Icms Ecológico

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Rio Papagaio, Terra IndĂ­gena Utiariti. Foto: Thiago Foresti/OPAN


Expediente OPERAÇÃO AMAZÔNIA NATIVA Av. Ipiranga, 97, Bairro Goiabeiras, Cuiabá – MT, CEP 78032-035 Telefone: 55 (65) 3322-2980 comunicacao@amazonianativa.org.br Twitter: @amazonianativa facebook.com/amazonianativa www.amazonianativa.org.br

ICMS ecológico: oportunidades para o desenvolvimento municipal em Mato Grosso Adriana Werneck Regina OPAN: Cuiabá - MT, 2014 ISBN: 978-85-67133-09-6

Autoria: Adriana Werneck Regina Revisão de texto: Daniela Jakubaszko

ICMS ECOLÓGICO

Revisão editorial: Andrea Jakubaszko Artema Lima Revisão final: Andreia Fanzeres

Operação Amazônia Nativa Coordenação executiva: Ivar Luiz Vendruscolo Busatto Lola Campos Rebollar Rochele Fiorini Programa de Direitos, Política Indigenista e Informação à Sociedade Coordenação: Andrea Jakubaszko Comunicação: Andreia Fanzeres Diagramação:

www.irisdesign.com.br

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ICMS Ecológico Oportunidades para o desenvolvimento municipal em Mato Grosso

Adriana Werneck Regina

OPERAÇÃO AMAZÔNIA NATIVA – OPAN PROGRAMA DE DIREITOS INDÍGENAS CUIABÁ-MT, 2014


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Cachoeira Véu de Noiva, Parque Nacional de Chapada dos Guimarães. Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


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SUMÁRIO

SUMÁRIO Prefácio Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 I Aspectos Metodológicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 II Verso e reverso da legislação do ICMS-E de Mato Grosso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II.1 Lei Complementar N° 73 de 2000. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II.2 Decreto N°. 2.758 de 16.01.2004. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II.3 Lei Complementar N° 157 de 20.01.2004. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II.4 Portaria N° 30 de 29.02.2008. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II.5 Instrução Normativa N° 001 de 05.05.2010. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II.6 A lei na execução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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III Retratos do ICMS Ecológico recebido pelos municípios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 III.1 Terras Indígenas e Unidades de Conservação em Mato Grosso . . . . . . . . . . . . 26 III.2 Recortes do pagamento de ICMS Ecológico aos municípios. . . . . . . . . . . . . . 32 IV Gestão Pública Municipal de ICMS Ecológico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV.1 A versão do ICMS Ecológico em Chapada dos Guimarães. . . . . . . . . . . . . . . . IV.2 A versão do ICMS Ecológico em Barra do Bugres. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV.3 A versão do ICMS Ecológico em Comodoro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. 4 A versão do ICMS Ecológico em Brasnorte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. 5 A versão do ICMS Ecológico em Sapezal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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V Considerações Finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Apêndice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .


RPPN Cristalino, em Alta Floresta. Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


LISTA DE SIGLAS

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APP – Área de Preservação Permanente CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica CF – Constituição Federal CIMI – Conselho Indigenista Missionário FPM – Fundo de Participação dos Municípios FUNAI – Fundação Nacional do Índio FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços ICV – Instituto Centro de Vida IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IDS-M – Índice de Desenvolvimento Social dos Municípios ISA – Instituto Socioambiental ISSQN – Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA – Lei Orçamentária Anual MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MPE – Ministério Público do Estado MT – Mato Grosso ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas OPAN – Operação Amazônia Nativa PIB – Produto Interno Bruto PPA – Plano Plurianual RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável RL – Reserva Legal RPPN –Reserva Particular do Patrimônio Natural SAI – Superintendência de Assuntos Indígenas do Estado de Mato Grosso SEFAZ – Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso SEMA – Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso SM – Salário Mínimo TCE- Tribunal de Contas do Estado UC/TI –Unidade de Conservação/Terra Indígena

LISTA DE SIGLAS

AMM – Associação Mato-Grossense dos Municípios


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Rio Araguaia Foto: Marcelino Soyinka/OPAN


PREFÁCIO Este estudo foi encomendado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) para responder a algumas questões que possam contribuir com um melhor conhecimento sobre como tem sido pensada e realizada a aplicação do ICMS Ecológico no estado de Mato Grosso do ponto de vista local. Queríamos compreender melhor como tem sido aplicado esse recurso nos seus contextos concretos de execução, entender as concepções e dificuldades dos gestores responsáveis pela efetivação do ICMS Ecológico para fortalecer o potencial de política de conservação ambiental aliada a novas tecnologias e espaços de gestão pública que esta lei de incentivo fiscal propicia, ao se desdobrar e apoiar sua execução pela via das políticas públicas. Diferentemente de outros estudos sobre esse tema, onde é recorrente apreender o ICMS Ecológico como instrumento econômico, temos aqui uma abordagem sociológica que abre brechas propositivas ao privilegiar em sua metodologia os focos políticos para análise investigando o que pensam e o que dizem, como praticam, como entendem seu lugar e seu papel os próprios atores diretos desta política (gestores e legisladores municipais). Desse modo, aparece aqui o ICMS Ecológico como instrumento de gestão territorial e ambiental, por meio da sondagem dos caminhos possíveis da execução deste instrumento legal, político e econômico. Uma das principais contribuições deste estudo em relação a outros já realizados até o momento talvez seja esse retrato tão local por meio dessa metodologia de pesquisa e análise. Objetivamente, de um eixo mais central, essa pesquisa visa captar qual é o impacto desta ‘política pública’ no fortalecimento de áreas protegidas e comparar o que é dito nas entrevistas com o que mostram os dados estatísticos, desvelando quanto vale, de fato, a contribuição deste imposto. Os municípios que perderam repasses têm provavelmente lições a ensinar. Os municípios retratados foram escolhidos por critério de escala, selecionados entre os apontados como os que mais e os que menos recebem o repasse e os que estão num patamar intermediário. Compõem a amostra desta análise os municípios de Barra do Bugres, Chapada do Guimarães, Comodoro, Sapezal e Brasnorte, (e Tesouro, por entrevistas à distância). O público alvo das entrevistas foram os atores do poder público local: prefeitos, ex-prefeitos, secretários (planejamento, administração, finanças, meio ambiente...), técnicos, vereadores. Além desses, foram entrevistadas algumas lideranças indígenas, inserindo e nos dando a conhecer também o ponto de vista desses atores, cidadãos que se destacam de forma proativa nesse cenário, uma vez que a própria população local não faz uso de suas possibilidades de participação, posto que frequentemente desconhecem os seus mecanismos.

PREFÁCIO

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Além dos dados primários da pesquisa de campo, a análise se vale ainda da revisão bibliográfica do tema, da exposição dos marcos legais e dos dados secundários relativos aos indicadores socioeconômicos segundo o IBGE e demais fontes oficiais de cada um dos municípios visitados. Nesse retrato, os municípios podem se espelhar uns nos outros, encontrar suas dificuldades comuns, contrastar suas soluções, comparar seus discursos, refletir suas práticas. E, quem sabe, se perguntar: o que de fato poderia se querer construir aqui, neste lugar, a partir das aptidões e vocações da configuração local e seus potenciais particulares? É necessário que se diga que a encomenda deste estudo é motivada também pelo envolvimento da Operação Amazônia Nativa (OPAN) com esta temática a partir das ações de apoio à elaboração e execução de propostas aprovadas para aplicação transparente dos recursos do ICMS Ecológico na proteção de terras indígenas. Foi pioneiro em Mato Grosso o projeto piloto celebrado em convênio no ano de 2002 entre os Enawene Nawe e o município de Juína, logo após a regulamentação, em 2001, da LC 73/2000, que institui o ICMS Ecológico no estado. Esse repasse é ainda hoje uma realidade em alguns lugares sem que, contudo, houvesse avanços na concretização da aplicação dos recursos do ICMS Ecológico assentada como política pública estadual/municipal. Ainda que o ponto de partida e de chegada da OPAN sejam as populações indígenas, acima de tudo nossa expectativa neste caso é a proteção da biodiversidade e do patrimônio natural não no sentido ambientalista estrito, mas no sentido lato, pela convicção de que as matrizes ambientais constituem a base de sustentação de qualquer sociedade humana. Lição vivenciada em mais de quatro décadas de contato e convivência intensa com os ameríndios, que não divorciaram suas práticas econômicas da conservação do meio que lhes dá esteio. Nesse rumo, mais do que interessados exclusivamente em definir ou determinar modos e quantitativos de repasses ou de formas de aplicação do ICMS Ecológico em terras indígenas – pauta de construção que deverá ocorrer passo a passo, caso a caso, sendo os indígenas sujeitos no processo – importa antes à OPAN favorecer e contribuir com diálogos e processos locais de bem-estar social amplo, ou seja, com processos inclusivos, coletivos, democráticos. O meio ambiente entendido como suporte das ações humanas deve ser abordado social, política e economicamente pela perspectiva do bem comum. Nas palavras da autora (p.6): “O imposto opera na lógica do provedor-recebedor, na qual os benefícios são repassados àqueles municípios que têm unidade de conservação e/ ou terra indígena. Em síntese, ICMS Ecológico é ‘qualquer critério ou conjunto de critérios, relacionados à busca de solução para problemas ambientais’ (SEMA:2008)”.

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De acordo com o percurso da análise proposto aqui, a autora nos convida a deslocar o olhar que vê o meio ambiente como problema para percebê-lo como parte intrínseca da solução, estando o problema em outro lugar, assim como testemunha o registro sobre a experiência do Paraná, estado pioneiro na experiência do ICMS Ecológico.

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Mas o que nos interessa chamar atenção nesse trajeto histórico ainda em curso é que a ‘solução para problemas ambientais’ não virá de fórmulas globais, mas de soluções locais. Sendo assim, esse incentivo fiscal pode inspirar e concretizar soluções para os problemas locais tendo nas matrizes ambientais um bem aliado e não um entrave. *** Parece no mínimo curioso que parcela significativa da população brasileira, após uma semana inteira de trabalho, enfrentamento de trânsito, filas, fastfoods, noites mal dormidas, barulho, poluição visual, atmosférica, ambiental, stress, ressacas, depressões..., possa eventualmente deleitar-se com reportagens jornalísticas que mostram lugares que nos re-


Quando passeamos por Brasnorte, por exemplo, ouvimos muitos pássaros, vemos araras, encontramos fragmentos florestais, circulação intensa de bicicletas, ervas medicinais, quintais, pessoas educadas, gentis e receptivas, tanta coisa! Ficamos imaginando, como será seu futuro? Será que, conforme for crescendo, haverá refúgios verdes para o descanso da população trabalhadora, ou este será um luxo para poucos? Será que os quintais terão que se espremer pela especulação imobiliária e que as matas ciliares serão invadidas por condomínios residenciais impedindo os banhos, as pescarias e o lazer das famílias locais? Será que o sistema de abastecimento e esgoto, a coleta de lixo, o destino de resíduos sólidos terão se preparado junto com a população para o inevitável crescimento? Será que vai ter ciclovia? Será que, com a estrada asfaltada, a aquisição massiva de alimentos de fora, que sempre foi majoritária, fará migrar mais uma vez os pequenos agricultores? Será uma cópia de padrões ultrapassados de urbanização que privatiza os espaços públicos e institui a rua como espaço de violência ou será a invenção de espaços de sociabilidade e convívio em núcleos urbanos prósperos e sadios? Essas perguntas podem ser feitas para inúmeros e diversos municípios brasileiros. Mato Grosso, no entanto, por seu processo de ocupação intensa de histórico mais recente, tem ainda a oportunidade de planejar o futuro de suas cidades. Vivemos um momento interessante para tomar decisões, escolher caminhos, zonear espaços, elaborar planos diretores, ampliar o envolvimento de atores sociais para criar paraísos possíveis. Soluções locais engendram soluções globais. Este estudo vem a público no ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo e foi no ‘país do futebol’ que, novamente, a FIFA nos lembrou de sua campanha de mais uma década contra o racismo – Say no to racism. Nesse palco, o Brasil mantém dois tons: reconhecido por sua capacidade diplomática de mediar conflitos, referência de paz entre povos e, o outro, uma política interna que adota medidas jurídico-burocráticas que incitam práticas de etnocídio, pistolagem, vandalismos, tanto em contextos rurais quanto urbanos. Mas hoje o próprio mercado é capaz de mostrar que há espaço para todos. Há muitas possibilidades para diversificação de negócios, de fontes de renda, de práticas econômicas. De acordo com Canclini (1996), nos constituímos contemporaneamente como ‘cidadãos-consumidores’ através dos estilos de vida e referências que absorvemos em meio aos ‘conflitos multiculturais da globalização’, materialidade que nos alcança e afeta, mesmo que apelássemos à liberdade individual e escolhêssemos viver como eremita, isolado numa ilha. Diretamente associadas aos inúmeros estilos de vida atualmente praticados, as tendências de mercado apontam para o consumo de tecnologias; a diversificação de modelos de serviços de alimentação, de saúde, de educação; consciência ecológica; consumo refletido; práticas de boicote econômico; crescimento gradual do mercado de orgânicos, ecoturismo, turismo rural, dentre outros em escala massiva. Assim, os cálculos não devem ser tão primários – matemática é uma ciência exata, economia não. Como se sabe, no jargão econômico, lucro alto e o lucro pelo lucro são indissociáveis de um alto custo (investimento). A relação custo-benefício não é, decisivamente, uma equação simples do primeiro grau. Melhorar arrecadação depende da diversificação de fontes. Também já está economicamente comprovado, através das experiências dos países europeus relativas às consequências da revolução industrial no solo, biodiversidade e prin-

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SUMÁRIO

metem ao ‘paraíso’. Águas termais, vastos parques, longevidade, alimentação tradicional, técnicas terapêuticas, holísticas, formas de sociabilidade, ruas limpíssimas, enfim, ambientes e pessoas em bem-estar.


cipalmente nos recursos hídricos, que proteger ativos ambientais é mais lucrativo do que recuperar passivos, tendo sido, inclusive, muitas das indústrias os agentes dessas mudanças que têm como palavra de ordem “desenvolvimento em parceria com o meio ambiente”. Enfim, o ICMS Ecológico pode representar, sem bem aplicado, mais uma oportunidade de investimento na qualidade de vida das pessoas nos espaços urbanos e rurais tendo a sustentabilidade como meta das ações que apoia. Os municípios têm um papel determinante nesse trajeto, precisam se antenar com as atuais tendências e demandas do mercado global, identificar perfis e estilos de vida, sintonizar-se com os painéis intergovernamentais, adequar e fortalecer políticas nacionais, observar e respeitar convenções das quais seu país é signatário, promover agendas com a sociedade civil e captar recursos nessas frentes por meio do registro e sistematização de seu importante e fundamental trabalho. O papel do local tem sido a grande ênfase dos estudiosos da globalização econômica e da mundialização da cultura. Os locais precisam ser criativos para se tornarem um Lugar*, para se situarem no mundo. Isso exige um engajamento coletivo voltado ao bem do lugar, à saúde da morada. Uma casa receptiva e cheia de muito verde constrói certamente um ambiente acolhedor a todos. * A grafia em maiúsculo aqui faz menção ao Lugar como conceito de domínio das ciências sociais – quando define um espaço marcado por seus contextos históricos, de memória, constituindo-se pelas relações identitárias – identidade do lugar.

Boa leitura!

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Andrea Jakubaszko Coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN

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SUMÁRIO

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Aves do Pantanal vistas da Rodovia Transpantaneira, no município de Poconé. Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


Parque Nacional do Juruena. Foto: Thiago Foresti/Forestcom



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Praias no rio Araguaia. Foto: Artema Lima/OPAN


INTRODUÇÃO

A expansão agrícola aliada à intensificação da industrialização e do consumo são expressões do modo de produção capitalista que há mais de três séculos se baseia na exploração indiscriminada de bens naturais. Cientistas de diferentes países demonstram que as ações humanas, responsáveis pela consolidação deste modelo econômico, social e cultural, desencadearam alterações na qualidade do ar atmosférico, do clima nas diferentes regiões geográficas, bem como a seca, a elevação do nível da água dos mares, o aquecimento dos oceanos, a intensificação das inundações entre outros fatores que, em comum, ameaçam a condição de vida planetária. Atualmente estes estudos orientam as diretrizes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) as quais subsidiam acordos internacionais deliberados nas conferências anuais da Organização das Nações Unidas (ONU). Similarmente, o desmatamento desenfreado e o uso intensivo de agrotóxicos desencadeiam a contaminação irreversível do solo, ar e água; eles também diminuem e/ou extinguem espécies da fauna e flora nos diversos biomas conhecidos, o que significa, inclusive, romper com a perpetuação das múltiplas sementes e plantas medicinais relacionadas à sociodiversidade. Também diminuem a pesca e a caça para populações que tradicionalmente as praticam conforme outro modelo cultural socioeconômico. Isto se soma à redução do espaço territorial ocupado pelos povos indígenas e comunidades tradicionais (quilombolas, seringueiros, ribeirinhos etc.), o que potencializa o conflito pela terra, as ameaças aos direitos humanos constituídos, associado ao comprometimento da biodiversidade, já que nas áreas habitadas pelos mesmos é que se encontram os remanescentes das diferentes espécies de vida. Diversas conferências, fóruns, convenções, envolvendo organizações governamentais e não-governamentais, em níveis locais, regionais, nacionais e globais, têm acontecido nestas três últimas décadas a fim de buscar mecanismos para a sustentabilidade ambiental, impressos, por exemplo, no Protocolo de Kyoto e na busca de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Como consequência, os países criam leis e programas voltados à recuperação, conservação e proteção dos ecossistemas locais. Têm sido valorizadas ações no campo da educação para a formação de valores ecológicos, bem como o investimento em pesquisa científica por meio de cooperação técnica internacional voltada à recuperação

INTRODUÇÃO

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e conservação ambiental. Articular o desenvolvimento socioeconômico ao equilíbrio do ecossistema aparece como uma ideologia emergente, em nível global. Requer o necessário ordenamento territorial impondo restrições ao uso do solo, onde a criação de unidades de conservação (UCs) é um mecanismo entre outros. Em nível nacional, destaca-se o artigo 225 do Capítulo VI, nomeado “Do Meio Ambiente” da Constituição Federal (CF) de 1988, que afirma: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Destaca-se ainda a Política Nacional do Meio Ambiente expressa na Lei n° 6.938 de 31 de agosto de 1981, na qual são pregadas ações de preservação, recuperação e proteção, e são definidos alguns instrumentos para tais objetivos como o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento de atividades poluidoras, a criação de reservas extrativistas e espaços territoriais a serem protegidos. No âmbito internacional, o Brasil é signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada em 1992, tornando um dever a elaboração de uma Política Nacional de Diversidade Biológica. O Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica (Probio) descendente do Programa Nacional da Diversidade Biológica (Pronabio) teve relevância quando atuou na definição de áreas prioritárias para conservação nos vários biomas como Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Amazônia. Entretanto, esta investida deve ser concebida de modo articulado ao respeito e valorização da diversidade cultural, outra tendência política na ONU e, neste particular, destaca-se a incipiente percepção política de salvaguardar os saberes e práticas sociais dos povos indígenas como patrimônio da humanidade, considerando, inclusive, que eles se revelam na prática de um modo de vida sustentável socioambientalmente. Em nível nacional, potencializa-se o valor da demarcação de terras indígenas, um dever estatal reiterado na CF 1988, expresso em reconhecimento do direito natural dos povos indígenas pela terra que tradicionalmente ocupam, bem como de serem culturalmente diferenciados.

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É neste contexto que emerge o ICMS Ecológico enquanto um instrumento da política pública, fomentador de uma gestão ambiental. Assume o papel de um incentivo fiscal para os municípios desenvolverem programas voltados à proteção e recuperação dos sistemas ecológicos, subvertendo a conotação corrente das áreas protegidas como “obstáculo ao desenvolvimento”. É invertida a lógica, à medida que o desmatamento indiscriminado assume valor negativo, concebido como empecilho à manutenção da qualidade ambiental, ameaçando o clima, o ar atmosférico, a fertilização do solo, a fartura de sementes nativas responsáveis pelas múltiplas possibilidades de alimentos e inclusive, a oferta de água nos diversos biomas.

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As terras indígenas e unidades de conservação convertem-se em referências à distribuição dos recursos fiscais aos municípios, justificando a nominação ICMS Ecológico. O imposto opera na lógica do provedor-recebedor, na qual os benefícios são repassados àqueles municípios que têm unidades de conservação e/ou terras indígenas. Em síntese, ICMS Ecológico é “qualquer critério ou conjunto de critérios, relacionados à busca de solução para problemas ambientais. Tais critérios são utilizados para a determinação do “quanto” cada município deverá receber na repartição dos recursos financeiros arrecadados através do im-


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O estado do Paraná foi pioneiro na adoção de critérios ecológicos. A experiência motivou outros estados a seguirem tal lógica. Entre os critérios ecológicos já adotados destacam-se a presença de unidade de conservação, de terra indígena, da coleta seletiva de lixo, do saneamento ambiental e da preservação do patrimônio histórico na área municipal. Tal criação deu-se com a intenção de conservar a biodiversidade e, em termos econômicos, fortalecer a sustentabilidade ambiental, desdobrando-se como incentivo para a geração de emprego e renda aliada às potencialidades ecológicas locais. Vale destacar a perspectiva de comprometer os municípios na proteção das UCs e terras indígenas (TIs) presentes em seus territórios, independente do caráter federal, estadual ou municipal das mesmas. Conforme Santos; Mello e Souza (2013, p. 58): “[...] o Paraná inicialmente adotou o conceito de compensação para os municípios que tinham restrições legais para expandir suas atividades econômicas, e com o tempo e a experiência foi evoluindo, e a lei Estadual do ICMS Ecológico no Estado do Paraná passou de um conceito de compensação para um instrumento de contribuição para a conservação ambiental”. (SANTOS; MELLO; SOUZA, 2013, p. 58).

Este estudo apresenta o diagnóstico do ICMS Ecológico em Mato Grosso e, neste exercício, foi reconhecida a possibilidade de múltiplas traduções dos significados presentes no repertório legislativo estadual em torno do ICMS Ecológico e nas ações implementadas nos municípios. É admitido que os sentidos são construídos historicamente, de modo dinâmico, inscrevendo-se neles a historicidade, a subjetividade e a ideologia dos sujeitos que se relacionam com esta política pública, notadamente das lideranças indígenas, dos gestores públicos municipais, procuradores do Ministério Público Federal, técnicos da SEMA-MT, vereadores, indigenistas, ambientalistas entre outros.

SUMÁRIO

posto sobre circulação de mercadorias e serviços - ICMS” (SEMA, 2008).



Salto Utiariti, Terra IndĂ­gena Tirecatinga. Foto: Thiago Foresti/OPAN


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Parque Nacional do Pantanal. Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


ASPECTOS METODOLÓGICOS

A metodologia deste estudo fundamenta-se expressivamente no arcabouço teórico e metodológico das Ciências Sociais recorrendo, portanto, aos seus autores, ferramentas e instrumentos de pesquisa. As ideias discutidas por Stuart Hall (2003) tiveram relevância neste diagnóstico porque rompem com a percepção de que há um sentido original e central, fundador de todas as práticas sociais em torno do ICMS Ecológico. É reconhecida aqui a importância do universo semântico nos discursos enunciados pelos sujeitos que estão construindo as formas de implementação da política pública do ICMS Ecológico no estado de Mato Grosso. A reinterpretação, a recriação e a inovação de significados são construções dinâmicas. O sentido é político, revela intencionalidade, subjetividade, ideologia, além de valores culturais e éticos. De modo articulado foi adotado o método da interpretação de Geertz (2008) a fim de considerar como os sentidos e significados inscrevem-se nas práticas sociais. Deste modo, o posicionamento da pesquisadora foi conhecer como esta política pública é compreendida pelos gestores municipais e de que modo os significados e sentidos atribuídos a ela se inscrevem na gestão pública efetivada no dia a dia. Este diagnóstico rompe com a perspectiva de descobrir uma maneira de implementar a política pública que se constitua como uma verdade definida, fixa e estável. Ao contrário, a investigação esteve orientada à percepção das nuances e da heterogeneidade que se inscrevem nas práticas sociais e nos significados culturais e políticos que dão sentido às mesmas de acordo com a amostra analisada. Circunscrita por este referencial teórico, a investigação se iniciou com um estudo minucioso de todos os instrumentos legais desenvolvidos em torno do ICMS Ecológico no estado de Mato Grosso. O capítulo II “Verso e reverso da legislação do ICMS Ecológico em Mato Grosso” apresenta uma interpretação semântica de cada legislação, instrução normativa, decreto e portaria em vigência, salvaguardando a dimensão de uma interpretação em contraposição à existência de uma verdade absoluta e única. É importante esclarecer que esta investigação não está restrita a uma interpretação pautada na dicotomia e que não anula as ambiguidades (Merleau Ponty, 1999), reduzindo os fenômenos. Sublinha-se, assim, uma importante novidade deste estudo ao reconhecer a polissemia e a ambiguidade impressas nos pontos de vista e práticas sociais, superando a dimensão dicotômica. Nos diversos estudos desenvolvidos em torno deste tema, é percebida uma abordagem que focaliza o sentido do ICMS Ecológico como “compensatório pela restrição à expansão do agronegócio” ou como “contribuição para a conservação ambiental”. Nesta oportunidade pode-se mencionar outra dicotomia: aquela que compara os instrumentos de comando de controle e os econômicos como alternativas complementares ou antagônicas na concepção de políticas públicas. Enfatiza-se que este estudo rompe com esta vertente dicotômica também, importando perceber a diversidade de sentidos e significados interrelacionados às ações sociais, culturais e políticas. No Capítulo II, a intenção foi apreender as possibilidades presentes no repertório legislativo, conectando-os ao devir de uma gestão pública fortalecedora de outros modelos de desenvolvimento, em que os valores da biodiversidade e da “diferença” cultural se realizem numa maneira de fazer política.

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ASPECTOS METODOLÓGICOS

I.


