Espaços Independentes: a alma é o segredo do negócio

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A ALMA É O SEGREDO DO NEGÓCIO

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manual de instruções Para que seu jornal se transforme no catálogo da Funarte, basta seguir as instruções abaixo: •Folheie o jornal e confirme se, em todas as páginas, existe um picote tracejado no formato 21 x 21 cm. •Com uma tesoura ou estilete, corte cuidadosamente cada uma das folhas no tracejado indicado. •Caso queira uma capa para seu catálogo, procure um suporte firme, porém dobrável, no formato 21 x 42 cm, e coloque-o sobre as folhas de jornal abertas. Dobre a capa com as folhas do jornal dentro. •Para prender as folhas na capa, use um elástico no vinco da dobra, de forma que ele prenda todas as páginas. •Seu catálogo está pronto. Boa leitura!

o que está dentro fica: O que está fora se expande

Cortesia Mario Ramiro

A ação do 3NÓS3 era colar, na porta de galerias de arte, adesivos em forma de “X” e deixar um bilhete em que se lia a frase acima.

3NÓS3 [Hudnilson Jr, Mario Ramiro e Rafael França], X-galeria, intervenção urbana, São Paulo, 1979.


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ESPAÇOS INdependentes

EDITORIAL

a alma é o segredo do negócio

A publicação realizada pelo Ateliê 397 para a mostra Espaços Independentes - a alma é o segredo do negócio na Funarte de São Paulo, entre 6 de dezembro de 2012 e 29 de janeiro de 2013, pode ser vista como um catálogo de exposição e como um jornal. Um material que registra, passo a passo, a exposição, mas que também busca trazer outras vozes para o debate.

Espaços independentes, autônomos, alternativos, autogeridos, fora do circuito ou, simplesmente, espaços de arte. Todos esses são termos que designam lugares que mantêm uma programação voltada à arte contemporânea e que vêm ocupando um lugar cada vez mais importante no cenário artístico internacional. Geridos por pessoas do meio – artistas, curadores, produtores ou críticos de arte –, eles têm em comum a vontade de criar um ambiente mais aberto para a prática e para a reflexão artística. Difíceis de definir, uma vez que a própria natureza de suas atividades é maleável, interdisciplinar e mutante, eles podem ser pensados como intervenções no circuito já estabelecido. Cumprem, basicamente, três funções fundamentais: dar visibilidade a trabalhos de arte experimentais, contribuir para a formação de profissionais e construir um tipo de gestão autônoma no campo das artes. Esta exposição foi pensada para mostrar para um público mais amplo algumas das atividades realizadas pelos principais espaços independentes em atuação hoje no Brasil. Organizada pelo Ateliê 397 (São Paulo), a mostra conta com a participação de mais cinco espaços convidados: Ateliê Aberto (Campinas), Atelier Subterrânea (Porto Alegre), Casa Contemporânea (São Paulo), Casa Tomada (São Paulo) e Casa da Xiclet (São Paulo).

A linha tracejada distingue o catálogo no formato previsto no edital da Funarte (21cm x 21 cm) do restante do conteúdo. Ao recortar o jornal nas linhas indicadas, obtém-se o catálogo institucional às custas de deixar de lado o conteúdo mais reflexivo – e talvez polêmico – dos textos. Aqui, a forma e o conteúdo procuram operar como dispositivos para pensarmos questões que, a todo momento, se colocam na prática dos espaços independentes, como a adequação às formas tradicionais e a experimentação, a reprodução de modelos existentes e a inovação, a luta por reconhecimento e a dificuldade em se definir. Dentro da área delimitada pelo picote, há um registro da exposição, em suas diferentes fases (do início silencioso e organizado ao final estrondoso e caótico), bem como uma breve apresentação dos espaços independentes que fizeram parte dela. O lado de fora é composto por textos que procuram expandir o debate. A matéria principal trata do tema da transgressão na arte hoje. Assinada por Marília Loureiro e Jaime Lauriano, ela conta com depoimentos dos artistas André Komatsu, Marcelo Cidade e Jac Leirner, e da gestora da Phosphorus, Maria Montero. Há, ainda, uma reflexão sobre o experimental na prática dos independentes, por Thais Rivitti, e um texto sobre a impossibilidade de definição do que é um espaço independente, esse termo que parece recusar-se a ser cercado, por Marília Loureiro.

Thais Rivitti curadora

espaços independentes

EXPOSIÇÃO

e seus colaboradores Curadoria Thais Rivitti Assistência curatorial Daniel Rubim Assistência editorial Marília Loureiro Produção Mariana Trevas Assistência de produção Ruy Luduvice Design gráfico Marcelo Amorim Expografia Ligia Varanda e Renato Périgo montagem Escobar, Igor Sisto e Rodrigo Grasso

Alguns trabalhos de arte foram elaborados especificamente para essa publicação. Na página central do jornal, encontra-se uma intervenção feita pela artista Carla Zaccagnini. Um glossário que explica os principais termos artísticos usados nos textos, segundo uma visão institucional, foi elaborado por Jaime Lauriano. A artista Flora Leite, cuja intervenção ocupa a última página da publicação, sugere um retalhamento ainda maior, embora metodicamente organizado, do jornal. Os espaços independentes são personagens relativamente novos no cenário artístico brasileiro. Mas as questões que eles trazem não. É o que nos mostra as fotos da performance realizada pelo coletivo 3NÓS3, em 1979, ao qual prestamos uma modesta homenagem. Como o bilhete deixado nas galerias de São Paulo durante a performance X galeria já afirmava: “O que está dentro fica. O que está fora se expande”.

