Boletim BMJ | Ano 2, nº 7 - Junho 2017

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BMJ

Política, Negócios e Comércio Internacional

TRIBUTAÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR DE SERVIÇOS OS DESAFIOS PARA A REFORMA TRIBUTÁRIA

A política da pós-verdade Mentiras contadas como fatos que têm o poder de mudar a opinião pública

Infraestrutura O convidado Eduardo Spim fala sobre o impacto das PPPs

Trump no comércio exterior Facilitação do comércio na OMC e as incoerências do presidente no comércio multilateral

Bem-estar animal O caminho para o consumo consciente e sustentável no setor alimentício

Ano 2 | no 7


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ÍNDICE Ano 2 | no 7

Junho de 2017

PRODUZIDO POR:

04 08

Autores desta edição:

Ana Masuko

Matheus Andrade

Camilla Azeredo

Eduardo Spim

Renata Amaral

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Editoras:

24 Andrezza Fontoura

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Camilla Azeredo

Elisa Diniz

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comunicação estratégica A política da pós-verdade regulatório Bem-estar animal no setor alimentício: o caminho para o consumo consciente e sustentável comércio em foco Dados comerciais da Indonésia comércio internacional Facilitação do comércio na OMC e as incoerências de Trump no comércio multilateral relações governamentais Infraestrutura: os caminhos que não podem parar matéria de capa - tributário Os Desafios para a Reforma Tributária na Tributação do Comércio Exterior de Serviços agenda OMC Os principais acontecimentos de maio e agenda para junho


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SOBRE ESTA EDIÇÃO editorial Neste mês, o Boletim BMJ preparou para seus leitores uma seleção de artigos que refletem a variedade e complexidade de temas em debate tanto na sociedade brasileira quanto no ambiente internacional. Na matéria de capa, nossa mais nova consultora tributária Ana Masuko aborda um aspecto relacionado à reforma tributária nem sempre lembrado nas discussões cotidianas: o desafio da tributação do comércio exterior de serviços. Além do inédito uso do dinheiro virtual (as chamadas bitcoins), o uso de tecnologias fez o peso dos serviços na economia mundial aumentar fortemente e responder atualmente por 70% do PIB. Esse cenário traz impactos e desafios que precisam ser debatidos com mais cuidado. No comércio exterior, Renata Amaral e Matheus Andrade, Diretora e Consultor em Comércio Internacional respectivamente, escrevem sobre “Facilitação do comércio na OMC e as incoerências de Trump no comércio multilateral”. Além de abordar o Acordo de Facilitação do Comércio da Organização Mundial de Comércio (OMC), eles analisam os impactos que a postura do atual presidente dos Estados Unidos pode ter para a economia do país e suas relações comerciais internacionais. Trazendo para o Brasil uma tendência iniciada na Europa no século XVI, Thaís Uchôa, consultora de Assuntos Regulatórios, apresenta características da atualização do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal, o RIISPOA. O novo regulamento traz aspectos relacionados ao bem-estar animal no manejo préabate, descrevendo ações que visam a proteção dos animais desde o embarque na propriedade de origem até o momento do abate. A intenção é que os estabelecimentos produtores de carne

entreguem produtos originados de uma criação digna, em que os animais possam ser criados livres e com qualidade de vida. Para abordar os diversos interesses e pontos de vista envolvidos nos contratos de concessão, convidamos o assessor técnico da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Eduardo Spim, para explorar os debates sobre a MP 752/2016, que dispõe sobre diretrizes gerais para a prorrogação e a relicitação de contratos de parceria público-privada. No artigo, Spim mostra como estamos nos aproximando do pensamento do filósofo político italiano Norberto Bobbio, ao identificar que “o Estado de hoje está muito mais propenso a exercer a função de mediador e de garente do que de detentor do poder do império”. Por fim, Camilla Azeredo, consultora de Comunicação Estratégica, conceitua e exemplifica o termo “pósverdade” aplicado a atual política. O termo foi eleito como palavra do ano de 2016 pela Oxford Dictionaries, divisão da Universidade de Oxford responsável pela concepção de dicionários em inglês. Leia o texto e reflita: o que é mais importante para você, o fato objetivo, a verdade, ou simplesmente ganhar a discussão? Como de costume, esta edição traz também a Agenda da OMC com acontecimentos de maio e agenda para junho. Na coluna “Comércio em Foco”, um perfil da Indonésia, uma das principais economias asiáticas.

BOA LEITURA! ELISA DINIZ Diretora de Comunicação Estratégica boletimbmj@barralmjorge.com.br

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A POLÍTICA DA PÓS-VERDADE CAMILLA AZEREDO Consultora em Comunicação Estratégica camilla.azeredo@barralmjorge.com.br

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A palavra do ano é sempre escolhida como uma representação do ethos, humor ou preocupação coletiva ao longo do ano ao qual se refere. Ela tem um potencial duradouro e reflete mais do que apenas um modismo: simboliza uma representação cultural. O cenário político e econômico global que vem se instalando desde 2015 nos ajuda a compreender o porquê da escolha dessa palavra. Cientistas políticos usam o termo pós-verdade política quando em um debate, o importante não é apresentar a verdade, mas

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sim ganhar a discussão (ou em alguns casos, a eleição). Em uma visão mais crítica, o artigo A arte da mentira, do jornal The Economist, aponta que vivemos em um mundo no qual a veracidade não é mais relevante e que políticos, como Donald Trump, se baseiam em frases que “passam a sensação de serem verdadeiras, mas que não têm nenhuma base real”. E, mais do que isso, por vezes proferem uma situação sabidamente irreal para se beneficiarem ou prejudicarem concorrentes. Como na ocasião na qual o próprio Trump acusou Barack Obama e Bill Clinton, marido de Hillary Clinton, de terem fundado o Estado Islâmico1. Ou quando ele publicou um tuíte dizendo que o New York Times estava perdendo seguidores por causa da cobertura equivocada de sua campanha e o jornal respondeu em outro tuíte, no qual afirmou o contrário, que suas assinaturas na verdade haviam aumentado.

COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA

No ano passado, a Oxford Dictionaries – divisão da Universidade de Oxford, no Reino Unido, responsável pela concepção de dicionários da língua inglesa, elegeu Post-truth (ou “pósverdade”em português) como palavra do ano de 2016. De acordo com o próprio dicionário, a definição do vocábulo consiste naquilo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais”. Ou seja, a verdade dos fatos importa menos do que como a opinião pública enxergará a situação e o impacto que isso causará.

A fala de Trump teve 13 vezes mais retuítes do que a da página oficial do NYTimes. O presidente dos EUA compartilhou a sua visão, seguidores endossaram e replicaram a informação. Mas afinal, o fato é real ou não? Não importa, pois a imagem do jornal já foi prejudicada numa primeira instância.

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CONTEXTO BRASILEIRO Na cultura brasileira, já é enraizada a chacota da “propaganda política” onde os candidatos fazem promessas infundadas, discursam somente sobre o que a população quer ouvir ou exageram os seus planos de atuação. É um grande jargão. Entretanto, a pós-verdade se difere no sentido que já não está no campo da probabilidade – um político pode ou não investir em educação –, ela é a própria afirmação mentirosa. Em repetidas situações, provas criminais são apresentadas contra um sujeito e ele afirma veementemente que não o fez ou não sabe do que se trata, mesmo tendo sido grampeado e fotografado. O caso recente da divulgação da delação premiada de Joesley Batista, dono do frigorífico JBS, exemplifica os impactos da pós-verdade. Quando ele acusou o Presidente Michel Temer de ter concordado com o pagamento de uma mesada para o ex-deputado Eduardo Cunha, antes mesmo que fossem divulgados os áudios que comprovavam tais fatos, a mídia brasileira se dedicou quase que exclusivamente a reportar o

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acontecido e o resultado foi uma disseminação global da notícia que culminou em circuit breaker na primeira hora de abertura da Bovespa e fortes quedas nos preços de ações como as da Vale do Rio Doce (-11%), Petrobrás (-23%), Ambev (-7,5%) e Banco do Brasil (-25%). Ou seja, antes mesmo da comprovação da veracidade da acusação e da confirmação oficial dos próximos passos legais, a economia brasileira acabou sofrendo um golpe profundo. Neste caso, não quer dizer que Joesley estava mentindo, mas que a mídia replicou uma informação como verdadeira sem a apuração necessária e produziu impactos na opinião pública e no cenário econômico. Quando foram liberados os áudios da investigação, jornalistas e especialistas afirmaram que o teor das gravações não era tão grave quanto o que foi reportado pela mídia. Um exemplo foi a jornalista da Jovem Pan, Vera Magalhães, que pediu desculpas publicamente por ter disseminado o fato sem a checagem prévia e ainda, por ter sido tão enfática em suas acusações. Em vídeo, ela afirmou “uma vez liberados os áudios, não há essa literalidade que divulgamos. [...] A função do bom jornalismo é checar toda e qualquer notícia e fugir da euforia”.


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EM BUSCA DA CREDIBILIDADE

COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA

A utilização de mecanismos como a pós-verdade se baseia na desinformação alheia e na capacidade das mídias sociais e das mídias tradicionais de pulverizar boatos. De acordo com a revista Época2, “no mundo ocidental, já há uma crise de confiança generalizada das populações em relação aos governos, aos partidos políticos e aos veículos tradicionais de imprensa” e a utilização da pós-verdade impacta negativamente esse cenário. NÍVEL DE CONFIANÇA NA IMPRENSA DE 2016 A 2017 EM % 31% RÚSSIA

65% CHINA

47% ESTADOS UNIDOS

66% ÍNDIA

48% BRASIL

54% HOLANDA

32% AUSTRÁLIA

67% CONFIANÇA

25% DESCONFIANÇA

Fontes: 2017 Edelman Trust Barometer e Buzfeed in Época.

É claro que a desconfiança coletiva não se vem somente da pós-verdade, mas ainda é necessário que as mídias tradicionais e as novas mídias encontrem meios de diminuir essas ocorrências para recuperarem parte de sua credibilidade. Além disso, é preciso estar em consonância com a responsabilidade da sociedade civil de analisar e questionar informações e formar suas próprias opiniões. Somente assim, mentiras não precisarão ser justificadas como pós-verdades e seus efeitos não acabarão em hecatombes. 2

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BEM-ESTAR ANIM SETOR ALIMEN

O CAMINHO PARA O C CONSCIENTE E SUS

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MAL NO ENTÍCIO:

CONSUMO STENTÁVEL

ASSUNTOS REGULATÓRIOS

A preocupação com o bem-estar animal teve início na Europa do século XVI, englobando principalmente o bem-estar no manejo pré-abate. Há relatos de que os animais eram alimentados, recebiam dieta hídrica e descansavam antes do abate. Além disso, eram “insensibilizados” com um golpe na cabeça para que perdessem a consciência, antes da sangria, evitando assim o sofrimento do animal. Entretanto, a primeira Lei geral sobre bem-estar animal surgiu apenas no ano de 1822, na GrãBretanha. No Brasil, a primeira norma sobre esse conceito foi o Decreto-lei nº 24.645, de 10 de julho de 1934. No decorrer dos anos, a legislação sofreu diversas modificações com o objetivo de assegurar o cumprimento das normas de bem-estar animal no manejo pré-abate dos animais de produção. O Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal (RIISPOA) trouxe em sua atualização – aprovada pelo Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017 – diretrizes voltadas para o tema, onde os procedimentos de bem-estar animal devem ser respeitados e atendidos por todos os estabelecimentos produtores de carne.