No Capítulo III, “Retratos do ICMS Ecológico recebidos pelos municípios”, presencia-se a dimensão quantitativa e qualitativa da metodologia desenvolvida, predominando o apoio em dados secundários. Por meio de uma pesquisa bibliográfica levantaram-se informações sobre as terras indígenas e unidades de conservação existentes no estado de Mato Grosso, já que as áreas protegidas são a base do ICMS Ecológico. Aqui se apresenta outra novidade: na interpretação dos dados foram consideradas as terras indígenas percebidas, independentemente de sua situação jurídica. Mesmo que este estudo não tenha aprofundado o aspecto das terras indígenas não reconhecidas oficialmente, ele amplia o universo de informações nesta questão. Em parte do “Apêndice” encontra-se uma sistematização delas, identificando a sua situação jurídica, e os municípios onde estão situadas, constituindo-se como uma referência para avaliar os que têm terra indígena e que ainda não recebem ICMS Ecológico. Os dados e relatórios oficiais da SEMA-MT, do TCE-MT, das prefeituras municipais, da AMM, da Funai, do IBGE e de outros órgãos públicos foram considerados para construir o cenário de quais municípios em Mato Grosso estão recebendo ICMS Ecológico e qual o impacto desta política pública no fortalecimento das áreas protegidas. Intencionando capturar a heterogeneidade de como esta política pública se realiza nos vários municípios, foram elaboradas amostras de municípios que mais recebem e que menos recebem, a fim de considerar uma avaliação abrangente do ICMS Ecológico, atentando aos contextos socioeconômicos particulares dos municípios. Este capítulo, enfim, possibilita um diagnóstico do ICMS Ecológico no estado de Mato Grosso, enfatizando a sua dimensão quantitativa. É no Capítulo IV, “Gestão Pública Municipal do ICMS Ecológico”, que se concentra o resultado da pesquisa de campo desenvolvida, predominando os dados primários.

ICMS ECOLÓGICO

Neste capítulo está o diagnóstico desta política pública em Chapada dos Guimarães, Barra do Bugres, Brasnorte, Comodoro e Sapezal. É possível perceber que cada município tem uma especificidade na maneira de fazer a gestão pública do ICMS Ecológico. Outra questão considerada diz respeito a identificar quais são os agentes sociais que protagonizam a destinação deste recurso em estudo, o que se configura como mais uma particularidade de cada município visitado. Aqui se localizam novidades no modo de abordar o estudo do ICMS Ecológico, ampliando o universo de considerações para a interpretação da gestão pública municipal, abaixo discriminado.

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Antes de expor as interpretações analíticas das informações levantadas, justificase a seleção dessas unidades administrativas para um zoom mais expandido sobre o ICMS Ecológico em Mato Grosso. Chapada dos Guimarães atraiu a atenção por ser um dos raros municípios que possuem uma legislação municipal específica que regulamenta o destino deste recurso em foco. Barra do Bugres faz parte do conjunto de municípios que menos recebem ICMS Ecológico, posto que vinculado somente à presença de terra indígena, no caso a do povo Umutina, somado ao fato de que por anos suas lideranças vêm negociando o acesso a este recurso. Isso possibilita, contudo, conhecer uma perspectiva de como a administração pública local atua nesta circunstância. Em contrapartida, Comodoro faz parte do universo de municípios que mais recebem ICMS Ecológico que, igualmente, têm a presença somente de terra indígena, porém, abrangendo mais de um povo, no caso, Nambiquara e Enawene Nawe. E permite conhecer outra perspectiva de administração pública, na qual se imprime uma elevada quantidade de recursos financeiros, comparando-se à realidade dos que menos recebem. Ademais, Comodoro está inserido no bioma Amazônia, condição importante para ser considerada na interpretação analítica da heterogeneidade de abordagem do ICMS Ecológico. Brasnorte, por sua vez, se localiza naquele conjunto dos que recebem entre 11% a 30% do repasse, possibilitando o acesso à outra perspectiva tanto na dimensão quantitativa, quanto no âmbito da sociodiversidade. Vale ressaltar ainda o fato de que a terra indígena é a


única base do cálculo para o recurso em questão, abrangendo vários povos – Manoki, Myky, Enawene Nawe e Rikbaktsa. Por fim, Sapezal foi escolhido pela importância de se tratar do bioma Cerrado, onde a agricultura de exportação está consolidada. Por sua vez, também está localizado entre os municípios que mais recebem – entre 31% a 50% do repasse.

Outra vertente bastante investigada refere-se à dinâmica das audiências públicas promovidas para a participação popular na gestão pública, notadamente tangente ao Plano Plurianual (PPA), à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária Anual (LOA). Em comum, dizem respeito a um planejamento administrativo do município fundamentado na participação popular, abrangendo a execução de programas e projetos. A democratização nos mecanismos de fazer a gestão pública está garantida no artigo 29, inciso XII da CF de 1988. Os municípios estão obrigados a considerar a cooperação das associações representativas. O controle social, portanto, foi muito valorizado nesta pesquisa como mais um indicador da gestão pública dos recursos de ICMS Ecológico, indagando, portanto, quem tem mantido poder de decisão da destinação dos recursos em foco, e como esta destinação tem sido deliberada. A pesquisa bibliográfica complementou as informações pertinentes às receitas e despesas municipais, bem como àquelas informações levantadas na pesquisa de campo. Por meio delas, permitiu-se verificar como a temática ambiental é incorporada na gestão pública, tornando-se mais um indicador para avaliar a aplicação dos recursos de ICMS Ecológico, indagando para quê e para quem são destinados os recursos. Paralelamente, evidenciamse quais são as prioridades consideradas pelos gestores públicos na hora de definir a aplicação dos recursos de sua receita. A investigação sobre os pontos de vista relativos “a favor de quê” e “contra o quê” favoreceu a compreensão da maneira de conceber o que é “desenvolvimento”, “o que é qualidade de vida” e “qual a importância dada à área protegida”, sendo esta percepção decisiva para a maneira de aplicação dos recursos. Ademais, o ponto de vista das lideranças indígenas foi investigado à medida que eles têm sido sujeitos ativos na configuração de um modo de gestão do ICMS Ecológico, influenciando nas perspectivas de implementação dos recursos. Nesta questão, foi contemplada a tensão de forças políticas em torno do ICMS Ecológico, desdobradas por distintos pontos de vista sobre o mesmo tema, envolvendo indígenas, vereadores, secretários e prefeitos, constituindo-se como mais um indicador para este estudo.

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ASPECTOS METODOLÓGICOS

Em todos os municípios visitados procurou-se entrevistar o prefeito, o ex-prefeito e os secretários de planejamento, administração, finanças e meio ambiente, valorizando-os como público alvo para levantar informações sobre a administração pública dos recursos do ICMS Ecológico. Em cada município aconteceu de modo diferente a conquista de acesso às pessoas que faziam parte deste público alvo. Não foi possível realizar a entrevista com os prefeitos de todos os municípios seja por resistência à resposta do questionário enviado ou pela ausência do mesmo na prefeitura, ou então pelo não comprometimento com encontro marcado. Ainda assim, em todos os municípios visitados foi alcançado o resultado de informações levantadas sobre o tema em foco, otimizando a entrevista com os secretários que se disponibilizaram a receber a pesquisadora. Investiu-se também na visita à câmara dos vereadores e, em todos os municípios, foi feita a entrevista com algum vereador, o que enriqueceu o levantamento de informações em vários aspectos. Neste particular, foram acessados os documentos aprovados em sessões da Câmara que regulamentam especificamente o destino dos recursos de ICMS Ecológico, possibilitando conhecer distintos mecanismos adotados para destinar recursos ao fortalecimento das áreas protegidas. Paralelamente, foram observadas as diversas experiências de diálogos entre o poder executivo e as comunidades indígenas configurando as condições que desencadearam a criação destes referidos documentos aprovados pelo poder legislativo, capturando também as situações de povos indígenas que não foram contemplados até então. A elaboração de uma legislação municipal converte-se num indicador orientador deste estudo.


O levantamento de informações baseou-se também nas entrevistas realizadas com as lideranças dos povos ligados às terras indígenas dos municípios visitados. Destaca-se aqui o apoio do CIMI em Comodoro, que promoveu o deslocamento para a TI Nambiquara e a mobilização de representantes para a realização de uma reunião. Em Barra do Bugres aconteceu um encontro com o cacique e outros indígenas na TI Umutina. A equipe de Brasnorte da OPAN também contribuiu para uma entrevista junto à liderança Manoki, e em Sapezal, foram entrevistadas lideranças Nambiquara. Foi imperativa a pesquisa bibliográfica sobre a demografia, o Produto Interno Bruto (PIB), a extensão do município, a extensão da área protegida, as principais atividades econômicas e o Índice de Desenvolvimento Social do Município (IDS-M), conforme tem sido adotado pela Associação Mato-Grossense dos Municípios (AMM). Esses dados tiveram a finalidade de apoiar a interpretação analítica dos pontos de vista acessados, abordando as perspectivas do ICMS Ecológico para contribuir efetivamente com a receita municipal, bem como de se consolidar a favor da biodiversidade e qualidade de vida. Neste momento, o modelo de desenvolvimento emancipa-se como um indicador importante para estudar o ICMS Ecológico nestes municípios. A interpretação analítica foi norteada pelos princípios inscritos na legislação e normas afins da política pública e, sobretudo, no princípio de um modelo de desenvolvimento articulado à conservação da biodiversidade e à qualidade de vida da população envolvida. Os resultados da pesquisa de campo estão sistematizados de acordo com os indicadores acima caracterizados (e sublinhados) na realidade de cada município. O primeiro indicador aborda a dimensão da legislação municipal relacionada ao tema; o segundo envolve a dimensão da participação social na gestão de políticas públicas neste tema particularmente; o terceiro problematiza a temática ambiental na gestão pública municipal; o quarto discute os diferentes pontos de vista dos tomadores de decisão diante do tema, revelando a a tensão de forças políticas em torno do ICMS Ecológico; e, por último, o quinto focaliza a dimensão do modelo de desenvolvimento, anunciando as perspectivas possíveis de uma articulação entre desenvolvimento econômico e a conservação da biodiversidade e qualidade de vida, discutindo os impactos efetivos desta política pública em foco. Antes destas exposições,

ICMS ECOLÓGICO

será retratado o histórico do ICMS recebido por cada município, desde a implantação da Lei

28

Complementar N° 73/2000. Ao final deste estudo, foram feitas algumas considerações que sintetizam importantes dimensões observadas neste diagnóstico desenvolvido que, certamente, poderão contribuir para o devir de um plano de ação.


ASPECTOS METODOLÓGICOS

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Rio São Benedito, Terra Indígena Manoki. Foto: Andreia Fanzeres/OPAN


ICMS ECOLÓGICO

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Rio do Sangue Foto: Andreia Fanzeres/OPAN


II. VERSO E REVERSO DA LEGISLAÇÃO DO ICMS-E DE MATO GROSSO

No Brasil, há em torno de 230 povos indígenas e, dentro deste conjunto, a diversidade linguística se expressa perfazendo cerca de 180 línguas. Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a população indígena constitui 0,42% (817.963 pessoas) da demografia nacional. Em termos de extensão territorial, segundo informações do Instituto Socioambiental (ISA)1, as 677 terras indígenas ocupam 13,2% (112.694.024 ha) no total de 851.196.500 hectares (ha) do território brasileiro.

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Em relação às UCs, são regulamentadas diversas modalidades de unidades a serem criadas e protegidas. Há aquelas que permitem a presença de comunidade humana, prescrevendo o manejo no usufruto dos bens locais, a fim de garantir a sustentabilidade social e ambiental, destacando a reserva de desenvolvimento sustentável (RDS) e a reserva extrativista (Resex). Também há unidades para a conservação integral do meio biótico e abiótico, atribuindo valor às existências nativas, vegetais e animais, impossibilitando a habitação humana. As UCs podem ser de domínio público ou privado. Em comum, têm o objetivo de preservar ecossistemas considerando os atributos cênicos, ecológicos, hídricos, científicos, culturais, educativos e recreativos.

VERSO E REVERSO DA LEGISLAÇÃO DO ICMS-E DE MATO GROSSO

Na Constituição Federal de 1988 há o Capítulo VIII, intitulado “Dos Índios”, cujos artigos 231 e 232 retratam o reconhecimento oficial de que os povos indígenas vivem sob outras tradições culturais, cabendo ao Estado respeitá-las. A terra indígena (TI) é considerada uma área protegida e o artigo 231 a categoriza como devendo ser demarcada, admitindo o direito originário dos povos que a ocupam sob práticas sociais orientadas por costumes, línguas, crenças e valores próprios. Paralelamente é defendida a proteção das condições ambientais para a sustentabilidade destas outras perspectivas sociais e culturais praticadas pelas diferentes etnias indígenas.

Contudo, as políticas nacionais relacionadas ao meio ambiente e à cultura, notadamente aquelas vinculadas à criação de UCs e ao reconhecimento jurídico de TIs, precedem o ICMS Ecológico e, paralelamente, são a base para a sua realização. Destinamse à conservação da diversidade biológica, do ecossistema a ela interligado e das condições necessárias à perpetuação dos rios, nascentes e córregos, bem como ao respeito e valorização da sociodiversidade. O ICMS Ecológico também tem como amparo legal as prescrições constitucionais relacionadas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. A arrecadação em cada estado resulta das transações comerciais e das prestações de serviços ocorridas nos municípios de seu território. Portanto, todos os municípios têm o direito ao repasse deste imposto por contribuírem na arrecadação. Segundo a Constituição Federal de 1988, está determinado que três quartos (75%) dos valores deverão ser distribuídos aos municípios com maior movimentação de mercado, na proporção do valor adicionado nas operações vinculadas à circulação de mercadorias e prestações de serviços, denominado Valor Agregado Fiscal (VAF). O ICMS Ecológico apareceu como uma possibilidade a partir do inciso IV do artigo 158 da CF, o qual trata “Da Repartição das Receitas Tributárias”. O artigo regulamenta como deve ser feita a distribuição aos municípios do ICMS arrecadado. É prescrito que os demais vinte e cinco por cento (25%) do valor total arrecadado deste imposto sejam repassados aos municípios de acordo 1.  Instituto Socioambiental/Povos Indígenas no Brasil. Disponível em: http://link-da-pagina-utilizada. Acesso em: 03/07/2012.


com o que dispuser a lei estadual. Isso significa que cada estado tem autonomia para definir como será feita a distribuição de 25% do total a que os municípios têm direito, sendo “[...] três quartos na proporção do valor adicionado nas operações referentes à circulação de mercadorias e serviços realizada em seu território, e um quarto no que dispuser a Lei Estadual” (SANTOS; MELLO; SOUZA, 2013, p.58). É necessário, portanto, desenvolver uma Lei Complementar para regulamentar os critérios para definir o repasse destes 25%. Conforme dito, Mato Grosso foi o sexto estado a implementar o ICMS Ecológico. A primeira lei instituída disciplinadora dos critérios para os municípios participarem no ICMS foi a Lei Complementar (LC) n° 73/2000, e a sua implementação aconteceu a partir do ano fiscal de 2002. Porém, atualmente, é a Lei Estadual n° 157 de 2004 que regulamenta os critérios ambientais para o rateio do ICMS, sendo fundamental ressaltar que apesar disso a LC n° 73/2000 não está, contudo, revogada. A seguir são apresentadas as leis e normas reguladoras do ICMS Ecológico no estado de Mato Grosso.

II. 1. Lei Complementar N° 73 de 2000. O ICMS Ecológico foi instituído em Mato Grosso, em 2000, por meio da Lei Complementar N° 73, publicada em Diário Oficial da União (DOU), dia 07 de dezembro. Aconteceu no governo de Dante Martins de Oliveira e teve a autoria do deputado Gilney Viana. Ela estabeleceu os critérios de distribuição da parte de receita do ICMS pertencente aos municípios, os quais estão discriminados na Tabela 1 junto aos seus respectivos valores percentuais, cuja somatória totaliza 25%. Entre os seis critérios criados, a dimensão do Ecológico se manifestou em dois deles, um pela presença de UCs e TIs; outro pela condição da oferta de saneamento ambiental. Critério

Cota Igual

Receita Própria

UC/TI

Saneamento Ambiental

População

Área do Município

Total

Percentual

9

6

5

2

2

1

25

Tabela 1: Critérios de distribuição da parte de receita do ICMS pertencente aos municípios de acordo com a LC N° 73 de 2000.

ICMS ECOLÓGICO

No critério do saneamento ambiental foi considerada a qualidade da prestação de serviço público dos gestores municipais. O art. 7º desta lei observou os sistemas de captação, o tratamento e a distribuição de água, coleta, o tratamento e a disposição final de resíduos sólidos e de esgotamento sanitário. A participação do ICMS Ecológico na receita municipal oscilaria de acordo com as condições do saneamento ambiental existentes no município. Ainda que o índice fosse de 2%, reconhecia-se o ideal de ser um incentivo fiscal para melhoria dos serviços públicos prestados, visando o aumento da qualidade de vida da população local. Antecipa-se que, em 2004, foi elaborada outra Lei Complementar - N° 157, extinguindo esse critério ambiental.

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O critério UC/TI está baseado na extensão territorial das áreas protegidas dentro do município, sendo calculado pela relação percentual entre o índice de unidades de conservação dos municípios e a soma dos índices de unidades de conservação de todos os municípios do estado. Em 2001, o Decreto N° 2.758, que regulamentou a Lei Complementar No 157, explicita que a situação de conservação da UC/TI é referência ao cálculo da cota, parte deste critério. Assim, os danos ambientais e as invasões territoriais reduziriam expressivamente o valor do índice final. Entretanto, observa-se que até hoje o que tem sido praticado é somente


a adoção do aspecto quantitativo. Permanece desconsiderado o modo como a prefeitura incorpora as áreas protegidas em sua gestão pública. Neste particular, o incentivo à melhoria nos serviços públicos nesta questão não tem se realizado como um efeito desta lei. Outro importante fator a ser sublinhado na Lei Complementar N° 73 diz respeito ao que foi denominado Fator de Correção (FC). Ele é determinado pelo tipo de manejo da unidade de conservação. Se para cada município são computadas as áreas protegidas federais, estaduais e municipais, cada uma delas terá um FC, cujo valor depende de qual categoria de unidade de conservação pertence. As UCs, por sua vez, são definidas e caracterizadas pela legislação do Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC) e pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)2. A Tabela 2 apresenta quais são estas categorias e o valor do fator de correção de cada uma delas conforme definido na Lei Complementar N° 73/2000. Fator de Correção

Reserva Biológica

1,0

Estação Ecológica

1,0

Parques Federal, Estadual e Municipal

0,7

Monumento Natural

0,8

Refúgio da Vida Silvestre

0,8

Área de Proteção Ambiental

0,2

Florestas Federal, Estadual e Municipal

0,5

Reserva Extrativista

0,5

Área de Relevante Interesse Ecológico

0,3

Reserva da Fauna

0,4

Reserva de Desenvolvimento Sustentável

0,5

Reserva Particular do Patrimônio Natural

0,2

Estrada Parque

0,3

Terra Indígena

0,7

Área de Proteção Especial

3

0,5

Tabela 2: Categorias de unidade de conservação e seus fatores de correção.

Em relação à reserva biológica e à estação ecológica, que valem 1,0, o FC da terra indígena é menor, igual a 0,7; sendo menor ainda o de uma reserva extrativista e de uma reserva de desenvolvimento sustentável. Inclusive, essas duas últimas categorias estão abaixo do valor de um monumento natural e de um refúgio da vida silvestre que, igualmente, valem 0,8. 3 A partir do SEUC e do SNUC foi elaborada a tabela 3, sistematizando as categorias de unidade de conservação que permitem e não permitem a ocupação permanente da comunidade humana. Considerando as tabelas 2 e 3, percebe-se a tendência em atribuir mais valor às áreas protegidas sem presença efetiva de comunidade humana, fortalecendo aquela concepção de que conservar é isolar a sociedade da natureza. Entretanto, é justamente onde estão os povos indígenas e as comunidades tradicionais (extrativistas e outras) que se testemunha a capacidade de uma relação sustentável com o ambiente. Em RDS, Resex e TIs presenciam-se modos de vida culturalmente diferenciados, com aplicação de saberes e tecnologias tradicionais favoráveis à perpetuação da biodiversidade, cuja conservação tem agência sobre a qualidade do clima, da água e do ar da região onde estão situadas. 2.  O Decreto n° 1.795, de 04 de novembro de 1997 institui o Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC) e a Lei n° 9.985 o Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC). 3. As áreas de proteção especial estão definidas pela Lei Federal n° 6.766 de 18.12.79 para a proteção de mananciais ou do patrimônio paisagístico e arqueológico.

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VERSO E REVERSO DA LEGISLAÇÃO DO ICMS-E DE MATO GROSSO

Categoria de Unidade de Conservação


UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

PÚBLICA

PRIVADA

PERMITE comunidade humana

NÃO PERMITE comunidade humana

Reserva Extrativista4 Reserva de Desenvolvimento Sustentável6

Reserva Biológica, Estação Ecológica5 Parque Federal, Estadual e Parque Natural Municipal

Floresta Nacional, Estadual, Municipal.

Monumento Natural Reserva de Fauna, Refúgio de Vida Silvestre7, Estrada Parque

Área de Proteção Ambiental8

Reserva Particular do Patrimônio Natural

Tabela 3: Unidades de conservação que permitem e não permitem comunidade humana.

Esta linha de pensamento tem continuidade com a legislação nacional do meio ambiente quanto à sua prerrogativa de articular o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente. No inciso I do art. 4º da Lei N° 6.938 de 31.08.1981 está prescrita a “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”, saberes que os povos indígenas e as comunidades tradicionais vêm praticando há múltiplas gerações. O que está em questão, portanto, é a consolidação daquele modelo de desenvolvimento econômico protagonista da alteração ecológica desenfreada e indiscriminada que, inclusive, põe em risco a sua própria base de sustentação. Restaurar, recuperar e proteger o ambiente envolve, indispensavelmente, as dimensões econômicas e culturais. Novas maneiras de gerar renda e trabalho poderiam ser incentivadas, otimizando a biodiversidade local. Porém, a lógica que se impôs foi a de valorizar mais as áreas protegidas com maior restrição de uso de solo. Para finalizar, a tabela 4 apresenta o FC das terras indígenas, sendo este baseado pelo nível de reconhecimento jurídico oficial. Particularmente, estes valores não foram concebidos na Lei Complementar N° 73/2000. Eles foram outorgados no ano seguinte, no Decreto N° 2.758 de 2001. Nível de reconhecimento jurídico

Fator de Correção

Registrada

0,70

Homologada

0,65

Reservada

0,60

Demarcada

0,55

Em demarcação

0,45

Declarada

0,40

Identificada

0,30

Em Identificação

0,00

A identificar

0,00 Tabela 4: Fator de correção das terras indígenas.

ICMS ECOLÓGICO

4. É destinada à proteção dos meios de vida e à cultura de populações extrativistas tradicionais, assegurando a sustentabilidade social, cultural e ambiental. 5. É permitida a alteração do ecossistema para fim científico sob uma regulamentação específica, salvaguardando que isso pode ocorrer somente em até 3% da extensão territorial da unidade de conservação. 6. São áreas com presença de comunidade tradicional, destinadas à sustentabilidade cultural que historicamente tem mantido o bem-estar do ecossistema onde habitam, protegendo, portanto, a diversidade biológica. 7. A finalidade última é oferecer condições para a continuidade das espécies residentes ou migratórias de importância significativa. 8. Destaca-se a funcionalidade de zona de amortecimento para áreas de proteção integral.

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II. 2. Decreto N° 2.758 de 16.07.2001 A Lei Complementar n° 73/2000 foi regulamentada pelo Decreto Estadual n° 2.758/2001 e atribuiu à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) a responsabilidade de atualizar a lista de UCs e TIs no estado, anualmente, como base para identificar quais são os municípios habilitados a receberem a cota parte ligada a tal critério. Isso foi regulamentado pelo Decreto N° 2.758 de 2001, que criou o Cadastro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC). Assim fica esclarecido que a SEMA é quem realiza o cálculo do índice de UC/TI relativo a cada município, devendo publicar no Diário Oficial do estado o resultado de seus cálculos, informando à Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) que, por sua vez, repassa aos municípios.

Os Conselhos Municipais do Meio Ambiente poderão proceder ao acompanhamento técnico e financeiro dos Projetos desenvolvidos pelos municípios que recebem recursos do ICMS Ecológico, em especial a partir dos Planos de Aplicação apresentados, devendo seus relatórios ser considerados quando das avaliações e reavaliação das unidades de conservação que beneficiam o respectivo município (artigo 14º do Decreto N° 2.758 de 2001).

Exposto isto, esclarece-se que, até então, neste período de 12 anos, nenhum termo de compromisso foi firmado, tampouco elaborado um plano de aplicação dos recursos do ICMS Ecológico. Igualmente, a atualização anual do Cadastro de Unidades de Conservação da SEMA não prescinde de qualquer avaliação da situação de conservação das áreas protegidas dentro do estado. O critério quantitativo impõe-se como único fator considerado no cálculo do índice UC/TI. Além disso, nem todos os municípios têm Conselho Municipal de Meio Ambiente e, em geral, se o têm, não são atuantes ou até mesmo ativados.

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VERSO E REVERSO DA LEGISLAÇÃO DO ICMS-E DE MATO GROSSO

A importância da adoção de critérios qualitativos para definir a cota ligada à UC/TI é enfática neste decreto. O artigo 6º afirma: “Poderá haver mudanças dos índices percentuais vigentes, devido aos municípios, em função de possíveis alterações no nível de qualidade de conservação das unidades de conservação e terras indígenas durante o respectivo exercício civil”. Em vários artigos deste decreto está explicitado como foi concebida esta política pública do ICMS Ecológico, cuja intencionalidade é salvaguardar a biodiversidade nos municípios, visando à consolidação do SEUC e o aumento da quantidade de áreas protegidas no estado. Contrapondo-se às ameaças de danos ambientais, são valorizados critérios qualitativos que influenciem no valor a ser recebido pelos municípios, a fim de incentivar ações diretas e indiretas que afetem positivamente a situação de conservação das UCs e TIs. O objetivo é realizar-se como justiça fiscal, porém, cobrando do município a elaboração de planos de aplicação dos recursos recebidos do ICMS Ecológico voltado para as finalidades acima expostas. Quanto aos casos de UCs e TIs que incidem em mais de um município, é abordada em termos de “dever” a formação de consórcio intermunicipal, comprometendo a participação da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Secretaria de Assuntos Indígenas do Estado de Mato Grosso (SAI/MT) e da comunidade local nos planos voltados à TI. Está prescrito o desenvolvimento de parcerias com universidade, organização não governamental (ONG) e outras instituições interessadas na biodiversidade, estabelecendo termos de compromisso para ações em gestão ambiental. O artigo 14º afirma:


II. 3. Lei Complementar N° 157 de 20.01.2004 A Lei Complementar N° 157 de 2004 foi publicada no Diário Oficial dia 20.01.04 com a autoria de lideranças partidárias durante o governo de Blairo Maggi. Entre outras providências destaca-se o seu objetivo de redefinir os critérios de participação dos municípios no produto de arrecadação do ICMS do Mato Grosso. A tabela 5 apresenta o novo conjunto de critérios para calcular este índice de participação. Critério

Receita Tributária Própria

População

Extensão Territorial

Coeficiente Social

UC/TI

Total

Percentual

4

4

1

11

5

25

Tabela 5: Novo conjunto de critérios para a participação dos municípios no ICMS.

