Ver a terra, seis ensaios sobre a paisagem e a geografia

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( 'u l c~ilo Estudos Dirigida por J. Guinsburg

Jean-Marc Besse Traduc;:ao: Vladimir Bartalini

VERA TERRA SEIS ENSAIOS SOBRE A PAISAGEM

E A GEOGRAFIA

J.~,/u, ~ t?t?6 Equipc de rca l i;-a~';ln - Edi~ilo de h:xtn: Marcio Honorio de Godoy; Rcv i~fln de prova~: l.ili:111 Miyoko Kunw i; Snhrccapa: Scq~io Kon; l' rml u~iio: Ricardo N1'V1'S c R;lqucl Fci'I1111Hlr"i 1\hn ll ll ' li ~路..

0~'''~_g PERSPECTIVA t{l\\'"


2. A Terra Como Paisagem: Brueghel e a Geografia

Os historiadores, inttmeras vezes, chamaram a alenc;:iio para o litto de que o. vocabul{trio utilizado no seculo XVI, para descrever as rcpresentac;:oes geogra!icas, era identico aquele utilizado para a pinlura de paisagem1• Tal aproximac;:iio entre carlografia c representac;ao arlislica etas paisagcns sc veri fica em V<irios ponlos. 0 mapa e, com efeilo, o ato de uma mimesis, c muilos foram os carI(Jgrafos que, no seculo XVI, relomaram a analogia de origem ptolomaica entre a geografia c a pinlura. Recordemos as defini-;:oes de Ptolomeu: A gcografia C.: unw im ita~flo gratic:1 da parte conhecida da tel'l'a, considerada glo· halmcntc, nos scus trur,:os mais gerais; (... ] sc os matcm:iticos sc pcrmitcm cxpl icar <i intd igcncia humana 0 prilprio ccu, tal qual clc cao natural, porquc podc-sc vc-lo girar cn1 torno de n6s, para a term, ao contrill'io, e-sc obrigado a rccorrcr :\ reprcscnta~ilo pict!lrica (I , I , 7) 2• I. W. S. Me lion, Slwping !he Nether/mulish Camm. Karel Van Mander:, Scililderllrux k, Chicago: The University of Chicago Press, 1991, p. 173 c seguintcs.; J. Miillcr llols tcde, Zur Interpretation von Bruegel Landschall: i\csthctischcr Landschallbcgrill' nnd sto'ichc Wcltbctrachtung, em Otto von Simson und Mallhias Winm:r (eels.), l'ietcr llmegcltmd seine Welt, Bcrlim, 1979, p. 73-142. De modo gcral, para as rela~ilcs entre paisa gem c c;~rtugmfia, vcr W. S. Gibson, Mirror ofthe Earth. The World Lwul.~cape in Si.\'tecntlt CciiiiiiJ' 1-'/emis/1 Painting, Princeton: Princeton University Press, 1989, cap. •1. c mais rcccntcmcntc C. Wood, Alhretch Altdm:fer and the Origins of La111lsc:ape, l.ondn:s: Rcaklinnllooks, 1993. 2. l'l lo aq11i a trlldll\'no da (i£'ogmpilie de l' tolomcu nprcscntada por Germaine Auinl.', em ('lmtrl;• l'tolnm;'•·. w ·tmiWI/1<', 11.\·tm/og ue. gt'ogmphi!. Cmmais.\'IIIIC<' ct rc!1"' .,.,.11t11tlrl/l rlu 1/lflllrl•• ' ' """''• 1'1111'•: ; Ill'•• I')1JX, p. 1115-.10H. Pam a qul'sl ~o da mimesi.~


