Revista EMPODERA

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EDIÇÃO I JUNHO 2017

MARTA TEIXEIRA

O pioneirismo feminino catarinense por trás das câmeras

DIANA ELIAS

Do Sul ao Centro-Oeste no controle de voo do país

CLAUDETE LEHMKUHL

A primeira mulher na ativa a chegar ao posto de Coronel da PMSC



SUMÁRIO

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CARTA DA EDITORA

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POR TRÁS DAS CÂMERAS

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EM FRENTE ÀS CÂMERAS

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SIM, ELA É MULHER E É MECÂNICA!

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VOU DE TÁXI!

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NO CONTROLE DO CÉU

16 A PRIMEIRA CORONEL

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DE HOBBIE À PROFISSÃO

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“SUPER HEROÍNA SÃO AS MINA COMO EU E VOCÊ”


A certeza em fazer uma revista sobre empoderamento feminino veio no início de fevereiro, quando saí da sala de cinema após assistir Estrelas além do tempo. Antes daquele momento, sabia que gostaria de fazer algo relacionado ao tema mas não fazia ideia de que vertente seguir. Katherine Johnson estava, pela segunda vez, me provando que um não, com luta, pode virar sim. Ao longo do meu crescimento, sempre fui de questionar e gostar do que era diferente. Queria ir ao sábado no campo de futebol assistir meu pai, não gostava de cor de rosa, queria aprender a jogar rugby, gostava de carrinhos tanto quanto gostava de bonecas. Aos poucos, percebi que aquilo não era apenas pelo fato de me interessar pelas atividades, mas por também ser diferente do que eu vivenciava. A graduação em Jornalismo e os diversos lugares que trabalhei nos últimos cinco anos me proporcionaram conhecer pessoas que tem tudo a ver comigo e também em nada se assemelham a mim. Muitas mulheres que faziam o que queriam, mas também muitas mulheres que acabaram seguindo caminhos que eram mais

CARTA DA EDITORA


fáceis. E, seguir por uma estrada asfaltada só porque passar por buracos é turbulento e leva tempo, nunca me agradou. Ouvir o tema do meu TCC despertava surpresa nas pessoas que tinham curiosidade em saber o que eu ia aprontar. Houve quem achou empolgante, houve quem arqueou a sobrancelha e tentou não franzir a testa. Um colega de trabalho me questionou “Por que empoderamento feminino? Também tem o empoderamento do homem, do idoso. Ninguém está livre de julgamentos”. Aquilo me deixou pensativa e me fez perceber que o meu tema ia incomodar. Como outros assuntos na sociedade, o termo feminista ficou rotulado. As pessoas ligam feminismo com mulheres que não se depilam, mulheres que só se relacionam com outras, mulheres que odeiam e querem exterminar o sexo masculino da face da terra. Não é bem assim. Minha intenção ao falar sobre empoderamento feminino não é denegrir a imagem do homem, mas acabar com aquela ilusão que cresci ouvindo de “isso é coisa de menino”. Por que começamos a rotular atitudes, posicionamentos, postura, profissões? Por que não podemos tentar ser o que quisermos ser? Meu objetivo e minha busca, nos últimos cinco meses, era encontrar histórias que saíssem do comum e que, na verdade, nem deveriam ser rotuladas como fora do comum. Crescemos assistindo as situações serem caracterizadas por gênero: isso é de homem, isso é de mulher. Mas somos todos iguais. Escrever sobre empoderamento feminino é mostrar para outras mulheres – as que ainda não enxergam – que ser mulher não me impede de pilotar um avião, consertar carros, comandar um batalhão da polícia, ter meu próprio negócio. Encontrei mulheres extraordinárias com histórias incríveis. Mulheres que não desistiram do que queriam por serem mulheres e que conquistaram até mais do que pretendiam provando do que somos capazes. Mulheres que não se contentaram com o não. Mulheres que transformaram o não em sim, na maioria das vezes, depois de muito lutar. Nas próximas páginas contei as vivências delas e como, aos poucos, superaram o machismo e provaram que são capazes: para a sociedade e também para si mesmas. Às mulheres incríveis que conheci ao longo desse trabalho: obrigada. Às outras grandes mulheres que não conheci, mas sei que estão por aí, obrigada também. Ao escrever sobre empoderamento feminino, meu ideal é inspirar e mostrar que o não pode virar sim. Às mulheres que precisaram abrir mão de algo, um recado: o mundo pode ser muito pequeno para realizarem todos os sonhos, por isso, voem. O mais alto e longe que puderem. Não aceitem o não, persistam, lutem e, mais do que tudo, acreditem em si mesmas. Com amor, Milena Coutinho

IDEALIZAÇÃO, REPORTAGEM E EDIÇÃO

Milena Coutinho ORIENTADORA

Regina Zandomênico PROJETO GRÁFICO

Bianca Justiniano FOTO

Amanda Rosso TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Comunicação Social - Jornalismo Centro Universitário Estácio de São José Junho de 2017


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IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizou há três anos, a Nota Técnica Mulheres e trabalho: breve análise do período 2004 - 2014, que avalia reflexões sobre as condições do trabalho feminino em questão de igualdade de gênero e raça. Ainda que a questão salarial tenha melhorado entre os anos avaliados, os homens continuam ganhando mais que as mulheres - cerca de R$ 500 -, enquanto nos homens brancos a diferença chega a quase R$ 1.000. Segundo a introdução da análise, o objetivo do

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texto é “apresentar um conjunto de informações que mostre como os movimentos de presença e ausência das mulheres nos diferentes espaços do mundo do trabalho possibilitaram, ao longo da última década, alguns avanços e muitas permanências”. Fundada em 2010, a ONU Mulheres é uma entidade destinada a promover o empoderamento da mulher e a igualdade de gênero. Em parceria com o Pacto Global, criaram os Princípios de Empoderamento das Mulheres, a fim de garantir saúde, educação, segurança, capacitação e

impulsionar o desenvolvimento profissional. A Dra. em Sociologia Política, Adriane Nopes afirma que quando se trata de empoderamento feminino, é preciso pensar em várias dimensões. “Quando falamos de empoderamento da mulher não é só ver que estamos ingressando no mercado, temos que pensar na ascensão da mulher como um todo, em cidadania, em igualdade de direitos e na participação política. O empoderamento efetivo ainda não conseguimos” constata.