As lideranças partidárias conquistaram a extinção do critério saneamento ambiental – um retrocesso enquanto política pública, pois ele teria efeito direto na saúde pública – além dos objetivos ligados à qualidade ambiental. Conforme testemunhado por um técnico da SEMA, em entrevista concedida, entre as lideranças partidárias houve tentativa de acabar com os cinco por cento (5%) do índice UC/TI, revelando a existência de uma força política desfavorável ao fortalecimento do ICMS Ecológico. Conforme apresentado na tabela 5, foi priorizado o critério do coeficiente social, sendo ele baseado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Observa-se também o aumento do percentual do critério população de 2% para 4%. A dimensão quantitativa nos critérios é reforçada. Vale sublinhar que nesta lei complementar é reiterado o esquema da Secretaria Estadual do Meio Ambiente repassar à Sefaz os percentuais correspondentes à UC/TI de cada município. Especificamente, quem o faz é a Coordenadoria de Unidade de Conservação, ligada à Superintendência de Biodiversidade. A Sefaz realiza cinco repasses aos municípios, publicando-os, informando o valor do ICMS separadamente.

ICMS ECOLÓGICO

Tem-se, contudo, que o princípio da proporcionalidade rege a quantidade do benefício a ser recebido, sendo decisivos a quantidade da extensão territorial das áreas protegidas e o respectivo fator de conservação. São consideradas “[...] as relações do tamanho em hectares (ha) e o fator de conservação das categorias das áreas protegidas contidas no município com a área (ha) do próprio município” (SEMA, 2008, p.7). O valor total em moeda (R$) dos recursos transferidos aos municípios vindos do ICMS forma um Fundo de Participação dos Municípios. O valor do ICMS Ecológico está embutido nele. Cada município tem um Fundo de Participação. O cálculo do valor (R$) do ICMS Ecológico contido nele é feito pela multiplicação entre o índice UC/TI (5%) do município e o valor recebido do Fundo de Participação dividido pelo índice final de participação no ICMS (população, coeficiente social, área do município, receita tributária própria e UC/TI).

36

Há diferenças de valores em moeda nacional de ICMS Ecológico entre os municípios bastante significativas. Suas capacidades orçamentárias anuais são desiguais, bem como são distintos os cenários da degradação ambiental e das demandas de uma gestão ambiental qualificada.


II. 4. Portaria N° 30 de 29 de fevereiro de 2008 A Portaria N° 30/2008 é da Secretaria do Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso quando Luís Henrique Daldegan era secretário. Ela “Cria o Grupo de Trabalho para análise, atualização e gestão do ICMS Ecológico em Mato Grosso”. Este grupo seria composto por representantes da SEMA-MT; Sefaz-MT; MPE-MT; AMM; Funai; SAI/MT; TCE e Ibama. O objetivo seria o de analisar os resultados do ICMS Ecológico no MT, desenvolver mecanismos favoráveis à potencialização desta referida política pública e propor um modelo colegiado de gestão permanente do ICMS Ecológico.

Ainda no aspecto da comunicação, na pesquisa de campo em municípios verificouse que alguns vereadores ainda desconhecem a política pública do ICMS Ecológico, bem como alguns gestores executivos do setor ambiental, o que reitera a necessidade de divulgar, de fato, tal política pública. Mas os prefeitos sabem: “Em todo começo de mandato de prefeituras, a gente tem uma enxurrada de prefeitos que vão até a SEMA para saber quais são as unidades de conservação que ele tem nos municípios, até as unidades municipais” (técnico da SEMA entrevistado).

II. 5. Instrução Normativa N° 001 de 05 de maio de 2010 A Instrução Normativa N° 001 de 05.05.2010 é da Secretaria do Estado de Meio Ambiente, elaborada no período da gestão de Alexander Torres Maia. Ela tem relevância na regulamentação do critério de qualidade, porém, está configurada em linhas gerais. Permanece a demanda em especificar critérios computáveis no cálculo do índice. Destaca-se a perspectiva do ICMS Ecológico constituir-se também como um incentivo à agroecologia. Em vários artigos presencia-se o fomento à geração de emprego e renda inspirada na valorização e conservação da biodiversidade e também da diversidade cultural. Nesta instrução normativa reafirma-se o mecanismo utilizado pelos municípios para desenvolver planos de ação, identificando nele quais as atividades serão desenvolvidas com os recursos recebidos de ICMS Ecológico. Ao longo deste instrumento legal é explicitado como horizonte o estímulo ao ecoturismo e às tecnologias de baixo impacto, notadamente no entorno das áreas protegidas como orientadores de tais planos. No parágrafo 1º do artigo 11, por exemplo, prescreve-se: “As prefeituras municipais estimularão, no entorno das Unidades de Conservação, atividades relativas a produção que não utilizem agrotóxicos e se proponham a produção agroecológica, ecoturismo, e ações outras compatíveis com a conservação da biodiversidade”. Contudo, esta dimensão deve ser considerada na afirmativa do artigo 9º em que o índice UC/TI se origina “[...] pela impossibilidade do uso do solo para atividades de produção de alto impacto, e outras atividades, incompatíveis com a necessidade da conservação da biodiversidade [...]”. No próprio repertório legislativo é possível identificar

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VERSO E REVERSO DA LEGISLAÇÃO DO ICMS-E DE MATO GROSSO

O GT criado pela Portaria N° 30/2008 está desativado, porém já teve algumas experiências de reuniões. Nelas, inclusive, um técnico da SEMA informou que, entre tantas discussões realizadas, um consenso alcançado foi quanto à necessidade de divulgar esta política pública para a sociedade em geral, expandindo o acesso que, até então, é praticamente restrito aos meios acadêmicos e entre os profissionais envolvidos direta ou indiretamente com o tema. No âmbito da comunicação, o site da SEMA passou a publicar as informações, mas por pressões políticas foi interrompida esta divulgação mais precisa. No entanto, permanece até o momento a transparência de quanto cada município recebe em Mato Grosso desde 2002 até 2012.


uma concepção refratária ao discurso do ICMS Ecológico como um incentivo fiscal que consolide o agronegócio, isto é, que se configure como uma contraprestação por não desmatar a biodiversidade a favor da atividade econômica voltada à exportação. É enfático o reforço dos critérios qualitativos para a inclusão e manutenção das áreas protegidas no Cadastro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC). A apropriação social é um fator discriminado para tanto e ela é identificada em ações que revelam a incorporação das UCs e TIs na gestão pública. O ecoturismo, a educação ambiental e a produção de baixo impacto são indicadas como expressões disso. Este instrumento legal é consoante àquela perspectiva de articular desenvolvimento econômico e biodiversidade. Em termos de Programa Estadual do ICMS Ecológico, o artigo 20 afirma os seguintes objetivos: incentivar o aumento e ampliação de áreas protegidas, melhorar a qualidade de sua conservação, construir corredores de biodiversidade e “gerar emprego e renda, direta ou indiretamente através das áreas protegidas”. Portanto, é reincidente esta perspectiva do ICMS Ecológico não se resumir como uma compensação fiscal do solo que não foi destinado à produção de alto impacto. A agroecologia, o ecoturismo, a educação ambiental e atividades afins podem desdobrar-se como índices indicadores da existência de uma gestão ambiental pública orientada à conservação da biodiversidade. Nesta instrução normativa há a incorporação de critérios qualitativos no cálculo do índice UC/TI. Outro avanço a ser destacado aqui se trata da incorporação do território quilombola reconhecido oficialmente, apreendendo-o como equivalente à TI, porém, com FC no valor de 0,5 (Art.28). É muito importante sublinhar que nesta normativa foi criada a Câmara Técnica do ICMS Ecológico, sendo ela composta pela SEMA, Sefaz, TCE e duas ONGs, cujo objetivo é definir as diretrizes do Programa Estadual do ICMS Ecológico. Vale lembrar, ainda, que a implementação da avaliação do índice UC/TI por critérios qualitativos deveria ter sido realizada no exercício fiscal de 2010, pelo menos num grupo de áreas protegidas. Em relação à Câmara, já foi elaborada uma minuta da Portaria para instalá-la, porém, o processo ainda depende do secretário da SEMA. Em novembro de 2013, técnicos do TCE produziram um relatório intitulado: “Auditoria Operacional em Unidades de Conservação Estaduais do Bioma Amazônia em Mato Grosso”, cujo objetivo era avaliar a governança ambiental das áreas protegidas, especificamente no bioma Amazônia. Entre os vários impasses evidenciados, tangentes à gestão ambiental em Mato Grosso, envolvendo a SEMA e os municípios, destaca-se a constatação da ausência de aplicação qualitativa do Fator de Conservação (FC) do ICMS Ecológico.

ICMS ECOLÓGICO

II. 6. A lei na execução

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É preciso apresentar a reprodução de um discurso disseminado entre os gestores governamentais, acadêmicos e não-governamentais que, inclusive, é necessário ser superado para não alimentar o risco de monopolizar uma perspectiva do ICMS Ecológico, em detrimento de outras possibilidades e percepções. Há uma argumentação recorrente de que o município recebedor dos recursos do ICMS Ecológico não tem obrigação de aplicá-los na manutenção das UCs e TIs. Uma das justificativas associadas a tal afirmação é a de que este incentivo fiscal acontece pela renúncia da oportunidade de expandir o agronegócio. Sublinha-se, desde aqui, que neste discurso não são consideradas as oportunidades de atividades econômicas de um modo abrangente, isto é, contemplando sistemas agroflorestais, agroecologia e agricultura familiar, por exemplo. Esta argumentação favorece a consolidação de um ponto de vista em que a relação entre TI, UC e agronegócio é necessariamente excludente. Paralelamente, desfavorece a invenção de diferentes atividades econômicas geradoras de trabalho e renda, bem como de outras tecnologias que não arrisquem a qualidade da água, solo e ar, bem como


a manutenção da biodiversidade. É preciso fortalecer discursos e práticas sociais favoráveis às perspectivas de uma articulação entre atividades econômicas e a manutenção de UC e TI.

Também é recorrente o discurso de que não há lei que obrigue as prefeituras a destinar o recurso às áreas protegidas. Esta compreensão também é arriscada porque nada pode ser compreendido como fixo, estável e definido. Afinal, a Lei do ICMS Ecológico não foi elaborada porque uma lei obrigou a fazê-la. É preciso considerar as diversas perspectivas de como o ICMS Ecológico está se realizando no Mato Grosso. Pode-se criar lei, sim, que obrigue o município a destinar os recursos para ações em áreas protegidas, desde que seja uma deliberação entre os gestores públicos locais junto à participação social, sob o ponto de vista de conservar a biodiversidade. Vale mencionar que os municípios Chapada dos Guimarães e Curvelândia elaboraram uma lei municipal para tal finalidade. A Lei Municipal N° 1.013/2002 de Chapada dos Guimarães “estabelece regras para a aplicação dos recursos oriundos do ICMS Ecológico – Índice de Unidade de Conservação/ Terras Indígenas”. Ela foi elaborada na gestão de Pedro Reindel Fonseca e obrigou o poder executivo a aplicar no mínimo 35% dos recursos originários do ICMS Ecológico. Nessa lei foram definidas as áreas de atuação para a destinação do critério UC/TI, sendo elas: criar parques ecológicos municipais favorecendo turismo ecológico; recuperar e proteger cursos d´água e nascentes; conservação de estradas municipais construindo bacias de contenção para evitar processos erosivos; manter serviço de fiscalização ambiental adquirindo equipamentos necessários; executar planos de ação aperfeiçoando o saneamento ambiental no meio urbano, notadamente nos serviços de coleta de lixo, limpeza pública, jardinagem e arborização das vias urbanas; construir praças e balneários; apoiar projetos ambientais propostos pela sociedade civil organizada, voltados à educação ambiental e à proteção das UCs. Observa-se, aqui, a amplitude das ações que podem ser desenvolvidas com o recurso do ICMS Ecológico. A Lei N° 316 de 29 de maio de 2012 de Curvelândia também estabelece regras para a aplicação dos recursos do ICMS Ecológico. Foi elaborada na gestão de Maury Souza da Silva. São definidos os critérios que o poder executivo deve obedecer para aplicação destes recursos em favor da biodiversidade e do turismo ecológico. São eles: 80% dos recursos para o Monumento Natural Caverna do Jabuti, contemplando ações na educação ambiental no entorno desta área protegida e ecoturismo. Vinte por cento poderão ser destinados à criação e ampliação de parques ecológicos, manutenção de serviço de fiscalização ambiental e aquisição de equipamentos necessários para a jardinagem urbana, construção de praças e balneários, capacitação de recursos humanos para gestão ambiental e projetos na área da educação ambiental propostos pela sociedade civil organizada. É importante a abertura para a criação da diversidade de possibilidades orientadas em comum à qualidade de vida socioambiental.

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VERSO E REVERSO DA LEGISLAÇÃO DO ICMS-E DE MATO GROSSO

É oportuno esclarecer que o município tem autonomia para a destinação das despesas municipais a partir de sua receita, constituída pelo ICMS Ecológico, entre outros impostos, conforme outro discurso também muito recorrente. Porém, num governo democrático, está em questão observar esta autonomia sob o ponto de vista da participação social. Outros fatores podem ser valorizados na abordagem do ICMS Ecológico. Por exemplo, considerar se o controle social está ocorrendo, tendo como um indicador a prática da legislação que assegura o orçamento participativo e como os cidadãos se envolvem na gestão pública. A divulgação dessas políticas públicas torna-se outro indicador. É necessário expandir a compreensão de tais políticas para que a comunicação possa ser abrangente. Neste particular, o ICMS Ecológico não se restringiria somente como aplicação dos recursos em ações dentro da TI e UC. Sobrepõe-se verificar como o ambiente é incorporado na gestão pública municipal, contemplando ações socioambientais no entorno das áreas protegidas, nos imóveis rurais, nos bairros e centros urbanos. É a articulação entre as atividades econômicas e o ambiente que está em questão, associada à conservação da biodiversidade. O objetivo final é a qualidade de vida.


ICMS ECOLÓGICO

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Vegetação próxima ao rio Juruena, no distrito de Fontanillas, município de Juína. Foto: Andreia Fanzeres/OPAN


III. RETRATOS DO ICMS ECOLÓGICO RECEBIDO PELOS MUNICÍPIOS É improvável focar todos os ângulos possíveis de serem retratados neste tema. Reconhecendo tal limitação, um dos objetivos deste capítulo é construir um quadro geral das terras indígenas e unidades de conservação existentes no estado de Mato Grosso, formatando o atual contexto das áreas protegidas que estão circunscrevendo o critério UC/TI do ICMS Ecológico. A seguir, serão apreendidos os efeitos da legislação no estado, identificando quais são os municípios que estão recebendo e os que não estão recebendo o benefício, a partir do critério UC/TI. Serão destacados, por contraste, tanto os que mais recebem quanto os que menos recebem ICMS Ecológico. Por enquanto, a dimensão quantitativa será explicitada, já que tem sido a única referência determinante dos repasses feitos pela Sefaz às prefeituras. O fato é que neste capítulo há informações correspondentes à realidade de como os repasses do ICMS Ecológico acontecem em Mato Grosso desde 2002. Os quadros apresentados são recortes baseados nas informações do Relatório Anual da Memória de Cálculo do ICMS Ecológico produzido pela SEMA, associadas a dados coletados de outras fontes como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Secretaria Estadual do Planejamento de Mato Grosso (Seplan), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o Instituto Socioambiental (ISA), entre outros creditados ao longo do relato. 41

Conforme informações disponíveis em SEMA (2013), IBGE (2010), CIMI (2010) e ISA (2013) foi verificada a existência de áreas protegidas em 91 dos 141 municípios de Mato Grosso (IBGE, 2010), ausentando-se em 50. No Apêndice A estão identificados os municípios sem área protegida; aqueles com TI e UC; e os que possuem somente TI ou UC.

Gráfico 1: Municípios com áreas protegidas em Mato Grosso

35% 65%

Municípios com áreas protegidas Municípios sem áreas protegidas

Fonte: IBGE, 2010; SEMA, 2010 e 2013; CIMI 2010; ISA 2013

RETRATOS DO ICMS ECOLÓGICO RECEBIDO PELOS MUNICÍPIOS

III. 1. Terras indígenas e unidades de conservação em Mato Grosso


Os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal presenciam-se no território de Mato Grosso, aliás, é somente nas unidades de conservação e, sobretudo, onde estão situados os povos e as comunidades tradicionais, que se testemunha a conservação da biodiversidade dos mesmos. As áreas protegidas têm relevância no contexto de uma economia voltada para a exportação, cujo modelo é de alto impacto e com impulso para expandir-se degradando os remanescentes da biodiversidade. A implementação de um programa do ICMS Ecológico é urgente para a consolidação das áreas protegidas, bem como para a ampliação e criação de novas. As políticas públicas voltadas à demarcação e manutenção de UC/TI e terra de quilombolas expressam o reconhecimento oficial da importância de ações no campo ambiental. No relatório de técnicos do Tribunal de Contas do Estado, elaborado em novembro de 2013, entre os vários impasses detectados no âmbito ambiental, destacou-se o desmatamento, a invasão de pescadores, caçadores e madeireiros nas áreas protegidas, além da presença dos passivos ambientais de muitas propriedades. Tais achados derivam de uma pesquisa restrita aos municípios localizados no bioma Amazônia (TCE, 2013), representando uma amostra da realidade do estado de Mato Grosso. Considerando os gráficos 1 e 2, percebe-se que é significativo o percentual de unidades municipais sem áreas protegidas.

Gráfico 2: Percentual de municípios com TI e/ou UC e sem área protegida

36% 18%

25%

TI somente UC somente

21%

TI e UC Sem Área Protegida

Fonte: IBGE, 2010; SEMA, 2010 e 2013; CIMI 2010; ISA 2013

ICMS ECOLÓGICO

Ainda é preciso destacar que, conforme exposto anteriormente, a instrução normativa regulamentou a incorporação das terras de quilombolas no índice UC/TI, mas é nula a experiência de computá-las para o repasse do ICMS Ecológico, reconhecendo, portanto, a incompletude das informações oferecidas acima nos gráficos 1 e 2.

42

Segundo a SEMA, o repasse do ICMS Ecológico, em 2010, aconteceu em 88 municípios e foi inexistente em 53. Considerando a ausência de áreas protegidas em 50 municípios, evidencia-se que o repasse de ICMS Ecológico vem ocorrendo expansivamente em Mato Grosso, isto é, naqueles locais com presença de UC e TI. Campos de Júlio só passou a receber o recurso a partir de 2011 porque, até então, a TI Uirapuru (21.680 ha) não estava considerada. Ela cobre 2,99% deste município e já era declarada desde 2009. Em 2011 o seu índice resultou no pagamento de R$ 120.673,00, tendo aumentado para 143.090,80 em 2012.


Conforme exposto no Capítulo I, na legislação do ICMS Ecológico cada área protegida tem um fator de correção (FC). Retoma-se, portanto, que as terras indígenas identificadas e a identificar têm o valor zero (0). Contudo, aquelas não reconhecidas oficialmente não são consideradas no cálculo do critério UC/TI. Isso acontece em Canabrava do Norte, onde há a presença das TIs Krenrehe e Rio Preto. Também no município de Marilândia com a TI Estação Parecis (3.620 ha), a qual está identificada. O município de Tabaporã permanece sem receber o repasse quando em seu território há a presença da TI Batelão (117.050 ha) que ocupa 12,22% desta unidade administrativa. Ela já foi declarada, porém, outra portaria suspendeu tal ato declaratório. Há diversos casos como esse. O estado de Mato Grosso considera a existência de 170 áreas protegidas dispersas neste conjunto de 91 municípios, sendo 95 TIs e 101 UCs. Entre as UCs, 33 são municipais, 45 estaduais e 23 federais (SEMA, 2013). Em relação às TIs, há 95 até então percebidas, entre as quais 69 têm reconhecimento jurídico formal e 26 não têm (CIMI, 2010; ISA 2013). Elas estão discriminadas nos Apêndices B e C informando os municípios onde se localizam. Segue abaixo o mapa que retrata as terras indígenas reconhecidas oficialmente e as unidades de conservação federais, estaduais, municipais e particulares. A seguir, o gráfico 3 representa o percentual de cada uma delas no estado, a partir de dados de 2013.

Mapa 1: Áreas protegidas de Mato Grosso.

RETRATOS DO ICMS ECOLÓGICO RECEBIDO PELOS MUNICÍPIOS

43

Fonte: SEMA, 2013; CIMI, 2010; ISA, 2013.

O gráfico 3 seguiu as cores da legenda do mapa das áreas protegidas de MT acima exposto. Comparando-se as informações contidas no mapa e no gráfico, tem-se que entre as UCs predominam as estaduais, que possuem maior extensão territorial. Em termos percentuais, é expressiva a aproximação da quantidade de áreas protegidas municipais, menores em tamanho, revelando a importância da contribuição dos municípios na conservação da biodiversidade.


Gráfico 3: Percentual de TI e UCs federais, municipais e estaduais 12%

13%

23%

35% 17%

UC Federal

UC Estadual

UC Municipal

TI Reconhecida

TI Não Reconhecida

Fonte: SEMA, 2013; CIMI, 2010; ISA, 2013.

Há pouca quantidade de UC federal e um aumento significativo de UCs municipais, posterior à implantação da legislação do ICMS Ecológico no estado. Este fenômeno ocorreu nos anos circundantes à introdução da Lei Complementar N° 73/2000 e Decreto N° 2.758/2001; segundo estudos de Katia Moser de Oliveira (técnica da SEMA-MT), tendo sido criadas 23 UCs, conforme demonstra o gráfico citado abaixo.

Gráfico 4: Impacto do ICMS Ecológico na criação de UC municipal Dinâmica das UCs em Mato Grosso Estadual

Federal

Municipal

25

23

15 10 1

1

1

3

3

4

2

1

1

2007

5

5

2006

Nº de UCs

20

2008

2005

2004

2003

2002

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1995

1994

1993

1992

1991

1990

1989

1988

1987

1986

1985

1984

1983

1982

1981

1980

1979

1978

0

Ano de criação

ICMS ECOLÓGICO

Fonte: Elaborado por Kátia M.B. de Oliveira, 2013.

44

Tesouro é um município que em 2002 não recebeu recurso de ICMS Ecológico devido à inexistência de áreas protegidas. Entretanto, incentivado por esta política pública, o ex-prefeito, na época, criou diversas áreas de preservação ambiental (APAs) como a APA Morro Santa Luzia (2.805 ha); a APA Ribeirão da Aldeia (4.881 ha), APA Morro Verde e Ribeirão Dantas (75.000 ha), APA Rio das Garças e Furnas do Rio Batovi (96.000 ha) e a APA Cachoeira da Fumaça (708 ha). Acrescenta-se ainda a criação do Monumento Natural do Confusão (100 ha) e do Parque Natural Municipal Celebra (50 ha). Em 2003, iniciou o recebimento do repasse pelo critério UC/TI.


Segue abaixo o gráfico 5 com os valores em reais (R$) do ICMS Ecológico pago ao município desde 2002 até 2012.

Gráfico 5: Recursos (R$) de ICMS Ecológico pago a Tesouro 2012

3.035,64

2011

3.981,40

2010

494.509,070

2009

479.375,670

2008

467.452,300

2007

397.104,370

2006

371.363,820

2005

349.827,390

2004

335.477,920

2003 2002

268.412,7800 0,0 0,0

100000,0

200000,0

300000,0

400000,0

500000,0

600000,0

45

Observa-se um aumento progressivo da contribuição do ICMS Ecológico para a receita da prefeitura de Tesouro entre 2003 a 2010. E, em 2012, um decréscimo exorbitante porque o critério UC/TI baseou-se somente no Parque Celebra (53,95 ha), na APA Cachoeira da Fumaça (708,79 ha) e na RPPN do Rio Sepotuba (99,48 ha). A redução do recurso recebido corresponde à redução da área protegida no município, tendo sido revogadas várias APAs, notadamente as que possuem maior extensão territorial, como o Morro Santa Luzia, a Ribeirão da Aldeia e a Morro Verde. Os gestores públicos justificaram que as APAs atrapalhariam a produção de soja e pecuária, as quais produziriam mais receita para o município9. Entretanto, o técnico da SEMA relatou, em entrevista, a ocorrência de um arrependimento da prefeitura quando receberam o valor correspondente ao atual índice UC/TI com base nas três áreas protegidas remanescentes. O município é repleto de belezas cênicas, há oportunidades de que a biodiversidade local gere emprego e renda, desde que a administração pública oriente esforços para esta finalidade – rendas que se somariam àqueles recursos do critério UC/TI. Será que esta área de 178.786 ha que deixou de ser protegida para a produção de soja e pecuária proporcionaria de fato uma rentabilidade maior para a receita municipal do que a arrecadação direta do ICMS Ecológico? Será que o engajamento para a revogação das APAs considerou de fato um cálculo preciso e comparativo das arrecadações originadas por cada uma destas fontes econômicas? Por exemplo, quanto valeria para o município de Tesouro um plano de ecoturismo bem estruturado em termos de arrecadação de impostos? 9.  A informação sobre a existência do argumento que justificou a revogação das APAs foi retirada do artigo de Fanzeres, A., no jornal O Eco, publicado dia 18/09/2009, acessado no site http://www.oeco.org.br dia 08/11/2013.

RETRATOS DO ICMS ECOLÓGICO RECEBIDO PELOS MUNICÍPIOS

Fonte: SEMA-MT, 2013


Diagrama 1: Sistematização da produção agrícola de Tesouro (ha/ano)

Fonte: IBGE, 2004; 2008; 2009; 2012.

A partir das informações do IBGE, infere-se que, mesmo com a exclusão das áreas protegidas no ano de 2009 no município de Tesouro com alegação de que elas atrapalhavam a produção agrícola, não houve alteração na extensão significativa da área plantada de soja e milho. Ao contrário, o que se percebe é uma diminuição do cultivo da agricultura familiar (arroz e feijão).

III. 2. Recortes do pagamento de ICMS Ecológico aos municípios O gráfico 6 apresenta os municípios com maiores valores de ICMS Ecológico em 2010.

Gráfico 6: Municípios que recebem maiores valores em reais de ICMS Ecológico 1.073.367,22 1.422.813,67 1.613.184,61 1.678.204,08 1.701.450,30 Repasse de 1.740.391,99 ICMS Ecológico 1.758.982,63 1.867.069,11 1.975.696,48 1.977.308,43 2.042.285,47 2.290.591,72 2.373.300,36 2.702.077,60

Campinápolis Feliz Natal Conquista D´Oeste

ICMS ECOLÓGICO

Tangará da Serra Alto da Boa Vista Comodoro Apiacás 0,00

1.000.000,00 2.000.000,00 3.000.000,00

Fonte: SEMA, 2010.