c Lll11 csprt<;:o ondc sc circula. E cstc rncsnw mundo ll unilllado por movimentos reais e possivcis, como o mostram as 11uvcns, os ri ns, os caminhos, as pr6prias montanhas e o horizo ntc abcrto. A perspcctiva que sc abre em Brueghel, nesta articulayao da paisagcm c da viagem, c clnramentc a de tnn cosmopolitismo de tipo cst6ico, que li1z. da superf'lcie da Terra, em sua lotalidade presumivel, o horizonte do habitat humano: "Nossa morada nao c apenas este recinto limitado, c o rnundo inteiro que os deuses nos deram como Iugar de estadia c como patria em comum com cles"3'1• Mas, alcm da rela9iio desta visiio do espayo terrestrc com opensam en to est6ico, que Brueghcl compartilhou com Ortelius 40, c possivel propor a seguintc hip6tcsc, rcfercn le <I f'unyao da representayao paisagfstica c suas rela9oes com a geogralia: a paisagern evidencia aquilo de que trala a geografia, ou seja, a expericncia sensivel da Tern: como espayo abcrto, espayo a ser pcrcorrido c dcscoberto. Mais nmplamentc, a rcpresenlayiio da pais<1gem "encamn" graficarnente o novo pensamcnlo c a nova expcricncia da Terra como solo universal da exislcncia humana, que tc111 Iugar na geografia do scculo XVI na esteira das grandes navcgayocs c da descoberta de novos 11 mundos· • Em outros lennos, aquilo que a " paisagcm do mundo" brucgheli ana dit a vcr, sobre o plano da ligura9ilO scns ivcl, c nao apenas um novo sentimenlo do espayo, t:macteri zado pela expericnt:ia da transposic,;ao dos limitcs e do cngrandeci mcnlo das csca las, mas e lambcm um no vo conceito, o da Terra como cc(uncno am pliado, como cspayo universalmcnlc habititvel e abcrto em lodas as dircyoes. A paisagcm possui, a este respeito, o valor de uma verdadeira "csscncia cslctica" 42 (Baumgnrtcn). Ela cncarna a nova visibilidadc da supcrl'fcic da Terra. Scria ncccss:irio :-~gora scguir passo a p:-~sso, de imagem em imagcm, a cxtraordin{tria reportagem grc{fica realizada por .loris Hocf:. nagcl da viagem :1 ll<ilia que elc elcluou em 1578, em eompanhia de 11 Ortcl ius· · • Esta viagem, que conduz. os dois amigos de Antucrpia a Nc'tpolcs, c o objeto de tuna scrie de vistas, dcpois inseridas no ter39. Ciccrn,/Jal/epri!J/it'a, 1, XIII. l:sta qucst;lo da viagcm "cosmnpolila" c ahordadn em C. Levesque, op. cit., c N. Doiron, /,'Art de voyager: I.e dep/aceme/11 ci I 'epO<JIIC! dassique, Paris: Klincksicck. I995, cap. I c 2. Mcsmo tipo de articuhu;:ilo cntn: cosmopolitismo, viagcm c gcogralia, em Kant (vcr nosso artigo La gcogmphic scion Kant: l'cspacc ducosmnpolit ismc, Corpus, 34, 1998, p. 109-130). 40. Ci'. J. Muller llofslcdc, Zur Interpretation Von Bruegel Landschall: Acsthctischcr Landschailbcgrill'und sWichc Wchhctrachtung, art. cit., pcrssim. 41. Vcr ;1 rcspcito J.-M. llcssc, l.e.1· Grande11r.,· cle Ia Terre. Les tran~/iJmwtion1· du savoir gc!ograpltique all ,\'l'f sii:de, These, Univcrsitc de Paris-I, 1999. 42. Vcr n an;\lisc do Iugar dcsta no¥iiO nn cstctica de A. G. Bmungm1cn, em E. Cassircr, /.a Philosophie des Lwuii:res, lmdw;:;io lnmccsa, Paris: f'nyard, 1966, p. 332. •13. Uina tcntativa ncstc senti do t:m L. Nuti, The Mapped Views by Georg lloclilagd: the Merchant's Eye, the Humanist Eye, ll~ml & Image, v. 4. n. 2, 1988, p. 545-570.