THAÍS UCHÔA Consultora de Assuntos Regulatórios thais.uchoa@barralmjorge.com.br

O novo RIISPOA descreve ações que visam a proteção dos animais desde o embarque na propriedade de origem até o momento do abate. Assim, o Regulamento engloba a

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avaliação do bem-estar dos animais e das instalações e equipamentos para a recepção e acomodação deles, os programas de autocontrole, além de prever como infração o descumprimento ou inobservância dos preceitos de bem-estar animal, acarretando, conforme sua gravidade, em advertências, multas ou até suspensão das atividades do estabelecimento. O órgão regulador brasileiro responsável pelo fomento e pela fiscalização do bem-estar dos animais de produção é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). As atribuições sobre o bem-estar desses animais e interesse econômico são compartilhadas com a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), no caso da fiscalização, e com a Coordenação de Boas Práticas e Bem-estar Animal (CBPA) da Secretaria de Mobilidade Social, do Produtor Rural e Cooperativismo (SMC), em relação ao fomento. A ciência do bem-estar animal se refere principalmente à qualidade de vida do animal. A maioria das definições de bemestar engloba os conceitos de bem-estar físico, mental e natural. Historicamente, uma das primeiras estratégias para avaliar a qualidade de vida dos animais de produção foi o conceito das “Cinco Liberdades”, certificadas por meio da inspeção visual e observação. São elas: i) livre de dor, lesão e enfermidades; ii) livre de incômodos (estresse ambiental); iii) livre de fome, sede e desnutrição; iv) livre de medo e angústia (estresse mental); e v) livre para expressar seu comportamento natural. O maior incentivo para a adoção das práticas de bem-estar animal é, sem dúvidas, a mudança no comportamento do

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consumidor. A demanda por esse produto diferenciado tem crescido substancialmente. Os consumidores estão cada vez mais exigentes e informados sobre a qualidade dos alimentos que consomem, e dispostos a pagar a mais por produtos oriundos de sistemas de criação que respeitem a qualidade de vida e produção do animal. As pesquisas brasileiras sobre o tema são recentes. Entretanto, tiveram avanços consideráveis e vem ganhando visibilidade devido às exigências dos países importadores dos produtos de origem animal principalmente da União Europeia, umas das precursoras do assunto.


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Cada vez mais conscientes, os consumidores e algumas empresas alimentícias famosas, como McDonald’s e Subway, estão em busca de produtos advindos de uma criação digna, em que os animais possam ser criados livres e com qualidade de vida. Isso nos leva a crer que, em um futuro próximo, a maioria das pessoas passará a consumir somente produtos advindos de uma produção ética e qualificada.

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ASSUNTOS REGULATÓRIOS

Embora o bem-estar animal englobe as várias espécies voltadas à produção, atualmente, as aves poedeiras e as matrizes suínas estão em destaque na mídia. As empresas alimentícias têm dado preferência à compra de ovos e carnes advindos de cadeias produtivas que promovem o bem-estar animal e a sustentabilidade. Com relação aos ovos, são prediletos os oriundos de frangos criados em sistema extensivo, ou seja, criados ao ar livre, longe das gaiolas de confinamento. Em relação à suinocultura, tem sido implementado o sistema de criação coletiva de matrizes suínas, que permite que as fêmeas tenham espaço para locomoção e convívio com o grupo de criação, diferente do sistema tradicional de criação em gaiolas.

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comércio em foco

INDONÉSIA

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BALANÇA COMERCIAL (2016) A Indonésia - um dos países mais populosos do mundo - detém a maior economia do sudeste asiático, considerada por muitos como extremamente promissora. O governo indonésio tem forte influência na economia do país, por meio do controle de preços e da atuação de empresas estatais. Protecionista em diversas áreas do comércio internacional, a Indonésia enfrenta, atualmente, duas disputas comerciais iniciadas pelo Brasil na OMC. Brasil na OMC. A Barral M Jorge assessora o Governo brasileiro em ambos os processos.

DADOS GERAIS (Dados do Banco Mundial)

População: 257,5 milhões PIB (2016): US$ 905 bilhões PIB per capita (2016): US$ 3.3456 PIB por setor: • Agricultura: 13,5% • Indústria: 40% • Serviços: 46,5% Taxa Média de Crescimento (2012-2016): 5,3% Taxa de Crescimento (2016): 5% Inflação (2016): 3% Projeção de Crescimento (2017): 5,2%

OMC Data da acessão: 01/01/1995 Total de casos como demandante: 10 Total de casos como demandado: 14 Total de casos como 3ª parte: 21

(Dados do Comtrade)

Exportações: US$ 144,5 bilhões Importações: US$ 135,6 bilhões Saldo: US$ 8,9 bilhões Corrente: US$ 280,1 bilhões

COMÉRCIO EM FOCO

SAIBA MAIS

PRINCIPAIS PRODUTOS EXPORTADOS (2016): Óleo de palma, carvão, petróleo, gás natural, joias, cobre, borracha, linhitas, óleo de palmiste e celulose.

PRINCIPAIS PRODUTOS IMPORTADOS (2016): Combustíveis, celulares, trigo, açúcar, óleo de soja, algodão, circuitos eletrônicos, soja em grão, butano e ouro.

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (Dados da UNCTAD)

Atração de IED (2015): US$ 15,5 bilhões Posição no Ranking de IED da UNCTAD: 24º lugar

ACORDOS REGIONAIS Acordos regionais que é signatário: 9 Acordos em negociação ou ainda sem vigência: 5 Principais acordos em vigor: ASEAN, ASEAN – China, ASEAN – Coreia do Sul, ASEAN – Índia e Indonésia - Japão. Principais acordos em negociação ou ainda sem vigência: Indonésia – Austrália, RCEP e Indonésia - EFTA.

Elaborado pela EQUIPE DE COMÉRCIO INTERNACIONAL BMJ JUNHO 2017

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FACILITAÇÃO DO COMÉRCIO NA OMC E AS INCOERÊNCIAS DE TRUMP NO COMÉRCIO MULTILATERAL PUBLICAÇÃO ORIGINAL EM PONTES (ICTSD):

“Facilitação do comércio: adeus à burocracia?”. V. 13, n. 13, p. 4-7. 22 de maio de 2017

RENATA AMARAL Diretora em Comércio Internacional renata.amaral@barralmjorge.com.br

MATHEUS ANDRADE Consultor em Comércio Internacional matheus.andrade@barralmjorge.com.br

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O Acordo de Facilitação do Comércio (TFA, sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC) assinado na IX Conferência Ministerial, realizada em Bali (2013), é o primeiro acordo multilateral no âmbito da OMC desde a sua criação. O TFA compreende um conjunto de ações e compromissos que, além de proporcionar o aumento da transparência e a redução da burocracia nas operações, incrementará a


