Biologia Celular e Molecular: inovações biotecnológicas

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Oncologia Celular e Molecular: “Inovações Biotecnológicas”

Fabiana Seixas & Tiago Collares Autores/Organizadores

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Autores Colaboradores

Cristian Kaefer Fernanda Nedel Helena Strelow Thurow Ludmila Gonçalves Entiauspe Priscila Marques Moura de Leon Karine Begnini Samuel Gonçalves Ribeiro Tatiane Bilhalva Fogaça Vinicius Farias Campos Virgínia Campello Yurgel

Oncologia Celular e Molecular: “Inovações Biotecnológicas”

Pelotas, RS – Brasil Editora e Gráfica Universitária da UFPel 2011

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Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas Reitor: Prof. Dr. Antonio Cesar Gonçalves Borges Vice-Reitor: Prof. Dr. Manoel Luiz Brenner de Moraes Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Prof. Dr. Luiz Ernani Gonçalves Ávila Pró-Reitora de Graduação: Prof. Dra.Eliana Póvoas Brito Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof. Dr. Manoel de Souza Maia Pró-Reitor Administrativo: Prof. Ms. Élio Paulo Zonta Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Rogério Daltro Knuth Pró-Reitor de Recursos Humanos: Admin. Roberta Trierweiler Pró-Reitor de Infra-Estrutura: Renato Brasil Kourrowski Pró-Reitora de Assistência Estudantil: Assistente Social Carmen de Fátima de Mattos do Nascimento

CONSELHO EDITORIAL Profa. Dra. Carla Rodrigues Profa. Dra. Cristina Maria Rosa Profa. Dra. Flavia Fontana Fernandes Profa. Dra. Francisca Ferreira Michelon Profa. Dra. Luciane Prado Kantorski Profa. Dra. Vera Lucia Bobrowsky

Prof. Dr. Carlos Eduardo Wayne Nogueira Prof. Dr. José Estevan Gaya Prof. Dr. Luiz Alberto Brettas Prof. Dr. Vitor Hugo Borba Manzke Prof. Dr. Volmar Geraldo da Silva Nunes Prof. Dr. William Silva Barros

Diretor da Editora e Gráfica Universitária: Carlos Gilberto Costa da Silva Gerência Operacional: João Henrique Bordin Capa:Lanna Collares Editoração: Giuliano Bueno Amanda Corrêa Impresso no Brasil ISBN: 9788571928053 Tiragem: 300 exemplares EDITORA E GRÁFICA UNIVERSITÁRIA R Lobo da Costa, 447 – Pelotas, RS – CEP 96010-150 Fone/fax: (53) 3227 8411 e-mail: gráfica.ufpel@gmail.com

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Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional Ubirajara Buddin Cruz – CRB 10/901 Biblioteca de Ciência & Tecnologia - UFPel

S462o

Seixas, Fabiana Oncologia celular e molecular : inovações biotecnológicas / Fabiana Seixas, Tiago Collares. - Pelotas : Ed. da Universidade Federal de Pelotas, 2011. 339p. 1.Oncologia. 2.Genomas. 3.Biotecnologia médica. 4.Genes. 5.Câncer. 6.Terapias. 7.Nanobiotecnologia. 8.Bancos de tumores. 9.Vacinas DNA. 10.Células. I.Collares, Tiago. II.Título. CDD: 616.992

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Autores

Cristian Kaefer, Biólogo, Mestrando do Programa de PósGraduação em Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Fabiana Seixas, Bióloga, Mestre e Doutora em Biotecnologia, Orientadora de Mestrado e Doutorado do PPGB, Professora Adjunta do Curso de Biotecnologia, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Coordenadora Adjunta do PPGB-UFPel. Fernanda Nedel, Dentista, Doutoranda do Programa de PósGraduação em Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Helena Strelow Thurow, Bióloga, Dra. em Biotecnologia, Pósdoutoranda em epidemiologia pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel. Ludmila Entiauspe, Bióloga, Doutoranda do curso de Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Priscila Marques Moura de Leon, Médica Veterinária, Doutora em Biotecnologia, Professora colaboradora do Curso de Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel.

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Karine Begnini, Bióloga, Mestranda do Programa de PósGraduação em Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Samuel Gonçalves Ribeiro, Biólogo, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Tatiane Fogaça Bilhalva, Médica, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Tiago Collares, Biólogo e Médico veterinário, Mestre e Doutor em Biotecnologia, Orientador de Mestrado e Doutorado do PPGB, Professor Adjunto e Coordenador do Curso de Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Vinicius Farias Campos, Biólogo, Mestre e Doutor em Biotecnologia, Professor do Curso de Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel. Virgínia Yurgel, Bioqímica-Farmacêutica, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec), UFPel.

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Sumário CAPÍTULO 1 ............................................................................. 15 BIOLOGIA DO CÂNCER .......................................................... 15 Introdução................................................................................................ 15 A importância global do câncer ............................................................... 16 História natural do câncer........................................................................ 17 O câncer como doença celular ................................................................. 18 O câncer como doença molecular ........................................................... 20 Tipos de câncer de maior magnitude e principais fatores de risco associados ................................................................................................ 22 Conclusão ................................................................................................. 25 Leituras recomendadas ............................................................................ 27

CAPÍTULO 2 ............................................................................. 29 GENÔMICA FUNCIONAL APLICADA À ONCOLOGIA....... 29 Introdução................................................................................................ 29 A Era Genômica ........................................................................................ 30 Medicina genômica .................................................................................. 31 Biomarcadores tumorais .......................................................................... 33 Polimorfismos de um único nucleotídeo (SNPs) ...................................... 41 Genes associados ao risco de câncer ....................................................... 42 Tp53 (Éxon 4 - Códon 72) ......................................................................... 43 K-ras ......................................................................................................... 45 BRCA1 E BRCA2 ........................................................................................ 46 HER2 ......................................................................................................... 47 Conclusão ................................................................................................. 50 Leituras recomendadas ............................................................................ 51

CAPÍTULO 3 ............................................................................. 55 SEQUENCIAMENTO DE GENOMAS TUMORAIS ................ 55 Introdução................................................................................................ 55 7


Os sequenciamento de genomas ............................................................. 57 Projetos de pesquisa de genomas tumorais ............................................ 60 O 1º Genoma Tumoral Sequenciado ....................................................... 67 Câncer de pulmão .................................................................................... 70 Câncer de próstata ................................................................................... 72 Câncer de mama ...................................................................................... 73 Câncer colorretal...................................................................................... 77 Câncer gástrico......................................................................................... 79 Conclusão: genomas tumorais e o futuro ................................................ 81 Leituras recomendadas ............................................................................ 83

CAPÍTULO 4 ............................................................................. 87 BANCO DE TUMORES ............................................................. 87 Introdução................................................................................................ 87 Objetivo dos Bancos de Tumores ............................................................ 89 Banco Nacional de Tumores .................................................................... 90 Ética em Banco de tumores ..................................................................... 92 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)............................... 94 Organograma de Banco de tumores ........................................................ 95 Infraestrutura de Banco de Tumores ....................................................... 96 Informatização de Banco de Tumores ..................................................... 97 Banco de Tumores Virtual........................................................................ 98 Redes Cooperativas de Banco de Tumores ............................................ 100 Procedimentos em Banco de Tumores .................................................. 101 Conclusão ............................................................................................... 109 Leituras recomendadas .......................................................................... 112

CAPÍTULO 5 ........................................................................... 115 IMUNONCOLOGIA ................................................................ 115 Introdução.............................................................................................. 115 Antígenos tumorais ................................................................................ 118 Produção de auto-anticorpos ................................................................ 120 Painéis TAA ............................................................................................ 124 8


Biotécnicas utilizadas para a identificação de auto-anticorpos ............. 125 Auto-anticorpos associados com câncer ............................................... 140 Conclusões ............................................................................................. 151 Leituras recomendadas .......................................................................... 154

CAPÍTULO 6 ........................................................................... 156 APLICAÇÕES DA NANOBIOTECNOLOGIA NO CÂNCER 156 Introdução.............................................................................................. 156 Propriedades das Nanopartículas .......................................................... 159 Tratamento do câncer............................................................................ 163 Mecanismo alvo- direcionado de liberação passiva .............................. 165 Mecanismo alvo direcionado de liberação ativa ................................... 168 Nanopartículas ....................................................................................... 169 Drogas .................................................................................................... 177 Combinação terapia e diagnóstico......................................................... 179 Toxicidade .............................................................................................. 181 Conclusões ............................................................................................. 183 Leituras recomendadas .......................................................................... 184

CAPÍTULO 7 ........................................................................... 187 TERAPIA GÊNICA EM CÂNCER .......................................... 187 Introdução.............................................................................................. 187 Terapia Gênica utilizando genes suicidas............................................... 189 A utilização de vetores virais na terapia gênica e o uso de nanopartículas ............................................................................................................... 191 Terapia Gênica com anticorpos e Imunomodulação ............................. 195 Terapia com genes supressores de tumor e oncogenes ........................ 198 Terapia Antiangiogênica ........................................................................ 202 Presente, futuro e perspectivas da terapia gênica em câncer ............... 203

CAPÍTULO 8 ........................................................................... 213 CÉLULAS TRONCO E CÂNCER ........................................... 213 Introdução - a primeira Célula Tumoral ................................................. 213 9


Células tronco Tumorais ........................................................................ 220 Células tronco tumorais em tumores sólidos, leucêmicos e benignos .. 226 Microambiente para as células tronco tumorais ................................... 230 Metástase e células tronco tumorais ..................................................... 240 Células tronco tumorais na resistência terapêutica e possibilidades tratamento ............................................................................................. 250 Células tronco tumorais aplicabilidades ................................................ 262 Conclusão ............................................................................................... 269 Leituras recomendadas .......................................................................... 271

CAPÍTULO 9 ........................................................................... 274 ANIMAIS TRANSGÊNICOS E O CÂNCER ........................... 274 Introdução.............................................................................................. 274 Modelos de animais transgênicos usados no estudo de biologia do câncer ............................................................................................................... 277 Animais transgênicos como biofábricas de medicamentos anti-câncer 284 Conclusões ............................................................................................. 290 Leituras recomendadas .......................................................................... 292

CAPÍTULO 10 ......................................................................... 295 VACINAS E CÂNCER ............................................................. 295 Introdução.............................................................................................. 295 Sistema Imune e câncer ......................................................................... 297 Antígenos Tumorais ............................................................................... 303 Imunoterapia ......................................................................................... 306 Vacinas Anticâncer ................................................................................. 312 Células Dendríticas ................................................................................. 316 Vírus Oncolíticos .................................................................................... 320 Avanços Clínicos ..................................................................................... 326 Imunoterapia com BCG para câncer de Bexiga ...................................... 327 HPV......................................................................................................... 336 Conclusão ............................................................................................... 338 Leituras recomendadas .......................................................................... 339 10


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APRESENTAÇÃO

O presente livro foi elaborado e concretizado como método de avaliação dos alunos da disciplina de ONCOLOGIA CELULAR E MOLECULAR, do Curso de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e tem como principal desafio socializar informações técnico-científicas do estado da arte da Biotecnologia aplicada à Oncologia. Espera-se que esta obra possa estimular estudantes de diversas áreas do conhecimento das ciências da vida para o tema Oncologia.

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“Os excessos do sistema de competição e de especialização prematura, sob o falacioso pretexto de eficiência, assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro. É preciso, enfim, tendo em vista a realização de uma educação perfeita, desenvolver o expírito crítico na inteligência do jovem. Ora, a sobrecarga do espírito pelo sistema de notas entrava e necessariamente transforma a pesquisa em superficialidade e falta de cultura. O ensino deveria ser assim: quem o receba o recolha como um dom inestimável, mas nunca como uma obrigação penosa.” Albert Einstein – Como vejo o mundo, 1953

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CAPÍTULO 1

BIOLOGIA DO CÂNCER Tatiane Bilhalva Fogaça, Helena Strelow Thurow, Tiago Collares Introdução O câncer é uma das doenças mais temidas no mundo inteiro. Grande parte desse medo é ocasionada pela ausência de tratamento efetivo para a maioria dos tumores metastáticos inoperáveis. Felizmente, houve algum progresso em relação à terapia ao longo das últimas décadas. Avanços nas técnicas cirúrgicas, na radioterapia e na quimioterapia elevaram a sobrevivência a partir de meados do século 20. Parece, no entanto, que foi atingido um platô com o uso dessas modalidades. Assim, as novas estratégias para combater doenças neoplásicas certamente terão como base a melhor compreensão da biologia e da história natural da doença. O fato de conhecer e prever o comportamento biológico de um câncer é o que permite decidir sobre a conduta mais adequada. Assim, há uma necessidade de entender a história natural dos cânceres para o desenvolvimento de novos instrumentos terapêuticos e condução de ensaios laboratoriais relevantes. Neste capítulo, alguns princípios da biologia do câncer serão abordados com a intenção de proporcionar a base de conhecimentos para os capítulos que se seguirão. 15


A importância global do câncer A utilização das informações sobre mortalidade, em função de sua abrangência e disponibilidade tem sido utilizada para descrever a magnitude e o impacto do câncer. Essa estratégia, entretanto, não expressa a real compreensão da magnitude do problema, uma vez que existem diferenças importantes entre os vários tipos de câncer em função da letalidade e da sobrevida. Para os tumores de maior letalidade, a mortalidade permite uma aproximação do que seria a incidência, o que não acontece com aqueles de melhor prognóstico, como é o caso dos tumores de pele não melanoma, mama feminina, colo do útero, cólon e reto e próstata. Sendo o câncer uma doença de alta incidência e uma importante causa de morte no mundo, torna-se imprescindível o conhecimento científico dos seus mecanismos etiológicos bem como suas estimativas, os quais estão diretamente relacionados ao melhor entendimento da doença para a sua prevenção. As estimativas de câncer no Brasil pra o ano de 2010 e 2011 indicam 489.270 novos casos, sendo 236.240 casos para o sexo masculino e 253.030 para sexo feminino. De maneira geral, o câncer de pele do tipo não melanoma será o mais incidente na população com 114 mil novos casos, seguido pelo câncer de próstata com 52 mil casos, câncer de mama feminina apresentando 49 mil casos, cólon e reto com 28 mil casos, pulmão com 28 mil casos, estômago com 21 mil casos e colo de útero com 18 mil casos. Na avaliação da incidência do câncer de acordo com o sexo, os cânceres de pele não melanoma, próstata, pulmão, estômago e cólon e reto serão os mais incidentes no sexo masculino enquanto que os cânceres de pele não melanoma, mama, colo do útero, cólon e reto e pulmão serão mais incidentes no sexo feminino. 16


História natural do câncer A compreensão da história natural do câncer facilita o entendimento da biologia do mesmo, que por sua vez é necessária para prevenção e tratamento. As neoplasias são mais frequentes em jovens ou idosos, mas em geral a incidência de câncer aumenta com a idade. Estima-se que aos 85 anos de idade, a incidência de determinados cânceres também aumenta com a exposição a agentes carcinogênicos como compostos químicos e radiações. Outros fatores ambientais também devem ter papel importante, já que a prevalência de certos tipos de câncer varia de acordo com a região geográfica. Ainda sabe-se que os genes são importantes, pois determinadas mutações estão associadas a um maior risco para cânceres específicos. Sendo que a idade, fatores ambientais e a genética são relevantes, dois conceitos relativos ao desenvolvimento de câncer têm que ser considerados: o câncer possui um período de latência longo e deve haver múltiplos estágios no processo de carcinogênese. Esse desenvolvimento já foi caracterizado em determinados cânceres, com as lesões pré-cancerosas. Essas lesões podem então, transformar-se em carcinomas in situ, invasivo inicial e metastático. Esta evolução tem implicações relativas à detecção do câncer e, portanto compõe a base das recomendações atuais para exames de rastreamento. O processo multiestadiado do desenvolvimento do câncer indica que mudanças sequenciais específicas ocorrem durante a evolução da doença. Conquanto a genética possa dar início a esse processo, a partir de uma etapa mais tardia, são fatores ambientais que completam a carcinogênese. Como os fatores ambientais são eventos potencialmente controláveis, eles têm 17


sido um foco importante na prevenção do câncer. Fica claro que uma compreensão da biologia do tumor é importante tanto na prática clínica como na epidemiologia do câncer. O câncer como doença celular A unidade de organização de todo o material biológico é a célula. Em organismos multicelulares, as células são organizadas em tecidos e órgãos. O crescimento celular pode ocorrer pelo aumento em seu número, em seu tamanho ou em ambos. Em animais desenvolvidos, o crescimento do número de células normalmente supera o crescimento no tamanho. Ainda, o crescimento do número de células é o componente mais significativo do desenvolvimento humano. Quando os seres humanos chegam à maturidade, o número total de células permanece basicamente constante. A manutenção da constância celular, no entanto, é um processo dinâmico. A divisão celular ocorre a uma taxa rápida, cerca de um trilhão de células humanas morrem por dia, necessitando de reposição. Os locais onde a replicação celular é mais ativa são o trato gastrointestinal, a medula óssea e a pele. Portanto, o número de novas células produzidas num animal adulto ou ser humano é igual ao número de células que morrem. Esta equação é fundamental para que compreendamos o crescimento celular normal e o anormal. A população celular é composta por três subgrupos de células. As células em proliferação contínua ocupam o primeiro grupo, passando de uma mitose para outra. As células terminalmente diferenciadas, que deixam de forma irreversível o ciclo de crescimento e estão destinadas a morrer sem voltar a se dividir, formam o segundo grupo. A terceira subpopulação de células, que não proliferam e não morrem, pode voltar ao ciclo se 18


receber o estímulo adequado (células G0). Nos processos dos ciclos normais, as células em proliferação passam por quatro fases, definidas por G1, fase S, G2 e mitose. O crescimento no número de uma população de células pode ocorrer por três mecanismos. No primeiro, o encurtamento do ciclo celular resulta na produção de mais células por unidade de tempo. No segundo, a redução da taxa de morte celular resulta na permanência de mais células no organismo. No terceiro, a entrada de células G0 no ciclo celular também resulta na produção de mais células por unidade de tempo. Cada um desses mecanismos parece ser importante no crescimento celular normal e neoplásico e em geral são controlados por inúmeras proteínas e peptídeos. Anormalidades nos sinais estimulantes ou inibidores fazem com que estas células proliferem de maneira desordenada no ciclo celular. O resultado final é a proliferação excessiva da célula e um passo na direção do desenvolvimento do câncer. Os estudos celulares sobre o câncer avançaram para a possibilidade de aplicação clínica com a criação dos bancos de tumores e células. A disponibilidade desses bancos, juntamente com as informações armazenadas por eles, têm sido essenciais para a realização de estudos científicos que buscam caracterizar o desenvolvimento dos tumores. Além dos bancos de tumores, animais transgênicos também têm sido utilizados tanto para o estudo de mecanismos envolvidos na carcinogênese quanto para desenvolvimento de fármacos. Neste sentido, pesquisas científicas vêm identificando biomarcadores para diagnóstico e prognóstico do câncer, sendo os marcadores de estágios iniciais da carcinogênese, como auto-anticorpos e antígenos associados a tumores, os de maior interesse. Além disso, a detecção de marcadores vem contribuindo para o desenvolvimento de vacinas, imunoterapias com citocinas e anticorpos monoclonais 19


para prevenção e tratamento de câncer. Mais recentemente, pesquisas em nanotecnologia têm oferecido melhorias na distribuição de drogas no alvo específico e com liberação controlada, através do desenvolvimento de nanopartículas com características específicas. Células troncas tumorais, por sua vez, vêm ganhando visibilidade na busca por um melhor entendimento dos mecanismos que controlam o crescimento, diferenciação e migração celular objetivando terapias mais direcionadas. Estes assuntos e as pesquisas científicas envolvidas serão abordados em detalhes nos próximos capítulos. O câncer como doença molecular Atualmente existem dados suficientes demonstrando que o câncer é o resultado de alterações genômicas e que é necessário que ocorram várias mutações gênicas para que ocorra uma transformação maligna. Os genes envolvidos na transcrição ou na transmissão de estímulos de promoção do crescimento celular são chamados oncogenes, assim, a expressão anormal desses genes pode levar à proliferação excessiva e à transformação maligna. O desequilíbrio entre os sinais estimuladores e inibidores resulta no movimento contínuo da célula pelo ciclo celular. Outro aspecto importante da oncogênese, que vem recebendo atenção nos últimos anos é a apoptose. A apoptose ou a morte celular programada é um processo importante na fisiologia celular normal e é usada durante a embriogênese e no desenvolvimento da tolerância imunológica, fazendo a regulação do sistema imunológico depois das infecções ou sepse e na eliminação de células danificadas. Em geral, o número de mitoses que uma célula pode realizar é um evento controlado por vários 20


fatores, como o comprimento dos telômeros, a atividade de genes supressores e a expressão variável de receptores que desencadeiam a apoptose. Agentes como o gene supressor de tumor p53, agem desencadeando a apoptose em células com DNA danificado. Outros genes como o Bcl-2 inibem a apoptose e quando são expressos em excesso podem provocar uma falência na morte celular programada. Acredita-se hoje que a apoptose também possa ser responsável pela invasão tumoral, pela imunossupressão induzida por tumores e possivelmente pela caquexia do câncer. Os biomarcadores também vêm sendo amplamente abordados, onde importantes genes e suas mutações têm sido estudados como possíveis alvos no estudo da susceptibilidade, diagnóstico e tratamento do câncer. Além dos biomarcadores, o sequenciamento dos genomas tumorais vem sendo estudado por muitos grupos de pesquisa no mundo, incluindo o Brasil, como uma nova abordagem que objetiva o sequenciamento do genoma de diversos tumores também a fim de identificar genes e mutações de susceptibilidade ao câncer. Alguns destes projetos já alcançaram aplicação clínica e têm contribuído para a chamada Medicina Personalizada visando, futuramente, o tratamento direcionado ao paciente. Os bancos de tumores têm sido essenciais na disponibilização de amostras e informações dos mais diversos tipos de câncer a muitos estudos. Os animais transgênicos têm contribuído igualmente na avaliação de genes e mutações envolvidos no processo tumoral. As células troncas tumorais também vêm buscando a identificação de mutações e a importância das modificações protéicas em marcadores para a detecção específica do câncer. Em relação ao tratamento do câncer no aspecto molecular, a terapia gênica vem sendo empregada no sentido de reparar genes defeituosos e, consequentemente as células envolvidas no processo tumoral. 21


Os estudos têm utilizado genes, anticorpos, vetores virais, nanopartículas entre outros como novas ferramentas no auxílio do combate ao câncer. Em resumo, sabemos que diferentes eventos contribuem para o desenvolvimento do câncer. A discussão acima é uma simplificação das diferentes complexidades envolvidas no câncer que serão abordadas nos capítulos seguintes juntamente com os avanços no conhecimento da biologia tumoral que serão seguidos por uma nova era de terapias. Tipos de câncer de maior magnitude e principais fatores de risco associados O câncer de pulmão é o tipo mais comum de câncer no mundo. No Brasil, em 2010 as estimativas apontam 17.800 casos novos em homens e 9.830 nas mulheres sendo ainda mais frequentes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. Dentre os fatores de risco pra o desenvolvimento do câncer de pulmão, o principal destaque é o tabagismo para o qual se atribui entre 80% a 90% da incidência de câncer de pulmão. Ainda, os fumantes apresentam de 20 a 30 vezes mais risco para o câncer de pulmão. Outros fatores também podem contribuir no risco do desenvolvimento do câncer de pulmão, entre eles: exposição a agentes cancerígenos, poluição do ar, infecções pulmonares de repetição, deficiência e excesso de vitamina A. O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres e o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo. Por ano, surgem 22% de casos novos de câncer de mama em mulheres, sendo que em 2010 no Brasil eram esperados um total de 49.240 novos casos. O desenvolvimento do câncer de mama apresenta fatores de risco bem associados à vida reprodutiva da mulher 22


entre eles a menarca precoce, nuliparidade, idade da primeira gestação, uso de anticoncepcionais orais, menopausa tardia e terapia de reposição hormonal. Ainda, a idade precoce de seu aparecimento e a associação com fatores genéticos também estão entre os principais fatores de risco. As mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 presentes em mulheres podem conferir 85% de chance no desenvolvimento do câncer de mama antes dos 70 anos de idade. O câncer do colo do útero é o segundo tipo de câncer mais frequente entre as mulheres. A estimativa no mundo é de em torno de 500 mil casos novos e aproximadamente 230 mil óbitos por ano. No Brasil em 2010 eram esperados 18.430 novos casos. Nos países menos desenvolvidos a ocorrência é duas vezes maior que em países mais desenvolvidos. A incidência de câncer do colo do útero é constatada geralmente na faixa etária de 20 a 29 anos e o risco aumenta significativamente na faixa etária de 45 a 49 anos. Entretanto, é um dos cânceres que apresenta maiores chances de prevenção e cura quando diagnosticado precocemente. A infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV) é uma das principais causas associadas ao desenvolvimento da lesão intraepitelial de alto grau e do câncer invasivo do colo do útero. Nos casos de câncer de colo do útero, estão presentes um dos 13 tipos do HPV atualmente reconhecidos como oncogênicos, sendo o HPV16 e o HPV18 os tipos mais comuns. Além disso, a sua associação com os outros fatores de risco está diretamente relacionada ao desenvolvimento e progressão das lesões. Entre os fatores de risco para a etiologia podem ser citados o tabagismo, múltiplos parceiros sexuais, multiparidade, anticoncepcionais orais, iniciação sexual precoce e a coinfecção por agentes infecciosos como o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e Chlamydia trachomatis. 23


O câncer de estômago é considerado a quarta causa mais comum em termos de incidência e configura-se como a segunda causa de óbitos por câncer. A estimativa para 2010 era de 21.500 novos casos no Brasil. A sua frequência geralmente é maior no sexo masculino que no feminino e também maior nos países em desenvolvimento. A presença de infecção por Helicobacter pylori é considerado o maior fator de risco para o desenvolvimento do câncer de estômago. Esta infecção, que pode ser responsável por aumentar em até seis vezes a incidência desse tipo de câncer, possui uma prevalência mundial entre 50% e 90% em países em desenvolvimento sendo adquirida na infância e persistindo ao longo da vida. O câncer de próstata é o sexto tipo de câncer mais comum no mundo. Em homens é o mais prevalente e a sua incidência é seis vezes maior nos países desenvolvidos. No Brasil, 52.350 novos casos eram esperados em 2010. Segundo alguns autores a dieta é um importante fator etiológico desse câncer, sendo que dietas ricas em gorduras animal, carnes vermelha e cálcio têm sido fatores relacionados ao risco no desenvolvimento deste tipo de câncer. Existem autores que sugerem que a etnia também seja um dos principais fatores etiológicos do desenvolvimento deste tipo de tumor sendo mais comum em homens negros do que em homens brancos. Porém, o estilo de vida, a detecção e a hereditariedade poderiam ser responsáveis por esta diferença. O câncer de cólon e reto é a terceira causa mais comum de câncer no mundo, independente do sexo, e é o segundo mais incidente em países desenvolvidos. Em torno de 9,4% de todos os cânceres são de cólon e reto sendo, ainda, mais frequentes em homens. Em 2010 eram esperados 28.110 novos casos no Brasil. Os fatores de risco mais significativos para o câncer de cólon e reto são a história familiar de câncer deste câncer e a 24


predisposição genética para doenças crônicas do intestino. A idade e a dieta também são consideradas fatores de risco. As dietas ricas em gorduras animais, baixa ingestão de frutas, vegetais e cereais, consumo excessivo de álcool e tabagismo são fatores de risco importantes. Além disso, a incidência e a mortalidade aumentam com o avanço da idade. Alguns autores associam a prática de atividade física regular a um baixo risco de desenvolvimento do câncer de cólon e reto. Conclusão Ao longo das últimas décadas, um rápido avanço no conhecimento da história natural dos cânceres e das características específicas de seus estágios resultou de pesquisas nos níveis biológicos, biotecnológicos e da união destes níveis de compreensão. Esses novos conhecimentos possibilitaram a criação de métodos específicos na prevenção e tratamento do câncer nos diferentes estágios da doença, melhorando significativamente o prognóstico para estes pacientes. O conceito de irreversibilidade dos agentes desencadeadores (exposição à fumaça de cigarro, ao álcool, aos alimentos gordurosos, e a certas drogas ou substâncias químicas) levou a grandes esforços no sentido de prevenir a exposição humana a esses agentes. O entendimento dos diferentes estágios de progressão do câncer e de seu relacionamento, em determinadas circunstâncias, com as ações de vírus oncogênicos levou ao desenvolvimento de métodos de imunização. Os estudos realizados em conjunto com grupos de pesquisa em oncologia celular e molecular e nas linhas de análises de banco de dados genéticos, os investimentos tecnológicos em modelagem de biomoléculas com a aplicação 25


prática na área de farmacologia e o estudo dos processos do desenvolvimento das células cancerosas, possuem um futuro promissor na prática clínica de cuidados aos pacientes com câncer. Sendo assim, a conquista e a aplicação de novos conhecimentos relativos à história natural do câncer e à biologia do tumor, nos ajudarão a propor novas estratégias para combater as doenças neoplásicas.

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Leituras recomendadas Aggarwal, S. What’s fueling the biotech engine – 2009 - 2010. Nature Biotechnology, v. 28, p. 1165 – 1171, 2010. Crawford, E. D. Understanding the Epidemiology, Natural History, and Key Pathways Involved in Prostate Cancer. Urology, v. 73, p. 4 – 10, 2009. Edge, S. B.; Compton, C. C. The American Joint Committee on Cancer: the 7th Edition of the AJCC Cancer Staging Manual and the Future of TNM. Annals of Surgical Oncology, v. 17, p. 1471–1474, 2010. Esteves, V. F.; Thuler, L. C. S.; Amêndola, L. C.; Koifman, R. J.; Koifman, S.; Frankel, P. P.; Vieira R. J. S.; The Brazilian Network of Breast and Ovarian Familial Cancer Aggregation. Prevalence of BRCA1 and BRCA2 gene mutations in families with medium and high risk of breast and ovarian cancer in Brazil. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 42, p. 453-457, 2009. Kamagar, F.; Dores, G. M.; Anderson, W. F. Patterns of cancer incidence, mortality, and prevalence across five continents: defining priorities to reduce cancer disparities in different geographic regions of the world. Journal of Clinical Oncology, v. 14, p. 2137- 2150, 2006. Macmahon, B. Epidemiology and the causes of breast cancer. Journal of Cancer, v. 118, p. 2373–2378, 2006. 27


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CAPÍTULO 2

GENÔMICA FUNCIONAL APLICADA À ONCOLOGIA Ludmila Gonçalves Entiauspe, Samuel Gonçalves Ribeiro, Fabiana Seixas

Introdução Por conceito, Genômica Funcional é “um ramo da genética que estuda a natureza física e o funcionamento do material genético contido no conjunto de cromossomos de cada espécie”, onde analisa e identifica-se a função dos genes e seus produtos no contexto de sistemas celulares como entidades vivas. A Genômica Funcional foca os aspectos dinâmicos, como a transcrição gênica, tradução e interações entre proteínas, contrária aos aspectos estáticos da informação genômica, como sequências de DNA ou estruturas. Esta área tenta responder perguntas sobre a função do DNA ao nível dos genes, transcrição do RNA, e produtos de proteína. Uma característica fundamental dos estudos de genômica funcional é a sua abordagem do genoma para essas questões, geralmente envolvendo várias abordagens para a compreensão das propriedades e função da totalidade dos genes de um organismo e produtos de genes,ao invés da tradicional abordagem "gene-a-gene". 29


O objetivo da Genômica Funcional é compreender a relação entre o genoma de um organismo e seu fenótipo. Porém, esta definição é bastante variável: Gibson e Muse definiram como "abordagens em desenvolvimento para verificar a bioquímica, celular e/ou propriedades fisiológicas de cada produto do gene", enquanto Pevsner incluiu o estudo dos elementos não gênicos em sua definição: "o estudo do genoma da função do DNA (genes e incluindo elementos não gênicos), bem como os ácidos nucléicos e produtos de proteína codificada pelo DNA". Devido à maneira com a qual este campo de pesquisa aborda o genoma, a genômica funcional requer o uso de tecnologias de alta acurácia, capazesde ensaiar muitas funções ou interações ao mesmo tempo. Essa trajetória tecnológica estabelece um novo paradigma de pesquisa, denominado por muitos de “Era Genômica”, com forte impacto nas áreas de aplicação das Ciências Biológicas, como a Medicina e outras ciências. Neste capítulo são abordados alguns usos correntes da genética genômica na área da saúde com enfoque na genética do câncer. A Era Genômica A “Era Genômica” foi inicialmente caracterizada pela capacidade de sequenciar genomas inteiros de forma eficiente e com razoável rapidez, primeiramente de organismos menores, até o genoma humano. Estes dados eram catalogados em bancos de dados online e o grande desafio para os pesquisadores consistia em usar estes dados em análises estatísticas e biológicas. No entanto a Era Genômica está e continua crescendo com extrema velocidade: através do apoio da análise computacional, essas informações estão sendo ordenadas, permitindo mapear com precisão os genes e demais sequências 30


de DNA no genoma de diversos organismos. O progresso neste campo de trabalho, conhecido como Genômica Estrutural, possibilita a comparação da estrutura dos genomas de várias espécies, o que é essencial para se investigar a existência sobre o funcionamento e a organização dos genomas. A fase mais recente e emergente da Era Genômica envolve o uso de padrões de sequências de cDNA ou mRNA, os quais podem possibilitar informações sobre expressões simultâneas ou relativas dos genes no genoma. A próxima etapa que já está acontecendo, é a chamada Proteômica, a qual busca entender como as proteínas, codificadas pelos genes, são geradas, modificadas e interagem no ambiente intracelular. Juntos, estes três ramos da Biotecnologia formam um conjunto de infinitas possibilidades, capazes de superar novos desafios, além de desvendar e colocar por terra conceitos anteriormente estabelecidos. Medicina genômica A partir do sequenciamento do genoma humano (ver Capítulo 3), o conhecimento sobre a posição dos cromossomos e a sequência de um vasto número de genes traz por si só muitos benefícios: genes de importância médica por estarem associados a diferentes doenças têm sido revelados em larga escala ano após ano. A partir dessa informação, muitos métodos podem ser utilizados para detecção de mutações nesses genes, os quais são causa primária de doenças, ou então que aumentam a susceptibilidade a elas. Em casos de câncer, a correlação entre susceptibilidade ao desenvolvimento da doença e mutações gênicas é 31


particularmente importante:aproximadamenteentre 5% a 10% de todos os casos de câncer aparecem em indivíduos que herdaram alguma mutação que apresentam predisposição à doença e em suas famílias há outras pessoas com esse risco. Uma das importantes conquistas da aplicação prática da Genômica Funcional na área da saúde foi a descoberta da existência de genes, os quais quando alterados por mutações podem aumentar ou reduzir o risco de um indivíduo a desenvolver um tumor maligno. Quando se identifica que existe um risco aumentado para tal, existe a possibilidade de reduzir as chances de desenvolvimento de câncer através do emprego práticas preventivas, monitoramento e também intervenção terapêutica. Esta detecção de mutaçõesgerminativas que predispõem ao câncer é indicada à pessoas cujas famílias apresentam um amplo histórico de recorrência de casos de câncer, e também com início precoce da doença. Da mesma forma, indica-se para as síndromes hereditárias onde está bem estabelecido o papel de um determinado gene, ou o conjunto deles, no aparecimento do tumor. Entre essas síndromes estão os cânceres hereditários de mama e ovário, de cólon, o retinoblastoma familial, a neoplasia endócrina múltipla (MEN) e a Síndrome de Li-Fraumeni, representada por diversos tumores com aparecimento precoce em pacientes com mutações germinativas no gene supressor de tumor p53. A frequência com a qual determinados genes encontramse mutados em casos de câncer, fez-se possível empregá-los como biomarcadores tumorais, usados na prática clínica para o diagnóstico ou para identificar riscos de ocorrência de uma doença. Podem ainda ser utilizados para estratificar doentes e identificar a gravidade ou progressão de uma determinada 32


doença, prever um prognóstico ou monitorar um determinado tratamento para que seja menos provável que alguns efeitos secundários ocorram. Também são usados como ferramenta que pode ajudar as entidades reguladoras a decidirem sobre a aprovação de um medicamento. Biomarcadores tumorais Biomarcadores ou marcadores biológicos são componentes celulares, estruturais e bioquímicos, os quais indicam a ocorrência de uma determinada função normal ou patológica em um organismo ou uma resposta a um agente farmacológico. Estes podem ser de diversos tipos, tais como, fisiológicos (funções de órgãos), físicos (alterações características em estruturas biológicas), histológicos (amostras de tecido obtidas por biopsia) e anatômicos. Podem ser células específicas, moléculas, genes, enzimas ou hormônios. Nas células tumorais definem alterações celulares e moleculares associadas à transformação maligna. Os marcadores biológicos podem ser de dois tipos: 1. 2.

Marcadores Intermediários: medem alterações celulares e moleculares antes do aparecimento da malignidade; Marcadores Diagnósticos: presentes em associação com a malignidade.

Como descrito no Capítulo anterior, o câncer é caracterizado como um conjunto de mais de 100 doenças diferentes, no entanto, a maioria não possui classificação molecular conhecida, além de não apresentarem biomarcadores 33


conhecidos ou validados para uma detecção precoce, planejamento do tratamento ou alvo de terapia. O diagnóstico ainda é baseado na morfologia de espécies de biópsia, masestaabordagem tem limitações significantes para poder determinaro potencial de um determinado tumor para progressão e resposta ao tratamento. Os avanços na área Biologia Molecular permitiram a identificação de genes e proteínas produzidos ou superexpressados pelos tumores. Tais produtos vêm atualmente tomando papel importante no desenvolvimento de novas modalidades de tratamento, direcionadas a quebrar o ciclo biológico da progressão tumoral, os quais antes utilizados apenas como ferramentas de diagnóstico e prognóstico. Embora nas últimas décadas o conhecimento sobre a biologia do câncer tenha aumentado consideravelmente, e muitos candidatos a biomarcadores tenham sido relatados, poucos foram suficientemente válidos para justificar seu uso no desenvolvimento de drogas (Tabela 1), no manejo clínico do paciente (Tabela 2), avaliação da resposta terapêutica, detecção de recidivas e prognóstico. Isto acontece devido ao fato de que a descoberta e desenvolvimento de biomarcadores úteis representam enormes desafios, e diversos fatores contribuem para a demora do desenvolvimento de biomarcadores (FDA, 2005). Em contrapartida, inúmeras substâncias estão sendo continuamente descobertas e algumas, amplamente empregadas na prática diária, apesar de poucas evidências científicas que autorizem a sua aplicação clínica. A Tabela 3 mostra os principais marcadores biológicos aprovados pelo FDA.

34


Tabela 1. Uso de biomarcadores no desenvolvimento de uma droga USO DO BIOMARCADOR

OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO DA DROGA

Validação do alvo

Demonstrarqueumalvo potencial da drogadesempenha umpapel fundamental na processoda doença

Rastreamento precoce do componente

Identificar componentes que sejam promissores à eficácia e segurança

Ensaio farmacodinâmico

Determinar a atividade das drogas; selecionar a dose adequada e posologia

Seleção dos pacientes

Em ensaiosclínicos,a seleçãodos pacientes(inclusão/exclusão) por subconjuntodoençaou probabilidade deresposta/efeitos adversos

Desfechos substitutos

A utilização de umdesfechoa curtoprazono lugardosde substitutos primárioslongo prazo paradeterminarseotratamentoémais rapidamente eficazesegurona drogaaprovação regulatória

A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) reconheceu há muito tempo a importância da utilização de testes genéticos na prática de oncologia e lançou em 1996 a "Declaraçãoda SociedadeAmericana de Oncologia Clínica: Testes genéticos para asusceptibilidade ao câncer", a qual estabelece recomendações específicas diante a prática clínica e as necessidades da pesquisa. Esta declaração sofreu alterações desde então e em 2008 a ASCO lançou uma nova versão, ressaltando a necessidade da disponibilidade de testes genéticos de utilidade clínica e “direto ao consumidor” (DTC), além do 35


impacto que estas substâncias têm na prática da oncologia e medicina preventiva. Tabela 2. Uso de biomarcadores no cuidado ao paciente USO CLÍNICO Risco de estratificação Quimioprevenção Rastreamento

OBJETIVOS CLÍNICOS Avaliar a probabilidade de que o câncer se desenvolva (ou reincidência) Identificar e “marcar” mecanismos moleculares da carcinogênese em tecidos pré-cancerosos Detectar e tratar precocemente cânceres na população assintomática

Diagnóstico

Estabelecer definitivamente a presença de câncer

Classificação

Classificar os pacientes pelo subconjunto de doenças

Prognóstico

Predizeroprovávelresultadodecâncer, independentemente da terapia, para determinaraagressividadedotratamento

Prediçao/ estratificação do tratamento

Manejo de riscos

Prever a respostaàterapias específicase escolheromedicamentomaissusceptível de produziruma respostafavorávelem um determinado paciente Identificar pcientes com probabilidades altas de efeitos adversos ao tratamento

Monitoramento da terapia

Determinar se uma terapia está tendo o efeito desejado em uma doença e se os efeitos adversos surgem

Vigilância pós-tratamento

Detecção precoce e tratamento de doença recorrente

A utilização de biomarcadores tem permitido a individualização de alguns tratamentos e permitido o 36


desenvolvimento da chamada “Medicina Personalizada”. Recentemente,instituições comerciaiscomeçaram a disponibilizartestes genéticose perfis de riscogenômicodiretamente aos consumidores, geralmente através da Internet. O modeloDTCpermite que os indivíduospara obtenham ostestes erecebam os resultadosdiretamente da empresaque os fornece, os quais incluemtestes comutilidade clínicaaceitos(por exemplo,BRCA1 e BRCA2) e com utilidade clínicaincerta (perfil genômicoatravés degenotipagem de polimorfismos de um único nucleotídeo - SNPs). Cerca de 10% de todos os tumores são primariamente causados por mutações germinativas de alta penetrância¹ em genes de predisposição ao câncer. Quando identificados, estas mutações comumente resultam em uma alteração significativa na função do produto do gene correspondente e são associadas com o aumento de risco ao câncer quando comparados à indivíduos que não são portadores de tal mutação. Apesar de seremclinicamente relevantes, mutações de penetrânciasalta e intermediária são incomuns. A suscetibilidade ao câncerherdadosurgea partir de umnúmero de variantesde seqüênciade DNA, cada qual, confereum aumento limitadode risco de forma isolada.As localizaçõesgenômicasde um númerodas variantesde baixapenetrância (LPVs) foram definidasatravésde estudos de associação de genoma(GWAS), os quaisidentificaram também variações genéticas(SNPs), cuja associação com o risco para a doença geralmente são comuns, embora a penetrância possa variar com base em fatores ambientais e estilo de vida. Atualmente, cerca de 100 SNPs estão associados ao risco de câncer.

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Tabela 3. PRINCIPAIS BIOMARCADORES APROVADOS PELO FDA BIOMARCADOR

TIPO

FONTE

TIPO DE CÂNCER

USO CLÍNICO

α-Fetoproteina

Glicoproteína

Soro

Testícular nãoseminomatoso

Estadiamento

β-gonadotropina coriônica humana

Glicoproteína

Soro

Testicular

Estadiamento

CA 19-9

Carboidrato

Soro

Pancreático

Monitoramento

CA 125

Glicoproteína

Soro

Ovariano

Monitoramento

Secreção cervical

Secreção cervical

Cérvice uterina

Cervical

Rastreamento

CEA

Proteína

Soro

Cólon

Monitoramento

Receptor do fator de crescimento epidérmico

Proteína

Cólon

Cólon

Seleção de terapia

KIT

Proteína (ICH)

Tumor gastrointestinal

GIST

Diagnóstico e seleção de terapia

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Tiroglobulina

Proteína

Soro

Tireóide

Monitoramento

PSA (total)

Proteína

Soro

Próstata

Rastreamento e monitoramento

PSA (complexo)

Proteína

Soro

Próstata

Rastreamento e monitoramento

PSA (PSA% livre)

Proteína

Soro

Próstata

Início de hiperplasia da próstata vs. diagnóstico do câncer

CA15-3

Glicoproteína

Soro

Mama

Monitoramento

CA27-29

Glicoproteína

Soro

Mama

Monitoramento

Citoqueratinas

Proteína (ICH)

Tumor de mama

Mama

Prognóstico

Receptores de estrogênio e progesterona

Proteína (IHC)

Tumor de mama

Mama

Seleção de terapia hormonal

HER2/NEU

Proteína (IHC)

Tumor de mama

Mama

Prognóstico e seleção de terapia

HER2/NEU

Proteína

Soro

Mama

Monitoramento

HER2/NEU

DNA (FISH)

Tumor de mama

Mama

Prognóstico e seleção de terapia

Cromossomos 3, 9 e

DNA (FISH)

Urina

Bexiga

Rastreamento e monitoramento

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17 NMP22

Proteína

Urina

Bexiga

Rastreamento e monitoramento

Fibrina/FDP

Proteína

Urina

Bexiga

Monitoramento

BTA

Proteína

Urina

Bexiga

Monitoramento

CEA e mucina de alto peso molecular

Proteína (imunofluorescência)

Urina

Bexiga

Monitoramento

BTA: antígeno tumoral de bexiga antígenos; CA: antígeno de câncer; CEA: antígeno carcinoembriônico; FDP: proteína degradante de fibrina; FISH: hibridização fluorescente in-situ; GIST: tumor do estromagastrointestinal; HER2/NEU:receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano;IHC: imunohistoterapia; KIT: receptor tirosina quinase transmembrana;NMP22: proteína da matriz nuclear; PSA: antígeno próstata-específico

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Polimorfismos de um único nucleotídeo (SNPs) Um polimorfismo de um único nucleotídeo ou SNP (pronuncia-se "snip") é uma pequena alteração genética, ou variação, que pode ocorrer dentro de uma seqüência de DNA de um indivíduo. O código genético é especificado por quatro nucleotídeos: Adenina (A), citosina (C), timina (T) e guanina (G). O SNP ocorre quando um único nucleotídeo, como um A, substitui um dos outros três nucleotídeos C, G ou T. Um exemplo de um SNP é a alteração do AGGCTA segmento de DNA para TGGTTA, onde o "C" no segundo códon é substituído por um "T" (Figura 1). Para ser considerado um SNP, ele deve apresentar uma frequência de pelo menos 1% na população mundial. Cerca de 3 a 5% da seqüência de DNA de uma pessoa codifica para a produção de proteínas, e a maioria dos SNPs é encontrada fora das seqüências codificantes. Os SNPs encontrados dentro de uma seqüência codificante são importantes para a pesquisa, pois estes são mais susceptíveis de alterar a função biológica de uma proteína. Os avanços recentes na Biotecnologia, juntamente com a capacidade única destas variações genéticas para facilitar a identificação de genes, contribuiu com a crescente descoberta e detecção de novos SNPs. Um exemplo de SNP relacionado a 50% dos casos de câncer é o SNP da proteína do gene Tp53. 41


Figura 1. Exemplo de um SNP

Genes associados ao risco de câncer Alguns genes encontram-se frequentemente mutados em casos de câncer. Tais mutações podem manifestar a doença por meio de quatro efeitos diferentes na função protéica que exercem: aquisição de uma propriedade nova ou expressão anômala, perda ou ganho de funçãodo gene. Em um estudo de análise sistemática sobre alterações genômicas em um conjunto de cânceres próstata e mama, foi observado que tumores individuais acumulam uma média de cerca de 90genes mutantes, 42


mas que apenas um sub conjunto desses contribui para a neoplasia. Os autores identificaram 189 genes que foram transformados em freqüência significativa, afetando uma ampla gama de funções celulares, incluindo a transcrição, adesão eainvasão, fornecendo assim novos potenciais alvos para diagnóstico e prática terapêutica, bem como novos rumos para a pesquisa básica em biologia tumoral. Tp53 (Éxon 4 - Códon 72) O gene TP53 localiza-se no braço curto do cromossomo 17 (17p13.1), apresentando uma estrutura com 11 éxons e um tamanho de aproximadamente 20pb, e foi o primeiro gene supressor de tumor a ser identificado. Esta gene codifica para fosfoproteínas nucleares de 53kDa, composta por 393 aminoácidos, e faz parte de uma família de genes altamente conservados a qual inclui pelo menos outros dois membros: TP63 e TP73. Esta proteína é ativada frente a um dano do material genético celular, através da mobilização de outros genes do mecanismo de reparo, sendo assim, responsável por monitorar os estresses ocorridos nas moléculas de DNA, impedindo a célula de prosseguir com o processo de mitose até que este dano seja reparado, ou então, levando a mesma à apoptose. Nas células que apresentam o gene p53 mutado e consequente inativação da proteína p53, a célula 43


torna-se incapaz de perceber e restaurar possíveis danos ao DNA, desta maneira, a divisão celular se mantém sem que ocorra um reparo. A perda da função da p53 nas células leva a uma proliferação incontrolada e promove o desenvolvimento do câncer, sendo esta uma marca praticamente universal de tumores humanos. Em cânceres, este processo pode ser determinado por vários mecanismos, incluindo lesões que previnem a ativação da p53, mutações dentro do próprio gene TP53 ou mutações em mediadores da função da p53. Somente 5% das mutações da TP53 são encontradas nos domínios regulatórios, enquanto que 95% das mutações ocorrem na região central da TP53, que é responsável pela sequência específica de ligação com o DNA. Certos códons da p53 mostram uma alta frequência de mutações. Estudos afirmam que 80% das mutações no gene TP53 estão localizadas entre os éxons5 a 8. As mutações no gene TP53 têm sido encontradas em quase todos os tipos de câncer, sendo os principais: câncer colorretal, câncer gástrico, câncer de ovário e de mama, câncer de bexiga e de pulmão. Em muitos casos de câncer, mutações no gene TP53 têm sido identificadas como eventos iniciais em tecidos prémalignos, em particular aqueles expostos a carcinógenos ambientais.