46


Até o ano de 2010, entre os municípios que receberam maiores valores anuais em reais (R$) de ICMS Ecológico estão: Alto Boa Vista, Apiacás, Campinápolis, Campo Novo do Parecis, Comodoro, Conquista D’Oeste, Feliz Natal, Gaúcha do Norte, Juína, Nova Nazaré, Novo Santo Antônio, Peixoto de Azevedo, Rondolândia e Tangará da Serra. Neste conjunto, dez municípios têm a presença de terra indígena; dois têm terra indígena e unidade de conservação (Juína e Apiacás) e um deles tem apenas unidade de conservação (Novo Santo Antônio). Entre os municípios que mais recebem valores de ICMS Ecológico em reais é enfática a presença de TIs, envolvendo neste caso os povos Paresi, Nambiquara, Xavante, Zoró, Kaiapó, Enawene Nawe, Rikbaktsa, entre outros povos do Parque Indígena do Xingu (PIX). Vale observar que os municípios que têm recebido uma cota expressiva deste critério UC/TI coincidem com aqueles que têm sofrido pressões e ameaças às TIs. Um caso emblemático é Alto Boa Vista, onde se presencia a TI Marãiwatsédé que, desde o período da implementação da Lei Complementar N° 73/2000 até o primeiro semestre de 2013, esteve ilegalmente ocupada. Neste contexto houve um desmatamento em torno de 85% desta área protegida. Exposto isto, segue o gráfico 7 apresentando os municípios que receberam menores valores em 2010.

Sinop Sorriso Jaciara Curvelândia Nortelândia Planalto da Serra Campo Verde Nova Xavantina Bom Jesus do Araguaia Alta Floresta Ribeirãozinho Água Boa

1.505,91 5.238,89 10.212,65 13.945,62 16.681,72 21.167,65 Repasse de ICMS 27.594,30 Ecológico 31.030,33 32.281,72 32.430,19 36.385,87 49.652,76 0,00

10.000,00 20.000,00 30.000,00 40.000,00 50.000,00 60.000,00

Fonte: SEMA, 2010.

Entre os municípios que menos recebem valores em reais por ano estão: Água Boa, Alta Floresta, Bom Jesus do Araguaia, Campo Verde, Curvelândia, Jaciara, Nortelândia, Nova Canãa do Norte, Nova Xavantina, Planalto da Serra, Ribeirãozinho, Sinop e Sorriso.

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RETRATOS DO ICMS ECOLÓGICO RECEBIDO PELOS MUNICÍPIOS

Gráfico 7: Municípios que recebem menores valores em reais de ICMS Ecológico


Considerando o princípio da proporcionalidade nesta dimensão quantitativa, eles possuem pequenas áreas protegidas relacionadas à extensão territorial do município, sinalizando uma região propícia a ser receptiva de uma política pública que fomenta a ampliação e/ou criação de novas UCs. Em Água Boa, por exemplo, há várias terras indígenas a serem identificadas que não estão sendo computadas no cálculo do índice UC/TI como Areões I, Areões II, Isoú’pa e Norutsurã, comprometendo o potencial de arrecadação do ICMS Ecológico. O possível apoio local ao seu reconhecimento oficial favoreceria dessa forma significativamente o aumento da receita municipal. Pois até então só se consideram as TIs Parabubure e Areões. Conforme evidenciado no gráfico 7, Sinop e Sorriso recebem os menores valores de ICMS Ecológico no estado, denunciando a falta de uma gestão ambiental rentável para esses municípios. Em Sinop, o repasse está baseado apenas em “Áreas Verdes Urbanas” (parques) somando 264 ha sobre uma extensão territorial de 319.434 ha. Em 2011 e 2012 esse município não recebeu repasse de ICMS Ecológico, apesar de seu grande potencial. Já em Sorriso, o índice UC/TI é pautado apenas na APA Salto Magessi, totalizando 4.601,35 ha, numa superfície territorial de 923.506,94 ha, anunciando um ínfimo percentual de área protegida. Já que estes municípios têm uma proporção mínima de áreas protegidas, vale a pena verificar se de fato isso acarreta uma melhor condição socioeconômica da população. A Associação Mato-Grossense dos Municípios (AMM) adota o Índice de Desenvolvimento Social Municipal (IDS-M) para avaliar a desigualdade socioeconômica em Mato Grosso. Ele está baseado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por sua vez, pautado na renda, saúde e educação. A Assembleia Legislativa (AL) de Mato Grosso acrescentou também o indicador ecológico no valor final do IDS-M, sendo ele mensurado pelos focos de incêndio florestal e queimadas. Neste cálculo é atribuído o valor de 25% para cada item considerado, isto é, a renda, a educação, a saúde e o ecológico. Adotado este indicador entre alguns municípios que recebem menores valores de ICMS Ecológico, verifica-se que Água Boa é igual a 0,571; Alta Floresta a 0,573, Planalto da Serra a 0,577. Comparativamente, o mesmo será feito com alguns municípios que estão no grupo daqueles que recebem maiores valores. Rondolândia é igual a 0,526; Juína a 0,523; Comodoro a 0,430; Conquista D’Oeste a 0,486 e Campo Novo a 0,606. Não há uma discrepância entre os municípios em geral, salvaguardando os casos de Comodoro e Conquista D’Oeste. Campo Novo do Parecis está entre os que mais recebem e o seu IDS-M é o maior de todos, excedendo o dos municípios com ínfima extensão de área protegida. Coloca-se em dúvida o discurso recorrente de que desenvolvimento econômico e existência de UC e ou TI são excludentes. Seria preciso um estudo mais profundo para capturar quais são os fenômenos que desencadeiam um desenvolvimento econômico, bem como reavaliar o que é considerado como “desenvolvimento”, quando a desigualdade econômica permanece, bem como a desigualdade de acesso da população à educação e saúde com qualidade. A partir dos dados oferecidos pela AMM, baseados em fontes do ano 2010, elaborouse a tabela 6, informando os valores em reais da contribuição para o PIB municipal pela agropecuária, indústria e serviços.

ICMS ECOLÓGICO

Município

População

Agropecuária (R$)

Serviços (R$)

Indústria (R$)

20.844

101.557.000,00

174.219.000,00

55.279.000,00

Ribeirãozinho

743

14.968.000,00

1.964.000,00

13.801.000,00

Campo Verde

9.432

541.372.000,00

434.228.000,00

67.028.000,00

Alta Floresta

15.142

145.781.000,00

324.223.000,00

57.441.000,00

Água Boa

Tabela 6: Setores que contribuem para o PIB municipal. Fonte: AMM, 2012.

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Constata-se que o setor de serviços apresenta maior contribuição em reais para o PIB em Água Boa, Ribeirãozinho e em Alta Floresta. Os gestores poderiam ter maior abertura às políticas públicas em torno do ICMS Ecológico e estudar com atenção quais as possibilidades do recurso baseado no critério UC/TI contribuem para incrementar a receita municipal, de forma a se inspirarem nas possibilidades das áreas protegidas gerarem emprego e renda para a população, aumentando direta ou indiretamente a arrecadação por serviços e comércio. Conforme já abordado no capítulo I, o ecoturismo, a educação ambiental, feiras agroecológicas, entre outras10, podem ser alternativas. Sinop e Sorriso localizam-se no médio-norte do estado, onde se concentram grandes monoculturas e igualmente apresentam um ínfimo percentual de área protegida. A partir das informações oferecidas pelo IBGE (2010) e pelo estudo da AMM (2012), verifica-se que permanece a desigualdade socioeconômica. Em Sinop, no ano de 2010, 20% receberam de um a dois salários mínimos (SM); 44% de dois a cinco SM e 6% de 10 a 20 SM, além de existirem 2,10% que recebem mais de 20 SM. São desiguais a condição social e o acesso ao desenvolvimento econômico, apesar do modelo produtivo adotado. Igualmente, em Sorriso, 41% recebem de dois a cinco SM; e 19% de um a dois; 27% de 10 a 20 e 2,13% recebem mais de 20 SM. A concentração de renda se expressa neste percentual entorno de 2% com mais de 20 salários mínimos, vivendo sob condições desiguais em relação àqueles com baixa e média renda. Contudo, a presença ou ausência de UC e TI não tem relação causal com o índice de desenvolvimento econômico, tampouco a lógica causal possibilita uma visão ampla das questões ambientais, sociais, culturais, políticas e econômicas que afetam a qualidade de vida de uma população.

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Segundo a SEMA (2008), o ICMS Ecológico representou menos de 1% de arrecadação para 18 municípios como em Diamantino, Rondonópolis, Planalto da Serra, Alta Floresta, Água Boa, Novo São Joaquim e Nova Xavantina. Entre 1 a 10% para Cáceres, Barra do Bugres, Santo Antônio do Leverger, Campo Novo do Parecis, Brasnorte, Juara, Pontes e Lacerda, Poxoréu, Sapezal, Vila Bela de Santíssima Trindade, Barra do Garças, Confresa, Tangará da Serra, Canarana, Cocalinho, Guarantã do Norte, Poconé. Entre 10,1 a 20% para Paranatinga, Barão de Melgaço, Colniza, Aripuanã, São José do Xingu, General Carneiro. Entre 20,1 a 30% para Feliz Natal, Ribeirão Cascalheira, Luciara, Juína, Nova Lacerda, Querência, Cotriguaçu e Novo Mundo. Entre 30,1 a 40%: Santa Terezinha, Comodoro, Porto Estrela, Porto Alegre do Norte, Apiacás. Entre 40,1 a 50%: Peixoto de Azevedo, Campinápolis, Gaúcha do Norte, Rondolândia e Santa Cruz do Xingu. Entre 50, 1 a 60%: Conquista D’Oeste e Novo Santo Antônio. Entre 60,1 a 67%: Alto Boa Vista e Nova Nazaré. Ainda que os recursos do ICMS Ecológico possam não ser suficientes para atender toda a demanda de uma gestão ambiental mais qualificada, ainda assim ele oferece contribuições relevantes para o orçamento anual, sobretudo nos municípios que possuem maiores percentuais de cobertura territorial por UC e/ou TI. Neste particular, ele pode ser concebido em termos de incrementos à gestão ambiental e não como o recurso que vai satisfazer as lacunas de uma administração pública. 10. Quando há grandes obras no município, eleva-se a arrecadação do setor de serviços. Num estudo mais aprofundado é necessário atentar para este fenômeno.

RETRATOS DO ICMS ECOLÓGICO RECEBIDO PELOS MUNICÍPIOS

No estado de Mato Grosso, contudo, a política pública do ICMS Ecológico está em vigor, e, sob a perspectiva quantitativa, a sua capacidade de contribuir para as receitas municipais é bastante heterogênea e significativa.


ICMS ECOLÓGICO

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Rio Cravari, Terra Indígena Irantxe. Foto: Flavio Souza/OPAN


IV. GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO Neste capítulo será apresentado o resultado da pesquisa de campo realizada nos municípios de Chapada dos Guimarães, Barra do Bugres, Brasnorte, Comodoro e Sapezal. Conforme já exposto, em todos os municípios visitados procurou-se entrevistar o prefeito, o ex-prefeito e os secretários de planejamento, administração, finanças e meio ambiente, valorizando-os como público alvo a fim de levantar informações sobre a administração pública dos recursos do ICMS Ecológico. Também houve contato com a câmara dos vereadores e em todos os municípios foi entrevistado algum vereador, o que enriqueceu o levantamento de informações em vários aspectos. Foram estudados a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de todos os municípios visitados. Neste capítulo, o resultado da pesquisa em cada município é apresentado separadamente. Em todos os municípios as informações estão sistematizadas de acordo com os seguintes indicadores criados: o primeiro aborda a dimensão da legislação municipal relacionada ao tema; o segundo envolve a participação social na gestão de políticas públicas sobre este tema em particular; o terceiro problematiza a temática ambiental na gestão pública municipal; o quarto discute os diferentes pontos de vista dos tomadores de decisão diante do tema, revelando a tensão de forças políticas em torno do ICMS Ecológico; por último, o quinto focaliza a dimensão do modelo de desenvolvimento, anunciando as perspectivas reais de uma articulação entre desenvolvimento econômico e a conservação da biodiversidade e qualidade de vida, discutindo os impactos efetivos desta política pública em foco. Antes destas exposições, será retratado o histórico do ICMS recebido por cada município, desde a implantação da Lei Complementar N° 73/2000.

Em 2002, Chapada dos Guimarães iniciou o ano recebendo R$ 1.644.948,32. Os gestores públicos ficaram animados com este incremento na receita municipal. Em 27 de maio do mesmo ano, foi assinada a Lei N° 1.013 pelo prefeito Pedro Reindel Fonseca, estabelecendo “[...] regras para a aplicação dos recursos oriundos do ICMS Ecológico – Índice de Unidade de Conservação/Terras Indígenas” (PREFEITURA MUNICIPAL DA C. DOS GUIMARÃES, 2002). Entretanto, no ano seguinte o recurso sofreu diminuição expressiva para R$ 232.036,11, alterando a percepção dos gestores públicos sobre o ICMS Ecológico. Técnicos da SEMA-MT afirmam que isso aconteceu por um “erro de digitação” da extensão territorial de uma unidade de conservação, somente detectada no ano seguinte quando atualizaram o cadastro. Parece que esta instabilidade caracteriza o perfil do ICMS Ecológico em Chapada dos Guimarães. Desde o início da implantação desta política pública, a extensão territorial de áreas protegidas oscila: entre 2003 a 2007 totalizava 174.992,30 ha; depois, diminuiu para 151.651,64 ha. A alteração é identificada na instabilidade das informações sobre a extensão territorial de várias UCs, além da perda de uma APA e uma RPPN. Em contrapartida, posterior ao ano de 2007 foram cadastradas novas UCs como a APA das Cabeceiras do Rio Cuiabá, o Parque Estadual de Quinera e a RPPN do Hotel Mirante. A tabela 7 informa as áreas protegidas contabilizadas no histórico do ICMS Ecológico recebido por Chapada.

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GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

IV. 1. A versão do ICMS Ecológico em Chapada dos Guimarães


Área Protegida

Antes de 2007

Depois de 2007

APA da Chapada dos Guimarães

143.223,82 ha

122.907,81 ha

APA do Rio da Casca

20.538,00 ha

0

9,95 ha

0

Estação Parque Cuiabá – Mirante

1.261,00 ha

1.652,81 ha

Estação Ecológica do Rio da Casca

3.534,90 ha

2.499,38 ha

6,21 ha

9,13 ha

RPPN Reserva Ecológica da Mata Fria

P. Municipal Cabeceira do Coxipozinho P.N. da Chapada dos Guimarães

6.418,42 ha

16.591,38 ha

APA das Cabeceiras do Rio Cuiabá

0

7.984,51 ha

RPPN Hotel Mirante

0

1,98 ha

Parque Estadual da Quinera

0

4,63 ha

174.992,30

151.651,64

TOTAL (ha)

Tabela 7: Cadastro de UCs da Chapada dos Guimarães pela SEMA-MT. Fonte: SEMA, 2008; 2013.

O gráfico 8 apresenta o histórico dos recursos de ICMS Ecológico recebidos, retratando, igualmente, um quadro de instabilidade sobretudo entre os anos de 2002 a 2007. Somente depois de 2007 nota-se uma progressão linear que supera a quantidade antes recebida. Em 2003 foram arrecadados R$ 232.036,11 e, em 2012, o valor quase duplicou para R$ 422.504,90. Ainda que após 2007 tenha havido uma perda de área protegida em torno de 23.000 ha, os recursos aumentaram.

Gráfico 8: Valor do ICMS Ecológico recebido por Chapada dos Guimarães de 2002 a 2012 2.000.000,000 1.500.000,000 1.000.000,000 500.000,000 0,000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Valor recebido de ICMS Ecológico

ICMS ECOLÓGICO

Fonte: SEMA-MT, 2012.

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Porém, há outro fator em questão relacionado ao princípio da proporcionalidade: a informação sobre a própria extensão do município é instável. Segundo a SEMA (2008), o município somava 620.657 ha, posteriormente atualizados para 651.182,22 ha. Já o IBGE (2010) afirma uma área de 625.699,40 ha. Esses dados demonstram a importância de como são cadastradas as unidades de conservação já que o princípio da proporcionalidade é decisivo para o cálculo da quantidade de recursos recebidos. Além da instabilidade explicitada, não se pode deixar de observar a tendência em progredir a quantidade de recursos recebidos, e, ainda assim, não se reconhece uma prática de fortalecer as áreas protegidas. A criação de novas áreas coexistiu com a destituição de outras.


Ano

ICMS Ecológico recebido (R$)

2002

1.644.948,320

2003

232.036,11

2004

259.953,02

2005

271.063,49

2006

249.377,03

2007

266.666,85

2008

313.911,59

2009

325.360,30

2010

360.888,48

2011

371.225,00

2012

422.504,90

Tabela 8: ICMS Ecológico recebido por Chapada dos Guimarães. Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

A)  Na dimensão da legislação municipal

No caso desta referida lei, 35% dos recursos originários do ICMS Ecológico definem-se como a quantidade mínima a ser destinada, obrigatoriamente, às seguintes áreas de atuação: na criação de parque ecológico municipal, deve visar o turismo ecológico, a pesquisa científica e a recuperação/preservação das nascentes e cursos d´água, bem como da biodiversidade do Cerrado, sobretudo nas Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e proximidades dos centros urbanos. Além disso, foi contemplada a implantação e conservação de estradas municipais, sendo obrigatória a construção de bacias de contenção cuja finalidade é conter processos erosivos, um problema recorrente no município. O recurso do ICMS Ecológico foi vislumbrado inclusive para contribuir na manutenção de serviço de fiscalização ambiental e na aquisição de equipamentos para o seu bom funcionamento. Embora o saneamento ambiental tenha sido extinto como um critério na Lei Estadual do ICMS Ecológico, a lei municipal pode recuperar este foco como um relevante serviço público a ser assumido pela prefeitura. Esta lei municipal de Chapada dos Guimarães o fez, prevendo como uma das ações prioritárias a “implantação e execução de projetos voltados para o aperfeiçoamento de serviços públicos, que contribuam para o saneamento do meio ambiente urbano, inclusive nos serviços de coleta de lixo, limpeza pública, jardinagem e arborização das vias urbanas, e também na aquisição dos equipamentos apropriados para tal trabalho” (PREFEITURA MUNICIPAL DE C. GUIMARÃES, 2002). Foi contemplada ainda a construção de praças e balneários. E, por último, chama-se atenção para a possibilidade de participação aberta à sociedade civil organizada no acesso a esses recursos para projetos na área da educação ambiental ou para pesquisas científicas, desde que orientados à proteção de unidade de conservação.

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GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

Em Chapada dos Guimarães há uma Lei Municipal N° 1.013, aprovada pela câmara municipal e sancionada pelo prefeito, em 2002, período da gestão de Pedro Reindel Fonseca. Esta lei regulamenta as regras para a destinação dos recursos do ICMS Ecológico, comprometendo o poder executivo a segui-las, isto é, a prefeitura está submetida a obedecêlas, contrapondo-se à arbitrariedade do poder executivo em decidir sobre a aplicação dos recursos em questão. Portanto, testemunha-se a possibilidade de criar um mecanismo legislativo que obriga a prefeitura a seguir determinados parâmetros, configurando um modo de gestão legal para a tomada de decisão. Isso coloca em xeque aquele recorrente discurso: “O prefeito não é obrigado a destinar os recursos para UC e TI”, na medida em que a câmara municipal deve também decidir sobre isso.


B)  Nuances da temática ambiental na gestão pública municipal Em Chapada dos Guimarães não há uma Secretaria de Meio Ambiente específica, o que existe é uma Secretaria de Turismo, Cultura e Ambiente. Significa que os assuntos ligados aos temas “turismo”, “cultura” e “ambiente” seriam parte da gestão de um único secretário. Chapada dos Guimarães tem um forte potencial turístico pelas belezas cênicas naturais e o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães é conhecido mundialmente, atraindo turistas de várias localidades. Não se concebe que seja imperativo ter uma pasta específica para cada setor, sobretudo, num contexto em que se clama pela interdisciplinaridade, interculturalidade, consórcios intermunicipais, ações interministeriais e etc. O que se torna importante avaliar é a capacidade de conceber plano e execução de forma articulada entre os setores. É positivo, portanto, mesclar turismo, cultura e ambiente no contexto específico da Chapada dos Guimarães, haja vista o seu valor turístico e cultural fundamentado nas belezas naturais. Nesta pesquisa, importou conhecer as ações efetivamente realizadas e não aquelas programadas e idealizadas. E sob este parâmetro constatou-se que não acontece uma efetiva ação articulada entre turismo e ambiente, agravado pelo fenômeno de um orçamento escasso. Observamos que o recurso do ICMS Ecológico não tem sido acessado pela secretaria de turismo, tampouco destinado às ações voltadas às UCs, conforme enfatizado em algumas entrevistas junto aos gestores municipais. Pareceu que essas entrevistas fomentaram o interesse dos gestores em acessar este recurso público. Notamos ainda que foi recorrente a percepção de que a prática da gestão do ICMS Ecológico é atribuição centralizada no papel do prefeito. Isso revela a ausência de iniciativa das secretarias que compõem o poder executivo local, o que compromete os potenciais e possibilidades de ação política legalmente previstas (Lei Municipal 1.013/2002). No plano orçamentário anual, atualmente é destinado um recurso ínfimo à secretaria de turismo, o que sugere uma gestão pública que não prioriza as potencialidades turísticas e ambientais do lugar. Somado a isto, outras expressões no campo ambiental têm sido preteridas, pondo em evidência a falta de um saneamento ambiental local. O próprio Ministério Público Estadual em Chapada dos Guimarães cobra o desenvolvimento de uma ação para recuperar as nascentes e também para o escoamento dos lixos domésticos e empresariais urbanos.

ICMS ECOLÓGICO

Algumas pequenas ações foram detectadas, como cercar uma região no bairro São Sebastião, onde tem uma nascente. Esta ação foi uma parceria do município com o estado, ou seja, nem sequer foi cogitada a possibilidade de aplicação do recurso do ICMS Ecológico. Ao mesmo tempo, o lixo, as queimadas, a degradação em áreas de nascentes, a invasão em áreas públicas foram caracterizadas pelos entrevistados como as maiores ameaças no contexto ambiental. Constituem, em comum, possíveis alvos para uma ação pública apoiada pelos recursos do ICMS Ecológico.

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Outro importante aspecto é que não está ativado o Conselho Municipal de Ambiente do município de Chapada dos Guimarães. Segundo informantes, em 2012 este assunto foi provocado, tendo sido encaminhado um processo para a prefeitura. Porém, o assessor jurídico não deu continuidade. Foi esclarecido que a intenção era a de renovar o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente já existente, mas há anos desativado.


C)  A dimensão do controle social na gestão de políticas públicas A pesquisa na Secretaria de Finanças de Chapada dos Guimarães permitiu aprofundar aspectos sobre a maneira de gerir os recursos do ICMS Ecológico, expondo algumas limitações sobre a perspectiva do controle social desta política pública, colocando em relevo aspectos importantes de como está sendo aproveitado tal recurso recebido pela prefeitura do município. Em relação ao ICMS Ecológico, reiteradas vezes foi enunciado: “O recurso não é específico”; “O recurso vem num bolão só”; “Não tem conta específica”; “Não há uma ação específica desenvolvida” e “Não tem prestação de conta específica”. Conforme já dito, a SEMA-MT calcula o índice UC/TI que definirá a quantidade de recursos a serem pagos aos municípios e este órgão estadual ambiental repassa à Secretaria de Fazenda de Mato Grosso o resultado de seu cálculo. De fato, não há uma conta específica de ICMS Ecológico para a transferência de recursos feita pela Sefaz aos municípios. Contudo, o recurso é concebido e calculado especificamente, mas é pago às prefeituras de maneira misturada aos demais critérios que compõem o ICMS destinado a elas. Mesmo assim, a prefeitura sabe qual é a parcela referente ao ICMS Ecológico, podendo conceber um plano de gestão a ela ligado.

Foi afirmado que este recurso em pauta é usado para despesas com folha de pagamento, o que já provocou a indignação de um ex-vereador que participou da autoria da legislação municipal acima abordada. No período da implantação da Lei Municipal N° 1.013/2002 foi criado um Grupo de Trabalho de Educação Ambiental (GTEA) contando com a participação de representantes de órgãos públicos municipais e estaduais. Não se efetivou, contudo, a apresentação de nenhuma proposta para o usufruto do ICMS Ecológico. Esta desativação do grupo se consolidou ao longo das gestões seguintes. A despesa com a folha de pagamento predomina como forma de utilização dos recursos de ICMS Ecológico recebidos pela Chapada dos Guimarães. Na câmara dos vereadores constatou-se que a prefeitura convoca audiência pública para o LOA, mas não há ampla divulgação fomentando a participação social. O desinteresse dos cidadãos foi apontado como outro comportamento social local. Entretanto, este fenômeno é ambíguo porque na visita realizada à câmara dos vereadores verificou-se a presença de vereadores e representantes de associações de bairro. Em comum, eles testemunharam

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GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

O fato de receber “misturado” não justifica a não aplicação de recursos numa ação socioambiental. De outro lado, não há uma política pública definida que regulamenta a prestação de conta específica deste recurso recebido e isso dificulta o exercício de um controle social sobre a implementação desta política pública. Isto é um aspecto levantado, mas não restringe as possibilidades de exercitar tal controle social, abaixo melhor discutido. Paralelamente, foi declarado que o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso cobra prestação de conta específica dos recursos federais pagos ao município ligados à saúde e à educação, e jamais se posicionou fiscalizando a destinação do ICMS Ecológico, desfavorecendo a transparência de como estão sendo gastos tais recursos, afetando negativamente os dispositivos legais e o exercício do controle social sobre a política pública em estudo.


a apresentação de projetos da sociedade civil voltados à área ambiental, mas que não necessariamente se associavam à cobrança de que os mesmos pudessem ser apoiados com o recurso do ICMS Ecológico. Foi afirmado que há anos não se pauta o ICMS Ecológico nas plenárias. Não há uma força política da sociedade civil que coloque em pauta a gestão destes recursos particularmente, o que favorece a continuidade de sua destinação a finalidades alheias às questões socioambientais, contrariando a própria lei. Porém, é importante lembrar que a questão ambiental é uma demanda apresentada por lideranças da sociedade civil. Foi afirmado que, há anos, nas plenárias, é discutida a inadequação do sistema de coleta de lixo doméstico e hospitalar, e de sua destinação, enfatizando a necessidade de um novo aterro sanitário. Destacam-se, ainda, as demandas feitas para a proteção de cabeceiras de João Albernaz, Florada da Serra, São Sebastião e de outros bairros, bem como de capacitação para uma brigada coletiva contra as queimadas. Muitos desses lugares se situam dentro de APAs, uma categoria de UC. O ICMS Ecológico existe para fortalecer unidades de conservação privadas e públicas. Lideranças entrevistadas afirmaram que mesmo com a pouca quantia de ICMS Ecológico recebido é possível desenvolver ações como construção de bacias de contenção e cercar áreas com mananciais para evitar queimadas, além de sinalização das UCs, etc.