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competitividade dos produtos transacionados multilateralmente. Em vigor desde 22 de fevereiro deste ano, o TFA fundamenta-se na promoção da celeridade das operações de comércio exterior e reflete um aprofundamento do princípio da não-discriminação entre os membros, que orienta o sistema multilateral de comércio desde o Acordo Geral sobre

Tarifas e Comércio (GATT, sigla em inglês). Dentro do escopo do Acordo estão ações que ambicionam um incremento na agilidade dos processos de importação e exportação dos membros da Organização. Exemplo dessas ações incluem uma maior transparência das regulamentações comerciais dos países, como a publicação e administração de regras claras para classificação e determinação de valor aduaneiro, a liberdade de trânsito

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para bens que circulam de um país para outro, bem como dentro de um mesmo país, e informações sobre todas as tarifas alfandegárias, impostos e taxas aplicadas sobre importações e exportações. Ademais, o TFA também trata de questões processuais (processamento eletrônico de informações aduaneiras) e proporciona uma espécie de resumo de melhores práticas de comércio internacional com vistas a contribuir para uma maior transparência para os operadores de comércio. Uma maior transparência e agilidade nas operações de comércio exterior via TFA reflete diretamente na competitividade das exportações das economias que fazem parte da OMC. De acordo com as previsões iniciais da Organização, o fluxo global de bens e serviços pode aumentar para até US$ 1 trilhão com a entrada em vigor do TFA, além de gerar uma redução de custos de, em média, 14,3% no comércio global.

Estados Unidos: membro ativo na aprovação do TFA e entusiasta na OMC Uma breve análise da participação dos Estados Unidos na aprovação do que ficou conhecido como Pacote de Bali – que inclui o TFA – deve levar em conta o contexto das negociações no âmbito da OMC naquele momento. Em 2013, a Organização convivia com o fracasso das negociações da Agenda de Desenvolvimento proposta pela Rodada Doha

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e interrompidas por um grande impasse em relação aos temas de agricultura. Ademais, o peso de nenhum acordo multilateral ter sido assinado desde o surgimento da Organização, em 1995, e a conclusão de mais uma Conferência Ministerial sem nenhum resultado concreto poderiam ameaçar o espaço negociador da OMC. Era necessário então sair da Ministerial em Bali com uma entrega concreta: os membros da Organização decidiram concentrar seus esforços na negociação de um pacote de medidas que gerasse maior consenso. Nesse contexto, um acordo em facilitação do comércio foi eleito como a peça central do pacote de medidas desde o começo dos preparativos para a Conferência, tanto por não tratar de temas sensíveis para os membros quanto porque havia uma percepção geral do poder do Acordo de gerar ganhos reais para todas as economias. Contudo, durante as negociações em Bali as dificuldades reapareceram uma vez que a Índia passou a exigir que os programas de subsídios agrícolas não fossem questionados para ratificar o Pacote de Bali, dando início a um embate direto com os Estados Unidos, grande entusiasta do TFA. Após extensas negociações em dezembro de 2013, os Estados Unidos e a Índia conseguiram chegar a um acordo que satisfez ambas as partes e permitiu que o TFA pudesse ser assinado1. Os Estados Unidos foram o terceiro membro da OMC a ratificar o acordo em 23 de janeiro de 2015. Desde então, tornaram-se grandes vocalizadores das vantagens que o TFA pode gerar para a economia mundial – sobretudo para países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo, por meio de doações para treinamento2 e da participação de grupos como a Global Alliance, que reúne empresas e governos e busca usar


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Note-se que o apoio dos Estados Unidos ao Acordo pode ser explicado principalmente pelos ganhos econômicos experimentados pelo país ao longo dos anos e pela experiência da maior economia do mundo nesse assunto. Um estudo de 2015 elaborado pela OMC mostra que os ganhos estimados com o acordo são de US$ 1 trilhão, além da redução de 14,3% nos custos relativos ao comércio internacional5, conforme mencionado acima. O mesmo estudo mostra que esses custos muitas vezes são superiores aos gastos com as tarifas de importação. A título de exemplo, o documento mostra que custos como distância, cotas comerciais, fretes, diferenças culturais e todos os custos relativos ao comércio equivalem a 70% das tarifas de importação em uma relação comercial entre Estados Unidos e Alemanha, o que pode ser sensivelmente diminuído com as medidas do TFA.

Ainda, cabe ressaltar que, além dos ganhos econômicos estimados, os Estados Unidos não devem ter grandes dificuldades para implementar o Acordo. Em três diferentes indicadores, o país é bem avaliado em critérios relacionados à facilitação do comércio. No indicador Global Enabling Trade Report do Fórum Econômico Mundial6, que avalia mais de 90 quesitos sobre a economia dos países, os Estados Unidos estão na 22ª posição entre aqueles com a maior capacidade de facilitar fluxos de comércio, com especial destaque para a eficiência e transparência da aduana7. Já a base de dados Trading Across Borders do Banco Mundial8, mostra indicadores positivos dos Estados Unidos como apenas duas horas para uma empresa ter seu produto autorizado a exportar pelas autoridades aduaneiras, além de um custo relativamente baixo para cumprir com as regras necessárias para exportar. Ademais, a plataforma OECD Trade Facilitation Indicators9 (ver Gráfico 1), que avalia a facilitação do comércio dos países entre 0 e 2, confere nota 1,7 aos Estados Unidos, uma das mais altas em todo o mundo.

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sua experiência no tema para promover a facilitação do comércio3. Nessa mesma linha, os Estados Unidos de Barack Obama também implementaram o Trade Facilitation and Trade Enforcement Act (2015)4.

Figura 1: Indicadores de Facilitação do Comércio de OCDE (0 a 2) Membros da OCDE Estados Unidos

Cooperação externa de agências regulatórias Formalidades processuais Documentação Procedimentos de apelação Envolvimento da comunidade de comércio Governança e Imparcialidade 0

0,5

1

1,5

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Além dos aspectos relacionados a facilitação de comércio, os Estados Unidos são usuários frequentes do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC. Mais do que isso: desde a criação da Organização, os Estados Unidos foram o país que mais utilizou esse sistema da OMC. Atualmente, das 524 disputas iniciadas perante o OSC, os Estados Unidos contabilizam 114 casos como parte reclamante, 130 casos como respondente e 140 casos como 3ª parte, o que mostra a confiança do país na segurança jurídica do sistema nas duas últimas décadas.