As modificações nas leis trabalhistas, como a licença-maternidade e a possível igualdade de salário, possibilitaram nos últimos 50 anos a inserção cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Segundo o Portal Brasil, a presença feminina em 2016 chegou a 44%. Apesar dessa conquista, ainda existe discrepância de gênero entre muitas atividades exercidas no país. Uma pesquisa do IBGE avaliou, entre 2003 e 2011, as diferenças de gênero no mercado.

Distribuição da população ocupada, por agrupamentos de atividade, segundo o sexo (%) - (2003 e 2011)* 22,6

22,8 17,5

16,7 15,1 11,6

1,0

12,5

Construção

18,6 17,0

14,8

13,2 10,5

10,5

0,7

Indústria

19,6

19,3

18,6

14,5

1,0

mulheres

21,9

19,9

16,2

14,9

13,0

Comércio

homens

Serviços Pestrados a Empresas

0,7

Adminstração Pública

Serviços Domésticos

FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas. Coordenação de Trabalho e Rendimento. pesquisa Mensal de Emprego 2003-2011. *Média das estimativas mensais

17,9

14,5

Outros Serviços

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P

rimeira mulher repórter cinematográfico de Santa Catarina, Marta Cecília Teixeira é a prova de que, para ser jornalista, não é preciso gostar apenas de escrever. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1987, os medos e as inseguranças sobre a profissão já começaram durante o curso. “Eu não conseguia me encaixar nas matérias com reportagens escritas. Não conseguia pensar que tinha que correr atrás dos entrevistados e ficar perguntando e perguntando” relembra. Por meio de uma colega da graduação, Marta conheceu o trabalho de Wlacyra Lisboa, cinegrafista gaúcha, e viu naquela função a chance de trabalhar com reportagem sem estar na figura de repórter. Focada no que pretendia, a jornalista procurou a antiga RCE –

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TV Cultura, em Florianópolis,e mostrou interesse em aprender as funções de cinegrafista. Foram quatro meses acompanhando diariamente as reportagens, até que conseguiu a vaga na TV. Com o mercado de trabalho restrito em Florianópolis, Marta decidiu ir para São Paulo, onde as oportunidades pareciam melhores. O primeiro trabalho na cidade grande foi na TV Gazeta, onde encontrou pessoas que a receberam muito bem. “A galera que encontrei lá era tão fantástica que quando eles descobriram que não almoçava por falta de grana, começaram a levar marmita pra mim todos os dias... E à tarde tinha disputa pra quem ia pagar o lanche”, revela saudosista. No período que trabalhou em São Paulo, Marta também fez carreira na TV Bandeirantes e realizou trabalhos como freelan-

cer na TV Cultura. A volta para Florianópolis, em 1991, foi após o nascimento da primeira filha, Taynan. Durante os 18 anos que trabalhou como repórter-cinematográfico, Marta Teixeira não teve grandes problemas com o fato de ser mulher. “Naquela época, não sentia diferenças de gênero. Pelo contrário, desde que entrei, homens e mulheres vinham a todo momento me parabenizar pelo fato de estar trabalhando numa área tão dominada por homens” recorda. Um caso isolado de machismo aconteceu enquanto trabalhava na TV Gazeta, ainda em São Paulo. Uma noite, foi cobrir um jogo no estádio do Morumbi. Na época, era de costume que depois do jogo as equipes entrassem no vestiário para fazer as entrevistas. “Nesse dia o porteiro


Foto: Arquivo pessoal

“Homens e mulheres vinham a todo momento me parabenizar pelo fato de estar trabalhando numa área tão dominada por homens”

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proibiu, disse que eu não podia porque era mulher e os jogadores estavam nus. Mas eu já tinha feito várias vezes entrevistas em vestiários, inclusive no Morumbi” conta. Naquele dia, o repórter concordou com o porteiro e disse que não iria ao vestiário pois também não achava certo. “Contei ao meu chefe e ele me defendeu. Passou uma reclamação para a chefia dos repórteres. Eu nunca mais saí com esse repórter” completa.

cleta e pelas estradas em 2013, depois de quase 12 anos fotografando festas, formaturas e eventos. Moradora do Rio Vermelho, no Norte da Ilha, desde a década de 1990, a jornalista registra as andanças no blog Vida Pedaleira. Em maio, voltou de bicicleta da Bahia, onde mora Taynan. “No

decorrer desse ano vou decidir qual será minha próxima praia... Ou compro um sítio para viver mais isolada junto à natureza, ou realizo uma próxima viagem de bike pela América Latina” planeja otimista a jornalista que trocou as lentes pelos pedais.

Os obstáculos sempre estiveram presentes, mas não era por isso que a jornalista desistiria. Marta afirma que na década de 90, as emissoras catarinenses (RBS e TV Barriga Verde) declaradamente não queriam mulheres no quadro de funcionários trabalhando na área técnica. Até 2000, efetivou trabalhos na produtora TVi, quando depois de muita dificuldade, conseguiu uma vaga na RBS TV. Após três anos de trabalho, Marta desenvolveu tendinite no ombro devido ao excesso de peso dos equipamentos, que chegavam a ter 15kg. Depois do diagnóstico, a cinegrafista decidiu mudar o rumo e começou o trabalho como fotógrafa social. Atualmente, Marta viaja e pedala. Descobriu a paixão pela bici-

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Foto: Arquivo pessoal

A carreira de Marta Teixeira como repórter cinematográfico, segundo ela, tem diversos momentos marcantes. Em 1989, quando trabalhava na TV Bandeirantes, em São Paulo, foi convidada a participar da última edição do Cara a Cara, com Marília Gabriela, que teve a presença do cantor Cazuza. “Esse programa me marcou demais porque fui escolhida pra fazer, ninguém podia entrar no estúdio quando Cazuza estivesse lá. Era fã dele e fiquei muito emocionada nesse dia” recorda saudosista.


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Foto: Reprodução do documentário “Mulheres e futebol: o salto na Cobertura Esportiva” e Arquivo Pessoal.


