Jornal A União

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Frutas secas, nozes e especiarias são os ingredientes principais Página 28 das receitas

A UNIÃOJoão Pessoa, Paraíba - DOMINGO, 16 de dezembro de 2012

Artesanato lucrativo

Jornal de Hontem

A imortalidade que gravita entre os jornais e as redes

A arte de tecer redes garante renda para mulheres do Litoral Norte

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Águas passadas O São Gonçalo serviu de cenário para muitas histórias FOTOS: Ortilo Antônio

Hilton Gouvêa

E

hiltongouvea@bol.com.br

ncravado no meio do Alto Sertão, o Açude de São Gonçalo tem muita história para contar e oferece ao visitante uma visão de mar em pleno Semiárido. Figuras políticas de projeção local e nacional já estiveram lá, seja admirando suas maravilhas, seja a trabalho. As frutas de seu perímetro irrigado são conhecidas em todo o Brasil. E os peixes ali produzidos chegam a 2,5 toneladas/dia. Quatorze anos antes de suicidar-se Getúlio Dornelles Vargas deixou um pouco de sua história encravada no Sertão da Paraíba. E tudo aconteceu em Sousa, a 424Km da capital, no ano de 1940, quando o então presidente do Brasil voou do Rio de Janeiro até aqui para inaugurar o Açude de São Gonçalo. Oportunamente, ele conheceu o Restaurante-Hotel Catete, erguido nas entranhas do canteiro da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs), o órgão público que, mais tarde, adotaria a sigla Dnocs, mantida até os dias atuais. Quem deu este nome ao restaurante que ainda hoje possui vista panorâmica direcionada para o Açude de São Gonçalo foi o arrendatário italiano Ângelo Cinquetti, a quem a Ifocs confiou a missão de cozinhar, a fim de agradar aos paladares dos técnicos brasileiros e americanos que trabalhavam nas obras de São Gonçalo. Getúlio dormiu no Catete durante uma noite, no primeiro apartamento da esquerda. Alguns anos atrás, a cama onde Getúlio dormiu era guardada zelosamente no hotel. Um pôster reproduzido por amigos a partir de uma velha foto mostrava um Getúlio sorridente, ao lado de seu ministro da Viação, o paraibano José Américo de Almeida. Um pouco atrás, sem chapéu e de óculos escuros, está Gregório Pereira, apelidado “o anjo negro”, o inseparável guarda-costas de Getúlio. O lado esquerdo do presidente é ocupado pelo ex-senador Ruy Carneiro na época interventor na Paraíba. No

cálido Sertão paraibano de 70 anos atrás, Getúlio pousa nas fotos com a maior tranquilidade. Simultaneamente participava da inauguração do terceiro maior açude do Estado Ele saudou os paraibanos como um “bravo povo do Norte” – o termo nordestino não era muito utilizado. Getúlio veio do Rio para João Pessoa de avião. Também foi de avião para Sousa. Diga-se, de passagem, que Sousa já tinha um movimentado campo de aviação. Em São Gonçalo, ele dispensou diversas vezes o uso do paletó. O calor era demais. A poeira provocada pelas máquinas em obras assentava sobre a pintura dos automóveis. O cerimonial de Getúlio andava com um equipamento indispensável, nessas ocasiões: um estrado de madeira, sempre à mão. O presidente era baixinho e devia aparecer em plano superior, quando improvisava uma fala. Antes de recolher-se para dormir na versão paraibana do Catete, Getúlio ouviu as lideranças políticas e fez questão de que alguns políticos provassem de sua bebida predileta, o chimarrão – não é preciso dizer que o baixinho era gaúcho. Construído sobre uma colina que domina o panorama de São Gonçalo, o Catete sempre foi o local sertanejo preferido pelas autoridades que visitam o Sertão paraibano. Ernesto Geisel esteve lá em 1977, para inaugurar o Projeto Sertanejo, que incluía o funcionamento do perímetro irrigado de São Gonçalo. Lula, o atual presidente, pousou por lá duas vezes, quando era simples candidato. Luíza Erundina, ao visitar Uiraúna, sua terra natal, na década de 80, jantou uma noite no Catete. Na época, ela já havia sido eleita prefeita de São Paulo. O governador Cássio e seu pai o deputado federal Ronaldo Cunha Lima são presenças lembradas com euforia no Catete, onde a maior atração era o pirão de Tucunaré, um peixe abundante no Açude de São Gonçalo. Hoje, o Catete perdeu um pouco do brilho do passado, mas tem uma história a contar. Nas décadas de 40 e 50 o estabelecimento tinha sua própria orquestra. Mulhe-

Nas águas do açude, são pescadas 2,5 toneladas de peixes ao dia, o que corresponde a cerca de 75 toneladas por mês

res com vestidos longos e homens vestindo smookins desfilavam no salão, ao som de boleros e tangos. O italiano Cinquetti tinha preconceito contra a peãozada e não permitia que operários sem distinção financeira frequentassem o restaurante. Na parede direita do salão, uma foto chama a atenção dos clientes. É o flagrante da grande sangria que o Açude São Gonçalo alcançou em 1985. A lâmina d’água atingiu 1,85m de altura. A água desceu a ladeira do túnel, escavou a base do reservatório elevado e levou a ponte de ferro. São Gonçalo é uma visão de Oásis em pleno Alto Sertão. Quem vem de Sousa ou Cajazeiras, pega o ramal da rodovia estadual que liga São Gonçalo a Nazarezinho. O

asfalto conduz o visitante ao coração do projeto. Uma vasta sombra produzida por algarobeiras e outras árvores serve para amenizar, e muito, a temperatura. Os carros em demanda de Nazarezinho e São José da Lagoa Tapada passam por cima da parede do açude.Vislumbra-se uma grande praia de água doce. Nas margens do lago, destacam-se os lotes dos rendeiros. São diversas manchas verdes despontando no Semiárido. O geógrafo Rosimar Severino dos Ramos, garante que os rendeiros da área possuem um padrão de vida diferenciado. Aqui, são pescadas 2,5 toneladas de peixes ao dia. Algo igual a 75 toneladas/mês. A estatística é da colônia Z-23, que congrega 320 associados pescadores de Marizópolis e São Gonçalo.

Estão assentados 266 rendeiros e 482 irrigantes, todos produzindo frutas e cereais, que abastecem o comércio sertanejo e de outros grandes centros, como o Rio, São Paulo e Salvador. Uma volta de carro pelas margens do açude nos revelou muitas surpresas. A paisagem está modificada pela seca. A predominante vegetação de juremas está plenamente cinza. Coqueirais, bananais e plantações de goiabas e mangas marcam a paisagem com uma visão sem fim. Barcos a remo e motorizados cortam o açude em todas as direções. Em São Gonçalo existem duas opções de transporte, para quem mora no setor: o barco e o automóvel cumprem seus papéis, de acordo com a necessidade de seus condutores.

Ao redor da região, estão assentados 266 rendeiros e 482 irrigantes, todos produzindo frutas e cereais, que abastecem o comércio sertanejo e de outros centros, como o Rio e São Paulo


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