Em um primeiro momento, a exposição foi dividida em plataformas que documentam as ações já realizadas pelos espaços em diferentes campos de atuação: residências artísticas, publicações de arte, estratégias de sustentação e encontros e debates. Em um segundo momento, entram em cena as plataformas exposições e eventos (performances e obras efêmeras), com trabalhos de artistas selecionados pelos espaços que integram a mostra. Sob o signo da transgressão, entendida em sentido amplo, como inobservância a limites preestabelecidos, os trabalhos dos artistas convidados problematizam a ideia de que haja hoje um separação estanque entre o público e o privado, entre instituição pública e mercado, entre a obra e seu processo de criação. Assim, novos trabalhos são incorporados à exposição ao longo de sua duração, criando um ambiente em constante mudança e reconfiguração. Incorporar ao momento da exposição processos como debates, conversas e a própria montagem de novos trabalhos dá a oportunidade para o público conhecer melhor como funcionam, o que pensam e como se organizam os espaços independentes hoje.

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5:14 PM

Ateliê397 Marcelo Amorim Thais Rivitti Camila Fialho Marília Loureiro Pedro Esquerra Rodrigo Grasso Curador convidado: Jaime Lauriano Ateliê Aberto Henrique Lukas Maíra Endo Samantha Moreira Atelier Subterrânea Adauany Zimovski Gabriel Netto Guilherme Dable James Zortéa Lilian Maus Túlio Pinto Casa Contemporânea Marcelo Salles Márcia Gadioli Casa Tomada Tainá Azeredo Thereza Farkas Iara Barbosa Galciani Neves

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Produção de conteúdo cultural W W W . P R O V A 3 . C O M . B R RUA CAPOTE VALENTE 1232 PINHEIROS SP skype | facebook | twitter @PROVA3CONTEUDO

Casa da Xiclet Xiclet André Sztutman Caio Amaral Falcão Rafael Aboud Piovani - Pajé Sofia Schattan


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Solo comum por Thais Rivitti

Lacunas do sistema O esforço de tocar um espaço de arte vem sempre acompanhado de uma espécie de convicção acerca da insuficiência do circuito tradicional. Os espaços independentes são abertos pois há muitos artistas que querem expor sua produção e não encontram um local para tal; pois há determinadas práticas artísticas (residências, mostras de videoarte e performance, trabalhos sitespecific) que não têm muito espaço nas instituições; porque as escolas de arte não cumprem o papel de discutir as questões atuais e realmente relevantes para o jovem artista... A lista poderia seguir, levando-nos a crer que há um tipo de atividade que só pode ter lugar nesses espaços independentes. Normalmente nos referimos a elas como ações experimentais.

O que faz com que muitos artistas, curadores e produtores dediquem seu tempo e energia a fundar e manter um espaço de arte independente?

foto daniel rubim

A intenção de reunir, em um mesmo local, a produção de vários espaços independentes pretende mostrar o que eles vêm realizando, os artistas com quem trabalham e as atividades que promovem. Traçar um panorama, uma visão geral. Entretanto, como resultado dessa mistura, talvez, o que salte aos olhos sejam suas diferenças. Os espaços que participam da mostra Espaços Independentes: a alma é o segredo do negócio têm diferentes modos de ação e de intervenção no meio artístico. Cada um deles – como suas trajetórias singulares, com gestores que vêm de áreas diferentes, com ambições e desafios próprios – desenvolve sua programação de forma peculiar. Nesse sentido, a pergunta sobre o papel dos espaços independentes na cena artística atual tornase difícil de ser respondida em uníssono. Feita essa ressalva, caberia perguntar se há um solo comum, a partir do qual os espaços iniciam sua atuação. O que faz com que, no presente momento, muitos artistas, curadores e produtores dediquem seu tempo e energia a fundar – e manter – um espaço de arte independente? Acredito que há alguns pontos convergentes, questões comuns a todos, que estão na base de todas as empreitadas desse tipo.

Encontro entre os espaços independentes que integram a exposição no dia 8 de dezembro de 2012.

Arte experimental Falar em experimentalismo, contudo, não basta. Sabemos como o termo foi utilizado amplamente durante as décadas de 60 e 70 para dar conta de uma produção artística que questionava a possibilidade de a arte acontecer em museus e galerias, que desejava atuar na vida, libertar o exercício criativo das formas artísticas já existentes, já categorizadas. Naturalmente nos perguntamos, então, o que sobrou desse

experimentalismo hoje. Diante dos parangolés de Oiticica cuidadosamente expostos em instituições de arte, dos objetos relacionais de Lygia Clark que figuram, sem atrito, em livros de história da arte, como podemos nos apropriar novamente dessa noção que, à primeira vista, parece não ter resistido a suas próprias premissas? Depois do alargamento da noção de arte, agora percebida como intrinsecamente ligada a outros campos como a arquitetura, a


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A exposição não é a única forma possível de tornar público o trabalho de um artista.

poesia, o cinema, a música, as novas tecnologias, a interdisciplinariedade parece não ser mais algo da ordem do experimental – que envolve riscos, quebra de padrões, instauração do novo – mas algo plenamente incorporado aos trabalhos contemporâneos. O que significa, hoje, levar a cabo o experimentalismo na arte? Essa é a pergunta chave que os espaços independentes parecem fazer a si mesmos, quando pensam em sua programação, quando montam suas atividades, quando se inserem no debate. Por um lado, a sensação de falta de espaço ou interesse do circuito institucional em uma produção nova e ainda não formatada. Por outro, o desafio de não repetir fórmulas gastas: o risco de se transformar em uma galeria que agencia novos artistas (para aqueles espaços que se dedicam mais ao mercado), bem como o de uma institucionalização, aos moldes de uma escola de artes (para aqueles que se dedicam mais a atividades de formação) está sempre posto. Os espaços independentes têm que inventar um jeito novo de fazer as coisas.

Um novo jeito de fazer Uma primeira característica da programação dos independentes é o alargamento da noção de exposição. A exposição não é vista como único formato possível de tornar público o trabalho de um artista. Os espaços fazem publicações, abrem-se para falas de artistas, propõem-se a ser amplos a acolher todo tipo de manifestação, despreocupados, num primeiro momento, em inserila no campo específico da arte: É perfomance? É happening? É instalação? É site-specific? É arte? Muitas vezes, as exposições que têm lugar nesses espaços comentam a si mesmas. Perguntam, por exemplo, sobre o poder de uma exposição em legitimar uma produção, ou um artista. Outras vezes, negam os princípios da dita “boa montagem”, sempre calcados nas tradições museológicas. Problematizam a duração de uma mostra, seu alcance, o interesse que pode despertar: daí a recorrência de apresentações mais efêmeras, de trabalhos que respondem a questões específicas, que dialogam com um público mais cativo.