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ingir ser apresentadora de programa era uma das brincadeiras de infância preferida de Claudia Alves (49), primeira repórter esportiva feminina de televisão em Santa Catarina. Desde muito jovem, o sonho da jornalista era trabalhar com a mídia. “Treinava em casa a virada de câmera, fazia de conta que estava lendo, brincava de apresentar” relembra, saudosista. O primeiro trabalho da catarinense na televisão veio aos 18 anos, quando o chefe de operações da antiga RCE, Dirceu Flores, convidou Cláudia para participar do teste para um programa que era veiculado aos domingos e exibia clipes de músicas. “Aí fui, com os cabelos de vassoura e brincão”, confessa. A gravação acabou indo para o ar

e aquele trabalho ficou sendo o primeiro na carreira da repórter. Ao contrário do que muitos sempre pensam, ela garante que a conquista do espaço na TV veio pelo mérito dela e não teve nada a ver com o pai, o jornalista Roberto Alves. A vaga na área esportiva surgiu pouco tempo depois. O fato de gostar de futebol e entender das regras já era meio caminho andado, mas a jornalista revela que não entendia nada de telejornalismo. Durante 15 dias, Claudia acompanhou Polidoro Jr., jornalista esportivo, para saber como se portar, segurar o microfone, escrever um texto para TV, e depois começou a trabalhar na função. “Aí fui meio que jogada na fogueira e o sonho se tornou realidade”, declara.

No tempo que trabalhou como repórter, a catarinense fazia matérias nos campos de futebol, acompanhava os treinos, realizava transmissão dos jogos ao vivo e passava os boletins do time. Inicialmente foi setorista do Avaí, acompanhando o dia-a-dia dos jogadores, os treinos, e passava o boletim dos acontecimentos. “Na época não tinha a facilidade que tem hoje. Não existia o celular então passava tudo pra redação por orelhão” destaca. Uma das lembranças da época é a do dia que a esqueceram no estádio da Ressacada. A emissora levava a repórter e em uma ocasião ela ficou até 20h no estádio porque esqueceram de buscá-la. A rotina nos estádios acabou contribuindo também para a vida amorosa da jornalista, que se ca-

“A primeira coisa que veio na cabeça deles era que não eu entendia nada de futebol” sou com um jogador de futebol em meados de 1992 e logo depois, com a mudança de clube do marido, deixou a profissão para acompanhá-lo. No período em que estava noiva Cláudia já se afastou da área porque a presença diária nos estádios não era muito bem aceita pelo jogador. Durante mais ou menos cinco anos, a catarinense morou em outras cidades do estado e também ficou um tempo em Minas Gerais. Assim que voltou para Florianópolis, sozinha, Cláudia recuperou a vaga na RCE – que

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já era Record – e voltou a trabalhar com esporte, dessa vez no estúdio, cuidando da parte de produção e edição. Em seguida, teve um quadro da editoria no jornal do meio-dia e depois acabou apresentando o programa ao lado de Luiz Carlos Prates, onde ficou até o fim da graduação. O preconceito pelo fato de ser mulher, segundo Claudia, sempre esteve presente na carreira dela. “Quando se deram conta de que tinha uma mulher acompanhando o dia-a-dia, a primeira

coisa que veio na cabeça deles era que não eu entendia nada de futebol” relata. No começo, os jogadores estranhavam na hora das entrevistas e até os técnicos não gostavam muito, insinuando que ela deveria estar levando a roupa e cuidando da casa. “Existia o respeito no ambiente, mas o preconceito sempre estava presente” analisa. A iniciação de outras mulheres na área contribuiu para motivar a permanência de Claudia na profissão. “Eu me senti mais protegida e mais forte, porque


não era só eu ali”, relembra. “A gente conseguiu provar pra eles que entediamos, fazíamos perguntas inteligentes. A gente começou aos pouquinhos a conquistar espaço e abrir caminho para essas outras meninas que acabaram aparecendo” orgulha-se a repórter. Em 2003, Claudia viu a necessidade da graduação em jornalismo – na época, já existiam os questionamentos sobre a obrigatoriedade do diploma. “A prática eu tinha, mas não tinha a teoria, e isso me fazia bastante falta” reconhece. Incentivada pela colega de profissão, Regina Zandomênico, a jornalista iniciou o curso no

Centro Universitário Estácio e adquiriu o diploma em 2007. Não fugindo das raízes, o TCC foi sobre paixão dos torcedores e o parceiro foi Giovani Martinello, jornalista esportivo. Desde o fim da graduação, Cláudia trabalha na TV AL – canal da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) – como chefe de pauta e produção. Além dessa função, também apresenta o ‘Notícias da Semana’, telejornal que vai ao ar aos finais de semana mostrando o que acontece durante a semana no parlamento. No início, ela explica que foi complicado e precisou estudar bastante para entender melhor

“Eu não sabia nada de política, mas gostei muito quando comecei a entender como tudo funcionava e até hoje ainda estou aprendendo” reconhece. Atualmente, Claudia também participa da produção do programa Memória da Imprensa, que ainda não teve estreia e está sendo construído em parceria com a Associação Catarinense da Imprensa. O projeto busca reunir histórias de pessoas importantes que marcaram o jornalismo catarinense e irá para o Museu da Imprensa, que ainda está sendo construído.

Foto: Milena Coutinho

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NO CONTROLE DO CÉU 14

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surgimento do concurso da FAB (Força Aérea Brasileira) para formação da primeira turma feminina de oficiais aviadores, em 2003, despertou em muitas mulheres que tinham interesse na carreira a oportunidade que precisavam. Entre elas, Diana Elias, 28, que na época ainda cursava o Ensino Médio. “Fiquei muito instigada com a possibilidade em trabalhar diretamente com a aviação e em uma área a ser desbravada”, relata a militar. O contato com a carreira militar começou cedo porque o irmão, hoje já aposentado, foi policial militar. O interesse pela profissão e as possibilidades por ela oferecida se uniram a outros desejos da controladora de voo. “Meu pai e minha mãe sempre foram muito cuidadosos e rígidos com a nossa educação. Então eu queria conquistar minha autonomia financeira e pessoal rapidamente para poder tomar minhas próprias decisões” afirma, com determinação. Em 2006, Diana fez o concurso, mas não foi aprovada. Naquele momento, ela considerou que em Santa Catarina não havia muita motivação para ingressar na Marinha, no Exército e na Aeronáutica e só foi entender melhor sobre as escolas militares e suas especialidades no ano seguinte. Enquanto estudava para o concurso da Escola de Especialistas da Aeronáutica (EEAR), cursou Tecnologia em Automação Industrial no antigo CEFET/SC durante um semestre. Com a aprovação na EEAR, em 2008, interrompeu a graduação para se dedicar a escola militar. Aprovada nos exames psicológico, físico e de saúde, era hora de se dedicar ao curso. Durante dois anos, Diana morou em Guaratinguetá (SP) para adquirir conhecimento prático e teórico sobre a carreira como controladora de voo. A catarinense co-