D)  Possibilidades de desenvolvimento valorizando a biodiversidade Em Chapada dos Guimarães o setor de serviços é o que mais contribui para compor o PIB total deste município que, em 2009, totalizou R$ 161.840.000,00. Na conjuntura da receita tributária própria, a arrecadação do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) tende a ser o que mais contribui para a receita municipal. Observa-se também que não há receita vinda da agropecuária ou indústria, ou seja, a rentabilidade constatada no setor de serviços está diretamente apoiada pelo fluxo do ecoturismo.

Gráfico 9: Retrato das atividades socioeconômicas de Chapada dos Guimarães

ICMS ECOLÓGICO

45%

37% 13%

Fonte: AMM, 2012.

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Agropecuária Indústria Serviços


Na superfície territorial de Chapada dos Guimarães, as áreas protegidas ocupam uma área significativa conforme atestado no gráfico 10.

Gráfico 10: Uso da terra em Chapada dos Guimarães 500.000,000 400.000,000 300.000,000 200.000,000 100.000,000 0,000

Área Protegida Agronegócio

Agricultura Familiar

Demais ocupações

Fonte: AMM, 2012.

A receita municipal tem girado em torno de R$ 30 milhões. As áreas protegidas estão contribuindo para compô-la, gerando recursos em torno de R$ 300 mil. Também poderia ser fonte de geração de emprego e renda potencializando a receita tributária por meio do ISSQN, investindo em serviços ecoturísticos.

IV. 2. A versão do ICMS Ecológico em Barra do Bugres

Município (ha)

536.080,73

Terra Indígena

Terra Indígena (ha)

Figueiras Umutina TOTAL

Extensão TI no município (ha) 2002 a 2007

2012

9.859

4.188

0

28.120

28.120

27.521,19

32.308

27.521,19

Tabela 9: Cadastro de Terra Indígena em Barra do Bugres. Fonte: SEMA 2008; 2013.

Conforme as informações da SEMA (2013), na atualização do cadastro diminuiu a extensão territorial da TI Umutina no município, bem como não aparece mais a TI Figueiras. Segue o gráfico 11 que retrata o histórico dos recursos de ICMS Ecológico recebidos por Barra do Bugres.

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GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

Barra do Bugres recebe ICMS Ecológico desde a implementação da Lei Complementar N° 73/2000 por conter em seu território TI. Inexiste UC no município. Segue a tabela 9 informando como tem sido o cadastro de área protegida, referência para o cálculo do critério UC/TI.


Gráfico 11: ICMS Ecológico recebido por Barra do Bugres de 2002 a 2012 300.000,00 250.000,00 200.000,00 150.000,00

Recurso de ICMS Ecológico recebido

100.000,00 50.000,00 0,00

Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

Apesar da oscilação de valores, é explicitada uma progressão da quantidade de recursos recebidos pela prefeitura: em 2002, um total de R$ 83.762,14 e, em 2012, o valor alcançou R$ 256.516,94. Observa-se também que neste período, de 2002 a 2012, não foi criada nenhuma UC no município, tampouco se fez presente alguma diferença nas políticas públicas voltadas a TI.

ICMS ECOLÓGICO

Segue a tabela 10, discriminando os valores em reais recebidos por Barra do Bugres neste período de 2002 a 2012.

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Ano

ICMS Ecológico recebido (R$)

2002

83.762,14

2003

105.245,34

2004

131.546,32

2005

137.175,13

2006

129.667,08

2007

138.661,36

2008

163.223,85

2009

176.238,88

2010

176.397,13

2011

223.207,07

2012

256.516,94

Tabela 10: ICMS Ecológico recebido por Barra do Bugres. Fonte: SEMA-MT 2008; 2013.


A)  Na dimensão da legislação municipal O que está atualmente “regulamentando” a destinação dos recursos do ICMS Ecológico é um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) originado do Ministério Público Estadual, da 1º Promotoria de Justiça Cível de Barra do Bugres, em abril de 2010. Nele é prescrito que a comunidade do povo Umutina deve elaborar um projeto a cada ano, assinado pelo cacique do povo, contendo objetivo, justificativa e viabilidade de custo. O prazo final fixado para envio do projeto é até o dia 31 de março de cada ano, a fim de que possa ser incorporado ao orçamento anual municipal. A condição da aprovação é respeitar a legislação ambiental existente, e não conceber que a prefeitura assuma responsabilidades com custeio permanentemente, mas envolvê-la na ampliação de uma ação socioambiental do povo. Foi definida a quantidade de até R$ 100.000,00 do montante do ICMS Ecológico recebido pela prefeitura, bem como a realização do depósito na conta da Associação Indígena Umutina. Este TAC atribui a responsabilidade à prefeitura e não ao prefeito na época em que foi assinado, posicionando a Prefeitura Municipal de Barra do Bugres como “compromitente”, o que garantiria a continuidade deste acordo aos futuros gestores públicos, repassando tal compromisso. É em termos de ICMS Ecológico que se constituiu este documento, salvaguardando a obrigação da comunidade do povo Umutina prestar contas deste recurso desenvolvendo um relatório financeiro. Antecipa-se que este TAC nunca foi incorporado pelos gestores públicos da prefeitura.

B)  Nuances da temática ambiental na gestão pública municipal

Uma possibilidade visada entre os gestores entrevistados é que as multas de passivos ambientais façam parte da receita municipal, entretanto, até então este recurso destina-se à SEMA, um órgão público estadual. Houve a consideração das grandes fazendas de canade-açúcar e de pecuária serem irregulares, desrespeitadoras de suas APPs e áreas de reserva legal, podendo culminar em geração de renda municipal por meio de multas. No mais, não enunciaram quaisquer planos de ação sobre os problemas ambientais locais. A entrevista com um promotor do Ministério Público do Estado (MPE) em Barra do Bugres contribuiu para levantar as principais ameaças ambientais no município. Entre elas foram apontadas a pesca predatória, bem como o desmatamento das APPs, envolvendo neste último os pequenos, médios e grandes produtores. É urgente o desenvolvimento de um programa para recuperar e restaurar as áreas degradadas, bem como superar a pesca predatória incidente inclusive dentro da TI Umutina. O presidente da câmara dos vereadores repetiu as mesmas questões acrescentando a diminuição dos recursos hídricos em decorrência dos mencionados passivos ambientais e das mudanças climáticas. Nesta visita ao MPE constatou-se que a equipe responsável pela elaboração do referido TAC não atua mais nesta localidade, os promotores são novos e desconheciam a política pública em torno do ICMS Ecológico. A oportunidade de divulgá-la desdobrou-se como uma contribuição desta pesquisa.

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GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

Em Barra do Bugres não há uma secretaria do meio ambiente específica, o que existe é a Secretaria de Indústria, Turismo e Ambiente. Apesar desses setores estarem reunidos numa mesma pasta, não existe um programa com ações ambientais ou uma ação que de fato articule todos estes assuntos. Os próprios gestores reconhecem este fato e determinaram a futura criação de um Departamento de Ambiente e Fiscalização anexado à prefeitura.


C)  A dimensão do controle social na gestão de políticas públicas No histórico da gestão pública da prefeitura municipal, é responsabilidade do poder executivo determinar a destinação dos recursos do ICMS Ecológico. Ainda assim, puderam ser reconhecidas expressões de participação social na gestão pública, notadamente das lideranças do povo Umutina. Mas a disponibilidade da prefeitura municipal realizar acordos com as lideranças indígenas oscila de acordo com o prefeito. Depende mais da subjetividade do gestor público que de uma posição política diante do tema ICMS Ecológico. O engajamento dos Umutina para acessar este recurso aconteceu na gestão do exprefeito Wilson Francelino de Oliveira (2008-2012). Registra-se que ele tinha proposto o repasse de R$ 5.000,00 mensais, o que somaria R$ 60.000,00 anualmente, sublinhando ainda que não seria exigida a elaboração de um projeto ou quaisquer planos de ação. A comunidade não aceitou. Relembra-se que no TAC o acordo firmado foi o de comprometer a prefeitura a destinar até R$ 100.000,00 por ano, desde que um projeto fosse elaborado sob a condição das diretrizes ambientais na legislação nacional. Este histórico foi relatado pelas lideranças indígenas durante as entrevistas obtidas em visita de campo a TI Umutina. Deve merecer atenção a maneira como a prefeitura tem conduzido a negociação e aplicação dos recursos ao não exigir a elaboração de um plano de ação, tampouco uma diretriz política associada ao orçamento da receita municipal. Também está ausente a discussão sobre uma prestação de contas. Tudo isso dificulta a possibilidade de um controle social público sobre as despesas da prefeitura. Este contexto evidenciou que somente as lideranças do povo Umutina exercitaram um controle sobre a política pública do ICMS Ecológico, e neste exercício reivindicaram o acesso à gestão de parte destes recursos a favor da TI Umutina, com apoio do MPE. O resultado desta reivindicação foi o TAC acima discutido. Porém, na prática efetiva, ele não está sendo realizado. A destinação dos recursos em foco ainda tem sido restrita à decisão do poder executivo. O poder legislativo não é ativo na tomada de decisão, não sendo este assunto pautado nas plenárias, conforme afirmou o presidente da câmara dos vereadores. Embora as audiências públicas sejam divulgadas, não há participação da sociedade civil, nem na discussão do LOA, nem noutras temáticas.

ICMS ECOLÓGICO

Na investigação sobre as despesas feitas com o ICMS Ecológico constatou-se que não há um plano orçamentário que isole este recurso vinculando-o a alguma ação: “não está vinculado ao plano”. Reapareceu aquela justificativa de que assim acontece porque “não há repasse específico do ICMS Ecológico, vem no geral do ICMS”. Na secretaria de finanças o gestor entrevistado avaliou que “tinha que ter uma conta específica do ICMS Ecológico” como condição para uma prestação de conta particularizada. Acrescentou ainda a dificuldade de fazer planejamento quando os valores oscilam muito. Ficou evidenciado que a prefeitura tem conhecimento da quantidade de recurso de ICMS Ecológico recebido.

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Em Barra do Bugres, esta quantia tem progredido alcançando em 2012 o valor de R$ 256.516,94. Por mês giraria um montante em torno de R$ 21.316,00. Foi revelado que a despesa desta receita está “diluída em tudo, saúde, educação e folha de pagamento”, o que definitivamente dificulta o exercício de um controle social sobre as despesas feitas com tais recursos.


D)  Possibilidades de desenvolvimento valorizando a biodiversidade Os gestores públicos de Barra do Bugres argumentaram que a parcela do ICMS Ecológico é insuficiente para elaborar um plano de ação ambiental, não se concretizando como um incentivo ao fortalecimento de área protegida, “não é incentivo, é pouco”, “se tirar não faz falta”. Segue abaixo o gráfico 12 retratando os impostos que mais contribuem para compor a receita municipal.

Gráfico 12: Retrato da receita municipal arrecadada de Barra do Bugres, 2012 IPVA ITR ICMS FPM Receita de Serviços Receita Patrimonial Receita Tributária 0,00

5.000.000,00

10.000.000,00

15.000.000,00

20.000.000,00

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É evidente a importância da contribuição do ICMS que, inclusive, supera o Fundo de Participação do Município. O percentual do ICMS Ecológico dentro do valor total do ICMS repassado ao município é 1,62, correspondente ao valor de R$ 256.516,94. Ele foi concebido como um incentivo ao apoio das áreas protegidas, especialmente à conservação da biodiversidade. O compromisso de incorporar a gestão ambiental na administração pública não está reduzido ao ICMS Ecológico, absolutamente. Trata-se antes de uma maneira de fazer política. Os gestores públicos reconhecem que se aumentasse a área de preservação, aumentaria proporcionalmente o índice UC/TI. Igualmente, calculam que se aumentasse a renda tributária, proporcionalmente elevaria a arrecadação do ICMS. O gráfico 13 retrata a arrecadação da receita tributária própria de 2012, evidenciando que o ISSQN é o que mais contribui para este índice da receita municipal.

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Fonte: Prefeitura Municipal de Barra do Bugres, 2012.


Gráfico 13: Receita tributária própria de Barra do Bugres CIP ITBI ISSQN IRRF IPTU 0,00

500.000,00 1.000.000,00 1.500.000,00 2.000.000,00 2.500.000,00 3.000.000,00

Fonte: Prefeitura Municipal de Barra do Bugres, 2012.

A partir de estudos da AMM (2009), observa-se a relação de continuidade com o fato do setor “serviços” contribuir em maior proporção com o PIB total do município11, conforme gráfico 14 abaixo.

Gráfico 14: Agropecuária, Indústria e Serviços no PIB de Barra do Bugres em 2009

44%

28% 19%

Agropecuária Indústria Serviços

ICMS ECOLÓGICO

Fonte: AMM, 2012.

O gráfico 15 retrata aspectos da despesa do município em 2012. É notável que os recursos da receita municipal têm sido destinados predominantemente à saúde, educação e às despesas administrativas. Considerando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) como uma transferência voltada à educação, é enfatizada a realidade de uma gestão pública que administra sua receita para a própria sustentabilidade. Entre outros setores, fica sinalizada a prioridade para o urbanismo. As ações para o saneamento ambiental são ínfimas.

11.  O PIB total em 2009 foi R$ 417.087.000,00.

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Gráfico 15: Despesa da receita municipal de Barra do Bugres em 2012 Desporto e Lazer Transporte Comércio e Serviços Agricultura Gestão Ambiental Saneamento Ambiental Urbanismo Educação Saúde Assistência Social Administrativa 0,00

5.000.000,00

10.000.000,00

15.000.000,00

20.000.000,00

Fonte: Prefeitura Municipal de Barra do Bugres, 2012.

É importante ressaltar que uma gestão ambiental não precisa imprimir-se como um programa isolado. Ele pode inscrever-se nas ações voltadas ao urbanismo, à educação, à saúde e à assistência social de maneira associada.

Entre os gestores foi reincidente a concepção de que convém à prefeitura elaborar um plano de gestão ambiental com o recurso de ICMS Ecológico, admitindo paralelamente que ela nunca teve tal iniciativa. Retoma-se a avaliação do presidente da câmara de vereadores de que o ambiente não é uma área prioritária na gestão pública local, igualmente não o é a cultura. Antepõem-se a saúde e a educação. Nesta localidade, as lideranças indígenas do povo Umutina desejam co-participar com a gestão dos recursos do ICMS Ecológico. É uma alternativa viável a ser incorporada na gestão pública. Poderia amadurecer quais seriam as diretrizes políticas para as ações apoiadas com o recurso do ICMS Ecológico em parceria com atores/instituições da sociedade civil, visando ao bem-estar coletivo e à qualidade socioambiental do município, bem como garantindo a devida atenção aos dispositivos legais vigentes que regulamentam o ICMS Ecológico em Mato Grosso. No contexto específico da receita municipal, poderia otimizar o setor “serviços”, potencializando a sua capacidade de arrecadação. Neste ponto particular, considerar como gerar emprego e renda nas ações socioambientais planejadas e outros serviços indiretos.

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Considerando o gráfico 15, destaca-se que nenhum gestor público mencionou a possibilidade deste recurso em foco imprimir-se nas despesas com urbanismo, assistência social, transporte ou comércio e serviços. Comumente, o destaque dado é a utilização deste recurso com despesas na saúde e educação, enaltecendo a insuficiência do recurso federal transferido, particularmente o Fundeb, bem como as altas despesas com hospitais.


IV. 3. A versão do ICMS Ecológico em Comodoro Comodoro recebe recursos de ICMS Ecológico baseado na presença de TI em seu território. Inexiste UC. Segue a tabela 11, informando as áreas protegidas cadastradas pela SEMA-MT.

Município (ha)

2.174.336

Terra Indígena

Terra Indígena (ha)

Enawene Nawe Lagoa dos Brincos Nambiquara Pirineus de Souza Vale do Guaporé TOTAL

742.089 1.845 1.011.961 28.212 242.593

Extensão TI no município (ha) 2002 a 2007 2012 135.648 136.446,96 1.845 1.776,38 1.011.961 1.007.823,50 28.212 28.399,81 186.270 189.888,25 1.363.936 1.364.334,90

Tabela 11: Cadastro de TIs de Comodoro pela SEMA-MT. Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

Cada vez mais fica evidenciada a oscilação do cadastro feito pela SEMA-MT, como já dito, decisivo para a fonte de cálculo do critério UC/TI, sobretudo enquanto política pública que privilegia a dimensão quantitativa. É sinalizada, ao longo do relatório, uma instabilidade de informações sobre a extensão territorial de município e de cobertura por terra indígena nele. A tabela 11 reitera este dado. Ademais, observa-se que neste período de 2002 a 2012 não foi criada nenhuma UC. Segue abaixo o gráfico 16 que retrata os recursos de ICMS Ecológico recebido por Comodoro no período de 2002 a 2012.

Gráfico 16: Recursos de ICMS Ecológico recebido por Comodoro de 2002 a 2012 3.500.000,00 3.000.000,00 2.500.000,00 2.000.000,00

Recurso de ICMS Ecológico recebido por Comodoro

1.500.000,00 1.000.000,00 ICMS ECOLÓGICO

500.000,00

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0,00

Fonte: SEMA-MT 2008; 2013.


Apesar da instabilidade, é notável a progressão da quantidade recebida de recursos do ICMS Ecológico ao longo do período entre 2002 a 2012. Segue abaixo a tabela 12, discriminando a quantidade de recursos recebidos a cada ano. Ano

ICMS Ecológico recebido (R$)

2002

1.104.812,32

2003

1.388.188,15

2004

1.735.067,85

2005

1.809.246,85

2006

1.819.964,89

2007

1.946.132,06

2008

2.290.882,19

2009

2.430.216,05

2010

2.373.723,64

2011

2.742.124,08

2012

3.134.593,87

Tabela 12: ICMS Ecológico recebido por Comodoro. Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

O percentual de Comodoro coberto pela TI Enawene Nawe é de 6,3%. Mas esta mesma TI estende-se por Juína (15,6%) e Sapezal (15,99%). Não se reconhece nenhuma iniciativa para um consórcio intermunicipal orientado à gestão ambiental de área protegida. O percentual de cobertura da TI Nambiquara em Comodoro é de 46,61%, e a TI Lagoa dos Brincos é de 0,08%. Em termos de unidade administrativa, é enfática a contribuição da TI Nambiquara para a conservação da biodiversidade do bioma Amazônia localmente em Comodoro.

Em Comodoro, é aprovado um convênio pela câmara dos vereadores que “Autoriza o Poder Executivo a celebrar Convênio com a Associação Indígena Enawene Nawe”. Não se trata de uma lei que regulamenta regras para destinação de recursos de ICMS Ecológico. Trata-se antes de um acordo que necessita ser renovado anualmente, reatualizando o diálogo com os prefeitos e os vereadores, submetido regularmente à aprovação em sessões da câmara e sanções dos prefeitos. É em termos de “convênio” entre prefeitura e Associação Indígena Enawene Nawe, sob a condição de existir personalidade jurídica, que acontece o acesso deste povo a recursos da receita municipal. É necessário sublinhar que em nenhum momento nas cláusulas deste convênio há a caracterização de que tais recursos referem-se ao critério UC/TI do ICMS Ecológico. A prefeitura “[...] abre Crédito Adicional Especial no valor de R$ 46.980,00, e dá outras providências”. É um valor anual. Entretanto, este acordo tornou-se existente no contexto em que este povo indígena passou a cobrar do poder executivo o repasse de parte dos recursos de ICMS Ecológico recebido pelas prefeituras, na medida em que concebem ter este direito. Paralelamente, os gestores públicos do poder executivo não apreendem que tais recursos repassados são especificamente do ICMS Ecológico. Assim, há uma contradição na dimensão da legislação municipal em Comodoro, tangente a este recurso, denunciando que não se trata efetivamente de uma política pública específica do ICMS Ecológico.

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A)  Na dimensão da legislação municipal


O repasse destes recursos é incorporado no PPA, na LDO e na LOA. Impõe-se a caracterização de “Contribuição Financeira à Associação Indígena Enawene Nawe”. São ações da Associação Indígena Enawene Nawe que têm o apoio destes recursos. Não é percebido como uma ação da prefeitura enquanto expressão de gestão ambiental ou cultural, pois é nomeado no item “Ação/Projeto” como “Assistência aos Povos Indígenas”. Já em 2013, uma nova faceta apareceu. Na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2013, esta despesa do convênio entre a Associação Indígena Enawene Nawe e a prefeitura reduz o valor ao órgão da Secretaria Municipal de Educação e Cultura para implantar Política de Educação Escolar Indígena, discriminando a despesa de R$ 36.980,00 com material de consumo e de R$ 10.000,00 com serviços de terceiros, totalizando o valor equivalente àquele crédito de R$ 46.980,00. É sinalizada uma confusão quando a atual prefeita reduz o valor deste “convênio” às referidas despesas com a educação, desdobrando dúvidas de como é feita a gestão do Fundeb. Percebe-se que a própria administração pública confunde e funde os recursos recebidos: ao invés de conquistar uma clareza de como é administrado o recurso do ICMS Ecológico, encontra-se com uma realidade de práticas bastante confusas. Evidencia-se que não há uma legislação que regulamente a destinação destes recursos em estudo. Em relação à etnia Nambiquara, inexistem quaisquer acordos que autorizem a celebração de “convênio” com este povo, ainda que suas lideranças também tenham solicitado parte dos recursos recebidos do ICMS Ecológico, o que reitera a perspectiva da ausência de uma política pública para a conservação das terras indígenas de um modo geral. É relevante registrar uma explicação sobre inexistência de uma lei municipal, dada por um vereador: “Você não sabe no orçamento do ano que vem como vai estar a margem. Na prefeitura tem muito isso, oscilam muito os repasses para fazer uma coisa fixa e a prefeitura depois não consegue cumprir. É muito mais difícil. É melhor fazer a coisa ano a ano dentro das condições orçamentárias porque você pode aumentar o valor ou diminuir”. Observa-se uma sobreposição da referência quantitativa, sem enunciar diretrizes políticas para a gestão pública dos recursos, sobretudo se pensarmos que no caso do ICMS Ecológico os valores oscilam menos, favorecendo a definição mais clara de critérios e percentuais possíveis para repasses.

B)  Nuances da temática ambiental na gestão pública municipal

ICMS ECOLÓGICO

Em Comodoro, os assuntos ambientais fazem parte da Secretaria de Agricultura e Ambiente. Há também um Conselho Municipal de Ambiente, e, conforme afirma o gestor da secretaria de finanças, ele está ativo.

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Para o ex-prefeito e o titular da pasta de finanças da atual gestão, o ICMS Ecológico contribui para a manutenção das terras indígenas, sendo visto como um mecanismo de mera compensação pela presença de áreas protegidas que incidem no município. Interpretam que, sem esta política pública, as áreas protegidas acabariam. Aqui, é imperativo esclarecer que as políticas públicas orientadas ao respeito, à criação, conservação e restauração de áreas protegidas são múltiplas, e não é o ICMS Ecológico o dispositivo legal que rege a existência de UCs e TIs. Vale destacar que historicamente a exploração de madeira deu origem a Comodoro, donde decorreram por décadas atividades de extração ilegal, inclusive dentro de áreas protegidas, como uma prática emblemática neste município. No entanto, o ex-prefeito e gestores públicos da atual gestão valorizam a supressão desta ilegalidade.


Por outro lado, em visita à câmara dos vereadores, constatou-se que os assuntos ligados à gestão ambiental não são priorizados nas pautas das plenárias, mas foram observadas algumas manifestações que sinalizam a consideração de aspectos ambientais, ainda que frágeis. Por exemplo, o paisagismo aparece valorizado como um investimento que poderia ser feito na cidade, mas a falta de recursos dificulta um engajamento a este empenho. Recentemente, manifestou-se o interesse em criar uma unidade de conservação. Envolve uma região onde se faz a captação de água para a cidade. Por ser área particular, o município comprou uma parte, porém está concedida a uma empresa privada. Adiciona-se outra área, cuja posse é de um sitiante, também preservada, onde existem nascentes. Almejam ainda criar um parque para recreação, turismo ecológico e estudos científicos, o que exige negociar com os proprietários envolvidos. Podemos perceber desse modo a ambiguidade presente neste contexto, onde de um lado está exposta a concepção da importância de ações voltadas ao meio ambiente e, de outro, o ICMS Ecológico é visto como compensação “por perda de áreas produtivas”. No entanto, estão explícitas as demandas que indicam o reconhecimento da qualidade de vida associada à qualidade ambiental reprimidas dos potenciais presentes no município.

C)  A dimensão do controle social na gestão de políticas públicas Quando foram investigadas as despesas com o recurso do ICMS Ecológico, notou-se a reincidência daquele argumento de que o recurso “não vem separado, vem na somatória do bolo”, sendo ele enunciado pelos diversos entrevistados na prefeitura e câmara dos vereadores de Comodoro. No entanto, constatamos que, diferentemente dos argumentos enunciados, os gestores municipais são cientes do valor do ICMS Ecológico recebido, na mediada em que são diretamente informados pela Sefaz e até mesmo pela AMM. Conforme já apresentamos, este recurso tem uma base de cálculo específica que resulta uma determinada quantidade identificável, mesmo sendo repassado ‘na somatória do bolo’.

A insistência em esboçar a dificuldade de delimitar a fronteira do ICMS Ecológico parecia uma justificativa para a prática de uma gestão pública que apreende o ICMS como um “bolão” e que, por sua vez, tem sido destinado às despesas de setores diversos, principalmente folha de pagamento. Aliás, em todos os municípios visitados, foi imperativa a realidade da folha de pagamento absorver mais que 50% das receitas municipais. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal não se pode encaminhar uma prestação de contas municipal cuja despesa com folha de pagamento exceda 54%. Ademais, foram reveladas outras despesas custeadas com a receita do ICMS como os aluguéis dos prédios ocupados para a oferta de serviços públicos, as contas de telefone, água, energia, combustível e para as empresas que prestam assessoria no ramo da informática, compra de patrimônio etc. Ao mesmo tempo os municípios somam dívidas, conforme o depoimento de um ex-gestor municipal. “Não se consegue desenvolver, fazer investimentos, asfaltar ruas. Também não sobra dinheiro para fazer a manutenção das estradas. O município faz o que é emergencial”. Ou seja, em termos de administração pública, a falta de recursos para investir em obras, manutenção de estradas de máquinas e no paisagismo é uma avaliação recorrente.

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Comodoro, particularmente, está entre os municípios que mais recebem, e o gráfico 16 mostra a tendência de um aumento progressivo desta cota, notadamente no período de 2008 a 2010. De acordo com um dos entrevistados: “Sobre o ICMS Ecológico de Comodoro eu posso dizer uma proporção, mas nunca posso dizer o valor exato porque ele é fechado à somatória do município”. A oscilação da receita municipal incide no conjunto de outros impostos. No ano de 2013 foi testemunhada uma baixa arrecadação por nota fiscal.