Sustentação A própria sustentação do espaço é um ponto sempre delicado para iniciativas que não têm em mãos uma carteira de colecionadores, que não contam com apoiadores, que não têm facilidade de conseguir patrocínio. Garantir a sustentação é, no limite, garantir a continuidade do projeto. A dificuldade em manter um espaço ativo também é tematizada no interior de suas atividades, não raro as propostas têm como foco o debate sobre o valor do trabalho de arte, o funcionamento do mercado, a circulação de trabalhos. Entrelaçam-se, intensamente, as reflexões sobre o sistema da arte, as práticas de compra e venda e a própria programação. Assim como também aparecem cada vez mais misturados os papéis de artista, de curador e gestor (para citar alguns), as linhas se embaralham e as pessoas envolvidas nas propostas jogam em posições diferentes. Autogestão Por fim, seria necessário observar que o modo de trabalho dentro desses espaços é bastante distinto da organização tradicional do mundo do trabalho. Nota-se a lógica da troca direta, ou do engajamento, que muitas vezes não passa pela

convencional remuneração por horas trabalhadas. Assim, os espaços têm a missão constante de se mostrarem interessantes para os artistas e outros agentes do circuito. É só mobilizando o desejo deles, o desejo de participar de suas atividades, de ajudar a construir o espaço que se tem o combustível necessário para seguir produzindo. Muito resumidamente, como cabe a um texto como este, podemos pensar o papel experimental dos independentes nos seguintes termos: um questionamento acerca da forma exposição como forma privilegiada de conhecer a produção de um artista, uma recusa em apartar das discussões propriamente estéticas os embates financeiros e administrativos que o mercado da arte coloca e, por fim, uma escolha em ter como aliados, como parceiros que permitem a continuidade do projeto, não o setor público ou o setor privado, mas os próprios beneficiários das ações que promovem (artistas, curadores, pesquisadores e interessados em arte).


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Arte e transgressão da Redação

A arte para mim foi a liberdade de continuar

foto jaime lauriano

Uma das características da arte transgressora é questionar o funcionamento do sistema artístico: os critérios de legitimação de obras, de consagração dos artistas e os valores em jogo no mercado. Ainda há tensões entre arte transgressora e mercado? A transgressão virou uma regra e perdeu seu poder de fogo? Segundo André Komatsu, no contexto atual, em que tudo tornou-se consumível, “Ela [a transgressão] é um estereótipo”. Talvez por isso, uma das questões que norteiam o trabalho de Marcelo Cidade, que divide ateliê com Komatsu, seja como se manter transgressor hoje em dia, estando inserido no circuito de galerias, feiras e grandes instituições. Para a artista Jac Leirner, um dos modos de abordar a tensão entre mercado e arte transgressora talvez seja entender o próprio ato de venda como algo transgressor. Já para Maria Montero, gestora da Phosphorus, espaço independente no centro de São Paulo – ou como ela prefere chamar, espaço polivalente – “a palavra não é transgredir, é inventar”. A pergunta sobre o que seria transgredir no contexto contemporâneo desdobra-se ainda em reflexões sobre temas como experimentação; tentativa, erro e fórmula; gesto estético e pulsão artística; relação entre artista, instituição e mercado. Leia a seguir trechos de entrevistas com diferentes pessoas atuantes no circuito de artes plásticas de São Paulo.

fazendo o que

Ping-pong no ateliê dos artistas André Komatsu e Marcelo Cidade

eu queria.

Komatsu e Cidade

Marcelo Cidade

Fragmentos de uma conversa com os artistas André Komatsu e Marcelo Cidade em 29/11/12, por Jaime Lauriano e Marília Loureiro Mudanças no mundo da arte André Komatsu: De dez anos para cá, mudou muita coisa! Marcelo Cidade: Muita coisa! E foi bruscamente. A primeira mudança é que você entrava em um curso de

artes plásticas e não tinha certeza de nada. Querer ser artista caía num ponto que, tudo bem, era como se fosse um hobby: você vai fazer pra você, porque tem tesão em fazer, não porque tem mercado, não porque tem lugar pra mostrar. Nem se pensava nisso! Você tinha que ser assistente de fotógrafo, trabalhar com publicidade, com design, com várias outras coisas. Tanto que no começo, eu lembro, numa aula da Dora [Longo Bahia], ela mostrava o trabalho e falava: “você tem um puta trabalho político, é foda, questio-


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a partir desse erro, criar o

próprio conceito do trabalho, movimentar... André Komatsu

na... Mas você vai morrer de fome. Não existe mercado para isso.” O mercado era o da pintura da mais estereotipada, não existia lugar que desse a possibilidade de experimentar o que era um outro trabalho naquele momento. E, para a gente, fazer arte, era exatamente como em nossas brincadeiras de adolescente, que a gente continuava fazendo, mas contextualizadas em um conceito que vinha de arte... [...]. E sem grana! Por isso nossos trabalhos eram de tijolo, cimento, performances, coisas na rua. [...]. A gente começou a criar um novo mercado junto com a [galeria] Vermelho. Fomos lançados pela Vermelho, uma galeria jovem, então tinha uma coisa meio geracional. Construímos um espaço com a nossa geração, quase como sócios. E a Vermelho, no começo, era um lugar como o [Ateliê] 397, um lugar experimental. Vendas MC: Vender? O que era vender? Ninguém nunca vendia nada. AK: Quando a gente começou, não existia essa possibilidade, como existe hoje, para o garoto que [...] já nasce sabendo sobre a existência de um mercado que pega jovens artistas para vender. MC: Esse é o grande problema, aliás.