Trump, OMC e facilitação do comércio O presidente Donald Trump aventou, em vários momentos de sua campanha eleitoral, uma possível saída dos Estados Unidos da OMC. Inclusive, em sua proposta intitulada Trade Policy Agenda 201710, Trump deixou claro que a Organização e as decisões de disputas no âmbito da OMC podem ser repensadas e eventualmente desconsideradas se, no entender da atual administração, os interesses estadunidenses não estiverem sendo observados. É certo que Trump prezará sempre por um discurso mais protecionista e ameaçador da ordem internacional global. No entanto, naquilo que diz respeito à OMC, uma possível saída dos Estados Unidos da Organização em troca da priorização de acordos bilaterais de comércio gerará impactos não só para o sistema multilateral, mas, sobretudo, para os Estados Unidos. Ora, uma eventual saída privaria, por exemplo, o país da utilização do OSC para resolver disputas comerciais. Isso faria com que os Estados Unidos

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O efeito reverso para a economia dos Estados Unidos, maior importador do planeta e país com o maior número de empresas transnacionais hoje é incalculável. Sem dúvida, uma eventual saída dos Estados Unidos da OMC deve trazer muito mais desvantagens do que vantagens para a economia e o efeito será devastador para o país. No que diz respeito às desvantagens, um pequeno exemplo da implosão que pode acontecer no mercado doméstico estadunidense é o efeito das sanções que o presidente Trump diz que colocará em prática

contra China e México. Nesse sentido, não custa lembrar que a China é a maior credora de títulos da dívida pública dos Estados Unidos e que grande parte das plantas industriais das empresas estadunidenses está localizada no México. Perda de eficiência, aumento de custos e desemprego seriam alguns dos efeitos imediatos em um futuro não tão distante para os Estados Unidos.

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tivessem que discutir caso-a-caso as disputas comerciais que podem surgir no futuro, além de não poderem exigir que os países sigam as regras comuns do comércio internacional nas operações de comércio exterior com os Estados Unidos. A ausência dessas regras poderia envolver o país em um sem-número de “guerras comerciais”, que podem prejudicar sobremaneira a economia estadunidense e sobrecarregar a diplomacia daquele país, que terá que buscar soluções únicas para cada problema e disputa comercial que possa vir a surgir.

As administrações que precederam Donald Trump foram amplas porta-vozes do livre comércio, papel que os Estados Unidos têm desempenhado desde o final da II Guerra Mundial, como a maior economia do planeta. Não à toa, o país participou ativamente da negociação e assinatura do TFA na Conferência Ministerial de Bali. Assim, prezar agora pela desconstrução do modelo de globalização liderado pelos Estados Unidos ao longo das últimas décadas, para além de significar o rompimento de um importante padrão da política externa do país para temas de comércio internacional, seguramente trará prejuízos ainda imensuráveis para o mundo inteiro – mas, principalmente para os próprios estadunidenses.

FONTES [1] Os dois países concordaram em uma solução provisória

[6] Disponível em:<http://bit.ly/2gMcaKU>.

durante a Conferência Ministerial de Bali. Um acordo

[7] Disponível em: <http://bit.ly/2q8AQ6E>.

definitivo sobre o tema foi alcançado em novembro de 2014.

[8] Disponível em: <http://bit.ly/1LvOdDm>.

[2] Disponível em: <http://bit.ly/2qZSwmf>.

[9] Disponível em: <http://bit.ly/2pq5LwI>.

[3] Disponível em: <http://bit.ly/2q8TdZ3>.

[10] Disponível em: <https://ustr.gov>

[4] Disponível em: <http://bit.ly/2pEHPBD>.

TAG: UNITED STATES, WTO, TRADE FACILITATION

[5] Disponível em: <http://bit.ly/2r5ZVwx>.

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OS CAMINHOS NÃO PODEM PA 20

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QUE ARAR

RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS

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EDUARDO SOLANO SPIM Especialista em Relações Governamentais Assessor Técnico na Empresa de Planejamento e Logística S/A.

AUTOR CONVIDADO

Após votação na Câmara dos Deputados, e aprovação pelo Senado Federal no início do mês de maio, a MP 752/2016 caminha para sua fase final de conversão. A medida que dispõe sobre diretrizes gerais para a prorrogação e a relicitação de contratos de parceria divide opiniões sobre os conceitos de formalização, execução e encerramento de contratos de concessão. Relicitar compreende o procedimento de extinção amigável dos contratos de parceria e a celebração de novo ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e novos contratos por meio de processo licitatório promovido para essa finalidade.

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Para o governo, o mecanismo dessa chamada “devolução amigável” é uma proposição estratégica para solucionar a situação das rodovias concedidas e que atualmente passam por dificuldades para cumprir os planos definidos nos contratos, mas que também servirão para impulsionar a concorrência em acordos futuros e em todos os modais. Do ponto de vista apontado por alguns empresários como negativo destacam-se:

1.

A falta de definição sobre a forma de indenização à concessionária que devolver o projeto por falta de recursos;

2.

3. A hipótese de impedimento

Os sócios de empresas com problemas e que aderirem a relicitação não poderão permanecer na empresa (nem participar mesmo que tenham condição financeira de ficar no projeto);

na participação de nova licitação para a empresa financeiramente saudável que tenha entregue a concessão por não concordar com a diferença entre os parâmetros inicialmente acordados e posteriormente impactados pela oscilação econômica. Por outro lado, no binômio problema x solução o que se nota é um esforço em reparar problemas históricos no setor de infraestrutura, buscando uma clara inovação dos instrumentos jurídicos de parceria e saneando contratos de concessão vigentes para os quais a continuidade da exploração se mostra inviável. Cabe dizer que inovar aqui refere-se à inclusão, por meio de autorização legal, de possibilidades para solução de controvérsias e até o fortalecimento dos instrumentos de arbitragem, trazendo uma nova percepção sobre a unilateralidade, própria dos contratos administrativos.