44


K-ras O gene K-ras, localizado no cromossomo 12p12.1, codifica um monômero protéico de 189 aminoácidos com peso molecular de 21 kD, pertencente a família ras. A expressão da proteína K-ras, mediada por atividade de GTPase mostrou ter papel chave em rotas tecido-específicas, no crescimento celular, diferenciação e apoptose. O gene K-ras pode ser encontrado em duas formas: mutado, e não mutado (wildtype). Quando mutado, o gene passa a codificar uma proteína constitutiva ativa, desencadeando a transdução de sinais proliferativos e/ou de diferenciação, mesmo na ausência de estímulos extracelulares.De acordo com a seqüência nas várias etapas da rota de alterações em adenocarcinomacolorretal, mutações do gene K-ras é uma das primeiras alterações a ocorrer. Tratando-se de frequência nas mutações de Kras em tumores primários e de origens esporádicas, as mutações deste gene são muito comuns em diversos tipos tumorais, porém é o de colorretal que obtém a maior porcentagem de mutações, estando envolvido entre 35-60% dos casos. Sobretudo, a ocorrência de mutações neste gene é comumente encontrada nos códons 12 e 13, que por sua vez correspondem a 98.5% do total das mutações caracterizada por câmbios de nucleotídeos G>A, G>T e transversões G>C.

45


BRCA1 E BRCA2 Cerca de 70% dos casos de câncer de mama são esporádicos, 20% familiais, 5% relacionados a mutações no gene BRCA1, 3% a mutações no BRCA2 e 2% dos casos são relacionados a mutações em outros genes. Os genes supressores de tumores BRCA1 e BRC2 localizam-se nos cromossomos17q21 e 13q12, respectivamente. O BRCA1 apresenta 5592pb e 22 éxons e está envolvido no processo de proliferação celular, em resposta à estimulação por hormônios, na apoptose, recombinação gênica, ubiqüitinização e no remodelamento de cromatina, enquanto que o gene BRCA2 possui 11385pb e 27 éxons e está associado à ativação da transcrição e processos de reparo do DNA. Os tipos de mutações relatadas refletem a facilidade com que podem ser detectadas. Por isso, a maioria das mutações relatadas é de pequenas inserções, deleções ou mutações nonsense, que levam à introdução de um stop codon. Estas mutações geram uma proteína mais curta e não funcional. Mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 determinam as variantes hereditárias da síndrome dos cânceres de mama e ovário. Portadoras dessas mutações têm risco entre 60-85% de desenvolver câncer de mama, e entre 20-65% de desenvolver câncer de ovário, até os 70 anos de idade. Mutações em BRCA2 também aumentam o risco de câncer de mama em homens. Se uma família possuir mais de dois casos de 46


câncer de mama diagnosticados em idade precoce e pelo menos dois casos de câncer de ovário, a probabilidade de detecção da mutação no BRCA é alta. Fatores preditivos de identificação de mutação incluem número de indivíduos afetados, idade de diagnóstico, ascendência judia e características patológicas. O desenvolvimento de testes genéticos para verificar a susceptibilidade ao risco de desenvolvimento câncer de mama e ovário com os genes BRCA1 e BRCA2 foi uma das primeiras utilizações práticas dos avanços em genômica. HER2 O gene HER2, também conhecido como HER2/neu ou ERBB2 é a abreviatura de "HumanEpidermalgrowthfactor Receptor-type2", ou seja, receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano, e está no braço longo do cromossomo 17 (17q11.2-q12). Seu produto de expressão é uma proteína de membrana celular com atividade de tirosina-quinase. A ativação desta proteína de membrana é o mecanismo pelo qual a divisão e a proliferação são estimuladas (Figura 2). Nas células normais, existe uma cópia do gene por cromossomo, seu papel regulador nas células mantém-se com funcionamento normal, enquanto em células neoplásicas, um erro aleatório neste gene pode levar aexistência de duas cópias do gene por 47


cromossomo, levando a uma consequente superexpressão desta proteína. Assim, são enviados sinais para que a célula se divida, multiplique e cresça com velocidade superior à das células normais, o que contribui para a ocorrência e progressão do câncer. A expressão da HER2 encontra-se frequentemente aumentada em casos de câncer de mama e em outros tipos de tumores sólidos. Especialmente em casos de câncer de mama, a amplificação é de duas a vinte vezes, e a atividade aumentada produz uma quantidade até cem vezes maior da proteína transmembrana que estimula a duplicação.

Figura 2. Proteína HER2 em célula maligna (amplificada) e em célula normal (direita).

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Em estudos laboratoriais, foi observado que o aumento da expressão do HER2 origina uma transformação oncogênica e um comportamento tumoral mais agressivo. Na clínica, muitos estudos demonstraram que o aumento da expressão do HER2 está associado a um pior prognóstico. Devido a grande incidência e mortalidade dos casos de câncer de mama, estudos foram mais exaustivos nesta malignidade, motivo pelo qual está atualmente estabelecido que o HER2 constitui um biomarcador de comportamento clínico mais agressivo e com pior resposta às terapêuticas convencionais. Além do seu valor prognóstico e preditivo, o HER2 é um alvo antineoplásico específico e extremamente promissor. O fundamento para atingir o HER2 numa estratégia antineoplásica é animador, visto que a superexpressão desta proteína resulta em transformação oncogênica cujo comportamento clínico é mais agressivo. Diversas formas de abordagens terapêuticas vêm sendo investigadas, incluindo o anticorpo monoclonal dirigido ao domínio extracelular do receptor do HER2, os inibidores da tirosina quinasee vacinas. Os estudos envolvendo anticorpos monoclonais, sejam isolados ou em associação com agentes quimioterápicos convencionais, demonstraram a existência de marcada atividade pré-clínica e clínica nos tumores acompanhados do aumento da expressão do HER2. Quase duas décadas depois de intensa investigação, desde a identificação do gene HER2, a 49


determinação do HER2 tornou-se uma ferramenta importante no diagnóstico, tratamento e prognóstico em casos de câncer da mama. A expectativa é que para os próximos anos, os conhecimentos sobre o papel do HER2 continuem a crescer, voltando também a outros tipos de tumores e possamestar disponíveis uma série de terapêuticas promissoras anti-HER2, para os doentes com tumores HER2-positivos. Conclusão A promessa da Genômica Funcional é ampliar e sintetizar o conhecimento de genômica e proteômica para a compreensão das propriedades dinâmicas de um organismo no âmbito celular e/ou molecular. Isto proporcionaria uma imagem mais completa de como a função biológica surge a partir da informação codificada no genoma de um organismo. A possibilidade de entender como uma determinada mutação conduz a um determinado fenótipo tem importantes implicações para doenças genéticas humanas, como responder a essas perguntas pode indicar aos cientistas na direção de um tratamento ou cura, além de desenvolver estratégias de redução de risco, as quais podem ser implementadasquando houver a identificação deste.

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CAPÍTULO 3

SEQUENCIAMENTO DE GENOMAS TUMORAIS Helena Strelow Thurow, Virginia Campello Yurgel, Fabiana Seixas Introdução A história da ciência foi marcada pela descoberta da estrutura da dupla hélice do DNA por Watson e Crick, no ano de 1953, na Universidade de Cambridge. Esta descoberta permitiu, posteriormente, determinar a sequência nucleotídica de uma molécula de DNA, o objetivo principal da técnica de sequenciamento de DNA. O sequenciamento de DNA teve início na década de 70 com o desenvolvimento do método de MaxamGilbert e, posteriormente, do método de Sanger. Estas técnicas primordiais permitiam o sequenciamento de pequenos fragmentos de DNA e um número reduzido de sequências, com um alto custo e um longo tempo. A partir da década de 80, os primeiros sequenciadores automáticos com técnicas aprimoradas começaram a ser desenvolvidos, tornando possível o sequenciamento de fragmentos de DNA mais longos e a ampliação no 55


número de sequências obtidas. Desde então, os sequenciadores têm modernizado as técnicas de sequenciamento de DNA, com o objetivo de se obter o maior número possível de informações a partir da leitura de milhares de sequências, com menor tempo e menor custo de desenvolvimento. Na pesquisa científica, o conhecimento do genoma de organismos através do sequenciamento de DNA já permitiu inúmeros avanços em diversas áreas, como a Biologia, a Ecologia, a Medicina, a Genômica e a Biotecnologia. Estes progressos podem ser traduzidos em aplicações como análises filogenéticas, identificação de indivíduos pela Ciência Forense, desenvolvimento de vacinas e de organismos geneticamente modificados, estudos de susceptibilidade a doenças, entre outras. Este capítulo aborda o sequenciamento de genomas, descrevendo principalmente o início das pesquisas em sequenciamento de genomas, os projetos de estudo do genoma humano, genomas tumorais, e a sua importância. Os estudos focados em sequenciamento de genomas objetivam a sua melhor caracterização e a aplicação deste conhecimento no desenvolvimento científico, principalmente na medicina clínica. Auxiliando na compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos em doenças e fornecendo marcadores moleculares alvos no diagnóstico, tratamento e prevenção das doenças.

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Os sequenciamento de genomas A partir do desenvolvimento das primeiras metodologias de sequenciamento de DNA, os cientistas começaram a desvendar o genoma de diversos organismos, objetivando o maior conhecimento biológico destes, tanto estrutural quanto funcionalmente. O primeiro genoma completamente sequenciado, publicado por Frederick Sanger na revista Nature no ano de 1977, foi o do bacteriófago X174, o qual foi descrito com aproximadamente 5.375 nucleotídeos. Desde esta publicação, inúmeros genomas têm sido completamente sequenciados. Até o mês de junho de 2011, o banco de genomas do NCBI contava com 2.995 genomas de organismos procariotos e eucariotos completamente sequenciados ou em processamento. Um dos maiores e mais longos projetos de sequenciamento de genomas já realizados foi o do sequenciamento do genoma humano. O Projeto Genoma Humano (PGH) iniciou formalmente no ano de 1990 e foi realizado simultaneamente por dois grupos: um consórcio público coordenado pelo Dr. Francis S. Collins, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas do Genoma Humano (National Human Genome Research Institute) dos EUA; e um consórcio privado coordenado pelo Dr. J. Craig Venter, da empresa Celera Genomics. A sequência do genoma gerada por ambos os consórcios não é equivalente ao genoma de um único indivíduo, 57


mas resultado do material biológico doado por vários indivíduos aos projetos. O consórcio público utilizou sangue de um grande número de doadores, enquanto o consórcio privado incluiu 21 doadores de sangue. A metodologia entre os dois consórcios também apresentou diferenças. O consórcio público utilizou o Hierarchical shotgun sequencing, enquanto o consórcio privado sequenciou o genoma com a metodologia de Whole-genome random Shotgun. O término de ambos os projetos ocorreu no ano de 2003 e coincidiu com o 50º aniversário da descoberta da estrutura da dupla hélice do DNA por Watson e Crick. Com uma duração de 13 anos, o PGH concluiu que o genoma humano consiste de aproximadamente 3 bilhões de pares de base arranjados em torno de 20.000 a 25.000 genes e 3.7 milhões de SNPs mapeados. O sequenciamento do genoma humano permitiu, a partir das informações geradas, extensas aplicações como: detecção precoce de predisposição a doenças, avaliação dos riscos e danos à saúde causados pela exposição a agentes mutagênicos e toxinas que causam câncer, estudo da evolução humana através de mutações germinativas, identificações forenses, desenvolvimentos de novos produtos para a saúde humana e meio ambiente, entre outras. A publicação do genoma humano abriu caminhos para a aplicação do sequenciamento de DNA também em genomas tumorais, além de oferecer novas ferramentas e informações para análise desses genomas. A análise de genomas tumorais é chave para o 58


entendimento da oncogênese, e teve início com estudos citogenéticos de células cancerosas, mostrando inúmeras anormalidades cromossômicas em alguns tipos de câncer. O estudo onde o DNA genômico de um tumor é isolado e sequenciado permite a análise de diversas alterações somáticas na sequência do DNA, as quais se acumulam nestas células tumorais e podem incluir: substituições de bases, inserções ou deleções de segmentos de DNA, rearranjos, mudança no número de cópias, introdução de sequências exógenas de DNA (como por exemplo, do Papiloma Vírus Humano entre outros) e mudanças epigenéticas manifestadas em nível de DNA através de metilação. As alterações somáticas no DNA de células cancerosas ainda podem ser classificadas de acordo com as consequências no desenvolvimento do câncer. Sendo consideradas “driver mutations” as alterações que conferem vantagens no crescimento da célula tumoral e estão localizadas em genes importantes no câncer chamados “cancer genes”, enquanto as “passenger mutations” não contribuem no desenvolvimento tumoral. O número de “driver mutations” reflete o número de genes mutados e, assim, a desregulação necessária dos processos biológicos celulares para converter uma célula normal em uma célula cancerosa. Especula-se que cinco “cancer genes” mutados são necessários para gerar o câncer. Por isso, desde o início das análises de genomas tumorais, o principal objetivo dos estudos tem sido a identificação dos padrões mutacionais dos genomas 59


tumorais, principalmente de “driver mutations”, e dos genes que são alterados por estas mutações. Estes estudos têm fornecido uma melhor compreensão dos mecanismos genéticos envolvidos na oncogênese, e podem auxiliar no diagnóstico, tratamento e prevenção do câncer. Projetos de pesquisa de genomas tumorais Inúmeros grupos de pesquisa no mundo vêm estudando as características moleculares de genomas tumorais e as aplicabilidades deste conhecimento científico na clínica, almejando o aperfeiçoamento do diagnóstico, tratamento e prevenção do câncer. O principal objetivo para a maioria dos grupos de pesquisa de genomas tumorais é o sequenciamento de variados tipos de câncer, analisando as variações genéticas nas células cancerosas através da identificação das mutações somáticas nestas células e, assim, identificando os genes que podem ser cruciais para o desenvolvimento do câncer. Em 2010, a revista Nature publicou um artigo que lançava o Consórcio Internacional do Genoma do Câncer (International Cancer Genome Consortium – ICGC). Este consórcio, que conta com a participação de grupos de pesquisa de todo o mundo, foi lançado com o objetivo de obter uma descrição das mudanças genômicas, de transcriptomas e epigenéticas em 50 60


tipos diferentes de tumores de importância clínica, garantindo a alta qualidade de todos os dados obtidos. Estes dados também devem ser disponibilizados com rapidez para a comunidade científica. Até o mês de maio de 2011, 35 projetos estavam envolvidos no sequenciamento de diferentes tipos tumorais. Estes projetos podem ser acessados através do site: http://www.icgc.org Entre os principais grupos que estão pesquisando genomas tumorais, podemos citar o Atlas do Genoma do Câncer (The Cancer Genome Atlas - TCGA), que foi lançado no ano de 2005 começando como um projeto piloto do Instituto Nacional do Câncer e do Instituto Nacional de Pesquisas do Genoma Humano dos EUA. O projeto piloto provou a importância da disponibilidade mundial dos dados sobre o genoma do câncer para a utilização e validação das descobertas de diversos pesquisadores. Com o sucesso do projeto piloto, o Instituto Nacional da Saúde aprovou recursos para a caracterização de mais de 20 tumores. Para o estudo dos genomas tumorais, o TCGA utiliza amostras de tecido tumoral que foram removidas como parte do tratamento do câncer, e como controle uma amostra normal do paciente (sangue ou tecido), que servirá para confirmar que as mutações no DNA tumoral são únicas do tumor e não variações normais do indivíduo. Estas amostras são devidamente processadas por uma equipe especializada seguindo rigorosos critérios para que o DNA ou RNA extraído possa ser utilizado para as análises genômicas, e 61


também critérios de codificação para evitar que os pesquisadores tenham acesso às informações dos pacientes. Após a preparação das amostras, os Centros de Caracterização Genômica e de Sequenciamento Genômico identificam as mudanças genéticas na sequência do DNA que estão envolvidas nos tipos de câncer estudados, e o rearranjo do genoma ou da expressão de genes nos tumores, em comparação com as células normais. Todas as amostras são analisadas através do sequenciamento completo do exoma, usando plataformas de sequenciamento de segunda geração. Esta metodologia gera dados do exoma de 8 a 16 amostras em uma única corrida em 8 a 14 dias. Mais de 10% das amostras de cada tumor passam pelo sequenciamento do genoma completo que irá revelar as mutações que estão fora da região do exoma. Os dados gerados na caracterização e no sequenciamento dos genomas são integrados através de milhares de amostras. Os centros de análise e gerenciamento dos dados processam as informações e disponibilizam os dados em bancos de dados para a utilização do perfil genético do câncer pela comunidade científica. Os tipos de câncer selecionados para estudo pelo TCGA envolvem cânceres do Sistema Nervoso Central (Glioblastoma Multiforme), Mama (Carcinoma Lobular e Ductal da Mama), Gastrointestinal (Adenocarcinoma do Estômago, do Cólon e Retal), Ginecológico (Cistodenocarcinoma Seroso de Ovário e Carcinoma 62


Endometrial), Cabeça e Pescoço (Carcinoma de Células Escamosas de Cabeça e Pescoço e Carcinoma de Tireóide), Hematológico (Leucemia Mielóide Aguda), Torácico (Adenocarcinoma de Pulmão e Carcinoma de Células Escamosas de pulmão) e Urológico (Carcinoma de Células Claras e carcinoma Renal Papilar). Os dados genômicos associados a estes tipos de câncer podem ser acessados pelo site: http://cancergenome.nih.gov Outro instituto que desenvolve importantes estudos genômicos em ritmo acelerado desde a sua criação no ano de 1993, é o Instituto Genoma da Universidade de Washington. Este instituto foi peça chave no sequenciamento do genoma humano, contribuindo em 25% da sequência final. Sua missão se baseia na melhora da condição humana através do estudo e interpretação de dados genômicos de alta qualidade, buscando integrar os conhecimentos biológicos à sua aplicação na medicina. Estes dados também são gerados atualmente através do sequenciamento de segunda geração, tornando possível a produção de dados em alta velocidade com custos menores. Como o seu próprio nome, as áreas de pesquisa deste instituto estão direcionadas para a análise de genomas, mais especificamente de genomas de câncer, humano, microbiano e de patógenos. Um dos maiores objetivos do instituto é o avanço na área do genoma do câncer. No ano de 2008, o Instituto Genoma se tornou o primeiro a sequenciar o genoma completo do câncer de um paciente – uma mulher com leucemia – relacionando a doença com 63


causas genéticas. A partir deste estudo, o instituto tem sequenciado genomas de câncer de muitos pacientes. Entre os genomas sequenciados estão: Leucemia Mielóide Aguda, Câncer Ovariano, Glioblastoma Multiforme, Câncer de Mama, Pulmão, Próstata, Síndrome Mielodisplásica, Mieloma Múltiplo, Câncer Pancreático, Neurofibromatose Tipo 1 e Melanoma. Ainda, o instituto conta com projeto de sequenciamento de genomas de cânceres pediátricos como a Leucemia Linfocítica (linfoblástica) Aguda, Meduloblastoma, Leucemia Linfoblástica Aguda Infantil, Retinoblastoma, Leucemia Mielóide Aguda associada aos Core Binding Factors (CBF), Rabdomiossarcoma e Glioma de Alto Grau. Os dados genômicos de cada um destes tipos de câncer, assim como o progesso destes estudos, podem ser acompanhados pelo site: http://genome.wustl.edu. O conhecimento fornecido pelo estudo dos genomas tumorais já está sendo aplicado em pacientes com diferentes tumores podendo até mesmo modificar o tratamento deste pacientes. Um dos institutos que possui um dos maiores centros de sequenciamento do mundo é o Instituto Sanger. Desde a sua fundação em 1993, o Wellcome Trust Sanger Institute, tem participado dos mais importantes estudos genômicos. Um dos exemplos mais importantes foi o Projeto Genoma Humano, onde contribuiu com quase 1/3 da sequência padrão publicada em 2004, sendo responsável pelo sequenciamento de 9 cromossomos humanos, os cromossomos 1, 6, 9, 10, 11, 13, 20, 22 e X. O instituto 64


está focado principalmente em 4 áreas de pesquisa: Genética Humana, Genética de Camundongos e Zebrafish (conhecido no Brasil como peixe Paulistinha), Genética de Patógenos, e Bioinformática. Todas estas áreas de pesquisa buscam o entendimento do papel da genética na saúde e nas doenças, provendo resultados que possam ser traduzidos em diagnósticos ou tratamentos. Na área da pesquisa do Genoma Humano, se encontra o projeto do Genoma do Câncer. Este projeto está sequenciando primeiramente genes que incluem proteínas quinases e outros genes com potencial terapêutico. Estas sequências são comparadas a amostras controles para a identificação de novas variantes na amostra tumoral. Quando encontradas, o tumor é sequenciado novamente juntamente com o seu DNA normal para verificar se a variante é uma mutação somática. A importância destes genes mutados é avaliada através da análise de vários tipos de câncer. Até a última publicação, o instituto já havia associado em torno de 457 genes a diferentes tipos de câncer. Ainda, há disponível um catálogo com todas as mutações somáticas encontradas nos tipos de câncer estudados. Até o último acesso a este catálogo, 171.209 mutações haviam sido identificadas ao longo do projeto. Este projeto ainda conta com estudos de resequenciamento de genomas, e análises de linhagens celulares tumorais tanto para número de cópias, genotipagens de SNPs e detecção de microssatélites, quanto para sensibilidade a drogas terapêuticas. As 65


informações geradas por este projeto podem ser acessadas através do site: http://www.sanger.ac.uk/genetics/CGP O Brasil também tem um papel fundamental no estudo dos genomas tumorais. No ano de 1999, foi lançada uma parceria entre o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), com a participação de 29 laboratórios de São Paulo que possibilitaram o desenvolvimento do Projeto Genoma Humano do Câncer no Brasil, sequenciando tumores epidemiologicamente importantes no país. O enfoque principal se deu em tumores de cabeça e pescoço, cólon, mama e estômago. Ainda, o projeto focalizou em tumores mais raros como tumores renais do tipo Wilm’s, Leimiosarcoma, Testículo, PNET (Tumor Neuroectodérmico Primitivo), Tumores de Sistema Nervoso Central (Gliomas e Meningiomas), Tumores de Colo de Útero e Leucemias. Este projeto, que durou 2 anos, buscou a identificação de genes expressos no câncer através do sequenciamento e caracterização de ESTs (Expressed Sequences Tags) de amostras de tecidos tumorais e normais. Para este projeto, foi desenvolvida uma técnica de geração de cDNA chamada ORESTES (Open Reading Frame Expressed Sequence Tags), que gera ESTs a partir do centro de mRNAs. Estes resultados foram analisados por um Centro de Bioinformática que levou em consideração também a qualidade das sequências e possíveis contaminações com sequências de vetores plasmidiais e bacterianos, utilizados no 66


procedimento metodológico. As sequências selecionadas, com padrão de qualidade estabelecido, formaram o banco de dados do Projeto Genoma Humano do Câncer. Em 2003, mais de 1 milhão de sequências já haviam sido publicadas em banco de dados para acesso e utilização pelos demais cientistas. O Projeto ainda contou com a identificação de SNPs (Single Nucleotide Polymorphisms) em regiões codificantes do genoma, e com a observação das alterações na expressão gênica em tecidos humanos normais e tumorais, com ênfase em tecidos de próstata e pulmão. Ambas as análises utilizaram as ESTs geradas no projeto anteriormente. Outro projeto que também utilizou o sequenciamento de ESTs foi o Cancer Genome Anatomy Project (CGAP) do Instituto Nacional do Câncer (National Cancer Institute – NCI) dos EUA. Em 2003, o projeto do NCI juntamente com o projeto liderado pelo Instituto Ludwig de Pesquisas sobre Câncer criaram a base de dados Cancer Genome Anatomy Project (CGAP) para a publicação dos dados das ESTs de ambos os projetos. Estes dados estão disponíveis no site: http://cgap.nci.nih.gov O 1º Genoma Tumoral Sequenciado No ano de 2008, um grupo do Instituto Genoma da Universidade de Washington publicou na revista 67


Nature o primeiro genoma tumoral completamente sequenciado: o genoma da Leucemia Mielóide Aguda (LMA). A Leucemia Mielóide Aguda é um tumor hematopoiético altamente maligno. De acordo com as estatísticas do Instituto Nacional do Câncer, as estimativas para o ano de 2010 eram de 12.330 pessoas diagnosticadas com este tipo de câncer, sendo que a mortalidade alcançaria 8.950 casos. Os autores deste estudo pioneiro afirmavam que não haviam sido descobertas mutações relevantes que poderiam contribuir na patogênese da LMA, e asseguravam que o sequenciamento do genoma completo seria necessário para identificar a maioria destas mutações. Os autores também afirmavam que até o momento essa abordagem não era possível devido ao alto custo das técnicas convencionais baseadas em capilares, e ao alto número de células tumorais necessárias para a obtenção do DNA genômico requerido. Mas, o desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento de segunda geração trouxe vantagens para estes estudos, reduzindo o custo, aumentando a geração de dados, e diminuindo a quantidade de DNA necessária para a construção da biblioteca de DNA. Neste estudo, os autores investigaram o genoma da LMA de um único paciente e compararam com o genoma normal (biópsia da pele) do mesmo paciente. As sequências foram geradas a partir de uma biblioteca de fragmentos derivadas do tumor ou de células da pele do paciente, utilizando o Illumina Genome Analyzer. Seguindo como referência o alinhamento do genoma 68


humano, bases de dados de SNPs, e variantes recentemente reportadas por 2 genomas humanos adicionais, as variantes nucleotídicas foram identificadas no genoma do tumor e comparadas com a sequência normal, revelando novos SNPs e mutações de inserção/deleção. Foram utilizadas ferramentas de análise de genomas para a identificação de SNPs, assim como a variação do número de cópias. As variantes putativas foram validadas usando sequenciamento capilar com a plataforma ABI 3730. Todas as mutações somáticas validadas foram sequenciadas com o sequenciador da Roche/454 para a comparação dos alelos mutantes e selvagens das amostras. Os principais resultados deste estudo mostraram que foi possível a detecção de 3.813.205 variantes na sequência do genoma do tumor em uma primeira análise. Destas, após uma análise mais refinada, foram identificadas 2.647.965 variações no genoma do tumor, sendo que 97,7% foram reveladas também no genoma normal. A maioria das mutações específicas do tumor (63.277) foram detectadas também em base de dados de SNPs, previamente no genoma dos cientistas Watson e Venter, ou ainda ocorreram em regiões não gênicas. Após mais análises, os autores concluíram que 10 mutações somáticas não-sinônimas importantes foram identificadas especificamente no genoma do tumor do paciente. Destas mutações, 2 são conhecidas por terem associação com a LMA, tendo uma frequência comum (25-30%) neste tipo de tumor, e contribuindo com a progressão da doença. As outras 8 mutações somáticas 69


detectadas no diagnóstico e na reincidência do tumor não haviam sido previamente identificadas em LMA, e necessitarão de mais estudos para validação funcional neste tipo de tumor. Os autores concluíram que a utilização das tecnologias de sequenciamento de segunda geração é um meio eficiente na detecção das mutações e genes que podem ser relevantes para a oncogênese da LMA. Câncer de pulmão O câncer de pulmão é um dos tipos de câncer mais incidentes em todo o mundo, e com um alto índice de mortalidade, conforme pode ser visto no capítulo 1 deste livro. Assim, em razão da grande importância deste câncer, muitos estudos buscam encontrar fatores que possam estar associados com a progressão da doença. Em Janeiro de 2010, um estudo publicado na revista Nature sequenciou uma linhagem celular de câncer de pulmão de células pequenas (SCLC - NCIH209) para investigar as mutações associadas ao fumo do tabaco. O sequenciamento desta linhagem celular foi realizado utilizando uma das tecnologias de sequenciamento de segunda geração, a plataforma SOLID. O grupo encontrou 22.910 substituições somáticas adquiridas (incluindo 134 em exons codificantes) e 58 variantes estruturais confirmadas. As transversões mais comuns foram G>T/C>A seguidas de 70


G>A/C>T e A>G/T>C. Esta distribuição foi similar ao padrão de substituições observadas no gene TP53 em SCLC. Isto comprovou que o genoma da linhagem celular NCI-H209 é típico de SCLC e, assim, de perfis mutacionais associados ao tabaco. Outro resultado interessante deste estudo foi a identificação de uma duplicação em tandem dos exons 3 a 8 do CHD7, e outras duas linhagens celulares que carregavam a fusão dos genes PVT1–CHD7. Estes achados indicaram que o CHD7 pode estar recorrentemente rearranjado neste tipo de câncer. Os autores concluem afirmando que se a maioria das mutações derivam dos agentes mutagênicos presentes no tabaco, as células que se tornariam cancerosas iriam adquirir uma média de 1 mutação a cada 15 cigarros fumados. Estes resultados demonstram o potencial da nova geração de sequenciamento na identificação de mutações associados ao câncer. Outro estudo, publicado em Maio de 2010 também na revista Nature, investigou a sequência de um câncer de pulmão de células não pequenas de um homem caucasiano que afirmou fumar 25 cigarros por dia durante 15 anos. Após o sequenciamento das amostras, comparando a sequência completa de um tumor de pulmão primário com um tecido adjacente normal, os autores identificaram 50.000 variantes de nucleotídeo único, validando 530 variantes de nucleotídeo único neste tumor. Estas variantes incluíam uma variação no proto-oncogene KRAS e 391 em outras regiões codificantes, assim como 43 variações estruturais. Os autores concluem afirmando a 71


importância de estudos de sequenciamento de genomas completos de linhagens celulares de câncer de um amplo número de pacientes, no sentido de demonstrar a natureza das mudanças genéticas que dirigem a tumorigênese. Um estudo publicado no ano de 2011 buscou determinar mutações somáticas no genoma mitocondrial de 70 pacientes com câncer de pulmão, através de análises comparativas das sequências do genoma normal e do genoma tumoral. O estudo utilizou a metodologia Affymetrix GeneChip_ Human Mitochondrial Resequencing Array 2.0. As taxas de mutação no câncer de pulmão foram aproximadamente 100 vezes maiores que as taxas em células normais, com associação com o tabagismo. Os autores identificaram um total de 532 mutações somáticas distribuídas em 488 posições. Duas mutações nas posições 8701 e 10398 que codificam para ATPase6 e NADH desidrogenase, respectivamente, foram identificadas em 86% dos casos e associadas com o tabagismo. As mutações mitocondriais entre não fumantes variaram entre 0 e 28 mutações. Os autores também concluem afirmando a importância de mais estudos moleculares que identifiquem o papel das mutações no desenvolvimento do câncer. Câncer de próstata

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Recentemente, no ano de 2011, a revista Nature publicou o sequenciamento do genoma do câncer de Próstata. Os autores sequenciaram o genoma completo de 7 tumores de próstata e de amostras normais dos pacientes, também através das novas plataformas de sequenciamento. Os autores identificaram uma média de 3.866 mutações somáticas putativas e de 20 mutações não sinônimas em genes codificantes de proteína por tumor. A literatura científica já vinha demonstrando que a alta prevalência de fusões gênicas tem destacado os rearranjos cromossômicos como eventos críticos iniciais no câncer de próstata. Os autores afirmam que estes rearranjos podem fornecer ganho ou perda de função em eventos que dirigem a carcinogênese de próstata. O estudo encontrou importantes resultados sugerindo uma ligação entre a cromatina ou a regulação transcricional e o início de aberrações genômicas no processo da tumorigênese de próstata. Câncer de mama Em razão de sua importância e da sua alta frequência, o câncer de mama tem sido o alvo de inúmeros estudos que buscam caracterizar este câncer, bem como o seu genoma, na busca de fatores de risco para o desenvolvimento da doença. Neste sentido, o Instituto Genoma da Universidade de Washington 73


desenvolve um projeto que tem sequenciado o genoma total de tumores de 50 pacientes com câncer de mama, comparando-os com o DNA de células saudáveis do mesmo paciente, a fim de identificar as mutações que ocorrem somente no câncer de mama. Este trabalho, apresentado no 102º Encontro Anual da Associação Americana de Pesquisas em Câncer, encontrou mais de 1.700 mutações em tumores, sendo a maioria delas únicas do indivíduo. Todos os pacientes do estudo participavam de um estudo clínico e foram diagnosticados com câncer de mama positivo para o receptor de estrogênio. Dos pacientes, 24 eram indivíduos nos quais os tumores eram resistentes ao tratamento com drogas específicas. Os outros 26 pacientes responderam ao mesmo tratamento. Esta divisão permite aos pesquisadores comparar os dados dos pacientes com câncer que respondem bem ao tratamento com aqueles que não respondem. A pesquisa encontrou 2 mutações que eram mais comuns nos pacientes com câncer. Uma das mutações, chamada PIK3Cais, estava presente em cerca de 40% dos casos de câncer de mama que expressam os receptores pra estrogênio. Outra mutação, no gene TP53, está presente em 20% dos casos. Ainda, uma terceira mutação (MAP3K1) foi encontrada em 10% dos casos. Os genes ATR e MYST3 tiveram frequência similar. Em outros 21 genes foram encontradas menores frequências de mutações. No ano de 2009, um estudo publicado na revista Nature sequenciou o genoma e o transcriptoma do 74


câncer de mama lobular. Os autores encontraram 32 mutações não sinônimas presentes em metástases, e analisaram a frequência destas mutações no DNA do tumor primário, do mesmo paciente, que foi removido 9 anos antes. Destas mutações, 5 estavam presentes no DNA do tumor primário, 6 presentes em baixas frequências, 19 não detectáveis, e 2 não determinadas. Em outra análise, os autores identificaram 2 genes (COG3 e SRP9) que mostraram a recodificação dos seus transcritos resultando em sequências variantes de proteínas, diferentes do genoma. Os resultados deste estudo mostram a heterogeneidade do câncer de mama, e a evolução que pode ocorrer com a progressão da doença. Recentemente, um estudo também publicado na revista Nature realizou uma análise genômica de 4 amostras de DNA de uma paciente Afro-americana com um câncer de mama do tipo basal. Assim como outros estudos de sequenciamento de genomas tumorais, o sequenciamento destas amostras utilizou as plataformas de sequenciamento de nova geração. Este estudo identificou 50 mutações pontuais, 28 deleções, 6 inversões e 7 translocações. A amostra de metástase cerebral analisada continha 2 mutações de novo, uma ampla deleção não presente na amostra do tumor primário, e 20 mutações compartilhadas. Os autores afirmam que o genoma do câncer de mama do tipo basal é altamente complexo, e que ainda são necessários estudos futuros que incluam análises adicionais para a caracterização das variantes somáticas 75


e herdadas associadas com o desenvolvimento do câncer de mama. Assim como no câncer de pulmão, no câncer de mama também há estudos sobre o genoma mitocondrial deste importante tipo de câncer. No ano de 2005, um grupo já objetivou estudar o padrão de mutações do câncer de mama através de uma análise das mutações mitocondriais. Os autores identificaram que 93% dos casos de câncer de mama estudados apresentavam 1 ou mais mutações mitocondriais. Um total de 45 mutações somáticas foram encontradas em 35 posições nucleotídicas, sendo 9 previamente descritas e 26 novas. Destas, 11 mutações resultavam em variação no aminoácido em 10 loci. Ainda, foram identificados 155 polimorfismos, sendo 35% na sequência D-loop e 65% nas regiões codificantes do genoma mitocondrial. Destes polimorfismos, 57 eram novos polimorfismos identificados e 98 já haviam sido descritos. Em 2007, outro grupo de pesquisa encontrou uma menor frequência de mutações no genoma mitocondrial do que estudos anteriores. Mesmo assim, identificou 2 mutações somáticas nos casos de câncer de mama que estavam ausentes em tecidos normais. Devido ao número de pesquisas que têm avaliado a frequência de mutações no genoma mitocondrial do câncer de mama, autores têm recentemente assegurado a importância de estudos sobre os efeitos destas mutações no desenvolvimento do câncer e a interação do genoma com o ambiente em um amplo número de amostras. 76


Câncer colorretal Um dos estudos mais importantes que avaliou o genoma do câncer colorretal, publicado em 2006, determinou a sequência de mais de 13.000 genes em 11 tumores colorretais e também em 11 cânceres de mama, comparando-os com amostras normais. Após um amplo estudo de bioinformática para validar as mutações somáticas dos 2 tipos de câncer, foi identificado um total de 921 mutações somáticas no câncer de mama e 751 no câncer colorretal, das quais, a maioria eram substituições de bases. As mutações foram caracterizadas como sendo 81% mutações missense, 7% nonsense, 4% sítios de splicing alterados, e 8% inserções, deleções e duplicações. A frequência de mutações no câncer colorretal foi de 6.2 mutações por Mb, e 5.5 no câncer de mama. Os tumores apresentaram aproximadamente 90 substituições de aminoácidos que estavam ausentes nas células normais e que podem ser importantes alvos antitumorais. O estudo ainda identificou os genes candidatos do câncer (candidate cancer genes - CAN). Dos mais de 13.000 genes avaliados, 1149 genes estavam mutados, 236 foram validados e 189 eram genes CAN. Destes, foram identificados 122 genes CAN no câncer de mama e 69 no câncer colorretal. Os genes CAN foram identificados de acordo com o grupo funcional, conforme os processos 77


moleculares ou bioquímicos de que participam. Assim, 19% dos genes CAN no câncer colorretal e 18% no câncer de mama eram reguladores transcricionais, 22% dos genes CAN estavam envolvidos na adesão celular, e 23% na transdução de sinal. Os autores concluem afirmando que existe um amplo número de genes envolvidos no câncer e que o número de eventos mutacionais que ocorrem na evolução dos tumores até o estado metastático é maior do que o previsto. Ainda, os autores revelam que há diferenças nos genes mutados nos tipos de câncer estudados e que estas diferenças podem ser a causa da maior parte da heterogeneidade destes tumores. Por outro lado, há genes que são capazes de contribuir no câncer afetando o crescimento celular através da mesma via. As mutações nos genes TP53, MDM2, RB1, CDKN2A, CCND1 e CDK4 têm efeitos importantes em cânceres. Assim, é de extrema importância a descrição de vias que incluam genes CAN e que possam contribuir na carcinogênese. Em 2007, outro estudo similar forneceu dados suplementares aos publicados previamente em 2006. Este novo estudo analisou dados de sequências de 5.168 genes adicionais ao estudo anterior nos cânceres de mama e colorretal. Como resultados, foram identificados 1.718 genes com pelo menos 1 mutação não silenciosa nos 2 tipos de câncer analisados, sendo também a maioria destas mutações caracterizadas como substituições de bases. Este estudo também indicou que os cânceres de mama e colorretal contêm 78


80 substituições de aminoácidos que não estão presentes em células normais. Ainda, foram identificados 280 genes CAN distribuídos entre os cânceres de mama e colorretal. Ambos os estudos reafirmam a importância da identificação de mutações e genes envolvidos no desenvolvimento do câncer para futuras aplicações no diagnóstico e terapia destes cânceres. As mutações mitocondriais também foram recentemente caracterizadas em 6 regiões do genoma mitocondrial de 40 pacientes com câncer colorretal, através de SSCP seguido de sequenciamento. O índice de mutações no câncer colorretal foi de 25%, sendo que um amplo número de mutações foi detectado nas sequências D-loop. Também foi encontrada uma alta frequência de mutações no gene ND1. Os autores concluem que os pacientes com câncer colorretal possuem um grande número de mutações mitocondriais, mas são necessários estudos adicionais, especialmente nas sequências D-loop. Câncer gástrico O câncer gástrico também vem sendo estudado pelos grandes grupos de pesquisa em sequenciamento de genomas tumorais. O Atlas do Genoma do Câncer (descrito acima) vem estudando o Adenocarcinoma de Estômago, o qual é um dos tipos de câncer gástricos 79


mais comuns, a fim de determinar os genes envolvidos neste tipo de câncer. Outro grupo envolvido no estudo do câncer gástrico é o Wellcome Trust Sanger Institute. Este instituto tem identificado importantes genes que se apresentam mutados no câncer de estômago, como os genes TP53, CDH1, APC, PDGFRA, PIK3CA, CTNNB1, MSH6, KRAS, CDKN2A e FBXW7. No total, o grupo já identificou 111 genes mutados neste tipo de câncer. Recentemente, o genoma mitocondrial também foi analisado no câncer gástrico. Um estudo publicado em 2010 avaliou o genoma mitocondrial de 31 amostras de câncer gástrico e suas respectivas amostras normais. Utilizando primers que amplificavam todo o DNA mitocondrial, os autores identificaram 8 mutações somáticas na região codificante do DNA mitocondrial de 7 amostras de câncer gástrico. Destas 8 mutações, 4 ocorreram na região evolutivamente conservada do genoma mitocondrial, sugerindo que podem ter papel na desregulação da mitocôndria de células tumorais. Na região D-loop foram encontradas mutações em 16 das 31 amostras analisadas. Ainda, 20 dos pacientes examinados apresentavam mutações somáticas em todo o DNA mitocondrial do tecido tumoral. Os autores sugerem que as mutações somáticas no DNA mitocondrial e a disfunção mitocondrial são importantes na progressão do câncer gástrico. Em 2011, outro estudo analisou as mutações somáticas do DNA mitocondrial de 9 pacientes com câncer gástrico, comparando com amostras normais. Como resultado, os autores encontraram 7 mutações no 80


tecido do câncer gástrico de 4 pacientes. Os autores também realizaram uma análise filogenética dos 10 DNA mitocondriais afirmando a importância destas análises na rápida identificação de mutações somáticas em câncer. Conclusão: genomas tumorais e o futuro Os avanços nas tecnologias de sequenciamento têm permitido o rápido progresso na análise de genomas tumorais e suas aplicações. Inúmeros grupos de pesquisa de muitos países estão engajados no estudo de classes tumorais, com o objetivo de identificar e analisar genes e mutações envolvidos no risco do desenvolvimento e da progressão tumoral. Sem dúvida, em poucos anos, centenas de tumores já terão sido sequenciados ou estarão em processo de análise. No futuro, os dados gerados por estes estudos poderão ter importante aplicação clínica como biomarcadores no diagnóstico, prognóstico, tratamento e resistência a drogas. A tradução das descobertas atuais para aplicação clínica ainda requer validação experimental, incorporando a análise dos genomas em ensaios clínicos. Mas, alguns autores já antecipam que no futuro, devido ao potencial da informação do sequenciamento dos genomas tumorais na clínica, os

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genomas tumorais poderão ser sequenciados como rotina na avaliação dos pacientes.

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Leituras recomendadas Bell, D. W. Our changing view of the genomic landscape of cancer. Journal of Pathology,v. 220, p. 231-43, 2010. Chin, L.; Hahn, W. C.; Getz, G. Making sense of cancer genomic data. Genes & Development, v. 25, p. 534-55, 2011. Ding, L.; Ellis, M. J.; Li, S. Genome remodelling in a basallike breast cancer metastasis and xenograft. Nature, v. 464, p. 999-1005, 2010. Hudson, T. J.; Anderson, W.; Artez, A. International network of cancer genome projects. Nature, v. 464, p. 993-998, 2010. International Cancer Genome Consortium (ICGC). Disponível em: http://www.icgc.org Acesso em: 04/06/2011 Kassem, A. M.; El-Guendy, N.; Tantawy, M. Mutational Hotspots in the Mitochondrial D-Loop Region of Cancerous and Precancerous Colorectal Lesions in Egyptian Patients. DNA and Cell Biology, 2011. Kimura, E. T.; Baia, G. S. Rede ONSA e o Projeto Genoma Humano do Câncer: Contribuição ao Genoma

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CAPÍTULO 4

BANCO DE TUMORES Priscila Marques Moura de Leon, Fernanda Nedel, Tiago Collares Introdução Os avanços recentes em genômica, proteômica e a crescente demanda por estudos de validação de biomarcadores têm catalisado mudanças no cenário da pesquisa do câncer. Surge, assim, à necessidade do desenvolvimento de bancos de tecidos para a integração entre as pesquisas laboratoriais e a clínica. Por definição, um Banco de Tumores (BT) é uma coleção de amostras tumorais, que poderá ter abrangência nacional ou internacional, onde técnicos e patologistas coletam, catalogam, armazenam e disponibilizam amostras de tecidos, células tumorais e fluídos para a investigação fundamental e diferenciação tumoral. Derivados como DNA, RNA e proteínas também podem fazer parte deste BT, sendo utilizados na identificação de marcadores moleculares de diagnóstico, de prognóstico e indicadores de alvos terapêuticos, com isso, facilitando a descoberta de novas terapias e novas drogas.

