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Capítulo 6 – A LAMA INVISÍVEL

6 A LAMA INVISÍVEL

Nas semanas seguintes ao rompimento da barragem em Brumadinho, o pânico se espalhou pelos municípios mineiros à medida que a própria Vale S.A. e outras mineradoras passaram a emitir alertas para risco de rompimento de mais barragens. Na maioria dos casos, os alertas decorreram da recusa de empresas de auditoria a emitir declarações de condição de estabilidade das estruturas. A esses alertas se somaram intervenções do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em atendimento a denúncias da população e da imprensa.

As imagens dos bombeiros se arriscando para resgatar vidas de dentro do mar de lama derramado em Brumadinho foram amplamente divulgadas pela imprensa nacional e internacional. Junto ao sentimento de tristeza por mais uma tragédia provocada pela mineração no estado – a lembrança de Mariana permanecia viva –, o medo de novos rompimentos cobriu a população como uma lama invisível, pois os mineiros acompanhavam, dia após dia, os alertas das mineradoras e as intervenções feitas pelas autoridades públicas.

Em 4 de fevereiro de 2019, foi noticiada uma sentença proferida pela 22ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte em ação movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais. A decisão proibiu a Vale S.A. de lançar rejeitos ou praticar qualquer atividade que aumentasse os riscos em oito de suas barragens, entre as quais a Laranjeiras, da Mina do Brucutu, a maior do estado, localizada no município de São Gonçalo do Rio Abaixo.

Em 7 de fevereiro, a Barragem Sul Superior do Complexo da Mina Gongo Soco, em Barão de Cocais, também pertencente à Vale S.A., e uma estrutura da ArcelorMittal Mineração, localizada no município de Itatiaiuçu, tiveram seu nível de alerta aumentado. Nesse mesmo dia, a Justiça determinou a suspensão das atividades da mineradora Itaminas, no município de Sarzedo, devido a alteamento irregular e ausência de monitoramento adequado da sua Barragem 4.

Em 16 de fevereiro, a Vale S.A. emitiu um alerta para a Barragem B3/B4 da Mina Mar Azul, localizada no distrito de Macacos, em Nova Lima. Nesse caso, foi acionada uma sirene altíssima num sábado à noite, sem que os moradores e frequentadores da comunidade fossem avisados de que era apenas um simulado de evacuação. As pessoas entraram em desespero pensando que havia outro rompimento em curso 35

e tentavam fugir, em meio à gritaria generalizada. Idosos caíam, crianças choravam e ninguém sabia o que fazer ou para onde ir. Não havia nenhum representante da mineradora para orientá-los. Um verdadeiro caos.

Em 12 de março, o MPMG expediu recomendação para que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) providenciasse a retirada de 2 mil moradores das residências próximas à Barragem Casa de Pedra, localizada no município de Congonhas, cinco vezes maior do que a de Brumadinho. Com 76 metros de altura e capacidade para acumular 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos, essa barragem virou um pesadelo para os moradores vizinhos. (Em 15 de fevereiro, a prefeitura municipal já havia determinado o remanejamento de 250 crianças matriculadas em uma creche e em uma escola situadas a cerca de 200 metros da Casa de Pedra.)

Em meados de março, cerca de mil pessoas haviam sido retiradas de suas casas devido ao rompimento da barragem de Brumadinho ou de protocolos de segurança relacionados a barragens em alerta, em cinco diferentes municípios.

No dia 20, outras cinco barragens da Vale S.A. entraram em alerta: uma da Mina Vargem Grande, também em Nova Lima, e outras quatro em Ouro Preto (Forquilha I, Forquilha II, Forquilha III e Grupo).

A insegurança só aumentava. Em 22 de março, sirenes soaram em Barão de Cocais, alertando sobre elevação de risco da barragem da Mina Gongo Soco. Por erro técnico da Vale S.A., sirenes soaram também em São Gonçalo do Rio Abaixo. De novo, o caos.

No dia 27, a Nacional Minérios S.A. acionou o nível 1 de emergência em uma barragem no município de Rio Acima. À noite, sirenes de alerta de barragens da Vale S.A. em Itabira foram acionadas, também por engano.

Em abril, a Justiça determinou que a Vale S.A. comprovasse a regularidade e a segurança de barragens dos complexos Conceição e Mina do Meio, em Itabira. A decisão atendeu a um pedido liminar do MPMG, que alegou que o rompimento da barragem de Brumadinho pôs em dúvida a credibilidade dos laudos técnicos fornecidos pelas auditorias e do cumprimento das determinações ambientais estabelecidas pelo Estado.

Em 16 de maio, a barragem da Mina Gongo Soco deixou novamente a população de Barão de Cocais em alerta.

Em 12 de agosto, uma ordem judicial determinou a retirada de 20 moradores da comunidade do Quéias, em Brumadinho, por falta de estudo atualizado que atestasse a estabilidade de uma barragem de rejeitos pertencente à empresa Emicon, abandonada há mais de 10 anos. Seis meses após o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, os brumadinhenses já temiam outro pesadelo.

Crises de ansiedade, depressão, síndrome do pânico, falta de ar, pressão alta, irritabilidade e angústia tornaram-se sintomas comuns e diários. O número de pessoas que procuravam atendimento médico e psicológico nos hospitais das áreas afetadas cresceu enormemente.

Além das vidas perdidas e dos danos ambientais ainda não computados em sua totalidade, os impactos causados pelos rompimentos e pela possibilidade iminente de novas tragédias ainda permanecem. Todos sentem os efeitos da lama invisível. O medo foi incorporado à rotina do povo mineiro.