nheceu mais sobre a especialidade enquanto se preparava para o concurso. “Trata-se de uma profissão dinâmica, que exige raciocínio lógico e espacial, boa desenvoltura com as palavras, controle emocional e facilidade em adaptar-se às mudanças operacionais” explica. A profissão não é restrita a militares, podendo o ingresso ser de forma civil através do concurso do Instituto de Controle do Espaço Aéreo – ICEA. Denominada Esquadrão Escorpião Branco, a turma de formação da Diana, no segundo semestre de 2008, continha um número significado de mulheres. Num grupo de 54 controladores de voo militares, 33 eram do sexo feminino. Mas, naquele período, nem todas as funções podiam ser exercidas pelas mulheres. “Hoje, já consigo observar melhorias implementadas. Algumas especialidades que antes eram somente para o público masculino, como serviço de guarda e segurança e material bélico, já disponibilizam vagas para mulheres” aponta a militar. Habilitada em controle de tráfego aéreo e como instrutora, Diana é responsável por direcionar aeronaves civis, comerciais e militares que cruzam o espaço aéreo brasileiro, sendo destino ou não o país. Dentro das funções de controlador, existem três sub-áreas: as torres, que controlam o pouso e decolagem das aeronaves, o controle de aproximação, que garante a fluidez entre os aviões com destino semelhante, e o centro de controle de área, que cuida do trajeto de uma aeronave entre os espaços, como do aeroporto ao destino final. A escolha da especialidade – meteorologia, informações aeronáuticas, equipamentos de voo, manutenção de aeronaves – é realizada de acordo com a colocação no resultado do concurso.


Foto: Arquivo pessoal

Segundo o Portal Brasil, em 2003, o crescimento da participação feminina na Força Aérea Brasileira já alcançava 277%. Na EEAR, escola de formação da Diana, nos últimos sete anos, dos 8.796 TerceirosSargentos formados, 3.057 são mulheres.

No período de formação do militar, não existe tratamento diferenciado entre os gêneros: todos realizam as mesmas tarefas, na mesma intensidade e padrão. “Infelizmente tem também pessoas que se aproveitam da imagem de sexo frágil, mas quando você faz o seu trabalho bem feito e cumpre as atividades de quartel da mesma forma que um homem, você passa a adquirir o respeito e a admiração dos colegas. Isso faz a diferença na caserna” evidencia Diana. Atualmente, a catarinense é Terceiro-Sargento controladora de voo (BCT) e serve o CINDACTA 2 (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo), em Curitiba. O Centro de Controle de área do estado é responsável pelas Regiões Sul, Sudeste e parte da Centro-Oeste. Segundo Diana, a responsabilidade é enorme, já que nessa área a quantidade de voos diários é em torno de 1.400. “Se considerar que em cada avião temos em média 90 passageiros, a quantidade de vidas sob responsabilidade de um controlador é bem grande. Tentamos lidar com essa pressão da melhor maneira possível e dar o nosso melhor” constata. O regime de trabalho é por escala, que pode incluir qualquer dia da semana. Apesar da precaução durante a infância, a família, que continua em Santa Catarina, sempre acreditou nas escolhas da controladora de voo. “Meu pai me apoiou e me acompanhou nas provas e etapas que precisei passar antes de me matricular na escola” relembra orgulhosa. Diana Elias que, apesar de não ser da área da saúde, é responsável quase que diariamente por milhares de vidas.

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Foto: Arquivo pessoal

Ainda em serviço, Claudete Ê uma das percursoras dos direitos das mulheres dentro da Polícia Militar de Santa Catarina


A carreira dentro da polícia nunca esteve nos planos de Claudete. Na verdade, o acaso a levou a profissão. Natural de Santo Amaro da Imperatriz, na Grande Florianópolis, a Coronel cursava Física na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e se interessou pelo concurso devido ao salário – na época, era complicado manter a moradia, alimentação e outros gastos ge-

rados pela graduação. Foi nesse momento, aos 18 anos, em junho de 1983, que a história dela com a corporação se iniciou. Apesar da iniciativa da academia em abrir espaço para as mulheres – inicialmente duas vagas, Claudete afirma que durante muito tempo elas tiveram tratamento e liberdade diferente dos que eram concedidos aos homens. “A época de academia foi muito difícil, nós tivemos que buscar a igualdade. Como foi a primeira turma com mulheres, a própria instituição não sabia lidar conosco” relata a Coronel. Na época do curso, os quadros eram diferentes e as mulheres não podiam ocupar as mesmas funções e participar das mesmas atividades. A luta feminina dentro da instituição começou nesse momento, mas foi só mais de 10 anos depois, em 1998, quem fi-

nalmente foi aceito que homens e mulheres exercessem as mesmas funções e tivessem os mesmos tratamentos. Durante mais de 20 anos, as mulheres travaram uma luta para igualdade de gênero dentro da Polícia Militar. Nos primeiros anos das mulheres na corporação, a Coronel relembra que elas só podiam casar depois de cinco anos de ingresso na polícia, enquanto o homem não tinha essa restrição. Apesar de terem tido as mesmas aulas de tiro, até certa época, as mulheres não podiam usar arma para trabalhar, coma desculpa de que era algo muito agressivo. Até a permissão do uso da calça foi conquistada muito tempo depois. Antes disso, tinham que usar saia e meia calça fina, não importava se era inverno ou verão. “O espaço foi conquistado pela nossa postura e determinação, a partir disso

“O espaço foi conquistado pela nossa postura e determinação, a partir disso que começamos a ser ouvidas”

Foto: Arquivo pessoal

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igura feminina mais i m p o r t a n t e d e n t ro d a Polícia Militar de Santa Catarina na atualidade, Claudete Lehmkuhl (52) entrou para a corporação na primeira turma de oficiais que a instituição abriu, em 1983, antes mesmo da Constituição de 1988, que incorporou a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, bem como a inclusão de direitos humanos para a última.