AK: Ele sabe que de alguma forma vai conseguir se inserir dentro desse negócio. MC: Porque hoje em dia você tem um mercado que cresceu, tem algumas pessoas que conseguem viver disso. [...]. Eu sempre fui um maloqueiro que não gostava de estudar, gostava de ficar andando de skate, de rabiscar parede e fui ver o que era arte. Me dei bem, porque eu consigo ser livre fazendo a mesma coisa que eu fazia antes e consigo fazer um dinheiro e pensar o que é romper com essa moral social que existe no trabalho. Falam para a gente quando a gente é pequeno: tem que crescer, estudar, arrumar mulher, casar, ter dois filhos e ter um emprego das 9h às 18h. Chega em casa: beijo, boa noite! Dormir até envelhecer, ver novela, morrer, como se isso fosse uma vida. Fazer arte [...] e falar para as pessoas que punham o dedo na minha cara, porque eu era um doido, um viciado, um junkie que ficava na rua: “Existe alguma coisa aí! Existe um pensamento. Existe uma alternativa a um padrão social.” E a arte, para mim, foi a liberdade de continuar fazendo o que eu queria. Tentativa, erro, fórmula AK: Havia uma liberdade de fazer o que a gente quisesse, de realmente

experimentar, errar! Ter a possibilidade de erro... MC: A gente era 99% de erro! O erro para mim é fundamental! AK: E a partir desse erro, criar o próprio conceito do trabalho, movimentar, criar quase que um coletivo sem ser um coletivo forçado. É um coletivo porque está todo mundo ali experimentando, ajudando... A entrada do mercado na universidade gera um enrijecimento da produção artística. O professor fala: “Você tem que ter uma linha de trabalho!” MC: E fala também: “Você tem que ter um trabalho bem acabado”. AK: O menino vai lá e faz o trabalho, só que ao mesmo tempo ele não experimenta outras questões, outras ações, ou outras situações para o próprio trabalho. Daí chega o galerista: “Ah, isso aqui é bom, está muito bom! Continua fazendo isso!” E o cara começa a reproduzir SÓ a mesma coisa! Ou seja, ele vira uma fábrica de produto e passa a não criar um pensamento. Não cria uma linguagem, cria uma reprodução, uma fórmula. Isso eu acho bem perigoso, porque quando a gente estava na faculdade [...], a gente não tinha essa possibilidade de venda, de inserção, porque não existia. A gente fazia qualquer coisa, e foda-se!

Sobre o experimental, o ato transgressor e a estereotipia da transgressão Marília Loureiro: Acho que uma questão que se coloca também é a do experimental, do transgressor na arte. E a gente tem se perguntado se isso hoje ainda é uma questão, ou como é possível fazer isso hoje. O trabalho de vocês toca nisso, tensiona esses assuntos, tensiona os materiais, mas, ao mesmo tempo, vocês não são mais a geração jovem... MC: Então, a gente fazia isso em 2000... Pelo menos no meu trabalho, transgressão, o trabalho que rompe com os limites, há cinco anos, fazia muito sentido ser radical do jeito que era, porque era como uma reivindicação de um espaço que não existia. Hoje em dia, minha grande questão é: como se manter transgressor sem ser um menino mimado? Porque estou na Vermelho, estou na Bienal, não posso levantar a bandeira contra o sistema se estou dentro dele. E, hoje, o mundo já não é dividido em direita/esquerda, capitalismo/comunismo. É tudo uma grande mistura! Acho que a grande estratégia é você es[continua na pág. 10]


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Carla Zaccagnini Plano 3: de bolso da série Como darlo vuelta, 2012-13.


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ateliê aberto

R. Major Sólon, 911 13024-091 Campinas SP 55 19 32517937 - de seg a sex das 14h às 19h contato@atelieaberto.art.br - www.atelieaberto.art.

Fundado em 1997, o Ateliê Aberto é um organismo autogerido e interdependente voltado à cultura contemporânea. Uma plataforma para fomentar a produção e o debate, e também um laboratório para processos colaborativos de criação e gestão. Funciona como produtora cultural com a coordenação de artistas, que também desenvolvem projetos autorais. No espaçosede, há uma programação contínua de exposições, residências, workshops, performances, música, cinema, além de uma biblioteca especializada em arte. Em qualquer âmbito, a estrutura é mutável e se reorganiza a cada projeto. O ateliê tem coordenação de Henrique Lukas, Maíra Endo e Samantha Moreira.

tourar a bomba do lado de dentro. É estudar como entrar no sistema, não ser naïf, saber o que é bom e o que é ruim disso e saber lidar com a troca, negociar o seu espaço. O que é arte marginalizada hoje em dia? Não tem! Não existe. O grafite, o vandalismo, a pichação, hoje é a coisa mais acomodada e besta. Porque tem uma coisa geracional de que tudo que era transgressor, o sistema se aproveita para vender uma imagem e pasteurizar. Os hippies antigamente foram transgressores, aí foram pasteurizados e viraram aquela babaquice. Aí vieram os punks para quebrar os hippies, com uma outra estética. De repente a moda vem, engloba aquilo e acaba. E isso é geracional. Se eu continuasse jogando pedra em vidro, destruindo instituição, fumando maconha dentro, para mim, seria uma comodidade, porque eu já fazia isso. Então é um formalismo dentro de uma estética dos anos 70. Eu acho que eu tenho que mudar. Hoje, meu trabalho está indo para um lado que estou revendo o que era o concretismo e o modernismo paulista. Estou tentando subverter o que era entendido só como uma questão formal, por

criar uma reflexão a partir do seu trabalho, eu acho que já é uma forma de questionar esse sistema.. André Komatsu