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Geralmente as amostras são obtidas a partir de histopatologia e citologia em laboratórios de patologia médica, processos pelo qual a biópsia e o material cirúrgico são subemetidos para o diagnóstico e caracterização do tipo tumoral. Este banco de produtos biológicos também deve abranger tecidos normais, a fim de obter maiores conhecimentos na biopatologia do câncer. Estas amostras devem ser devidamente estocadas para fins científicos, sendo que a utilidade dos BT depende tanto da qualidade e da acessibilidade das amostras como da confiabilidade e da extensão das informações que são armazenadas com elas. Patologistas e biologistas moleculares realizam estudos através de BT com o objetivo de orientar o clínico na avaliação do paciente. Este material biológico disponível e caracterizado, juntamente com as informações clínicas dos pacientes, fornecem um retrato integrado dos pacientes e suas doenças, possibilitando avanços na biologia molecular. O uso de terapias que atingem apenas as células neoplásicas e a identificação de marcadores moleculares, capazes de distinguir pacientes sensíveis de resistentes à terapia de primeira eleição, são resultados da criação e pesquisa com BT. Este capítulo tem como objetivo descrever os princípios fundamentais e organizacionais de Banco de Tumores, discutindo a coleta e armazenagem do material biológico, a obtenção e organização dos dados clínicos, assim como os avanços científicos obtidos através destes. 88


Objetivo dos Bancos de Tumores O objetivo principal da formação de um BT é facilitar a investigação na área de oncologia, no sentido de se obter melhor classificação tumoral e o diagnóstico correto, facilitando a descoberta de novas ações terapêuticas e novos fármacos. Um BT, com protocolo e organização eficiente, permite que investigadores possam armazenar e acessar amostras de tecido tumoral em condições ideais para a pesquisa e recuperara os dados destes pacientes. Essa organização sistemática de informações permite o desenvolvimento de pesquisas com conclusões científicas sólidas. BT contribuem para a investigação translacional, ou seja, promovem maior e melhor integração entre clínicos e investigadores, com a aplicação prática das descobertas científicas. Dois princípios são fundamentais para a excelência na investigação básica e clínica: 1) a precisão das informações clínicas e evolução dos pacientes tratados; 2) a qualidade de amostras tumorais, permitindo análises de anormalidades moleculares envolvidos com o desenvolvimento e a progressão neoplásica. A relação entre a classificação patológica minuciosa dos tumores com os dados clínicos retrospectivos e prospectivos permitem compreender 89


os efeitos de exposições ambientais e elaborar medidas preventivas, redefinindo grupos patológicos e grupos de prognóstico. A identificação de um tumor ou um marcador biológico permite uma melhor compreensão da patologia, o diagnóstico, indicadores de prognóstico, a terapêutica mais adequada e potencial de recidiva. Por exemplo, o HER-2, oncogene amplamente estudado na diferenciação tumoral, foi identificado como o maior fator preditivo de resposta à imunoterapia com Trastuzumab (Herceptin®) no câncer de mama. Banco Nacional de Tumores Em maio de 2005 foi inaugurado o Banco Nacional de Tumores e DNA (BNT), que é resultado de iniciativas da Coordenação Geral Técnico-Científica do Instituto Nacional de Câncer (INCA) com o apoio financeiro da Swiss Bridge Foundation e FINEP. O BNT tem como objetivo organizar uma rede brasileira para a coleta de amostras tumorais e pareadas normais, além de sangue de pacientes portadores dos tumores mais prevalentes no país. Com a Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO), em 2005, todo o empenho foi dado na promoção de ações integradas do Governo, Sociedade Civil e Científica, para reconhecer o câncer como problema de saúde pública e estruturar a realização das

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ações para o seu controle no Brasil por meio da Rede de Atenção Oncológica. Atualmente, o Brasil possui três BT principais que armazenam amostras tumorais de diversos tipos de câncer: 1) Banco Nacional de Tumores e DNA do Instituto Nacional do Câncer – INCA; 2) Biobanco do Hospital do Câncer AC Camargo; 3) Banco de Tumores do Hospital do Câncer de Barretos ligado a UNESP de São José do Rio Preto. Subsequentemente são inauguradas unidades colaboradoras desta rede, inaugurando o Banco de Tumores do Hospital de Clínicas ligado a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP-USP); o Banco de Tumores e DNA do Maranhão (BTMA), junto ao Hospital Universitário - Unidades Presidente Dutra e Materno Infantil; entre outras. O Instituto Brasileiro de Pesquisa em Câncer (IBPC) criou um Banco de Tumores com o objetivo de melhorar e harmonizar a revisão da histologia em estudos clínicos do IBPC oferecendo franco suporte logístico na coleta e armazenamento de blocos de parafina/lâminas, formas patológicas e imagens digitais. Este BT também dará suporte à pesquisa translacional no contexto de estudos do IBPC, possibilitando um rápido acesso a informações (via website do Banco de Tumores Virtual) e a tecidos tumorais necessários para estudos paralelos. Em junho de 2011, o BNT possuía 31.249 amostras provenientes de 7.031 doadores. Os principais tipos de câncer são: tumor de mama, com 4.955 91


amostras; de endométrio, com 1.162 amostras; e de laringe (n=803). Outros tipos tumorais significativos são: língua (n=593), rim (n=589), tireóide (n=575), estômago (n=553), pulmão (n=1.025) e ovário (n=502). Pesquisas realizadas com o material proveniente do BNT têm permitido a evolução da oncologia brasileira. Um exemplo é o estudado de Reis et al. (2011) que utilizou amostras provenientes do INCA para verificar os fatores determinantes no tratamento de Leucemia Mielóide Crônica (LMC). Os resultados mostraram que a expressão de Survivina e de Pglicoproteína está relacionada com a progressão da LMC e poderá fornecer um importante alvo no desenvolvimento de novas terapias. Analisando 1.020 casos de câncer cervical, provenientes do BNT, Renni et al. (2011) observaram que a presença de eventos tromboembólicos é indicativo da gravidade e do mau prognóstico neste tipo tumoral. Ética em Banco de tumores Cada país define as regras necessárias para proteger os seus cidadãos, sendo que são poucos os países, incluindo a Islândia e a Suécia, que possuem leis especificamente relacionadas com bancos de tumores. Os princípios básicos que BT devem obedecer são: 1) proteger os interesses dos doadores; 2) dar aos pacientes informações completas sobre o projeto de 92


pesquisa translacional desenvolvido; 3) defender e garantir o equilíbrio entre os interesses da ciência e dos doadores; 4) proibir o uso comercial de tecido humano. Além disso, todos os projetos de pesquisa devem ser avaliados e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Nos ensaios clínicos devem ser respeitados os princípios éticos, assim como, é vetado que os projetos de investigação causem mudanças no tratamento ou orientação do paciente. No Brasil, as questões éticas relacionadas com as atividades de pesquisa envolvendo seres humanos são regidas pelas Diretrizes e Normas para Pesquisa em Seres Humanos, introduzida pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A Resolução 347/05 regulamenta o armazenamento e utilização de material biológico humano para fins de investigação. De acordo com a Resolução 196/96, o devido respeito à dignidade humana exige que toda pesquisa seja realizada após o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos pacientes. O paciente deve assinar um formulário concordando que o material pode ser incluído ao BT, e quando este material fará parte de um estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa o paciente deve ser consultado e deve assinar um formulário adicional referente ao estudo. Nos casos em que é impossível obter o consentimento do paciente, como em caso de óbito, esse fato deve ser documentado junto ao parecer do Comitê de Ética em Pesquisa.

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Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) No momento em que o paciente é encaminhado para um procedimento cirúrgico, seja ele diagnóstico ou terapêutico, ele é convidado a doar parte do tumor. No entanto, os pacientes deverão receber informações completas e adequadas no que diz respeito ao projeto de pesquisa translacional (objetivos, armazenamento, proteção a dados, aspectos voluntários, sistema de aprovação, etc.). A coleta de material excedente é autorizada pelo paciente após esclarecimentos, e sua identidade deverá ser preservada. Em maio de 1999, o Intergroup Specimen Banking Comitte (ISBC) definiu três níveis de Consentimento: 1) o Consentimento de Investigação Oncológica; 2) Consentimento de Investigação Médica Geral; 3) Consentimento para contato futuro com o paciente para acompanhamento. O Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) que é uma das maiores organizações de pesquisa clínica oncológicas nos Estados Unidos, que aderiu a estas três propostas de consentimento informado. Após analisar 7.000 pacientes quanto aos consentimentos no ECOG, foi observado 93,7% de autorização nesta forma detalhada de consentimento, concluindo que existe alta taxa de autorização para o uso futuro de amostras que foram utilizadas em ensaios clínicos e em pesquisa oncológicas.

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No BT do IBPC modelos padronizados de Ficha de Informações do Paciente são utilizados para o Consentimento Informado. No caso de projeto de pesquisa translacional que seja parte opcional de um estudo clínico prospectivo, o paciente consentirá na realização do estudo clínico e, em um formulário de consentimento separado é utilizado na realização de pesquisa translacional em tecido. No caso de projeto de pesquisa translacional que seja parte obrigatória de um estudo clínico prospectivo, o paciente consentirá conjuntamente na realização do estudo clínico e da pesquisa translacional em tecido. Nos casos em que o material já tenha sido coletado, mas não haja consentimento para sua utilização futura, o paciente deverá ser consultado. Em casos em que o contato não é possível o projeto deverá sofrer um processo de revisão ética e científica para utilização da amostra. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deve informar aos doadores que os resultados obtidos através da utilização de material biológico podem acarretar na aquisição de direitos de propriedade intelectual por parte do BT. Outro ponto salientado no consentimento informado é que os pacientes não receberão qualquer retorno financeiro. Organograma de Banco de tumores

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Os médicos patologistas desempenham um papel fundamental nestes bancos, já que, são estes profissionais que fazem a coleta e a catalogação de todo o material, mantendo a vitalidade do banco. No entanto, o grupo de trabalho deve ser multidisciplinar incluindo, além de Patologistas, Médicos Clínicos e Cirurgiões, Enfermeiros, Epidemiologistas, Pesquisadores, Biologistas Moleculares, Assistentes de Sistemas, Juristas, Técnicos de Anatomia Patológica e outros técnicos de saúde. O Diretor do BT é responsável pela forma de manter confidencial e assegurar o acesso ao material para necessidades diagnósticas, científicas e legais. Infraestrutura de Banco de Tumores Os requisitos mínimos para o funcionamento de um banco de tumores devem permitir a processamento, congelamento e estocagem das amostras, assim como uma infraestrutura adequada para coleta e organização do banco de dados. Também são necessários equipamentos e materias para a posterior extração de DNA e RNA. Um BT precisa de uma área destinada ao processamento e preparação das amostras para a estocagem. Para o armazenamento de amostras é necessário: botijão de nitrogênio líquido e ultrafreezer a -80 °C. Portanto, é preciso um espaço físico adequado, 96


um ambiente climatizado e caixas e tubos resistentes ao congelamento para serem utilizados na estocagem das amostras. Para as análises moleculares, os tecidos devem ser armazendos em RNAlater® para posteriormente proceder a extração de RNA. Para o banco de dados, o BT requer um espaço para os equipamentos de informática como computadores e impressoras, que serão utilizados para a coleta e organização dos dados epidemiológicos e clínicos. Ainda, um sistema de contabilidade contínua é essencial, pois é preciso controlar os levantamentos e as inclusões de amostras. Informatização de Banco de Tumores A Informática facilita o registro de pacientes, acompanhamento de amostras, a catalogação dos tecidos, garantindo a qualidade e a disponibilidade das amostras. Os registros no sistema informatizado devem ser elaborados e mantidos em formato padrão e comum a todas as instituições participantes. Os registros devem ser acessíveis por um longo período de tempo e divulgados entre os BT colaboradores. A capacidade dos bancos de dados para organizar e apresentar informações desejadas também pode auxiliar no rastreamento de Consentimento Livre e Esclarecido, assim como, gerar relatórios para solicitações

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específicas de pesquisadores mostrando a disponibilidade de amostras. No BNT, uma plataforma de bioinformática foi especialmente desenvolvida para atender a organização e o armazenamento de dados desta rede. A equipe do BNT desenvolveu protocolos de coleta, armazenamento e transporte das amostras que garantem ao pesquisador o controle de qualidade total para as pesquisas na área de genômica e proteômica. O sistema informatizado de um BT deve ser impecável, a fim de permitir a entrada de dados de forma eficiente, realizar consultas e relatórios, assim como, permitir a rápida implantação de novos serviços. Um BT coordena uma rede de coleções de amostras que devem ser bem documentadas e padronizadas, que podem ser introduzidas em um Banco de Tumores Virtual. Banco de Tumores Virtual Banco de Tumores Virtual são bases de dados com imagens da microscópia patológica de amostras armazenadas em um BT. Os Bancos de dados podem ser configurados para incluir em uma rede de BT de diferentes centros médicos. As imagens poderão ser acompanhadas por um conjunto anônimo de dados individuais, incluindo: o sexo do paciente, idade, exposições ambientais, local do tumor, estágio e 98


diagnóstico histológico, evolução da doença e evolução da resposta à terapia. Esta aplicação permite que pesquisadores possam buscar o conteúdo de um BT sem a manipulação das amostras. O uso de Banco de Tumores Virtual torna possível selecionar as amostras adequadas para determinado experimento, e simplifica o planejamento de esforços colaborativos. Por exemplo, amostras de um mesmo tipo tumoral podem ser selecionadas em vários bancos de dados para inclusão nos estudos em grande escala, como na análise de microsséries de tecido, para determinar o valor do padrão prognóstico de certos tipos de tumorais. Um banco de tumores virtual foi desenvolvido no centro de dados da Organização Européia de Pesquisa e Tratamento de Câncer - European Organisation for Research and Treatment of Cancer (EORTC). Este projeto, chamado de Tubafrost, foi financiado pela Comissão Europeia - European Commission – que tem como objetivo a criação de um Banco de Tumores Virtual que dá acesso às coleções de amostras de tecidos congelados em dez grandes centros oncológicos europeus. Além de colaborar na pesquisa, a microscopia virtual do Tubafrost auxilia o diagnóstico patológico de amostras com classificação incomum. O BT do IBPC tem por objetivo desenvolver um website do Banco de Tumores Virtual on-line onde os patologistas e pesquisadores podem acessar as informações a respeito de diagnósticos locais e de revisão, local da doença, etc; acessar as informações a respeito do material (corantes, tipo de tumor, fixação, 99


localização atual, etc.); permitindo a coleta on-line de imagens digitais, informações relacionadas a material e formulários patológicos. Redes Cooperativas de Banco de Tumores Amostras incluídas em estudos cooperativos inter-hospitalares favorecem a cooperação entre centros de pesquisa oncológica. O Banco de Tecidos para investigação deve ser independente do armazenamento de tecidos no departamento de anatomia patológica onde está integrado. No entanto, por norma, seguem protocolos semelhantes devido a exigências de qualidade de prática laboratorial e diagnóstica. Uma rede de BT deve ser organizada para garantir o uso adequado e responsável dos materiais biológicos. O National Cancer Research Institute (NCRI) é responsável por uma rede de pesquisa de câncer do Reino Unido, que promove a cooperação na pesquisa do câncer entre 22 organizações para o benefício de pacientes, do público e da comunidade científica. O NCRI mantém o Cancer Research Database, organiza uma conferência anual internacional, desenvolve iniciativas sobre temas específicos (como por exemplo, programas prevenção ao câncer), auxilia na coordenação de ensaios clínicos e pesquisas médicas e desenvolve instalações e recursos para a pesquisa. O 100


English National Translational Cancer Research Network (NTRAC) é uma entidade reguladora, que coordena o trabalho de pesquisa. Representantes do Brasil e de mais seis países da América Latina, além da Itália, consolidaram a criação da Rede Latino-Americana de Bancos de Tumores. Os primeiros países a integrar a parceria são: México, Cuba, Equador, Uruguai, Colômbia e Venezuela. Uma das principais vantagens de um banco latino-americano de tumores é a possibilidade de estudar características "regionalizadas" dos cânceres. Para isso todos os países interligados devem usar os mesmos protocolos e padronizar as formas de coleta e de armazenamento dos tumores para manter um padrão de qualidade e facilitar o intercâmbio de amostras. Procedimentos em Banco de Tumores Catalogação A catalogação consiste na informatização dos dados clínicos mínimos e indispensáveis para registo da doença e do material biológico respectivo, mantendo o anonimato do dador (confidencialidade) e tendo o prévio consentimento informado do paciente por escrito (ou do representa legal). É imperativo armazenar informações básicas dos pacientes e suas doenças para fazer um BT útil para a ciência. Estas informações pessoais e clínicas devem ser 101


registradas e ser facilmente recuperadas quando necessário. As informações fundamentais pessoais são: sexo, idade e exposição a fatores ambientais. Quanto as informações clínicas é imprencidível registrar: o diagnóstico clínico e histopatológico, a classificação de tumores malígnos, a especificação sobre a ocorrência de um tumor primário, metastático ou recorrente, informações relacionadas a um tratamento prévio, o tipo de amostras coletadas, informações pós-cirurgicas e resultados do tratamento. Quadro 1. Informações pessoais, clínicas epidemiológicas coletadas de cada doador.

e

1. Dados de Identificação do doador da amostra: a. Hospital b. Código local de acesso c.Ano de nascimento d. Gênero 2. Dados recolhidos no Serviço de Anatomia Patológica: a. Data do estudo morfológico b. Hora de início da intervenção c.Hora de ingresso no Serviço de Anatomia Patológica d. Localização anatômica do processo neoplásico e. Diagnóstico anatomopatológico completo: Grau histológico e Estagio f. Tumor primário ou recidivo g. Material disponível h. Estudo anatômico 3. Outros dados: a. Se material está infectado com agentes de alta contagiosidade (como HIV, hepatites B e C) b. Antecedentes de tratamento: quimioterapia ou 102


Coleta das amostras A coleta é efetuada após cirurgias e biopsias, no material enviado para os Serviços de Anatomia Patológica. O médico responsável pela cirurgia também é responsável pela coleta do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No transporte as amostras de peças cirúrgicas devem ser bem acondicionadas, acompanhadas de requisição, com a hora da coleta e o consentimento do paciente. A coleta do tecido tumoral e de tecidos não-neoplásicos adjacentes devem ser realizadas em ambiente asséptico. O primeiro e segundo fragmentos retirados servirão para o diagnóstico patológico, enquanto que o terceiro fragmento é armazenado para ser incluído no BT. O tecido poderá ser fixado em formol ou/e parafina, e a forma de fixação deverá ser devidamente identificada. A equipe técnica deve realizar uma avaliação preliminar do material por meio de palpação direta nas áreas representativas do tumor. Em seguida, os fragmentos são removidos para fornecer material para estudos patológicos e genéticos. A coleta dos fragmentos para o banco de tecidos neoplásicos é realizada com bisturi, retirando-o de áreas representativas do tecido, que são rotuladas com um código de identificação. As amostras a serem armazenadas em um BT devem ter tamanho mínimo de 0,5 x 0,5 x 0,3 cm. O preenchimento dos dados de identificação do doador e de identificação da amostra de tecido é da exclusiva responsabilidade da equipe técnica. 103


Para verificar a qualidade e representatividade da amostra coletada para um BT é necessário uma avaliação histológica a fim de comprovar a presença de células neoplásicas. O fragmento fixado em formol e incluído em Paraplast® é a melhor solução para este problema. Um slide deve ser cortado em criostato e corado por hematoxilina/eosina para verificar a presença de quantidade de tumor representada nesse fragmento de tecido específico. Um problema frequente é a existência de mais de um padrão neoplásico no tumor, nestes casos fragmentos de cada padrão patológico devem ser coletados e catalogados. Outras amostras como sangue e urina devem ser coletadas por enfermeiros da equipe. O sangue deverá ser coletado e mantido em tubos com EDTA, e estas amostras devem ser rotuladas e estocadas a – 80°C. A fim de manter a qualidade do material biológico coletado, as amostras não devem permanecer mais de 30 minutos sem condições ideais de armazenamento, para evitar a degradação do material genético (DNA, RNA e proteínas). Um aspecto de destaque na coleta e processamento das amostras é a Biossegurança. O procedimento recomendado é que a equipe deve tratar todos os materiais biológicos como se fossem contaminados, uma vez que existem riscos inerentes à manipulação de amostras biológicas, que podem ser infectadas por patógenos, como o vírus do HIV e hepatites B e C. 104


Armazenamento de amostras Os materiais biológicos são armazenados por criopreservação, em ultrafreezer -80°C ou em nitrogênio líquido, e em blocos de parafina. A criopreservação tem como vantagens: permitir estudos morfológicos de alta qualidade, análises moleculares, imunohistoquímica e citogenéticas e permitir a extração de DNA e RNA. No entanto, a criopreservação é mais dispendiosa que a preservação em parafina. Após a remoção cirurgica, o tecido fresco é imediatamente colocado em nitrogênio líquido ou gelo seco e em tubo contendo RNAlater® (solução que preserva o material genético dos tecidos por um longo período), que é então armazenado a -80°C. O ultrafreezer deve estar localizado em uma sala especialmente projetada, onde a temperatura do congelador é controlada 24 horas por um sistema informatizado. Além disso, um gerador deve ser instalado para fornecer enregiaao equipamento em caso de queda de luz. Em relação ao armazenamento dos tumores, há vantagens e desvantagens em manter as amostras em ultrafreezer a -80 ° C e congelamento em nitrogênio líquido. Os benefícios do ultrafreezer -80°C são: a capacidade de armazenar cerca de 15 mil tubos Eppendorf de 2 mL, com acesso fácil e menor necessidade de infra-estrutura. As desvantagens são: o custo elevado, a fragilidade do equipamento e sua dependência da energia. Para resolver este problema, existem backups em nitrogênio líquido quando ocorre 105


falta de energia, porém somente por um curto período de tempo. O armazenamento em nitrogênio líquido torna o acesso as amostras mais difícil e requer manutenção constante do nível de nitrogênio. As vantagens são a preservação de -170°C e independência de energia. Além disso, o armazenamento de amostras em nitrogênio líquido permite a realização de estudos morfológicos de alta qualidade e estudos de microscopia eletrônica, a realização de culturas de células, porém dificulta exame microscópico posterior ao descongelamento. Quadro 2. Comparação no armazenamento de amostras por criopreservação e blocos de parafina. •

Criopreservação

Vantagens: - Estudos morfológicos de alta qualidade - Permite a extração de DNA e RNA - Análises moleculares e imunohistoquímica

Blocos de parafina

Vantagens: - Permite estudos histológicos - Permite a extração de DNA - Técnica menos dispendiosa

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Banco de Células Tumorais Linhagens de células caracterizadas são de grande importância em pesquisa aplicada a biologia celular, molecular e médica. Tanto para conclusões no diagnóstico como evoluções na terapêutica contra o câncer. O Banco de Células Tumorais é construído a partir de amostras de tecidos de diferentes tipos de tumores malignos. As amostras são transferidas para cultivo primário in vitro, seguindo as normas e diretrizes da American Type Culture Collection – ATCC. As células resultantes são caracterizadas a fim de assegurar a histogênese do tumor original, em seguida estas células são armazenadas em nitrogênio líquido. As culturas de células são caracterizadas morfologicamente em microscopia de contraste de fase, e por métodos de imunocitoquímica, como pelo Complexo Avidina- biotina (ABC). Disponibilidade de dados Todo o material deverá ser disponível para os investigadores do BT, da instituição, rede ou redes em que os integra. Assim como, os dados resultantes das investigações efetuadas com base nos dados e materiais do BT deveram estar disponíveis, em rede virtual com a finalidade de aplicação e avanço do conhecimento científico. Deve ser esclarecido que os benefícios oferecidos pela pesquisa em BT com tecidos humanos geram complexas questões éticas e todas as 107


informações fornecidas devem ser mantidas de uma forma a garantir o anonimato do doador. Controle de Qualidade Um BT deve ter um grande número de amostras, o suficiente para a conclusão e validação de qualquer tipo de protocolo, porém o aspecto mais importante é a qualidade do material armazenado. O diagnóstico patológico final deverá ser baseado em revisão feita por um patologista experiente na doença específica. Este procedimento visa não só uma garantia de qualidade, como também visa assegurar o nível de confiança no diagnóstico patológico. Os Patologistas devem estar envolvidos nos exames de controle de qualidade dos tecidos estocados. Uma auditoria externa é necessária para garantir a adequação e controle de qualidade para BT.

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Quadro 3. Funcionamento geral de Banco de Tumores. 1. Ação coordenada entre Hospitais Credenciados e a Equipe de trabalho do Banco de Tumores; 2. Processamento das amostras: a. Transporte imediato dos tecidos para a Anatomia Patológica; b. Seleção de fragmentos representativos de tecido neoplásico e não neoplásico; c.Identificação das amostras; d. Fixação e processamento para armazenagem de tecido em Blocos de Parafina; e. Processamento para o congelamento das amostras em ultrafreezer e em nitrogênio líquido; f. Conservação de tecido em RNAlater® para posterior análises moleculares; g. Conservação do tecido fixado e do tecido congelado; h. Congelamento de outras amostras (sangue e urina) em ultrafreezer; i. Registro de dados pessoais, clínicos e epidemiológicos; 3. A avaliação de um Banco de Tumores é baseada em 3 tipos de protocolos: I. Protocolo de âmbito Clínico – diagnóstico realizado por patologista através de protocolos padronizados a fim de obter veracidade no diagnóstico;

Conclusão Compreender o câncer a nível molecular é um passo importante para a identificação de novos marcadores de diagnóstico e prognóstico, criando a oportunidade de desenvolver novas terapias-alvo. O 109


conhecimento da biologia do câncer atingiu níveis inesperados nas últimas décadas, mas esse conhecimento ainda não teve o impacto no tratamento que os profissionais e os pacientes desejam. Por esta razão, é de grande importância médica-científica a criação de coleções de tumor em boas condições de armazenamento. Um BT é um instrumento de grande ajuda para a pesquisa científica, pois através da análise dessas amostras, o pesquisador pode compreender melhor a biopatologia do câncer, aprimorando o diagnóstico, prognóstico, tratamento e profilaxia. Um BT bem organizado e estruturado facilita e possibilita descobertas da pesquisa básica que pode melhorar a saúde da população. O BT deve avançar qualitativamente em potencial, recursos e qualidade dos arquivos tradicionais de anatomia patológica. Ágeis e dinâmicos, os BT funcionam de forma multidisciplinar para alcançar seu objetivo, a transferência dos resultados da ciência para prática clínica. É evidente que os estudos de colaboração entre centros nacionais e internacionais são produtivos e benéficos, para isso é necessário à criação de redes de colaboração e de normas comuns para a troca de informações. Os dados obtidos a partir dos dados genéticos e biológicos desses estudos, bem como as repercussões sociais e legais, não devem ser subestimados. Portanto, o quadro ético e legislativo que regulamenta BT deve ser desenvolvido garantindo os direitos fundamentais dos indivíduos, procurando equilibrar a proteção dos 110


pacientes com os interesses do desenvolvimento cientĂ­fico.

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Leituras recomendadas Alimena, L. J. M.; Jesus-Garcia, F. R.; Toledo, S. R. C.; Alves, M. T. S.; Petrilli, A. S.; De Luca Junior, G. Protocolo de um banco de tecidos neoplásicos. Revista Brasileira de Ortopedia, v. 43, p. 53-58, 2008. Carvalho, L.; Bernardo, M. T.; Tavares, M.; Cotovio, P.; Mação, P.; Oliveira, C. Banco de tumores: Imperativo na Medicina. Acta Médica Portuguesa, v. 20, p. 325-333, 2007. Grizzle, W. E.; Aamodt, R.; Clausen, K.; Livolsi, V.; Pretlow, T. G.; Qualman, S. Providing human tissues for research: how to establish a program. Archives of Pathology & Laboratory Medicine, v. 122, p. 1065-1076 . 1998. Disponível em: http://findarticles.com/p/articles/mi_qa3725/is_1 99812/ai_n8810400 Acesso em: 5/05/2011. Instituto Nacional de Câncer- INCA. Disponível em: http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=10 94 Acessado em: 5/05/2011. Malone, T.; Catalano, P. J.; O’dwyer, P. J.; Giantonio, B. High Rate of Consent to Bank Biologic Samples for Future Research: The Eastern Cooperative Oncology Group Experience. Journal of the National Cancer Institute, v. 94, 2002. 112


Morente, M. The CNIO Tumour Bank Network. Spain: Centro Nacional de Investigaciones Oncológicas, c2000. Disponível em: https://www.cnio.es/ing/grupos/plantillas/present acion.asp?pag=529 Acessado em: 5/05/2011. Morente, M. Tissue banks: who decides what is ethical? European Journal of Cancer, v. 40, p. 1-5, 2004. Oosterhuis, J. W.; Coebergh, J. W.; Van Veen, E. B.; Tumour banks: well-guarded treasures in the interest of pacients. Nature Reviews Cancer, v. 3, p. 73-77, 2003. Reis, F. R.; Vasconcelos, F. C.; Pereira, D. l.; MoellmanCoelho, A.; Silva, K.L.; Maia, R. C. Survivin and Pglycoprotein are associated and highly expressed in late phase chronic myeloid leukemia. Oncology Reports, v. 26, p. 471-478, 2011. Reis, S. T.; Feitosa, E. B.; Pontes, J. J.; Marin, C. C.; Abe, D. K.; Crippa, A.; Antunes, A. A.; Nesrallah, A. J.; Oliveira, L. C.; Ribeiro-Filho, L. A.; Srougi, M.; Leite, K. R. M.; Dall’oglio, M. F. Tumor Banks: The Cornerstone of Basic Research in Urology. International Brazilian Journal of Urology, v. 36, p. 348-354, 2010. Renni, M. J.; Russomano, F. B.; Mathias, L. F.; Koch, H. A. Thromboembolic Event as a Prognostic Factor for the Survival of Patients With Stage IIIB Cervical 113


Cancer. International Journal of Gynecological Cancer, v. 21, p. 706-710, 2011. Teodorovic, I.; Therasse, P.; Spatz, A.; Isabelle, M.; Oosterhuis, W. Human tissue research: EORTC recommendations on its practical consequences. European Journal of Cancer, v. 39, p. 2256-2263, 2003.

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CAPÍTULO 5

IMUNONCOLOGIA Cristian Kaefer, Karine Begnini, Fabiana Seixas

Introdução Os grandes avanços na luta contra o câncer dependem, em parte, do seu diagnóstico precoce. Por conseguinte, marcadores biológicos que se manifestam antes do aparecimento da doença são muito procurados. Os auto-anticorpos são um grupo de marcadores biológicos em potencial que possuem especificidade para antígenos associados a tumor (TAAs). Desde as primeiras identificações sorológicas feitas em soro de pacientes com melanoma, em 1977, houve um aumento no número de relatos de TAAs e seus respectivos auto-anticorpos em pacientes com câncer. Muitos dos marcadores sorológicos conhecidos, como o antígeno carcinoembrionário (CEA) de câncer de cólon, a alfa-fetoproteína (AFP) para câncer de fígado, o 115


antígeno prostático específico de câncer de próstata, o antígeno CA19-9 para o câncer gastrointestinal e o CA125 para o câncer de ovário, carecem de especificidade e sensibilidade suficientes para uso no diagnóstico precoce do câncer. A resposta imune para os TAAs ocorre já nos estágios iniciais da tumorigênese, o que é comprovado pela detecção de altos títulos de autoanticorpos em pacientes com câncer em estágio precoce. A resposta imune para TAAs também tem sido correlacionada com a progressão da transformação maligna. Assim, a produção de auto-anticorpos pode ser detectada antes mesmo que sejam observados outros biomarcadores ou alterações fenotípicas, tornando estes anticopos indispensáveis para a detecção precoce do câncer. Além disso, os auto-anticorpos possuem várias características que os tornam valiosos biomarcadores em câncer. Em primeiro lugar, eles podem ser detectados na fase assintomática do câncer e, em alguns casos, podem ser detectados até mesmo 5 anos antes do aparecimento da doença. Em segundo lugar, eles são encontrados no soro dos pacientes, onde são facilmente acessíveis para coleta. Em terceiro lugar, os auto-anticorpos são estáveis e persistem no soro por um período de tempo relativamente longo (meia-vida de 7 dias), porque geralmente não são submetidos aos 116


tipos de proteólise observados em outros polipeptídeos. A sua persistência e estabilidade lhes dá uma vantagem sobre outros biomarcadores, incluindo os próprios TAAs, que são secretados transitoriamente e podem ser rapidamente degradados. Adicionalmente, os autoanticorpos estão presentes em concentrações muito superiores aos dos seus respectivos TAAs, devido a amplificação da resposta imunológica contra um único auto-antígeno. Consequentemente, eles são mais facilmente detectáveis do que seus TAAs correspondentes. Por último, a variedade de reagentes e técnicas disponíveis para detecção de anticorpos facilita o desenvolvimento de ensaios para os autoanticorpos. No entanto, os auto-anticorpos têm suas limitações. Um teste para um único auto-anticorpo não possui a sensibilidade e especificidade necessárias para o rastreamento e diagnóstico de câncer. Normalmente, um auto-anticorpo contra seu TAA particular é encontrados em apenas 10-30% dos pacientes. A razão para esta baixa sensibilidade reside na natureza heterogênea do câncer, no qual diferentes proteínas são anormalmente processadas ou reguladas em pacientes com um mesmo tipo de tumor. Alguns TAAs, como a p53, também estão presentes em diferentes tipos de tumor dificultando o diagnóstico específico de câncer. 117


Além disso, certos TAAs também podem ser inespecíficos, particularmente aqueles que também ocorrem em doenças auto-imunes, como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, artrite reumatóide, diabetes mellitus tipo 1 e doença tireoidiana auto-imune.

Antígenos tumorais Os antígenos tumorais podem ser livremente classificados em quatro grupos: (1) antígenos tumorais codificados por genes que estão ligados a tumorigênese (por exemplo, L-myc, c-myb, p21 ras, HER2/neu, ciclina B1, survivin, livin); (2) antígenos câncer-testiculares codificados por genes cuja expressão é restrita a tumores e células germinativas; (3) antígenos codificados por genes que são mutados em tumores (por exemplo, p53), e (4) antígenos codificados por genes cujos produtos proteicos exibem modificações pós-tranducionais aberrantes, como a glicosilação ou clivagem proteolítica (por exemplo, anexina I, calreticulina). A diversidade de antígenos tumorais pode indicar a existência de diferentes mecanismos de defesa baseados em auto-anticorpos. Apesar de antígenos 118


expressos na superfície de células tumorais serem facilmente acessíveis para a resposta imune, antígenos intracelulares podem se tornar imunogênicos como resultado de processos distintos associados com o desenvolvimento e progressão do tumor, incluindo a apoptose e inflamação, que afetam a apresentação do antígeno e promovem a resposta imune humoral. Até o momento não está claro por quê certas proteínas podem desencadear a produção de auto-anticorpos durante o desenvolvimento inicial do tumor e os mecanismos responsáveis pela indução da reação imunológica contra antígenos tumorais são pouco definidos. Para a maioria dos antígenos já identificados, poucos pacientes com um determinado tipo de tumor desenvolve uma resposta humoral a um antígeno específico. Os tumores apresentam uma heterogeneidade significativa com relação à expressão proteica, o que pode explicar parcialmente porque pode ocorrer uma resposta imune heterogênea a antígenos particulares. Outros fatores, tais como polimorfismos do complexo maior de histocompatibilidade (MHC), também podem influenciar a resposta imunológica contra um antígeno específico.

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Produção de auto-anticorpos A vigilância imunológica nas células cancerígenas é acionada para iniciar a destruição dos antígenos específicos ao tumor. Acredita-se que as proteínas autólogas de células tumorais, comumente referidas como TAAs, são alteradas de uma forma que as tornam imunogênicas. Estas proteínas podem ser expressas ou degradadas exageradamente, mutadas ou possuir erros de dobramento na medida em que as respostas imunes autoreativas dos pacientes com câncer são induzidas. Os TAAs que sofreram modificações póstraducionais (MPTs) podem ser percebidos como estranhos pelo sistema imunológico. A presença de MPTs (por exemplo, glicosilação, fosforilação, oxidação e clivagem proteolítica) pode induzir uma resposta imune, pela geração de um neo-epítopo ou ainda melhorando a apresentação e afinidade do epítopo pelo MHC ou pelas células T receptoras. A resposta contra esses epítopos imunogênicos TAAs induz a produção de anticorpos, que são utilizados como marcadores sorológicos para o câncer. Proteínas anormalmente localizadas na célula também podem desencadear uma resposta humoral. Por exemplo, a proteína quinase AMPc dependente (PKA) é uma proteína intracelular secretada em maior 120


quantidade e de maneira extracelular pelas células tumorais, o que a correlaciona com maiores concentrações de anticorpos contra ECPKA em soros de pacientes com câncer em comparação com os soros controle. Outro exemplo é a ciclina B1, que em células cancerosas é superexpressa e localizada no citosol, em vez de ser localizada no núcleo. Ainda que algumas das respostas imunológicas sejam capazes de reconhecer neo-antígenos encontrados apenas em tumores, a maioria dos anticorpos associados a tumores são dirigidos contra antígenos do próprio organismo que são aberrantemente expressos em células cancerosas (por exemplo HER2/neu, p53, e ras). As proteínas superexpressas parecem aumentar a carga antigênica e a produção de anticorpos em pacientes com câncer. Acredita-se que a imunogenicidade da p53, por exemplo, seja dada pela sua superexpressão, mutação do tipo missense e acúmulo no citoplasma e núcleo das células cancerígenas. Os antígenos câncer-testiculares (CTAs) que normalmente são encontrados apenas em células germinativas (em testículos e ovários embrionários, por exemplo), e as proteínas oncofetais que são aberrantemente expressas em vários tumores (por exemplo, MAGE, SSX2, NY-ESO-1 e p62) são também 121


TAAs bem conhecidos. CTAs e proteínas superexpressas podem concebivelmente superar a tolerância imunológica existente para as proteínas do próprio organismo. Mais de 40 famílias de genes CTAs são expressos em diferentes tipos de tumor. Muitas destas proteínas superexpressas que desencadeiam a resposta imune contribuem para os processos de carcinogênese e, portanto, são candidatos potenciais para ensaios clínicos utilizando vacinas contra o câncer. Não está totalmente elucidado como as modificações ocorridas nos antígenos são capazes de desencadear uma resposta humoral. Uma hipótese envolve a morte de células anormais do tumor, quando proteínas intracelulares modificadas são liberadas a partir das células lisada e são apresentadas ao sistema imunológico em um ambiente inflamatório. Ciclos repetidos de apoptose dessas células anormais pode levar à exposição persistente das proteínas intracelulares modificadas. A morte de células tumorais também libera proteases que poderiam gerar epítopos provocando uma resposta auto-imune. Outra hipótese é baseada na descoberta de que quando liberados durante a apoptose, alguns TAAs podem iniciar a migração de leucócitos e células dendríticas imaturas, interagindo com receptores específicos ligados à proteína G nessas células. Esta atividade quimiotática de 122


TAAs tecido-específicos pode alertar o sistema imunológico para sinais de perigo a partir de tecidos danificados e promover a reparação tecidual. TAAs que interagem com células dendríticas imaturas são imunogênicos e propensos a captura e apresentação ao sistema imune celular. Outras hipóteses têm sido propostas com relação às modificações imunogênicas específicas. Por exemplo, TAAs que possuem semelhança estrutural com antígenos heterólogos podem induzir uma resposta humoral, como resultado de mimetismo estrutural. Por sua vez, proteínas intracelulares que são realocadas para a superfície das células tumorais podem ser reconhecidas como estranhas, desencadeando uma resposta imune. A ligação de TAAs com proteínas de choque térmico também pode ter resultado imunogênico através das propriedades imunomodulatórias dessas proteínas. A presença de peptídeos associados a tumores no sangue também pode servir para desencadear respostas imunes, sendo estes peptídeos originados a partir de proteínas tumorais intracelularares, como exemplificado pela presença de fragmentos de calreticulina no soro de pacientes com câncer de fígado, ou de proteínas endógenas circulantes.

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Os auto-anticorpos dirigidos a estes TAAs podem servir como uma assinatura molecular inicial para diagnóstico e prognóstico de pacientes com câncer. A maioria dos auto-anticorpos encontrados no soro de pacientes com câncer têm como alvo proteínas celulares modificadas, que estão expressas ou localizadas anormalmente nas células. A identificação e caracterização funcional desses “repórteres” imunológicos ou “sentinelas” para os mecanismos celulares associados à tumorigênese ajudaria a descobrir os eventos iniciais da carcinogênese molecular.

Painéis TAA Embora a análise de um único autoantígeno ofereça sensibilidade e especificidade pouco adequadas, um painel de TAAs pode superar este problema permitindo que múltiplos auto-anticorpos sejam detectados simultaneamente. Por exemplo, autoanticorpos para um painel de dois TAAs (Koc e p62) tem sido usados para diferenciar pacientes com 10 tipos diferentes de câncer, e doenças auto-imunes, de indivíduos sadios. Usando um painel de sete TAAs (cmyc, p53, ciclina B, p62, Koc, survivin e IMP1), é possível 124


discriminar pacientes com câncer de mama, cólon, estômago, fígado, pulmão ou próstata, com sensibilidades de 77-92% e especificidade de 85 a 91%. A descoberta de painéis de TAAs imunorreativos e com alta especificidade e sensibilidade já nos estágios iniciais do câncer pode auxiliar na identificação de assinaturas de anticorpos que podem representar novos marcadores de diagnóstico. O repertório de TAAs pode também ser usado como marcador de progressão da doença, de acompanhamento da eficácia terapêutica, ou até mesmo como potenciais alvos terapêuticos.

Biotécnicas utilizadas para a identificação de autoanticorpos Os estudos iniciais com TAAs centraram-se em alguns antígenos de cada vez, usando técnicas como SDS-PAGE ou ELISA. O aperfeiçoamento de tecnologias, como o das plataformas proteômicas, permitiu a geração de painéis de TAAs que apresentam melhor valor diagnóstico do que um único TAA. Com os avanços na biotecnologia do câncer para a identificação dos auto-anticorpos, vários métodos de alto rendimento para descobrir anticorpos e TAAs têm se tornado cada vez mais bem definidos. 125


Cinco técnicas principais, englobando a triagem sorológica de bibliotecas de expressão de cDNA, bibliotecas de phage display, microarranjo de proteínas, western blot 2D e cromatografia de imunoafinidade 2D, podem ser utilizadas nesta área de investigação. Em contraste com a abordagem convencional de um ATT por vez, a característica comum desses métodos é que muitos TAAs podem ser descobertos concomitantemente. Assim, essas estratégias podem identificar painéis de TAAs de grande valor diagnóstico. Análise sorológica de bibliotecas de cDNA expressas (SEREX) A SEREX (Serological analysis of tumor antigens by recombinant cDNA expression cloning) é uma técnica desenvolvida em 1995 por Sahin e colaboradores, e que envolve a identificação de TAAs através da triagem sorológica do paciente contra uma biblioteca de expressão de cDNA construída a partir de tecidos de tumores autólogos (Fig.1) . Utilizando esta técnica, Sahin et al. mostrou que os CTAs são capazes de produzir uma resposta humoral em pacientes com câncer e um grande número de TAAs, associados a vários tipos de câncer, foram identificados utilizando este método. Mais de 2740 destes antígenos são documentados em um banco de dados online de acesso público conhecido 126


como Cancer Immunome Database – CID (http://ludwigsun5.unil.ch/CancerImmunomeDB/). A aplicação da SEREX tem facilitado a identificação de biomarcadores em potencial para vários tipos de câncer, incluindo pulmão, fígado, mama, próstata, ovário, rim, cabeça e pescoço, esôfago, leucemia e melanoma. Os painéis de antígenos tumorais definidos no Serex inclui CTAs (como NY-ESO-1, SSX2, MAGE), antígenos mutantes (por exemplo p53), antígenos de diferenciação (como a tirosinase, SOX2, ZIC2) e proteínas embrionárias. Embora muitos desses TAAs sejam marcadores sorológicos em potencial, muitos deles ainda possuem baixa sensibilidade. Como discutido anteriormente, a combinação de vários antígenos em um mesmo painel aumentaria consideravelmente a sensibilidade deste teste. Há, no entanto, algumas limitações no uso da Serex. Primeiro, os TAAs identificados são principalmente epítopos lineares e tendem a ser produtos de genes que podem ser expressos por bactérias. Segundo, há uma maior tendência de detecção de antígenos que são altamente expressos nos tecidos tumorais utilizados para gerar as bibliotecas de cDNA. Assim, a superexpressão dos antígenos é muitas vezes responsável por sua imunogenicidade detectada pelo SEREX. Por exemplo, auto-anticorpos para CTAs, 127


que normalmente estão restritos às células germinativas primitivas mas estão superexpressos nos tecidos tumorais, têm sido freqüentemente detectados pela técnica, enquanto que TAAs que estão em baixa abundância não são detectados pelo teste. Em terceiro lugar, devido à necessidade de construção de bibliotecas de cDNA para realizar a clonagem em vetores de expressão e a necessidade posterior de selecionar um grande pool de clones, a SEREX torna-se demorada, trabalhosa e não passível de automação. Assim, esta abordagem não é aplicável para a análise de alto rendimento de um grande número de amostras de soro. Por fim, modificações pós-traducionais não podem ser detectadas por SEREX, dificultando seu uso em clínica. Melhorias nesta técnica tem sido estudadas para facilitar a identificação dos TAAs. Um dos aperfeiçoamentos envolve a seleção de bibliotecas de cDNA com soro alogênico e soro autólogo, visando a eliminação de resultados falso-positivos causados por antígenos não específicos ao câncer mas específicos do paciente. Como as bibliotecas de expressão de cDNA são construídas a partir de uma amostra de tecido de apenas um tumor, a Serex se limita a identificar TAAs do tumor de um paciente. Devido à heterogeneidade de genes em diferentes tipos de células nos tecidos 128


tumorais, alguns grupos têm utilizado linhagens celulares já estabelecidas como fonte de cDNA para a Serex. Phage display e sistemas de expressão eucarióticos também têm sido utilizados para a construção de bibliotecas de cDNA de expressão, visando melhorias na técnica.

Figura 1 – Etapas da técnica SEREX. Adaptado de Chen et. al, 2005.