v 110 q11i11H1 v oh tttt~·s tla ( 'h •ifflft'S urhis /1' /'J'UI'IIIII de (i. llrullltl.! I l lnt4~'tlhc rg. Uhsct ve-sc u vi sl:t da cidadc dt: Vellctri, na qual 11 111 :1

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original 11 nos tliz lcr sido cia ating.ida "(ncl) Ia pri111a giurnala d:1 l{otna a Napoli". Devemos nos rctcr em duas coi'ill:l. t\ pri meira t: que aquela vista, quando comparada forma lmcnte, t · l:unht:m do ponto de vista de seu conle(ldo, com as Paisagens de llrueghcl, parcce lomar dclas o vocabulario e a intenyiio: a mesma nlu: rlu ra para as distancias, o mcsmo povoamcnto (rcbanhos, lavradott·s ). n mcsmo tipo de animac,;ao da imagcm pel a prescnc,;a de viajantes. 1\ mcditay~O grMiea de Brueghel c a observat;:ao corografica de Hoel1 1agcl parecem se corresponder c dcsenvolver o mesmo pcnsamcnto. 'l'utlo sc passa como se clas pudcsscm p6r em comunicac,;iio, dcntro de 11111a (mica concepyiio geral da Terra, os registros das lcmbranyas, da l'Xpcricncia e da fi ct;:iio. Mas esta articulat;:iio, por meio de lal fusiio, entre a visiio imagim\ria (Orueghel) e a visiio direla'15 (Hoeliutgel) sc conlirma na presenya, denlro da propria imagcm, dos dois viajantes situados no primciro plano. Estes do is viajantes sao rcencontrados em mtlras vistas da lt<\lia. Elcs s~o explicitamentc designados como os proprios Ortelius c 1-1oeli1agel·11'. A present;:a destes dois personagens alravcssando a ltMia nao c forluita. Ela nao tem apenas a funyiio de alestar o que c mostrado nas imagcns ou de fixar uma lcmbranya. I)cve-sc considen1-la lambcm como a assunyao direta, eletiva, pelos humanistas do fim do scculo xv1, cia nova concep9iio da Terra com o cspac,;o ondc sc circula em lodos os scntidos, cspat;:o que sc descobre c que sc l'rcqlienla. A prcscnc,;a de Ortelius c de seu companheiro nestas vistas pai sagisticas atcsta fi nalmentc uma coisa fundam ental: que csta concepc,;ao da Terra, que faz dcla uma imagem a contemplar bem como um cspayo a scr percorrido scm descanso, niio e somente uma !cori a, mas corrcspondc lambcm a uma prcitica c a uma expericncia novas da supcrflcic da Terra. Em outros lermos, que a Terra universal c o clemcnto de wn novo modo de vida. Nao se trata mais de apenas pcnsar, c de vcr, mas lamhem de andar. A paisagcm c assim, e insistamos ncste ponto, nao apenas o prolongamcnto do vocabul<irio antigo da "!coria" fi los6fica, mas lambem a ilustrayiio visual da nova cxpericncia gcogralica do mundo. Nela, em t:onscqi.icncia, uma consciencia renovada do mundo terreslrc pode encontrar a linguagem cas catcgorias que lhc perm item formular-se. ill'l\' l'i~·l1 o 110 dcscnho

44. Conscrv;Kio na Albertina Graphischc Sammlung de Vicna. 45. t'-: prcciso, scm di1vida, nuan~ar :1distim,:iio entre o a to de dcscrcvcr co alO de imagin:1r. As l'aisagenl' de 13rucghcl, cmbora rccompostns, ap6imn-sc p:ll'licularmcnlc na expcril!nc i:1 dn sun viagcm i1 ltiilia. As Vistas de llocfnagcl, cmbora rcalizadas segundo a ohservayiio da nmurct.a, siio rctrabalhadas pclo artistn no momcnto em que clc sc encontra na corte dos llabsbourg. l'crccbc-sc, alcm disso, em particular na vista de Tivoli , que ll ocli1agel estabclccc unwrelayao de hcranya com seu predecessor. 46. Vcr a vista de Tivoli, a visw do gCllftl de Gacla, a vista do lngo de Agmmo.