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Do ponto de vista legal, tal esforço demonstra a busca pela transposição de um obstáculo frente a necessidade que o Brasil tem em tornar suas concessões mais práticas e juridicamente seguras garantindo um maior nível de cumprimento contratual. Esse dinamismo nas relações entre o público e o privado foi demonstrado no Relatório do Banco Mundial lançado também em maio deste ano, apontando que a América Latina e o Caribe possuem um grande potencial para incrementar Parcerias Público Privadas (PPP) como forma de reduzir lacunas de infraestrutura. O relatório apresenta que a maioria dos países latino-americanos melhoraram seus portfólios de PPPs nas últimas duas décadas, tendo hoje unidades totalmente funcionais. Um fator chave observado para o aumento da eficiência e da qualidade em projetos desse tipo é o compartilhamento uniforme de riscos com base na capacidade do Estado, concessionárias, usuários, financiadoras e seguradoras evitando, assim, que a má preparação de projetos seja compensada com


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De certa forma, o que a MP dispõe em linhas gerais é justamente esse compartilhamento, permitindo que tanto as concessionárias não sejam prejudicadas por dificuldades na execução dos contratos como o poder concedente não arque com custos desnecessários para corrigir lacunas entre uma concessão e outra. Essa divisão de capacidades compreende, por sua vez, a um fenômeno crescente no comportamento governamental, muito forte na Europa, e que reflete no afastamento da imperatividade estatal, já observada em 1987 pelo filósofo político italiano Norberto Bobbio ao identificar que “o Estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e de garente do que de detentor do poder do império”. O fortalecimento das relações governamentais no sentido de interação público privado de forma transparente e lítica auxilia significativamente no retorno

de benefícios ao cidadão que por sua vez é o real investidor do Estado e por isso merece o respeito por meio do recebimento de serviços de qualidade e, quando necessário, por preços justos e condizentes com sua realidade. Porém, mesmo sob a égide dessa chamada administração pública consensual o desenvolvimento da infraestrutura ainda não se dispõe de forma homogênea tendo em vista que a superação de distorções, ainda existentes, exige: • A elucidação de desafios como a melhora na preparação de projetos; • O aumento da capacidade de financiamento; • Maior foco em planejamentos mais pautados em avaliações de custo-benefício e que incluam prioridades econômicas; • Políticas públicas que considerem o cidadão como beneficiário; • Bem como as regulamentações necessárias para esclarecer pontos ainda controversos, visando estancar as lamúrias e críticas que poderão causar entreves aos esforços de atração de investimento para o setor.

RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS

o aumento de risco para o setor público.

Plenário da Câmara no dia da votação da MPV 752/2016 Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil JUNHO 2017

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OS DESAFIOS P TRIBUTÁRIA NA COMÉRCIO EXTER

ANA CLARISSA MASUKO Consultora Tributária ana.masuko@barralmjorge.com.br

A sociedade está desenvolvendo ferramentas para a interação com um mundo de crescente e veloz virtualidade, pois as categorias de conhecimento humano estão habituadas a reconhecer e interagir com um mundo tangível. A tecnologia avança para esmaecer fronteiras entre serviços e mercadorias, entre bens corpóreos e incorpóreos, criando desafios de rastreabilidade para os fiscos de todo o mundo. Com as inovações tecnológicas, especialmente nas telecomunicações, dissociou-se o momento da prestação dos serviços em relação ao do consumo, fez-se desnecessária a presença física

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do tomador e do prestador, demandandose uma alteração profunda da forma de estruturação da tributação dessas operações. E, observe-se, quando alcançadas as soluções pelos governos, são efêmeras, sendo rapidamente superadas por progressos tecnológicos. Veja-se o caso do pagamento das operações, tido como uma forma das administrações tributárias estruturarem a tributação na internet: com o surgimento das “bitcoins”, espécie de dinheiro virtual não emitido por instituição financeira, que opera de forma autônoma, sem um administrador

ANÁLISE TRIBUTÁRIA

PARA A REFORMA A TRIBUTAÇÃO DO RIOR DE SERVIÇOS

central, outras soluções devem ser buscadas. O comércio exterior de serviços e intangíveis hoje excede em volume e em valor, o comércio exterior de mercadorias - cerca de dois terços das operações globais ou 65%, desenvolveram-se no setor de serviços. O desenvolvimento tecnológico permite a progressiva internacionalização do setor, que, desde o ano de 2000, cresce a uma média de 11% ao ano, compondo parte substancial da pauta de exportações, de países como China, Índia, Singapura1. Em estudo do Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional

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para a Tributação, da Organização das Nações Unidas (ONU)2, consignou-se que os serviços são hoje o maior componente da economia mundial, correspondendo a 70% do PIB. Como aponta estudo da Confederação Nacional da Indústria3, o Brasil vive um movimento de “servicização” da economia, especialmente porque mais tênue é a delimitação entre bens e serviços. O valor adicionado das manufaturas é composto de grandes parcelas desses últimos, sendo crescente a complementaridade entre a indústria e os serviços. Ademais, há aqueles serviços que compõem o custo de produção, como os de logística e de transporte. A maior intensidade tecnológica da indústria demanda serviços mais sofisticados - pesquisa e desenvolvimento (P&D), tecnologia de informação, marketing, projetos de design. Segundo dados do IBGE, parcela de 70% do PIB e 73% dos empregos formais, atualmente, estão alocados no setor de serviços, a despeito de este ser pouco competitivo, com preços altos e baixa qualidade, o que se atribui, em grande parte, à alta carga tributária que suportam4. Os serviços, portanto, fazem convergir os centros das atenções das economias mundiais e o estudo voltado à busca de instrumentos que o tornem mais competitivo está na agenda dos Estados e das negociações internacionais. A natureza intangível dos serviços, sua

