A prosa... a poesia... o AMOR

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a prosa… a poesia… … o amor

BE-ESOD 01-02-2012


Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado e com letra bonita eu disse ela tinha um sorrir luminoso tão quente e gaiato como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas espalhando diamantes na fímbria do mar e dando calor ao sumo das mangas Sua pele macia - era sumaúma... Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo tão rijo e tão doce - como o maboque... Seus seios, laranjas - laranjas do Loje seus dentes... - marfim... Mandei-lhe essa carta e ela disse que não. Mandei-lhe um cartão que o amigo Maninho tipografou: "Por ti sofre o meu coração" Num canto - SIM, noutro canto - NÃO

Levei à Avo Chica, quimbanda de fama a areia da marca que o seu pé deixou para que fizesse um feitiço forte e seguro que nela nascesse um amor como o meu... E o feitiço falhou. Esperei-a de tarde, à porta da fabrica, ofertei-lhe um colar e um anel e um broche, paguei-lhe doces na calçada da Missão, ficámos num banco do largo da Estátua, afaguei-lhe as mãos... falei-lhe de amor... e ela disse que não. Andei barbudo, sujo e descalço, como um mona-‘ngamba. Procuraram por mim "-Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?" E perdido me deram no morro da Samba. Para me distrair levaram-me ao baile do Sô Januário mas ela lá estava num canto a rir contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

E ela o canto do NÃO dobrou. Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete pedindo, rogando de joelhos no chão pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia, me desse a ventura do seu namoro... E ela disse que não.

Tocaram uma rumba - dancei com ela e num passo maluco voámos na sala qual uma estrela riscando o céu! E a malta gritou: "Aí Benjamim!" Olhei-a nos olhos - sorriu para mim pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim. Viriato da Cruz

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O Amor é uma Estupidez "Tenho a certeza que o amor é uma estupidez. Torna as pessoas meio estúpidas e muda-lhes a maneira de ser e se calhar torna-as mais felizes, está bem, mas isso não muda nada e é claro que não torna inteligentes os que já são estúpidos. Quando vou na rua e vejo alguém com um sorriso parvo estampado na cara, penso: este fulano deve estar completamente apanhado da pinha, mas às vezes, quando estou em maré de indulgência, acrescento para mim: ou completamente apaixonado. Concordo que as declarações de guerra ainda são piores do que as declarações de amor, mas isso não impede que as de amor sejam uma estupidez. Além disso, as declarações de amor podem acabar em guerra declarada ou por declarar, como aconteceu com os pais do Sérgio. Quem tiver adivinhado que estou apaixonado e se considere muito esperto e inteligente, elementar caro Watson por isso, com certeza que é um convencido, e se pensa que sou estúpido, ainda por cima é imbecil, porque pode acontecer a qualquer um apaixonar-se e ninguém está a salvo. Eu, para não ir mais longe, apaixonei-me pela Sara sem querer, comecei a gostar dela sem querer. (...) Ao entrar na aula reparei numa rapariga nova que se tinha sentado na primeira fila e pensei que se tinha sentado ali por ser a única em que havia dois lugares livres. Tinha uma razão muito diferente, mas eu ainda não podia saber. Era a Sara, claro. Tinha o cabelo louro. A mim, tanto me faz que uma rapariga seja loura ou morena e isto não quer dizer que goste de todas, mas sim que não tenho nada contra as louras nem contra as morenas e passei meia hora da aula a tirar apontamentos e a outra meia hora à espera de conseguir ver a cara da nova. - João - chamou-me a atenção o stôr de Geografia, que às vezes salivava de mais e então parecia um regador e os da primeira fila canteiros de hortênsias. - João, tens alguma coisa? O stôr de Geografia conhecia-me do ano anterior e gostava de mim, não sei porquê. Eu também o curtia e acho que também não sabia porquê, embora se calhar era por ele gostar de mim. - Não - disse eu, e corei porque sou um dos três mais tímidos da turma. Então a chavala nova voltou-se e vi finalmente a cara dela. Juro que me sorriu durante meio segundo e que ela também corou." Martin Casariego Córdoba