r;uo daquilo que li:1zia, dcsdc os grcgos, o objcto du filosoliu: a t:oll ternplar;ao (tlreoria) da ordcm do mundo. A paisagcm c a ordcm do mundo que se faz visivel. Por conseqtic~ncia: "0 nascimcnlo da p:lisagem coloca entao esta questao: que significa o l'ato de um clcmcnlO que, na origem, era traduzido exclusivamente pela tcorin, passm· a rcquerer uma reprcscntar;ao estetica?"37 • Sem entrar na resposta a esta qucstao de Ritter3H, pode-sc sublinhar o canilcr decisivo desla relar;ao de prolongamento e reinterpretac;:ao hist6ricos que ele estabelece entre a contetnplar;ao "teorica" provenientc da AntigUidadc e a contcmpla<;ao "estetica" propria da concepr;ao moderna da paisagcm. Eneste plano da percepr;ao sensivel e do senti menlo estctieo que u natureza passa a scr apresentada como totalidade c como cosmos, diz Ritter. A arte e a sensibilidade adquirem, da mane ira que lhes e propria, a dcnsidadc de um ato leorico. Por qual razao? Noutros termos: qunl vai ser a funr;ao da paisagem em rela<;fto a preocupac;:ao humnna em descnhar um horizonte lotalizador para sua existcncia, qucr dizer, tml mundo? Para responder a esla indagar;iio 6 prcciso de novo considernr as Paisagens de Brueghel. Ccrlamcnte a superficie da Terra ali esti1 colocada em cena pelo art isla como imagem a ser corttemplada do alto, e na dislllncia de tun olhar de estrangeiro. Mas, neste recurso de reprcscntar;ao, ela exibe um tipo de espac;:o e um modo de explorar;iio desle espar;o completamcnte especificos. Com ef'eito, tudo neste panorama nos f'ala de circular;ao, de caminhamento c de viagem. Os p{tssaros c os outros animais, os barcos, os veiculos, os peclestres e os cavalciros, sao todo um povoamento que se dispersa sobrc a superf1cie cia Terra. 0 mundo 37. J. Riucr, Lc pnysagc. Fonction de l'csthct iquc dans Ia socic11.: modcrnc, arl. cit., p.51, n. 27. 38. Ritter chama a alcn~ao pnn1 o la~YO que unc, a scu vcr, a cmcrgcnci:1 da conscicncia cstctica c o dcscnvolvimenlo lla objctivn~iio cicntillc:1 modcrna da natureza. I\ cstctic:1 (portnnto, a paisagem) e ncccsst1ria justamcntc no contcxto inaugurado pcla cicncia modcnm: aqucle de uma nova rela~iio com o mundo (que li>i carac1crizada conH) uma rcl :1~ao de divisiio). Ora, <i cicncia modcnm "cscapa", por uma qucsl.ilo de principio, o mundo da cxistcncia ordimiria dos homcns: "/\ neccssidnde de uma verdade mcdi<1da pcla cstctica c portnnto li.mdada r>cla rcl<u,:iio dns cicncias naturais com a tmturcza 'copernicana', ou scja, com uma natureza 'objcliva' cxlraida do conh:xlo da cxistencia c da intui~YiiO. 1....( I\ paisagcm c a totalidadc da nnturcza que pcrtcncc, como 'mundo ptolomaico'. <i cxislcncia doshomens.1 ... ] Niio podcndo mais o ccu c a terra da cxistcncia humana acedcr no saber c :i exprcssilo na cicncin como oulrom, a lilemlura c a arlc os traduzcm cslcticmncnle sob a li>rm~ de paisagcns". Sc, em linhas gcruis, compartillwmos com Rillcr a an{! lise conccrncnlc i•.fim<;iio da paisagem na socicdadc modcrna (podcr-sc-ia moslrar, a cstc respcito, a lig<wao entre a paisagcm estctica, tal qual Rillcr a aprcscnta, c a mx,:ao de mundo vivido, dcscnvolvida pcla lcnomenologia), vcnHJS cmn rcscrva a dimcnsiio cspccilic:uncntc historica de suas obscrvm;:ilcs. l'arcccnos, com cleito, que Ritter "pula" o sccu lo XV I, ou scja, aqucla si tua~ilo de continuidadc hcrmcncutica na qual a rcpresentn~ilo cslctica da paisagcm c a tradu~ao visual c a aplica~ao gi·Mica do antigo conceito da theoria 1011 Kosmou.