uma questão muito mais conceitual de que, na verdade, eles queriam uma mudança social a partir de uma forma. Eu acho que subverter a história é uma maneira de continuar sendo transgressor. Não sei, é uma pesquisa. AK: Ou até uma situação mais simples. Manter a cabeça pensante, crítica e tentar entender, refletir essas situações... MC: A crítica tem que permanecer, não pode baixar a guarda. Acho que você ser artista hoje é não abrir mão da crítica. AK: Refletir essas informações já é uma maneira de contestar. O que mais acontece é justamente o oposto da década de 60 e 70 em que existia uma informação controlada. Hoje em dia, a informação é muito mais dinâmica e muito mais abundante. Mas, ao mesmo tempo, o que fazer com essa informação? Então, sei lá, o que eu vejo em muitos trabalhos é uma pegadinha. Não existe uma reflexão sobre a situação, é só um “pá-pum”, você pega e bota. O cara fala “o Duchamp falou que tudo pode ser arte? Ah legal!”, e aí vira uma piada, um “rá-rá”, sabe? MC: Mas também tem muito mercado para isso. O mercado está crescendo muito, precisa de no-

vos artistas... AK: Sim! Mas a questão é: o mercado vai vender qualquer coisa sempre, porque o sistema que a gente vive, o sistema capitalista, ele se forma e cresce em cima disso. Ele destrói ideologias para consumir e gerar outra coisa que é uma estética, é a forma, e não uma reflexão. E quando você se coloca no posicionamento de criar uma reflexão a partir do seu trabalho, eu acho que já é uma forma de questionar esse sistema. Então não necessariamente a transgressão tem que ser um estereótipo... MC: A transgressão pode virar um estereótipo. AK: Ela é um estereótipo hoje em dia! Tudo é consumível hoje em dia. Da argumentação e do discurso pronto Jaime Lauriano: Deve ter sido muito bom ter começado junto com a galeria... MC: Essa coisa no começo, do Du [Eduardo Brandão] ser professor, a gente chegava e falava: “estou pensando em fazer um projeto”, e ele: “Ah é? Por quê?” Sabe? Professor! Ele queria saber até que ponto você estava levando aquele ato estúpido a sério. [...]. Não é fácil, nada é fácil! Para mim, co-


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ateliê397

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RUA WISARD, 397 - VILA MADALENA - SÃO PAULO - 3034 2132 - DE TER A SEX DAS 14h ÀS 19h - CONTATO@ATELIÊ397.COM - WWW.ATELIE397.COM

subverter a história é uma maneira de continuar sendo transgressor. MARCELO CIDADE

O Ateliê397 é um espaço voltado para a produção, exibição e circulação da arte contemporânea brasileira. Desde que começou a ser dirigido por Marcelo Amorim e Thais Rivitti, em 2010, o espaço passou a apresentar uma programação constante, diversificada e experimental, preocupada em promover debates, levantar questões pertinentes à discussão sobre arte hoje e mostrar obras de artistas que não têm espaço no circuito já instituído. Entre os destaques de sua programação estão o programa de venda de objetos de arte “Michê”, o curso “Colônia de Férias”, o leilão performático “Surpraise”, a revista de crítica de arte “Maré”, o programa de videoarte “Sessão Corredor”, entre outras formas de experimentação da arte na atualidade como performances, happenings, apresentações de música e exposições dedicadas a mostrar a cena artística de fora de São Paulo.

Vista da exposição na sala Flávio de Carvalho na Funarte

locar um bloqueador de celular na Bienal foi uma puta tensão, uma troca, uma discussão, uma negociação! Porque chutar o balde só, você escuta não. Mas aí você vai defender seu trampo. Defesa! Não justificar, mas defender o que você acredita! JL: Se posicionar, né? AK: Exato, se posicionar! Só que existe uma diferença. Os professores exigirem essa justificativa até pode ser bom, porque você tem que saber argumentar. Mas ouvi alguns

artistas mais jovens falando por vídeo, ouvi entrevistas, eles têm um discurso muito pronto! E eu acho tão estranho! Porque existe uma certeza de que aquilo é um trabalho em si, sendo que, eu vejo a arte como um processo em que você não tem uma certeza. Você esta lidando com o erro! Então quando você estabelece uma regra e cria uma fórmula pronta dentro de um discurso compactado, fechado, acho que você começa a não experimentar mais.

JL: Eu tive uma experiência muito ruim com um curador que queria ensinar o artista a como falar sobre o trabalho: “Você tem que falar três minutos sobre o trabalho e eu tenho que entender”. A palestra dele foi para isso! MC: Essa profissionalização que tem hoje em dia – as pessoa te ensinam como fazer seu currículo, como montar o portfólio, como bater na porta de uma galeria, palavras-chave como site specific, apropriação, Marcel Duchamp, que você tem que usar numa conversa – essas estratégias mercadológicas... JL: Isso que o André falou do discurso pronto! AK: Discurso pronto! Mas isso é uma coisa que a gente está recebendo tardiamente... Em 2009, fui pra uma residência em Nova York e lá tive que participar de um curso que chamava AM, Artist in Market Place. Eles ensinavam, de certa forma, como o artista se inserir dentro do mercado. Então ensinavam a fazer site, a como criar um discurso sobre o trabalho que tinha até um tema, chamava Elevator Pitching. Elevator Pitching é assim: uma situação hipotética que você entra no elevador com um curador. Daí, no tempo do elevador chegar ao andar, você começa a falar assim: “oi, tudo bom? Meu nome é André Komat-

su, eu trabalho com isso, isso, e aquilo” pronto, dá o cartão! Era super profissional! Sabe estereótipo profissional? MC: É, americano é assim! Tem curador que chega aqui e a primeira coisa que faz é dar o cartão e pedir o seu. [...]. [Um curador] busy, marcou com a gente às 11h da noite no hotel Fasano, chegou às 2h30, falou pra a gente mostrar o trabalho em quinze minutos cada um e tchau, boa noite, e foi embora. AK: Falar da sua produção em 15 minutos? Porra! Falar de 12 anos de produção em 15 minutos? JL: Ô louco! Um minuto pra cada ano! MC: Não, não fala, né? AK: Pera lá, né? Você tem que ter um discurso pronto! Isso exige que você seja tão profissional quanto o mercado acredita que você é profissional. Mas, ao mesmo tempo, como você pode falar do seu trabalho se, às vezes, alguns questionamentos ainda não estão claros?