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Bilhete com foguetão Com um beijinho para a Petra Foi no tempo da terceira classe. Quando a Petra entrou na sala já deviam ser umas três da tarde. Lembro-me disso porque nós sabíamos as horas pelo modo como as sombras invadiam a sala de aulas. A Petra tinha o tom de pele escuro, bem bronzeado, e vinha com umas roupas bem bonitas que se fosse a minha mãe não me deixava vestir assim num dia normal de aulas. Uma mochila toda colorida como quase ninguém tinha naquela época. Então eu acho que tudo aconteceu em poucos minutos, assim muito de repente. Já não consegui prestar atenção à aula e a Marisa, que sentava na carteira ao lado, reparou que eu estava toda hora a olhar. A delegada de turma também viu. E a Petra também. Na hora do intervalo, o Cláudio veio me buscar para eu ser defesa na equipa dele de futebol e eu disse que não. O Helder, que organizava a outra equipa, até me prometeu posição de avançado mas eu recusei. Fiquei todo intervalo na sala, na minha carteira, a rasgar as folhas onde eu tentava escrever um bilhete para a Petra. Depois do intervalo todos voltaram com respiração depressada e o suor do corpo a molhar as roupas, alegres também porque a camarada professora Berta disse que ainda ia demorar. Deu ordens à delegada para sentar todo mundo e apontar numa lista o nome dos indisciplinados. Primeiro houve aquele silêncio assim de cinco minutos que todos têm medo de ficar na lista e ninguém quase se mexe. Depois começaram a desenhar, jogar batalha naval e tentar pedir com-licença à delegada para falar com alguém um assunto-nenhum. O meu bilhete estava pronto, dobrado, mas eu não sabia na minha cabeça se devia ou não dar o bilhete à Petra. A Marisa olhava para mim como quem perguntava alguma coisa. E essa resposta que ela queria com palavras ou um olhar, eu também não tinha para mim. Mesmo sem ter ido jogar futebol, eu suava na testa e nas mãos. Fiz sinal à delegada que queria ir falar com ela, mas ela disse que não. A Marisa disse-me então que ela podia ir. - Entrego a quem? - À Petra.

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A Marisa nem esperou eu ter acabado bem de decidir, tirou-me o bilhete da mão e foi a correr. O meu olhar acompanhou a Marisa na corrida em direcção à Petra e de repente me deu uma tristeza enorme quando a vi passar além da Petra e entregar o papel já meio aberto à delegada de turma. A delegada mandou todos fazerem um silêncio que eu não conseguia engolir na minha garganta dura. Era o meu fim. Como é que eu ia enfrentar os rapazes depois daquele bilhete para a Petra a dizer que ela tinha «um estojo bonito com cores do Carnaval da Vitória e a mochila também, pele tipo mousse de chocolate e uns olhos que, de longe, pareciam duas borboletas quietas e brilhantes»? Cruzei os braços na carteira, escondi a cabeça, fechei os olhos, e pelos risos eu ia entendendo o que se passava ali. Quando ela acabou de ler, houve um silêncio e eu sabia que a delegada devia estar a olhar para o desenho. Como eu não sabia desenhar quase nada, tinha feito um pequeno foguetão desajeitado porque achei que fazer flores também já era de mais. A delegada riu numa gargalhada só dela, bem alto. A Marisa quis saber o que era. Ela amarrotou o bilhete e guardou no estojo. - Ele desenhou um «fojetão». - Um «fojetão»?! Aí eu confirmei na minha cabeça que aquela menina não podia ser nossa delegada porque ela não sabia ler o «gue», e eu tinha a certeza absoluta de ter escrito «foguetão». A camarada professora Berta entrou e eu estremeci, pensei que fossem me queixar do bilhete, mas nada, todos estavam parados, como borboletas!, isso mesmo, borboletas quietas. No fim da tarde, a Petra foi logo embora sem falar com ninguém, e os rapazes da minha turma foram bem simpáticos, ninguém me estigou e até o Filomeno, que era tão calado, deu-me uma pancada leve nas costas que eu entendi tudo sem ele ter dito nada com a boca. Cheguei a casa muito confuso e um pouco triste, mas já não queria falar mais do bilhete. - Correu bem o dia? – a minha mãe me deu um beijinho. - Sim, foi bom – tirei a mochila das costas. – Mãe, foguetão não é com «gue», como na palavra guerra? - Claro que sim, filho. Olhei devagar para ela. Fiquei a sorrir. A minha mãe também tem uns olhos assim enormes bem bonitos de olhar. Ondjaki