Nesta perspectiva de apreender o ICMS Ecológico como parte do bolão do ICMS e de outros impostos que compõem a receita municipal, foi identificado que o recurso em estudo também custeia despesas com educação. Ainda que o Fundeb seja destinado especificamente para as despesas nesta área, justificou-se a sua insuficiência. Segundo informações dos entrevistados, observou-se que a folha de pagamento da educação é uma despesa significativa. “Aí entra o ICMS Ecológico, o ICMS normal, o IPTU, o ISS, o ISSQN”. Tem sido recorrente o argumento de que recurso do Fundeb é insuficiente para cobrir todos os gastos da educação. Conforme já abordado, o percentual de Comodoro coberto pela TI Enawene Nawe é de 6,3% e pela TI Nambiquara em Comodoro é de 46,61%. Lideranças do povo Nambiquara há anos solicitam a gestão de parte da cota de ICMS Ecológico recebida por Comodoro. A prefeitura municipal não atende a esta demanda por compreender que as suas despesas contemplam as prestações de serviços públicos nas áreas da saúde e educação para os nãoindígenas e para os Nambiquara. Interpreta que a quantia de despesas para a oferta desses serviços públicos dentro da TI Nambiquara ultrapassa a quantia recebida de ICMS Ecológico. Além disso, a prefeitura se compromete com custos para as festas de menina-moça da cultura Nambiquara, apoiando a alimentação: “Isso é um custo muito alto e eles contam com o apoio da administração”, informou o secretário de finanças. A secretaria de finanças declarou que tal apoio permanece, e que duas vezes por ano a prefeitura contribui para a alimentação nesta festa tradicional. Em consonância a esta linha de pensamento, um vereador detalhou outras despesas realizadas junto ao povo Nambiquara, dizendo que os indígenas já são atendidos “com lotação de professores, com postos de saúde da cidade, estradas, ponte etc. O município ajudava a fazer inclusive a semana dos povos indígenas, da qual o povo Nambiquara participa”. Esse discurso veiculado através dos agentes da administração pública denota a institucionalização deste modo de pensar e agir. “Imagina separar, então, o valor que se gasta com saúde do índio, com escola e assim por diante. Eu acho que seria bem complexo”, questionou o ex-gestor. Ficou sinalizada uma avaliação positiva sobre o ICMS Ecológico ser administrado pela prefeitura municipal, e sob a condição de ser misturado no “bolão do ICMS”, destinado às despesas para o município como um todo. À opinião desta administração pública, pareceu ser indesejável que o ICMS Ecológico fosse um recurso com rubrica específica, porque, na visão deles, seria restrito às ações ecológicas, como contratação de ambientalista ou repasse de parte da cota à gestão dos indígenas. Contudo, reconhecem a contribuição do recurso para o município como um todo, notadamente para incrementar a receita destinada à folha de pagamento.

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Somente as lideranças dos povos Enawene Nawe e Nambiquara solicitaram a gestão de parte do recurso de ICMS Ecológico. O prefeito da gestão anterior é que fez a diferença em concordar com um pacto entre a Associação Indígena do povo Enawene Nawe e a prefeitura municipal, evidenciando, mais uma vez, que o poder executivo é imperativo na tomada desta decisão de negar ou aceitar o atendimento da demanda dos povos indígenas. A aprovação dos vereadores é decisiva também. Em Comodoro foi importante a influência de um vereador cuja trajetória profissional envolve o indigenismo. Em Comodoro, este fenômeno contribuiu para o evento do referido “convênio”, entretanto, não é explicativo do todo, haja vista a insatisfação do povo Nambiquara em não acessar parte do recurso, exercitando autonomia na gestão do mesmo. Na gestão atual, o pacto com o povo Enawene Nawe foi renovado, sem resistência dos poderes executivo e legislativo.

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Ainda que se reconheça a participação do poder legislativo na tomada de decisão, destaca-se que a mesma depende de uma posição anterior por parte do poder executivo. É entre as lideranças indígenas e o prefeito que se iniciam as negociações em primeiro plano. A posição política do prefeito é decisiva para a posterior inclusão da pauta e participação dos vereadores. Mas a força que impulsiona as perspectivas de atuação dos poderes estatais é a presença das lideranças indígenas exprimindo os seus interesses societários. A iniciativa, portanto, não tem partido dos gestores públicos.


O argumento adotado pelo prefeito visando ao apoio dos vereadores à demanda do povo Enawene Nawe é “que o município de Comodoro nunca tinha tido nenhuma despesa com eles”. A distância da localização da TI Enawene Nawe associada à falta de suporte administrativo lá ofertado pela administração pública foi a justificativa para a celebração do “convênio”. O valor repassado ao povo Enawene Nawe alcança mais de R$ 40 mil e não é apreendido pelos gestores públicos como parte de um programa do ICMS Ecológico, mas sim como apoio financeiro dado ao povo. Eles entendem que as despesas são para “a questão dos peixes, e ferramentas para a roça”. Particularmente, em Comodoro, afirmou-se que este povo teve dificuldade de prestar conta, documentando as despesas feitas, mas conseguiu com apoio de técnicos. Conforme exposto, o povo Nambiquara tem ciência do ICMS Ecológico, mas soube da existência desta política pública depois de muito tempo de sua implementação em Comodoro. Quem informou sobre ela foi a equipe do CIMI, enfatizando a finalidade de preservar o ambiente. A inexistência de um projeto societário definido desmobilizou as lideranças a pressionarem tão logo a prefeitura. Este povo também tem ciência de que o povo Enawene Nawe acessa uma fração deste recurso com o interesse de fortalecer os seus costumes. Por este povo não votar em Comodoro, as lideranças Nambiquara questionam o acesso dele a um recurso da receita municipal, denunciando o fato de que Nambiquara vota e não acessa diretamente parte deste recurso. Desde quando as lideranças iniciaram a solicitação de 35% do ICMS Ecológico recebido, os prefeitos alegam que “não há lei que obriga”, defendendo-se: “Fazemos despesas para o conserto da estrada e oferta de ônibus escolar dentro da terra indígena”. Esta conjuntura alterou a motivação dos Nambiquara pelo acesso ao recurso sob a perspectiva das suas associações realizarem a gestão da saúde, educação e estrada. Creditam capacidade de gestão às suas associações, diferente dos gestores públicos que os desqualificam. Paralelamente, as lideranças indígenas questionam a prestação de conta dos gestores públicos sobre as despesas com saúde e educação. Elas, inclusive, manifestaram interesse numa gestão participativa, acompanhando a prestação de conta dos recursos públicos.

As lideranças Nambiquara avaliaram que desde a fundação de Comodoro nunca aconteceu um atendimento com qualidade nas áreas de saúde e educação: “A escola nambiquara municipal não tem prédio próprio, o atendimento à saúde é precário, até mesmo na cidade”. Sobre a saúde indignaram-se: “Já pagamos hospital particular, é difícil acessar o SUS, tem muita burocracia”. Destaca-se a enunciação de um líder: “Tem que tratar dos corpos da gente e das árvores também, se não cuidar das árvores elas também morrem”, revelando outra concepção de saúde na qual se inscreve a dimensão ambiental. São várias as demandas apresentadas para apoio com recursos do ICMS Ecológico. Entre elas destacam-se o fortalecimento das cerimônias tradicionais, fortalecimento da associação indígena, construção de registros das expressões tradicionais, fiscalização territorial e prática da medicina tradicional. Lideranças nambiquara argumentaram que as festas sagradas, da menina-moça e da pajelança interconectam pessoas dos vários grupos como Halotesu e outros. Os custos com combustível e alimentação são altos, dada a participação dos convidados de outras aldeias, adicionando ainda o deslocamento de veículos para buscar os pajés. Quanto à fiscalização territorial, explicaram: “Nossa terra é muito grande, para a comunidade fiscalizar necessita de combustível e outros materiais. Na fiscalização acontece também a caça e pesca. Ao mesmo tempo que caça, fiscaliza”.

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Uma liderança testemunhou que o ex-prefeito “prometeu na campanha eleitoral criar uma lei para destinar o ICMS Ecológico aos indígenas”. Na atual gestão, o prefeito ameaça: “Se repassar o recurso para a associação, a prefeitura vai abrir mão de trabalhar para a saúde, educação, pagar salário aos professores e estrada”.


No conjunto, configura-se um programa de ICMS Ecológico a ser assumido pelas várias associações indígenas do povo Nambiquara. Além da perspectiva do recurso poder ser aplicado no fortalecimento cultural e territorial de modo associado, acrescenta-se a argumentação deles de que as terras indígenas do município beneficiam a comunidade como um todo, na medida em que o ecossistema conservado nelas influencia positivamente a qualidade do ar e da água de toda a região.

D)  Possibilidades de desenvolvimento valorizando a biodiversidade O aumento da receita municipal foi discutido como uma alternativa para favorecer despesas com aquelas demandas que o município encontra limitações para administrar. O ex-prefeito destacou que isso poderia ser viabilizado pelo Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) arrecadado, já que ele é totalmente destinado à receita municipal, mas a estimativa da quantidade da sua contribuição é sempre refratária à realidade porque é costume social sonegar este imposto. Uma alternativa vislumbrada foi elaborar um projeto de lei que autorizasse a prefeitura municipal multar o sonegador no Serasa ou terceirizar o IPTU para um banco, garantindo a ele 30% do valor. Foi feita uma pesquisa no TCE-MT para acessar mais informações sobre a receita tributária do município e dos demais impostos que compõem a receita municipal como um todo. Curiosamente, não havia a identificação do que era ICMS. É fundamental a transparência desta informação, a fim de mostrar qual é a quantidade específica do imposto, ainda mais quando se trata do contexto da legislação estadual do ICMS Ecológico. A consulta aos dados oferecidos pela SEMA-MT (2012) superou tal dificuldade. Constatou-se que de fato a arrecadação de IPTU é muito baixa em Comodoro, observando conjuntamente que o ISQN tem grande importância na composição da receita tributária municipal. Retratando tal conjuntura, segue o gráfico 17.

Gráfico 17: Amostra da receita municipal de Comodoro em 2012 ICMS FPM ITR CIP ITBI

ICMS ECOLÓGICO

ISQN

70

IPTU 0,00

2.000.000,00 4.000.000,00 6.000.000,00 8.000.000,00 10.000.000,00 12.000.000,00

Fonte: TCE-MT, 2013; SEMA-MT, 2012.


Observa-se a expressividade do ICMS na composição desta receita, bastante próxima do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A porcentagem do ICMS Ecológico dentro do valor total de ICMS repassado ao município foi 30,74 em 2012. Por sua vez, é evidente e expressiva a contribuição do ICMS Ecológico na receita municipal de Comodoro. Os estudos da AMM (2012) mostram que o setor “Serviços” contribuiu em maior proporção com o PIB total do município (R$ 232.122.000,00), o que tem relação com a expressividade do ISQN.

Gráfico 18: Agropecuária, Indústria e Serviços no PIB de Comodoro em 2009

47%

37% 9%

Agropecuária Indústria Serviços

Fonte: AMM, 2012.

Na secretaria de finanças foi caracterizada a existência de dois laticínios no município, ressentindo a ausência de fábricas, destacando a necessidade de desenvolver a economia local. O gestor público desta secretaria avalia que o agronegócio e a pecuária praticada na superfície territorial do município não contribuem para a receita tributária local porque as rendas por eles geradas acontecem fora do município, que não sedia frigorífico. Parece oportuno desenvolver agroindústrias associadas à biodiversidade regional, pois em Comodoro há 11 projetos de assentamento (PAs) e a agricultura familiar, tendo sido valorizados pelos gestores na secretaria de finanças como passíveis de gerar serviços e tributos para o aumento da receita municipal. A apicultura, a pecuária de leite, as frutas e as feiras ganharam visibilidade em seu enunciado. Contudo, vislumbrou-se a perspectiva de fomentar a agricultura familiar e a produção leiteira na gestão pública, bem como de pactuar parcerias entre prefeitura e os PAs. Em Comodoro, a agricultura familiar é responsável pela produção de alimentos e a diversidade na produção é uma relevante característica.

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

71


Gráfico 19: Produção agrícola em Comodoro em 2012

Extensão Territorial (ha) Milho Soja Algodão Café Mandioca Feijão Arroz 1900ral

1927ral

1954ral

1982ral

2009ral

2036ral

Fonte: IBGE, 2012.

O gráfico 19 retrata uma amostragem do cenário agrícola no município, possibilitando visualizar uma concentração de terra destinada ao agronegócio que, além de se constituir como um modo de produção de alto impacto ambiental, não contribui para o desenvolvimento social e econômico local. Em contrapartida, a agricultura familiar realiza uma diversificação na produção, colaborando para a alimentação da população. Fomentar a gestão pública a investir na agricultura familiar significa incentivar um modelo de desenvolvimento econômico de baixo impacto. Neste particular, pode-se apontar aplicações possíveis dos recursos do ICMS Ecológico como fomento à agricultura familiar. Banana, laranja, limão, manga, maracujá são frutas valorizadas localmente. Tal fato denuncia que a biodiversidade está sendo desconsiderada para uma agroindústria local intercalada com o agroextrativismo. As terras indígenas e o conhecimento de quem nelas habita podem contribuir muito neste aspecto.

ICMS ECOLÓGICO

Em Comodoro, o ICMS Ecológico não é destinado a um programa de gestão ambiental pública. Mesmo assim, sob o ponto de vista dos gestores públicos, ele alcança o objetivo de conservar a terra indígena. Na opinião do ex-prefeito, “se não houvesse o ICMS Ecológico, com certeza estas áreas estariam ocupadas ou desmatadas, não teria justificativa nenhuma para evitar este desmate”. E continua: “Só na lei não se garante a floresta em pé. Avaliam em geral que o ICMS, por menor que seja, tem uma função, é um argumento para manter a floresta em pé”.

72


IV. 4. A versão do ICMS Ecológico em Brasnorte Os recursos recebidos por Brasnorte se baseiam em TIs. Inexiste UC. Segue abaixo a tabela 13, que identifica aquelas cadastradas para o cálculo do critério UC/TI pela SEMA-MT.

Município (ha)

Irantxe Manoki Erikbaktsa Menku

1.595.933

Extensão TI no município (ha)

Terra Indígena

Terra Indígena

(ha)

2002 a 2007

2012

45.555 252.000 79.935 47.094

45.555 -79.935 47.094

45.465,63 205.884,91 80.959,32 44.900,93

172.584

377.210,79

TOTAL

Tabela 13: TIs cadastradas pela SEMA-MT. Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

A ampliação da TI Irantxe possibilitou um significativo incremento nos recursos do ICMS Ecológico em Brasnorte. Segue o gráfico 20 retratando o histórico dos recursos recebidos por este município no período de 2002 a 2012.

Gráfico 20: Recurso de ICMS Ecológico recebido por Brasnorte entre 2002 a 2012 1.200.000,00 1.000.000,00

73

800.000,00 600.000,00 400.000,00 200.000,00

2012

2011

2010

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

0,00

Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

O acréscimo de 205.884,91 ha ao cálculo do critério UC/TI, devido ao reconhecimento oficial da TI Manoki, demarcada em 2008, ocasionou proporcionalmente um incremento significativo na receita municipal de Brasnorte, conforme apontado no gráfico 20, notadamente nos anos 2011 e 2012, quando esta TI é cadastrada pela SEMA-MT. A tabela 14 identifica os valores de cada ano, explicitando uma margem em reais de acréscimo em torno de R$ 870 mil comparando os dados de 2002 e 2012.

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

Recurso de ICMS Ecológico recebido por Brasnorte


Ano

ICMS Ecológico recebido (R$)

2002

190.217,35

2003

239.008,11

2004

298.733,01

2005

311.500,20

2006

313.745,58

2007

335.502,12

2008

394.929,59

2009

402.608,22

2010

400.004,20

2011

911.936,87

2012

1.056.287,23

Tabela 14: Incremento na arrecadação em Brasnorte. Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

As TIs presentes em Brasnorte possuem a totalidade de sua área unicamente neste município, tornando enfática a necessidade do compromisso do poder público local no sentido de desenvolver um plano de gestão ambiental considerando-as.

A)  Na dimensão da legislação municipal

ICMS ECOLÓGICO

Em Brasnorte inexiste uma lei municipal que regulamente a destinação dos recursos do ICMS Ecológico. É em termos de “convênio” entre a prefeitura e as associações indígenas que se realiza a destinação de parte do recurso do ICMS Ecológico, posterior à aprovação do mesmo pelos vereadores. Os poderes executivo e legislativo participam da tomada de decisão sobre os indígenas acessarem parte dos recursos da receita municipal. Aconteceram experiências de convênios assinados com os povos Rikbaktsa e Manoki, salvaguardando experiências de repasse para o povo Myky também. O convênio é resultado de um acordo mútuo entre a “concedente” (prefeitura) e a “convenente” (associação indígena) com prazo de um ano. Precisa, portanto, ser anualmente renovado, o que depende de reatualizar um acordo e, sobretudo, da exigência de apresentação de um plano de trabalho por parte da associação. A diretriz desse plano é a preservação natural da TI e fortalecimento cultural do povo indígena desta TI. A prestação de conta dos recursos recebidos é uma condição básica para renovar o convênio. Ela é submetida ao setor contábil da prefeitura e precisa ser aprovada, o que permite a fiscalização da prefeitura sobre a aplicação desses recursos públicos pela associação. Além das informações financeiras, é cobrado um relatório de atividades, ambos previstos pelo plano de trabalho apresentado. As experiências tidas com as associações indígenas demonstram que o valor recebido por cada uma gira em torno de R$ 15 mil no total.

74

O Convênio 014 de 2011 é exemplo de um acordo entre Prefeitura de Brasnorte e a Associação do Povo Indígena Rikbaktsa. A cláusula primeira esclarece que se trata de “repasse de recursos para apoio financeiro ao povo Rikbaktsa na conservação de seu território através de um programa com ações voltadas para a capacitação indígena e a proteção do patrimônio cultural e natural da Terra Indígena Erikbaktsa do Povo Rikbaktsa (ICMS Ecológico)”. Há a explicitação no convênio de que se trata de uma destinação de parte dos recursos de ICMS Ecológico e, também há a compreensão de que ela é aplicada especificamente em ação para a conservação de terra indígena.


O Termo de Convênio N° 014 de 2012 é um acordo renovado entre a prefeitura e a Associação Indígena Watoholi, do povo Manoki. Na cláusula primeira está escrito: “Constitui objeto deste Convênio o apoio financeiro ao povo Indígena Irantxe/Manoki na conservação de seu território através de um programa com ações voltadas para a capacitação indígena e a proteção do patrimônio cultural e natural da Terra Indígena Irantxe”. Neste caso não há a caracterização de que este apoio financeiro seja proveniente do ICMS Ecológico. Ainda assim, os gestores públicos apreendem que o repasse deste recurso é destinado para a conservação de TI. Os recursos são repassados para uma conta específica do convênio. Fica salvaguardado que, na execução do plano de ação, não se pode gerar encargos de qualquer natureza à prefeitura. Outra questão bastante significativa é que a despesa é parte da dotação orçamentária da Secretaria Municipal de Esporte, Turismo e Meio Ambiente de Brasnorte. No convênio há ainda cláusulas que detalham sobre a prestação de contas, as penalidades, a fiscalização e outras salvaguardas. Observa-se que o convênio é realizado com a associação indígena, sendo necessário, portanto, ter personalidade jurídica. Outro fator é que para cada associação indígena de um povo há um convênio distinto, específico, pois se trata de um acordo entre duas partes, a “concedente” e a “convenente”. Este referido documento leva a assinatura do prefeito e do presidente da associação indígena. Brasnorte, contudo, difere dos municípios anteriormente estudados, uma vez que apresenta um mecanismo de acessar os recursos do ICMS Ecológico que envolve o poder executivo e o legislativo na tomada de decisão, definindo talvez um modelo a ser aprimorado, referência importante para as possibilidades de uma gestão participativa desse recurso.

Em Brasnorte, não há uma secretaria exclusiva do meio ambiente. Este assunto é parte da secretaria de agricultura e desenvolvimento agrário, na qual inexiste um orçamento vinculado a quaisquer ações ambientais. Neste município, impõem-se os passivos ambientais nos imóveis rurais particulares, bem como a incidência de pressões e ameaças às TIs, destacando o extrativismo ilegal madeireiro. Tais eventos atestam uma gestão pública que não articula desenvolvimento agrário e conservação da biodiversidade. Recentemente foi contratada uma funcionária para supervisionar ações no meio ambiente. Ela mesma avaliou o fato como uma novidade na história da prefeitura municipal, sinalizando uma fase embrionária da gestão ambiental municipal. Mas até então não há um programa elaborado. É vislumbrada a criação de uma secretaria de ambiente e turismo para o ano de 2014, mas esta iniciativa é compreendida como resposta à exigência da SEMA e do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), segundo os gestores entrevistados. Tais órgãos estão cobrando um plano de ação ambiental. Entre as ameaças e pressões à biodiversidade conservada, os gestores municipais entrevistados destacaram as queimadas e o desmatamento irregular. O reflorestamento de nascentes e pequenos córregos existentes no município foi apontado como uma ação prioritária, envolvendo as APPs dos imóveis rurais. O saneamento ambiental foi avaliado

75

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

B)  Nuances da temática ambiental na gestão pública municipal


negativamente em função da inexistência da coleta seletiva de lixo e da falta de um escoamento dos resíduos sólidos. No contexto das TIs, porém, nenhuma pressão ou ameaça foi considerada, nem mesmo valoriza-se a importância da biodiversidade conservada nas TIs no município. O campo de visão restringiu-se ao universo das APPs e saneamento ambiental. Informaram que existe um conselho municipal de ambiente, mas que está desativado. Em Brasnorte não há UC, somente TI. Sublinha-se o enunciado espontâneo do interesse em criar uma UC municipal pública, cogitando uma área de aproximadamente 10 ha, valorizando-a por conter nascente. Conforme já demonstramos, as possibilidades de aplicação dos recursos oriundos do ICMS Ecológico são abrangentes, contemplando tanto as demandas urbanas, rurais e demais áreas protegidas incidentes nos municípios.

C)  A dimensão do controle social na gestão de políticas públicas Como não há uma lei municipal que regulamente a destinação do recurso do ICMS Ecológico, os entrevistados indígenas alegam que é “preciso ir ao gabinete e cobrar”. O exercício do controle social sobre esta política pública específica tem sido feito somente pelas lideranças indígenas das etnias existentes no município: Myky, Manoki, Rikbaktsa e não pelos munícipes não indígenas. Nem mesmo na câmara dos vereadores o ICMS Ecológico é de domínio público. Alguns vereadores o desconhecem. Para adensar o quadro, assuntos relacionados à ecologia não são pautados nas plenárias, tampouco se constituem como alvos de ações na LOA, reiterando a fragilidade de uma gestão ambiental no município, conforme discutido anteriormente. Considerando a dimensão da legislação municipal em Brasnorte, evidencia-se uma ambiguidade porque o poder legislativo é quem aprova o convênio entre a prefeitura e associação indígena, e, ainda assim, assiste-se a uma repercussão limitada desta política pública. Efetivamente, o “convênio” envolve mais expressivamente o poder executivo e as lideranças indígenas. Ficou evidente que os vereadores não têm muito controle deste fenômeno, só entram em cena para aprová-lo numa sessão anual sem que daí derive uma pauta ambiental mais expressiva e permanente no âmbito legislativo.

ICMS ECOLÓGICO

Registra-se ainda o depoimento de uma liderança Manoki sobre o posicionamento dos vereadores na aprovação dos convênios, que “nunca tiveram resistência”. É diferente dos gestores do poder executivo que acompanham a prestação de conta. Nesta oportunidade, adiciona-se o agravante de que nem sequer esta tarefa feita pelas associações indígenas é incorporada na prestação de conta municipal enviada ao Tribunal de Contas do Estado. Revela-se uma faceta do ICMS Ecológico que compromete o controle social das despesas feitas com este recurso.

76

Os gestores públicos do poder executivo informaram que as despesas deste recurso referem-se a compra de barcos, material de pesca e combustível, mas não foi pronunciada a diretriz política subjacente a tais despesas que, sob o ponto de vista das lideranças indígenas, destina-se à fiscalização territorial. Ficou sinalizada a compreensão de que os recursos são para os povos indígenas, de acordo com as suas necessidades, e o combustível tem sido aquela mais destacada. Sobrepôs-se a finalidade dos recursos para consumo de bens. Neste sentido, o ICMS Ecológico não se realiza na percepção dos gestores como fortalecimento da biodiversidade nas terras indígenas.


O que foi enfatizado pelo poder executivo é a necessidade da prestação de conta como condição à renovação, exprimindo, por sua vez, um controle dos gestores sobre um recurso público. Tem afinidade com a argumentação de uma liderança Manoki de que “o prefeito não questiona nada, só questiona a prestação de conta”. No caso do povo Manoki, em particular, desde 2009 a continuidade do repasse, sob a elaboração de um novo projeto, foi temporariamente interrompida pela dificuldade da associação indígena inicialmente em prestar contas. Somente em 2013 foi regularizado este problema, o que possibilita o envio de um novo projeto para o próximo ano. A Operação Amazônia Nativa (OPAN), por desenvolver um programa de ação indigenista junto aos povos regionais, favoreceu a articulação entre as associações indígenas e a prefeitura municipal para o acesso a parte do ICMS Ecológico recebido, constituindo-se também como sujeito ativo no controle social. Sobre os primeiros acordos, segundo o relato de uma liderança Manoki, os indígenas tinham proposto inicialmente o acesso à quantia de R$ 30 mil, recusado pelo ex-prefeito. O resultado da “negociação” foi a redução drástica para R$ 10 a 15 mil. Nesta dimensão do controle social, observou-se outra ambiguidade: representantes da associação Manoki não sabem quanto o município recebe de ICMS Ecológico, sendo dependentes da informação oferecida pela equipe da OPAN. Em Brasnorte foi reincidente o argumento de que o recurso do ICMS Ecológico “não vem separado, vem junto no repasse do ICMS”, conforme a secretaria de finanças. Esta é outra ambiguidade, porque os gestores do poder executivo sabem sobre a cota do critério UC/TI de Brasnorte. Eles buscam a informação por meio da Funai. Nesta administração pública municipal apareceu a compreensão de que a Funai informa para a AMM e esta última às prefeituras. Nem sequer a SEMA e a Sefaz foram consideradas na narrativa dos gestores entrevistados de como a prefeitura de Brasnorte verifica a quantia da parcela recebida.