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Atelier SUBTERRÂNEA av. Independência, 745/Subsolo, Porto Alegre-RS 51 32082534 -de seg a sex, das 14h às 18h- contato@subterranea.art.br www.subterranea.art.br

Jac Leirner

Trechos de conversa com a artista em 14/11/12, por Marília Loureiro Preocupações artísticas ontem/hoje Marília Loureiro: As preocupações dos jovens artistas têm a ver com as suas? Jac Leirner: Acho que sempre vão ter à medida que, o que alimenta um artista, seja ele jovem ou mais velho, é a própria história, da arte, em especial. Independente do momento na história, todos nós, artistas, nos alimentamos disso. [...]. É lógico que o entorno de uma pessoa influencia no que ela faz – a política, a economia, a música, a literatura... Tudo! Tudo faz parte da vivência de uma pessoa, e é isso que vai gerar o trabalho. Mas eu acho que o grosso mesmo é a linguagem da arte. Formação do artista ML: A formação do artista não se dá apenas na faculdade, mas de maneiras informais em outros lugares... JL: Eu acho que a faculdade não forma ninguém. [...]. É um lugar para você fazer experiências. Acho que os jovens têm mais é que experimentar, não tem nada definitivo. Esse é o problema dos jovens estarem nas galerias hoje. Isso torna seus trabalhos muito definitivos, quando eu acho que eles, na verdade, deveriam estar experimentando. [...]. O que forma uma pessoa é a vida dela. É o que ela busca. São os livros que ela lê, as músicas que ouve, os amores que tem, os relacionamentos, a moda. [...] é tudo isso junto. É o jeito de ser. [...]. É isso que forma uma pessoa. Transgressão e venda ML: O que é transgressor hoje? Há trabalhos transgressores?

O Atelier Subterrânea surgiu em 2006, em princípio como o local de trabalho dos seus artistas-gestores: Adauany Zimovski, Gabriel Netto, Guilherme Dable, James Zortéa, Lilian Maus e Túlio Pinto. Do espírito do it yourself nasceu uma ação parcial, apaixonada e política transformada em laboratório experimental coletivo, por meio de conversas, exposições, oficinas, residências, grupos de estudos e encontros. Hoje, a Subterrânea é uma plataforma flexível, que busca a renovação, a permanência e o fortalecimento da rede de colaboradores. O espaço está aberto à visitação durante o período em que perdurarem as mostras.

Eu gostaria de conhecer mais a produção dos jovens,

JL: Eu acho que existem alguns artistas que estão, de alguma forma, atravessando o que é esperado. [...]. Mas, ao mesmo tempo, acho que a maioria é bem careta, no sentido de não transgredir em nada.Tudo parece muito bem realizado, muito eficiente na sua forma, mas muito vazio no seu conteúdo. Eu gostaria de conhecer mais a produção dos jovens, mas eu acho que sim, é possível transgredir. ML: Como é possível a transgressão dentro da lógica de venda? JL: A própria venda é um ato que

transgride, eu acho, e isso não é novidade. Por exemplo, o Yves Klein, nos anos 60, fez um trabalho que era assim: o cara que comprava o trabalho jogava folhas de ouro no Rio Sena. Quer dizer, ele estava jogando fora e adquirindo o trabalho ao mesmo tempo. Então, se você compra um pedaço de esparadrapo e paga, sei lá, cinco mil dólares por esse pedaço de esparadrapo, você está endossando o ato transgressivo. Acho que você, como colecionador, está sendo também transgressivo. Não sei, é muito complicado.

mas eu acho que sim, é possível transgredir. JAC LEIRNER

Vista da plataforma Encontros na exposição “Espaços Independentes” na Funarte


A ALMA É O SEGREDO DO NEGÓCIO

casa CONTEMPORÂNEA

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Rua capitão Macedo, 370 – Vila Mariana, São Paulo – SP – 55 (11) 23373015 de Seg a sex das 14h às 19h - Sab 11h/17h- www.casacontemporanea370.com

Manter um espaço que se denomine “independente” é uma tarefa árdua. Ao longo desses quase quatro anos de existência, buscamos nos manter fiéis à ideia inicial – um local gerido por artistas, que incentivasse a produção e o pensamento sobre a arte de nosso tempo, mantendo uma postura crítica e contrária a “modas”, mas ao mesmo tempo incentivando discussões; apostando em uma relação com o mercado de arte em que ele seja parte integrante de nossa sustentabilidade econômica, sem ditar os rumos que devemos seguir; e, por fim, acreditando que, apesar de tudo o que ainda há para ser feito, esta foi nossa escolha. Uma escolha que muito nos satisfaz.

divulgação

Às vezes, as

Vista frontal da sede do Phosphorus

Maria Montero

Excertos da fala com a gestora do Phosphorus em 10/12/12, por Jaime Lauriano e Marilia Loureiro Transgredir ou inventar? Marília Loureiro: O que é transgredir? O que significa experimentar em espaços independentes? Maria Montero: Para mim a palavra não é transgredir, é inventar. [...]. Inventar maneiras novas de viver, porque neste momento é preciso algo diferente, alguma maneira de viver que não exista ainda, mas que seja inventada. [...]. Inventar novas relações, inventar a relação com o

colecionador, com o mercado, porque eu quero me relacionar com tudo isso muito bem – eu já me relaciono bem com isso, sempre me relacionei. [...]. Mas é preciso inventar relações novas com a matéria do mundo. Fios soltos ML: Essa inventividade é algo que define os espaços independentes? MM: Eu acho. Acho que é uma quebra de modelo mesmo. Eu abri o Phosphorus sem modelo nenhum. [...]. Acho que não precisa desinventar o que já está legal, [...] mas não é suficiente. O que temos aí para nós não é o suficiente, porque está tudo ainda muito baseado nos deadlines, nas formatações, então acho legal

coisas tem de ficar indefinidas por um tempo, até a gente ter material para definí-las. MARIA MONTERO