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A borbulha Passei a noite acordado por causa da barulheira qua a vida faz: motores, zumbidos, murmúrios, gemidos de prazer e gritos de dor. Mentira. Passei a noite acordado por causa da rapariga ruiva da minha escola. Estão a ver… É uma paixão! Não que eu quisesse. Aconteceu-me. E logo a mim, que sou dado a exageros. Se eu soubesse desamar… mas quem é que sabe? Não há rapaz da escola que não goste dela, embora alguns não queiram que se saiba. Por isso a escolheram para entregar o prémio ao vencedor da corrida de fim-de-ano. Antes disso, só havia dois rapazes inscritos e a prova chegou a estar em risco. Depois, já eram tantos a querer correr que tiveram de encerrar as inscrições à pressa. Nem oito nem oitenta, disseram eles. O meu lugar na linha de partida estava garantido, o problema era chegar ao fim antes dos outros. Sou um rapaz franzino que escreve versos e histórias enquanto os outros jogam à bola e sobem às árvores. Numa corrida rápida, de velocidade, teria as minhas hipóteses, mas dar cinco voltas ao recinto enlameado da escola era mais apropriado para o Mário, o Xavier, por exemplo, que praticavam vários desportos e eram desses rapazes fortes e musculados, sem miolo nenhum, que as raparigas admiram. No entanto, e fosse pelo que fosse, tinha grandes esperanças. Se todos os rapazes iam correr por amor, correria mais quem mais amasse a rapariga ruiva, pensei eu já ao fim da noite. Já não sabia se tinha sonhado ou imaginado que o amor ia pôr asas nos meus pés e ajudar-me a ganhar aquela corrida. Depois, recebia das mãos dela a salva de prata com a data do meu feito gravada ao centro, enquanto ela sorria para mim, só para mim, e eu decidia abandonar tudo, até a minha mãe. Mais tarde, durante o almoço de encerramento do ano lectivo, passeava orgulhosamente ao lado dela pelo meio dos outros rapazes e raparigas e depois voltávamos as costas aos outros todos e caminhávamos para mais longe. De mãos dadas, sem trocar palavras, eu e a rapariga ruiva atravessávamos o campo de jogos e chegávamos ao jardim secreto, um pedacinho de mundo que só os jovens namorados da escola conheciam. Ela voltava a sorrir e eu ganhava coragem para lhe contar que era eu quem escrevia as cartas de amor e os poemas que o Nuno e o Filipe lhe mandavam. Eles não sabiam escrever dessas coisas e eu não sabia que fazer às palavras de amor que me assaltavam a todas as horas. Depois, ela dizia qualquer coisa que eu não percebia, talvez por o ter dito muito baixinho, e trocávamos um beijo apaixonado enquanto o sol caía no céu. Era um belo sonho, mas era apenas um sonho ou mais uma imaginação das minhas. Os primeiros raios de sol trouxeram-me a realidade e uma forte comichão no nariz. Saltei da cama, corri para o espelho e lá estava ela, a maldita borbulha. Larguei um grito tão aflitivo que a minha mãe também veio a correr. Pensava que me tinha acontecido alguma desgraça. E tinha. Querem desgraça maior do que a minha? - Ora, rapaz, é só uma borbulha - disse ela, aliviada. - Achas pouco? - gritei, revoltado. - Querias que fosse uma tromba de elefante, ou que me crescesse um chouriço no nariz? 6


A minha mãe pôs-se a sacudir os lençóis da cama, como se nada se passasse: - É de estares a crescer. É natural. - É natural estar sempre a crescer? Todos os dias cresço? Olha para ti. Estás sempre na mesma. - Isso é o que tu dizes. Basta lembrares-te de que ainda há pouco tempo - vá lá, há uns bons anitos - era uma rapariga da tua idade que acordou de manhã com uma borbulha inofensiva no nariz. - Mas não era um dia importante para ti ... - Era sim. Por isso é que me lembro dele. Foi o dia em que eu conheci o rapaz que seria o teu pai. Uma borbulha não nos impede de nada, é um coisa pequena, sem importância. Se te esqueceres de que a tens, ela torna-se tão insignificante que ninguém dá por ela. Nem tu.

- As mães mentem com quantos dentes têm na boca. Fazem isso para nos protegerem, mas fazem-no; qualquer rapaz avisado sabe isso. - És novo, filho. Tens de alargar, crescer, mudar. - Talvez - disse eu. - Mas não está certo. Um rapaz, porque está a crescer, nunca é o que é, está sempre a caminho do que vai ser. Como se quisesse fugir de si mesmo. Álvaro Magalhães, Hipopóptimos

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Crónica – A Casa dos Beijos

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A Luavezinha

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Ter ou não ter namorado Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil. Mas namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira; basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição. Quem não tem namorado é quem não tem amor, é quem não sabe o gosto de namorar. Há quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto de chuva, cinema sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar. Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora em que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metro, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário. Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, de fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira - d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro. Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada, ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.