O argumento nos remete ao recurso federal da educação que compõe a receita municipal para estas despesas enunciadas pelos gestores. Tem sido recorrente, portanto, esta justificativa de que os recursos do ICMS Ecológico custeiam despesas da saúde e educação, porém as mesmas possuem receitas próprias, pondo em relevo as fragilidades na relação entre receita e despesa municipal, bem como na própria administração pública. Enfim, na dimensão do controle social, é ausente a experiência de lideranças de outros grupos sociais do município demandar um programa ambiental na gestão pública. Os povos Myky, Manoki e Rikbaktsa têm conhecimento desta política pública estadual, e eles participam da gestão de parte deste recurso visando ao fortalecimento de suas áreas protegidas. Conforme abordado acima, até então, os povos Manoki e Rikbaktsa conquistaram o acesso regular ao recurso, diferente do povo Myky, que experimentou o repasse somente duas vezes. O povo Manoki tem a intenção em mobilizar lideranças Rikbaktsa e Myky para atualizarem os acordos com a prefeitura municipal, revisando o valor.

77

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

Em entrevista, testemunhou-se uma insatisfação de alguns gestores públicos com esta prática argumentando que “acaba gastando mais do que arrecada do ICMS Ecológico”, considerando as despesas que a prefeitura municipal tem com todos os povos. Neste particular foram destacadas as construções de escolas indígenas e de postos de saúde, além da folha de pagamento dos professores indígenas. Em visita ao posto do Distrito Sanitário de Saúde Especial Indígena (DSEI Cuiabá) foi afirmado que o município não administra o recurso para a saúde indígena há mais de dois anos. Nesta área, o município tem despesa eventual quando o atendimento médico acontece na cidade e não na aldeia.


D)  Possibilidades de desenvolvimento valorizando a sociobiodiverside Sob o ponto de vista do povo Manoki, o recurso do ICMS Ecológico é apreendido como apoio à fiscalização da terra indígena e também dos aspectos culturais, que igualmente a fortalecem. Conquistou com o poder executivo municipal a gestão sobre uma pequena parte do índice recebido pelo município, sendo ela em torno de R$ 10 mil. Esta quantia contemplou as despesas para o combustível e, circunstancialmente, para a manutenção dos veículos necessários ao deslocamento dentro da terra indígena visando à vigilância territorial. Pretendem alterar o projeto enviado à prefeitura, idealizando os recursos do ICMS Ecológico para fortalecer também a roça e continuar apoiando as festas culturais, pois são ações por eles compreendidas como intrínsecas ao manejo e conservação ambiental. Para o povo Myky, o recurso do ICMS Ecológico é visado, sobretudo, para vigilância territorial. Isso justificou as despesas feitas com os dois repasses já tidos, o primeiro de R$ 15 mil e o segundo de R$ 7 mil. Eles eram para a fiscalização territorial e gestão ambiental da sua área protegida. Um deles previa a abertura de picadas, a sinalização com placas e também a abertura de roças nas regiões limítrofes. A parte do recurso do ICMS Ecológico solicitada seria para as despesas com gasolina, óleo náutico e motor de popa, mas “por que eles não aprovam?”, questiona a liderança Myky. Outro projeto envolvia a parceria com o Ibama para uma capacitação contra as queimadas. Ainda teve um voltado para a criação de mudas destinadas ao reflorestamento de regiões desmatadas. Desde a gestão anterior até a atual, os projetos da Associação Myky têm sido reprovados, pondo em relevo a ambiguidade inscrita na dinâmica destes “convênios” assinados. Sob o ponto de vista dos povos indígenas, há a clareza da diretriz política voltada ao fortalecimento socioambiental. Entretanto, este significado não parece configurar-se como uma expressão política compreendida pela gestão pública da prefeitura municipal, afinal, segundo os depoimentos dos entrevistados de forma geral, a prestação de contas torna-se o elemento central valorizado no repasse e não suas diretrizes. Assim, é enfática a fragilidade de uma política de gestão ambiental.

ICMS ECOLÓGICO

Em Brasnorte, portanto, os povos Myky, Manoki e Rikbaktsa querem participar da gestão de parte deste recurso, uma oportunidade que poderia ser melhor incorporada pela administração municipal. Entretanto, do ponto de vista dos gestores públicos, eles prefeririam que tais recursos pudessem ser integralmente investidos na própria máquina pública para custear, por exemplo, as despesas do departamento do meio ambiente. Notamos assim, neste aspecto, a recorrência da intenção dos gestores municipais em converter os recursos do ICMS Ecológico em folha de pagamento e não em ações ecológicas propriamente ditadas na lei.

78

Disso decorre a concepção permanente do ICMS Ecológico como compensação por não produzir nas áreas protegidas e sob esta dimensão o recurso é insuficiente diante do tamanho da área preservada. A referência para avaliar a importância do recurso é o cálculo do valor da produção que poderia ser realizada na área protegida, apreendida como sinônimo de área improdutiva, mesmo que os próprios gestores reconheçam que a receita não se altera localmente em função deste modelo de atividade produtiva. Segundo os estudos da AMM (2012), a agropecuária é a atividade econômica que mais contribui para o PIB total do município que, em 2009, alcançou R$ 399.422.000,00.


Gráfico 21: Agropecuária, Indústria e Serviços no PIB de Brasnorte em 2009

38%

Agropecuária

47%

Indústria

5%

Serviços

Fonte: AMM, 2012.

Porém, comparativamente, é menor que o município de Barra do Bugres, tendo sido ele de R$ 417.087.000,00, em 2009. Curiosamente, a extensão territorial de Brasnorte é de 1.595.933 ha. O total das áreas protegidas é de 377.210,79 ha. Este tamanho, por sua vez, é menor que a área total de Barra do Bugres. A informação sinaliza a “insustentabilidade” de culpar as áreas protegidas pelo comprometimento de um desenvolvimento econômico.

Em termos de administração pública, vale notar também, conforme já assinalado, que a agropecuária não arrecada recursos para a receita municipal. 79

Gráfico 22: Amostragem da receita municipal de Brasnorte em 2012

FPM Receita Patrimonial ISQN IPTI IPTU 0,00

4.000.000,00

8.000.000,00

Fonte: TCE-MT, 2012.

12.000.000,00

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

ICMS


Diferente dos municípios anteriormente estudados, o ISQN não é o imposto mais arrecadado na receita municipal, deixando explícita a relevância do ICMS e do FPM para a administração pública. O percentual do ICMS Ecológico dentro do ICMS repassado para Brasnorte é 8,73, correspondente ao valor de R$ 1.056.287,23. Esta quantia, por sua vez, supera a arrecadada pelo IPTU, ISQN, Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), a Receita Patrimonial e outros. Ainda assim, a política pública do ICMS Ecológico foi desvalorizada por alguns gestores. Foi feita uma comparação com a receita municipal de Campo Novo do Parecis, já que este município possui uma extensão territorial menor que Brasnorte e uma receita municipal maior. Na interpretação deste fenômeno foi destacada a inserção no bioma Cerrado, onde se legitima a produção em 65% da área, praticando um desmatamento em área mais ampla. Também se considerou a existência de somente uma terra indígena. Expressou-se o ideal de que fosse maior o percentual de ICMS Ecológico como compensação por não produzir nas áreas protegidas, delimitando as possibilidades de alternativas para a geração de renda, trabalho e arrecadação a fim de qualificar a administração pública local. Alegou-se que é importante a conservação da biodiversidade, e que isso se realizaria na APP e reserva legal (RL) sem limitar o tamanho da área para a produção, pois, segundo técnicos da prefeitura, “para ter preservação, o índice deveria ser maior”. Brasnorte está inserido no bioma Amazônia, desdobrando outra perspectiva desfavorável ao apoio às TIs, porque, de acordo com o Código Florestal Brasileiro, a área permitida para a produção é bastante menor: 20%. Os demais 80% devem ser conservados. Sob este ponto de vista, fica potencializado o significado de área improdutiva. De modo ambíguo, asseguraram a biodiversidade que se imprimiria na APP e RL, “mesmo não havendo UC e TI seriam preservados os 80% devido ao Código Florestal, por força de lei”, conforme atestam os próprios gestores entrevistados.

ICMS ECOLÓGICO

Subjacente a esta abordagem encontrou-se com a retomada do Programa Polonoroeste, do governo desenvolvimentista, nos anos 70, ressentindo uma contradição entre o desmatamento que foi incentivado para a agropecuária e a atual política pública favorável à conservação da biodiversidade. Fica retratada a relação de exclusão entre área protegida e desenvolvimento econômico neste ponto de vista entre os gestores públicos de Brasnorte.

80


IV. 5. A versão do ICMS Ecológico em Sapezal Sapezal recebe recursos de ICMS Ecológico baseado em TIs. Inexiste UC. Segue a tabela 15 identificando as TIs conforme o cadastro da SEMA-MT.

Município (ha)

Extensão TI no município (ha)

Terra Indígena

Terra Indígena (ha)

Enawene Nawe

742.089

215.728

215.455,02

Tirecatinga

130.575

130.575

130.024,24

Utiariti

412.304

134.526

135.598,64

480.829

481.077,90

1.359751

2002 a 2007

TOTAL

2012

Tabela 15: Cadastro das TIs em Sapezal pela SEMA-MT. Fonte: SEMA-MT, 2008; 2013.

É curioso observar novamente a variação da extensão territorial de Sapezal nos dados da SEMA-MT de 2013, totalizando 1.358.884,99 ha, assim como a instabilidade do tamanho da área da TI que cobre o município. Neste período, vê-se que na atualização do cadastro, embora sejam as mesmas TIs, o total de área protegida aumentou 248,90 ha. Segue abaixo o gráfico 23 retratando os recursos recebidos por Sapezal entre 2002 a 2012. Neste período não houve a criação de nenhuma UC, tampouco uma gestão territorial e ambiental fortalecedora das TIs.

Gráfico 23: Recurso de ICMS Ecológico recebido por Sapezal entre 2002 a 2012 81

2.500.000,00

1.500.000,00

Recurso de ICMS Ecológico recebido por Sapezal

1.000.000,00 500.000,00

2012

2011

2010

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

0,00

Fonte: SEMA-MT 2008; 2013.

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

2.000.000,00


É notável a progressão da quantidade de recursos recebidos em reais, notadamente, um acréscimo expressivo nos últimos anos de 2011 e 2012. Segue a tabela 16 identificando os valores recebidos em reais a cada ano. Ano

ICMS Ecológico recebido (R$)

2002

619.035,34

2003

777.811,96

2004

972.170,29

2005

1.013.738,57

2006

1.025.952,47

2007

1.097.076,70

2008

1.291.419,84

2009

1.362.765,30

2010

1.257.982,81

2011

1.572.499,14

2012

2.072.811,57

Tabela 16: ICMS Ecológico recebido por Sapezal. Fonte: SEMA-MT 2008; 2013.

Entre as TIs presentes na superfície territorial de Sapezal, somente a TI Utiariti abarca outro município, no caso, Campo Novo do Parecis. O percentual de Campo Novo coberto por esta referida TI é de 29,29%, e de Sapezal é de 9,95%. Jamais houve quaisquer iniciativas de um consórcio intermunicipal para a gestão de áreas protegidas.

ICMS ECOLÓGICO

A)  Na dimensão da legislação municipal

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Em Sapezal, anualmente, é aprovada uma lei municipal que autoriza o poder executivo a transferir recursos financeiros à Associação Indígena Moxi (Nambiquara) e também à Associação Indígena Enawene Nawe. É elaborado um termo de convênio que envolve o prefeito e as lideranças indígenas. A prestação de conta é exigida para a continuidade destes repasses anuais. Mas tais recursos não são reconhecidos oficialmente como provenientes do ICMS Ecológico. Na Lei Municipal N° 1.056 de 2013 é afirmado: “Para cobertura das despesas de que trata esta Lei, serão utilizados recursos previstos no Orçamento Geral do Município para o exercício financeiro de 2013 [...]” (Lei N° 1.056/2013). A dotação orçamentária é da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Sapezal, sendo que o montante aparece como “Transferência a Associações Indígenas”, num item denominado “Contribuições”. Para a Associação Moxi, o valor oscila entre R$ 5 mil a R$ 10 mil. Para o povo Enawene Nawe o valor é de R$ 50 mil. Na Lei N° 1.029/2013 está explicitado que é para “[...] proteção da biodiversidade ecológica e sustentabilidade social na área indígena da comunidade Enawene Nawe”. As ações para as despesas são nominadas como sendo para a proteção ambiental, preservação cultural e segurança alimentar. Estão declarados como objetivos específicos: a proteção da biodiversidade, vigilância e fiscalização territorial, sustentabilidade socioeconômica e cultural, segurança alimentar, desenvolvimento de rituais tradicionais. Entretanto, está compreendido como um recurso previsto no orçamento geral do município, também originado daquele da pasta da secretaria de agricultura e meio ambiente. Não é reconhecido oficialmente pelos gestores públicos como parte do recurso de ICMS Ecológico.


B)  Nuances da temática ambiental na gestão pública municipal O “meio ambiente” fazia parte da secretaria de agricultura, e recentemente foi incorporado na pasta da secretaria de desenvolvimento econômico. O orçamento para o “meio ambiente”, especificamente, gira em torno de R$ 300 mil, além daquele destinado à folha de pagamento. Aproveita-se a oportunidade para informar que o orçamento das pastas de saúde e educação é “quase tudo para folha de pagamento”, de acordo com os entrevistados. Em Sapezal, iniciativas estão sendo tomadas para a descentralização das ações no campo ambiental. A tendência é a autonomia municipal no licenciamento ambiental das obras com baixo e médio impacto, superando a centralidade da SEMA-MT nos processos. Para que haja esta descentralização, necessita-se da existência de um conselho municipal de meio ambiente ativo, e de um código ambiental por ele deliberado. Foi fundado um conselho em 2013 com a participação de organizações da sociedade civil, que contempla a Associação Comercial do Sindicato Rural, o Conselho Regional de Engenharia (CREA), a Associação dos Engenheiros Agrônomos e universidades locais (Universidade de Cuiabá - Unic e Universidade do Estado de Mato Grosso - Unemat). Já foi elaborado um código ambiental municipal, ainda submetido à aprovação da câmara dos vereadores. Resta ainda construir uma legislação para normatizar os licenciamentos.

Sobre os aspectos positivos ambientais no município foram destacados nas entrevistas realizadas “rios bem protegidos, pois produtores mantêm APP e a RL próxima do rio”. Destacase uma explicação enunciada “as áreas próximas ao rio são mais arenosas, a abertura delas necessitaria de mais investimento e teria menor produtividade. Demanda mais dinheiro para investir, se for para deixar, que seja lá”. Portanto, o aspecto positivo dos produtores terem APP foi justificado “mais pelo aspecto natural, o solo perto do rio é menos interessante para a agricultura”, concluindo que “este fator ambiental ajudou na preservação”. Sapezal foi o único município que citou as terras indígenas como aspectos ambientais positivos, contribuindo na conservação da biodiversidade. E, por último, registra-se a intenção da prefeitura municipal de criar duas unidades de conservação, referindo-se às áreas verdes urbanas conservadas que totalizam 124 ha.

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GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

Entre as ameaças ambientais destacam-se o aterro sanitário, que não é licenciado; a ausência de um plano de resíduos sólidos e saneamento ambiental (uma exigência legal); a ausência de uma rede de esgoto. Sublinha-se aqui a força da lei favorecendo a elaboração de uma gestão ambiental. “As demandas ambientais estão crescendo, vindo do governo estadual e federal”, diz um técnico da prefeitura. A contaminação pelo uso intenso de agrotóxicos não foi mencionada. A partir da provocação deste assunto foi dito que “o código ambiental prevê restrição para a pulverização no entorno da cidade, de nascente e manancial e também da sede da fazenda”. Não houve menção ao entorno das TIs. Declara ainda que “a China, a Alemanha e os Estados Unidos controlam a toxidade, e já aconteceu de retornar um navio com toda a carga da soja porque examinaram e reprovaram a quantidade de toxidade”. A avaliação realizada foi a de que, “por força do mercado, está diminuindo a toxidade dos venenos comprados”, exemplificando que “Maggi tem certificação nacional”.


C)  A dimensão do controle social na gestão de políticas públicas O presidente da câmara dos vereadores não tem conhecimento do ICMS Ecológico, tampouco fez menção ao código ambiental municipal. Neste município não há uma política específica do ICMS Ecológico, mas este assunto já foi abordado nas reuniões do referido conselho municipal de meio ambiente. A intenção exposta é que parte deste recurso fosse destinado para um fundo do ambiente, propiciando um caráter específico para ele. De outro lado, afirmou-se que a Prefeitura Municipal de Sapezal há anos tem um Programa de Incentivo à Agricultura Indígena, antes mesmo da implementação do ICMS Ecológico. Ele é incorporado à LOA, LDO e ao Plano Plurianual (PPA). As TIs dos povos Paresi e Nambiquara são beneficiadas. O foco é a horticultura e agricultura de subsistência. O objetivo é gerar alimento e não renda. Afirmou-se que é utilizado parte do ICMS Ecológico para este investimento. Pelo fato de os povos Paresi e Nambiquara serem atendidos por este programa é que o funcionário da prefeitura justificou a maior quantia de repasse realizada ao povo Enawene Nawe: “Enawene Nawe ganha mais porque não está incluído no Programa Indígena, sem gasto com educação e saúde. Além disso não tem como a prefeitura oferecer atendimento médico. Mas como a terra indígena está dentro do território de Sapezal, tem direito a receber”. Questionando sobre quais são os critérios para aprovação de repasse, a explicação foi “o município aproveita, tem que repassar ICMS e repassa, o critério é o que a lei permite, o assessor jurídico que vai avaliar se é legal”. Ficou evidenciado que o poder executivo é o que decide mais, os vereadores podem até questionar, mas não reprovarão, pois “se reprovar, têm que dar explicação para os índios”, completa. Em entrevista com liderança de uma Associação Nambiquara, foi esclarecido que a TI Tirecatinga tem seis aldeias: Novo Horizonte, Caititu, Buriti, Novo Encantado, Guarantã e Três Jacus. As lideranças de cada aldeia é que vão negociar com o prefeito para acessar diretamente parte do recurso de ICMS Ecológico. Desde a gestão de César Maggi engajamse. No entanto é reincidente a explicação de que “a lei não obriga”. Avaliaram que o povo Enawene Nawe conquistou o acesso pela pressão que exercem e pela maneira de fazê-la.

D)  Possibilidades de desenvolvimento articulado à biodiversidade No município de Sapezal o setor que mais contribui para compor o PIB total do município é a agropecuária.

Gráfico 24: Agropecuária, Indústria e Serviços no PIB de Sapezal em 2009

ICMS ECOLÓGICO

45% 4%

Indústria

4%

Serviços Fonte: AMM, 2012.

84

Agropecuária


Diferente dos outros municípios estudados, o percentual do setor de “Serviços” é muito baixo. Isso tem relação com a diminuta arrecadação de ISQN apresentada no gráfico 25:

Gráfico 25: Amostra da receita municipal de Sapezal em 2012 ICMS FPM CIP ISQN IPTI IPTU 0

5.000.000 10.000.000 15.000.000 20.000.000 25.000.000 30.000.000 35.000.000 Fonte: TCE-MT, 2012.

Ainda assim, o gráfico evidencia a importância do ICMS na composição da receita municipal de Sapezal. O percentual de ICMS Ecológico da parte do ICMS repassado a este município é 7,39, correspondendo ao valor de R$ 28.054.867,53, em 2012. O valor isolado do ICMS Ecológico excede ao do IPTU e outros impostos arrecadados, inclusive do ISQN, predominante noutros municípios estudados.

GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

85


ICMS ECOLÓGICO

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Morro do Mandi, Terra Indígena Jarudore. Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO ICMS ECOLÓGICO

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ICMS ECOLÓGICO

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Terra Indígena Jarudore Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


V. CONSIDERAÇÕES FINAIS É fundamental ter o discernimento do histórico e da amplitude do papel político de cada legislação. Há um repertório de instrumentos legais voltados às unidades de conservação, e outro pertinente às terras indígenas. Por sua vez, há um conjunto de órgãos públicos responsáveis para a execução destas leis. No estado de Mato Grosso, envolve necessariamente o compromisso da SEMA-MT, do Consema, salvaguardando o das instâncias federais ICMBio, Ibama e Funai. A legislação do ICMS Ecológico está conectada a tais repertórios legislativos quando o critério UC/TI impõe-se. Porém, é preciso tomar o cuidado em não superestimar o seu papel político, tampouco a leitura de que este imposto é que garante a permanência das terras indígenas. A política pública em torno do ICMS Ecológico pode apoiar as demais políticas públicas pré-existentes relativas às UCs e às TIs. A clareza desta distinção deve orientar a avaliação crítica do impacto efetivo do ICMS Ecológico para o apoio e fomento de ações que “fortaleçam” as áreas protegidas e não que “assegurem” a sua existência, já que este não é o seu escopo. Esta abordagem deve ser enfatizada a fim de colocar em risco maneiras de pensar que se enunciaram entre gestores públicos e técnicos da SEMA-MT. Igualmente, as perspectivas da agência do ICMS Ecológico devem ser avaliadas com discernimento, à medida que precisa ser considerada com criticidade a atuação dos órgãos públicos ambientais municipais, estaduais e federais, bem como da Funai, SAI e outros afins à política indigenista oficial. Portanto, não se espera que o ICMS Ecológico assuma gerência em resultado sozinho, mas de modo articulado a outros programas ambientais e indigenistas, sobre o horizonte dele ser um apoio, fomento e incentivo o que demanda o compromisso efetivo dos órgãos executivos vinculados às regulamentações da política nacional de meio ambiente e da oficial indigenista. Evidenciou-se, portanto, que a compreensão do ICMS Ecológico dependeu da consideração de outros aspectos que têm relação intrínseca com esta política pública, e que, obviamente, este diagnóstico teve limitações para um estudo mais profundo das ações efetivas da SEMA-MT, da SAI etc. O estudo teve maior preocupação em aprofundar as ações ambientais desenvolvidas localmente, buscando diálogo com gestores públicos do poder executivo das Secretarias em que o ambiente está inserido, e também com os vereadores, investigando a emergência de programas socioambientais no município. O diagnóstico procurou ações apoiadas com o recurso do ICMS Ecológico que possam configurar-se como fomento ao fortalecimento da biodiversidade e qualidade de vida e que revelam a (in)existência de uma gestão pública ambiental nos municípios visitados.

89

Mas este estudo sinalizou a tendência para a emergência de uma política ambiental local, tendo sido detectado movimentos para a criação e/ou reativação de conselhos municipais de meio ambiente, e também criação de departamentos ou secretarias específicas para esta pasta. Muitos gestores públicos revelaram que estão afetados pelas “pressões políticas ambientais”, mobilizando-os para instituir ações neste campo nos municípios. Entretanto, é um movimento ainda incipiente, mas que se constitui como uma oportunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou evidenciado que historicamente a pasta do “meio ambiente” não tem um orçamento próprio e um programa particular instituído na LOA, na LDO e no PPA. Por anos, consolidou-se a cultura de uma gestão pública alheia às preocupações ambientais.


Chama-se atenção para a necessidade de ampliar a abordagem desta temática “ambiental”. Não necessariamente ela se realiza como uma pauta isolada e autônoma. Também pode ser considerada de modo transversal às ações nos campos da saúde, educação, agricultura, turismo, lazer etc. Nos municípios visitados observou-se que não há uma secretaria de meio ambiente específica. Em Chapada dos Guimarães é uma Secretaria de Turismo, Cultura e Ambiente; em Barra do Bugres é a Secretaria de Indústria, Turismo e Ambiente; em Comodoro, os assuntos ambientais fazem parte da Secretaria de Agricultura e Ambiente e em Sapezal é parte da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Tal fato sinaliza a importância de construir ações ambientais em parcerias, aproximando-se as diversas secretarias que podem estar envolvidas, de acordo com o contexto local da gestão pública do poder executivo, bem como ressaltando que a aplicação dos recursos do ICMS Ecológico podem também visar muitas ações na melhoria da qualidade de vida dos municípios e não apenas nas TIs e UCs ainda que sejam oriundos da presença destas. Neste universo de “secretarias”, há, portanto, a oportunidade de expandir intervenções na pasta de indústria, agricultura e turismo, fomentando a transversalidade da questão ambiental e a otimização das áreas protegidas para geração de emprego e renda. O exercício do “controle social” é um importante fator para o fortalecimento dos instrumentos legais na vida cotidiana. O estudo sinalizou que a legislação em torno do ICMS Ecológico tem pouca repercussão pública, destacando neste caso o desconhecimento de alguns vereadores e até mesmo de gestores e funcionários públicos ligados ao meio ambiente. Isto também reforça a necessária e adequada divulgação desta política pública junto aos gestores. O diagnóstico apontou, paralelamente, que as lideranças indígenas em geral têm ciência de que existe ICMS Ecológico, embora nem sempre com a clareza de como ele seja regulamentado e executado. Entre as lideranças dos vários povos entrevistadas, evidenciouse uma recorrência: a percepção de que o recurso tem que ser aplicado nas terras indígenas. Nos municípios visitados, destacou-se que as lideranças indígenas têm sido os únicos sujeitos que participam da gestão pública no sentido de cobrar ação do poder executivo. Isso pode ser compreendido como um “controle social”, mas com ressalvas porque eles tendem em ter ciência somente de parte deste recurso, correspondente àquela que é repassada da prefeitura para as associações. Outra recorrência é o fato de que os povos não têm a informação da quantia total de ICMS Ecológico que a prefeitura municipal recebe.

ICMS ECOLÓGICO

O estudo sinalizou também que os indígenas querem participar da gestão do recurso de ICMS Ecológico, mas a maneira como isto está acontecendo precisa ser qualificada. Não se reconhece um fortalecimento do ICMS Ecológico quando os gestores públicos não percebem que o repasse, necessariamente, é de parte deste recurso, e tampouco se orientam por diretrizes políticas ou programas socioambientais para aprovar os repasses feitos às associações indígenas. Assumir ou reorientar a clareza de que muitos investimentos em TIs podem ser realizados com os recursos do ICMS Ecológico favorece não apenas a transparência e o diálogo no âmbito do controle social, mas propicia maiores vantagens para o próprio município na arrecadação de fontes orçamentárias a partir dos registros de suas demandas e iniciativas no campo ambiental.

90

Entretanto, sublinha-se o caráter ambíguo destas experiências quando os projetos dos povos indígenas são voltados para fortalecer a biodiversidade e tradições culturais, visando ao fortalecimento das terras indígenas. Nem os vereadores, nem o poder executivo fiscalizam as ações. Somente é controlada a prestação de conta do recurso público repassado. De outro lado, as lideranças indígenas não exercem o “controle social” da outra parte do recurso. O diagnóstico sinalizou a oportunidade de qualificar este “controle social” e as condições de uma gestão participativa do ICMS Ecológico.