ter um projeto formatado, mas acho legal também ter um projeto desformatado, que usa o que aparece, que seja experimental. As pessoas confundem um pouco experimental com porra-louquice. Nas leituras do Mário Pedrosa e do Hélio [Oiticica], o experimental é, primeiro, um momento de reflexão profunda sobre a coisa [...], depois de muita lavoura mental e de pensamento, partir para o fazer. E nesse fazer, ter a liberdade de deixar fios soltos, para coisas que acontecem, mas que a gente não estava prevendo. [...]. Às vezes, as coisas têm de ficar indefinidas por um tempo, até a gente ter material para defini-las. [...]. Não defino, não finalizo, não termino nada por demanda externa. Só pela demanda do artista. [...] Vitalidade MM: Mas eu falo, meio brincando, que tudo que eu faço aqui é fazendo de conta que eu vou entrar para a história. Viver a vida como um gesto estético e não importa se daqui a quinze anos vai estar ou não vai estar. Existe um espaço no México, de uma teórica, ela acha que se tiver mais que três anos, o espaço perde potência, ele já está se repetindo. [...]. Ele passa a ser um formato dele mesmo, que só se repete. [...] é algo a se pensar, porque talvez tenha que daqui a um tempo começar a experimentar tudo de novo em um outro lugar, com outras naturezas para manter essa pulsão, essa vitalidade.


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Casa da xiclet

Rua fradique coutinho, 1885 – Vila Madalena - São Paulo SP -11 2579 9007 - De qui a dom das 14h ÀS 20h - casadaxiclet@gmail.com - www.casadaxiclet.com

Independente evoca a autonomia da dúvida, a disfunção, o tempo descontínuo, o incerto, o transitório. A programação do espaço inclui exposições de artes, espetáculos musicais, projeção de filmes, eventos, jogos, festas, palestras e oficinas. A Casa da Xiclet é uma galeria de arte e também uma residência. A compreensão desse espaço híbrido se expressa muitas vezes através dos slogans e das divulgações da casa, assim como dos próprios temas das exposições: “Não é underground é playground!” e “Não é ponto de cultura, é ponto de interrogação”. O espaço da galeria de arte não nos diz o que é arte e o que não é, não detém esse poder nem assume esse papel e, por conta disso, a experiência é mais rica. Essa política se expressa em mais um slogan da casa “sem curadoria, sem seleção, sem juros, sem jabá, sem entrada, sem patrocinador e sem saída”.

Lastro Transitório: a navegação imprecisa dos independentes por Marília Loureiro

É difícil determinar o que é um espaço independente. Embora existam no Brasil desde a década de 90, e sua atuação venha sendo aos poucos mais reconhecida, ainda parece complexo traçar um enunciado sucinto que dê conta de uma definição precisa. Qual seria então o lastro desses espaços que os identifica fundamentalmente? Uma primeira tentativa seria elencar o que é comum a esses espaços independentes. Pois bem: todos eles são voltados ao uso público, têm uma constância em sua programação, normalmente se situam em sede fixa, além de terem gestores que desenvolvem seu conteúdo e possibilitam sua continuidade. A maior parte deles realiza atividades como exposições, residências, cursos práticos ou teóricos, debates, oficinas, seminários, leituras

de portfólio, vendas, publicações e formação de bibliotecas. Ainda assim, parece muito genérico definir os espaços independentes a partir de atividades comuns a tantos outros espaços de arte. Exposições, residências, cursos, oficinas, debates, seminários e leituras de portfólio, por exemplo, ocorrem também em museus, galerias e escolas de arte. As vendas normalmente são atribuídas às galerias, enquanto as bibliotecas, aos museus. As publicações, por sua vez, são quase sempre realizadas por editoras ou, no caso de catálogos, por museus. E a pergunta continua firme: o que diferencia os espaços independentes desses outros espaços? Uma segunda tentativa seria abordar a questão por outro ângulo e pensar um espaço independente pelo que ele deixa de ser. Ele não é um museu, porque não possui acervo fixo, tampouco

tem vínculo político ou econômico suficientemente forte com o Estado a ponto de comprometer sua programação. Embora alguns deles ofereçam cursos e debates esporadicamente, não se confundem com escolas de arte porque não há uma estrutura de professores, carga horária a ser cumprida e conteúdo a ser abarcado em torno do qual gira todo o resto. Muitos deles têm algum tipo de programa de venda, mas não são exatamente galerias, porque não concentram sua atividade em representar artistas e receber parte dos lucros envolvidos na venda de obras. Mesmo que alguns de seus gestores sejam também artistas, não é possível definir um espaço independente como um ateliê de artista, uma vez que o primeiro se compromete com o uso público, enquanto o segundo é, na maior parte de seu tempo, voltado ao uso privado. Talvez a definição de espaço

independente surja exatamente a partir do que ele não é. Esses espaços são fugidios e, por algum motivo, não se deixam capturar, limitar, ou circunscrever dentro de um conceito que o agarre. O que talvez seja possível afirmar sobre o espaço independente é que ele nasce necessariamente atrelado a um contexto, respondendo a uma dada dinâmica. Ele é filho de um tempo e de atores que agem em dado período. Atores esses que, em algum momento da história, foram agarrados por conceitos capazes de defini-los: galeria, museu, escola de arte, ateliê de artista e por aí vai... Ao escaparem da conceitualização, ficam no descampado do indefinido. E por não sabermos bem o que ele é, não podemos lhe atribuir nenhuma função de antemão.


A ALMA É O SEGREDO DO NEGÓCIO

Casa TOMADA

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Rua Brás Cubas, 335. Aclimação. Cep: 04109-040 - São Paulo SP - 5511 2532-7455 - info@casatomada.com.br - www.casatomada.com.br

Criada em outubro de 2009, a Casa Tomada é um espaço independente reservado a práticas, investigações e reflexões de caráter artístico. Com foco em todo o processo de produção, e não somente no produto final, a Casa Tomada tem como proposta incentivar a discussão da jovem arte contemporânea, não apenas estimulando o desenvolvimento de trabalhos artísticos e teóricos motivados pela vivência compartilhada, mas também agindo como um espaço catalisador de experiências de conexão entre artistas, pensadores da arte e outras iniciativas independentes.

algo está construído. E aqui ainda cabe pensarmos a desconstrução não como destruição, mas como um exercício de reflexão, como uma possível abertura para a mudança.