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“Nós mulheres precisamos fazer esse esforço maior de mostrar que somos capazes e estamos aqui para fazer a diferença” que começamos a ser ouvidas”, reforça Claudete com orgulho de quem vive diariamente essa conquista.

Foto: Milena Coutinho

Graduada na UFSC em Ciências Sociais, Claudete voltou para a instituição quando concluiu o curso de oficiais, em 1986, e também fez especialização na área de Políticas Públicas. “Defini a minha carreira em cima de projetos de prevenção” declara. Dentre as mais diversas funções que ocupou durante os 33 anos de carreira está a Coordenação Estadual do Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas). Ela também trabalhou no Rio de Janeiro, junto ao Ministério da Justiça, para desenvolver atividades preventivas para adolescentes em torno das comunidades dos Jogos Pan-Americanos na cidade. “Sempre defendi que a segurança não se faz somente com polícia, então o que pude incentivar o envolvimento com a comunidade e oferecer projetos alternativos, participei. Sempre busquei apoiar esses movimentos sociais”, declara. Apesar da dedicação com a carreira, a Coronel conta que foi possível conciliar a maternidade com a profissão. Durante

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15 anos, foi casada e teve dois filhos, Renato (27) e Douglas (21), mas depois separou e há mais de 10 anos vive em união estável com outro homem. A família sempre apoiou a carreira de Claudete e percebeu a importância dela na profissão. O filho mais velho decidiu seguir os passos da mãe e em junho se forma na Academia de Polícia Militar. Claudete considera que a conquista dos direitos femininos dentro da corporação foi o maior desafio da carreira. “A mulher precisa sempre lutar pra ocupar o seu espaço. O homem não precisa disso. Ele, por si só, já ocupa esse espaço. Esse é o grande diferencial. Nós mulheres precisamos fazer esse esforço maior de mostrar que somos capazes e estamos aqui para fazer a diferença” declara. Apesar de poder optar pela aposentadoria antes de alcançar o posto de Coronel, ela acredita que não abriu mão disso por ainda ter muito a acrescentar. “Penso que exercer o último posto acaba sendo uma grande honra e por colocar em prática muitas coisas que defendi ao longo da carreira com mais voz e mais atitude. Vejo como um coroamento e que eu não queria ir embora sem sentir e passar por isso” orgulha-se. Segundo a Coronel, estar em um posto de ordem exige uma postura mais firme e reservada. Ela explica que quando se está fardado, as pessoas esperam outro posicionamento. “A essência é a mesma, mas vejo diferença entre meu lado profissional e pessoal” revela. Longe da farda e do ambiente de trabalho, Claudete gosta de praticar atividades físicas, ler, conhecer novos lugares e avalia que está na fase dos amigos, de uma boa comida e uma boa conversa. “Me sinto muito feliz porque tenho muitos amigos” reflete, satisfeita.


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os nove anos, assistindo o primo mais novo jogar Street Fighter – série popular de jogos de luta -, Meggie Fornazari foi inserida no universo dos jogos. Chun-Li, personagem feminina do SF, foi o que despertou na pequena Meggie a vontade de entender como funcionava um pouco mais desse universo até então desconhecido. Aos 14 anos, o hobby foi para as telas do computador com o surgimento do The Sims - jogo eletrônico que simula a vida real -, e por ali ficou até pouco depois dos 20 anos. Atualmente, executa uma função de tradução dentro desse universo que vivencia desde criança. Durante toda a infância, adolescência e até mesmo na vida adulta, a doutoranda em Língua Inglesa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem uma relação assídua com os jogos, sejam eles analógicos, como os de tabuleiros e de car-

tas, até os jogos mais tecnológicos, como os de vídeos games e os on-line. Por meio dos ami-

“A minha pesquisa sobre a traduCAo do jogo E a parte que chama mais atenCAo” gos de escola que Meggie ficava sabendo das novidades sobre os games. Em um dos intervalos que ela conheceu o Magic:

The Gathering, jogo dinâmico, inicialmente de cartas, que traz diferentes personagens que duelam entre si e permitem que os jogadores invoquem nos magos e das criaturas ações como feitiços, auras e maldições. Através do marido, Volnei, que a Meggie conheceu o Magic Duels, interface criada para fazer uma versão do game para computadores e de graça. Foi essa possibilidade que a trouxe de volta para o jogo já que até então era só de cartas e a compra delas muitas vezes não cabe no orçamento de muitos jogadores. Foi a partir da versão digital que Meggie conseguiu unir o hobby e a profissão. “Jogando em inglês, comecei a notar que as minhas opções intuitivas do nome das coisas em português não eram as versões que eram traduzidas”, explica. Formada em Letras/Inglês pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o interesse de pesquisa dela já era em tradução

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Foto: Milena Coutinho

e essas peculiaridades despertaram em Meggie o interesse em abordar o tema na sua pesquisa de doutorado. A experiência profissional na área de tradução já acontece há pelo menos 10 anos, mas foi a partir de 2015 que a doutoranda começou o trabalho com tradu-

ção de games mobile para uma agência que trabalha com jogos. Além da tradução do conteúdo do jogo, Meggie também desenvolve a adaptação da língua para o chamado conteúdo colateral, que envolve informações sobre o jogo para outras plataformas e mídias, como sites. “No final das contas, a minha

pesquisa sobre a tradução do jogo é a parte que chama mais atenção porque não tem mais ninguém que faça” explica. “Tem muito espaço para pesquisadores novos e muitas possibilidades, tanto de trazer jogos de fora para o português, e levar jogos brasileiros para outros países”.

e jogos Ana Carolina Botticelli, 9,eo marido, Antônio,criaram há dois anos o Covil da Lua,nobairroKobrasol, emC São José. No local, Magic, principalmente asmulheres, já quea representação feminina édequase10%nesses e s p a ç o s . A p e s a r d e pequena, a participação das mulheres é colaborativa. 20 Tivemos uma grávida de

COVIL DA LUA om a intenção de gerar um espaço agradável para mesas de jogos Ana Carolina Botticelli, 29, e o marido, Antônio, criaram há dois anos o Covil da Lua, no bairro Kobrasol, em São José. No local, além da venda e do aluguel de todos os tipos de jogos, eles promovem torneios e levam grupos pra participar de competições em outros lugares. É nesse espaço que Meggie carimba presença todas as terças-feiras, para partici-

par de uma das mesas de jogos, já que agora a tradutora está com a iniciativa de ensinar outras pessoas a jogar Magic, principalmente as mulheres, já que a representação feminina é de quase 10% nesses espaços. Apesar de pequena, a participação das mulheres é colaborativa. “Tivemos uma grávida de oito meses que há pouco tempo ganhou uma competição de Magic” declara, orgulhosa.