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instabilidade e dificuldade de padronização e heterogeneidade, diferentemente dos bens corpóreos, trazem entraves para a sua medição e análise, na comparação de serviços entre países que florescem em estruturas díspares de mercado, de tecnologias e custos de insumos. Ademais, as grandes inovações tecnológicas e a globalização afloraram a importância do comércio exterior de serviços, levando estes a se “desprender” dos limites territoriais de um Estado. Sob o ponto de vista da globalização, houve sensível crescimento de transações internacionais de serviços, dos grupos econômicos e corporações, com atuação em diversos países do globo, que fornecem e prestam serviços através de sofisticadas e complicadas estruturas negociais. O tema também é novo no comércio internacional. Muito embora no âmbito da OMC, o General Agreement on Trade in Services GATS, tenha sido ratificado em 1994, como um dos apêndices da Rodada do Uruguai, são pouquíssimos os avanços nessa seara, especialmente porque, a despeito de trazer princípios e regras gerais para a disciplina do setor, nos moldes do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), sua eficácia é bastante prejudicada por Listas de Compromissos Específicos, que condicionam as obrigações assumidas à aceitação de cada um dos membros e pela hierarquia nos instrumentos de proteção. São altos os custos tributários na importação de serviços, no Brasil, o que impacta sobre as condições de competitividade, havendo diversas exações incidentes sobre o comércio


exterior, estruturadas com racionalidades próprias, perfazendo um quase ininteligível regime jurídico de tributação, extremamente oneroso, agravado pela repartição de competências tributárias, em que concorrem os três entes federativos.

Ademais da incidência de diversos tributos, a sistemática de tributação é extremamente cumulativa: vide o PIS e a Cofins incidentes sobre a importação, que incluem em sua base o ISSQN, o IRRF e os valores das próprias contribuições.

Incidem sobre as importações de serviços o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF); a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE); o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Confins); o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e nos casos de serviços de comunicação e de transporte internacional, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), além do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), para o transporte marítimo internacional.

A Confederação Nacional da Indústria estima a carga tributária sobre a importação de serviços em 41,08%, podendo alcançar 51,26%, a depender da sistemática de cálculo, ou seja, a inclusão de tributos na base de cálculo de outros, além do próprio gross up, isto é, o reajuste das bases de cálculo dos tributos para pagamento de valores líquidos do preço dos serviços para o prestador.

TRIBUTO

IRRF CIDE PIS-importação COFINS-importação IOF ISS TOTAL

ANÁLISE TRIBUTÁRIA

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Para facilitar a visualização, tem-se o seguinte quadro exemplificativo, da tributação dos serviços na remessa para pagamento de serviço cujo preço é R$1000,00, pelo valor líquido – gross up:

ALÍQUOTA

ALÍQUOTA EFETIVA

VALOR

15,00% 10,00% 1,65% 7,60% 0,38% 5,00%

18,75% 12,50% 2,39% 10,99% 0,38% 6,25%

187,50 125,00 23,90 109,90 3,80 62,50

51,26%

512,60

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A legislação vigente de disciplina do comércio exterior de serviço é anacrônica, no sentido de se ressentir de eficiência, violar diversos valores constitucionais, como a igualdade e a neutraldiade, ademais de não buscar a harmonização internacional, na contramão do que vem sendo feito por outros países, que buscam o aperfeiçoamento de suas leis, para tornar seus serviços competitivos. O estudo da tributação dos serviços evidencia que a exportação é fortemente prejudicada, por força da ineficiência dos regimes jurídicos aplicados, como na determinação de elementos de conexão ou place of taxation, em relação aos mecanismos e técnicas (ou a sua ausência), para desoneração das cadeias produtivas, que se demonstram ineficientes para a redução da cumulatividade residual. Demanda-se uma reforma tributária ampla e consistente, vinculada a um projeto econômico que não se calque apenas na produtividade fiscal da arrecadação, sem a promoção do desenvolvimento, ou seja, a tributação deve ser tratada como instrumento

de fomento econômico, fortalecendo-se as fontes de produção de renda e a expansão da balança comercial, mediante o aprimoramento do modelo tributário. Desde sempre, a história dos tributos no Brasil demonstra que o modelo federativo e político vigente é o principal óbice para que se racionalize o sistema. Na opinião do saudoso Alcides Jorge Costa, a questão da partilha da arrecadação é o grande problema do modelo brasileiro, não vendo sentido em uma proposta que conceba um imposto único, arrecadado pelo governo federal e repartido entre Estados e Municípios, pois uma lei que determinasse os critérios de repartição, teria que ser votada “à ponta de faca ou com tiro de metralhadora”5. A PEC 233/2008, que propôs a instituição de imposto sobre o valor adicionado federal (IVA-F), que unificaria a Cofins, o PIS e CIDEcombustível, cria novo ICMS, que passaria a ter uma legislação única, com alíquotas uniformes, cobrado no estado de destino do produto, e nada dispôs sobre o ISSQN.

FONTES 1

Cf. ORTINO, Federico. Regional Trade Agreements and Trade in Services, Bilateral And Regional Trade

Agreements: Commentary, Analysis And Case Studies, Lester & Mercurio, eds, Cambridge University Press. 2

LIAO, Tizhong. Taxation Of Cross-Border Trade In Service: A Review Of The Current International Tax Landscape

And The Possible Future Policy Options, p. 4-7. E/C.18/2013/CRP.16, 2013, p. 4-7.. Disponível em:http://www. un.org/esa/ffd/tax/ninthsession/CRP16_CrossBorderTrade.pdf 3

Confederação Nacional das Indústrias, Serviços e Competividade Industrial no Brasil, Brasília, 2014, p.13.

Disponível em: http://www.portaldaindustria.com.br/cni/publicacoes-eestatisticas/publicacoes/2014/12/9,53266/ servicos-e-competitividade-industrial-no-brasil.html 4

Em 2013, cerca de 1,2 milhão de empresas prestadoras de serviços geraram R$ 1,2 trilhão em receita operacional

líquida, ocuparam 12,5 milhões de pessoas e pagaram aproximadamente R$ 253,9 bilhões de reais em salários.

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De acordo com Ricardo Varsano, autor de uma das propostas, de 1995 (conhecida como “Proposta do IPEA”), que previa a adoção de um IVA dual6, é praticamente impossível, em um ambiente democrático, ter-se aprovado um projeto completo de reforma, sem quebra de consistência. Até mesmo projetos de reformas pontuais, aquém do necessário para promover o ajuste estrutural do setor público, “têm sofrido tamanha mutilação durante o processo legislativo que se tornaram de pouca valia até mesmo para o ajuste fiscal de curto prazo”, observando-se que aqueles que se sentem prejudicados, demandam compensações, que nem sempre podem ser

concedidas7. Atualmente, os projetos para a reforma tributária vislumbram, novamente, a implementação de um IVA dual, administrada por uma “super fazenda estadual”, que repassaria aos Estados e Municípios as receitas proporcionalmente à média de suas últimas arrecadações, num primeiro momento de transição. A história da tributação no Brasil demonstra que os prognósticos não lhe são favoráveis.