O espaço foto marília loureiro

independente nasce

Público na abertura da exposição

necessariamente atrelado a um contexto, respondendo a uma

Diante desse jogo de diferenciação e identidade, a relação entre Instituição e Independente se coloca de uma maneira específica. O Independente não como algo necessariamente autogerido financeiramente, tampouco como aquele que independe de todos os atores. Pelo contrário, os espaços independentes, para poderem continuar existindo, se inscrevem em editais do governo – como é o caso deste jornal que você

lê agora –, mantêm relações com galerias, participam de exposições em museus etc. Mas, enquanto a ideia de Instituição passa pela instauração de funções, por regras e estatutos, por um ritmo marcado e por destinos e metas estabelecidos, o Independente evoca a autonomia da dúvida, a disfunção, o tempo descontínuo, o incerto, o transitório. Não é preciso dizer que a posição de desconstrução só pode existir porque

dada dinâmica

É no sentido da desconstrução constante de seu entorno e de si mesmo que o espaço independente se constitui como espaço de construção, ou de formação. É justamente sua não-forma a priori que possibilita o surgimento de tantas formas nele próprio e naqueles que participam desse processo, visando talvez novas formas para o circuito do qual ele escapa e no qual se insere simultaneamente. A formação como algo que não se finda, que não se delimita, que não tem um término. Por isso, pensar os espaços independentes é senão suportar a contradição de que sua estabilidade advém de sua instabilidade, sua certeza depende de sua dúvida, seu lastro é justamente a reinvenção de novos lastros. Mas quanto tempo dura essa pulsão da não-forma, antes que ela se estabilize e passe a se repetir nela mesma?


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Glossário das artes por Jaime Lauriano Este glossário foi desenvolvido a partir de fragmentos de editais públicos destinados ao incentivo, à produção e à circulação artística. Portanto, as definições abaixo apresentadas representam o entendimento do poder público acerca do circuito brasileiro de arte contemporânea.

Distribuição gratuita, proibida a venda Este projeto foi contemplado pela Funarte no Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2012 – Galerias Funarte de Artes Visuais - São Paulo

FICHA TÉCNICA DA PUBLICAÇÃO Coordenação editorial Design gráfico Produção gráfica Textos REVISÃo Arte Fotos

Coordenação editorial PRESIdENTA DA REPÚBLICA Dilma Rousseff MINISTRA DE Design ESTADO DA CULTURA Marta Suplicy gráfico Produção gráfica

FUNDAÇão nacional de artes Textos presidente Arte diretora executiva Fotos diretor do centro de artes visuais REVISÃO coordenadora do centro de artes visuais coordenador do prêmio funarte de arte contemporânea 2012/sp coordenadora de comunicação representação regional da funarte são paulo coordenador coordenador de artes visuais em são paulo administração cultural

indivíduos ou representante de coletivo de artistas.

Espaços independentes

de criação artística são iniciativas de gestão autônoma da sociedade civil para a prática experimental das artes visuais, notadamente quanto ao papel de formação e difusão pública. Os espaços independentes não estão necessariamente vinculados a um espaço físico. Todavia, a disponibilidade de um espaço físico, em caráter de aluguel, comodato ou qualquer forma de empréstimo de instalações, desde que com anuência formalizada pelo cedente, facilita o acesso sistematizado do público à programação de atividades.

Antonio Grassi Myriam Lewin Francisco de Assis Chaves Bastos (Xico Chaves) Andréa Luiza Paes Neno del Castillo Camilla Pereira

Tadeu de Souza Roberto Bicelli Ricardo Gracindo Dias Sharine Machado Cabral Melo Alexandre Koji Shiguehara equipe técnica Gyorgy Forrai Francisco Lopes da Costa Mauro Ruy Martorelli Ronei Leandro Novais Jerivan da Rocha Silva Antonio José dos Santos

Artes visuais são manifestações artísticas contempladas em sua diversidade, como a pintura, a escultura, a gravura, a fotografia, a videoarte, a performance, a instalação, a arte em mídias eletrônicas e digitais e outras experiências artísticas. Essas manifestações são consideradas obras de arte. Classe artística são

Marília Loureiro, Thais Rivitti Marcelo Amorim Leandro Costa Jaime Lauriano, Marília Loureiro, Thais Rivitti Prova 3, Camila Fialho 3nós3 , Carla Zaccagnini , Flora Leite Ricardo Amado

Experimentalismo

Leis de incentivo é uma

Gestão autônoma

Oficinas, workshops, leituras de portfólio e cursos são atividades

é a característica de produções artísticas que envolvem, por meio da pesquisa e da investigação, a experimentação de novas linguagens visuais.

refere-se à gestão de espaços independentes de criação artística pelo proponente, desvinculada da ação do poder público, representando grupo(s) de artistas, críticos, curadores e outros profissionais envolvidos no processo de criação e de circulação das artes visuais, com objetivo de fomentar a disponibilização pública dos conteúdos em discussão no campo de pesquisa em artes em dado momento.

forma de estimular o apoio da iniciativa privada ao setor cultural por meio de isenção fiscal.

práticas e/ou teóricas ministradas por artista(s) ou especialista(s) sobre técnicas e tema(s) do universo das artes visuais, sua história, suas escolas e movimentos, sua relação com outras linguagens artísticas etc.

Residências artísticas

são programas que combinam, por um período determinado, o apoio a artistas por meio de estrutura (materiais de trabalho, ateliê, auxílio/ bolsa, moradia etc.) e acompanhamento (coaching, atividades de formação etc.) da produção de trabalhos de artes visuais.


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