Phage display No método Phage display (exposição de biomoléculas em fagos), uma biblioteca de cDNA phage display é construída utilizando tecido tumoral ou 129


linhagem celular cancerígena. Peptídeos do tumor ou da linhagem celular são expressos fundidos a proteínas do fago e são exibidos na superfície deste. Esta característica do método permite um screening menos trabalhoso durante a seleção biológica e com custos reduzidos. TAAs para cânceres de próstata e de ovário, entre outros, foram identificados por esta técnica. Algumas ressalvas associadas a ela incluem: a necessidade de sequenciar cada clone de fago imunorreativo e a exclusão de epítopos conformacionais de antígenos nativos. Este método também exclui as proteínas que não podem ser exibidas na superfície de fagos. Embora este método seja de maior rendimento do que o SEREX, antígenos com modificações póstraducionais (por exemplo, antígenos glicosilados) também não podem ser detectados. Clones de fagos que se ligam especificamente ao soro de pacientes com câncer são selecionados através de biopanning, uma seleção biológica diferenciada. Na primeira fase do biopanning, grânulos de proteína-G são incubados com pool de soro normal. Os grânulos de proteína-G ligados com IgGs são então incubados com o fago expressando os peptídeos tumorais ou incubados com uma biblioteca de cDNA derivada de linhagem de celular tumoral. Os clones de fagos que se ligam são excluídos da próxima rodada de seleção porque eles 130


reagem com soro normal (Fig. 2). Na segunda fase da seleção, grânulos de IgG+proteína são incubadas com soros provenientes de pacientes com câncer. Grânulos de IgG+proteína ligados com novos IgGs são incubados com a mesma biblioteca de cDNA, com exceção dos fagos clones não específicos ao câncer que foram excluídos na primeira fase. Os fagos clones que se ligam às IgGs são eluídos e amplificados para a próxima rodada de seleção. Depois de repetitivas rodadas, os clones que se ligam especificamente ao soro oriundo de pacientes com câncer são obtidos e estes são, então, dispostos em lâminas de vidro ou membranas de nitrocelulose e sujeitos a mais exames sorológicos. Painéis de TAAs com sensibilidade e especificidade satisfatórias para câncer de ovário, câncer de próstata, carcinoma de pulmão de células não pequenas (NSCLC), câncer de mama e câncer colorectal (CRC) foram identificados desta maneira.

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Figura 2 – Processo de biopanning. Imobilização do alvo e incubação da biblioteca de fagos. Retirada dos fagos não ligados por lavagens sucessivas. Eluição dos fagos ligados e infecção de E. coli para amplificação dos fagos eluídos. Sequenciamento da população de fagos com maior afinidade pelo alvo. Adaptado de Konthur & Walter, 2002.

Recentes avanços nesta tecnologia permitiram a geração de microarrays de peptídeos e proteínas baseados em fagos para triagem sorológica com alto rendimento, identificando TAAs em grandes coortes de pacientes com câncer. Protein Microarray Os microarrays de proteína são ferramentas poderosas de alto rendimento para a seleção de auto132


anticorpos e TAAs. Proteínas purificadas ou recombinantes, peptídeos sintéticos, proteínas tumorais fracionadas ou lisados de células cancerosas são marcados sistematicamente em microarrays e então são incubadas com soros específicos (Fig. 3). A plataforma utilizada pode ser de duas dimensões (como lâminas de vidro, membranas de nitrocelulose e microplacas) ou de três dimensões (tais como beads e nanopartículas). Por causa de sua plataforma em miniatura, a quantidade de amostra e reagentes necessários é muito reduzida. A tecnologia de microarrays de proteínas permite a identificação de antígenos com modificações póstraducionais. Além disso, este método tem o potencial de detectar proteínas desconhecidas, como novos TAAs.

Figura 3 – Esquema representativo do Microarray de proteínas.

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Neste método, interações antígeno-anticorpo têm sido estudadas principalmente para identificar auto-anticorpos de pacientes com doenças auto-imunes e pacientes com câncer, como colorretal, mama, pulmão, estômago ovário, próstata, e hepato celular. Como a tecnologia de microarrays fornece análises diversificadas de diferentes proteínas, este método permite a identificação de assinaturas de TAAs para o desenvolvimento de diagnósticos e vacinas para câncer. No entanto, estudos utilizando esta técnica são prejudicados pela média vida das proteínas marcadas nas placas e pela dificuldade na purificação ou produção de proteínas alvo nativas. Para contornar isso, são preparados microarrays de proteínas naturais, onde invés de utilizar proteínas inteiras purificadas, são marcadas frações de proteínas, provenientes de lisados celulares cancerígenos, que foram separadas por algum método de fracionamento em fase líquida. Anticorpos contra Ubiquitina C-terminal Hidrolase L3 foram identificados em pacientes com câncer de cólon por fracionamento de lisado de células cancerosas em uma matriz de nitrocelulose. Da mesma forma, lisados proteicos de uma linhagens celulares podem ser fracionados através de cromatografia líquida multidimensional em um microarray revestido de nitrocelulose. 134


Com o avanço da tecnologia, as dificuldades associadas à produção de proteínas têm sido superadas, o que possibilitou a produção comercial de arranjos proteicos humanos. Um exemplo é o ProtoArray® Human Protein Microarray da Invitrogen, que é capaz de analisar mais de 80.000 antígenos recombinantes. Outros desafios que precisam ser superados incluem a exigência de bioinformática e softwares de estatística sofisticados, otimização das condições para a marcação dos antígenos e eliminação das modificações de epítopos antigênicos na superfície da matriz. O alto rendimento dos microarrays proteicos tem acelerado a descoberta de assinaturas de auto-anticorpos para identificação de novos marcadores de diagnóstico precoce, acompanhamento da progressão da doença e resposta ao tratamento, bem como o desenvolvimento de terapias individualizadas. Microarray de captura reversa O “Microarray de captura reversa”, um método baseado em ELISA sanduíche de duplo anticorpo. Lisados de células cancerosas ou lisadostumorais são incubados com matrizes de anticorpos comerciais de modo que cada antígeno seja imobilizado em um diferente ponto na sua configuração nativa. Enquanto isso, IgGs do paciente e controles são purificadas e 135


marcadas com diferentes corantes fluorescentes e, então, incubadas com microarrays ligados aos antígenos. Consequentemente, os auto-anticorpos que são tumor-específicos podem ser identificados (Fig. 4).

Figura 4 – Esquema representativo do Microarray de captura reversa. Anticorpos bem caracterizados, altamente específicos e de alta afinidade são marcados na superfície da matriz. Extratos de células contendo antígenos são, então, imobilizados pelos respectivos anticorpos marcados na matriz. Isto é seguido pela adição de auto-anticorpos marcados purificados a partir do soro de pacientes. Auto-anticorpos teste e controle são marcados com corantes fluorescentes diferentes, e a relação da fluorescência determina a abundância relativa de auto-anticorpos em uma dada amostra de soro. Adaptado de Qin et. al, 2006.

Esta técnica elimina a necessidade de proteínas recombinantes e permite a identificação instantânea de auto-anticorpos específicos ao câncer. Mais significativamente, esta plataforma permite a análise de 136


antígenos nativos. A triagem de soros de pacientes com câncer de próstata contra um array contendo 184 anticorpos permitiu a identifcação de 48 TAAs, incluindo Fator de von Willebrand, IgM, alfa1-antiquimotripsina, vilina, IgG, p53 e Myc. No entanto, apenas antígenos conhecidos com anticorpos comercialmente disponíveis podem ser analisados. Além disso, a imunorreatividade com antígenos modificados pós-traducionalmente não pode ser diferenciada, a menos que anticorpos que se ligam especificamente e exclusivamente a esses antígenos estejam disponíveis comercialmente.

Análise sorológica do proteoma (Serpa) Outra técnica comumente utilizada na prospecção de auto-anticorpos tumor-específicos é a Serpa (Serological proteome analysis) ou Proteomex. Ela é baseada em proteômica e envolve a descoberta de TAAs usando uma combinação de eletroforese 2D, Western blot e espectrometria de massa. As proteínas dos tecidos tumorais ou linhagens celulares são separadas por eletroforese 2D, transferidas para membranas por eletroblotting e, posteriormente, sondadas com o soro de indivíduos saudáveis ou de 137


pacientes com câncer. Os respectivos perfis imunorreativos são comparados e os spots antigênicos associados com câncer são identificados pelo espectrometro de massa. Klade et al. desenvolveram a técnica Serpa, e identificaram dois TAAs (alfa-SM22 e CAI) em pacientes com câncer renal. Também revelaram que vários membros da família do citoesqueleto (como citoqueratina 8, STMN1 e vimentina) são TAAs potencialmente capazes de distinguir diferentes subtipos de carcinomas renais dos tecidos normais do epitélio. A eletroforese 2D é, indiscutivelmente, uma técnica clássica para análise proteômica. As proteínas são primeiro separadas de acordo com seus pontos isoelétricos e, em seguida, de acordo com seus pesos moleculares. Apesar de haver algumas limitações, a eletroforese 2D ainda é o melhor método para a separação de alta resolução de uma mistura complexa de proteínas, e sua eficácia em distinguir as proteínas modificadas pós-traducionalmente e isoformas é indiscutível. Conseqüentemente, quando aliada com o Western blot para triagem sorológica, os autoanticorpos podem ser usados para detectar TAAs que sofreram modificações pós-traducionais. A maioria destes antígenos podem ser identificados

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posteriormente com o auxílio da espectrometria de massa. A Serpa possui a vantagem de que não necessita da construção de bibliotecas de cDNA, que são necessárias na SEREX ou na tecnologia de Phage display. As desvantagens da Serpa estão relacionadas com as limitações inerentes da eletroforese 2D. Estas incluem a influência de proteínas abundantes, as limitações na resolução de certas classes de proteínas e dificuldades em produzir géis 2D reprodutíveis. Por causa da maneira que os Western Blots são preparados, somente epítopos lineares podem ser detectados. A técnica de Serpa tem sido aplicada no estudo de muitos cânceres, tais como o neuroblastoma, carcinoma pulmonar, carcinoma de mama, carcinoma de células renais, carcinoma hepatocelular e cancêr ovariano. Nestes, ela é utilizada para detectar novos auto-anticorpos e antígenos como indicadores precoces da tumorigênese. Por exemplo, através desta técnica foi possível identificar a calreticulina e proteína DEAD-box 48 (DDX48) em câncer de pâncreas; o inibidor de dissociação Rho GDP 2 em leucemia; e a peroxiredoxina 6 isomerase triophosphatase (Tim) e o manganês superóxido dismutase (MnSOD) em carcinoma de células escamosas.

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Múltiplos perfis de afinidade proteica (MAPPing) O MAPPing (Multiple affinity protein profiling) é uma técnica que envolve cromatografia de imunoafinidade 2D, seguida pela identificação de TAAs pela espectrometria de massa em tandem (nano LCMS/MS). Na primeira fase da cromatografia de imunoafinidade, TAAs inespecíficos de uma linhagem de células tumoral ou tecido tumoral lisado, ligam-se a IgG obtida a partir de controles saudáveis, na coluna de imunoafinidade, e são removidos do lisado. O lisado é então submetido à coluna de imunoafinidade 2D que contém IgG de pacientes com câncer. Neste momento, os TAAs que se ligam são provavelmente tumorespecíficos e são eluídos para digestão enzimática e identificação por espectrometria de massa em tandem. A cromatografia de imunoafinidade 2D utilizada no MAPPing é semelhante à utilizada na fase de biopanning do método de Phage display discutido anteriormente.

Auto-anticorpos associados com câncer A busca por auto-anticorpos relevantes se intensificou nos últimos anos. Auto-anticorpos e TAAs foram identificados em muitos cânceres, tais como carcinoma hepatocelular, pulmão, mama, colo-retal, 140


estômago, próstata e pâncreas. A lista crescente de TAAs identificados incluem oncoproteínas (como HER2/Neu, RAS e c-MYC), genes supressores de tumor (p53), proteínas de sobrevivência (survivin), proteínas reguladoras do ciclo celular (ciclina B1), proteínas associadas a mitose (proteína F do centrômero), proteínas de ligação ao mRNA (p62, IMP1 e Koc), de diferenciação e CTAs (tirosinase e NY-ESO-1). Câncer de fígado O carcinoma hepatocelular (CHC), é a forma predominante de câncer de fígado primário é o quinto tumor maligno mais comum no mundo. Mais significativo ainda, é a terceira principal causa de morte relacionada ao câncer em todo o mundo, com uma mortalidade comparável à sua taxa de incidência. A sobrevida após o início dos sintomas é geralmente inferior a um ano. Dois principais fatores contribuem para a alta mortalidade do CHC. Uma delas é a apresentação tardia do CHC, a escassez de sintomas nas fases iniciais da doença resulta na detecção da doença apenas quando esta encontra-se em um estágio avançado. Outro é a carência de tratamentos eficazes para CHC em estágio avançado. Consequentemente, na maioria dos casos, quando o diagnóstico é feito, nenhum tratamento eficiente está disponível. 141


O teste padrão ouro para o diagnóstico de CHC é o exame histológico da massa hepática. Embora o ultrasom tenha uma sensibilidade de 100%, uma especificidade de 98% e valor preditivo positivo de 78%, a eficácia da ultra-sonografia é dependente do operador e, na presença de cirrose, tumores pequenos podem não ser facilmente detectados. Em termos de marcadores biológicos, a alfa-fetoproteína (AFP) ainda é o melhor disponível para o diagnóstico do CHC. A AFP é uma proteína normal do soro, que é sintetizada principalmente durante o desenvolvimento embrionário, mas é mantida em uma concentração baixa (<20 ng∙mL-1) em homens adultos saudáveis e mulheres não grávidas. Os níveis elevados de AFP são observados em mulheres grávidas e em pacientes com doença hepática crônica. Consequentemente, a AFP é suficientemente específica para CHC apenas quando seus níveis séricos aumentam acima de 500 ng∙mL-1. Isto implica que a AFP não pode ser usada como marcador para tumores iniciais e indica que, apesar de ser bastante específico, é insensível para CHC. A AFP tem uma baixa sensibilidade (40-65%), especificidade variável (75-90%) e um baixo valor preditivo positivo (12%). Para compensar, des-gamma-carboxi protrombina (DCP), uma proteína do soro que tem positividade de 50-60% em CHC, é por vezes utilizada 142


em combinação com a AFP para o diagnóstico de CHC, um método que é considerado por alguns clínicos como superior à utilização de um único biomarcador. Uma glicoforma (AFP-L3) e uma isoforma (Band + II) da AFP que possuem maior especificidade têm sido recomendadas como ferramentas de diagnóstico. No entanto, existe um incentivo para encontrar novos biomarcadores que são mais sensíveis e específicos para CHC e que possam detectar a doença em seus estágios iniciais. Auto-anticorpos para TAAs estão presentes em amostras sorológicas de CHC já nas fases iniciais da doença hepática. Estes TAAs são potenciais biomarcadores que permitem o diagnóstico precoce do CHC porque seus anticorpos são detectáveis antes do desenvolvimento da malignidade. A progressão de doença hepática crônica ao CHC também está associada com a detecção do aumento dos títulos de anticorpos contra antígenos específicos que são superexpressos em tumores. Dois dos mais tradicionais TAAs associados ao CHC são a p53 e a p62. Estudos demonstram que a presença de auto-anticorpos contra p62 são encontrados em 21% dos pacientes com CHC que expressam esta proteína oncofetal, mas não foram encontrados em indivíduos saudáveis ou em pacientes com doenças hepáticas não cancerosas. A expressão 143


anormal de p62 é corrobora com a proliferação celular anormal em CHC e cirrose, regulando os fatores de crescimento. O potencial dos auto-anticorpos para p53, como biomarcadores de diagnóstico precoce de CHC, também tem sido demonstrado por sua presença em indivíduos que apresentam alto risco de desenvolver a doença, como exemplificado em indivíduos com doença hepática crônica. Através do emprego da biotécnica SEREX também foi possível a identificação da proteína de choque térmico de 70kDa (HSP70), gliceraldeído-3fosfato desidrogenase, peroxiredoxina, e MnSOD como candidatos a biomarcadores para o diagnóstico de CHC. Infecções crônicas pelo vírus da hepatite B (HBV) e cirrose são fatores de risco conhecidos para CHC. Em alguns pacientes com este tipo de câncer, a produção de auto-anticorpos correlaciona-se com a transição da doença hepática crônica para HCC. Auto-anticorpos encontrados em pacientes com cirrose são de particular interesse porque essa doença geralmente precede o desenvolvimento de CHC associado ao HBV. Estas imunoglubulinas associadas a cirrose podem, assim, evidenciar indivíduos com maior propensão ao desenvolvimento de CHC. Por exemplo, títulos de anticorpos para DNA topoisomerase II mostram-se elevados em pacientes durante a progressão de hepatite crônica relacionada com o HBV ao câncer de 144


fígado. Estes TAAs participam na transformação maligna do CHC. Por intermédio da metodologia Serpa descobriu-se que os auto-anticorpos contra b-tubulina, creatinoquinase B, Hsp60 e citoqueratina 18 estão presentes no soro de pacientes cronicamente infectados com o HBV e/ou HCV. No entanto, os auto-anticorpos contra calreticulina, citoqueratina 8, F1-ATP sintase subunidade b e NDPKA são restritas aos pacientes com CHC. Um painel de TAAs certamente aumentaria a capacidade de detecção de auto-anticorpos em pacientes com CHC. Utilizando Serpa e microarray de proteínas para análise das respostas humorais possível a identificação de aumento significativo da presença das proteínas: DEAD (Asp-Glu-Ala-Asp) box polipeptídeo 3, fator de elongação da tradução eucariótica 2 (eEF2), fator indutor de apoptose (AIF), proteína de ligação prostática, e triosefosfato isomerase (TIM); em pacientes com CHC. A imunorreatividade para quatro destes antígenos (DEAD box polipeptídeo 3, eEF2, AIF e proteína de ligação prostática) mostrou-se significativamente mais comum em CHC do que em outros tipos de câncer. A sensibilidade de qualquer um destes antígenos em pacientes com CHC em estágio I variou de 50 a 85%. Quando estes quatro antígenos foram analisados em um painel, a sensibilidade 145


aumentou para 90%. Assim, os auto-anticorpos contra este grupo de seis antígenos podem ser utilizados como biomarcadores de diagnóstico precoce para CHC. Câncer de pulmão O câncer de pulmão é responsável pelo maior número de mortes relacionadas ao câncer em todo o mundo. Esta alta taxa de mortalidade pode ser explicada em parte pelo diagnóstico tardio da doença. Para aumentar o problema, não há nenhum teste diagnóstico estabelecido para a detecção precoce da doença, pois o câncer é notoriamente heterogêneo. A busca por um painel adequado de TAAs está em curso e os resultados são promissores. Através da utilização da Serpa foi possível a descoberta de auto-anticorpos contra o produto protéico do gene 9.5 (PGP 9.5) e annexinas glicosiladas I e II, em pacientes com adenocarcinoma de pulmão, apresentando sensibilidades de 14%, 30% e 33%, respectivamente. No entanto, mesmo que 60% dos pacientes com este tipo de tumor apresente reatividade contra algum tipo de anexina, auto-anticorpos contra anexina II também são encontrados em pacientes com outros tipos de cânceres. Embora apresente sensibilidade inferior, a presença de auto-anticorpos para anexina I é encontrada somente em pacientes com 146


câncer de pulmão, o que o torna um marcador específico da doença. Estudos diversos revelaram a presença de anticorpos potencialmente úteis que podem auxiliar a detecção precoce do câncer de pulmão. Anticorpos contra a proteína p53 foram encontrados em pacientes de alto risco antes que sinais clínicos aparentes da doença fossem evidentes. Entre os fatores de risco encontram-se: fumantes, indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crônica, e indivíduos que apresentam riscos ocupacionais, como por exemplo, a exposição a cloreto de vinil e urânio. A diminuição desses anticorpos contra p53 também correlaciona-se com resposta positiva à terapia inicial em pacientes com câncer de pulmão. Pesquisas recentes identificaram auto-anticorpos associados a câncer de pulmão de células não pequenas (NSCLC) que poderiam detectar a presença da doneça até cinco anos antes dos sinais detectado através de autoradiografia. No entanto, embora sejam capazes de diferenciar indivíduos saudáveis daqueles portadores de carcinogênese, os auto-anticorpos raramente são eficientes na discriminação dos subtipos de câncer de pulmão. Até o momento sabe-se que os auto-anticorpos NY-ESO-1 poderiam ser usados para distinguir pacientes com câncer de pulmão de células pequenas (CPPC) e NSCLC, 147


e que os TAAs citoqueratina 18 e vilina 1 poderiam ser utilizados para diferenciar adenocarcinoma de CPPCs. Câncer de mama O câncer de mama é o segundo câncer mais frequente no mundo, e é o mais comum em mulheres. Para facilitar a detecção precoce, a mamografia é recomendada para mulheres acima dos 40 anos de idade. No entanto, menos de 50% dos cânceres de mama são localizados utilizando esta técnica e tumores em fase inicial dificilmente são identificados. Biomarcadores aceitos para uso clínico, tais como o CA 15-3, CEA e CA 27-29, têm baixa sensibilidade e especificidade, e são, portanto, mais úteis para pacientes em estágio avançado de câncer de mama. Assim, a busca por auto-anticorpos presentes no soro de mulheres com pré-diagnóstico de câncer de mama ainda é uma realidade. Auto-anticorpos contra p53, HER2, MUC1 e NY-ESO-1 já foram identificados em pacientes com câncer de mama, porém alguns deles, como antiHER2/neu, tendem a ser ubíquos em outros tipos de câncer e não são marcadores únicos de tumor de mama. Painéis de TAAs formados por auto-antígenos múltiplos têm sido desenvolvidos para uso clínico. O painel composto pelos antígenos p53, c-myc, HER2, NYESO-1, BRCA2 e MUC1 possui sensibilidade de 64% para 148


câncer de mama primário e 45% para carcinoma ductal in situ, com uma especificidade de 85%. Valores adequados de sensibilidade são importantes para auxiliar a mamografia na detecção precoce do câncer de mama. Recentemente foi demonstrado que autoanticorpos combinados, utilizando Hsp60 e quatro outros TAAs (PPIA, PRDX2, FKBP52 e MUC1), poderiam ser utilizados para diagnóstico precoce, estando associados principalmente com carcinoma ductal in situ e câncer de mama invasivo. Vários dos auto-anticorpos encontrados em pacientes com câncer de mama têm como alvo proteínas envolvidas nas vias que desempenham papéis cruciais na tumorigênese deste câncer. Eles também são direcionados contra componentes das vias de reparo do DNA, como a proteína Ku, topoisomerase I e a subunidade de 32 kDa da proteína de replicação A, demonstando que a identificação de auto-anticorpos e TAAs tem potencial para elucidar novos mecanismos moleculares da tumorigênese. Câncer Colorretal O câncer colorretal (CRC) é a terceira neoplasia mais frequente no mundo e a segunda maior causa de mortes relacionadas ao câncer em países desenvolvidos. Em termos de marcadores biológicos, a CEA é o único 149


biomarcador em uso clínico, mas possui sensibilidade e especificidade baixas. Numerosos auto-anticorpos associados com CRC têm sido relatados, entre eles GA733-2, p53, Fas/CD95, MUC5AC e p16. Vários estudos têm adicionado o CEA aos painéis de TAAs de diagnóstico de CRC, aumentando a sensibilidade e espeficifidade para taxas acima de 90%. Sororreatividade para p53 foi detectada em pacientes com lesões pré-cancerosas e em indivíduos com alto risco de CRC, como os que apresentam colite ulcerativa. No entanto, a triagem de anticorpos para p53 em pacientes com CRC é indicada apenas como um complemento à colonoscopia, devido a sua baixa especificidade. Da mesma forma, foram detectados títulos altos de auto-anticorpos para Hsp60 no soro de pacientes com câncer colorretal, quando comparado com indivíduos saudáveis, porém os auto-anticorpos para Hsp60 também são relatados em pacientes com outros tipos de tumores, como o de mama. Câncer de estômago O câncer de estômago é o quarto câncer em frequência e a segunda causa de morte relacionada a esse tipo de doença em todo o mundo. Esta alta taxa de mortalidade é causada pela natureza assintomática

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desse tumor e também pela falta de biomarcadores confiáveis para a sua detecção precoce. A maioria dos biomarcadores de interesse tendem a ser associados à gastrite ou outras alterações da mucosa gástrica. Exemplos incluem pepsinogênios I e II, gastrina-17 e anticorpos contra o H. pylori. Estes quatro biomarcadores estão presentes no teste comercial GastroPanelTM (BIOHIT, Finlândia), que é usado para detectar alterações da mucosa gástrica, como a gastrite atrófica. Embora tais biomarcadores não sejam específicos para câncer, eles podem ter utilidade na detecção precoce do tumor porque a maioria dos cânceres do estômago resultam de um fundo inflamatório crônico. Assim, a presença desses marcadores pode indicar pacientes com maior propensão a desenvovel câncer de estômago.

Conclusões Centenas de TAAs foram identificadas para vários tipos de tumores, e alguns são comumente encontrados em muitos tipos de câncer. Na verdade, TAAs são frequentemente proteínas que desempenham papel crucial na carcinogênese, como auto-suficiência em sinais de crescimento (receptor do fator de 151


crescimento epidérmico), insensibilidade aos sinais de crescimento (MDM2), evasão de apoptose (survivin), potencial replicativo ilimitado (hTERT), manutenção da angiogênese (fator de crescimento vascular endotelial), invasão de tecidos e metástase (MMP2) e o início da formação do tumor (SOX2). Muitos dos TAAs (por exemplo, survivin, p53 e HSPs) carecem de especificidade, pois estão envolvidos na transformação maligna. Por exemplo, os auto-anticorpos contra muitos HSPs, como a proteína do choque térmico 27 (HSP27) e HSP60, são detectados em várias neoplasias. Isso ocorre porque HSPs desempenham um papel importante na iniciação e progressão tumoral e são frequentemente sobre-expressas em câncer. Auto-anticorpos para p53 foram detectados na fase inicial de muitos cânceres, como de pulmão, estômago, ovário, colorretal, esôfago, boca e em CHC. Assim, TAAs de grande valor diagnóstico geralmente são compostos por essas proteínas e seus antígenos tumor-específicos. Atualmente, a aplicação clínica dos autoanticorpos tem sido dificultada pelas baixas especificidades e sensibilidades. Da mesma forma, o percentual de auto-anticorpos detectados no soro dos pacientes é variável. Muitas razões têm sido propostas para explicar estas observações. Uma das principais parece ser a heterogeneidade dos pacientes e das 152


amostras de tecido do tumor. Outra razão pode estar no método de triagem para detecção de auto-anticorpos no soro. Isso ocorre porque os auto-anticorpos também estão presente em indivíduos saudáveis. Os anticorpos também são produzidos em resposta a desordens autoimunes não malignas e os antígenos podem ser encontrados em indivíduos com doenças benignas, inflamatórias e autoimunes. Essa limitação pode provavelmente ser resolvida pelo uso da biotécnica MAPPing, para a identificação de TAAs tumorespecíficos. Para superar os desafios associados com a escassez de amostra, colaborações multicêntricas são necessárias para superar alguns dos desafios logísticos e de estatística que impedem estudos de validação. Como discutido anteriormente, vários estudos têm demonstrado que a utilização de um painel de auto-anticorpos é mais vantajosa para a distinção entre pacientes com câncer e indivíduos saudáveis, do que o uso de um único auto-anticorpo.

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Leituras recomendadas Brennan, D. J.; O’Connor, D.; Rexhepaj, E.; Ponten, F.; Gallagher, W. Antibody-based proteomics: fasttracking molecular diagnostics in oncology. Nature Reviews Cancer, v. 10, p. 605-617, 2010. Chen, Y.T.; Gure, A.O.; Scanlan, M.J. Serologycal analysis of expression cDNA libraries (SEREX) an immunoscreening technique for identifying tumor antigens. Methods in Molecular Medicine, v.103, p. 207-216, 2005. Klade, C. S.; Voss, T.; Krystek, E.; Ahorn, H.; Zatloukal, K.; Pummer, K.; Adolf, G.R. Identification of tumor antigens in renal cell carcinoma by serological proteome analysis. Proteomics, v. 1, p. 890–898, 2001. Kobold, S.; Lütkens, T.; Cao, Y.; Bokemeyer, C.; Atanackovic, D. Autoantibodies against tumorrelated antigens: Incidence and biologic significance. Human Immunology, v. 71, p. 643651, 2010. Konthur, Z., Walter, G. Automation of phage display for high-throughput antibody development. Targets, v. 1, p. 30-36, 2002.

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CAPÍTULO 6

APLICAÇÕES DA NANOBIOTECNOLOGIA NO CÂNCER Virginia Campello Yurgel, Vincius Farias Campos, Tiago Collares Introdução Nanotecnologia é a criação, manipulação e utilização de materiais em escala nanométrica. Dada a aproximação, em tamanho, aos componentes funcionais das células vivas, esse campo da ciência apresenta importante papel na biotecnologia. Na área médica, a aplicação da nanotecnologia, dita Nanomedicina, se baseia na utilização dos materiais em nanoescala tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento de doenças. É de enorme interesse empregar essas novas tecnologias no manejo do câncer, já que exibem grande potencial de benefícios na detecção, no diagnóstico, no acompanhamento, e principalmente no tratamento dos 156


pacientes. O que torna a Nanooncologia o mais promissor segmento da Nanomedicina. Alguns dos obstáculos a serem superados, que impedem a eficiência do tratamento do câncer, incluem: a dificuldade de detecção na fase inicial da doença, para que a terapia possa ser efetiva; a resistência aos esquemas terapêuticos disponíveis; e a grande toxicidade sobre as células saudáveis. Nanopartículas estão sendo desenvolvidas com o objetivo de solucionar esses e outros problemas. A maioria das drogas utilizadas na terapia do câncer é altamente tóxica, um nanocarreador pode reduzir a toxicidade por diminuir a absorção sistêmica inespecífica, sendo determinante para o aumento da efetividade do tratamento. As propriedades das nanopartículas podem ser adaptadas para distinguir as células tumorais, as quais apresentam características distintas das células normais, como crescimento e diferenciação irregulares. Nanopartículas são capazes de ultrapassar barreiras biológicas, de incorporar uma grande variedade de agentes quimioterápicos, de entregar macromoléculas de um medicamento diretamente á um sítio intracelular, e de direcionamento específico ao sítio 157


tumoral. A habilidade de incorporação de fármacos pobremente hidrossolúveis elimina a necessidade de utilização de solventes orgânicos, os quais têm efeitos negativos sobre organismo. Nanocarreadores possibilitam ainda a sustentação da liberação da droga de maneira controlada, e a co-incorporação e coliberação de duas ou mais drogas em uma terapia combinada. Outra importante destinação é o desenvolvimento de diagnósticos de imagem aprimorados, que possibilitem a detecção precoce da doença, e consequentemente um melhor prognóstico. Ou ainda a hipótese de visualização do sítio de liberação do princípio ativo, combinando agentes terapêuticos com modalidades de imagem. Nesse contexto, com o intuito de aperfeiçoar as técnicas de diagnósticos e de tratamento do Câncer, diversos materiais e formulações têm sido amplamente pesquisados. E os resultados revelam o futuro promissor da Nanooncologia, que está emergindo como um novo campo de pesquisa interdisciplinar que abrange a biologia, as ciências farmacêuticas, a química, a engenharia e a medicina.

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Propriedades das Nanopartículas

Nanopartículas podem ser delineadas para uma determinada função ou múltiplas funções. Para aplicação médica, principalmente no câncer, o delineamento é voltado para importantes papéis: imagem, de modalidade simples ou dupla; terapia, uma única droga ou uma combinação de duas ou mais drogas; e direcionamento ativo, com a utilização de um ou mais ligantes. Para o sucesso em alcançar os objetivos pretendidos, algumas propriedades devem ser observadas na confecção das partículas, tais como a valência, o tamanho, o revestimento, a dispersão e a forma.

Multivalência

Nanopartículas fornecem uma ampla proporção de superfície por volume, o que pode ser utilizado para acoplar grande quantidade de ligantes. O maior número de ligantes pode reforçar significativamente a adesão da 159


partícula ao alvo desejado. Além disso, podem ser anexados marcadores de imagem, como fluorocromos para detecção ótica, metais para ressonância magnética, ou nuclídeos radioativos para imagem nuclear. Nesses casos, o grande número de marcadores em uma única partícula permite elevar a sensibilidade por aumentar a intensidade do sinal.

Tamanho e Revestimento

A biodistribuição das nanopartículas é consideravelmente influenciada por seus tamanhos e revestimentos. Tais características são importantes para se atingir efetividade de ação e liberação direcionada, também exercendo influência na eliminação da nanopartícula pelo organismo. Nanopartículas revestidas são ditas funcionalizadas, já que o revestimento adiciona diferentes características à partícula. O revestimento é especialmente importante para materiais pouco solúveis em soluções aquosas, e, portanto, no soro, e ainda para partículas metálicas. Dessa forma, o envoltório permite ou aumenta a solubilidade do 160


conteúdo central, e, em alguns casos, fornece proteção contra toxicidade. O Polietilenoglicol (PEG) é o material de revestimento mais utilizado, formando uma camada hidrofílica protetora, capaz de aumentar o a meia-vida na circulação sanguínea e reduzir a captação das partículas por macrófagos e células de Kupffer. Em contraste, cargas positivas facilitam a absorção das partículas em células, o que tem sido usado para a marcação celular. Portanto, variações no revestimento resultam em mudanças de especificidade, biodistribuição e clearance. Além disso, o tamanho das partículas também apresenta influência significativa na distribuição. Partículas maiores são mais rapidamente depuradas da corrente circulatória, enquanto os menores têm maior meia-vida plasmática e maior taxa de permeabilidade nos tecidos. Porém, partículas muito pequenas podem ser depuradas rapidamente por filtração glomerular. Nanopartículas úteis como carreadores em oncologia devem apresentar o diâmetro de aproximadamente 10 – 100nm. Maiores que 10nm para prevenir filtração renal, ao passo que menores que 100nm para prevenir captura hepática. Podem apresentar a droga encapsulada ou ligada 161


covalentemente a sua superfície, e independente do modo de carreamento devem permitir uma taxa de liberação adequada do agente terapêutico.

Dispersão

Outra característica a ser considerada é a dispersão das partículas, sendo essa um indicador da variação de tamanho entre as elas. Quando existe uniformidade no tamanho das partículas, essas se mostram monodispersas. É esperado que somente partículas monodispersas exibam a mesma distribuição, meia-vida, e afinidade ao alvo, sendo considerada uma preparação ideal. Quando existe alguma variabilidade entre os tamanhos são obtidas partículas oligodispersas, ou ainda, polidispersas quando existe uma grande variedade. Isso faz com que haja diferentes intervalos de retenção e biodistribuição no organismo, tornando mais complexa a avaliação da ação da partícula. Forma

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O formato da partícula também contribui para a destinação in vivo, influenciando principalmente a internalização nas células. Portanto, o ideal é que a síntese seja direcionada de forma a se obter uma formulação com nanopartículas apresentando as mesmas propriedades de tamanho, forma e carga, e também contendo quantidades equivalentes de grupos funcionais ligados à superfície. Para, dessa forma, se alcançar uma nanoformulação com excelente atividade biológica.

Tratamento do câncer

Apesar de existirem avanços na quimioterapia e radioterapia, as opções convencionais de tratamento do câncer ainda apresentam inúmeras desvantagens. Tais como: distribuição sistêmica inespecífica dos agentes antitumorais, concentrações inadequadas do fármaco alcançando o sítio tumoral, grande citotoxicidade, capacidade limitada de monitoramento da resposta terapêutica, e desenvolvimento de multipla resistência às drogas.

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Para a terapia ideal, a droga deve alcançar o tecido desejado sendo capaz de ultrapassar barreiras com mínima perda de volume e atividade. A seguir, deve apresentar habilidade de selecionar e matar células tumorais sem afetar o tecido saudável. Ou seja, para que o tratamento do câncer seja efetivo, quimioterápicos precisam ser liberados para as células tumorais onde o efeito é esperado e ao mesmo tempo existindo exposição limitada das células normais aos agentes tóxicos. A necessidade dessas características leva à busca pelo direcionamento terapêutico, no qual a aplicação da nanotecnologia tem trazido excelentes resultados. Nanopartículas podem ser quimicamente programadas para terem afinidade pela parede do tumor e serem capazes de escapar do sistema imunológico. Além disso, forças físicas como campos elétricos, campos magnéticos, ultrasom, alta temperatura ou luz incidente, podem ser utilizadas para contribuir na focalização e ativação de nanosistemas. Existem dois diferentes mecanismos de liberação direcionada: direcionamento passivo, baseado no tamanho da partícula e propriedades do sítio tumoral; e direcionamento ativo, baseado na utilização de ligantes 164


de superfície capazes de reconhecer e se ligar às células que apresentam a patologia. Utilizando tanto estratégias de direcionamento passivo ou ativo, os nanocarreadores podem prover concentrações intracelulares aumentadas da droga nas células cancerosas, minimizando a toxicidade nas células normais. Portanto, simultaneamente melhorando a eficácia e reduzindo toxicidade sistêmica.

Mecanismo alvo- direcionado de liberação passiva

O acúmulo do carreador no alvo se dá por fatores físico-químicos ou farmacológicos. Baseia-se no tamanho da nanopartícula, na longevidade do carreador no sangue, na vascularização comprometida da região tumoral, e no microambiente tumoral como um todo. Existem diferenças anatômicas e funcionais entre a vascularização de tecidos normais e tumorais. Vasos sanguíneos originados através do ativo processo de angiogênese, que ocorre em tumores, apresentam lacunas entre as células endoteliais adjacentes, o que leva a uma maior permeabilidade. Essa característica combinada à drenagem linfática comprometida, 165


também presente nos tumores, promovem o chamado efeito de permeabilidade e retenção aumentadas. Todos os nanocarreadores utilizam o efeito de permeabilidades e retenção aumentadas como princípio orientador. Esse efeito permite que nanopartículas extravasem por esses espaços endoteliais e se acumulem no tecido tumoral. O direcionamento se dá porque tal evento não ocorrerá em tecidos com vascularização normal. Já quimioterápicos livres de carreadores geralmente extravasam em tecidos normais levando aos efeitos adversos. Além disso, nanopartículas se mantém mais tempo circulantes, o que facilita o mecanismo de liberação descrito. Enquanto drogas livres podem ser rapidamente excretadas, o que prejudica o índice terapêutico e exige a administração de doses crescentes. O microambiente tumoral é outro fator que contribui para o direcionamento passivo. As células malignas em hiperproliferação e rápido crescimento apresentam uma alta taxa metabólica, e o fornecimento de oxigênio e nutrientes acaba sendo insuficiente. Em função da glicólise para a obtenção de energia extra, ocorre acidificação do ambiente. Nesse sentido, nanopartículas sensíveis a pH podem ser projetadas de 166


modo a liberarem a droga em pH diferente do fisiológico. Adicionalmente, nanoformulações podem ser desenvolvidas de forma a serem ativadas por atividade enzimática de proteases, já que tais enzimas são ativamente expressas em tumores em função da capacidade invasiva das células malignas.

Figura 1. Direcionamento passivo e ativo das nanopartículas ao sítio tumoral. Fonte: Adiseshaiah, et al. Nanomaterial standards for

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efficacy and toxicity assessment. WIREs Nanomed Nanobiotechnol,v. 2, p. 99-112, 2009.

Mecanismo alvo direcionado de liberação ativa

A nanopartícula deve ser ligada a uma fração com ação direcionadora, com o objetivo de se utilizar mecanismos de reconhecimento molecular para conquistar a liberação específica ou ultrapassagem de barreiras biológicas. Têm sido desenvolvidas estratégias de direcionamento por conjugação com anticorpos específicos ou ligantes como peptídeos ou pequenas moléculas. Os ligantes promovem o reconhecimento de antígenos ou receptores na célula cancerosa, impulsionando a fixação e difusão da nanopartícula para o interior da célula. No interior da célula maligna, a partícula se desintegra fazendo com que haja a instantânea liberação da droga precisamente onde é necessária. A escolha do ligante depende do alvo pretendido e da localização do tumor no organismo. Para tanto, o antígeno ou receptor deve ser expresso exclusivamente 168


nas células tumorais, e devem ser expressos homogeneamente nessas células, além de não estarem presentes na circulação.

Nanopartículas

Nanopartículas de ouro

Nanopartículas de ouro apresentam significativa biocampatibilidade, não apresentando toxicidade às células humanas. Apresentam cavidade que pode ser utilizada como carreador de droga enquanto a superfície pode ser revestida de moléculas de direcionamento. Características físicas e químicas permitem que mais de um ligante seja adicionado a uma única partícula. Através da união de anticorpos se tem conseguido atingir uma específica e homogênea ligação dessas partículas à superfície das células tumorais. Partículas de ouro funcionalizadas com citrato e transferrina têm importante papel na facilitação da internalização celular.

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Compósitos de ouro também têm sido explorados como “nanobombas”, em uma estratégia e leva a eliminação das células tumorais por detonação induzida por laser. Na utilização em técnicas de diagnóstico, nanopartículas de ouro se mostraram capazes de tornar os processos bastante sensíveis e com resultados instantâneos. Não sendo necessários microscópios de alta definição ou lasers para a visualização dos resultados.

Pontos quânticos (quantum dots)

O ponto quântico conhecido como Quantum Dot (QD) se comporta como um poço de potencial energético capaz de confinar elétrons nas três dimensões espaciais. Os elétrons confinados têm níveis de energia discretos, de forma semelhante ao átomo, por esse motivo o quantum dot é também conhecido “átomo artificial”. São semi-condutores de grande importância científica e tecnológica em microeletrônica, 170


optoeletrônica e imagem celular. Além disso, proporcionam um esqueleto versátil para a concepção de nanopartículas multifuncionais tanto para terapia quanto para o diagnóstico do câncer. Essas partículas têm surgido como uma nova classe de marcadores fluorescentes para a medicina, e devido a sua capacidade de ampla absorção e estrita emissão, é possível obter imagens com uma única fonte de excitação. É de grande interesse o uso de Quantum dots (QDs) como fluoróforos inorgânicos, já que oferecem vantagens significativas em relação aos marcadores fluorescentes convencionais.

Nanopartículas de óxido de Ferro

São partículas magnéticas com bainhas de açucares, e em função dessa cobertura não são reconhecidas pelo sistema imunológico. Tornam-se partículas biodegradáveis com a utilização de polímeros orgânicos na sua síntese. Constituem o principal tipo de

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nanopartículas inorgânicas e têm importante aplicação no diagnóstico de tumores por imagem. A principal vantagem de nanopartículas magnéticas reside no fato de poderem ser visualizadas por ressonância magnética. Adicionalmente, quando sob influência de um campo magnético externo podem ser direcionadas à áreas específicas do organismo e são capazes de matar células malignas através de aquecimento.

Lipossomos

São pequenas vesículas esféricas formadas por bicamadas concêntricas de fosfolipídios que se organizam espontaneamente em meio aquoso e podem englobar outra substância. Representam ferramentas versáteis na biologia, bioquímica e medicina, em função da grande diversidade de estrutura e composição, além de biocompatibilidade e facilidade de preparo. Podem ser catiônicos, aniônicos ou neutros. Foi demostrado que partículas catiônicas são direcionadas preferencialmente às células tumorais e exibem maior 172


permeabilidade vascular quando comparadas partículas homólogas neutras ou aniônicas.

à

Sua superfície pode ser modificada por adição de PEG, o que aumenta o tempo na corrente circulatória. Podem também ser conjugados com anticorpos ou outros ligantes buscando-se especificidade.

Nanotubos de carbono

Consistem de folhas de grafite enroladas na forma de tubos. Podem ser nanotubos de parede simples ou de parede múltipla, com diferenças de tamanho e diâmetro entre os dois tipos de estrutura. Exibem aspectos únicos com relação as suas propriedades térmicas, elétricas e mecânicas. Apresentam a vantagem de possuírem ampla proporção de superfície por volume, maior que a de nanopartículas esféricas, o que facilita a possibilidade de conjugação com outras moléculas. Podem ser modificados por funcionalização covalente ou não covalente da sua superfície. O que é de extrema importância para as aplicações biomédicas, 173


já que diversas moléculas ativas podem ser ligadas à superfície de nanotubos funcionalizados. São nanomateriais inertes e hidrofóbicos. Para melhorar a hidrossolubilidade, pode-se revestir com polímeros altamente hidrossolúveis e biocampatíveis. O revestimento com PEG tem sido bastante utilizado. Porém, diversos outros polímeros têm sido testados e são capazes de conferir propriedades vantajosas à nanopartícula. Além disso, a funcionalização da superfície com acetatos pode prover meios de resistência à degradação térmica e melhor estabilidade. Apresentam tanto aplicações diagnósticas quanto terapêuticas. Foi demonstrado em diversos estudos que drogas ligadas a nanotubos foram mais efetivamente internalizadas nas células que as drogas livres. Além disso, apresentam propriedade de fluorescência intrínseca, permitindo sua aplicação como marcadores de imagem. Nanotubos de parede múltipla funcionalizados têm sido testados com êxito em processos de bioimagem.

Nanopartículas poliméricas

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São classificadas como nanoesferas, compostas por uma rede de polímeros; e como nanocápsulas, que se constituem de gotículas de óleo envoltas por um fino filme de polímero. Apresentam o agente terapêutico encapsulado no interior de sua matriz polimérica ou adsorvido na sua superfície. Permitem um maior controle do comportamento farmacocinético da droga que carregam, levando a níveis estáveis mais apropriados. Podem ser funcionalizadas por alterações de superfície que promovem interações bioquímicas específicas. Apresentam habilidade de ultrapassar diversas barreiras biológicas, até mesmo a barreira hemato-encefálica, o que pode ser atingido por revestimento da partícula com polisorbatos.

Micelas poliméricas

São formadas em solução aquosa como estruturas com núcleo e revestimento, frequentemente compostas por copolímeros em bloco. Apresentam componentes hidrofílicos e hidrofóbicos. O centro hidrofóbico serve como reservatório para drogas 175


hidrofóbicas e a casca hidrofílica reduz o rápido depuramento no organismo.

Dendrímeros

São polímeros sintéticos altamente ramificados, consistindo de um núcleo central e vários grupos funcionais. O crescimento do polímero ocorre geralmente na direção externa ao núcleo por polimerização em etapas. É caracterizado por diversas cavidades na estrutura do núcleo criando canais. Devido à extensiva ramificação, como resultado das reações de polimerização, dendrímeros têm um grande número de pontos para conjugação. As reações de polimerização criam uma área de superfície extensa o suficiente para conjugar proteínas, moléculas terapêuticas, e até mesmo fatores marcadores de apoptose capazes de confirmar a morte das células tumorais. Dendrímeros contribuem para liberação de drogas tanto por ligação da droga na periferia quanto por aprisionamento no núcleo central. Quando 176


alcançam o alvo tumoral mudanças conformacionais podem ser projetadas de forma a facilitar a liberação da droga. A captação intracelular do dendrímero por endocitose mediada por receptor pode ser auxiliada por conjugação com biotina. Portanto, em função da sua forma e tamanho, combinada a possibilidade de múltipla funcionalização da superfície, é possível ancorar múltiplos direcionadores por dendrímero buscando maior efetividade da terapia. Possibilita ainda a ligação de sondas de imagem promovendo sua utilização como marcador diagnóstico.

Figura 2. Esquemas de diferentes ferramentas nanotecnológicas usadas em oncologia. Adaptado de Misra et al. Cancer nanotechnology: application of nanotechnology in cancer therapy. Drug Discovery Today, v. 15, p. 842-851, 2010.