Foto: Milena Coutinho

SIM, ELA É MULHER E É MECÂNICA!

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esde maio deste ano, uma figura de cabelos ruivos se destaca entre as paredes brancas e as cores monótonas no galpão da Mecânica RR, em São José, na Grande Florianópolis. Num grupo com mais quatro homens, Maria Luiza dos Santos de Souza (23) é a única mulher mecânica do local. A trança nos cabelos, os brincos pequenos e a voz suave não passam despercebidos por quem chega na oficina.

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Foto: Milena Coutinho


“O mais engraçado pra mim é o indiscreto. As pessoas querem saber da minha intimidade, o que meu marido acha de a minha unha estar preta“ A relação de Maria Luiza com a profissão veio da família porque o bisavô era mecânico diesel – de caminhões. O crescimento com o avô também contribuiu para que o gosto se tornasse profissão. “Meu avô era muito curioso, assim como eu. Precisava de uma manutenção ele tentava antes de levar no mecânico e eu sempre

estava com a cara ali embaixo do capô tentando ver o que ele estava fazendo” relembra. Segundo a mecânica, ele não concordou com a escolha da profissão por considerar ser sofrida, mas Maria Luiza sabe pelos outros familiares que ele é muito orgulhoso pelo que a neta se tornou.Formada em Manutenção Automotiva pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) no fim de 2016, a técnica até cursou Engenharia Automotiva na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) há quatro anos, mas acabou desistindo e correndo atrás do que queria. “Acho que essa paixão sempre tive, eu só não aceitava que tinha que me sujar de graxa” revela. As experiências profissionais já começaram durante o curso técnico, quando Maria Luiza estagiou em grandes concessionárias, como a Toyota e a Kia. Apesar de estar sempre entre os destaques da turma, ela admite que a vivência é o que importa. “Na teoria, é tudo muito bonito, quando a gente chega aqui, tenta sugar o máximo possível” explica demonstrando admiração pelo que faz. Apesar do trabalho durante a semana na oficina – que vai desde arrumar o vidro elétrico de carros e ajudar a levantar motores até levar clientes em casa – ninguém imagina que a mecânica, aos fins de semana, realiza trabalhos extras como modelo e atriz. Se na sexta ela está usando roupas escuras para não sujar de graxa, no sábado pode estar em estúdio fotografando para lojas de roupas. Recentemente Maria Luiza participou das gravações de um curta-metragem e garante que, sempre quando pode, gosta de trocar as botas pelo salto e aceita convites para trabalhar como modelo. Segundo a mecânica, os comentários sobre uma mulher na área já começaram durante o curso técnico, em que o público

feminino era menor e em algumas fases nem existia. “Tinham piadas machistas, algumas eu rebatia, algumas deixava quieto, porque a gente sabe que demora pra construir alguma coisa” relata. A técnica conta que na primeira semana na Mecânica RR, um dos colegas de trabalho comentou que iam colocar uma placa na entrada do local “sim, ela é mulher e é mecânica”. Algumas situações inusitadas acabam acontecendo pela surpresa das pessoas em ver uma mulher como mecânica. “O mais engraçado pra mim é o indiscreto. As pessoas querem saber da minha intimidade, o que meu marido acha de a minha unha estar preta” declara. Casada há um ano também com um mecânico, Maria Luiza conheceu o parceiro em outro ambiente e afirma que ele admira e respeita a escolha profissional dela. “Eu gosto das minhas unhas bem feitas e até coloco unha postiça para sair. Gosto de estar bonitinha, mas não é meu foco. Meu foco é meu trabalho” destaca com voz firme de quem não tem dúvida do caminho que escolheu. Rodrigo Tavares foi o responsável pela contratação da Maria Luiza na Mecânica RR e afirma que o processo foi semelhante a todos que acontecerem no local. “Sabia e acreditei no potencial dela e até agora está mostrando que sabe bem e tem futuro” conclui. O uniforme, a camiseta preta da oficina, a mesma para todos. A demanda de trabalho é grande, mas Maria Luiza acentua que não consegue ficar parada. O trabalho na oficina é durante o dia, no período da manhã e da tarde. Apesar dos comentários e das situações inusitadas ela gosta do que faz. “As pessoas me conhecem e sabem que se tô suja de graxa, tô feliz, e onde eu realmente quero estar” orgulha-se, vitoriosa das conquistas.

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Foto: Milena Coutinho

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Apelidada carinhosamente de Sandrinha, taxista em Florianópolis é popular por oferecer transporte para mulheres à noite

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ltura mediana, cabelo curto e roupas simples. Quem vê Sandra Palmiere, 52, das 19h às 7h, atrás do volante pelas ruas de Florianópolis nem imagina a história de vida que ela tem para contar. Natural de São Paulo, a motorista já foi motogirl, faxineira, frentista e, há quase dois anos, trabalha na capital como taxista no período noturno. Corretora de imóveis em São Paulo, Sandrinha trabalhou com o pai até os 37 anos. A técnica em transações imobiliárias veio passar férias em Florianópolis e se encantou pela cidade. Como não estava feliz na capital paulista resolveu fazer as malas em definitivo e tentar a vida em Florianópolis. Há 15 anos, após essa decisão, a taxista já trabalhou nas mais diferentes áreas: garçonete, faxineira, vendedora de loja e até fazendo drinks na praia. O emprego como taxista veio há quase dois anos, quando uma amiga comentou que abririam vagas para 200 novos carros e precisavam de motoristas para suprir a demanda. Como já tinha habilitação desde os 22 anos, ela topou. Na época, a paulista trabalhava como telemarketing e durante nove meses dividiu a rotina entre as duas funções. “Pegava o táxi sete da noite e ia até às quatro da manhã. Ia pra casa e dormia até 11h, saia dos Ingleses até a Palhoça e trabalhava 6h, e depois pegava o táxi de novo” relembra. O carro que Sandrinha trabalha, um Renault Fluence, não é dela. A taxista tra-

balha recebendo comissões das corridas que realiza diariamente. Já em Florianópolis, a taxista tentou o ensino superior duas vezes. No SENAI, cursou Técnico em Segurança do Trabalho. Na época, se interessava pela área que aborda doenças ocupacionais por já trabalhar como telemarketing. Com o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), Sandrinha acabou desistindo. Depois, a preocupação com a ilha e as questões de preservação despertaram a utilidade na graduação em Gestão Ambiental, mas a dificuldade em algumas