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Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele. Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo. Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos; ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases subtis e palavras de galanteria. Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido. ENLOU-CRESÇA. Artur da Távola

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Dar as mãos vamos dar as mãos que a mão dada desafia toda a indiferença, toda a crueldade vamos dar as mãos porque a tua mão noutra mão amiga constrói pontes sobre desfiladeiros pontes de amizade, de pertença ao homem salutar à criança confiante ao sorriso da jovem enamorada dar-se as mãos é um raio de sol na noite escura é o coração a falar de poesia é o Homem a crescer no carinho e na fraternidade. Fernando Morais

Os versos que te fiz

Ser poeta

Deixa dizer-te os lindos versos raros Que a minha boca tem pra te dizer! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim pra te oferecer.

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morrer como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além-Dor!

Têm dolências de veludos caros, São como sedas brancas a arder... Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos pra te endoidecer!

É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda... Que a boca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz!

É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito!

Amo-te tanto! E nunca te beijei... E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz!

E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

Florbela Espanca

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Este inferno de amar Este inferno de amar - como eu amo! Quem mo pôs aqui n'alma...quem foi? Esta chama que atenta e consome, Que é a vida - e que a vida destrói Como é que se veio a atear, Quando - ai quando se há - de ela apagar? Eu não sei, não lembra: o passado, A outra vida que dantes vivi Era um sonho talvez... - foi um sonho Em que paz tão serena a dormi! Oh! que doce era aquele sonhar... Quem me veio, ai de mim! Despertar? Só me lembra que um dia formoso Eu passei... dava o Sol tanta luz! E os meus olhos, que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei; Mas nessa hora a viver comecei... Almeida Garrett

Coisa Amar Contar-te longamente as perigosas coisas do mar. Contar-te o amor ardente e as ilhas que só há no verbo amar. Contar-te longamente longamente. Amor ardente. Amor ardente. E mar. Contar-te longamente as misteriosas maravilhas do verbo navegar. E mar. Amar: as coisas perigosas. Contar-te longamente que já foi num tempo doce coisa amar. E mar. Contar-te longamente como dói. desembarcar nas ilhas misteriosas. Contar-te o mar ardente e o verbo amar. E longamente as coisas perigosas. Manuel Alegre

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O Amor O amor, quando se revela, Não se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, Mas não lhe sabe falar.

Faz-me o favor... Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada! Supor o que dirá Tua boca velada É ouvir-te já.

Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente Cala: parece esquecer

É ouvir-te melhor Do que o dirias. O que és não vem à flor Das caras e dos dias.

Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasse Pr'a saber que a estão a amar!

Tu és melhor -- muito melhor! Do que tu. Não digas nada. Sê Alma do corpo nu Que do espelho se vê.

Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica só, inteiramente!

Mário Césariny

Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar..

O amor é uma companhia O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, Porque já não posso andar só. Um pensamento visível faz-me andar mais depressa E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Fernando Pessoa

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. Todo eu sou qualquer força que me abandona. Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio. Alberto Caeiro

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Este Rio Esse Fermento Na larga encosta deste monte aberto ao voo das nuvens, nesta moita de bravura silvestre (distante ainda das cores sonantes da vila) irrompe silencioso o primeiro fio, a nascente… E lá em baixo, no primeiro vale ainda sem nome, ele já é um novelo a enrolar o seu destino: afirma-se fermento por entre jovens margens, e leveda campos, casas e estufas e leveda até os corpos de jovens enamorados. Mas só no calor da foz Só na foz ele cozerá o pão da sua imensidade Francisco Martins Concurso de Poesia Interescolas de Gaia ESOD/2010-11

Essência

O teu olhar

Uma mão vazia Em que nada se pode ler, O reflexo de um dia Sem amanhecer, Um movimento sempre parado, Um Romeu nunca amado, Um olhar estático, Um poema nada enfático, Um actor pouco dramático, Um pássaro que não pia, Um observador que não via, Um poeta que não sente, Um político que mente, Um sábio sem ciência, Uma mnemónica que esqueci, Uma mãe sem paciência O perto ali... Tudo sem essência, É como eu sem ti.