Drogas

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Sistemas de liberação de drogas compostos de nanocarreadores são capazes de alterar significativamente as propriedades físico-químicas da droga, podendo aumentar drasticamente sua efetividade. Existem diversas formulações baseadas em nanotecnologia para terapia do câncer, algumas já aprovadas e as demais em diversas fases de ensaio clínico. Na tabela 1 são mostrados alguns exemplos de importantes quimioterápicos e suas correspondentes nanoformulações. Entretanto, diversos estudos têm sido conduzidos no intuito de aprimorar as formulações. Além da escolha do carreador, existem infinitas possibilidades de funcionalização, com vários polímeros hidrofílicos e biocompatíveis, e de conjugação com inúmeras moléculas. Diversas combinações têm sido descritas por diferentes grupos de pesquisa e têm demonstrado excelentes resultados. Os resultados são promissores não só por aumento da efetividade das drogas como também na conquista de características importantes para terapia, como liberação gradual ou liberação de dose de ataque seguida de dose sustentada. Porém, a maioria dos nanoprodutos ainda não atingiu a fase clínica ou apresenta apenas avaliação in vitro.

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Um exemplo de nanoformulação aprovada contém a droga anti-câncer paclitaxel carreada por uma nanopartícula ligada à albumina. Esse quimioterápico é amplamente utilizado no tratamento de diversos tipos de tumores sólidos. O solvente usado na apresentação farmacêutica convencional dessa substância apresenta muita toxicidade, já a nanoformulação elimina a toxicidade conferida pelo solvente e conseqüentes efeitos colaterais. Outro exemplo é o encapsulamento lipossomal da doxorubicina, formulação essa que permite que a frequência de dose possa ser minimizada, facilitando o esquema terapêutico. Tal formulação demonstrou farmacocinética mais favorável, apresentando depuração e volume de distribuição diminuídos e maior acúmulo no tumor em comparação com a doxorubicina livre.

Combinação terapia e diagnóstico

O uso da mesma nanopartícula para diagnóstico e tratamento permite a integração de dois importantes aspectos no manejo do câncer. Essa combinação tem sido chamada de Theragnostics. Os nanomateriais de maior potencial intrínseco para tal utilização são as 179


nanopartículas magnéticas, as quais têm sido bastante pesquisadas nesse sentido. Tabela 1. Nanoformulações aprovadas ou em fase de ensaio clínico. Produto Abraxane®

Companhia AstraZeneca

Fármaco Paclitaxel

Caelyx®

Shering-Plough

Doxorubicina

Myocet®

Zeneus Pharma Ltd. NeXtar Pharmaceutica Transave, Inc

Doxorubicina

DaunoXomeTM SLITTM Amikacin Genexol®-PM DocetaxelPNP Transdrug® Onco-TCS®

Daunorubicin citrato Cisplatina

Samyang Pharmaceuticals Samyang

Paclitaxel

BioAlliance Pharma Inex Pharmaceuticals Corporation

Doxorubicina

Docetaxel

Vincristina

Formulação Nanopartículas ligadas à albumina Lipossomos pegylados Lipossomos Lipossomos

Lipossomos Micelas poliméricas Nanopartículas poliméricas Nanopartículas Poliméricas Lipossomos

Um mecanismo proposto para essa ação combinada consiste em primeiramente observar quando a imagem, por ressonância magnética ou outro método, mostra máximo acúmulo da nanopartícula em determinado local, o que caracteriza a presença do 180


tumor já que existe direcionamento. Então uma força física, como laser, calor induzido ou luz (no caso de componentes fotossensíveis), é aplicada para alterar o estado da nanopartícula e provocar a liberação abrupta da droga. A combinação de hipertermia e quimioterápicos liberados localmente pode levar a eliminação específica das células malignas em um curto período de tempo, o que pode evitar a necessidade de cirurgia e quimioterapias crônicas. Além disso, a possibilidade de diagnóstico in vivo tem o objetivo de proporcionar informações instantâneas sobre o paciente, permitindo o monitoramento do desenvolvimento da doença e a avaliação da resposta ao tratamento.

Toxicidade

Atualmente, os conhecimentos sobre a segurança das nanopartículas parecem insuficientes. Estudos complementares devem ser realizados para a identificação dos possíveis riscos associados a essa utilização, especialmente no que diz respeito aos 181


processos de eliminação das partículas e seus componentes. Não se tem a determinação precisa de onde os nanocarreadores podem se acumular e dos efeitos que poderão apresentar nessas áreas. Adicionalmente, existe a questão da estabilidade das nanopartículas. Uma vez que apresentam a tendência de se agregarem sob certas condições, isso pode significar um potencial de exposição dos pacientes a riscos de coagulação, embolia ou trombose. As fontes de preocupação envolvem ainda: a habilidade das nanopartículas de entrarem nos tecidos e nas células através de múltiplos mecanismos, o pequeno tamanho que permite a interação com estruturas subcelulares como proteínas e DNA, e algumas particularidades de determinadas partículas. Quantum dots, por exemplo, tem provável toxicidade devido a sua composição, já que a maioria é produzida usando metais pesados no núcleo das partículas. Quando o núcleo está intacto os metais pesados estão seguramente isolados. Porém, já foi demonstrado que esse conteúdo pode ser liberado como resultado de irradiação UV, o que mata as células cancerosas, mas dessa forma é rompido o isolamento. Também já foi relatado que dendrímeros, devido à 182


carga positiva na superfície, podem causar rompimento da membrana celular, o que seria desejado na destruição das células malignas, mas se essas partículas se acumularem em outras regiões do organismo o efeito é desfavorável. Ou ainda, as superfícies de partículas metálicas podem atuar como doadores ou aceptores de elétrons e por esse motivo podem gerar radicais livres prejudiciais. Considerando as incontáveis importantes aplicações das nanopartículas na pesquisa em câncer, é necessário o desenvolvimento de orientações de segurança. Além disso, pouca atenção tem sido dada aos possíveis efeitos ambientais e sobre a saúde dos indivíduos envolvidos na produção dessas partículas.

Conclusões

A pesquisa em nanomateriais para imagem e terapia do câncer evoluiu rapidamente na última década. Seu tamanho controlado e multifuncionalidade são as principais razões para o crescente número de aplicações.

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A base lógica da utilização da nanobiotecnologia em oncologia é de que as nanopartículas apresentam propriedades não disponíveis em outras moléculas, e fornecem oportunidades para o delineamento de nanoformulações com características até então não conseguidas com agentes terapêuticos e marcadores de imagem tradicionais.

Leituras recomendadas

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CAPÍTULO 7

TERAPIA GÊNICA EM CÂNCER Samuel Gonçalves Ribeiro, Ludmila Entiauspe, Fabiana Seixas Introdução Terapia gênica é um conjunto de técnicas promissoras e experimentais onde se busca reparar genes defeituosos responsáveis pelo desenvolvimento de patologias. Ainda, pode ser definida como aquelas técnicas que permitem vetorizar sequências de DNA ou RNA ao interior de células-alvo com o objetivo de modular a expressão de proteínas que se encontram alteradas, revertendo o status do estresse biológico ocasionado por tais alterações. O propósito de se utilizar a terapia gênica como ferramenta oncológica está em reprogramar estas células, visto que alterações genéticas desempenham um papel fundamental na oncogênese, e, portanto, reparando estas “falhas”, a terapia gênica torna-se uma nova alternativa complementar àquelas adotadas atualmente no combate aos diversos tipos de cânceres. 187


Entretanto, existem alguns contrapontos atuais no emprego das terapias gênicas em câncer, como por exemplo, a durabilidade da terapia dentro do genoma hospedeiro (incluindo estabilidade e número de submissões à terapia), o seu uso limitado a patologias de desordens multigênicas, isto é, torna-se mais dificil o tratamento de doenças onde suas causas são oriundas de diversas variações e efeitos combinados de muitos genes do que naquelas onde a patologia possui apenas um alvo gênico para o uso da terapia, a possibilidade de indução de novos tumores, visto que o mau emprego das técnicas pode levar a integração do conteúdo genético de interesse em sítios errôneos de recebimento deste, por exemplo, em uma região onde esteja localizado um gene supressor de tumor. Ainda, o risco de que haja uma resposta do sistema imune que acarrete a diminuição da efetividade da terapia, bem como potenciais problemas de toxidade e respostas inflamatórias quanto ao uso de vetores virais. Serão abordados neste capítulo os principais e mais relevantes tópicos em terapia gênica, como o uso de anticorpos, terapias antiangiogênicas, o uso de vetores virais na transferência gênica (retrovirais, lentivirais, adenovirais e parvovirus), o uso de genes supressores de tumor, oncogenes e genes suicida, imunomodulação e obtenção de nanopartículas e vacinas (ver detalhes nos capítulos 6 e 10), e também apresentar o cenário atual das pesquisas e testes clínicos, bem como discutir as perspectivas futuras neste campo promissor. 188


Terapia Gênica utilizando genes suicidas Genes suicidas atuam bloqueando os radicais livres das células cancerosas, deixando intactas as células normais do organismo. Este bloqueio dos radicais livres faz com que a célula afetada ative tais genes, que por sua vez atuarão dando início ao processo apoptótico, culminando na morte desta célula cancerosa. Esta técnica destina-se a tornar as células cancerosas mais vulneráveis a quimioterapia, visto que, através deste pool de enzimas, determinadas substâncias tornam-se tóxicas para o tumor. Em outras palavras, genes suicidas são enzimas que podem ativar pró-drogas que tenham baixos níveis de toxicidade, tornando-as drogas potencialmente citotóxicas. Estas enzimas podem ser, por exemplo, enzimas virais, como a Herpes simplex timidina quinase (HSVTK) que converte o composto Ganciclovir (GCV) em uma forma tóxica por fosforilação. Existem ainda enzimas oriundas de bactérias e leveduras como a citosina deaminase (CD) que converte a droga 5-fluorocitosina (5-FC) em uma forma tóxica – 5-fluorouracil. Estes genes suicidas recém abordados, já fazem parte de estudos pré-clínicos e clínicos em alguns tipos de câncer, como o cerebral, de cabeça e pescoço, ovarianos e mamários.

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Figura 1. Genes suicidas. Nesta ilustração a enzima timidina quinase é utilizada como exemplo. Primeiramente, a enzima é transfectada ao interior da célula tumoral, onde, posteriormente, a pró-droga é administrada. Em seguida, a enzima converte o fármaco em tóxico para a célula, tornando-a mais suscetível a sua destruição por quimioterápicos e por vias apoptóticas. Disponível na internet em 19/05/2011: http://2010.igem.org/wiki/images/a/a4/Freiburg10_ove rview_GDEPT.png

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A utilização de vetores virais na terapia gênica e o uso de nanopartículas Sendo os vírus capazes de atacar e infectar células hospedeiras e com isso introduzir seu conteúdo genético, observando-se a maquinaria de replicação natural destes organismos, viu-se que eles poderiam ser utilizados como “mensageiros”, isto é, os vírus seriam capazes de carregar moléculas e entregá-las em sítios alvos, possibilitando a remoção de genes causadores de doenças substituindo-os por genes terapêuticos. Os tipos de vetores virais geralmente utilizados em terapia gênica são os retrovírus, adenovírus, vírus adeno-associados, HSV (herpes simplex virus). - Retrovírus: pertencente à família Retroviridae, possui RNA como conteúdo genético. Quando penetra à célula hospedeira, sua molécula de RNA produz, com auxilio de algumas enzimas, uma cópia de DNA complementar e em seguida integra-se ao genoma do hospedeiro. Geralmente possuem três ORFs (open reading frame) – gag, pol, env - que codificam para proteínas estruturais do vírus, para a transcriptase reversa (responsável pela produção de cDNA), proteases e intgrases, bem como as proteínas envelopares do vírus, respectivamente. - Lentivirais: pertencente à família Retroviridae, foi a primeira ferramenta utilizada para introduzir genes, in vitro, em modelos animais. Seu uso culmina juntamente com a utilização de shRNA (shorthairpin RNA), que por sua vez atua reduzindo os níveis 191


de expressão do gene alvo, clivando e degradando o fragmento de mRNA específico. Adenovírus: pertencente à família Adenoviridae, com tamanho entre 90-100nm, não envelopado, de forma icosaédrica, composto por DNA fita dupla. Seu material genético não é incorporado ao conteúdo gênico da célula hospedeira, acarretando na não replicação de estes genes “extras” ao longo das divisões celulares. Este sistema de vetor mostrou-se atuante na terapia gênica em câncer, onde foi o primeiro produto a ser licenciado no tratamento oncológico (Gendicina). Mais recentemente, observouse que, em condições especiais, algumas porções gênicas do vírus podem atuar transformando, imortalizando e/ou estabilizando células quando ligados a supressores de tumor (como exemplo a região E1a liga-se a proteína supressora de Retinoblastoma, e a região E1b a p53). - Vírus adeno-associados: oriundos da família parvovirus, possuem genoma composto de DNA fita simples, compreendendo uma região denominada repetições terminais invertidas (ITRs) de 145 bases cada, duas ORFs (cap e rep), responsáveis pela estruturação e empacotamento do vírus, respectivamente. Este tipo de vírus possui uma peculiaridade, ou seja, ele consegue inserir seu conteúdo genético em uma região específica do cromossomo 19. Além disso, esse vetor é utilizado pois não constrói uma resposta imune contra o vírus a fim de que ele seja removido da célula hospedeira. 192


- HSV: pertencente à família Alphaherpesvirinae, possui DNA linear fita dupla com 150 kb de comprimento, com aproximadamente 100-200 genes. Possui forma icosaédrica, e é envelopado. Seu conteúdo genético é dividido em região única longa (UL) e região única curta (US). Ainda, este vírus infecta, em particular, neurônios A vantagem da utilização deste vetor é que este vírus pode carrear longas sequências de DNA exógeno, bem como por possuir uma a capacidade de invasão e de se estabelecer em um vasto período de tempo em latência. Em contrapartida, existem ainda técnicas que não utilizam os vetores não-virais, como a transfecção de DNA despido, o uso de oligonucleotídeos no método antisenso, a utilização de lipoplexos e polilexos, além do uso de nanocompostos. O uso de vetores não-virais é vantajoso, pois pode ser produzido em larga escala e, ainda, gerar baixa imunogenicidade na célula-alvo hospedeira. Entretanto, níveis baixos de expressão e sucesso na transfecção do gene de interesse são características negativas deste processo. A técnica de transfecção de DNA “naked” constitui-se na injeção do material genético ou produto de PCR (amplicon) exógeno à célula hospedeira. Já o uso de oligonucleotídeos sintéticos tem como objetivo desativar genes de interesse, isto é, utilizando a técnica de antisenso, os oligonucleotídeos complementares a seqüência de mRNA de interesse pareiam-se entre si, impedindo que haja a tradução da proteína alvo. 193


Algumas drogas já foram desenvolvidas utilizando a técnica do antisenso, inclusive em tratamentos de alguns tipos de cânceres, como o de pulmão, carcinoma colorretal e pancreático, melanoma e glioma. Como visto anteriormente no capítulo 6, os lipoplexos e os poliplexos atuam de maneira a proteger o DNA da degradação durante o processo de transfecção. Em oncologia, estes complexos são utilizados na transfecção de genes que atuam sob à ativação de genes supressores de tumor e na diminuição da atividade de oncogenes. Recentemente, outro marco na utilização de vetores não-virais em terapia gênica foi à associação deles a engenharia de materiais, sobretudo a nanotecnologia. Conhecidos como Ormosil (do inglês, organically modified silica or organically modified silicate), estes compostos servirão de alternativa aos vetores virais, apresentando maior eficiência na transfecção. Estes nanomateriais (ver detalhes no capítulo 6) podem atuar de duas maneiras, passiva e ativamente. Na maneira passiva, atuam na hipervascularização tumoral, em outras palavras, eles atravessam o(s) vaso(s) onde o tumor se nutre, retendo-se e acumulando-se nos vasos do tumor. Na maneira ativa, os nanomateriais “preocupam-se” em primeiro localizar o alvo onde o nanocarreador deverá atuar, e em segundo a que nível molecular eles deverão alcançar, seja para interferir em rotas bioquímicas para destruir 194


as células cancerosas, ou para reprogramar a célula alvo para um estado normal de funcionamento. Com o advento da nanobiotecnologia, além de se esperar obter uma ferramenta complementar ao uso de medicamentos quimioterápicos, proporcionando maior especificidade no tratamento oncológico, isto é, fazer com que se direcionem os efeitos dos fármacos somente às células alvo, inatingindo àquelas não acometidas pelo tumor, estima-se que esta tecnologia promissora venha a contribuir na geração de novos métodos de detecção de tumores, bem como no acompanhamento da liberação exata do fármaco na célula alvo.

Terapia Gênica com anticorpos e Imunomodulação A imunomodulação tem como finalidade aumentar a atividade antitumoral de células imunes por meio de introduzir genes imunomoduladores, como citocinas, interleucinas (IL), fatores de necrose tumoral (TNF), interferons (IF), dentre outros. Entende-se ainda como imunomoduladores fármacos que alteram a resposta imune, diminuindo-a (imunossupressores) ou aumentando-a (imunoestimulantes) ao longo do desencadeamento da doença. Dentre a classe dos imunossupressores encontram-se os anticorpos, proteínas produzidas pelos 195


linfócitos B e que se ligam a partículas de antígenos e posteriormente recrutam funções efetoras com a finalidade de neutralizar e eliminar o patógeno. Um possível e promissor tratamento oncológico é a utilização de anticorpos monoclonais (MAbs), capazes de ligarem-se em porções antígeno-específicas e induzir uma resposta contra a célula-alvo cancerosa, bloqueando a informação que esta deveria receber e interferindo no desenvolvimento da célula tumoral de diversas maneiras, atuando como antiangiogênicos, inibidores de proliferação, apoptose, etc. Este tipo de anticorpo foi inicialmente produzido e testado clinicamente nas décadas de 70 e 80, respectivamente. Porém, estas primeiras moléculas, hibridizadas pela fusão de células imortais de mieloma e células esplênicas de murinos, não apresentavam êxitos quanto a sua durabilidade, visto que, neste hibridoma, os anticorpos monoclonais possuíam penetrações limitadas a sítios tumorais, meia-vida curta enquanto circulantes, recrutamento inadequado de funções efetoras, alto peso molecular (160KDa), além de ser reconhecido como não-próprio, gerando uma resposta conhecida como HAMA (human anti-mouse antibody). Para contornar estes problemas, novos tipos de anticorpos monoclonais foram produzidos através de novas técnicas de engenharia genética e de biologia molecular que foram substituindo à utilizada (hibridoma), como a tecnologia do DNA recombinante, transgênese, e a utilização de biblioteca de expressão 196


em fagos (phage display), dando origem a anticorpos quiméricos, humanizados, e humanos. Em um anticorpo quimérico camundongo/humano, por exemplo, os cDNAs que codificam para as cadeias leve e pesada das regiões variáveis do anticorpo monoclonal do camundongo são clonadas e fusionados a regiões constantes do anticorpo humano, tornando-o fracamente imunogênico. Já um anticorpo monoclonal humanizado, ocorre uma substituição homóloga humana de uma região constante e uma variável, permanecendo apenas com a seqüência de aminoácidos fora do sítio de combinação do antígeno não modificada Em outro tipo, o anticorpo monoclonal humano, ocorre a transferência dos genes codificadores para imunoglobulinas para o genoma murino (através de modelos animais transgênicos ou ainda pela expressão em fagos), que após será vacinado contra o antígeno de interesse, produzindo anticorpos “totalmente humanos”. Alguns MAbs já estão sendo utilizados em estudos clínicos como terapia anti-câncer, como por exemplo rituximab (no tratamento de linfoma nãoHodgkin atuando na molécula CD20 em linfócitos B), nimotuzumab (no tratamento de carcinoma de células esquamosas e glioma, atuando como inibitor de EGFR), bevacizumab (em terapias antiangiogênicas, inibindo VEGF), alemtuzumab (no tratamento de leucemia em células B, atingindo moléculas CD52 em linfócitos T e B), dentre outros citados na tabela abaixo. 197


Tabela 1. Anticorpos monoclonais na terapia gênica em câncer. Anticorpo monoclonal

Data da aprovação

Alvo

Cetuximab

2004

Receptor EGFR

Trastuzumab

1998

Receptor HER2/neu

Panitumumab Rituximab e Tositumomab

2006

Receptor EGFR

1997 e 2003

CD20

Gemtuzumab

2000

CD33

Indicação de uso Câncer colorretal, cabeça e pescoço Câncer de mama Câncer colorretal Linfoma nãoHodgkin Leucemia mielóide aguda

Terapia com genes supressores de tumor e oncogenes A desregulação do crescimento celular, que é um fator primordial na oncogênese, pode ocorrer devido a mutações na perda e ganho de função de genes supressores de tumor (TP53, por exemplo) e oncogenes (ras, por exemplo), respectivamente. Genes supressores de tumor são aqueles que atuam inibindo a proliferação celular excessiva, “freando” uma célula normal que venha a transformarse em uma célula cancerígena, ou seja, assumem um papel de gene “gatekeeper”, impedindo a progressão do 198


ciclo celular quando há danos em seu material genético. Quando ocorre a inativação parcial ou total destes genes tanto em células somáticas quanto em germinativas, a chance de desenvolver câncer é aumentada. São recessivos a nível celular, e servem como marcadores de diagnóstico, prognóstico em diversos tipos de cânceres (como os genes BRCA-1 e BRCA-2 em câncer de mama). Outra classe de genes que está envolvida no desenvolvimento de tumores são os chamados oncogenes, que ao contrário dos supressores tumorais, são reguladores positivos do crescimento celular (tabela 3). Além disso, são dominantes a nível celular e ocorrem somente em células somáticas (exceção para o gene RB). São a forma ativada dos proto-oncogenes (gene que, uma vez alterado através de mutações pontuais, amplificações e reorganizações cromossômicas, adquirem funções de oncogene). Uma alternativa da terapia gênica em câncer visa reparar esta desregulação no crescimento e proliferação celular através do bloqueio da tradução ou da função da oncoproteína e na inserção de genes supressores de tumor não mutados e, consecutivamente, funcionais. No cenário atual, aproximadamente 35 genes supressores de tumor já foram clonados (tabela 2). Muitos estudos vêm sendo realizados com estes genes, sobretudo o gene TP53 (gene supressor tumoral envolvido em mais da metade dos tumores quando mutado, que codifica para proteína p53, um fator de transcrição que desempenha importante papel na 199


apoptose e controle do ciclo celular) que vem sendo utilizado associado a outros genes indutores de apoptose e a radioterapia, bem como sem associações a nenhuma molécula ou substância. Entretanto, o uso destes genes associados a vetores virais demonstraram-se ser ineficientes quanto à entrega intacta do gene nas células tumorais, ressaltando que, para que haja a entrega destas cópias não mutadas dos genes de interesse, deve-se buscar novos procedimentos de inserção destes em células pertencentes à massa tumoral. Tabela 2. Genes supressores de tumor e seu envolvimento no câncer. Nome do gene supressor de tumor

Envolvimento em câncer Glioblastoma, próstata, mama,

PTEN

carcinoma de tireóide

RB

Retinoblastoma, osteosarcoma

DPC4

Carcinomas pancreático e de cólon Carcinomas colorretal, próstata,

APC

pancreático, estòmago Carcinoma gástrico familiar e

CDH1

cânceres invasivos

LKB1/STK11

Síndrome de Peutz-Jegher

NF2

Meningioma, schwannoma

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Por outro lado, a utilização de oncogenes (através do bloqueio de oncoproteínas ou de suas funções) bem como a inibição de seus elementos de sinalização “downstream”, mostraram-se ser promissoras alternativas em terapia anti-câncer, pois, estas moléculas, a principio, podem ser inibidas por drogas que acarretam na redução de sua atividade.

Tabela 3. Oncogenes e seu envolvimento no câncer.

Nome do oncogene

Envolvimento em câncer

K-ras

Melanoma, pancreático, colorretal

Abl

Leucemia Mielóide Crônica

Raf

Sarcomas

L-myc

Pulmão

Erb-B

Carcionoma espinocelular

Atualmente, os estudos que envolvem genes supressores de tumor e oncogenes na terapia gênica encontram-se em fases clínicas, como por exemplo, a utilização do gene supressor BRCA-1 em terapia gênica 201


para câncer de ovário e próstata, do gene supressor p21 em câncer de prostata, ou em fases pré-clínicas, como o uso dos oncogenes Bcl-2 (gene pró-apoptótico) em ensaios como modelos animais para diversos tipos de cânceres, de Caspase-8 na indução de morte celular em gliomas, dentre outros. Terapia Antiangiogênica Para que um tumor possa crescer e se desenvolver ele necessita de formação de vasos sanguíneos que tragam suprimentos essenciais a sua sobrevivência. Esse processo chama-se angiogênese (Figura 2). Entretanto, cientistas buscam maneiras de impedir ou bloquear que estes novos vasos sejam formados, fazendo com que, sem nutrientes, o tumor seja destruído, ou seja, a terapia antiangiogênica busca intervir na formação destes vasos, impossibilitando que cheguem às células tumorais oxigênio, nutrientes, hormônios e fatores de crescimento que permitem a existência e disseminação do tumor. Uma das estratégias antiangiogênicas já utilizadas por cientistas na terapia gênica em câncer em estudos clínicos e pré-clinicos em tumores sólidos está a utilização de inibidores angiogênicos produzidos naturalmente pelo organismo humano (endógenos), a angiostatina e a endostatina. Estes inibidores atuam 202


impedindo a proliferação e migração celular, bem como na sobrevivência das células endoteliais. Existe, ainda, outra classe de inibidores antiangiogênicos, os exógenos, que podem ser substâncias, moléculas, drogas que não são produzidas pelo organismo. Dentre esta gama de inibidores exógenos, encontram-se o anticorpo monoclonal bevacizumab, (visto anteriormente na sessão Terapia Gênica com anticorpos e Imunomodulação) a interleucina 12 (IL-12), que atua como imunomodulador estimulando a formação de inibidores da angiogêse, a trombospondina que inibibe a ligação dos estimuladores angiogênicos, dentre outros. Diversos estudos nesta área encontram-se em fases pré-clínicas. Além disso, grande parte deles concentra-se na inibição de rotas pró-angiogênicas (especialmente na rota de sinalização de VEGF-VEGFR) e na estimulação de rotas antiangiogênicas (através da utlização de inibidores endógenos e citocinas).

Presente, futuro e perspectivas da terapia gênica em câncer O advento da terapia gênica permitiu criar uma nova ótica no tratamento oncológico, isto, é possibilitou e possibilitará novos e promissores estudos que ora servirão como ferramentas complementares a aquelas já existentes e amplamente utilizadas (como quimioterapia, radioterapia), ora como alternativas de 203


tratamento menos invasivas, menos tóxicas e com menores efeitos colaterais ao paciente. A terapia gênica vem também somar esforços na tentativa de combater também outras patologias, como doenças cardiovasculares, infecciosas, neurológicas, etc., mas, no cenário atual, é a área oncológica onde se encontram a maioria dos ensaios clínicos que envolvem o uso da terapia gênica (figura 3). Conforme os dados extraídos da figura 4, a maioria dos estudos encontra-se em fases inicias de ensaios clínicos (I-II), e, portanto, é precoce dizer quais serão os possíveis efeitos dos fármacos sobre as células tumorais alvo, bem como no organismo humano como um todo. Com o seqüenciamento do genoma humano (visto anteriormente no capítulo 3) juntamente com a revolução das áreas de biologia celular, biologia molecular, engenharia de materiais (produção de nanopartículas), combinadas aos avanços da bioinformática e da biotecnologia médica, fizeram com que o conceito de terapia gênica em câncer pudesse ser mais viável e promissor.

204


Figura 2. Distribuição do uso da Terapia Gênica conforme diversos tipos de patologias.

Ensaios clínicos dirigidos à Doenças relacionadas ao Terapias Gênicas câncer (n=1098)

Doenças cardiovasculares (n= 144) Doenças monogênicas (n=141) Doenças infecciosas (n=137) fonte: The Journal of Gene

Apesar dos potenciais benefícios da terapia gênica do câncer, se faz necessário aprofundar o conhecimento dos mecanismos de ação, de doses mais efetivas e dos possíveis efeitos secundários dos diferentes fármacos disponíveis na atualidade antes de sua utilização no tratamento dos pacientes. Por exemplo, a maioria dos ensaios clínicos não permite avaliações diretas dos efeitos antiangiogênicos e

estudos

de

imagem

não

são

realizados 205


freqüentemente para confirmar a eficácia do método. Isto ocorre devido à ausência de biomarcadores confiáveis para avaliar tal eficácia, identificando quais pacientes irão responder bem a terapia e quais apresentarão resistência a elas. Figura 3. Fases de Terapia Gênica em ensaios clínicos. Nesta ilustração observa-se o número de ensaios clínicos em terapia gênica de acordo com a suas respectivas fases de experimentação ( I-IV). Fases de ensaios clínicos em Terapia Gênica

fonte: The Journal of Gene Medicine - 2011

Fase I (n= 1035) 60.8% Fase I/II (n=312) 18.3% Fase II (n=279) 16.4% Fase II/III (n=14) 0.8% Fase III (n=59) 3.5%

O desenvolvimento de tais marcadores e de métodos de imagem auxiliará na ampliação do 206


entendimento dos mecanismos de ação e resistência em terapia antiangiogênica. Ainda, existe a possibilidade de indução de novos tumores, quando há integração do gene de interesse em regiões que não deveriam recebê-lo, como, por exemplo, em uma região onde esteja localizado um gene supressor de tumor, bem como o risco de que haja uma resposta do sistema imune que acarrete a diminuição da efetividade da terapia, podendo comprometer as administrações futuras do fármaco, quando for necessário. Entretanto, existem muitos centros e instituições de pesquisas que visam contornar estes problemas e aprimorar tais métodos utilizados na terapia gênica em câncer. Essa informação pode ser constatada através da consulta, on-line, através do banco de dados criado pelo U.S. National Institute of Health de ensaios clínicos conduzidos nos Estados Unidos e nos demais países do mundo, trazendo o resumo da experimentação, executores do projeto, local e contato direto com a instituição e com o principal investigador envolvido na pesquisa (disponível na internet em 25/05/2011 clinicaltrials.gov). A terapia gênica é um campo recente e como tal possui muitos desafios pela frente a serem superados. Não faltam investimentos e profissionais altamente qualificados na área. Além disso, muito de seus ensaios clínicos, embora esteja a maioria em fases iniciais, demonstraram ser promissores no combate a uma das 207


doenças que mais levam a óbitos no mundo por ano, o câncer.

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Leituras recomendadas Bonini, C.; Bondanza, A.; Perna, S. K.; Kaneko, S.; Traversari, C.; Ciceri, F.; Bordignon, C. The suicide gene therapy challenge: How to improve a successfull gene therapy approach. Molecular Therpay, v. 15(7), p. 1248-1252, 2007. Bonini,C.; Gansbacher, B. Cancer Gene Therapy: Present and Future. Human Gene Therapy, v. 4(3), p. 1100, 2009. Dias, J. D. Adenoviral Gene Therapy for Advanced Head and Neck Cancer. 61f. Dissertação. Helsinki University Biomedical Dissertations, Helsinque. 2010 Fukumori, Y.; Ichikawa, H. Nanoparticles for cancer therapy and diagnosis, v. 17(1), p. 1-28, 2006. Galanis, E. Cancer gene therapy clinical trials: from the bench to the clinic. Novel Anticancer Agents, p.379-390, 2006. Goldstein, I.; Marcel, V.; Olivier, M.; Oren, M.; Rotter, V.; Hainaut, P. Understanding wild-type and mutant p53 activities in human cancer: new landmarks

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CAPÍTULO 8

CÉLULAS TRONCO E CÂNCER Fernanda Nedel, Tatiane Bilhalva Fogaça, Tiago Collares Introdução - a primeira Célula Tumoral Um entendimento completo sobre o processo do câncer requer um conhecimento mais detalhado sobre as origens do crescimento neoplásico, ou seja, quando as células começam a apresentar um comportamento alterado. Durante grande parte do século 20, explicavase o processo de inicialização e progressão do câncer por meio de um Modelo Estocástico, ou seja, oriundo de eventos aleatórios. Neste modelo uma célula ou um grupo de células se tornam tumorigênicas após uma mutação germinativa ou somática inicial, e posteriormente vão acumulando mutações somáticas que resultam em proliferação e vantagens de sobrevivência de clones celulares específicos. Este modelo pressupõe que todas as células em um tumor 213


mantêm a mesma capacidade de sustentar o crescimento tumoral, onde as células teriam uma taxa de crescimento e um padrão morfológico semelhantes, e a capacidade de recapitular o fenótipo original do tumor quando transplantadas. Apesar da sua ampla utilização este modelo possui duas importantes limitações: a heterogeneidade tumoral e o potencial de uma célula tumoral iniciar um novo tumor. Desde o tempo dos grandes patologistas experimentais (Virchow, Maximov, dentre outros) tem sido reconhecido que os tumores, sejam eles sólidos ou leucêmicos, exibem marcada heterogeneidade morfológica. Com o advento do transplante de linhagens celulares tumorais em murinos, Furth e Kahn em 1937 foram capazes de demonstrar que uma única célula, e não um agente transmissível poderia dar início a um enxerto tumoral. Ao longo das décadas seguintes outros estudos aplicaram o transplante de células tumorais de uma variedade de tumores sólidos e leucêmicos, demonstrando uma grande variação na freqüência de células que efetivamente conseguiam iniciar o crescimento tumoral. Estudos utilizando suspensão de células oriundas de tecido tumoral e autotransplantadas demonstravam que a reintrodução tumoral era variável e rara, onde muitas vezes eram necessárias mais de 106 células para o sucesso do transplante. Com os avanços tecnológicos, como a radiomarcação em combinação com a autoradiografia, permitiram a medição da proliferação, sobrevida 214


celular, e a relação hierárquica em tecidos normais e neoplásicos. Estudos pioneiros estabeleceram que os tumores exibiam uma heterogeneidade não somente morfológica mas também funcional. Estes estudos analisaram a cinética de proliferação primeiramente em linhagens celulares e modelos murinos de leucemia mielóide aguda (LMA) e posteriormente em humanos. Os dados destes estudos demonstraram que a grande maior dos blastos leucêmicos (células leucêmicas imaturas) eram pós-mitóticas e precisavam ser continuamente repostas por uma pequena fração proliferativa. Apenas uma pequena fração (aproximadamente 5%) de blastos leucêmicos eram cíclicos in vivo. Contudo análises mais apuradas demonstraram que existiam duas frações celulares proliferativas em pacientes: uma população maior, com ciclo celular rápido de 24 horas, e outra população menor com um ciclo celular lento que entravam em um período de latência por semanas ou meses. Os pesquisadores inferiram que a fração com ciclo celular lento estaria originando a fração de células com o ciclo celular rápido, sugerindo que as primeiras poderiam ser células tronco leucêmicas, pois as mesmas tinham propriedades citocinéticas similares às observadas em células tronco hematopoiéticas. Eles observaram que a fração com o ciclo celular lento era menor em tamanho e possuía menos granularidades que a fração de proliferação rápida, o que levou a especulação de que estas células poderiam representar frações celulares distintas. Naturalmente estes estudos não puderam 215


comprovar se as frações representavam a mesma população de células em um estado proliferativo ou não proliferativo, ou se estas observações apontavam para uma relação hierárquica que representava dois tipos celulares funcionalmente distintas. Como havia pouco que poderia ser feito com a população de células leucêmicas com o ciclo celular lento, a atenção foi focada no desenvolvimento de um ensaio clonogênico (CFU – unidades formadoras de colônia) para as células leucêmicas que se proliferavam rapidamente. Os estudos que se seguiram utilizando esta técnica estabeleceram que as células leucêmicas de rápida proliferação eram distintas da maioria dos blastos leucêmicos e que as células leucêmicas dentro de uma colônia individual poderia ser mais diferenciada que a células leucêmicas de rápida proliferação que originou a colônia. Ainda, McCulloch et al demonstrou evidências adicionais para a heterogeneidade, uma vez que observou que as células leucêmicas de rápida proliferação diferenciam em sua capacidade de repique, sendo algumas incapazes de formar colônia secundárias enquanto outras formavam colônias secundárias facilmente. Os estudos clássicos supracitados permitiram que hoje soubéssemos que os tumores de diferentes pacientes, sejam sólidos ou leucêmicos, possuem uma significativa heterogeneidade em termos de morfologia, marcadores de superfície celular, lesões genéticas, cinética de proliferação celular e respostas as terapias. Esta heterogeneidade também é vista dentro de um 216


tumor clonal, ou seja, que se originou da mesma célula. Embora células individuais de um tumor compartilhem aberrações genéticas em comum, refletindo a sua origem clonal, análises de células individuais mostram a existência de variações em abnormalidade genéticas e epigenéticas entre células diferentes ou com localização diferente dentro do tumor. Ainda, o modelo estocástico previa que todas as células poderiam iniciar um novo tumor. Como visto nos estudos experimentais esta previsão estava em desacordo com as observações de que um grande número de células era necessário para a transferência de um tumor. Nos últimos anos, um modelo alternativo de evolução do câncer tem sido proposto. Este novo modelo estabelece a existência de uma ordem hierárquica, onde uma célula tecido/específica programada ou re-programada, as chamadas “células tronco tumorais”, adquirirem ou mantêm as propriedades de auto-renovação, diferenciação em linhagens múltiplas e o mais importante a capacidade de iniciar tumores in vitro e in vivo. Esta população de células é a única com a capacidade de iniciar e manter o tumor, permitir a sua propagação e colonizar locais distantes. As outras células que compõem o tumor seriam células amplificadas em trânsito (ver adiante) e células maduras com pouca ou nenhuma capacidade de iniciar e/ou manter o tumor. Contudo, é importante notar que o termo “célula-tronco tumoral” não implica que a célula é derivada de células tronco normais. Dependendo do tipo de tumor, as células que o 217


originam podem ser oriundas de células progenitoras, células diferenciadas ou mesmo células tronco normais, onde as mesmas não precisam possuir o mesmo fenótipo, no que se refere à capacidade de autorenovação e diferenciação, das células que dão origem ao tumor (células tronco tumorais). Este modelo de organização celular hierárquico, que é a base para a definição de uma célula-tronco cancerígena, não é novo. Acredita-se ser o paradigma do que ocorre durante o desenvolvimento embrionário e em tecidos adultos, por exemplo, em tecidos que precisam ser mantidos durante a vida do indivíduo (tecido hematopoiético e epitelial) possuem um sistema hierárquico baseado na existência de uma célula-tronco multipotente (capacidade de se diferenciar em um espectro menor de tipos celulares quando comparada com as células pluripotentes) e que possui a capacidade de auto-renovação e diferenciação. Acredita-se que quando ocorre à divisão assimétrica das células tronco normais forma-se uma pequena população de células progenitoras comprometidas com a diferenciação celular, chamadas de células amplificadas em trânsito (transit-amplifying cells). Estas células passam por divisões mitóticas limitadas, onde no decorrer deste processo vão se diferenciando e perdendo gradualmente a capacidade proliferativa, mantendo-se um arranjo hierárquico. As primeiras células amplificadas em trânsito (fase inicial) têm um ciclo celular lento e passam por algumas divisões celulares, algumas das quais podem ser assimétricas; células 218


amplificadas em trânsito em estágio mais avançado realizam a divisão celular mais rápida, apesar da mesma ser restrita, o que gera uma massa celular satisfatória necessária para a diferenciação. Contudo, o estudo das células tronco tumorais esbarrava na dificuldade em isolar e identificar estas células. A invenção da citometria de fluxo permitiu a utilização de marcadores específicos para isolar subconjunto de células tronco tumorais. Em 1997, Bonnet e colaboradores isolaram dois grupos de células de leucemia de pacientes com leucemia mielóide aguda utilizando marcadores de superfície específicos CD34+ CD38-. Neste estudo descobriram que as células CD34+ CD38- tinham a capacidade de auto-renovação, um potencial multipotente similar as células tronco hematopoiéticas e desenvolviam tumores mais rápidos que as células CD34- CD38+. Assim, os autores concluíram que a subpopulação de células CD34+ CD38poderiam ser as células iniciadoras da leucemia mielóide aguda, fornecendo a primeira evidência experimental da existência de células tronco tumorais. Em 2003 Al-Hajj e colaboradores, isolaram células tronco tumorais CD44+CD24- de pacientes com câncer de mama, demonstrando pela primeira vez evidências experimentais da presença de células tronco tumorais em tumores sólidos. Contudo, o modelo das células tronco tumorais não contradiz a visão da evolução clonal do câncer, mas sugere um papel fundamental da hierarquia de células tumorais na evolução do tumor, e destaca a importância 219


de diferenciações aberrantes na tumorogênese. Com base nas variações genéticas observadas em populações de células tronco tumorais, de diferentes tumores e as mutações genéticas em vias de desenvolvimento em diferentes tipos de câncer, tem sido proposto que as progressivas alterações genéticas podem ocorrer em células tronco tumorais, onde a progressão clonal do câncer poderia funcionar através do “compartimento de células tronco tumoral”. Em tecidos normais, a heterogeneidade das células reflete um programa de diferenciação hierárquica, em que vários tipos de células maduras são derivadas de uma célula-tronco multipotente em comum através de progenitoras intermediárias. Populações heterogêneas de células tumorais em estágios diferentes de diferenciação pode ser o resultado de mutações adquiridas e aberrações no processo de diferenciação que mantém, no entanto, uma diferenciação hierárquica. Devido a instabilidade genética as células tronco tumorais isoladas de tumores detectado clinicamente teriam um perfil genético substancialmente diferente das células tronco tumoral que deu origem ao tumor.

Células tronco Tumorais A definição de células tronco tumorais não se baseia na origem desta célula, como comentado acima, mas sim nas características funcionais das mesmas. Estas incluem a habilidade de iniciar tumores em 220


camundongos imunocomprometidos, capacidade de auto-renovação avaliada pela formação de tumores secundários em camundongos, e a capacidade de se diferenciar em células não auto-renováveis que constituem a maior parte do tumor. Se o modelo das células tronco tumorais estiver correto, a evolução do tumor é em grande parte baseado em alterações na auto-renovação de células de inicialização tumoral (células tronco tumorais) e as vias de auto-renovação podem estar mais conservadas do que os marcadores de superfície destas células. Embora as vias que regulam a auto-renovação sejam rigorosamente controladas em células tronco normais, nas células tronco tumorais elas podem ser constitutivamente ativadas ou mal reguladas através de alterações genéticas e/ou epigenéticas, levando ao crescimento descontrolado. A via Wnt/β-catenina regula a auto-renovação e a oncogênese em diferentes tecidos. A ativação dos receptores Wnt acarreta no acúmulo no citoplasma da β-catenina e outras proteínas da família do gene Wnt, os quais eventualmente se translocam para o núcleo. Este deslocamento da β-catenina acarreta na expressão de genes relacionados com o processo de auto-renovação, onde a elevada expressão da β-catenina expande o pool de células tronco. A desregulação da via Wnt/β-catenina contribui para a inicialização do câncer, onde o ganho ou perda de mutações funcionais de vários membros desta via tem sido encontrados em muitos tipos tumorais. A BMI-1 (polycomb rinf finger oncogene – BMI1) também exerce 221


o seu efeito sobre à auto-renovação das células tronco tumorais, atuando como um grupo de proteínas polycomb com atividade de silenciamento epigenético. A BMI-1 foi expressa em células tronco neuronais e em células progenitoras proliferativas, porém tal expressão não foi verificada em células diferenciadas. A perda da BMI-1 resulta em uma drástica redução na proliferação e auto-renovação de células tronco neuronais. Sugerindo, portanto, que a BMI-1 é necessária para a auto-renovação das células tronco. No entanto as BMI-1 também têm sido relacionadas com o câncer, onde as mesmas já foram identificadas promovendo a geração de linfomas. Vários estudos mostram que a BMI1 e a molécula β-catenina da via de sinalização Wnt regulam a auto-renovação de células tronco hematopoiéticas e a proliferação de células tronco leucêmicas. Na verdade, muitas células tronco leucêmicas têm uma capacidade de auto-renovação maior do que as células tronco hematopoiéticas normais. Além disso, foi recentemente demonstrando que a manutenção das células tronco de tumor cutâneo é dependente da sinalização Wnt e βcatenina. As vias de sinalização relacionadas com o desenvolvimento regulam a auto-renovação das células tronco normais, dentre estas estão a via Wnt, Hedgehog e Notch. Estas vias encontram-se ativadas em inúmeros tipos tumorais humanos, podendo ser importante para a auto-renovação em muitos tipos de câncer. Ainda, dados recentes demonstram que o gene supressor de tumor p53 regula a polaridade da divisão celular na 222


auto-renovação em células tronco de mamíferos e sugere que a perda da p53 favorece divisões simétricas de células tronco tumorais, contribuindo para o crescimento tumoral em um modelo transgênico de câncer de mama. Nesta esfera de manutenção ou aquisição da capacidade de auto-renovação, os microRNAs (miRNA) vem ganhando evidência. Os miRNAs são RNAs endógenos e naturalmente gerados em células de mamíferos. Possuem cerca de 20 a 22 nucleotídeos que resultam da clivagem de um RNA maior não codificante que possui uma estrutura secundária em gancho. Os miRNAs podem atuar inibindo a transcrição de mRNAs por meio do pareamento parcial com sequências alvos. Existem indícios de que estes podem ter um papel crucial para o funcionamento e manutenção adequada das células tronco. Durante o desenvolvimento, a expressão de miRNAs parece ser tecido-específico, indicando que os miRNAs são essenciais para o estabelecimento e manutenção do tipo celular e identidade tecidual. A rede de fatores de transcrição como o OCT-4, SOX2 e Nanog tem surgido como os mecanismos de regulação mestres do processo de pluripotência (capacidade de se diferenciar em qualquer célula do corpo humano adulto, porém não são capazes de formar membranas extra embrionárias nem contribuírem com a formação da placenta) e diferenciação de células tronco normais. Ainda, os miRNAs para as regiões codificadoras do OCT-4, SOX2 e Nanog modulam a diferenciação de células tronco 223


embrionárias. Interessantemente, o miR-302, tipo de miRNAs, tem como alvo OCT-4/SOX2/Nanog, onde este demonstrou participar da conversão de células diferenciadas em células tronco pluripotentes induzidas. Tem sido proposto que diversos miRNAs associados com o glioblastomas podem ter uma função normal na regulação da diferenciação e auto-renovação de células tronco neurais durante o desenvolvimento. Contudo, a sua disfunção no câncer pode contribuir para a manutenção de um fenótipo indiferenciado proliferativo, impedindo a expressão de alvos de diferenciação e permitindo a expressão de genes que promovem a auto-renovação das células tronco tumorais. Ainda, uma expressão aberrante de miRNAs tem sido relacionado a doenças humanas tais como o câncer. Tumores analisados pelo perfil do miRNA (maduros e/ou precursores) tem mostrado uma diferença significativa no perfil de miRNA comparado com células normais proveniente do mesmo tecido. Estas vias também têm um papel importante em células progenitoras e um maior impacto sobre a linhagem celular, e poderiam ter funções adicionais na regulação do tumor e das células estromais. Neste campo da biologia do câncer, que está em rápida expansão, novas rotas pelas quais as células podem adquirir e/ou melhorar a capacidade de auto-renovação estão sendo constantemente descobertos, e o papel de genes clássicos do câncer no processo de autorenovação também está em ascensão. Por exemplo, por adquirirem alguns programas epigenéticos ou perder 224


certas combinações de genes supressores de tumor, células progenitoras podem obter a capacidade de autorenovação e se tornarem malignas. A auto-renovação pode ser afetada por mudanças na proliferação, diferenciação e/ou apoptose celular. Um aumento aberrante do processo de autorenovação, portanto, pode ser causada por diferentes mecanismos, tais como um aumento da taxa de proliferação ou mudança no equilíbrio da divisão celular, passando de uma divisão assimétrica para uma simétrica. As células tronco tumorais de leucemia mielóide aguda e leucemia mielóide crônica são na maior parte inativas, enquanto células tronco de muitos tumores sólidos podem proliferar. As células tronco tumorais de tumores de mama e pâncreas têm um perfil do ciclo celular que são semelhantes às células que compõem a massa tumoral, o qual não tem a habilidade de inicialização tumoral, demonstrando que não é uma vantagem proliferativa das células tronco tumorais que leva a potencialidade destas células. Portanto, a característica mais importante das células tronco tumorais parece ser o seu maior potencial de autorenovação ao invés da sua taxa de proliferação. De fato, durante a evolução clonal de células-tumorais, deve haver uma seleção mais forte para o aumento do potencial de auto-renovação do que para o aumento proliferativo.