“A gente tem que mostrar que também está aqui e é capaz de fazer” matérias acabaram fazendo com que ela perdesse o interesse. “Aí, parei de estudar. Dei um tempo e tô só no táxi. Minha vida é aqui”, declara. No começo, a paulista conta que as pessoas ficavam surpresas por ser uma mulher dirigindo, mas ao longo do atendimento os clientes já se sentem mais seguros. “A gente tem que mostrar que também está aqui e é capaz de fazer” declara. A confiança no trabalho surge de súbito. “Mulheres que trabalham de noite e em hospital começaram a me ligar pedindo corrida dizendo que se sentiam mais seguras”, explica.

O transporte também ficou popular entre os pais, que confiam em Sandrinha a ida e a voltas dos filhos das festas. Apesar de pouco tempo no ramo, a taxista já coleciona histórias engraçadas das corridas que realizou. Uma das mais marcantes foi a que um cliente que, em um primeiro momento, não percebeu que o táxi era dirigido por uma mulher. “Foi muito inusitado porque ele estava na rua, beijou na boca da namorada, entrou no carro e já colocou a mão na minha perna achando que eu era homem” recorda, aos risos. Sandrinha explica que, pelo jeito simples e o corte de cabelo, muitos não percebem que ela é mulher e só acabam reconhecendo pela voz. Com a chegada do Uber – serviço semelhante ao de táxi através de um aplicativo - a Florianópolis, ela afirma que a situação ficou complicada para quem trabalha na área. Atualmente, Sandrinha atende pelos dois serviços, mas conta que a situação não está fácil para quem atua em ambos e a paulista não tem perspectiva de emprego caso a situação piore. “Apesar das minhas experiências, elas não dizem nada, tem o preconceito pela idade e pelo fato de ser mulher” reflete preocupada. Apesar disso, a recente participação no extinto programa Mistura, da RBS TV, trouxe novos clientes e renovou as esperanças. “Hoje tive duas clientes de fora que me chamaram por causa da matéria e já realizei três corridas com elas”, orgulha-se.

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“SUPER H SÃO AS COMO EU

Produzida majoritariamente por mulheres, com mulheres, e episódios que narra a história de quatro

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HEROÍNA S MINA U E VOCÊ’’ Foto: Divulgação

e para mulheres, a SUPER é uma micro-websérie de sete o jovens que descobrem ter poderes.


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visível a satisfação no olhar de Lara Koer, Maria Fernanda Bin, Caroline Mariga e Viviane Mayumi ao falar sobre SUPER – micro-websérie que aborda assédio, empoderamento feminino e homossexualidade. Formadas em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), elas – criadoras - e uma equipe predominantemente feminina deram vida a quatro super heroínas. Com a decisão de parar de escrever histórias com protagonistas homens, Lara Koer vasculhou antigos roteiros e resgatou um esboço do que veio a ser SUPER. Ainda sem definição de projeto, e com uma personagem que quando espirrava podia se teletransportar, a cineasta formada em março teve o estalo de que aquilo que já estava no papel poderia ser sobre feminismo e mulheres empoderadas. “O roteiro eu escrevi, mas a gente foi construindo com base os ensaios com as atrizes e nas conversas com a equipe”, explica a diretora e roteirista. A série foi lançada em março deste ano e tem sete episódios, de aproximadamente dois minutos, que narram a trajetória de quatro jovens acabam unidas para se descobrirem e conhecerem mais de si mesmas. A protagonista Super (Giulia Pamina) convive com Renata (T Alvez), que consegue saber o que os outros estão pensando, Olivia (Bubah Machado) que tem a capacidade de ficar invisível e Cláudia (Bárbara Martins), dona de uma super força. “A mesma coisa que a Super passa, eu passei”, revela Lara. “Fui encontrando essas outras mulheres no caminho e a gente foi descobrindo juntas a força dessa história” completa orgulhosa a cineasta. Para fugir do estereótipo de mulheres inalcançáveis, a construção das personagens, segundo

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Lara, surgiu da necessidade de mostrar jovens que não estão fora da realidade e que cada mulher que fosse assistir aos episódios conseguisse se identificar. “É como se tivesse um pedacinho de cada pessoa que participou da criação em cada uma delas” declara Caroline Mariga, criadora e diretora de fotografia. O que era para ser só o trabalho de conclusão de curso (TCC) acabou tomando outras proporções. “Quando eu estava começando a entender o que era aquilo vi que não dava pra ser só um trabalho. Eu sabia que ia me doar e queria estar ali, então a gente tinha que estar juntas nisso” conta Maria Fernanda Bin. A ideia de mulhe-

