.

Eliete Alves de Santana Sousa contou que o irmão queria retornar para casa. Segundo com a investigação da 16ª Delegacia de Polícia Civil (Planaltina), o motorista do ônibus em que Everaldo embarcou teria dito que o homem perguntava em cada parada do trajeto se já era Planaltina do Distrito Federal. A sensação de não saber onde ele pode estar e se quer ajuda é desesperadora. “O que a gente sabe é que ele queria voltar”. Assim como a irmã, Maria Alice Alves Santana não consegue descansar sem saber o que aconteceu com o irmão. Ela disse que a preocupação é o tempo inteiro. De acordo com a promotora de vendas, as noites geladas são de preocupação constante. “Faz frio. A gente pensa nele”. Vilma Alves Santana é outra irmã. Sem um minuto de sossego, ela jura que não perde a fé de encontrá-lo. Clama por uma reportagem a nível nacional, já que ele pode estar em qualquer cidade do país. A saudade, a angústia e a esperança são eternas. “Nunca vou desistir de procurar”. Pai de um menino de 15 anos, Everaldo é lembrado com carinho. “Ele era muito carismático, divertido, brincalhão. Gostava de dançar”, descreveu Eliete. As características atribuídas a Everaldo são sempre de momentos de diversão e festa. O homem tinha o apelido de “Balu” (Baiano Louco) pelo jeito irreverente de se comportar. A família explicou que ele puxava conversa, ouvia funks em rádios e fazia piada das situações. A loucura do baiano era a graça da família. O caçula entre os irmãos homens procurava ora nas brincadeiras ora no álcool um refúgio do cotidiano. Hoje, o esconderijo não é o mesmo, não tem brincadeira. E a única informação que a família tem é que a última pergunta registrada que ele fez foi para saber o caminho de volta para casa. www.uniceub.br/jornalesquina

Desaparecida em 25/10/2001 Sandra mora em São Paulo e lembra em detalhes o dia em que a filha desapareceu. De acordo com ela, Ana Paula Moreno havia saído para trabalhar, e como de costume passou no quarto da mãe antes de ir ao serviço para se despedir. Essa foi a última vez que as duas se viram. Ana tinha 23 anos na época. Ela não saiu com dinheiro, com roupas ou qualquer indício de fuga. Segundo Sandra, não há um movimento bancário sequer nas contas da filha desde o desaparecimento, o que piora as suspeitas. “Tenho para mim que levaram minha filha. E levaram no portão da minha casa”. O tic-tac do relógio é cruel. Os minutos, na prática, são bem mais que 60 segundos. Eles são eternos.

Esse vazio no tempo e espaço piora a cada dia. As dificuldades se multiplicam, como os questionamentos. “Tudo é difícil. Difícil é lidar com a dor. Difícil é lidar com a ausência. Difícil é lidar com a esperança, é com a fé, com a crença do reencontro [...] A sensação de incapacidade, de impotência, isso me aniquila dia a dia. O difícil é acordar e saber que você tem que decidir quando abre os olhos se agradece a Deus por mais um dia de vida ou se lamenta por estar vivo.”

Desaparecido em 30/09/2005

O desaparecimento não é considerado crime, exceto em casos de menor de idade ou quando a situação configura casos criminosos, como em sequestro e tráfico humano. Sandra Moreno lembrou que fez o boletim de ocorrência, mas o documento não foi suficiente para comprovar o sumiço da filha a empresa que trabalhava. “Minha filha foi demitida da empresa por abandono de emprego e com justa causa. [...] O boletim de ocorrência não serve para nada. A não ser para sentar, chorar e molhar de lágrimas. Não tem validade de documento oficial.” O delegado de Proteção a Crianças e Adolescentes da Polícia Civil do Distrito Federal, Wisllei Mendes, informou que não tem sido comum o registro de ocorrências na delegacia para desaparecimento. De acordo com o oficial, de janeiro (período em que assumiu o posto) até outubro, apenas três casos de desaparecimento constam na delegacia. Das ocorrências, duas situações haviam sido voluntárias – quando é fuga –, e a última foi um sequestro de uma menor pelo ex-namorado. Mendes disse que a mídia desenvolve um papel fundamental para auxiliar as ocorrências. “Quando há campanha, e maior divulgação dos casos, aumenta o número de denúncias”. O delegado, contudo, explicou que os casos apurados são apenas para as situações em que a vítima é o menor. Brasília não conta com uma delegacia especializada para pessoas desaparecidas. As famílias explicaram que não têm confiança no trabalho desenvolvido pela polícia. Em muitos casos, os familiares investigam por conta própria os desaparecimentos.

tempo passou e a minha vida parou”

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Como desaparecimento não é crime, nem sempre é permitida a quebra de sigilo telefônico. A decisão deve ser tomada por um juiz que avalia subjetivamente os casos. Uma mãe confessou que contratou um hacker para desvendar o que havia no computador do filho após o desaparecimento. A última informação que tinha dele era a conversa pela internet antes de sumir. “O juiz não deixou invadir a conta. Disse que meu filho era maior de idade e que não havia garantias que quebrasse o sigilo”. Apesar de ter contratado o especialista em informática, não foi suficiente para desvendar a conta. O rapaz desaparecido tinha conhecimento de informática e a senha teria sido considerada inquebrável pelo hacker. Os meios ilegais para a quebra de conversas em telefone são também usados. Outra mãe confessou que pagou para que desvendassem a última conversa que a filha teve. De acordo com a mãe, a Justiça também não considerou que havia motivos suficientes para a invasão das contas. Há ainda familiares que pedem ajuda espiritual. Estes confessaram gastar em experiências mediúnicas que não mostram onde as pessoas estão, mas indicavam pistas sobre o desaparecimento.

novembro • 2015

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Desaparecida em 10/06/2007

As famílias também procuram detetives particulares. Parentes de um desaparecido informaram que um ex-policial civil ofereceu resolver o caso. Ele teria garantido

Desaparecida em 10/01/2010 que iria achar o desaparecido desde que fosse depositado R$ 30 mil – o preço para concluir as investigações. Os familiares alegam que utilizam esses tipos de recursos ilegais por considerarem os órgãos competentes falhos. “Estamos órfãos de mãe e pai quando se trata da justiça”, declarou uma das mães.

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- Sandra Moreno

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Desaparecido em 28/02/1988

Fernanda Roza

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Fernanda Roza

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