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Células tronco tumorais em tumores sólidos, leucêmicos e benignos Como comentado acima, a primeira evidência de células tronco tumorais veio de estudos pioneiros sobe leucemia mielóide aguda em humanos, onde foi demonstrado que células trono tumorais CD34+ CD38eram organizadas em um modelo hierárquico. Nas diferentes leucemias tanto as células tronco normais como as células progenitoras comprometidas com as vias de diferenciação tem sido apontadas como possíveis alvos celulares de transformação. Na leucemia mielóide crônica – um dos primeiros distúrbios a ser definido por uma mutação genética dominante - as células tronco hematopoiéticas contendo a mutação BCR-ABL* foram estabelecidas como as células de origem tumoral por estudos clonais in vivo. Embora as células tronco hematopoiéticas mantém a fase crônica da doença, a análise de amostras de pacientes em crise blástica – a fase aguda e avançada da doença – indicou que, após eventos genéticos que ocorrem em células progenitoras estas dão origem as células tronco leucêmicas, demonstrando o processo dinâmico da tumorogênese. A célula de origem da leucemia aguda, incluindo a mielóide e linfóide, ainda não foi estabelecidas. Acredita-se que ela pode se originar no interior do compartimento de células hematopoiéticas primitivas, com o fenótipo da superfície celular 226


semelhante às células de inicialização tumoral leucêmica e das células tronco hematopoiéticas. Os primeiros estudos em células tronco leucêmicas foram baseados em uma abordagem similar que utilizava FACS (fluorescence-activated cell sorting) de células humanas com anticorpos dirigidos a marcadores de superfície, seguido de diluição e transplante geralmente em um sítio ortotópico (local de origem) em camundongo imuncomprometidos (o modelo de xenotransplante). Atualmente estas duas técnicas são as únicas existentes para definir uma célula como células tronco tumoral. A técnica de FACS e xenotrasplante de células viáveis dissociadas requer modificações na abordagem quando utilizadas para tumores sólidos. Uma vez que estes tumores contêm tanto células tumorais como diferentes células estromais, a quebra das interações entre estas células pode levar a apoptose induzida por perda de ancoragem da matriz extracelular circundante ou alterações nas propriedades das células tumorais. O procedimento de dissociação celular requer diversas manipulações o que também pode afetar a viabilidade celular. Além disso, ensaios que envolvem a injeção de células em um novo local tecidual em camundongos podem falhar em recapitular o ambiente das células tumorais no tumor de origem. Ainda, a natureza do hospedeiro imunocomprometido pode desempenhar um papel fundamental na eficiência da formação tumoral pós-transplante. Tal problemática foi evidenciada em um recente estudo sobre células de melanoma humano em que condições modificadas de 227


xenotransplantes, incluindo a utilização de um hospedeiro altamente imunocomprometido como o camundongo NOD/SCID interleucina-2 receptor chain null, aumentou a detecção de células tumorais de melanoma em várias ordens de magnitude. Aproximadamente uma em quatros células não selecionadas de melanoma formaram tumores neste estudo, nos levando a acreditar que as células tronco tumorais não são necessariamente raras e nos leva a questionar se “realmente estamos estudando as células tronco tumorais durante todo o tempo?”. Todavia, as células tronco tumorais de tumores sólidos tem sido isolado de tumor de mama (primeira célula tronco tumoral de tumor sólido a ser isolada – supracitado), cérebro, cólon, melanoma, pâncreas, próstata, ovário, fígado, pulmão e tumor gástrico. O progresso nesta área, no entanto, tem se tornado moroso pela falta de marcadores de superfície bem definidos e específico para os diferentes tipos de tumores. Em vista disso, o isolamento de muitas células tronco tumorais de tumores sólidos foi realizado através de marcadores incluindo os de adesão CD44 e CD24, ou por evidências diretas ou indiretas de proteínas racionadas com o efluxo de drogas como a ABCB5. A CD133, uma proteína da membrana plasmática encontrada predominantemente em estruturas embrionárias epiteliais, foi utilizada para isolar células tronco tumorais de tumor neural, na tabela 1 encontram-se os marcadores de diferentes tumores sólidos e hematológicos. 228


Tabela 1 – Principais marcadores de células tronco tumorais Tipo Tumoral Leucemia Leucemia

Mama

Marcador CD34+/CD38(AML) CD34+/CD38/CD19+ t(12;21) (ALL) CD44+/CD24– /low

Mama CD44+/CD24– Cérebro CD133+ Cólon CD133+ Cabeça e CD44+ Pescoço Pâncreas CD133+ Pulmão CD133+ Fígado CD90+ Melanoma ABCB5+

(%)Células expressando marcadores 1–4

Número mínima de células ND

1–4

ND

11 – 35

200

ND 2–3 1.8 – 25 0.1 – 42

2 × 103 500 200 5 × 103

1–3 0.32 – 22 0.03 – 6 1.6 – 20

500 104 5 × 103 106

As células tronco tumorais têm sido associadas, em grande parte, como as células iniciadoras de um grande espectro de tumores malignos. Contudo, ainda não era claro se tumores benignos teriam células tronco iniciadoras de tumores. Em um trabalho recente, Xu e colaboradores (2009) estudaram um tumor benigno cerebral chamado adenoma hipofisário. Neste estudo os 229


autores isolaram células semelhantes às células tronco tumorais, tendo as mesmas a capacidade de autorenovação e potencial multipotente. Quando comparadas com as células filhas diferenciadas as células tronco tumorais expressavam altos níveis de proteínas relacionadas a células tronco, proteínas antiapoptóticas, marcadores de células progenitoras hipofisárias e tinha uma maior resistência a quimioterapia. Ainda, as células tronco de adenoma hipofisário eram capazes de formar tumores quando transplantados em animais imunocomprometidos. Esta foi à primeira evidência experimental da existência de células tronco tumorais em tumores benignos.

Microambiente para as células tronco tumorais A interação entre as células tumorais, o estroma e o resto do organismo tem suas origens nos mecanismos fisiológicos de feedback que estão envolvidos na homeostasia do tecido normal. O equilíbrio entre a renovação e a perda celular é controlado minuciosamente pela comunicação entre a célula e o microambiente, permitindo repostas adequadas a estresse causado por injúrias ou agressões teciduais. Tumores em desenvolvimento não respondem as necessidades locais ou globais do organismo, e os mecanismos fisiológicos de feedback são interrompidos. O crosstalk entre diferentes tipos celulares parece ser um componente essencial na homeostasia de tecidos 230


normais, assim como no desenvolvimento do câncer, do seu crescimento e metástase. Para manter as células tronco normais durante toda a vida de um organismo, sem que ocorra o completo esgotamento ou exacerbação da proliferação gerando situações patológicas como o câncer, deve ser mantido um equilíbrio delicado entre a auto-renovação e a diferenciação. Acredita-se que a interação entre as células tronco com elementos específicos do microambiente (nicho) seja o mecanismo chave na regulação deste equilíbrio. O conceito de nicho de célula tronco foi proposto pela primeira vez no final de 1970, porém o nicho de células tronco hematopoiéticas foi identificado em camundongos somente três décadas depois. Informações detalhadas sobre a estrutura, composição e localização exata dos nichos está apenas começando a ser demonstrado, onde em seres humano é apenas uma área emergente. No entanto, têm sido revelados diferentes tipos de sinalizações e moléculas de adesão, as quais parecem ter um importante papel na regulação da quiescência, auto-renovação e destino das células tronco. Ao nicho de células tronco tem sido atribuída a função de manutenção da quiescencia através de estímulos inibitórios da proliferação celular. No entanto, o mesmo deve fornecer também sinais indutores de proliferação e diferenciação nos momentos em que um elevado número de células progenitoras, comprometidas com diferentes linhagens celulares, se faz necessário. Finalmente, o nicho necessita garantir 231


uma reserva de células tronco o que requer uma divisão celular rigidamente controlada garantido o processo de auto-renovação. Assim, um dialogo espaço-temporal é mantido entre o nicho e as células tronco a fim de cumprir as exigências de manutenção e diferenciação celular, onde o microambiente proporciona um abrigo que seqüestra estas células de estímulos de diferenciação, quando estes não são necessários, de apoptose e outros estímulos que poderiam ser um desafio as reservas de células tronco. Devido ao importante papel do microambiente de células tronco normais no controle do destino celular, tem sido proposto a existências de um “nicho de células tronco tumorais”. Estudos têm evidenciado que os fatores derivados do microambiente tumoral podem servir para regular as células tumorais, onde este microambiente poderia possuir semelhanças com o nicho de células tronco normais. Em diversos tumores sólidos os fibroblastos, que compõem o microambiente de células do tumor, são de fato molecularmente distintos daqueles que formam o estroma normal. Em um estudo recente, a expressão global de genes de células estromais derivadas de carcinoma basocelular de pele mostraram diferenças quando comparadas com a expressão de células normais da pele. Os perfis genômicos revelaram que os fibroblastos dérmicos associados ao tumor expressam altos níveis do antagonista da BMP, o GREMLIN 1. A proteína Gremlin 1 mantém as células do carcinoma basocelular em um estado menos diferenciado, sugerindo que a expressão 232


dos antagonistas da BMP secretados pelas células estromais associada ao tumor podem promover a autorenovação das células tumorais. Ainda, tem sido verificado o aumento da expressão do GREMLIN 1 por células estromais de outros carcinomas sem possuir, no entanto, a mesma correspondência de expressão no tecido normal. As evidências de interações entre os nichos e as células tronco tumorais vêm de dois estudos publicados recentemente. Estes demonstraram a dependência de células tronco tumoral proveniente da leucemia mielóide aguda em humanos, da leucemia mielóide crônica em murinos e de células progenitores, do receptor de membrana plasmático vinculado ao ácido hialurônico CD44 (H-CAM), expresso tanto em células tronco normais como tumorais. Em um dos estudos foram utilizados anticorpos monoclonais direcionados para a molécula de adesão CD44 em camundongos NOD/SCID, os quais foram xenotrasplantados com células provenientes de leucemia mielóide aguda humana. Foi demonstrada uma marcada redução no desenvolvimento de leucemia in vivo. Isto indica que a expressão do CD44 pode ser essencial para o “homing” adequado (migração celular para o local de origem) e estabelecimento das células tronco tumorais ao seu nicho. Ainda, o bloqueio do CD44 também tem mostrado o potencial de prevenir a formação de nódulos tumorais locais e metastáticos no pulmão a partir de células de carcinoma hepático CD90+ CD44+ em camundongos imunocomprometidos, sugerindo a 233


dependência das células tronco tumorais na sinalização CD44 no microambiente tumoral. Em uma outra abordagem, o crescimento das células leucêmicas linfoblásticas desfez o nicho de células tronco hematopoiética e criou um microambiente anormal capaz de sequestrar células tronco hematopoiéticas humanas transplantadas. Neste modelo o número de células normais CD34+ (conjunto de células ricas em células tronco hematopoiética) declinou com o tempo e falhou em se mobilizar para a circulação periférica em reposta a estimulação de citocinas, comportamento esperado em um processo normal de homeostasia. Acredita-se que a neutralização do fator de célula tronco (SCF – stem cell factor) secretado pelas células leucêmicas inibiram a migração das células CD34+ em nichos malignos. Estes resultados sugerem que o microambiente tumoral cause disfunções nas células tronco normais pelo deslocamento destas células de seus nichos. Portanto, acredita-se que as células tronco tumorais podem seqüestrar o nicho de células tronco normais para viabilizar a sua própria proliferação e sobrevivência, e possivelmente para a criação de nichos secundários durante as fases posteriores da evolução da doença (Figura 1).

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Figura 1 – O sequestro do nicho de células tronco normais por células tronco tumorais. O nicho de células tronco da medula óssea normal é composto por células mesenquimais e células vasculares dentro de uma matriz óssea acelular (fibronectina, ostepontina, colágeno, hemonectina e cálcio). As células tronco leucêmicas e o nicho interagem pela expressão de citocinas (ex: SCF) e moléculas de adesão como o ácido hialurônico que se ligam a receptores CD44 em células tronco leucêmicas. As células tronco leucêmicas podem prejudicar a função do nicho de células tronco hematopoiéticas normais, se infiltrando e destruindo o padrão normal de proliferação e diferenciação. Levando, assim, a formação de uma proposta alternativa de nicho, a qual permitiria o aumento da migração de células leucêmicas para fora da medula óssea mantendo, no entanto, uma fração significativa da população de células tronco leucêmicas.

Como comentado acima, embora existam evidências substanciais do papel do microambiente sobre as células tronco tumorais, a existência e a arquitetura desta estrutura ainda permanecem desconhecidas. No entanto, os nichos de células tronco tumorais aberrantes podem resultar em doenças, como exemplificado por uma alteração no microambiente de células tronco hematopoiéticas normais. Podendo levar ao desenvolvimento de doenças mieloproliferativas (células da medula produzidas em grande número) e 235


mielodiplasias seguido pelo surgimento de leucemia. Tem sido relatado que a supressão da Dicer 1, um RNA de fita dupla ribonuclease específica, em células osteoprogenitoras de camundongos, mas não em osteoblastos maduros, rompe a integridade da hematopoiese. Curiosmante, a deleção do Dicer1 resulta na redução da expressão do Sbds, o gene mutado na síndrome de Schwachman-Bodian-Diamond que resulta em uma falha da medula óssea humana e uma condição de pré-disposição leucêmica. A deleção do Sbds em células osteoprogenitoras de camundongos também promove disfunção na medula óssea (mielodisplasia), sugerindo perturbações específicas em um subconjunto de células mesenquimais específicas do estroma (as células mesenquimais contribuem predominantemente para o estroma dos tecidos normais e malignos) podendo transtornar a proliferação, diferenciação e apoptose de células heterogêneas, e perturbar a homeostasia do tecido. Assim, a disfunção primária do estroma pode resultar em doenças neoplásicas secundárias, apoiando o conceito de nicho oncogênico induzido. Alterações nos nichos de células tronco hematopoiético também tem sido demonstrado no microambiente hematopoiético deficientes em retinoblastoma (Rb), que podem induzir a mieloproliferação. A inativação generalizada de Rb no sistema hematopoiético de murinos resultou na mobilização maciça de células tronco hematopoiéticas para sítios extramedulares e subseqüente diferenciação, 236


perdendo-se estas células da medula óssea. No entanto, este fenótipo não era intrínseco as células tronco hematopoiéticas, pelo contrário, era secundário a interação Rb-dependente entre células derivadas da medula e o microambiente, sugerindo que perturbações no meio extrínseco ao nicho pode favorecer no sentido da proliferação anormal no nicho de células tronco. O envolvimento do microambiente com células tronco tumorais em tumores sólidos também tem sido analisado. As células de tumor cerebral Nestin+/CD133+, que incluem a fração de células tronco tumorais, estão localizadas próximo a capilares. Tem sido demonstrado que as células endoteliais interagem seletivamente com as células de tumor cerebral Nestin+/CD133+ em cultura, e secretam fatores que mantém estas células em um estado indiferenciado e em auto-renovação. O aumento do número de células endoteliais ou vasos sanguíneos em xenotransplantes de tumores cerebrais ortotópicos, expandiu o número de células tumorais Nestin+/CD133+ auto-renovadas e acelerou a inicialização e o crescimento tumoral. Assim, propõem-se que a microcirculação tumoral gera nichos específicos que promovem a formação e/ou manutenção das células tronco de tumores cerebrais. Como os nichos controlam a função das células tronco, pode parecer contraintuitivo que as células tronco tumorais estariam localizadas dentro destes microambientes regulatórios. Contudo, acredita-se que os nichos vasculares em tumores cerebrais seriam anormais e contribuiriam diretamente na geração de células tronco tumorais e no 237


crescimento tumoral. Em cérebros normais, os nichos de células tronco neuronais estão restringidos a duas regiões cerebrais, o hipocampo e a zona subventricular, onde as taxas de crescimento celular são baixas. Em contraste, foi encontrada uma significativa proporção de células tumorais Nestin+ associadas a vasos que eram proliferativas, onde estas células estavam distribuídas por todo o tumor de todas as regiões do cérebro e cerebelo. Portanto, existem vários modelos possíveis de interações entre o microambiente e as células tronco tumorais. (A) Estas podem não exigir um nicho distinto para a sua expansão podendo ser capaz de sobreviver no nicho de uma célula tronco normal. (B) Alternativamente, um nicho de células tronco tumoral distinto pode ser necessário para a sua ativação. As células tronco tumorais pode ser dependente da préexistência de um nicho favorável à sua expansão. Assim como ocorre com as células tronco normais, o nicho pode ser importante para manter a divisão simétrica e para manter as células tronco tumorais próximas dos sinais que mantém as suas propriedades. (C) Ainda, as células tronco tumorais podem ser capazes de fornecer sinais que transformem um nicho quiescente em um ativo, efetivamente seqüestrando o nicho. (D) Sinais provenientes de células tronco tumorais podem resultar na amplificação de um nicho ativado pré-existente, permitindo a futura expansão tumoral. (E) As células tronco tumorais podem ser ainda independente do nicho, ou seja, eles podem ter adquirido a capacidade 238


de prover-se com elementos necessários para a sua expansão e auto-renovação que poderiam ser normalmente limitado pelo nicho. (F) Por último, pode haver um nicho discreto que é inibitório para as células tronco tumorais, favorecendo fatores que induzem a diferenciação e morte celular (Figura 2).

Figura 2 – Modelos para a relação entre as células tronco tumorais e nichos.↑= Fatores indutores provenientes das células tronco tumorais para o nicho.

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Metástase e células tronco tumorais

A metástase é responsável por até 90% das mortes associadas com o câncer, no entanto, continua a ser o componente mais mal compreendido da patogênese do câncer. Durante a disseminação metastática, uma célula de um tumor primário executa a seguinte sequência de passos: invade localmente o tecido circundante, entra na microvasculatura da linfa e dos sistema sanguíneo, sobrevive e se transloca através da corrente sanguínea para microvasos de tecidos distantes, sai da corrente sanguínea, sobrevive no ambiente oferecido pelo tecido para o qual migrou, e finalmente se adapta ao microambiente de maneira a facilitar a proliferação celular e a formação de um tumor secundário macroscópico (colonização) (Figura 2). Para que as células tumorais individuais ou em grupos possam se desligar do tumor primário e iniciarem o processo metastático, essas células devem adquirir a habilidade de migrar e invadir. Essas características permitem que as células degradem e se movam através da matriz extracelular do tecido circundante para os vasos sanguíneos e linfáticos, que por sua vez, fornecem caminhos para a sua passagem para locais distantes (secundários).

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Figura 2 – Cascata metastática. A metástase pode ser vista como um processo que ocorre em duas fases principais: (1) a translocação física das células tumorais do tumor primário a um órgão distante (2) a colonização das células tumorais translocadas no órgão distante. Inicialmente as células tumorais do tumor primário adquirem um fenótipo invasivo. As células tumorais podem então invadir a matriz circundante e se dirigir para os vasos sanguíneos entrando na circulação sanguínea. As células tumorais que trafegam através da circulação são as células tronco tumorais, onde elas apresentam propriedades de sobrevivência independente de ancoragem. Quando chegam ao órgão distante, as células tronco tumorais saem da circulação e invadem o microambiente do tecido. Neste sítio as células tumorais devem ser capazes de escapar da resposta imune inata e sobreviver como uma célula única (ou como um pequeno aglomerado de células). Para se desenvolver em uma macrometástase ativa, as células tumorais devem ser capazes de se adaptar ao microambiente e iniciar a proliferação celular. (adaptado de Chaffer & Weinberg, 2011) .

A primeira indicação clínica da disseminação metastática pode vir da presença de células cancerígenas na drenagem dos gânglios linfáticos, que estão ligados diretamente com o sitio de formação tumoral primário através dos vasos linfáticos. Estes linfonodos de drenagem parecem reapresentar “becos 241


sem saída”, ao invés de pontos de parada temporário a partir do qual as metástases mais distantes são lançadas. De fato, a disseminação para locais anatomicamente distantes parece ocorrer quase que inteiramente pelo sangue através do processo de disseminação hematogênica. A questão central, ainda sem solução, é se essa aquisição de características malignas ocorre como uma conseqüência quase inevitável da progressão do tumor primário ou como um produto acidental da mesma. A ampla aceitação, mas ainda não comprovado, postula que as células tumorais adquirem uma sequência de alterações genéticas e epigenéticas, cada qual conferindo uma ou outra forma de aptidão metastática. Cada uma destas alterações pode provocar uma expansão clonal das células que adquiriram tais alterações, levando a uma sucessão de expansões clonais que se assemelha, em parte, a um esquema de evolução darwiniana. Com base na complexidade do processo metastático, parece improvável que todas as células do câncer seriam capazes de concluir com êxito todas as etapas necessárias para formar metástases clinicamente relevantes. De fato, sabe-se que a metástase é um processo altamente ineficiente e, curiosamente, que nem todas as etapas do processo são igualmente ineficazes. Estudos prévios realizados por Luzzi e seus colaboradores utilizaram a microscopia de vídeo in vivo para acompanhar o destino da metástase celular. Eles 242


observaram que as células tumorais foram muito eficientes na migração através da circulação, extravasamento para fora dos vasos e adesão no sítio secundário. Na verdade, quase 90% das células metastáticas conseguiram concluir com sucesso estas etapas iniciais do processo metastático. No entanto, aproximadamente 2% das células disseminadas foram capazes de formarem micrometástases, e só 0,02% das células foram capazes de desenvolver macrometástases vascularizadas. Estes resultados sugerem que apenas um subconjunto de células tumorais são capazes de atravessar com sucesso a cascata metastática inteira, e que o início e a manutenção do crescimento de células tumorais em um sítio é o que limita a metástase. Esta regulação do crescimento tumoral no sítio secundário também difere dependendo para qual órgão as células metastizaram, onde muitos cânceres mostram um padrão de metástase órgão-específico. Por exemplo, câncer coloretal metastisa preferencialmente para o fígado, o câncer de próstata frequentemente metastisa para os ossos e o câncer de mama para os linfonodos regionais, ossos, fígado, cérebro e pulmões. Inicialmente acreditava-se que as metástases seguiam os padrões de circulação (hipótese mecânica), ou seja, as células tumorais eram muito maiores do que as células sanguíneas, as células tumorais seriam forçadas a se acomodarem no leito capilar no primeiro órgão que encontrassem na circulação, e então formariam as metástases. No entanto, várias teorias têm desafiado esta idéia, propondo que existem outros mecanismos a 243


nível molecular que explicariam por que e como as células tumorais podem crescer em sítios metastáticos preferenciais. Uma das principais teorias é a chamada “semente e solo” proposto em 1889 por Stephen Paget. Este previa que as células tumorais (“sementes”) poderiam sobreviver e proliferar somente em sítios secundários (“solo”) que produzissem fatores de crescimento adequado para esse tipo de célula. Em uma meta-análise de dados publicados de autopsias Weiss demonstrou que, em muitos casos, as metástases detectadas estavam de acordo com o fluxo sanguíneo do sítio do tumor primário para o órgão secundário. Contudo, em alguns casos, mais metástases (notavelmente metástases de câncer de mama em ossos) ou menos metástases foram detectadas do que seriam esperados pelo fluxo de sangue sozinho, indicando que o “solo” ou o microambiente no órgão secundário seria provavelmente muito importante. Outro conceito chamada de “Teoria Homing” propõem que os diferentes órgãos produzem fatores quimiotáticos, como as quimiocinas, os quais podem atrair tipos específicos de células tumorais para um determinado órgão. Os receptores de citocinas CXCR4 e CCR7 são expressos em níveis elevados nos tumores malignos de mama e nas lesões metastáticas, e seus ligantes CXCL12/SDF-1α e CCL21 são expressos nos órgão que são sítios primário de matástases do câncer de mama. Ainda, as células metastáticas, assim como as células tronco normais, exigem um determinado nicho para crescer. Kaplan e seus colaboradores (2005) 244


demonstraram que as células hematopoiéticas derivadas da medula óssea VEGFR1+ podem migrar para sítios tumor-específico pré-metastático e formarem aglomerados celulares antes da chegada das células tumorais metastáticas em camundongos. Nestes sítios, as células da medula óssea que expressam diversos marcadores hematopoiéticos , como CD34, CD116, c-kit e Sca-1, auxiliam na manutenção de seu estado progenitor no interior do parênquima tecidual no nicho pré-metastático. Estas células hematopoiéticas + derivadas da medula óssea VEGFR1 (juntamente com a fibronectina) alteram o microambiente, o que leva a ativação de integrinas e citocinas (como a SDF-1) que promovem a adesão, sobrevivência e crescimento das células tumorais. É provável que todas essas teorias podem estar corretas simultaneamente. Uma vez que a metástase é um processo ineficiente, como comentado acima, onde esta reside na dificuldade das células tronco tumorais crescerem no tecido secundário. É possível que o método primário de disseminação seja mecânico (padrões de fluxo sanguíneo) e/ou dependente de fator quimiotático, contudo se um tumor irá ou não se formar depende se o microambiente metastático é adequado para sustentar o crescimento tumoral. Para neoplasia malignas epiteliais a transição epitélio-mesenquima (TEM) é considerado o evento crucial no processo de metástase. Identificado pela primeira vez no desenvolvimento embrionário, a TEM envolve a conversão de células epiteliais para um 245


fenótipo mesenquimal pela perda da polaridade, contato células-célula e remodelação do citoesqueleto. Células submetidas a TEM também expressão proteínas mesenquimais e desenvolvem uma maior capacidade de migrar, auxiliando na distribuição das células ao longo do desenvolvimento do embrião e dos órgãos. No câncer, acredita-se que as células epiteliais tumorais podem ser capazes de ativar, de alguma forma, este programa primitivo de desenvolvimento, convertendo células epiteliais diferenciadas em células tumorais desdiferenciadas que possuem características mais semelhantes às células mesenquimais. O fenótipo TEM em câncer tem sido associado a uma diminuição no crescimento tumoral, aumento da resistência a apoptose, aumento da mobilidade e invasão e o aumento da capacidade metastática. Essas transições fenotípicas são reversíveis, e acredita-se que uma vez que as células tumorais desdiferenciadas chegam ao seu local de destino, elas se transformam novamente em um fenótipo epitelial a fim de facilitar o crescimento do tumor no sítio secundário. Em muitos tumores epiteliais, a TEM ou perda da diferenciação é frequentemente evidente na borda de invasão do tumor e é provável que este possa mediar a separação celular do tumor primário e a eventual metástase. A TEM parece ser controlado por vias como a Wnt e TGF-β, onde ambas podem ser ativadas durante a neoplasia. Um estudo recente sugere que pode haver uma ligação direta entre a TEM e a aquisição da propriedade de célula tronco. As células que sofreram TEM poderiam ser as mesmas 246


precursoras de células metastáticas, e talvez até mesmo de células tronco tumorais metastáticas. As células tronco tumorais também podem ter um papel importante na criação de um nicho específico para a metástase. Contudo, as metástases podem surgir diretamente de células tronco tumorais? Dados recentes têm apoiado o conceito de uma célula tronco metastática (Figura 3). Hermann e colaboradores definiram um grupo de células distintas CD133+CXCR4+ (como explicado acima, o CXCR4 é um receptor para a citocina CXCL12 também conhecida como SDF1) que se localizava na borda de invasão de carcinomas de pâncreas e exibiam uma atividade migratória maior in vitro do que as células CD133+CXCR4-, apesar de ambos os tipos celulares apresentarem um desenvolvimento tumoral semelhante. Apenas as células CD133+CXCR4+ demonstraram atividade metastática para o fígado in vivo. Embora o estudo tenha sido realizado utilizando uma linhagem de células tumorais de pâncreas, o conceito de que existem subconjuntos de células funcionalmente distintas que tem atividade proliferativa tumoral ou metastática parece convincente. Além disso, a depleção farmacológica de células CD133+CXCR4+ pela inibição do receptor CXCR4 reduziu significativamente o potencial metastático de tumores pancreáticos sem alterar, contudo, o seu potencial tumoral. Ainda, os tumores primários de pâncreas compreenderam uma maior fração de células CXCR4+, as quais apresentaram uma maior atividade migratório in vitro, além disso 247


correlaciona com doenças metastáticas em pacientes. No câncer hepático, células tronco tumorais que podem contribuir diretamente para a metástase (células circulante THY1+) têm sido detectadas em paciente com câncer de fígado e podem gerar tumores em camundongos imunocomprometidos.

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Figura 3 – Modelo para a metástase tecido-específico mediada por células tronco tumorais. Independente das células de origem, o primeiro passo deste modelo é um evento de transformação, após o qual a capacidade de auto-renovação leva a expansão do pool de células tronco tumorais (A). Este pool de células inicializadoras de tumor possuem a capacidade de se expandir em uma massa tumoral heterogênea primária (B). Secreção de fatores geradores de um nicho metastático (C) possuem um importante papel na determinação do tropismo tecidual na lesão metastática futura.

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Uma vez que as células tronco tumorais metastáticas iniciam a migração por meio dos vasos sanguíneos (D), elas são guiadas pelo homing e fatores de ancoragem produzidos pelo nicho (E). Após serem semeadas, o microambiente do nicho auxilia em determinar se as células tronco tumorais metastáticas irão proliferar diretamente em uma lesão metastática (F), ou se irão entrar em um período de quiescencia (G), o qual pode ser encurtado por sinais de reativação promovendo a expansão em uma lesão metastática (H). Estes passos chaves da metástase apresentam vários alvos em potenciais para intervenções terapêuticas. Ø = potenciais terapêuticos. (adaptado de Li et al., 2007).

Células tronco tumorais na resistência terapêutica e possibilidades tratamento O câncer se tronou a principal causa de mortalidade no mundo. Apesar dos recentes avanços no tratamento e diagnóstico do câncer a mortalidade por esta patologia permanece inalterada, em parte devido ao desenvolvimento de resistência por parte do tumor à radiação e a quimioterapia. Como comentado acima, as células tronco tumorais compartilham muitas propriedades com as células tronco normais, onde esta última apresenta características que proporcionam uma vida longa tais como: a quiescenecia relativa, resistências as drogas e toxinas através da expressão de transportadores ABC (ATP-binding cassette transporters), capacidade de reparo de DNA e resistência a apoptose. Assim, as células tronco tumorais também podem possuir estes mecanismos de 250


resistências. O paradigma de que a resistência as drogas se origina no fenótipo de células tronco poderia estimular novas estratégias para o desenvolvimento de terapias contra o câncer. Assim uma propriedade particularmente intrigante é que elas expressam altos níveis de transportadores específicos de drogas ABC. Por exemplo, as células tronco hematopoiéticas expressam altos níveis de ABCG2, contudo o gene é desligado nas células progenitoras comprometidas com a diferenciação e as células sanguíneas maduras. Os dois genes codificadores dos transportadores ABC que tem sido extensivamente estudado nas células tronco são as ABCB1, que codificam a P-glicoproteina e a ABCG2. Juntamente com a ABCC1, eles representam os três principais genes de resistência a múltiplas drogas que tem sido identificado em células tumorais. Estes genes codificam transportadores promíscuos, os quais atuam tanto em compostos hidrofílicos como hidrofóbicos. Estes transportadores também têm papéis importantes na fisiologia normal no transporte de drogas através da placenta e pelo intestino (mais precisamente, a retenção de medicamentos no lúmen intestinal), e são componentes importantes da barreira sangue-cérebro e sangue-testículos. Ao usar a energia da hidrólise de ATPs, estes transportadores executam efusivamente o efluxo de drogas das células, servindo para protegê-las de agentes citotóxicos. Contudo, camundongos deficientes em qualquer um dos três genes (Abcg2, Abcb1 ou Abcc1) são viáveis, férteis e tem 251


compartimentos de células tronco normais. Isso indica que nenhum destes genes são necessários para o crescimento de células tronco e a sua manutenção. No entanto, estes camundongos são mais sensíveis aos efeitos de drogas como a vimblastina (atua inibindo a divisão celular), a ivermectina (droga antiparasitária de amplo espectro), o topotecan (quimioterápico) e a mitoxantrona (quimioterápico). As células tumorais podem adquirir resistência à quimioterapia por uma série de mecanismos, incluindo a mutação ou super expressão do alvo da droga, a inativação da droga, ou a eliminação do fármaco da célula tumoral. Normalmente, os tumores que recorrem após uma reposta inicial à quimioterapia são resistentes a múltiplas drogas. Na visão convencional sobre a resistência as drogas anti-tumorais, uma ou várias células na população tumoral adquirem mudanças genéticas que conferem resistência as drogas. Estas células têm uma vantagem seletiva que lhes permitem sobrepor-se a população de células tumorais após a quimioterapia. Baseado no conceito de células tronco tumorais postula-se um modelo alternativo, em que estas células são naturalmente resistentes a quimioterapia através da sua quisecência, sua capacidade de reparar do DNA, e a expressão de transportadores ABC. Como resultado algumas das células tronco tumorais podem sobreviver a quimioterapia e aporte a reestruturação tumoral. Em um terceiro modelo de aquisição de resistência as variantes resistentes do tumor, como as células 252


tronco tumorais ou seus descendentes próximos, surgem produzindo a população de células tumorais resistentes a múltiplas drogas, as quais podem ser encontradas em muitos paciente que tenham recorrido ao câncer após a quimioterapia. Os mesmo mecanismos que permite com que as células tronco acumulem mutações ao longo do tempo, devido a exposição à irradiação ou carcinógenos, permitiriam que as células tronco tumorais acumulassem mutações que conferem resistência as drogas as suas células filhas. Como exemplo, as alterações genéticas, como as que aumentam a expressão da ABCB1 em células de leucemia e linfoma humano podem ter se originado nas células tronco. Em um modelo final de “resistência intrínseca” tanto as células tronco como as células diferenciadas são inerentemente resistentes as drogas, de modo que as terapias têm pouco ou nenhum efeito, resultando no crescimento tumoral. Um exemplo deste último é um câncer intrísecamente resistente, como o câncer de células renais, onde a ABCB1 é expressa em todas as células e contribui para a tolerância a quimioterapia. Neste caso, o fenótipo de resistência das células tronco tumorais persiste nas células comprometidas com a diferenciação, células progenitoras anormais, as quais compõem o pool de células tumorais proliferativas (Figura 4).

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Figura 4 – Modelos de resistência tumoral. (A) No modelo convencional de células tumorais resistentes as drogas, poucas células com alterações genéticas conferiam resistência a múltiplas drogas oriundas de um clone droga-resistente (em vermelho). Após a quimioterapia estas células sobrevivem e proliferam, formando um tumor recorrente composto por células filhas de clones resistente a drogas. (B) No modelo de células tronco tumoral, a resistência as drogas pode ser mediada por células tronco.

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Neste modelo, o tumor contém uma pequena população de células tronco tumorais (amarelo) e suas células filhas diferenciadas, as quais são comprometidas com uma linhagem em particular (cinza). Após a quimioterapia as células comprometidas com a linhagem são eliminadas, porém as células tronco tumorais, as quais expressam transportadores de drogas, sobrevivem. Esta célula então repopulam o tumor, resultando em um tumor heterogêneo composto por células tronco e células filhas comprometidas, mas variavelmente diferenciadas. (C) Na modelo de células tronco tumorais com resistência adquirida, as células tronco tumorais (amarelo) sobrevivem a terapia, onde as células comprometidas mas com diferenciação variável são mortas. Podem surgir mutações nas células tronco tumorais sobreviventes e seus descendentes conferido um fenótipo de resistência as drogas (verde). Como no modelo “A” as células tronco com a mutação adquirida podem estar presente na população antes da terapia. (D) No modelo de resistência intrínseco, ambas as células tronco tumorais e as células com diferenciação variável adquirirem resistência as drogas, portanto as terapias têm pouco ou nenhum efeito, resultando no crescimento tumoral. (adaptado de Dean et al., 2005).

Assim, no modelo de células tronco tumorais os tumores tem uma população de células pluripotentes resistente as drogas que podem sobreviver a quimioterapia e voltar a crescer. Mais uma vez, um paralelo com células tronco normais pode ser feito com relação à recuperação de células tronco de tecidos normais após a quimioterapia. As recaídas rápidas observadas em alguns tumores, às vezes dentro de um ciclo de quimioterapia, tem um paralelo com o tecido normal na re-população da medula óssea por células tronco hematopoiéticas e a recuperação da mucosa do trato gastrointestinal, os quais ocorrem normalmente dentro de um ciclo de três semanas. Da mesma forma, a recorrência do tumor que ocorrem meses ou anos após uma resposta inicial à quimioterapia pode ser colocada em paralelo com a recuperação lenta observado com os 255


folículos pilosos. Embora seja terapeuticamente atraente, a hipótese de que as propriedades intrínseca das células tronco sozinhas fornecem as bases para a resistência aos medicamentos pode ser muito simplista. Recentes estudos com relação à resistência do imatinib (inibidor seletivo da tirosina quinase do ABL) em pacientes com leucemia fornecem um exemplo de como os transportadores ABC podem facilitar a aquisição de mecanismos de resistência aos medicamentos. Tem sido mostrado recentemente que o imatinib pode ser tanto um substrato como inibidor da ABCG2, tronando-se suscetível ao efluxo por células tronco que expressam estes transportadores ABC. Os estudos iniciais que relataram a resistência das células leucêmicas a imatinib descrevem a aquisição de mutações no domínio quinase da ABL de pacientes com leucemia mielóide cônica ou com leucemia linfoblástica aguda associada com t(9;22)(q34;q11). Estes resultados indicam que embora a expressão de transportadores de drogas em células tronco tumorais podem fornecer algum nível de resistência as drogas, uma mutação adquirida na ABL pode conferir maiores níveis de resistência. Embora estas mutações possam ter surgido durante a terapia, não foi excluída a sua existência antes da administração do imatinib. Na verdade, as mutações pré-existentes que conferem a resistência ao imatinib também foi descrita em um subgrupo de pacientes. Embora a expressão dos transportadores ABC possa tornar as células tronco tumorais resistentes as drogas, este não é o único fator determinante, onde a 256


capacidade de reparo do DNA da célula e a resistência da mesma em entrar no processo de apoptose pode ser tão ou mais importante. Sendo as células tronco quiescentes e, portanto, com baixa taxa de divisão celular, seria esperado que as mesmas fossem inertes às drogas que visam tanto o ciclo celular como as células que proliferam rapidamente. Na medida em que a quiescência é um importante mecanismo de resistência as drogas nas células tronco, os agentes terão que ser desenvolvidos para que sejam eficazes em células com tal característica. Por exemplo, estudos com o imatinib demonstram que o bloqueio de células BCR-ABL-positivo nas fases G1/S in vitro teve um impacto significativo sobre a capacidade da droga de induzir apoptose, indicando que o imatinib é eficaz em células quiescentes. As células tronco normais possuem um eficiente sistema de defesa contra mutações no DNA, que possivelmente serve para prevenir as mutações em células tronco tumorais. Infelizmente os sistemas de defesa inerentes as células tronco servem para proteger as células tronco tumorais da radioterapia e quimioterapia que possuem como alvos o DNA. A resistência das células tronco tumorais a quimio e radioterapias tem sido demonstrado em alguns estudos experimentais, contudo o mecanismo pelo qual isso ocorre não está completamente elucidado. Em um experimento em particular, a radiação causou níveis iguais de danos a todas as células tumorais, contudo as 257


células tronco tumorais forma capazes de repara os danos ao DNA mais rapidamente. Mais especificamente na radioterapia a morte celular é baseada na produção de lesões irreparáveis envolvendo quebras na dupla fita de DNA. Contudo, a maior parte dos danos ao DNA são subletais podendo ser reparado quando em doses menores, porém o acumulo de doses subletais pode também contribuir para a letalidade. A radiação gera espécies altamente reativas de oxigênio (ROS) por meio da ionização de moléculas de água, onde estás apresentam uma meia vida curta e rapidamente interagem com biomoléculas celulares. Aqueles que são gerados a 2 nm de distância do DNA tem maior importância no que se refere a promover danos ao DNA do que a ionização direta, consequentemente os sequestradores de radicais livres locais, como a glutationa, tem uma papel fundamental na extensão inicial do danos induzidos por radiação e a sobrevivência celular. As células CD24-CD44+ no câncer de mama (ver subcapítulo 2) são relativamente resistentes a radiação, o que pode ser atribuída aos menores níveis de ROS basal e induzido por radiação, indicando níveis elevados de sequestradores de radicais livres. Recentemente Diehn e colaboradores (2009) confirmaram a presença de baixos níveis de ROS antes e após a irradiação em murinos e células tronco tumorais de câncer de mama humano proveniente de linhagem celulares. Neste estudo a depleção da glutationa reverteu o fenótipo radioresistente das células tronco tumorais de mama. 258


Neste sentido, tem sido sugerido que baixos níveis de ROS constitutivo e induzidos por radiação poderiam ser um marcador útil para a identificação de células tronco tumorais e até mesmo de células tronco normais, podendo ser também crucial na determinação da resposta de uma determinada subpopulação celular a radiação ou outras terapias. A marca do reconhecimento e reparo da dupla fita de DNA é a fosforilação das histonas H2AX por uma proteína quinase (ataxia telangiectasia mutated – ATM) ou ATM (γ-H2AX)**. A radiação induz a formação de poucos ou significativamente menos focos de γ-H2AX em células troncos tumorais provenientes de câncer de mama. Ainda, em gliomas, embora as células tronco tumorais mostrarem uma resposta γ-H2AX inicial normal a irradiação, as quebras na dupla fita de DNA foram reparados de forma mais eficiente e rápida. Esta resposta pode depender, porém, do contexto do experimento. Recentemente do Ropolo e colaboradores (2009) contestaram a capacidade das células tronco tumorais de glioma de reparar danos no DNA de forma mais eficiente do que as suas contrapartes não tumorais (células tronco normais). Este revelou não haver mudanças no reparo de bases por excisão pelas γ -H2AX ou reparo de uma única fita de DNA em células tronco tumorais e células tumorais de glioma. Ainda, McCordetal observou que células de glioma CD133+ nem sempre eram mais resistentes a radiação que as células CD133-, embora este estudo não objetivasse 259


demonstrar os aspectos fenotípicos das células tronco tumorais além da positividade para o CD133. Atualmente não existe um marcador único e ideal para as células tronco tumorais em qualquer tipo tumoral. Além disso, a triagem das células tronco tumorais e o método de isolamento utilizados ainda precisam ser padronizados para permitir a comparação de dados obtidos entre diferentes laboratórios. Por exemplo, a expressão de CD133 é comumente utilizado para identificas células tronco tumorais de glioma, no entanto tem surgido dúvidas se estes marcadores podem definir as células progenitoras ao invés de células tronco tumorais ou se tem qualquer especificidade para as células tronco tumorais, e se não representa um estado de estresse celular em vez de propriedades “stemness”. Dados recentes em células tronco neuronais sugerem ainda a possibilidade da expressão CD133 ser dependente do ciclo celular e é especificamente downregulated nas fases de Go/G1. Apesar destas ressalvas, as células de glioma CD133+ forma utilizadas para demonstrar uma maior capacidade destas para reparar as rupturas de fita simples de DNA e pela ativação preferencial dos checkpoints de dano de DNA em resposta a radiação, o que foi avaliado pela hiperfosforilação de Chk1 (a fosforilação do Chk1 protege as células da citotoxidade promovida pela radiação), e em menor extensão o Chk2. A resistência a apoptose dos tumores também pode ser atribuído as células tronco tumorais pela ativação da via Akt e pelo aumento da expressão de proteínas 260


relacionadas com a apoptose. Este processo foi primeiramente demonstrado em células tronco tumorais proveniente de carcinoma de fígado, as quais ativaram preferencialmente as vias de sobrevivência Akt/PKB e bcl-2, onde a inibição da Akt sensibilizou as células tronco tumorais a apoptose induzida pela radiação. A sinalização do receptor da FMS-like tyrosine kinase 3 (FLT3) é uma importante via de crescimento hematopoiético a montante da Akt, onde foi demonstrado que a presença de FLT3 ativa o Akt. Este receptor encontra-se geralmente mutado na leucemia mielóide aguda e está associado com uma alta taxa de recidiva e pobre prognóstico. A inibição da sinalização do FLT3 por meio da utilização do CEP 701 reduz a tumoreogenese em xenoenxertos, em função disso esta droga já esta em ensaios clínicos fase 2. Outra via apoptótico de interesse é a mitocondrial a qual é desencadeada pela liberação do citocromo C e posteriormente a ativação do ativador de caspases (second mitochondria-derived activator of caspase Smac) relacionadas a mitocôndria. O Smac/DIABLO é uma proteína proapotótica liberada tanto na mitocôndria como no citosol que tem como função neutralizar o efeito inibitório das IAPs (proteínas inibidoras da apoptose). A maioria dos cânceres humano tem altos níveis de IAPs, incluindo o X-linked inhibitor of apoptosis protein (XIAP), que estão associados com as baixas respostas aos tratamentos antitumorais. Vellanki e colaboradores constataram que a radioresistência inerente as células tronco tumorais de 261


glioblastoma poderia ser atenuado através da promoção de apoptose via um inibidor da XIAP. O mais importante, contudo, é que este tratamento não apresentou efeitos radiosuscetibilidade indesejáveis nos neurônios de ratos ou células gliais normais. Isso favorece outra via promissora para a intervenção terapêutica visando a regulação de apoptose das células tronco tumorais. Células tronco tumorais aplicabilidades A descoberta de drogas antitumorais modernas começou em meados do século XX, com a observação de que agentes quimioterápicos citotóxicos podem ser utilizados para atacar tumores com alta taxa de proliferação. Desde então, a descoberta e o desenvolvimento de novas terapias contra o câncer tem se tornado cada vez mais dependente da compreensão da oncologia molecular e celular. Contudo, apesar dos grandes avanços nas terapias contra o câncer, grande parte do aumento da sobrevida nas últimas décadas tem sido devido a melhorias na detecção precoce de tumor e diminuição da toxidade dos tratamentos. Onde as opções de tratamento são ainda limitados para muitos tipos de tumores, particularmente aqueles com fenótipo indiferenciado, e os prognósticos permaneces pobres.