“Quanto mais a gente falava, mais as pessoas paravam pra ouvir, porque é real, porque muitas mulheres sentem o que a gente tá falando” res, com mulheres, criando algo pra mulheres acabou ganhando espaço de discussão dentro do curso, já que era a primeira vez que esse processo estava sendo abordado dentro da graduação. “Quisemos usar das possibilidades que tínhamos de construir, produzir e trazer, única e simplesmente, mulheres fazendo o trabalho delas” acrescenta a diretora de arte. A ideia inicial era que, pelo menos, todas as chefes de equipe fossem mulheres. Com o desenvolvimento do roteiro, da produção e das gravações, a

participação feminina começou a aumentar e cerca de 80% da produção de SUPER é formada por mulheres. “Um set com a maioria mulher foi muito mais organizado, mais leve, em que todos os problemas foram resolvidos rapidamente, onde todo mundo se divertiu, sente saudade e tem orgulho de ter participado” confessa Carol Morgan, assistente de direção. O tema e o projeto foram ganhando espaço na mídia e, dessa forma, alcançando e despertando a curiosidade de cada vez mais pessoas. “O que aconteceu foi que começaram a se interessar sobre. Quanto mais a gente falava, mais as pessoas paravam pra ouvir, porque é real, porque muitas mulheres sentem o que a gente tá falando” afirma Lara Koer. Além do roteiro, da direção, da produção, da atuação, da fotografia, da arte, da montagem e dos efeitos visuais trazerem a assinatura de mulheres entre 20 e 30 anos, a trilha sonora também tem assinatura feminina. A jornalista Manuela Tecchio, já envolvida com música, foi a responsável por desenvolver, especialmente, a música tema da websérie. “Foi um baita desafio criar um tema de super-herói, que envolve a linguagem sexista dos quadrinhos, encaixar nisso o empoderamento feminino e ainda falar para um público essencialmente adolescente” relata a jornalista. O processo de desenvolvimento da série durou cerca de dois anos. Ao todo, as gravações aconteceram em oito dias, e sempre aos finais de semana, já que o trabalho foi voluntário e eram nesses momentos que os horários para produção coincidiam. Depois, o pós-produção, com desenvolvimento de edição, trilha, colorização, abertura, levou pelo menos um ano.


No final de 2016, mesmo sem estar completamente finalizada, SUPER concorreu nas categorias de Melhor Atriz e Melhor Roteiro de Ação, Ficção, Suspense ou Terror no Rio WebFest - festival que premia webséries e novas mídias. Giulia Pamina – estudante de Teatro da Udesc trouxe o prêmio pra casa pela interpretação da personagem Super.

YOUTUBE

Foto: Divulgação

“Quisemos usar das possibilidades que tínhamos de construir, produzir e trazer, única e simplesmente, mulheres fazendo o trabalho delas”

SUPER é uma produção da Calamavina, Movimento Criativo. O clipe da música tema e os episódios da série estão disponíveis no canal de youtube da produtora. Até o fim de maio, o número total de visualizações já ultrapassava nove mil exibições.

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Guia do Emp para ler

PARA ASSISTIR

MÁ FEMINISTA

Seguindo o estilo ensaio pessoal, a irreverente escritora feminista americana de 42 anos Roxane Gay conta, através de vivências, como surgiu a relação com o feminismo e a forma que, ao longo do tempo, as percepções dela sobre o tema acabaram mudando. Além de contar histórias, a autora faz uma análise das diversas formas que a mulher é abordada na sociedade e a influência das mídias - filmes, livros, séries - sobre a formação e opinião. Publicado pela editora Novo Século, o livro tem 312 páginas.

PERSÉPOLIS

Os quadrinhos são responsáveis por contar a vida de Marjane Satrapi, uma jovem iraniana que curiosa e questionadora sobre o regime do país natal e a opressão contra as mulheres. O volume completo, publicado pela Quadrinhos Na Cia, tem 352 páginas, mostra as vivências da escritora e apresenta a construção política da jovem e os contextos históricos que levam aos conflitos que envolvem o Irã. Mistura de drama e humor, a obra é uma autobiografia.

HISTÓRIAS DE NINAR PARA GAROTAS REBELDES

Fugindo das convencionais histórias do “era uma vez”, neste livro, somos apresentadas a vida de 100 extraordinárias mulheres ao longo do tempo, mostrando as individualidades, profissões e estilos. Cada personalidade é ilustrada por uma artista e a obra é uma renovação das histórias antes de dormir seguindo uma temática feminista e mostrando que a mulher pode ser o que ela quiser. O livro tem 220 páginas e foi publicado pela V & R.

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ESTRELAS ALÉM DO TEMPO

Durante a corrida espacial, na década de 60, três americanas tiveram papel importante nos avanços e na vantagem dos Estados Unidos perante a Rússia. Baseado na história real de Katherine Johnson, Dorothy Vaughn e Mary Jackson, as cientistas e matemáticas da NASA lidam com a desigualdade de gênero e raça no auge da segregação, além das responsabilidades que vão além do profissional. O filme recebeu três indicações ao Oscar 2017: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer).


poderamento AS SUFRAGISTAS

Baseado nas discussões sobre o direito das britânicas votarem, o filme vai muito além do elemento principal, que é o direito ao voto. Através das personagens principais, podemos conhecer o movimento de luta das mulheres e as dificuldades e injustiças que eram sujeitas na época, como jornadas de trabalho exaustivas, diferenças salariais e o assédio sexual. Diversos são os motivos que unem as mulheres que exigem melhores condições de vida.

PARA OUVIR DESCONSTRUINDO AMÉLIA PITTY E eis que de repente ela resolve então mudar / Vira a mesa, assume o jogo / Faz questão de se cuidar / Nem serva, nem objeto, já não quer ser o outro / Hoje ela é um também

GIRLS JUST WANT TO HAVE FUN CYNDI LAUPER Some boys take a beautiful girl / And hide her away from the rest of the world / I wanna be the one to walk in the sun / Girls they wanna have fun Alguns caras ficam com uma garota linda / E a escondem do resto do mundo / Eu só quero poder andar sob a luz do sol / As garotas querem só se divertir

THE BLETCHLEY CIRCLE

Tendo como cenário a Segunda Guerra Mundial, a série apresenta um grupo de mulheres que trabalha para o serviço britânico a fim de decifrar mensagens criptografadas pelos alemães, que continham informações secretas de ataques. Susan, Millie, Lucy e Jean se destacam frente às distintas habilidades que possuem. Por trás do contexto principal da série, a discussão do papel da mulher na sociedade e a forma como assumem outras responsabilidades, como casa e família. Disponível na Netflix, a série tem duas temporadas e sete episódios no total

1º DE JULHO CÁSSIA ELLER Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher / Sou minha mãe e minha filha / Minha irmã, minha menina / Mas sou minha, só minha e não de quem quiser

ESCUTE A PLAYLIST EMPODERESE COMPLETA NO SPOTIFY. APROXIME SEU CELULAR!

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