ANÁLISE TRIBUTÁRIA

Além de não abordar um dos problemas essenciais do sistema tributário brasileiro, que é tributar de forma apartada mercadorias e serviços, da mesma forma, não mexeu nas competências repartidas na tributação sobre o consumo, propondo um formato de IVA, que muito longe está do entendido como ideal, que englobasse todos os tributos sobre o consumo, e que incidisse sobre mercadorias e serviços.

Entre o tudo e o nada, a evolução do sistema tributário brasileiro demonstra que reformas pontuais terão mais probabilidades de lograr êxito, desde que tenham como parâmetro a organicidade do sistema tributário, que tragam em seu bojo a compreensão de sua operacionalidade e dos princípios que o informam, ou seja, que não se prestem a apenas exasperar as condições dos contribuintes, como foi o caso da implementação do regime não-cumulativo de PIS e Cofins.

Disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/servicos.html! 5

COSTA, Alcides Jorge.História da tributação no Brasil. FERRAZ, Roberto (Coord). Princípios e limites da Tributação,

São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.p.82-83. Nessa proposta, haveria a eliminação do PIS, Cofins, IPI, Cide, por um IVA federal, um imposto uniestágio sobre fumos, bebidas, combustíveis e veículos automotores, reforma do ICMS, incluindo em sua base todos os serviços, com a eliminação do ISSQN, com a participação dos Municípios na arrecadação do IVA dual ou criando-se um imposto municipal sobre vendas a varejo. Op. citada, p.43. 6

Que inclua em sua base mercadorias e serviços.

7

VARSANO, Ricardo. A Tributação do Valor Adicionado, o ICMS e as Reformas Necessárias para Conformá-lo às

Melhores Práticas Internacionais, p.46 et seq. Banco Interamericano de Desenvolvimento

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Agenda

OMC Acompanhe as atividades da Organização nos meses de maio e junho.

DISPUTAS No dia 03 de maio, a Turquia notificou o Comitê de Salvaguardas da OMC sobre sua decisão de iniciar, em 22 de abril, uma investigação de salvaguardas sobre escovas de dente. No dia 11 de maio, o Órgão de Apelação da OMC publicou seu relatório referente ao contencioso “United States – Certain Methodologies and their Application To Anti-Dumping Proceedings Involving China” (DS471).

está previsto para ocorrer de 13 a 14 de junho. No dia 17 de maio, o Vietnã notificou o Comitê de Salvaguardas da OMC sobre sua decisão de iniciar, em 12 de maio, uma investigação de salvaguardas sobre fertilizantes químicos. No dia 19 de maio, a Rússia solicitou consultas com a Ucrânia sobre alegadas restrições, proibições, requerimentos e procedimentos adotados em relação ao comércio de bens e serviços.

No dia 11 de maio, a pedido das partes envolvidas na disputa “United States – Countervailing Measures on Supercalendered Paper from Canada” (DS505), o Painel da OMC decidiu abrir ao público seu 2ª encontro substancial, que

OUTROS No dia 02 de maio, , vinte e um países caribenhos iniciaram um curso de dois meses sobre Política Comercial Regional em Barbados. O curso é organizado pela OMC, em parceria com o Centro Shridath para Comércio, Direito, Política e Serviços.

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No dia 02 de maio, o Secretário-Geral da OMC reforçou a importância de apoiar os esforços globais para fortalecer o gerenciamento de produtos e resíduos químicos de modo a fortalecer a proteção do meio ambiente, o crescimento e a inclusão econômica. Essa mensagem foi transmitida durante


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No dia 08 de maio, em meio a um evento com todos Membros da OMC sobre o papel negociador da organização, o Diretor-Geral da OMC, Roberto Azevedo, declarou que as preparações para a 11ª Conferência Ministerial de Buenos Aires devem avançar com um maior senso de clareza e objetivo.

um evento organizado pela OMC e pelos secretariados das Convenções de Basel, Roterdã e Estocolmo. Entre os dias 03 e 05 de maio, foi realizada a terceira edição da Revisão da Política Comercial de Moçambique.

Entre os dias 16 e 18 de maio, foi realizada a quinta edição da Revisão da Política Comercial da Suíça e Liechtenstein.

No dia 05 de maio, a OMC abriu o prazo para a proposta de painéis temático no Public Forum 2017. Os participantes interessados em organizar sessões no evento devem enviar suas propostas até 04 de junho. O Public Forum acontecerá entre 26 e 28 de setembro, em Genebra. As inscrições para participar do evento estão abertas desde o dia 18 de maio.

AGENDA OMC

No dia 16 de maio, os Membros da OMC se reuniram para o encontro inaugural do Comitê de Facilitação de Comércio.

CALENDÁRIO Sessão Informal do Comitê de Agricultura

Sessão Informal sobre Notificações Online de Medidas Agrícolas

02.06

07 E 08.06

01.06

06.06

Sessão Informal do Comitê de Agricultura

Sessão Informal do Grupo Negociador de Regras

Sessão Informal do Comitê de Compras Governamentais

20 E 21.06 19.06

Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente

13 A 15.06

Sessão Informal do Comitê sobre Barreiras Técnicas ao Comércio

Órgão de Solução de Controvérsias

14 A 16.06

Trade Policy Review – Nigéria

13.06 13 E 14.06

Sessão do Comitê de Agricultura

Comitê sobre Barreiras Técnicas ao Comércio

14 E 15.06

Conselho sobre Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio Internacional

Comitê sobre Acordos Regionais de Comércio

22.06 21.06

29 E 30.06

Comitê de Orçamento, Finanças e Administração

Elaborado pela EQUIPE DE COMÉRCIO INTERNACIONAL BMJ JUNHO 2017

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O Boletim BMJ está aberto à colaboração de todos. Artigos e análises podem ser enviados para

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