Não há uma força política da sociedade civil que coloque em pauta a gestão destes recursos, o que favorece a continuidade de sua destinação alheia às questões socioambientais. Porém, é importante salvaguardar que a questão ambiental é uma pauta posta por lideranças da sociedade civil em Chapada dos Guimarães. Tem sido discutida nas plenárias a inadequação do sistema de coleta de lixo doméstico e hospitalar, e de sua destinação, enfatizando a necessidade de um novo aterro sanitário. Em outros municípios, assuntos ligados ao saneamento ambiental também se presenciam nas sessões da câmara de vereadores. Entretanto, estes assuntos não são vinculados ao ICMS Ecológico, quando poderiam ser. Isso também pode ser entendido como reflexo da pouca ou nula participação da sociedade civil nas plenárias e audiências públicas voltadas ao orçamento participativo. Entre os indígenas, aliás, foi recorrente também o desconhecimento da política pública ligada à LOA, à LDO e ao PPA. O estudo destaca o indicativo de que as audiências públicas, as sessões da câmara dos vereadores são estratégicas para fomentar um programa socioambiental vinculado ao ICMS Ecológico. Neste diagnóstico, evidenciou-se a íntima relação do ICMS Ecológico com a administração pública e com a realidade da receita municipal como um todo. Foi recorrente entre os gestores públicos do poder executivo afirmar que a grande porção do ICMS Ecológico é destinada às despesas com saúde e educação, enaltecendo a insuficiência do recurso federal transferido, particularmente o Fundeb. Interessante o não destaque com ações no setor de assistência social (que tem um repasse específico, bem baixo, aliás), transporte ou comércio e serviços. Outras despesas apontadas foram com aluguéis dos prédios ocupados para a oferta de serviços públicos, as contas de telefone, água, energia, combustível e para as empresas que prestam assessoria às prefeituras. Esta apreensão do ICMS Ecológico como “geração de receitas” foi detectada em outros estudos sobre o tema, destacando o de Santos; Mello; Souza (2013) e outro feito pelo ICV. Entretanto, ressente-se ainda a falta de um estudo mais aprofundado sobre este aspecto. Neste diagnóstico, em particular, vários apontamentos apareceram, contribuindo para uma maior abrangência e aprofundamento desta dimensão da receita própria do município, tecendo relações com a dinâmica da administração pública e com os pontos de vista dos gestores públicos. Ressalta-se aqui a importância do eixo teórico-metodológico que considera os sentidos e significados orientadores das ações. Diversos são os apontamentos feitos ao longo deste relatório, destacando alguns deles abaixo.

Está em questão também a consolidação daquele modelo de desenvolvimento econômico protagonista da alteração ecológica desenfreada e indiscriminada. Restaurar, recuperar e proteger o ambiente envolve, imprescindivelmente, as dimensões econômicas e culturais. Precisa ganhar relevo esta questão do modelo de desenvolvimento e, neste sentido, enfatizar as alternativas econômicas articuladas à conservação da biodiversidade. Neste particular, os saberes e as tecnologias tradicionais poderiam igualmente ganhar mais divulgação. Atenta-se, principalmente, na Instrução Normativa N° 001 de 05 de maio de 2010 quando se explicita o estímulo ao ecoturismo e às tecnologias de baixo impacto, notadamente no entorno das áreas protegidas. Portanto, há a perspectiva do ICMS Ecológico constituir-

91

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para salvaguardar a biodiversidade há a tendência em atribuir mais valor às áreas protegidas sem presença efetiva de comunidade humana, fortalecendo aquela concepção de que conservar é isolar a sociedade da natureza. Há expressão desta dimensão na legislação do ICMS Ecológico porque quanto maior a restrição de uso no solo, maior é o fator de correção no cálculo do índice UC/TI. Mas esta percepção não é explicativa de como a política pública do ICMS Ecológico foi concebida. Outras perspectivas coexistem e precisam, inclusive, ter mais visibilidade para a elaboração de um programa socioambiental e/ou para a administração pública.


se também como um incentivo à agroecologia. Isso poderia ser mais divulgado e reforçado nos discursos em torno desta política pública, o que não se reconhece nos estudos sobre este tema. A ocupação no entorno das terras indígenas não é um problema em si mesmo, mas o modelo de ocupação que se instaura. Nesta oportunidade, há alguns estudos sobre o ICMS Ecológico que reiteram o discurso do ICMS Ecológico como uma contraprestação por não desmatar a biodiversidade. Esta abordagem tende ao destaque da dimensão compensatória, bem como desta política pública configurar-se como um instrumento econômico complementar àqueles de comando e controle de outros repertórios legislativos. Isso pode ser reconhecido inclusive nos textos e sites especializados nesta temática. Esse discurso pode ser perigoso, pois restringe possibilidades: ou é área protegida ou é área para a agropecuária. A agroecologia, o ecoturismo, a educação ambiental e atividades afins podem desdobrar-se como indicadores de um modelo de desenvolvimento econômico articulado à biodiversidade. Por que não se calcula o custo de oportunidade destas atividades econômicas? Enfatizar o modelo de desenvolvimento da agricultura familiar é um foco possível para qualificar uma gestão socioambiental municipal. Seria interessante desenvolver mais estudos das contribuições dos serviços a ela relacionados para a receita municipal. Em alguns municípios, o ecoturismo é outra oportunidade a ser mais explorada, investigando as suas potencialidades de desenvolvimento socioeconômico. Desse modo é preciso superar a perspectiva de opor TIs/UCs e agronegócio como necessariamente excludentes entre si. Ao longo deste diagnóstico observou-se que não é fato o PIB de um município ter como maior contribuição receitas decorrentes da agropecuária, pondo em questão o discurso da condição sine qua non desta atividade ser a referência absoluta das condições de desenvolvimento socioeconômico de uma população. Esta avaliação crítica também pode ser encontrada em outros estudos sobre o ICMS Ecológico. Este diagnóstico reitera esta perspectiva e sinaliza que seria preciso um estudo mais profundo para capturar quais são os aspectos que desencadeiam um desenvolvimento econômico, bem como reavaliar o que é considerado como “desenvolvimento”. Foram agrupadas algumas informações levantadas sobre cada município a fim de dar maior visibilidade à dimensão socioeconômica presente no ICMS Ecológico. Município

Extensão (ha)

População

Receita Municipal

IDS-M

Área protegida (ha)

B. Bugres

536.080,73

31.058

58.055.181,14

0,557

27.521,19

Brasnorte

1.595.933

15.280

35.444.180,59

0,582

377.210,79

Chapada G.

651.182,22

17.799

34.714.025,51

0,534

151.651,64

Comodoro

2.174.336

18.157

40.359.249,45

0,430

1.364.334,90

Sapezal

1.359751

18.080

57.554.211,35

0,657

481.077,90

ICMS ECOLÓGICO

Tabela 17: Fonte: IBGE, 2010; SEMA-MT, 2012; TCE-MT, 2012.

92

Observa-se que as receitas municipais de Barra do Bugres e Sapezal, em 2012, têm valores próximos. Isso não tem relação proporcional direta com a extensão territorial de área protegida. Mas é considerável que Sapezal tenha um tamanho bem maior que Barra do Bugres, havendo uma concentração de terras para a agropecuária, o que, ao contrário do discurso recorrente, não contribui para a receita municipal. O IDS-M de Sapezal (2009) é 0,657 e o de Barra do Bugres é um ponto abaixo. Em Brasnorte, a superfície territorial é maior que Sapezal, ademais, a extensão de área protegida em Brasnorte é menor que aquela de Sapezal. Ainda assim, o IDS-M de Brasnorte está abaixo do de Sapezal. É questionável o discurso, portanto, de que área protegida atrapalha o desenvolvimento econômico.


Gráfico 26: Retratos das receitas dos municípios visitados 60.000.000,00 50.000.000,00 40.000.000,00 30.000.000,00

Extensão (ha)

20.000.000,00

População

10.000.000,00

Receita Municipal

-

IDS-M Área Protegida

Fonte: AMM, 2012; SEMA-MT, 2012.

Em Comodoro, notadamente, foi reconhecido que a agropecuária não contribui para a receita tributária local. Apareceu uma avaliação crítica de que as rendas geradas por tais atividades vão para fora do município, comprometendo a receita local. Valeria a pena investigar esta percepção, fundamentando esta argumentação a favor de outro modelo de desenvolvimento favorável ao aumento da receita e qualidade de vida local. Até mesmo em Sapezal ouviu-se de um técnico que a prefeitura precisa romper com o incentivo e fomento à agricultura de grande escala, argumentando que eles têm autonomia e muitos incentivos. Em seu discurso, apareceu a percepção de que os chacareiros locais poderiam ser mais beneficiados pela administração pública. Entretanto, a especulação no valor da terra é um obstáculo para a expansão deste modelo socioeconômico.

O estudo constatou que, entre os municípios, há desigualdade de valores de ICMS Ecológico recebido, as capacidades orçamentárias anuais são desiguais, bem como são distintos os cenários da degradação ambiental e das demandas de uma gestão ambiental qualificada. Sob a perspectiva quantitativa, a sua capacidade de contribuir para as receitas municipais é bastante heterogênea. É importante considerar as alterações da Lei Complementar N° 157 de 20.01.2004. Nela foi priorizado o critério do coeficiente social, sendo ele baseado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), também aumentou do percentual do critério população de 2% para 4%. Considerando o princípio da proporcionalidade, a desigualdade acentua.

93

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No âmbito da política pública do ICMS Ecológico foi enfática a importância do universo da receita municipal das prefeituras. Isso dá margem para outras perspectivas discursivas, explorando mais os estudos sobre a contribuição dos setores de indústria, agropecuária, agricultura familiar, agroextrativismo, agroindústria, serviços, comércio na arrecadação de impostos e geração de emprego e renda às famílias.


Critério

Receita Tributária Própria

População

Extensão Territorial

Coeficiente Social

UC/TI

Total

Percentual

4

4

1

11

5

25

Sublinha-se a importância dada ao critério de coeficiente social, o que significa legitimar o IDH, que não captura as desigualdades sociais. Fica apontada a necessidade de favorecer a instituição de outro índice para mensurar a qualidade de vida de um município, fortalecendo mutuamente a proposta do ICMS Ecológico. Ao longo do relatório foram sistematizadas informações que comparam a concentração de renda e o IDS-M de alguns municípios, reiterando-se a necessidade de questionar o que é “desenvolvimento”. Outro destaque é o fato de que não há uma conta específica de ICMS Ecológico para a transferência de recursos feita pela Sefaz aos municípios. Ainda assim, deve ser ressaltado que o recurso é concebido e calculado especificamente, a prefeitura sabe qual é a cota ligada ao ICMS Ecológico, podendo conceber um plano de gestão a ela ligado. O fato de receber “misturado” não justifica a não aplicação de recursos numa ação socioambiental. Associada a isso, chama-se atenção para a ausência de uma legislação que regulamente a prestação de conta específica deste recurso recebido. O Tribunal de Contas do Estado cobra prestação de conta específica dos recursos federais pagos ao município ligados à saúde e à educação, e jamais se posicionou fiscalizando a destinação do ICMS Ecológico, desfavorecendo a transparência de como estão sendo gastos tais recursos, afetando negativamente o exercício do controle social sobre a política pública. O diagnóstico também observou a recorrência da argumentação de que o município recebedor dos recursos do ICMS Ecológico não tem obrigação em aplicá-los na manutenção das UCs e TIs. Num governo democrático, está em questão observar esta autonomia sob o ponto de vista da participação social. A partir das experiências detectadas neste estudo, evidenciou-se que se pode criar lei, sim, obrigando o município a destinar os recursos para ações em áreas protegidas, desde que seja uma deliberação ocorrida entre os gestores públicos locais junto à participação social, sob o ponto de vista de conservar a biodiversidade. Neste ponto em particular, os municípios Chapada dos Guimarães e Curvelândia elaboraram uma lei municipal para tal finalidade.

ICMS ECOLÓGICO

Ademais, detectaram-se outros mecanismos legais para destinação de parte do ICMS Ecológico recebido pelo município. Em Barra do Bugres é um termo de ajustamento de conduta (TAC) originado do Ministério Público Estadual; em Comodoro, Brasnorte e Sapezal é anualmente aprovada uma lei municipal na câmara dos vereadores que “Autoriza o Poder Executivo a celebrar Convênio com a Associação Indígena”. O diagnóstico contribui enfaticamente para explicitar a vigência destes mecanismos, detalhando-os e oferecendo uma interpretação analítica que põe em risco esta abordagem recorrente de que “a lei não obriga retornar o recurso para as TIs”.

94

Somado a isso, é imperativo do poder executivo determinar a destinação dos recursos do ICMS Ecológico. Este fenômeno oscila de acordo com o perfil do prefeito condicionando a sua abertura para um diálogo e deliberação junto às lideranças indígenas que, por sua vez, é de caráter subjetivo e não propriamente a expressão de uma posição política diante do tema ICMS Ecológico. Ainda que o poder legislativo seja relevante na tomada de decisão, destaca-se a centralidade da determinação do poder executivo. Até então, os diálogos pioneiros para um acordo envolvem lideranças indígenas e prefeito, mas a força que impulsiona as perspectivas de atuação dos poderes estatais é a presença das lideranças indígenas exprimindo os seus interesses societários. A iniciativa,


portanto, não tem partido dos gestores públicos. Os vereadores, comumente, não oferecem resistência. Enfatiza-se aqui outra contribuição desse diagnóstico, detalhando as articulações em vigência para a incipiência de uma gestão participativa, possibilitando conhecer uma importante dimensão da implementação desta política pública no estado de Mato Grosso. Em diversos estudos sobre o ICMS Ecológico em Mato Grosso, é recorrente a ênfase no aspecto de que até hoje a dimensão quantitativa determina a quantia de recurso pago aos municípios, desfavorecendo realizar-se como um incentivo fiscal para uma gestão socioambiental mais qualificada (SANTOS, MELLO, SOUZA, 2013; TOCANTINS, GUITTE, 2010; PIMENTEL, FURLAN, 2011). A tendência da análise interpretativa de muitos estudos neste tema é enveredar para a necessidade de criar critérios qualitativos, tornando calculável a situação de conservação das áreas protegidas. Credita-se a eles a potência de incentivar programas socioambientais na gestão pública à medida que a aplicação de critérios qualitativos desencadearia a diminuição da cota de ICMS Ecológico recebido, sobretudo nos municípios em que os conflitos socioambientais se impõem (op.cit.). De acordo com esta abordagem, fica sinalizada a importância de exigir o cumprimento da Instrução Normativa N° 001 de 2010 da SEMA, notadamente quanto à instalação da Câmara Técnica, a fim de deliberar os critérios qualitativos. Resgata-se que há uma portaria já elaborada, esperando a decisão do secretário da SEMA. Registra-se também intenção do TCE-MT criar uma comissão permanente para discutir assuntos ambientais, entre eles o ICMS Ecológico. Nesta oportunidade, acrescenta-se que uma técnica do TCE-MT afirmou que não fiscaliza as despesas do ICMS Ecológico pago os municípios porque “não existe” o ICMS Ecológico, “nunca nenhum município recebeu ICMS Ecológico” e que “O TCE-MT trabalha em cima da lei, e não está regulamentado, não é aplicável”. Contudo, este diagnóstico promoveu o aprofundamento interpretativo do repertório legislativo, e entre tantas outras contribuições, ele dá maior visibilidade ao modo como está sendo implementado o ICMS Ecológico no estado de Mato Grosso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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ICMS ECOLÓGICO

96

Rio Aripuanã Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


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102


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103

Rio Cravari Foto: Andreia Fanzeres/OPAN


ICMS ECOLÓGICO

104

Floresta amazônica na Terra Indígena Myky. Foto: Flavio Souza/OPAN


APÊNDICE A:

105

A)  Municípios com terra indígena somente: Alto Boa Vista, Barra do Bugres, Bom Jesus do Araguaia, Brasnorte, Campinápolis, Campo Novo do Parecis, Campos de Júlio, Cana Brava do Norte, Canarana, Comodoro, Confresa, Conquista D´Oeste, Feliz Natal, Gaúcha do Norte, General Carneiro, Guarantã do Norte, Juara, Luciara, Matupá, Mirassol D´Oeste, Nortelândia, Novo São Joaquim, Nova Marilândia, Nova Nazaré, Peixoto de Azevedo, Porto Alegre do Norte, Poxoréu, Querência, Ribeirão Cascalheira, Rondolândia, Santa Terezinha, São Félix do Araguaia, São José do Rio Claro, Sapezal e Tapaborã.

B)  Municípios com terra indígena e unidade de conservação Água Boa, Alto Paraguai, Apiacá, Aripuanã, Barão do Melgaço, Barra do Garças, Cáceres, Cocalinho, Colniza, Cotriguaçu, Diamantino, Juína, Marcelândia, Nobres, Nova Lacerda, Nova Xavantina, Paranatinga, Pedra Preta, Planalto da Serra, Pontes e Lacerda, Porto Espiridião, Rondonópolis, Santo Antônio do Leverger, São José do Xingu, Tangará da Serra e Vila Bela de Santíssima Trindade.

C)  Municípios com unidade de conservação somente Alta Floresta, Alto Araguaia, Alto Taquari, Campo Verde, Chapada dos Guimarães, Cláudia, Cuiabá, Curvelândia, Guiratinga, Jaciara, Lucas do Rio Verde, Nova Brasil, Nossa Senhora do Livramento, Nova Bandeirantes, Nova Canãa do Norte, Nova Maringá, Nova Mutum, Novo Mundo, Novo Santo Antônio, Poconé, Ponte Branca, Porto Estrela, Ribeirãozinho, Rosário D´Oeste, Santa Cruz do Xingu, Santo Antônio do Leste, Sorriso, Santa Rita do Trivelato, Tesouro e Várzea Grande.

D)  Municípios sem o repasse de ICMS Ecológico Acorizal, Alto Garças, Araguaiana, Araguainha, Araputanga, Arenápolis, Canabrava do Norte, Castanheira, Carlinda, Colíder, Denise, Figueirópolis, Glória D´Oeste, Ipiranga do Norte, Indiavaí, Itanhangá, Itaúba, Itiguira, Jangada, Jauru, Juruena, Juscimeira, Lambari D´Oeste, Mirassol D´Oeste, Nova Guarita, Nova Marilândia, Nova Monte Verde, Nova Olímpia, Nova Santa Helena, Novo Horizonte do Norte, Paranaíta, Pontal do Araguaia, Porto dos Gaúchos, Primavera do Leste, Reserva do Cabaçal, Rio Branco, Salto do Céu, Santa Carmem, Santo Afonso, São José do Povo, São José do Rio Claro, São José dos Quatro Marcos, São Pedro de Cipa, Serra Nova Doutrada, Tabaporã, Tapurah, Terra Nova do Norte, Torixoréu, União do Sul, Vale de São Domingos, Vera e Vila Rica.

APÊNDICE A

Lista de municípios com e sem áreas protegidas


ICMS ECOLÓGICO

106

Estação Ecológica Serra das Araras. Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


APÊNDICE B: Terras indígenas reconhecidas juridicamente em Mato Grosso N°

Terra Indígena

Situação Jurídica

Municípios

1

Apiaká do Pontal

Identificada

Apiacás

2

Apiaká-Kaiabi

Registrada

Juara

3

Arara do Rio Branco

Registrada

Aripuanã, Colniza

4

Areões

Registrada

Água Boa, Nova Nazaré

5

Aripuanã

Registrada

Aripuanã, Juína

6

Baia do Guató

Declarada

Barão do Melgaço, Poconé

7

Bakairi

Registrada

Paranatinga

8

Batelão

Declarada

Tabaporã

9

Batovi

Registrada

Paranatinga, Gaúcha do Norte

10

Cacique Fontoura

Declarada

Luciara, São Félix do Araguaia

11

Capoto Jarina

Registrada

P. de Azevedo, São José do Xingu

12

Chão Preto

Registrada

Campinápolis

13

Enawenê Nawê

Registrada

C. N. Parecis, Comodoro, Juína, Sapezal

14

Erikbaktsa

Registrada

Brasnorte

15

Escondido

Registrada

Cotriguaçu

16

Estação Parecis

Identificada

Diamantino, Marilândia, Nortelândia

17

Estivadinho

Registrada

Tangará da Serra

18

Figueiras

Registrada

Barra do Bugres

19

Irantxe

Registrada

Brasnorte

20

Japuíra

Homologada

Juara

21

Jarudore

Registrada

Poxoréu

22

Juininha

Registrada

Pontes e Lacerda, Conquista Oeste

23

Karajá de Aruanã II

Registrada

Cocalinho

24

Kawahiva do Rio Pardo

Identificada

Colniza

25

Lagoa dos Brincos

Registrada

Comodoro

26

Manoki

Declarada

Brasnorte

27

Marãiwatséde

Registrada

Alto Boa Vista, São F.do Araguaia

28

Marechal Rondon

Registrada

Paranatinga

29

Menkragnoti

Homologada

Matupá, P. de Azevedo, S. Félix do Xingu (PA), Altamira (PA),

30

Menku

Registrada

Brasnorte

31

Merure

Registrada

Barra do Garças, General Carneiro

32

Nambiquara

Registrada

Comodoro, Pontes e Lacerda

33

Panará

Homologada

Guarantã do Norte, Altamira (PA)

34

Parabubure

Registrada

Água Boa, Campinápolis

35

Pareci

Registrada

Tangará da Serra

36

Parque do Xingu

Registrada

Canarana, Paranatinga, São Félix do Araguaia, F.Natal, G.do Norte, Marcelândia, N.Ubiratã, Querência, São José do Xingu

37

Parque Indígena do Aripuanã

Registrada

Aripuanã, Juína, Vilhena (RO)

38

Paukalirajausu

Identificada

Pontes e Lacerda

APÊNDICE B

107


ICMS ECOLÓGICO

108

Rio Juruena Foto: Forest Comunicação


Terra Indígena

Situação Jurídica

Municípios

39

Pequizal

Registrada

Vila Bela da Santíssima Trindade

40

Pequizal do Naruvôtu

Declarada

Canarana, Gaúcha do Norte

41

Perigara

Registrada

Barão de Melgaço

42

Pimentel Barbosa

Registrada

Canarana, Ribeirão Cascalheira

43

Pirineus de Souza

Registrada

Comodoro

44

Piripicura

Portaria Restrição

Aripuanã

45

Ponte de Pedra

Declarada

Campo N. Parecis, S. José do Rio Claro

46

Portal do Encantado

Declarada

Pontes e Lacerda, Porto Espiridião, Vila Bela da Santíssima Trindade

47

Rio Formoso

Registrada

Tangará da Serra

48

Roosevelt

Registrada

Aripuanã, Pimenta Bueno (RO), Espigão do Oeste (RO)

49

Sangradouro / Volta Grande

Registrada

General Carneiro, Novo São Joaquim, Poxoréu

50

Santana

Registrada

Nobres

51

São Domingos

Registrada

Luciara, São Félix do Araguaia

52

São Marcos

Registrada

Barra do Garças

53

Sararé

Registrada

Mirassol D´Oeste, P. e Lacerda, Vila Bela da Santíssima Trindade

54

Serra Morena

Registrada

Juína

55

Sete de Setembro

Registrada

Aripuanã, Cacoal (RO), Espigão do Oeste (RO)

56

Tadarimana

Registrada

Pedra Preta, Rondonópolis

57

Taihantesu

Registrada

Comodoro

58

Tapirapé / Karajá

Registrada

Luciara, Santa Terezinha

59

Terena Gleba do Iriri

Registrada

Matupá

60

Tereza Cristina

Declarada. Revisão

Santo Antônio do Leverger

61

Tirecatinga

Registrada

Sapezal

62

Ubawawe

Registrada

Novo São Joaquim

63

Uirapuru

Declarada

Campos de Júlio e Nova Lacerda

64

Umutina

Registrada

Barra do Bugres

65

Urubu Branco

Registrada

Confresa, Santa Terezinha, Porto Alegre do Norte

66

Utiariti

Registrada

Campo Novo do Parecis, Sapezal

67

Vale do Guaporé

Registrada

Comodoro, Vila Bela

68

Wawi

Registrada

Querência

69

Zoró

Registrada

Rondolândia, Aripuanã

Tabela 1: Terras Indígenas, situação jurídica e municípios onde estão situadas. Fonte: CIMI, 2011; ISA, 2013.

109

APÊNDICE B


ICMS ECOLÓGICO

110

Cachoeira das Andorinhas e Dardanelos, em Aripuanã no ano de 2007, antes da construção da Usina Hidrelétrica de Dardanelos. Foto: Andreia Fanzeres/arquivo pessoal


APÊNDICE C: Terras indígenas pleiteadas não consideradas no cálculo do ICMS Ecológico Terra Indígena

Situação Jurídica

Município

Povo

Arara do Rio Guariba

Sem providência

Colniza

Arara

Areões I

A identificar

Água Boa, N.Nazaré

Xavante

Areões II

A identificar

Água Boa e Cocalinho

Xavante

Cabixi

Sem providência

Comodoro

Isolado

Capitão Marcos

Sem providência

Pareci

Chiquitano de Baia Grande

A identificar

Cinta Larga Rio Preto

A identificar

Comodoro P. Esperidião, Cáceres, Pontes e Lacerda, Vila Bela da Santíssima Trindade Aripuanã

Eterâirebere

A identificar

Campinápolis, N.S. Joaquim, S. A do Leste

Xavante

Fortuna

A identificar

Vila Bela da Santíssima Trindade

Chiquitano

Hu’uhi

A identificar

Paranatinga

Xavante

Ikpeng

A identificar

Gaúcha do Norte

Ikpeng

Isoú’pá

A identificar

Água Boa, Capinápolis, Nova Xavantina

Xavante

Krenrehé

A identificar

Canabrava do Norte

Krenak

Chiquitano Cinta Larga

Kudorojarí

Sem providência

General Carneiro

Bororo

Lago Grande

A identificar

Santa Terezinha

Karajá

Morcegal

Sem providência

Comodoro

Nambiquara

Moreru-Pacutinga

Sem providência

Cotriguaçu

Isolado

Nhandu-Braço Norte

Sem providência

Guarantã do Norte

Isolado

Norotsurã

A identificar

Água Boa, N. Xanvantina,Campinápolis

Xavante

Parabubure II, III,IV,V

Sem providência

Nova Xavantina, Campinápolis

Xavante

Rio Arraias / BR 080

A identificar

Marcelândia

Kaiabi

Rio Bararati

Sem providência

Cotriguaçu

Isolado

Rio Madeirinha

Sem providência

Aripuanã

Isolado

Rio Preto

Sem providência

Canabrava do Norte

MaxacaliKrenak

Rio Tenente Marques

Sem providência

Juína

Isolado

Pimentel Barbosa II

A identificar

Canarana, Ribeirão Cascalheira, Cocalinho

Xavante

Tabela 2: Fonte: CIMI, 2010.

APÊNDICE C

111


ICMS ECOLÓGICO

112

Flor do Cerrado na Terra Indígena Irantxe. Foto: Laércio Miranda/OPAN


APÊNDICE C

113


Terra IndĂ­gena Jarudore Andreia Fanzeres/arquivo pessoal




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