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Estudos em leucemia mielóide aguda tem demonstrado que as células tronco leucêmicas podem apresentar uma sensibilidade diferente a moléculas inibidoras pequenas em comparação com as células tronco/progenitoras normais homólogas. O grupo de Graig Jordan’s tem demonstrado o efeito seletivo de várias moléculas inibidoras pequenas sobre células CD34+CD38- em blastos de leucemia mielóide aguda. Primeiramente, eles demonstraram que as células tronco leucêmicas, mas não as células tronco hematopoiéticas normais, foram sensíveis aos efeitos apoptóticos da combinação de terapias com o inibidor de proteossomos MG-132 e a indarubicina antraciclina, provavelmente através da inibição da atividade da NFkB. Este grupo também demonstrou que os inibidores da NF-kB em células CD34+CD38-, tanto o que ocorre naturalmente (partenolídeo) ou o sintético (dimetilamino partenolídeo - DMAPT), pouparam as células tronco hematopoiético normais. Estes estudos foram notáveis porque as observações in vitro foram verificadas também in vivo por meio do tratamento de camundongos previamente enxertados com células de leucemia mielóide aguda com o DMAPT. O tratamento com o DMAPT resultou na redução do número de blastos e reduziu significativamente a habilidade do enxerto tumoral primário de ser transplantado para um receptor secundário. Os blastos provenientes dos camundongos tratados com DMAPT também apresentaram uma inibição substancial da NF-kB. Quando cães leucêmicos foram tratados, o DMAPT 263


induziu uma redução rápida nos blastos CD34+ sem uma significativa alteração na contagem de leucócitos. A morfologia das células sanguíneas sugeriram que a diferenciação induzida dos blastos eram, provavelmente, responsáveis pela redução blástica. Infelizmente, estes estudos não avaliaram o tempo das remissões o que teria fornecido informações importantes sobre o DMAPT como uma terapia de indução primária. Em geral, estes estudos com moléculas inibitórias pequenas fornecem dados intrigantes de que as células tronco leucêmicas e as células tronco hematopoiética podem responder de forma diferentes ao bloqueio das vias de sobrevivência celular. A via PTEN (trata-se de um gene supressor de tumor, cuja regulação ainda não está completamente elucidada) foi recentemente relacionada com a sobrevivência das células tronco leucêmicas. A PTEN é deletada de uma série de tumores humanos, incluindo as malignidades hematopoiéticas. Recentemente, dois grupos demonstraram que a supressão da via PTEN no sistema hematopoiético de camundongos resulta na leucemia mielóide aguda, seguido pelo declínio progressivo do número de células tronco hematopoiético na medula óssea. A dependência do desenvolvimento da leucemia nesta via foi ilustrada através do uso da rapamicina, que age como um inibidor da via de sinalização Pl3K/PTEN. O tratamento dos blastos leucêmicos antes ou logo após a implantação do enxerto em um hospedeiro levou a uma drástica 264


diminuição da carga leucêmica. Além disso, este efeito parece ser específico para a leucemia, uma vez que as células tronco hematopoiéticas normais não são afetadas o que foi visto pela contagem estável de células sanguíneas. Em outro estudo Prccirillo e colaboradores, mostraram que o tratamento de células tronco tumorais com fatores de diferenciação pode efetivamente esgotar as células tronco tumorais em glioblastomas humanos. Ainda, além de demonstrar que a BMP-4 promove a diferenciação das células tronco tumorais in vitro, também foi demonstrado que as células de glioblastoma CD133+ pré-tratadas com BMP-4 antes do xenotrasplante falham em formar tumores invasivos. Ainda, a BMP-4 inibiu o crescimento do tumor quando administrado tanto no momento da implantação tumoral ou 10 dias após, no entanto, um subconjunto de camundongos desenvolveram tumores três meses após o tratamento, indicando que o tratamento com a BMP-4 não forçou todas as células tronco tumorais a se diferenciarem. Este estudo sugere que a terapia de diferenciação é uma estratégia promissora para esgotar a atividade das células tronco tumorais, não sendo, porém citotóxica. Outros estudos têm avaliado o potencial de depleção das células tronco leucêmicas por meio da inibição das vias anti-apoptóticas. Utilizando uma combinação de linhagens celulares e células de cultura primária de leucemia mielóide aguada, um grupo demonstrou que as moléculas pequenas BH-3 mimética 265


a ABT-737***, apresentaram uma inibição dosedependente do crescimento celular e da atividade antiapoptotica in vitro. O tratamento in vitro com a ABT-737 rapidamente induz a apoptose em blastos CD34+ de leucemia mielóide aguda, este efeito foi mais pronunciado quando usado em cominação com outros agentes quimioterápicos, como Ara-C e Dox, bem como o inibidor do MEK1 o PD98059. Ainda mais importante, o tratamento de células primárias de blastos de leucemia mielóide aguda reduziu significativamente a formação clonal in vitro, enquanto a formação de colônias de células normais da medula não foram afetadas, indicando que a ABT-737 poupou as células tronco normais/progenitoras. Embora estes estudos não testaram o efeito da ABT-737 em xenotrasplantes de leucemia mielóide aguda humano, foi demonstrado que a administração da ABT-737 em camundongos transplantados com uma linhagem celular Raf transformado reduziu a carga tumoral em aproximadamente 50%. A validação experimental mais relevante clinicamente para a terapia dirigida as células tronco tumorais, implica no estabelecimento de tumores xenotransplantados e posterior início do tratamento teste, porém este método pode ser muito trabalhoso e demorado. Um grande número de laboratório tem utilizado o modelo in vitro para avaliar o efeito terapêutico em células tronco tumorais utilizando como parâmetros de avaliação mudanças na composição das células tumorais (avaliado pela imunofenotipagem), a 266


proliferação, a diferenciação, ou capacidade de autorenovação, utilizando para isso ensaios clonogênicos com repiques em série. Contudo, é importante salientar que tais estudos devem ser interpretados com cautela já que ensaios in vitro pode não refletir, necessariamente, a sua função in vivo. As terapias utilizando anticorpos contra antígenos tumorais de superfície celular resultou em vários sucessos terapêuticos (ver capítulo 5 - Imunoncologia). Os anticorpos monoclonais podem exercer atividade antitumoral desencadeando efetores imunológicos que causam a morte de células alvo (por exemplo, antiCD20, Rituxan), bloqueando ou inibindo as vias de sinalização iniciadas através de seus alvos (anti-VEGF, Avastin), ou por ser conjugado com emissores de radiação ou citotoxinas que exercem um efeito citotóxico direto (por exemplo, CD33/Mylotarg). Atualmente há poucos exemplos de anticorpos desenvolvidos especificamente contra antígenos de células tronco tumorais, mas em pelo menos um caso, um anticorpo que tem como alvo um antígeno de células tronco tumoral pode induzir a morte celular do tumor. Schatton e colaboradores demonstraram que melanomas xenotrasplantados e tratados com o anticorpo anti-ABCB5 resultaram em significativa redução do tamanho do tumor, onde a morte celular ocorreu através da citotoxidade mediada por anticorpo. Em outro exemplo da utilização de um anticorpo monoclonal projetado para ter como alvo as células tronco tumorais, os dados sugerem que estes anticorpos 267


podem ser eficazes mesmo que reconheçam os epítopos de células tronco tumorais e células tronco normas. O trabalho do grupo de John Dick indica que o CD44****, pode bloquear seletivamente enxertos de células tronco leucêmicas, oriundas de leucemia mielóide aguda, quando as células são pré-tratadas com os anticorpos anti-CD44 (H90) antes de serem transplantadas, porém este bloqueio não é observado nas células tronco hematopoiéticas normais. Além disso, o tratamento de camundongos com o H90 previamente enxertados com leucemia mielóide aguda humano levou a uma redução significativa (83 – 100%) na incidência da doença. Embora estes estudos sugerem que um único anticorpo pode ser eficaz na eliminação das células tronco tumorais, é importante lembrar que alvos únicos podem não ser suficientes para eliminar as células tronco tumorais. Portanto, os anticorpos poderiam ser administrados em conjunto com terapias padrão (por exemplo, R-CHOP para o linfoma não-Hodgkin) ou em combinação de anticorpos que tem como alvo o mesmo ou várias moléculas de superfície expressas em células tronco tumorais. Estudos em linfoma não-Hodhkin têm demonstrado que o rituximab em combinação com o anti-CD19, ou anticorpos anti-CD22, atua em sinergia para reduzir a carga tumoral.

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Conclusão A descoberta das células tronco tumorais em neoplasias malignas alterou a abordagem terapêutica para a carcinogênese. Este novo modelo ajudará na elaboração de novos estudos que visam ajudar no diagnóstico e tratamento do câncer, e na identificação de indivíduos sob risco de metástase. Assim, através da adequada combinação de terapias seria possível tratar o câncer e convertê-lo, no futuro, de uma sentença de morte para uma doença controlável ou curável. Grandes desafios ainda estão por vir no campo das células tronco tumorais. Precisamos descobrir marcadores mais específicos e compreender seu papel fisiológico, aplicando este conhecimento a novas estratégias terapêuticas. Necessitamos do desenvolvimento de ferramentas para a modulação da expressão, onde esta atinja especificamente a subpopulação de células tronco tumorais, podendo está emergir como o principal foco de desenvolvimento de drogas, não só para o tratamento do câncer, mas também para a medicina regenerativa. Quanto a Rb, p53 e outras grandes (proto) oncogenes, há a uma necessidade premente do mapeamento de mutações genéticas e a identificação da importância das modificações pós-transcricionais das proteínas em marcadores de células tronco tumorais. Isto não somente facilitará o desenvolvimento de terapias mais sofisticadas, mas também refinará os métodos de 269


detecção do câncer. Quando um número apropriado de marcadores se tornarem disponível, as terapias específicas para as células tronco podem ser desenvolvidas para que as células tronco saudáveis sejam poupadas e assim reduza os efeitos colaterais e conserve as capacidades regenerativas dos tecidos. Sem dúvida as descobertas feitas no campo das células tronco tumorais irá refletir em outras áreas de pesquisa com os da engenharia tecidual e da medicina regenerativa, uma vez que as células tronco (normais e tumorais) possuem características e marcadores genéticos em comum. Espera-se, assim, que uma melhor compreensão dos processos que controlam o crescimento autônomo, diferenciação e migração celular, poderão contribuir para novos tratamentos regenerativos que irão revolucionar as estratégias terapêuticas.

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Leituras recomendadas

Al-Hajj, M.; Wicha, M. S.; Benito-Hernandez, A.; Morrison, S. J.; Clarke, M. F. Prospective identification of tumorigenic breast cancer cells. PNAS, v. 100(7), p. 3983-3988, 2003. Bonnet, D.; Dick, J. E. Human acute myeloid leukemia is organized as a hierarchy that originates from a primitive hematopoietic cell. Nature Medicine, v. 3(7), p. 730-737, 1997. Burness, M. L.; Sipkins, D. A. The stem cell niche in health and malignancy. Seminars in Cancer Biology, v. 20(2), p. 107-115, 2010. Clevers, H. The cancer stem cell: premises, promises and challenges. Nature Medicine, v.17(3), p. 313319, 2011. Dick, J. E. Stem cell concepts renew cancer research. Blood, v. 112(13), p. 4793-4807, 2008. Jin, L.; Hope, K.J.; Zhai, Q.; Smadja-Joffe, F.; Dick, J. E. Targeting of CD44 eradicates human acute myeloid leukemic stem cells. Nature Medicine, v. 12(10), p.1167-1174, 2006. 271


Pannuti, A.; Foreman, K.; Rizzo, P.; Osipo, C.; Golde, T.; Osborne, B.; Miele, L. Targeting Notch to target cancer stem cells. Clinical Cancer Research, v. 16(12), p. 3141-3152, 2010. Rich, J. N. Cancer stem cells in radiation resistance. Cancer Research, v. 67(19), p. 8980-8984, 2007. Visvader, J. E. Cells of origin in cancer. Nature, v. 469, p. 314-322, 2011. Xu, Q.; Yuan, X.; Tunici, P.; Liu, G.; Fan, X.; Xu, M.; Hu, J.; Hwang, J. Y.; Farkas, D. L.; Black, K. L.; Yu, J. S. Isolation of tumour stem-like cells from benign tumours. Brazilian Journal of Cancer, v. 101(2), p. 303-11, 2009. Notas de rodapé * A leucemia mielóide crônica resulta da translocação t(9;22)(q34;q11) entre os cromossomos 9 e 22, originando o cromossomo Filadélfia (Ph1). Os produtos desta alteração é uma proteína conhecida como p210 ou BCR-ABL (BCR: breakpoint cluster region; ABL: Ableson), que apresenta uma exacerbação da atividade tirosina-cinase em comparação da proteína ABL normal. ** ataxia telangiectasia mutated (ATM) é uma proteína quinase que se trona ativa em resposta ao dano do 272


DNA, em especial quando o dano envolve a quebras na dupla fita de DNA. Uma das quinases mais importantes no reforço dos checkpoints do ciclo celular é a ATM, onde a mutação do gene que codifica para tal proteína resulta em instabilidade genômica e predisposição ao câncer. A ATM fosforila vários fatores relacionados aos checkpoints do ciclo celular tais como a p53, Chk2, SMC1 e NBS1 em resposta a quebra da dupla fita de DNA. Na ausência de danos ao DNA a ATM forma um homodímero inativo, contudo o remodelamento da cromatina levando a geração de quebra da dupla fita de DNA leva a auto-fosforilação do ATM na serina 1981 e a dissociação do dímero. *** A ABT-737 bloqueia a atividade crioprotetora de membros da família do Bcl-2. **** O CD44 é um antígeno de superfície altamente expresso em todos os blastos de leucemia mielóide aguda e expresso em células tronco hematopoiética normais e células progenitoras da medula óssea.

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CAPÍTULO 9

ANIMAIS TRANSGÊNICOS E O CÂNCER Vinicius Farias Campos, Priscila Marques M. de Leon, Tiago Collares

Introdução No início da década de 80 foram gerados os primeiros animais transgênicos, sendo estes camundongos, ovelhas, porcos e coelhos transgênicos. Estes animais possuíam fragmentos de DNA exógeno integrados em seu genoma, sendo esta a primeira regra para que possamos considerar que um animal seja transgênico. Nestes últimos 30 anos diversos trabalhos foram desenvolvidos, tanto para incrementar a maneira de produzir os animais transgênicos, quanto para ampliar sua utilização em diferentes áreas da pesquisa e da biotecnologia. Para a geração dos animais transgênicos, diversos métodos têm sido utilizados. Em mamíferos, a microinjeção de DNA em zigotos pronucleares é a 274


maneira mais utilizada para a geração destes animais. Apesar da ineficiência inerente da tecnologia de microinjeção, um amplo espectro de animais transgênicos tem sido gerado para diferentes aplicações na agricultura e na biomedicina. Diversas alternativas à microinjeção pronuclear têm sido desenvolvidas nos últimos anos, a fim de incrementar a eficiência e reduzir os custos para a geração destes animais. Estas incluem a transferência gênica mediada por espermatozóides (SMGT), a transferência nuclear de células somáticas (SCNT), bem como o uso de vetores virais para a transferência de DNA (PGC). Através destas técnicas, os animais transgênicos vêm sendo desenvolvidos para distintos propósitos, entre eles animais geneticamente modificados para incremento na produção agropecuária, como animais que possuem genes para acelerar o crescimento; e animais transgênicos biorreatores, os quais são utilizados para a produção de proteínas recombinantes. A crescente demanda mundial por proteínas recombinantes para tratamento do câncer tem resultado em pesquisas significativas, focadas no desenvolvimento de plataformas de produção alternativas, incluindo o uso de animais transgênicos como biorreatores. O leite, a clara de ovo, o sangue, a urina e o plasma seminal de animais transgênicos são candidatos a ser a fonte de proteínas recombinantes em escala industrial. Além disso, os animais transgênicos têm sido utilizados como modelos para estudos de doenças 275


genéticas, entre elas o câncer. Nesta aplicação os camundongos transgênicos são os modelos animais que têm contribuído significativamente para o nosso conhecimento sobre a biologia do câncer. Como modelo animal, os camundongos têm diversas vantagens sobre outros modelos mamíferos: a) são de tamanho pequeno; b) têm um baixo custo de manutenção; c) se reproduzem rápido e geram um grande número de filhotes; d) podem ser facilmente manipulados geneticamente. Estes animais provaram ser úteis na validação das funções dos genes, na identificação de novos genes e marcadores tumorais do câncer. Assim como, contribuíram na elucidação sobre os mecanismos celulares e moleculares subjacentes a iniciação do tumor, e nos processos de vários estágios de desenvolvimento de neoplasias, proporcionando melhores modelos clínicos, nos quais novas terapêuticas estratégias podem ser testadas. Entretanto, os camundongos ainda apresentam limitações na modelagem do câncer humano, incluindo diferenças espécie-específicas e de recapitulação imprecisa de desenvolvimento de novos tumores humanos. Atualmente, fica evidente o papel fundamental que os animais transgênicos têm desempenhado no compreendimento e no tratamento dos tumores. Sendo assim, uma tecnologia indispensável em estudos futuros para a prevenção e tratamento de diversos tipos de câncer.

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Modelos de animais transgênicos usados no estudo de biologia do câncer Os animais transgênicos são ferramentas extremamente úteis para compreender a biologia dos tumores e têm fornecido novos insights sobre as seguintes questões: (a) Quais são as alterações genéticas que iniciam o desenvolvimento do câncer? (b) Como é que os genes do câncer cooperam em diferentes estágios da progressão do tumor? (c) Qual é a célula de origem em diferentes tipos de tumores? (d) Por que os indivíduos apresentam diferente susceptibilidade ao tumor? (e) Quais são os modificadores genéticos? (f) Como as células do tumor crescem e progridem para a metástase? (g) Fatores ambientais podem causar câncer? (h) Como é que células tumorais interagem com células do estroma vizinho normal? (i) Quais são os mecanismos subjacentes à quimiorresistência? (j) Quais são os mecanismos subjacentes de dormência e recorrência do tumor? (k) Quais estratégias terapêuticas irão funcionar em certos tipos de câncer? (l) Como podemos detectar tumores em estágios iniciais de desenvolvimento? Dentre os modelos animais utilizados para responder ou buscar parte das repostas para as perguntas acima descritas, os camundongos têm demonstrado ser o principal modelo para incrementar a nossa capacidade de estudo da função gênica in vivo e o

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compreendimento dos mecanismos moleculares da patogênese do câncer. Além das vantagens descritas acima para este modelo, avanços na manipulação genética destes animais têm facilitado à introdução de alterações genéticas definidas que podem ser controladas temporal e espacialmente, a fim de imitar fielmente a fisiopatologia dos cânceres humanos. Atualmente, várias técnicas de manipulação genética estão disponíveis para a geração de camundongos transgênicos. Também é importante compreender a finalidade específica de um modelo de camundongo. O uso de uma abordagem específica e o nível de comprometimento dos tecidos (uma única célula, um pequeno número de células, um tecido todo, ou um organismo inteiro – Figura 1) varia dependendo do uso pretendido do camundongo, como validação de uma função de oncogenes, de genes ligados ao câncer, assim como biomarcadores tumorais, ou testes de drogas anticâncer.

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Figura 1. Diferentes níveis de manipulação genética podem ser usados para gerar camundongos geneticamente modificados. Tecnologias de engenharia genética permitem a manipulação em diferentes níveis de comprometimento dos tecidos, a partir de uma única célula de um organismo inteiro.

O desenvolvimento das tecnologias de geração de animais transgênicos e da gene-targeting em célulastronco embrionárias de camundongos na década de 1980 facilitou a geração da engenharia genética nesta espécie, gerando modelos para estudar a biologia tumoral através da manipulação da linhagem celular germinativa. As formas mais comuns para gerar modelos de camundongos de cânceres são para ativar oncogenes ou inativar genes supressores de tumores (ou ambos) in vivo através do uso de técnicas conhecidas como knockout e knockin respectivamente. Estudos sobre a 279


perda de função de genes tipicamente empregam o knockout condicional, ao passo que estudos para o ganho de funções utilizam transgênicos ou transgênicos condicionais (knockin). Os aspectos técnicos de geração de camundongos geneticamente modificados são discutidos em mais detalhes em outras revisões (NAGY et al., 2003; FRESE & TUVESON, 2007). Entretanto, vale ressaltar que novas técnicas vêm sendo desenvolvidas com o objetivo de simplificar a geração destes animais. Entre estas, a Transferência Gênica Mediada por Espermatozóides (SMGT – do inglês – Sperm-mediated Gene Transfer) promete facilitar o processo de geração dos animais, uma vez que esta técnica utiliza o mecanismo de fertilização natural dos animais, não sendo necessários equipamentos sofisticados como o Micromanipulador, e nem mesmo uma mão de obra mais qualificada. A técnica se baseia na transfecção do DNA exógeno de interesse para o interior dos espermatozóides, e estes se encarregam de levar os genes de interesse para os oócitos, que receberam tanto o material genético natural quanto o exógeno, gerando assim um animal transgênico fundador. Esta técnica ainda está em aperfeiçoamento, e estudos vêm sendo realizados para aprimorar a técnica de transfecção de DNA para os espermatozóides, como por exemplo, metodologias que utilizam a nanotecnologia para incrementar a transfecção de DNA. Atualmente, camundongos transgênicos são criados por microinjeção de DNA exógeno em 280


pronúcleos de zigotos fertilizados. Uma vez introduzida, as seqüências de transgene são integrados em sítio aleatórios do genoma do camundongo com freqüência variável. Os primeiros modelos de cânceres humanos foram gerados por superexpressão de oncogenes virais e celulares em tecidos específicos, ou seja, usando a tecnologia de knockin como citado acima. A expressão do transgene, em algum tecido específico ou em determinado estágio de desenvolvimento, depende da natureza do promotor ou elemento regulador utilizado. Promotores determinados, tais como o do vírus do tumor mamário de camundongo (MMTV) e da proteína ácida de soro de leite (WAP), estão bem caracterizadas e ainda são usados ativamente para gerar modelos de camundongos transgênicos para o estudo do câncer de mama por exemplo. Seqüencias de DNA do promotor do gene uroplakin, expresso exclusivamente no tecido epitelial da bexiga, tem sido utilizado para gerar modelos de camundongos transgênicos para o câncer de bexiga, bem como seqüencia reguladora de vetores usados na terapia gênica deste tipo de câncer. Além disso, uma linhagem de camundongos transgênicos pode ser entrecruzada com outras linhagens de animais expostos a produtos químicos ou vírus, por exemplo, a fim de identificar genes que cooperam durante a tumorigênese. Estes camundongos transgênicos têm como principal vantagem a metodologia simples para avaliar 281


as funções do tumor in vivo, e um curto período de tempo para gerar os animais. No entanto, esta abordagem também tem algumas desvantagens. A principal desvantagem é a incapacidade de controlar o nível e padrão de expressão do transgene. Mesmo bem caracterizados, os promotores, o nível e o padrão de expressão do transgene variam entre os fundadores transgênicos, porque o número de cópias e os locais de integração do transgene são aleatórios. A integração aleatória do transgene é particularmente preocupante, porque pode resultar numa falta de expressão do transgene devido aos efeitos posicionais, ou num fenótipo inesperado resultante de efeitos secundários da integração do transgene no genoma. Outra ressalva a esta abordagem é a disponibilidade limitada de promotores tecidoespecíficos. Em termos de biologia do tumor, os modelos de tumor transgênico desviam tumores humanos de duas maneiras: a) o transgene é integrado no genoma do camundongo, onde duas cópias do alelo do tipo selvagem estão presentes, enquanto que, em tumores humanos é comum ter um alelo do tipo selvagem e um mutante, e b) como todas as células tumorais dos camundongos transgênicos expressam o transgene, o modelo não pode recapitular o desenvolvimento clonal e esporádico dos tumores humanos. Contudo, várias estratégias têm sido desenvolvidas para superar estas limitações. O nível e o padrão de expressão do transgene podem ser parcialmente controlados através de células282


tronco transgênicas, onde são rastreadas as célulastronco embrionárias transgênicas para os padrões e níveis de expressão apropriada, e logo em seguida estas células são usadas para a geração do camundongo transgênico. O efeito posicional pode ser prevenido pelo uso de isoladores, que são seqüências de DNA nos limites do gene que impedem que o ambiente de cromatina vizinho de perturbar o padrão programado de expressão do gene fechado. Além disso, o desenvolvimento de tecnologias transgênicas novas, como a integração sítio-específica em células-tronco embrionárias, permitem também o controle do número de cópias do transgene. Outro método para introduzir fragmentos genômicos grandes no genoma de camundongo é baseado no uso de cromossomos bacterianos artificiais (BAC) do inglês Bacterial Artificial Chromosome. Os BACs são normalmente usados para resgatar o fenótipo mutante e/ou expressar um transgene sob o controle de seu promotor endógeno e elementos cis regulatórios. Esta abordagem tem sido usada para gerar os chamados camundongos humanizados, substituindo um locus genômico inteiro por um novo locus sintético de humanos. A ressalva a esta abordagem é a possibilidade de que regiões não-codificadoras, como introns, e elementos reguladores poderiam contribuir para a expressão do fenótipo desejado. Todas estas estratégias tornam os camundongos transgênicos modelos essenciais em estudos de oncologia molecular e celular. Não está claro 283


se o desenvolvimento de um modelo ideal de câncer é possível. Considerando as diferenças significativas entre espécies camundongos e humanos, modelos de camundongos ainda são improváveis para substituir a pesquisa sobre amostras de tumores humanos, linhagens celulares, e os pacientes. Entretanto, atualmente, não existe um modelo melhor para se estudar o câncer. Estudos de cânceres humanos são muito poderosos para a identificação de putativos oncogenes e testes de drogas anti-câncer, mas eles sofrem de heterogeneidade e complexidade, dependem de estudos de correlação, e ainda assim fornecem uma visão um pouco confusa para a função de genes e mecanismos de desenvolvimento do tumor. Em contraste, os modelos de animais transgênicos são muito úteis para estudar função dos genes e as vias específicas que desempenham um papel na progressão do tumor, no entanto, eles não são os melhores modelos em que para testar drogas anticâncer. Portanto, as abordagens combinatórias que usam múltiplos modelos ainda são necessárias para compreender a complexidade dos cânceres humanos. Animais transgênicos como biofábricas de medicamentos anti-câncer As proteínas começaram a ser usadas como produtos farmacêuticos em 1920, com a insulina 284


extraída do pâncreas de porcos. No início dos anos 80, a insulina humana recombinante foi preparada em bactérias, e agora é usada por todos os pacientes que sofrem de diabetes. Várias outras proteínas, entre elas o hormônio do crescimento humano, também são preparados a partir de bactérias. Esse sucesso foi limitado pelo fato de que as bactérias não podem sintetizar proteínas complexas, tais como anticorpos monoclonais ou fatores de coagulação do sangue, que devem ser amadurecidos por modificações póstraducionais a fim de tornarem estas moléculas ativas ou estáveis in vivo. Essas modificações incluem principalmente a dobragem, clivagem, associação de subunidade, g-carboxilação e glicosilação. Elas podem ser plenamente alcançadas apenas em células de mamíferos ou animais semelhantes que podem ser cultivadas em fermentadores numa escala industrial ou usadas em animais vivos. Várias espécies de animais transgênicos podem produzir proteínas recombinantes, mas atualmente dois sistemas vêm sendo usados. O primeiro é o leite de mamíferos transgênicos que tem sido estudado há pelo menos 20 anos e que permitiu que uma proteína humana, antitrombina III, recebesse o acordo da EMEA (Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos) e fosse colocada no mercado em 2006. O segundo sistema é a clara de ovos de galinhas transgênicas, que recentemente se tornou mais atrativa após a melhora essencial dos métodos utilizados para gerar as aves transgênicas. Uma ampla variedade de 285


proteínas recombinantes já foi produzida experimentalmente por estes sistemas e alguns outros. Isto inclui os anticorpos monoclonais, vacinas, fatores de coagulação do sangue, hormônios, fatores de crescimento, citocinas, enzimas, proteínas do leite, colágeno, fibrinogênio e outros. Embora essas ferramentas ainda não sejam otimizadas e ainda estão sendo melhoradas, uma nova era na produção de proteínas recombinantes de interesse farmacêutico foi iniciada em 1987, e tornou-se realidade em 2006. A abordagem mais bem-sucedida até agora para a produção de proteínas recombinantes em animais transgênicos utiliza animais de produção agropecuária, como vacas, ovelhas, cabras ou porcas, com o gene clonado ligado ao promotor da β- lactoglobulina do animal. Esse promotor é ativo no tecido mamário, o que significa que a proteína será secretada no leite. Diversos estudos têm demonstrado que o tecido mamário pode ser o sítio de produção de uma ampla variedade de proteínas recombinantes de interesse farmacêutico, independente da complexidade das moléculas. Alguns autores consideram a produção de proteínas recombinantes no leite um dos melhores modelos de biorreatores animal, pela praticidade de obter grandes volumes de leite para extração do produto biológico de interesse, e pelo sistema de produção leiteiro já estar estabelecido no mundo. A glândula mamária apresenta uma série de vantagens, visto que as proteínas do leite não circulam 286


no corpo do animal; as proteínas como κ -caseína e β lactoglobulina são expressas em abundância e exclusivamente na glândula mamária. Assim, proteínas heterólogas podem ser expressas nas glândulas mamárias, clonando seus respectivos genes em vetores que contenham promotores e elementos regulatórios dos genes que codificam para proteínas no leite. Diversos trabalhos utilizando como modelos de biorreatores vacas, ovelhas, cabras, porcas e camundongas transgênicas têm sido realizados, direcionando a expressão de uma gama significativa de genes de interesse. Por exemplo, os fatores VIII e IX da coagulação sangüínea humana, alfa-1-antitripsina foram produzidos no leite de ovelhas transgênicas; o ativador de plasminogênio humano ativo biologicamente foi produzido no leite de cabras transgênicas; e a proteína C com atividade anticoagulante bem como a hemoglobina humana, no leite de porcas transgênicas. Estratégias utilizando construções com vetores de expressão, contendo o promotor daβ -lactoglobulina (beta-Lac) de ovinos, fusionado ao cDNA do FVIII, com íntrons do gene de murino metalotioneína (MtI) têm sido usadas. Geralmente essas construções são usadas para gerar animais fundadores os quais transmitem o transgene de forma mendeliana para a F1. A proteína recombinante (FVIII) pode ser detectada no leite das fêmeas ovinas da F1 em concentrações de 4-6 ng/ml. A produção do FIX no leite também foi demonstrada, utilizando o promotor, éxon 1, íntron 1 e éxon 2 do gene beta caseína de cabra, fusionado ao cDNA hFIX, para 287


gerar fundadores transgênicos por microinjeção e transferência de embriões em camundongas. A expressão no leite das camundongas foi de 53 mg/l tendo alta atividade biológica em testes in vitro de coagulação. Além disso, ainda foi possível observar que o transgene integrou em diferentes cromossomos dos camundongos. Esses estudos com moléculas biológicas complexas demonstram que a glândula mamária pode servir de biorreator à produção de proteínas recombinantes bioativas contra o câncer. Isso se deve à maquinaria do tecido mamário ser capaz de realizar modificações pós-traducionais complexas como glicosilação e carboxilação. Por outro lado, estudos têm demonstrado que a produção de proteínas recombinantes na clara de aves transgênicas é uma importante alternativa para a produção em larga escala destas moléculas heterólogas. Pesquisadores do Reino Unido desenvolveram uma linhagem de galinhas transgênicas expressando altos níveis de interferon-α na clara de ovos sob o controle do promotor da ovoalbumina. Com o mesmo objetivo, pesquisadores israelenses produziram galinhas transgênicas, a partir da técnica de transferência gênica mediada por espermatozóides (SMGT), que expressavam o Hormônio Folículo-Estimulante (FSH). Entretanto, as técnicas para a geração de aves transgênicas ainda não estão completamente definidas, sendo um limitante no avanço desta tecnologia. Alguns estudos têm demonstrado a viabilidade na produção de anticorpos recombinantes no leite. 288


Proteínas recombinantes vêm sendo usadas na terapia do câncer já há alguns anos. Além disso, recentemente anticorpos monoclonais humanizados produzidos em animais transgênicos, despontam como uma das principais moléculas na terapia do câncer associados à quimioterapia e a radioterapia. Anticorpos são importantes agentes terapêuticos para o câncer. Recentemente, tornou-se claro que os anticorpos possuem vários mecanismos de ação clinicamente relevantes. Além disso, os anticorpos apresentam diversas propriedades imunomoduladores, e por serem moléculas de ativar ou inibir diretamente o sistema imune, os anticorpos podem promover a indução de respostas imunes antitumorais. Estas propriedades imunomoduladores podem formar a base para novas estratégias de tratamento do câncer. Drogas baseadas em anticorpos, são a classe de proteínas terapêuticas de maior e mais rápido crescimento com 24 anticorpos comercializados nos EUA (28 aprovados pelo FDA e 4 depois retirados do mercado) e pelo menos 240 a mais em desenvolvimento clínico. Medicamentos baseadas em anticorpos, contribuíram com 38.000 milhões de dólares dos US$ 99 bilhões de vendas em todo o mundo de produtos biofarmacêuticos em 2009. Além disso, 5 das 10 terapias baseadas em proteínas recombinantes mais vendidas em 2009 foram os anticorpos, ou seja, infliximab (Remicade®), bevacizumab (Avastin®) ® ® rituximab (Rituxan e MabThera ), adalimumab (Humira®) e trastuzumab (Herceptin®). 289


As proteínas são agora bem estabelecidas como uma classe clínica e comercialmente importante da terapêutica do câncer. Experiências com proteínas terapêuticas têm proporcionado uma compreensão de suas forças e limitações e de que forma eles podem ser melhoradas. O sucesso clínico e comercial com a proteína terapêutica fornece uma forte motivação para desenvolver melhores proteínas, enquanto que as novas ferramentas, especialmente tecnologias de plataforma para fornecer os meios susceptíveis de fazê-lo, como os animais transgênicos. A próxima geração de terapias protéicas provavelmente irá incluir alguns dos muitos anticorpos agora em desenvolvimento clínico inicial, sendo assim, sistemas para a produção em larga escala destas moléculas recombinantes como os animais transgênicos deverão ser empregados para a produção destas moléculas. Conclusões O avanço nas tecnologias de prevenção e tratamento do câncer depende de modelos de estudos que imitem a biologia tumoral, bem como plataformas para a produção de moléculas biologicamente ativas, como as proteínas recombinantes no tratamento do câncer. Hoje podemos dizer que os modelos de camundongos transgênicos são indispensáveis na compreensão dos mecanismos da biologia tumoral, e 290


que animais transgênicos biorreatores são ferramentas que têm contribuído e poderão contribuir ainda mais na produção de fármacos contra o câncer. Sendo assim, os animais transgênicos têm papel fundamental no compreendimento e combate a esta doença.

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Leituras recomendadas Brinster, R. L.; Chen, H. Y.; Messing, A.; Vandyke, T.; Levine, A. J.; Palmiter, R. D. Transgenic mice harboring SV40T-antigen genes develop characteristic brain tumors. Cell, v. 37, p. 367379, 1984. Campos, V. F.; Komninou, E. R.; Urtiaga, G.; Leon, P. M.; Seixas, F. K.; Dellagostin, O. A.; Deschamps, J. C.; Collares, T. NanoSMGT: transfection of exogenous DNA on sex-sorted bovine sperm using nanopolymer. Theriogenology, v. 75, p.1476-1481, 2011. Carter, P. J. Introduction to current and future protein therapeutics: A protein engineering perspective. Experimental Cell Research, v. 317, p. 12611269, 2011. Collares, T. Animais Transgênicos: princípios e métodos (Org). Editora SBG, 2005. Collares, T.; Campos, V. F.; Seixas, F. K.; Cavalcanti, P. V.; Dellagostin, O. A.; Moreira, H. L.; Deschamps, J. C. Transgene transmission in South American catfish (Rhamdia quelen) larvae by sperm292


mediated gene transfer. Journal of Biosciences, v. 35, p. 39-47, 2010. Frese, K. K.; Tuveson, D. A. Maximizing mouse cancer models. Nature Reviews Cancer, v. 7, p.645-658, 2007. Harel-Markowitz, E.; Gurevich, M.; Shore, L. S.; Katz, A.; Stram, Y.; Shemesh, M. Use of sperm plasmid DNA lipofection combined with REMI (Restriction Enzyme- Mediated Insertion) for production of transgenic chickens expressing EGFP (Enhanced Green Fluorescent Protein) or Human folliclestimulating hormone. Biology of Reproduction, v. 80, p. 1046-1052, 2009. Houdebine, L. M. Production of pharmaceutical proteins by transgenic animals. Comparative Immunology, Microbiology and Infectious Diseases, v. 32, p. 107-121, 2009. Lillico, S. G.; Sherman, A.; Mcgrew, M. J.; Robertson, C. D.; Smith, J.; Haslam, C.; Barnard, P.; Radcliffe, P. A.; Mitrophanous, K. A.; Elliot, E. A.; Sang, H. M. Oviduct-specific expression of two therapeutic proteins in transgenic hens. PNAS, v. 104, p. 1771-1776, 2007. 293


Mattison, J.; Van Derweyden, L.; Hubbard, T.; Adams, D. J. Cancer gene discovery in mouse and man. Biochimical and Biophysical Acta, v. 1796, p. 140-161, 2009. Nagy, A.; Gertsenstein, M.; Vintersten, K.; Behringer, R. Manipulating the Mouse Embryo. 3 ed. Cold Spring Harbor, NY: Cold Spring Harbor Lab. 2003. Stewart, T. A.; Pattengale, P. K.; Leder, P. Spontaneous mammary adenocarcinomas in transgenic mice that carry and express MTV/myc fusion genes. Cell, v. 38, p. 627-637, 1984.

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CAPÍTULO 10

VACINAS E CÂNCER Karine Rech Begnini, Cristian Kaefer, Fabiana Seixas Introdução A capacidade do sistema imunológico de destruir células tumorais foi primeiramente proposta por Macfarlane Burnet e Lewis Thomas, em 1950, sob o termo vigilância imunológica (immune surveillance). Utilizada para descrever a capacidade do sistema imune de eliminar células que sofreram mutação, a vigilância imunológica constitui uma ferramenta poderosa de combate ao câncer, não só devido à especificidade da resposta obtida, mas também devido a longa duração da mesma. Atualmente sabe-se que o sistema imunológico possui papéis importantes na prevenção da carcinogênese, sendo sua estimulação por meio de substâncias modificadoras da resposta imune uma das principais abordagens imunoterapêuticas para controle de tumores já estabelecidos. O termo vacinação é utilizado para designar a indução de uma resposta imune contra agentes patogênicos através da utilização de células do sistema imune e de suas proteínas efetoras. Consiste em uma 295


forma eficaz e segura de medicina preventiva, baseada na capacidade de memória e especificidade do sistema imunológico. Nas últimas décadas, o rápido progresso das pesquisas, principalmente em áreas associadas à imunologia, biotecnologia e biologia molecular, lançou bases para avanços na tecnologia de produção de vacinas o que permitiu a introdução de novas estratégias para a obtenção e produção de antígenos, assim como a otimização de maneiras de administração e apresentação desses para as células do sistema imune. O câncer é uma das principais causas de morte em todo o mundo e novas tecnologias de diagnóstico e métodos de rastreio, bem como agentes terapêuticos mais eficazes vêm tentando diminuir a mortalidade da doença. Terapias convencionais para câncer, como quimio e radioterapia, atuam diretamente nas células tumorais e/ou na vascularização do tumor, sendo utilizadas de acordo com a sensibilidade tumoral para com a terapia e sua limitante dose de toxicidade. Nesse quesito, pouca atenção tem sido dada ao sistema imune do paciente em termos de prognóstico e/ou potencial de resposta à terapia. Por outro lado, o papel do sistema imune no desenvolvimento de neoplasias vem sendo questionado e estudos tem demonstrado que pacientes com doenças imunossupressoras ou submetidos a tratamento com imunossupressores para transplantes, têm apresentado maior incidência e propensão a certos tipos tumorais. Neste capítulo serão abordados os principais papéis desempenhados pelo sistema imunológico no 296


combate a carcinogênese; o desenvolvimento de estratégias para controlar a resposta imune contra tumores em formação e crescimento; e as estratégias clínicas já utilizadas em termos de imunoterapia e vacinas anticâncer. Sistema Imune e câncer Alguns tumores são capazes de estimular respostas imunes específicas que suprimem ou modificam seu crescimento. A descoberta de que um sistema imunológico parcialmente funcional que é capaz de permitir o crescimento de tumores sugere que a atividade imunológica exerce papel importante na supressão do desenvolvimento tumoral. Cânceres são causados pelo crescimento progressivo e descontrolado da progênie de uma única célula transformada e, portanto, para eliminá-lo é preciso remover ou destruir todas as células malignas e pré-malignas existentes. Abordagens imunológicas ao tratamento de câncer constituem uma forma atraente de discriminar células tumorais de suas contrapartes celulares normais, da mesma maneira que a vacinação contra um patógeno viral ou bacteriano induz resposta imune específica contra ele. A atividade imunológica antitumoral é mediada primeiramente pelo sistema imune inato, através da ativação de suas células efetoras circulantes, 297


particularmente células natural killers (NK), neutrófilos e macrófagos. Células antígeno-específicas pertencetes a imunidade adaptativa , como linfócitos-B e linfócitos-T, também são atuantes no combate a tumores em formação, no entanto necessitam da apresentação de antígenos tumorais na superfícies de células apresentadores de antígenos (APCs) para desencadear respostas (Figura 1). Embora necessitem da apresentação de antígenos, as células do sistema imune adaptativo possuem a capacidade de gerar células de memória o que torna sua resposta duradoura. Além disso, em camundongos, há evidências de que há necessidade de ativação de células T para que a resposta imune seja eficiente contra tumores, não sendo observados efeitos protetores em animais com deficiências neste tipo celular.

Figura 1: Células imunes efetoras contra câncer. Fonte: Gilboa, E. 2004.

A relação entre o sistema imune e a carcinogênese não está completamente elucidada e é 298


consideravelmente mais complexa do que se supunha quando o termo vigilância imunológica foi proposto, em 1950. Thomas e Burnet o descreveram como um mecanismo que protege organismos imunocompetentes da formação de tumores, porém os motivos pelos quais a defesa imune falha e os tumores se desenvolvem não são bem estabelecidos. Atualmente acredita-se que uma das razões para a falta de imunogenicidade de tumores seja a incapacidade do tumor em crescimento de ativar o sistema imunológico, e não a ausência de antígenos tumorais. Dessa forma, células tumorais seriam antigênicas mas não imunogênicas, e uma ativação artificial do sistema imune, como proposto em estratégias de vacinação, poderia levar a erradicação de tais células. Outro ponto importante para a falta de imunogenicidade das células cancerosas é a capacidade de imunomodulação (immunoediting) dos tumores. O crescimento tumoral pode ser descrito como consequência de um mecanismo de evasão das células cancerosas sobre as forças imunes antitumorais e vários mecanismos têm sido propostos, tanto de atuação local, no microambiente carcinogênico, quanto de atuação sistêmica. Segundo a teoria da imunomodulação, o sistema imunológico não só é capaz de proteger o organismo da formação de tumores, como também é capaz de promover o desenvolvimento de cânceres através da perda de imunogenicidade das células. Assim, a progressão do câncer pode depender de várias alterações que ocorrem tanto no tumor, incluindo 299


alterações intrínsecas às células cancerígenas que resultam em perda ou atenuação da imunogenicidade; quanto no seu microambiente, o que leva a indução de um estado de tolerância imunológica. Este modelo de Imunomodulação corresponde a um conceito maior e mais complexo de vigilância imune no qual as células cancerosas sofrem modificações ou mutações que objetivam a sua sobrevivência, como resultado da pressão seletiva do sistema imune. Dessa forma, o conceito de vigilância imunológica tem sido modificado e, conforme proposto inicialmente por Ikeda, Old, e Schreiber, atualmente é definido por três fases específicas: eliminação, equilíbrio e escape. A primeira delas é a fase de eliminação na qual o sistema imune reconhece e destrói células tumorais em potencial, constituindo a fase de vigilância imunológica propriamente dita. Nesta fase, a carcinogênese é detectada e erradicada tanto pela atuação da imunidade inata quanto da adaptativa, principalmente através da atuação de células NK e T CD8 citotóxicas, e da secreção de IFN-γ, IFN-α/β, perforinas, NKG2D (receptor de células NK) e TRAIL (TNF-Related Apoptosis-Inducing Ligand). Se a fase de eliminação for bem sucedida, as células cancerosas são eliminadas; caso contrário, as células sobrevivem e passam à segunda fase da imunomodulação, a fase de equilíbrio. Durante a fase de equilíbrio, um contrabalanço é estabelecido entre o tumor em formação e o sistema imune no qual ambos são moldados reciprocamente e 300


onde se define o resultado final da resposta imune. Nessa fase, as células cancerígenas continuam a proliferar imunologicamente esculpidas por instabilidades genéticas e/ou seleção imune, levando à produção de novas populações. Estas populações são capazes de escapar do sistema imune devido a ocorrência de mecanismos que evitam o estímulo da resposta imune ou que evadem quando esta resposta ocorre. A fase final da imunomodulação compreende a fase de escape, na qual algumas células tumorais acumularam mutações suficientes para enganar as atenções do sistema imune, sendo capazes de crescer desimpedidas e de tornarem-se clinicamente detectáveis. As mudanças que ocorrem durante a fase de escape contribuem para a tolerância do tumor pelo sistema imune e podem tanto ser intrínsecas às células quanto ao microambiente tumoral. Dentre os mecanismo de evasão que ocorrem durante essa fase de escape estão incluídos: perda de moléculas MHC-I; perda de antígenos de superfície e de moléculas coestimulatórias, como membros da família B7, necessárias para iniciar respostas específicas de linfócitos T; geração de linfócitos T reguladores (Treg) que suprimem a resposta de células T citotóxicas; expansão de células supressoras derivadas de tecido Mielóide (MDSC); produção de citocinas imunossupressoras, como IL-10 e TGF-β; bloqueio dos receptores NKG2D de células NK; indução de apoptose em células efetoras anti-tumorais; e criação de sítios 301


imunológicos privilegiados, rodeados por barreiras físicas de colágeno e fibrina (Figura 2). O sistema imunológico é, portanto, capaz de contribuir para a seleção de variantes do tumor, que crescem de forma incontrolada e são mais difíceis de tratar. Compreender os fatores envolvidos na manutenção do equilíbrio, durante as fases de equilíbrio e escape, irá ajudar a desenvolver novas estratégias terapêuticas capazes de eliminar cânceres em formação, sendo a vacinação e a imunoterapia estratégias plausíveis para tal.