O teu olhar, O mais belo que eu já vi, Vicia-me de maneira tal Que não penso em nada senão em ti... Brilhantes... Incandescentes... Os teus lindos olhos Encantam toda a gente! Sou incapaz de resistir A tão doce olhar... Não o consigo impedir, Quero-te amar! Miguel Nuno Rodrigues Dias, 7º ano Concurso de Poesia de Gaia Nascente ESOD/1999-2000

Maria João Rodrigues Dias, 9º ano Concurso de Poesia de Gaia Nascente ESOD/1999-2000

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O sorriso

The smile I think it was the smile,

Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz

it was the smile who opened the door. It was a smile with light, much light inside, I longed to

lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar

enter it, take off my clothes, and stay, naked there within that smile.

nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso. La sonrisa

To run, to sail, to die within that smile.

Le sourire

Creo que fue la sonrisa,

Je crois que ce fut le sourire,

la sonrisa fue quien abrió la puerta.

le sourire, lui, qui ouvrit la porte.

Era una sonrisa con mucha luz

C'était un sourire avec beaucoup de lumière

dentro, y apetecía

à l'íntérieur, il me plaisait

entrar en ella, quitarse la ropa, quedarse

d'y entrer, de me dévêtir, de rester

desnudo dentro de aquella sonrisa.

nu à l'intérieur de ce sourire.

Correr, navegar, morir en aquella sonrisa.

Courir, naviguer, mourir dans ce sourire Eugénio de Andrade, 5 Poemas, Poèmes, Poems, Poesia, Gedichte.

Urgentemente É urgente o amor. É urgente um barco no mar. É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas. É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras. Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer. Eugénio de Andrade

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Para atravessar contigo o deserto do mundo Para atravessar contigo o deserto do mundo Para enfrentarmos juntos o terror da morte Para ver a verdade para perder o medo Ao lado dos teus passos caminhei Por ti deixei meu reino meu segredo Minha rápida noite meu silêncio Minha pérola redonda e seu oriente Meu espelho minha vida minha imagem E abandonei os jardins do paraíso Cá fora à luz sem véu do dia duro Sem os espelhos vi que estava nua E ao descampado se chamava tempo Por isso com teus gestos me vestiste E aprendi a viver em pleno vento. Sophia de Mello B Andresen

As sem-razões do amor Eu te amo porque te amo, não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor. Carlos Drummond de Andrade

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Descalça vai para a fonte Mote Descalça vai para a fonte Lianor, pela verdura; vai fermosa, e não segura. Voltas Leva na cabeça o pote, o testo nas mãos de prata, cinta de fina escarlata, sainho de chamalote; traz a vasquinha de cote, mais branca que a neve pura; vai fermosa, e não segura. Descobre a touca a garganta, cabelos d’ouro o trançado, fita de cor d’encarnado… Tão linda que o mundo espanta! Chove nela graça tanta que dá graça à fermosura; vai fermosa, e não segura.

Amor é um fogo que arde sem se ver Amor é um fogo que arde sem se ver, É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente, É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Luís de Camões

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Eu cantarei de amor tão docemente Eu cantarei de amor tão docemente, Por uns termos em si tão concertados, Que dois mil acidentes namorados Faça sentir ao peito que não sente. Farei que amor a todos avivente, Pintando mil segredos delicados, Brandas iras, suspiros magoados, Temerosa ousadia e pena ausente. Também, Senhora, do desprezo honesto De vossa vista branda e rigorosa, Contentar-me-ei dizendo a menor parte. Porém, para cantar de vosso gesto A composição alta e milagrosa, Aqui falta saber, engenho e arte.

Cantiga Mote Quem ora soubesse Onde o Amor nasce, Que o semeasse! Voltas De Amor e seus danos Me fiz lavrador; Semeava Amor E colhia enganos; Não vi, em meus anos, Homem que apanhasse O que semeasse. Vi terra florida De lindos abrolhos, Lindos pera os olhos, Duros pera a vida; Mas a rês perdida Que tal erva pasce Em forte hora nasce. Com quanto perdi, Trabalhava em vão: Se semeei grão, Grã dor colhi. Amor nunca vi Que muito durasse, Que não magoasse.

Tanto de meu estado me acho incerto

Sete anos de pastor Jacob servia

Tanto de meu estado me acho incerto, Que em vivo ardor tremendo estou de frio; Sem causa, juntamente choro e rio, O mundo todo abarco e nada aperto.

Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel serrana bela, Mas não servia ao pai, servia a ela, Que a ela só por prémio pretendia.

É tudo quanto sinto, um desconcerto; Da alma um fogo me sai, da vista um rio; Agora espero, agora desconfio, Agora desvario, agora acerto.

Os dias na esperança de um só dia Passava, contentando-se com vê-la: Porém o pai usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Estando em terra, chego ao Céu voando, Numa hora acho mil anos, e é de jeito Que em mil anos não posso achar uma hora.

Vendo o triste pastor que com enganos Assim lhe era negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida,

Se me pergunta alguém porque assim ando, Respondo que não sei; porém suspeito Que só porque vos vi, minha Senhora.

Começou a servir outros sete anos, Dizendo: Mais servira, se não fora Para tão longo amor tão curta a vida. Luís Vaz de Camões (1525-1580)

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Coisas de amor A Tesoura bem andava à procura de marido. Nunca mais o encontrava: era um Tesouro escondido... A bela Bola amarela sofria de um amor tolo: gostava muito de um Bolo (mas ele não gostava dela). Uma Casa arredondada casou com um Caso bicudo. Para as Casas um tecto é tudo, casam por tudo e por nada! Manuel António Pina

A dança Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo: te amo secretamente, entre a sombra e a alma. Te amo como a planta que não floresce e leva dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, e graças a teu amor vive escuro em meu corpo o apertado aroma que ascender da terra. Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, te amo directamente sem problemas nem orgulho: assim te amo porque não sei amar de outra maneira, Se não assim deste modo em que não sou nem és tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Não te quero senão porque te quero, e de querer-te a não te querer chego, e de esperar-te quando não te espero, passa o meu coração do frio ao fogo. Quero-te só porque a ti te quero, Odeio-te sem fim e odiando te rogo, e a medida do meu amor viajante, é não te ver e amar-te, como um cego. Talvez consumirá a luz de Janeiro, seu raio cruel meu coração inteiro, roubando-me a chave do sossego, nesta história só eu me morro, e morrerei de amor porque te quero, porque te quero amor, a sangue e fogo. Pablo Neruda

Cantiga Senhora, partem tam tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tam tristes vistes outros nenhuns por ninguém Tam tristes, tam saudosos, tam doentes da partida, tam cansados, tam chorosos, da morte mais desejosos cem mil vezes que da vida. Partem tam tristes os tristes, tam fora de esperar bem, que nunca tam tristes vistes outros nenhuns por ninguém. João Ruiz de Castell-Branco, séc. XVI

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Índice Namoro ................................................................................................................................................................ 2 O Amor é uma Estupidez ..................................................................................................................................... 3 Bilhete com foguetão .......................................................................................................................................... 4 A borbulha ........................................................................................................................................................... 6 Crónica – A Casa dos Beijos ................................................................................................................................. 8 A Luavezinha ........................................................................................................................................................ 9 Ter ou não ter namorado .................................................................................................................................. 10 Dar as mãos ....................................................................................................................................................... 12 Os versos que te fiz............................................................................................................................................ 12 Ser poeta ........................................................................................................................................................... 12 Este inferno de amar ......................................................................................................................................... 13 Coisa Amar......................................................................................................................................................... 13 Faz-me o favor... ................................................................................................................................................ 14 O amor é uma companhia ................................................................................................................................. 14 O Amor .............................................................................................................................................................. 14 Este Rio Esse Fermento ................................................................................................................................... 15 Essência ............................................................................................................................................................. 15 O teu olhar ......................................................................................................................................................... 15 O sorriso ............................................................................................................................................................ 16 Urgentemente ................................................................................................................................................... 16 Para atravessar contigo o deserto do mundo ................................................................................................... 17 As sem-razões do amor ..................................................................................................................................... 17 Descalça vai para a fonte ................................................................................................................................... 18 Amor é um fogo que arde sem se ver ............................................................................................................... 18 Eu cantarei de amor tão docemente ................................................................................................................. 19 Cantiga ............................................................................................................................................................... 19 Tanto de meu estado me acho incerto ............................................................................................................. 19 Sete anos de pastor Jacob servia....................................................................................................................... 19 Coisas de amor .................................................................................................................................................. 20 A dança .............................................................................................................................................................. 20 Não te quero senão porque te quero................................................................................................................ 20 Cantiga ............................................................................................................................................................... 20

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