Figura 2: Mecanismos pelos quais os tumores evitam reconhecimento imune. Primeiro quadro: os tumores podem ter baixa imunogenicidade devido à perda de moléculas de MHC e devido à ausência de peptídeos que possam ser apresentados às moléculas de MHC. Segundo quadro: a ausência de moléculas coestimuladoras faz com que estas células sejam toleradas pelas células T citotóxicas. Terceiro quadro: alguns tumores são capazes de internalizar anticorpos, auxiliando na sua expansão. Quarto quadro: tumores são capazes de secretar substâncias, como TGF-β, que inibem a resposta imune diretamente ou podem recrutar células T reguladoras que secretam citocinas imunossupressoras. Quinto quadro: células tumorais são capazes de secretar moléculas, como colágeno, que formam barreiras físicas em torno do tumor evitando o acesso de linfócitos. Fonte: Murphy et. al, 2010.

302


Antígenos Tumorais Antígenos de rejeição tumoral reconhecidos pelo sistema imune são peptídeos de proteínas das células tumorais que são apresentados às células T pelas moléculas de MHC presentes na superfície de células apresentadoras de antígenos. Diferentes estudos têm identificado um grande número de antígenos associados ao câncer, e alguns deles já estão sendo utilizados tanto para tratamento, quanto em pesquisa básica e estudos clínicos. A intenção final da imunização é a indução de uma resposta imune específica à doença, assim, a identificação de antígenos tumorais adequados permanece uma preocupação para estratégias vacinais. Dentre as diversas categorias de candidatos a antígenos, aqueles específicos ao tumor representam alvos ideais, uma vez que estas moléculas são expressas exclusivamente neste tipo celular. Grandes avanços nas técnicas de identificação de antígenos têm possibilitado a detecção de antígenos específicos que são reconhecidos por linfócitos T citotóxicos. Na última década, vários antígenos específicos a tumores têm sido identificados e demonstram potencial para incorporação em vacinas anticâncer. Exemplos desses antígenos incluem os produtos de oncogenes mutantes e de proteínas supressoras tumorais mutadas, como a proteína p53. A p53 é uma proteína supressora de tumor que desempenha papel crítico na regulação do ciclo celular e é alvo de algumas proteínas virais 303


oncogênicas, incluindo as do vírus Linfotrópico Humano do tipo 1 (HTLV-1) e do vírus SV40. Apesar de inúmeros relatos científicos de uma possível resposta humoral detectável contra a p53 em pacientes com câncer, a protecção conferida por esta continua a ser insatisfatória. A limitada propensão para que os mutantes oncogênicos de genes normais promovam respostas de linfócitos T citotóxicos (CTL) representa um grande obstáculo para o exploração vacinal deste tipo de antígeno. Antígenos tumorais têm sido classificados em duas grandes categorias: a de Antígenos Tumorais Compartilhados e a de Antígenos Tumorais Únicos. Antígenos tumorais únicos constituem uma classe de antígenos que resultam de mutações induzidas por agentes carcinogênicos físicos ou químicos, e são, portanto, expressos somente por tumores individuais. Dentro dessa categoria estão listados os antígenos de diferenciação de melanoma, como tirosinase, gp100 e MART1; e anticorpos de idiotipo (Id). Por sua vez, antígenos compartilhados ou antígenos associados a tumores (TAAs) são aqueles expressos por mais de um tipo de célula tumoral. Alguns desses TAAs também são expressos em tecidos saudáveis, porém em diferentes quantidades. Diversas categorias de TAAs têm sido descritas, incluindo autoantígenos overexpressed, antígenos de diferenciação celular, e antígenos de sítios imune privilegiados (antígenos câncer-testiculares). O primeiro antígeno compartilhado a ser identificado foi a proteína MAGE-1, 304


que é expressa em células tumorais e germinativas e é propensa ao reconhecimento por CTLs. A ausência de expressão de MAGE-1 na maioria dos tecidos adultos normais (incluindo fígado, músculo, pele, pulmão, cérebro e rim), e a relativa abundância deste antígeno em tumores e tecidos germinativos (por exemplo, em testículos, placenta e ovário), qualifica o MAGE-1 como um clássico antígeno câncer-testicular (cancer/testis) (CT). Outras grandes categorias de TAA são os antígenos de diferenciação celular, como os Antígenos de Melanoma Reconhecidos por Células T (MART); e os auto-antígenos overexpressed, dos quais o antígeno HER-2/neu (ErbB2) é um exemplo. Estes antígenos, quando utilizados para vacinas ou imunoterapias, devem ser expressos por um pequeno grupo de células e/ou em quantidades limitadas para que o sistema imunológico não induza uma resposta a essas proteínas próprias do organismo. Diversos auto-antígenos TAA foram identificados e são relacionados a imunoterapia para câncer, estando os mais comuns listados na Tabela 1. Além dessas categorias de antígenos tumorais, oncoproteínas virais podem representar uma classe importante de antígenos, pois durante o curso da infecção viral essas proteínas são expressas em células transformadas e em células infectadas que possuem maior potencial neoplásico. Estudos recentes têm demonstrado que vacinas contendo poliepítopos dirigidos contra a 305


proteína latente da membrana 1 (LMP1) do vírus Epstein-Barr (EBV) são capazes de fornecer imunidade contra tumores que expressam LMP1 em camundongos. Ainda que sejam poucos os vírus diretamente relacionados ao aparecimento de tumores em humanos, patologias associadas com diferentes vírus, como o da imunodeficiência humana (HIV), o HBV e o da hepatite C (HCV), podem acarretar no desenvolvimento de tumores em alguns indivíduos, salientando a importância do desenvolvimento de vacinas e terapias para a eliminação desses microrganismos oncogênicos, oferecendo proteção contra a a formação de tumores associados. Imunoterapia A imunoterapia é uma estratégia alternativa, atraente e potencialmente eficaz para tratamento de câncer, baseada na especificidade do sistema imunológico frente ao tumor e na sua limitada toxicidade. Constitui um tratamento que promove a estimulação do sistema imune, por meio do uso de substâncias modificadoras da resposta biológica. Sabese que o sistema imunológico tem a capacidade de reconhecer e extinguir lesões pré-cancerosas e cancerosas, no entanto, com a vigilância imune, as células sobreviventes do tumor aprendem a evadir a resposta imune após a imunosseleção. Dessa forma, a imunoterapia visa o desenvolvimento de estratégias que superem esses obstáculos. 306


Tabela 1: Antígenos TAA comumente associados a tumores. Categoria Antígeno Tumores associados Virais Tumor-Específicos HPV: L1, E6, E7 Carcinoma cervical HBV: HBsAg Carcinoma hepatocelular SV40: Tag Mesotelioma maligno da pleura Próprios TumorCDK4 Melanoma Específicos Β-catenina Melanoma Caspase-8 Cabeça/pescoço Antígenos CT MAGE-A1 Melanoma, mieloma, NY-ESO-1 bexiga, mama, próstata, pulmão, cabeça/pescoço, esôfago e sarcoma Antígenos overexpressed MUC-1 Mama e ovário MUC-13/CAOvário 125 Mama, melanoma, ovário, HER-2/neu gástrico e pâncreas Mesotelioma maligno da Mesothelin pleura, ovário e pâncreas Próstata PSMA Próstata, mama e ovário TPD-52 Antígenos de CEA Cólon Diferenciação Gp100 Melanoma MARTMelanoma 1/Melan-A Melanoma Tirosinase Próstata PSA Próstata PAP

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O conceito de imunoterapia geralmente envolve a geração de uma resposta ativa contra antígenos associados a tumores (TAAs). Essa resposta pode ser obtida através de diversas maneiras, principalmente através de vacinação com peptídeos antigênicos ou através de células dendríticas ativadas. Além disso, a administração de moduladores imunes, como citocinas, podem impulsionar a imunidade antitumoral existente, além de levar células imunes efetoras aos locais de crescimento do tumor. Quando comparada com quimio ou radioterapia, a utilização de tratamento imunoterapêutico apresenta duas vantagens potenciais: (a) especificidade para com a célula-alvo, reduzindo assim os efeitos adversos nos tecidos normais; e (b) menos interferência em outras terapias, tornando-se um tratamento adjuvante adequado à quimioterapia ou radioterapia. Estratégias imunoterapêuticas podem ser classificadas em imunoterapia ativa ou imunoterapia passiva, de acordo com as substâncias utilizadas e os seus mecanismos de ação. A imunoterapia ativa utiliza substâncias estimulantes e restauradoras da função imunológica (também conhecida por imunoterapia ativa inespecífica), bem como vacinas de células tumorais (imunoterapia ativa específica), com a finalidade de intensificar a resistência ao crescimento tumoral. Esta estratégia de tratamento visa ‘ensinar’ o sistema imune a reconhecer especificamente células tumorais. O estabelecimento de imunidade ativa contra tumores é uma tarefa promissora, mas inerentemente difícil, e 308


exige uma profunda compreensão dos múltiplos mecanismos imunossupressores que o microambiente do tumor pode explorar. Maximizar a eficácia da imunoterapia ativa exige uma rigorosa investigação de antígenos-alvo apropriados; de interações entre linfócitos, APCs, e antígenos; e da regulação imune proveniente do microambiente tumoral. Na imunoterapia passiva, anticorpos antitumorais ou células mononucleares exógenas são administrados para proporcionar capacidade imunológica de combate à doença. A imunoterapia passiva representa uma abordagem diferente para a manipulação de componentes do sistema imune do hospedeiro tendo as células tumorais como alvo. Diferente das abordagens da imunoterapia ativa, linfócitos tumor-específicos são expandidos ex vivo, permitindo manipulação direta dos efetores imunológicos. Estratégias de imunoterapia passiva não específicas ao tumor também podem ser realizadas, incluindo a utilização de citocinas, interferons e receptores Toll-like (TLRs) como agonistas para tratamento. Todas estas ferramentas são utilizadas no combate ao microambiente tumoral e auxiliam na ativação do sistema imune. Uma série de estudos envolvendo ativação imune não específica têm sido relatados até agora para vários tipos de tumores e com resultados promissores. Alguns dos imunomoduladores mais utilizados em estudos de imunoterapia estão listados na Tabela 2. 309


Embora estas estratégias imunoterapêuticas possuam potencial para o estabelecimento de imunidade de longa duração frente a tumores, o aparecimento de tolerância imunológica aos antígenos tumorais continua a ser um processo desafiador e controverso. Outra questão a ser levada em conta é a possibilidade de geraração de linfócitos autorreativos, particularmente quando este tratamento é utilizado em combinação com outras técnicas imunoestimulatórias. Apesar de inicialmente defendida como sendo mais específica para células tumorais e causadora de menores efeitos colaterais, está cada vez mais claro que imunoterapias podem levar a reações imunes severas contra tecidos sadios. A imunotoxicidade resultante do tratamento pode variar de condições relativamente fracas, como despigmentação da pele, a toxicidades agudas contra sistemas e órgãos como intestino, fígado e pulmão, sendo o desenvolvimento destas patologias associado com melhores respostas frente a alguns tipos de tumor.

310


Tabela 2: Principais imunomoduladores utilizados em estratégias imunoterápicas. Tipo de Imunidade Ativa Específica

Ativa Inespecífica

Imunomodulador Vacinas e soros produzidos a partir de culturas de células tumorais coletadas do próprio paciente (imunoterapia autóloga) ou de outro paciente com neoplasia semelhante (imunoterapia heteróloga) BCG e derivados Levamisole Isoprinosina Corynebacterium parvum

Passiva

Fator de transferência Interferon

Interleucina-2

ARN-imune

Tipo de Tumor

-

Câncer superficial de bexiga e melanoma maligno Melanoma maligno e carcinoma intestinal Tumores associados a vírus Câncer de pulmão e melanoma maligno Leucemia de células cabeludas, Mieloma múltiplo, melanoma maligno, Linfomas malignos e outras leucemias Melanoma maligno, sarcomas, carcinoma de cólon e reto, sarcoma de Kaposi e adenocarcinoma de pulmão Melanoma maligno

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É importante salientar que as condições prevalentes durante uma infecção por patógeno diferem das circunstâncias observadas durante o desenvolvimento de uma resposta antitumoral. Durante a replicação de um patógeno, a ativação de células T autorreativas é controlada para causar dano mínimo e pouca ou nenhuma consequência fisiológica; o que não ocorre no caso da imunoterapia contra tumores. A utilização de antígenos não-específicos ao tumor e repetições sucessivas de doses vacinais podem ativar células T autorreativas e gerar poderosas respostas autoimunes. Dessa forma, a escolha do antígeno pode constituir um fator chave no controle do desenvolvimento da autoimunidade e escolhas ideais priorizariam antígenos que são normalmente expressos em sítios imunoprivilegiados ou durante o desenvolvimento fetal; ou ainda aqueles que são específicos ao tumor.

Vacinas Anticâncer A vacinologia fornece excelentes insumos para controle de doenças diversas, sejam elas infecciosas ou não. Vacinas contra agentes infecciosos constituem um grande avanço na prevenção e erradicação de doenças como poliomielite, sarampo, hepatite B, tuberculose e tétano. Vacinas anticâncer constituem foco importante na imunoterapia, e as lições aprendidas com vacinas 312


contra doenças infecciosas estão sendo aplicados para o tratamento de doenças malignas. Em termos de câncer, a vacinação se baseia em duas estratégias principais: a utilização de vacinas profiláticas, que imunizam o paciente contra infecções de vírus oncogênicos, como HPV, ou que previnem o desenvolvimento de tumores em indivíduos pertencentes a grupos de risco; ou a utilização de vacinas terapêuticas, focadas no combate a doenças já estabelecidas. A produção de vacinas profiláticas para câncer tem se mostrado ineficiente principalmente devido ao fato de que antígenos tumorais são normalmente variações de proteínas próprias do organismo, que podem acarretar em complicações autoimunes. A utilização de substâncias naturais, sintéticas ou biológicas para reverter, suprimir ou prevenir qualquer fase de iniciação e progressão da carcinogênese é limitada pela baixa eficácia destes agentes e pelo baixo potencial de toxicidade dos mesmos. Embora a vacinação seja considerada mais eficiente quando usada para prevenir o estabelecimento de doenças, o desenvolvimento de vacinas anticâncer está centrado principalmente na utilização de terapias contra tumores já estabelecidos e em crescimento. Dessa forma, vacinas terapêuticas representam uma nova classe de agentes em potencial para tratamento de câncer. Durante décadas a vacinação terapêutica não foi considerada uma terapia padrão para câncer. No entanto, a aprovação no ano de 2010, pela FDA, de uma vacina de células dendríticas (DC) para tratamento de 313


câncer de próstata ressaltou o sucesso da utilização do sistema imune no combate à doença e tem incentivado o desenvolvimento de pesquisa visando a utilização combinada destes componentes imunológicos com a quimioterapia padrão. Porém, para serem eficazes, tratamentos imunoterápicos devem aumentar a qualidade ou a quantidade de células imunes efetoras, revelar novos antígenos tumorais e eliminar mecanismos imunossupressores induzidos pelo tumor. Tanto antígenos tumorais compartilhados (tumor-specific shared antigens) quanto antígenos tumorais únicos são utilizados como base para o desenvolvimento de vacinas contra o câncer e a presença destes na superfície das células tumorais é essencial para a ocorrência de resposta imune. Entretanto, tal resposta é difícil de desenvolver e ainda não está claro em que grau os epítopos relevantes serão compartilhados entre os tumores e como os peptídeos de antígenos de rejeição tumoral serão apresentados por determinados alelos do MHC. Para serem efetivas, vacinas idealmente concebidas devem combinar os melhores antígenos tumorais com os agentes de imunoterapia mais eficazes e as melhores estratégias de entrega da vacina visando alcançar resultados clínicos positivos. Até recentemente, a maioria das vacinas contra câncer utilizava o tumor do próprio paciente, removido cirurgicamente, como fonte de antígenos vacinais. Essas vacinas à base de células são preparadas por uma mistura de células tumorais irradiadas ou extratos 314


tumorais com adjuvantes bacterianos, como BCG, que são capazes de aumentar a imunogenicidade. Essa técnica experimental para vacinação antitumoral possui a vantagem de não depender de qualquer conhecimento prévio a cerca da natureza dos antígenos tumorais relevantes para a rejeição, porém a desvantagem é que o combinado de proteínas tumorais contém um número muito grande de peptídeos, de modo que qualquer antígeno de rejeição tumoral pode constituir somente uma pequena fração dos peptídeos totais. Outra abordagem experimental da vacinação tumoral consiste em aumentar a imunogenicidade desse tipo de células através da indução de expressão de genes que codificam moléculas coestimuladoras ou citocinas. Quando células cancerígenas são transfectadas com genes que codificam para moléculas coestimuladoras, essas células tornam-se capazes de ativar células T virgens específicas para o tumor, para se tornarem células T efetoras capazes de rejeitar o crescimento tumoral. Essas células também são capazes de estimular a proliferação adicional de células efetoras, que alcançam o sítio de implantação e são capazes de reconhecer células tumorais expressando ou não a molécula coestimuladora inicial. Quando genes de citocinas são introduzidos em tumores, as citocinas secretadas atraem para o local células apresentadoras de antígenos, como células dendríticas, tirando vantagem da natureza parácrina das citocinas. A potência das células apresentadoras de antígenos de 315


ativar respostas de células T fornece estratégias diferentes para o desenvolvimento de vacinas contra tumores. Assim, de acordo com o tipo de antígeno e do carreador utilizado, as vacinas anticâncer podem ser divididas em: vacinas de proteína/peptídeo, vacinas de DNA, vacinas baseadas em células dendríticas (DC), vacinas bacterianas, vacinas de vírus oncolíticos e vacinas utilizando citocinas. No entanto, DCs desempenham papel muito importante como células apresentadoras de antígenos para o sistema imunológico e o princípio de atuação da maioria dessas vacinas (de DNA, proteínas/peptídeos e bacterianas) é baseado na entrega do antígeno e apresentação deste para o sistema imune por estas APCs. Células Dendríticas Células dendríticas representam o principal foco de pesquisas em vacinas e imunoterapias para câncer. As células dendríticas (DCs) são as mais potentes células apresentadoras de antígenos e têm por funções principais a iniciação e regulação das respostas imunes, sendo capazes de ativar e de manter o delicado equilíbrio entre a imunidade e a tolerância. Vários estudos têm demonstrado que antígenos expressos por tumores, incluindo aqueles tumor-específicos, podem ser carregados em DCs para acionar uma resposta imunológica in vitro. Ensaios clínicos utilizando DCs 316


foram realizados em pacientes com diversos tipos de tumores, incluindo câncer de mama, mieloma múltiplo, câncer de próstata, carcinoma de células renais, melanoma maligno, câncer colorretal e câncer de pulmão. Embora apresentem resultados otimistas e constituam uma terapia segura e promissora para tumores, a eficácia clínica deste tipo de imunoterapia ainda não foi totalmente estabelecida. Devido a sua capacidade de iniciar e regular a imunidade celular, as DCs possuem papel chave na otimização de todos os tipos de vacinas (Figura 3). Existem, no entanto, duas formas principais de explorar a utilização de DCs como vetores vacinais: no direcionamento in vivo de DCs e na vacinação utilizando DCs (ex vivo). O direcionamento in vivo de células dendríticas é uma abordagem antiga para vacinação tumoral, que consiste na injeção de antígenos misturados com adjuvantes e moléculas estimulatórias em um paciente, visando o estímulo de uma resposta imunológica. Por outro lado, a vacinação utilizando DCs ex vivo é um tipo personalizado de terapia celular onde as células do próprio paciente são manipuladas por profissionais visando sua maturação e preparo para apresentação do antígeno desejado. Essa última estratégia possui o revés de ser uma terapia única para cada paciente, possuindo elevado custo de desenvolvimento.

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Figura 3: Principais formas de utilização de Células Dendríticas (DCs) como vetores vacinais: no direcionamento in vivo de DCs e na vacinação utilizando DCs (ex vivo). Adaptado de: Schuler, G.; 2010.

A abordagem in vivo é sem dúvida a mais simples dessas estratégias, no entanto a mobilização das DCs residentes - induzindo sua migração aos linfonodos e maturação em APCs potentes - é menos eficaz quando se utiliza essa estratégia de vacinação. Várias estratégias nesse sentido têm sido descritas, no entanto, sua eficácia não está comprovada. Uma das abordagens mais comuns é a tentativa de acesso das DCs residentes imaturas por shotgun, utilizando injeções de proteínas ou de DNA codificando antígenos. Essa estratégia possui o fator limitante de que a captação predominante de antígenos pode ocorrer através de células não-APCs, como queratinócitos, tendo então repercussões imunes negativas. Em modelos murinos, injeções de anticorpos anti-DC (por exemplo, anti-lectina tipo C) contra antígenos fundidos, são capazes de induzir resposta 318


imune vigorosa na presença de estímulos de maturação adequados. Ensaios clínicos iniciais vêm sendo desenvolvidos utilizando vários tipos de cânceres, no entanto as respostas encontradas são divergentes. Esses resultados provavelmente se devem ao comprometimento da função das DCs em pacientes com câncer, como tem sido sugerido por diversos autores. A vacinação com DCs geradas ex vivo e incubadas com fontes de antígenos tumorais específicos têm sido usadas tanto em ensaios com modelos animais quanto em ensaios clínicos. A principal fonte de DCs atualmente utilizadas em ensaios clínicos e em estudos com animais consiste de derivados de monócitos (DCs de origem mielóide); e várias técnicas têm sido avaliadas para produzir, expandir e ativar este tipo celular in vitro. A centrifugação por densidade seqüencial das células mononucleares do sangue periférico representa a abordagem mais utilizada atualmente para enriquecer DCs sanguíneas para uso clínico. Cultivadas na presença de GM-CSF e IL-4, monócitos isolados a partir do sangue dos pacientes ou da medula óssea, diferenciam-se em DCs imaturas após um período de 4 a 5 dias. Durante o período de ativação, moléculas de TNF-α, IFN-γ, LPS, CpG, IL-1 ou CD40L, levam à geração de DCs maduras capazes de reconhecer e apresentar antígenos. A pureza e a qualidade funcional das sub-populações de DCs obtidas ex vivo consiste no principal fator para obtenção de respostas imunes altamente eficazes contra tumores.

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Vírus Oncolíticos Viroterapia é uma plataforma de tratamento emergente e experimental para terapia de câncer. Vírus Oncolíticos são vírus não-patogênicos e de ocorrência natural, modificados genéticamente para atacar seletivamente células cancerígenas e para ter um perfil de baixa toxicidade. São vírus de replicação competente e projetados para infectar seletivamente células cancerosas com fenótipos oncogênicos específicos. Sua especificidade às células tumorais é determinada por mutações genéticas específicas do tumor que resultam na expressão exagerada de determinadas proteínas. Seus efeitos antineoplásicos ocorrem devido a produção de proteínas que aumentam a citotoxicidade e/ou provocam resposta imune antitumoral. Tanto vírus de DNA fita dupla quanto vírus RNA já foram testados para vários tipos de tumores. Essa estratégia diferencial de tratamento tem se mostrado segura, e tem gerado respostas clínicas positivas em tumores resistentes à quimioterapia ou radioterapia. O grande desafio para pesquisadores dessa área é maximizar a eficácia desta terapêutica viral, e estabelecer mecanismos estáveis de entrega sistêmica. Adenovírus é o tipo viral mais estudado clinicamente para tratamento oncolítico e dentre as construções adenovirais se incluem: Onyx015, CG7060, CG7870, dl922-947, Ad5-CD/tk-rep, Ad-delta24, Ad DF3-E1, Onyx 411, OAV001, KD3, 01/PEME e Telomelysin. Outros tipos 320


virais como o Herpes Simplex Virus (HSV), o vírus Vaccinia, o Newcastle vírus e alguns tipos de Reovirus também estão sendo estudados em ensaios clínicos inicias para tipos diversos de tumores, porém com resultados ainda inconclusivos. Onyx 015: Onyx 015 é um adenovírus de replicação condicional, geneticamente modificado pela exclusão de dois elementos de DNA. Inicialmente acreditava-se que a supressão do primeiro elemento genético, o E1B (fragmento de 55kDa), facilitaria a replicação desse vírus em células que apresentassem a via apoptótica da proteína p53 mutada, o que comumente ocorre em células tumorais. No entanto, atualmente sabe-se que este vírus não é específico para células p53 nulas, mas ensaios clínicos demonstraram que não existe evidência de replicação viral inespecífica ou mesmo danos em células sadias. Em estudos de fase inicial, ONYX 015 foi administrado através de injeções intratumorais em pacientes com câncer refratário, sendo bem tolerado e apresentando evidências de atividade terapêutica. Estudos clínicos de fase II envolvendo pacientes com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço revelaram especificidade do vírus para com o tumor e ausência de efeitos tóxicos em tecidos sadios. Nenhum efeito tóxico grave foi observado nesses pacientes após 533 injeções virais, e cerca de 20% dos pacientes demonstraram resposta significativa, parcial ou 321


completa (CR) para a infecção. Estudos clínicos posteriores de fase II utilizando ONYX 015 combinado com cisplatina e 5-fluorouracil não apresentaram toxicidade adicional atribuível ao vírus, além daquela esperada para cisplatina e 5-fluorouracil, porém com uma resposta antitumoral em 63% dos pacientes (para a mesma população de pacientes a taxa de resposta à quimioterapia corresponde a somente 35%). Outros estudos clínicos utilizando ONYX 015 vêm sendo desenvolvidos em pacientes com câncer avançado de ovário, carcinoma hepatocelular, câncer pancreático e colorretal, com resultados promissores. A empresa Shangai Sunway Biotech atualmente detém os direitos sobre o ONYX 015. Essa mesma empresa também detém os direitos sobre o primeiro vírus oncolítico a ser comercializado, o H101 (comercialmente chamado Oncorine). Atualmente disponível apenas no mercado chinês, essa viroterapia induz melhorias na resposta ao tratamento e no tempo de progressão de carcinoma de nasofaringe, quando utilizado em combinação com quimioterápicos baseados em cisplatina. Outros dois produtos vêm sendo introduzidos no mercado, o H102, atualmente em testes pré-clínicos, e o H103. Esse último é um adenovírus oncolítico que superexpressa a proteína de choque térmico Hsp70, e que foi utilizado em ensaios clínicos para vacinação intratumoral de pacientes com tumores sólidos avançados. Regressão transitória e parcial da doença foi observada durante estes estudos e 322


novos ensaios estão sendo desenvolvidos visando melhorias da terapia. Telomelysin Telomelysin é um adenovírus (Ad5-based) de replicação competente que incorpora o promotor do gene de transcriptase reversa da telomerase humana (hTERT). O hTERT codifica para a subunidade catalítica da proteína da telomerase, uma polimerase que atua para estabilizar o comprimentos dos telômeros e é altamente expressa em tumores, mas não em células de tecidos adultos normais e diferenciados. Estudos mostraram que o promotor hTERT pode controlar a expressão de genes exógenos em células tumorais telomerase-positivas, podendo ser utilizado para controlar a replicação do vírus oncolítico especificamente em células cancerosas. Modificações adicionais no Telomelysin incluem a substituição do elemento de transcrição viral E1B por um gene IRES (Internal Ribosomal Entry Site). Além disso, Telomelysin é o único adenovírus de replicação competente que mantém totalmente funcional a região genômica viral E3. A proteína E3 evita que células infectadas pelo vírus sejam eliminadas por linfócitos T citotóxicos, o que confere vantagem teórica de otimização da atividade antitumoral, dentro dos limites de segurança clínica. Estudos clínicos iniciais com esse tipo viral estão sendo realizados frente a pacientes que apresentam carcinoma neuroendócrino, carcinoma de células escamosas, melanoma, leiomiossarcoma e 323


cânceres salivares; porém resultados concretos ainda não foram obtidos e alguns pacientes apresentaram disseminação sistêmica temporária do vírus. Citocinas Citocinas liberadas em resposta à processos de infecção e inflamação podem funcionar na inibição do desenvolvimento e progressão tumoral. Inúmeros estudos pré-clínicos demonstram a capacidade de citocinas secretadas por tumores de atuar como vacinas que aumentam a imunidade sistêmica contra tipos selvagens do mesmo tumor. Diversas estratégias têm sido desenvolvidas para realizar ensaios clínicos com essa forma de imunoterapia. Uma das abordagem utilizadas prevê o uso de células tumorais autólogas no desenvolvimento da resposta imune, pois a utilização de antígenos tumorais específicos do paciente apresentam melhores resultados para a vacinação tumoral. No entanto, problemas logísticos de preparo da terapia, que deve ser específica para o paciente, motivaram a exploração de células tumorais de linhagens alogênicas, permitindo que antígenos tumorais compartilhados sejam fagocitados e processados pelas APCs do paciente, desencadeando uma resposta imune cruzada. Utilizando estas abordagens, diferentes citocinas têm sido introduzidas em ensaios clínicos em fases diversas, incluindo GM-CSF, IL-2, IL-4, IL-6, IL-7, IL-12, IFN-γ e lymphotactin (Tabela 3). 324


Tabela 3: Papéis das citocinas endógenas na patogênese de tumores. Citocina IL-1

IL-6 IL-12 IL-15 Ifn-γ M-csf Gm-csf

Tnf-α

Mif Tgf-β Fas/Fasligand

Célula Secretora Macrófagos, células dendríticas, linfócitos B, natural killers e queratinócitos Macrófagos, linfócitos T, linfócitos B, células endoteliais e fibroblastos Macrófagos, células dendríticas e neutrófilos Macrófagos e células dendríticas Células NK, linfócitos T, linfócitos B, macrófagos e células dendríticas Macrófagos, células endoteliais, fibroblastos e células da medula óssea Células do epitélio respiratório, linfócitos T, células NK, macrófagos, eosinófilos, células endoteliais e fibroblastos Macrófagos, células NK, linfócitos B, linfócitos T, neutrófilos, queratinócitos e fibroblastos Macrófagos, linfócitos T, eosinófilos, fibroblastos, queratinócitos e pituitária Linfócitos B e T, células da medula óssea Linfócitos B e T, hepatócitos e células do epitélio respiratório e ovariano

Papel na carcinogênese Invasão tumoral e angiogênese Desenvolvimento de linfomas induzidos quimicamente Inibe a carcinogênese química Promove leucemias de células T Natural Killers Inibe carcinogênese química e desenvolvimento de linfomas Invasão em câncer de mama Inibe linfomas e carcinomas (juntamente com IL-3 e IFN-γ) Crescimento de tumores de pele quimicamente induzidos Inibe funções da proteína p53 Inibição de carcinoma de cólon Inibição do desenvolvimento de linfomas

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Avanços Clínicos Sipuleucel-T e Câncer de Próstata Recentemente, uma variedade de abordagens de base imunológica tem se mostrado significativa quanto à eficácia terapêutica em ensaios clínicos randomizados de Fase III para terapia de câncer. Em 2010, a primeira vacina terapêutica contra câncer foi aprovada pela FDA (Food and Drug Administration) para uso difundido nos Estados Unidos. A chamada Sipuleucel-T (Provenge®) constitui uma nova imunoterapia celular para tratamento de câncer de próstata assintomático ou minimamente sintomático, metastático e de castraçãoresistente (hormônio refratário). A aprovação da FDA para Sipuleucel-T foi baseada em três estudos clínicos de Fase III, onde as taxas de sobrevida global foram consistentes para os diversos subgrupos. Análises mostraram que o tempo de progressão da doença (TTP) não foi significativo em nenhum dos estudos. No entanto, os pacientes submetidos a esta droga apresentaram aumento de sobrevida média em 4,1 meses em comparação com aqueles que receberam doses de placebo, e apresentaram redução de 22,5% no risco de morte em comparação com o grupo controle. Além disso, a imunoterapia apresentou menos efeitos colaterais do 326


que o tratamento clínico de praxe utilizado nesses casos (Docetaxel). Comercialmente chamada de Provenge® e produzida pela Dendreon Corporation, a Sipuleucel-T é uma droga baseada na utilização de células apresentadoras de antígenos como terapia celular. Seu mecanismo de ação exato ainda não é conhecido, porém acredita-se que a Provenge® utilize APCs para estimular uma resposta celular dirigida contra Fosfatase Ácida Prostática (prostatic acid phosphatase - PAP), um antígeno altamente expresso em células cancerosas da próstata. A vacina é composta por proteínas antígenorecombinantes, que devem ser incubadas ex vivo juntamente APCs isoladas do paciente. O tratamento consiste na remoção de células mononucleares do sangue periférico (PBMCs) do paciente e estímulo das mesmas com uma fusão de proteínas citocinasantígenos; e posterior reintrodução das células no paciente (agora ativadas contra antígenos do tumor, neste caso, fosfatase ácida prostática). Imunoterapia com BCG para câncer de Bexiga O câncer de bexiga é um tumor maligno que se desenvolve no trato urinário e cresce a partir do revestimento interno do órgão, se propagando para o interior da cavidade. Três por cento de todos os tumores malignos são carcinomas de bexiga, constituindo o quarto tipo de tumor mais freqüente em 327


homens e o oitavo mais freqüente em mulheres. Esta forma de neoplasia é muito agressiva e apresenta alto risco de progressão e óbito, sendo o sexto tumor em número de mortes nos Estados Unidos. Tumores de bexiga são classificados de acordo com o tecido no qual se inserem, sendo o câncer superficial de bexiga caracterizado por atingir a parede da bexiga sem ultrapassar o tecido sub-epitelial. Cerca de 20-25% dos casos de carcinoma urotelial são músculo-invasivos (estágio T2 ou superior) e em aproximadamente 70 a 80% dos casos, a apresentação inicial do câncer de bexiga é na forma superficial, sendo que destes, 5 a 10% são carcinoma in situ. Pacientes que apresentam carcinomas superficiais de bexiga são geralmente tratados por ressecção transuretral de diagnóstico (TUR) e controle local da carcinogênese com imunoterapia intravesical subseqüente. Após a ressecção transuretral, a imunoterapia intravesical com Bacilo Calmette-Guérin (BCG) é considerada o tratamento adjuvante de escolha, visando a eliminação residual do tumor e reduzindo o risco de possíveis recidivas e progressões da doença. Aprovada em 1990 pela FDA, a imunoterapia com instilação intravesical de Bacilo Calmette-Guérin (BCG intravesical) constitui um imunoterápico padronizado para utilização em tumores não invasivos de bexiga, sendo considerado padrão ouro para carcinomas in situ. O BCG é uma cepa viva atenuada da bactéria Mycobacterium bovis, desenvolvida em 1921 como vacina para tuberculose bovina, por Albert Calmette e 328


Camille Guérin. A utilização dessa vacina em humanos, bem como sua produção em larga escala, ocorreu em 1924, no Instituto Pasteur de Lille, na França. Diversas subcepas da bactéria foram encaminhadas a diferentes países, de maneiras diferentes, originando variantes com diferenças bioquímicas, morfológicas e imunológicas. A cepa de BCG utilizada no Brasil foi cultivada pela primeira vez em 1925, pelo médico uruguaio Julio Moreau, sendo nomeada como BCG Moreau Rio de Janeiro. Apesar das variações fenotípicas que ocorrem entre as diferentes cepas, todas mantiveram alguma eficácia tanto para vacinação como para imunoterapia. Observações a respeito dos efeitos antitumorais do BCG vêm de longa data. A relação da tuberculose com câncer foi primeiramente proposta por Pearl, em 1929. Após uma série de autópsias, o autor notou menor incidência de câncer em pacientes que apresentavam tuberculose ativa ou prévia, concluindo que havia um antagonismo entre estas entidades. O uso do BCG em oncologia foi proposto concretamente em 1959 após estudos de Old et al., que demonstraram que camundongos infectados com BCG apresentavam resistência a tumores transplantáveis, através do aumento da reatividade imunológica. A inibição do crescimento tumoral após injeção de BCG vivo na bexiga foi observada e esta bactéria foi utilizada pela primeira vez para tumores neste órgão em 1976 por Morales et. al., sendo essa inibição de crescimento atribuída a uma reação imunológica de hipersensibilidade do tipo tardio. 329


Desde então, repetidos estudos vêm confirmando que a aplicação de BCG intravesical elimina o carcinoma in situ da bexiga, retarda a progressão de doença, melhora a sobrevida nos pacientes com câncer superficial de alto grau, sendo mais eficaz que quimioterapia convencional. Um sistema imune eficiente constitui prérequisito para uma imunoterapia com BCG de sucesso. O Bacilo Calmette-Guérin induz um afluxo maciço de células inflamatórias e produção de citocinas na mucosa e no lúmen da bexiga, levando a uma resposta imune contra células tumorais. Quando é feita a instilação intravesical de BCG, uma parte dos bacilos injetados na bexiga adere à parede vesical e se liga às células uroteliais, através de fibronectinas, sendo em seguida internalizado por essas células, o que produz intensa resposta imune e ativa um processo inflamatório. Células inflamatórias, como leucócitos polimorfonucleares e neutrófilos, se infiltram no local e desencadeiam a liberação de grandes quantidades de citocinas, que levam ao recrutamento de outros tipos de células imunes. A resposta celular primária é constituída principalmente de neutrófilos e macrófagos, porém num segundo momento, células T CD4+ são predominantes. Embora não esteja completamente elucidado, acredita-se que o mecanismo de ação da imunoterapia com BCG frente a tumores esteja relacionado com uma estimulação local e inespecífica do sistema imune pela bactéria. Estudos demonstram presença elevada de citocinas na urina dos pacientes tratados com BCG, 330


principalmente IL-1, IL-2, IL-6, IL-8, IL-12, TNF, INF-γ e GM-CSF. Este perfil de citocinas pró-inflamatórias, especialmente IL-2, TNF e INF-γ, constitui um padrão de secreção de resposta imune Th1. Em camundongos, tem se observado que a presença de INF-γ e IL-12 se faz necessária para o controle imunoterápico de câncer de bexiga, sendo sugerido que terapias efetivas para este tipo de tumor requerem ativação de resposta imune Th1. O TNF-related apoptosis-inducing ligand (TRAIL) é um membro da família TNF que induz a apoptose em células neoplásicas, mas não em células e tecidos saudáveis. A expressão de TRAIL pode ser induzida em muitas populações de células inflamatórias após a ativação ou estímulo com citocinas, especialmente os interferons do tipo I e II. Estudos recentes tem demonstrado que pacientes que respondem corretamente a instilação de BCG possuem quantidade maior de TRAIL na urina do que aqueles que não respondem ao tratamento e que, além disso, naqueles em que o tratamento é eficaz, a quantidade de TRAIL na urina é crescente após cada tratamento subseqüente com BCG. Neutrófilos são as principais células responsáveis pela secreção da citocina TRAIL e a análise da urina de pacientes com infecções do trato urinário encontrou baixos níveis dessa citocina, quando comparado com pacientes que tiveram estimulação com BCG, sugerindo que a resposta TRAIL é específica para a micobactéria. Além disso, a estimulação de neutrófilos do sangue 331


periférico com diversas espécies bacterianas mostrou que apenas o BCG é capaz de estimular a liberação de TRAIL. Assim, a citocina TRAIL parece ser um contribuinte importante para o efeito antineoplásico da imunoterapia com BCG. Na Figura 4 encontra-se uma representação visual de um mecanismo de ação proposto para o BCG. Embora a imunoterapia com BCG geralmente seja bem tolerada pelo paciente, em alguns casos algumas complicações podem ocorrer. A ocorrência de febre baixa e cistite leve após a instilação intravesical são comuns, e até consideradas como sinal de bom resultado do tratamento. Podem ocorrer, entretanto, diversas complicações como febre alta, pneumonite, reações alérgicas, obstrução ureteral, bexiga contraída, e, em casos mais graves, sepse por BCG. Alguns pacientes são intolerantes ao BCG, e cerca de 30% destes interrompem o tratamento por causa dos efeitos colaterais. O sucesso do BCG como agente imunoterápico vem promovendo o desenvolvimento de pesquisas que buscam maneiras de manter ou melhorar sua eficácia terapêutica, porém reduzindo o perfil de efeitos colaterais. Com este intuito, as estratégias mais utilizadas incluem utilização de doses diminutas da vacina; a administração de citocinas inflamatórias em conjunto com BCG; e a identificação dos componentes micobacterianos responsáveis pela resposta imunológica, evitando, assim, a utilização do bacilo vivo, 332


o que diminuiria os riscos de reações graves ou infecções. A utilização de doses baixas da vacina BCG têm sido estudada visando a redução dos efeitos colaterais, porém mantendo seu efeito terapêutico. Relatos iniciais sugeriram que a utilização de baixas doses da vacina não era eficaz, especialmente em pacientes que apresentavam tumores papilares associados ao carcinoma in situ. Estudos posteriores, no entanto, demonstraram que doses baixas de BCG desencadeiam resposta razoável em pacientes com tumores de baixo risco. Ensaios clínicos atuais têm relatado que a utilização de um terço da dose padrão apresenta resultados satisfatórios em pacientes com tumores de risco intermediário havendo diminuição dos efeitos colaterais graves. A identificação de citocinas capazes de induzir respostas imunes sem a utilização do BCG tem se concentrado principalmente em IFN-α, IL-2, TNF e GMCSF. Citocinas como IL-2, IL-12 e IFN-α induzem a liberação de IFN-γ a partir de células mononucleares do sangue periférico, tanto quando utilizadas isoladamente ou em associação com BCG. No entanto, a maioria dos ensaios clínicos utilizando terapias com citocinas não têm demonstrado eficácia suficiente. A cascata imunológica desencadeada pela instilação de BCG pode ser difícil de replicar, mesmo com a utilização de terapias de combinação de citocinas. Terapias combinadas de micobactéria e citocinas têm mostrado 333


maior eficácia do que a utilização de citocinas sozinhas, sendo a combinação de BCG e IFN-α a mais promissora tanto para pacientes primários quanto para aqueles que apresentam recidiva da doença após terapia com BCG. A utilização de terapia combinada de BCG com outras citocinas, como IL-2 e GM-CSF, tem apresentado resultados promissores principalmente frente a tumores de pacientes intolerantes ao BCG. A utização do bacilo BCG vivo é responsável pela maioria dos efeitos secundários graves observados durante o tratamento. Terapias utilizando componentes celulares poderiam reduzir essas complicações sem redução do potencial anticarcinogênico. Diversos componentes micobacterianos são capazes de desempenhar funções específicas durante a cascata imunológica de reação à BCG. A parede celular das micobactérias tem sido considerada o melhor ativador da resposta imune em vários estudos. A utilização de BCG fracionado mostrou que componentes da parede celular são capazes de induzir a liberação da citocina TRAIL e ensaios clínicos utilizando extratos da parede celular micobacteriana administrados de forma intravesical demonstram atividade satisfatória, perfil de segurança favorável, com efeitos colaterais mais leves do que os observados com o BCG vivo; e eficácia em pacientes não tolerantes a imunoterapia. Contudo, apesar de extratos da parede celular das micobactérias apresentarem algum sucesso, estudos clínicos demonstraram redução da eficácia da imunoterapia com BCG quando esta é utilizada na forma 334


inviável. Extratos contendo bacilo BCG morto são capazes de estimular a liberação de TRAIL porém não são capazes de induzir resposta imune Th1, comprometendo o efeito antitumoral da vacina. Outros componentes do BCG têm sido estudados visando indução da resposta antitumoral na bexiga e estratégias imunoterapêuticas vem sendo desenvolvidas para utilização em carcinoma superficial. A identificação de populações de pacientes mais propensos a responder a tratamentos com BCG é uma outra fronteira para melhorar a utilização dessa terapia. Nesse aspecto pesquisas moleculares vem sendo realizadas visando a identificação de variações genéticas, principalmente polimorfismos de base única (SNPs), em diversos genes de citocinas e outras proteínas associadas com a resposta imunológica. A localização de pacientes mais suscetíveis à imunoterapia permitiria que a administração da vacina fosse aplicada somente àqueles com maior probabilidade de benefício da terapia, diminuindo a ocorrência de reações adversas naqueles não responsivos ao tratamento.

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Figura 4: Mecanismo de ação do bacilo de Calmette-Guérin frente a células de carcinoma de bexiga. (A) A infecção de células uroteliais por BCG leva a liberação de citocinas, como IL-8. (B) Neutrófilos constituem as células iniciais de resposta ao BCG; a presença da micobactéria estimula a liberação de TRAIL e de fatores quimiotáticos por estas células. (C) Células inflamatórias efetoras, como células T e macrófagos, respondem aos sinais quimiotáticos secretados pelos neutrófilos. (D) A presença de células citotóxicas e da citocina TRAIL induz à apoptose tumoral. Adaptado de: Kresowik & Griffith, 2009. BCG: Bacille Calmette–Guerin; TRAIL: TNF-related apoptosis-inducing ligand.

HPV Gardasil® e Cervarix® são as primeiras vacinas preventivas desenvolvidas contra o câncer. Foram aprovadas em 2005 para prevenir a infecção pelo HPV e, consequentemente, a transformação de células epiteliais cervicais (ou de outro tecido) em câncer. Ambas as formulações baseiam seu mecanismo de ação na imunidade humoral, sendo constituídas de antígenos de proteína presentes no capsídeo viral do HPV. Dessa 336


forma, a vacina não é eficaz em pacientes que já tenham sido infectados pelo vírus, uma vez que após a infecção, as células não produzem as proteínas do capsídeo viral, impedindo o reconhecimento do antígeno pelo sistema imune. Em relação a adjuvantes, Gardasil® utiliza hidróxido de alumínio, enquanto que Cervarix® utiliza o adjuvante AS04. O adjuvante AS04 é o segundo a ser aprovado pela FDA, e atualmente só é utilizado pela vacina Cervarix®. Gardasil® é uma vacina recombinante e quadrivalente para HPV, tendo a proteína L1 do capsídeo viral produzida em leveduras (Saccharomyces cerevisiae) através da técnica do DNA recombinante. Essa vacina é eficaz pra os suptipos 6, 11, 16 e 18 do HPV, sendo esse dois últimos considerados oncogênicos e resposáveis por cerca de 75% dos casos de câncer cervical. Em mulheres em idade entre 9 e 26 anos, a vacina fornece proteção de 70% em casos de câncer vaginal e cerca de 50% nos casos de câncer vulvar. Além disso, fornece proteção de 90% contra verrugas genitais causadas pelos tipos 6 e 11 do HPV. Cervarix® , por sua vez, é uma vacina recombinante não infecciosa preparada a partir de partículas do capsídeo viral (proteína L1) dos tipos de HPV oncogênicos 16 e 18. A eficácia média dessa vacina em estudos clínicos de fase III foi de aproximadamente 93%.

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Conclusão A busca por novas terapias para tratamento de câncer é uma necessidade da medicina moderna. A crescente incidência de tumores aumenta a demanda pelo desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para combate da doença. Nas últimas décadas, um crescente número de protocolos imunoterapêuticos, como vacinação e imunoterapia com citocinas e anticorpos monoclonais, vêm ganhando destaque e conseguindo a aprovação da FDA para o tratamento e prevenção de tumores. A combinação de estratégias terapêuticas constitui um componente chave na maximização da resposta imune frente a diversos tipos de cânceres. Em um futuro próximo, a utilização dessa resposta pode alcançar o status dos tratamentos padrões atuais para combate da doença, sendo possível oferecer aos pacientes de câncer opções de tratamentos mais eficazes e que permitam melhor qualidade de vida.

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