J. Hoefnagel. Vista de Vclletri, em G. Braun e F. Hogehberg, Civitates orbis terrarum, vdl. 3, Colonia, I 583. Bibliotlteque nationa/e de France, Paris.


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A TERRA COMO I'AISAOEM: ORUEGHEL E A GEOGRAI'IA

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pcrtcncem ao Iugar, sao camponeses em repouso, scntados junto a uma cruz ou apoiados numa arvore, escapando, ainda ali, momentancamente, da rela<;iio laboriosa com a Terra. Tudo se passa como se, justamente, fosse preciso nao estar ocupado como trabalho para estar em condi<;oes de apreender visualmente a paisagem como tal. Como sc losse necessaria colocar o mundo a distancia ou, Qlais exatamentc, colocar-se a distancia do espa<;o terrestre para percebc-lo em sua dimensao de paisagem. Como se nao houvesse paisagem a nao ser na distancia de um olhar por assim dizer exterior, se niio cstrangciro, um olhar que passa e julga. "Oiha, olha, te digo, escuta, julga":IS. Podemos entao talvez compreender o que une o mapa-m(mdi e a rcpresenta<;ao artistica da paisagem e, alem disto, dar uma significa<;i'io a este gcsto que consistc em representar a Terra como uma paisagcm. Nestes dois casos e preciso, por assim dizer, retirar-sc, dcsprcndcr-se da Terra para percebe-la como um todo. Nao c prcciso mais pcrte ncer ao Iugar para ve-la. No cntanto, esta visao s6 pode se efctuar numa imagcm. 0 espac;:o terrcstrc c perceptive! e intelectualmentc aprccnsivcl como um todo unicamcntc na virtualidade de uma experiencia imaginaria, da qual o mapa-mundi e a representa<;iio da paisagcm (a gravura?) sao as condit;:oes cos suportcs. Nisto, o mapa e a visao da paisagcm sao portadores de um novo gencro de experiencia do mundo terrestre. Podese retomar aqui, adaptando-as asituac;:ao que descrevemos, as amil ises de Joachim Ritter sobre o nascimento da representayao paisagistica da natureza na Europa modcma36, que ja haviamos cvocado no capitulo preccdcnte a respeito de Petrarca. A represcnlat;:iio moderna da paisagem, sublinha com efeito Ritter, e correlata ao desenvolvimento de uma conscicncia estetica da natureza. Para accder a natureza como paisagem, c necessaria dispor-sc a irate ela para livremenle contempUl-la, numa atitudc "desinteressada", quer dizer, scm a intcrven<;iio de considerac;:oes pr{lticas ou utilitarias. Ha um prazcr associado a pura contemplac;:ao da natureza, c a paisagem e, no funclo, rcvclada e alcanyada nesta fruit;:ao cstctica. No entanto, a paisagem nao e apenas o Iugar deste " prazer" tao especial que eo prazer estetico ; cia possui uma densidade cosmol6gica e ontol6gica insubstituivel que, alem do mais, assegura ao prazer cstctico uma vocat;:ao especifica. Como ja vimos, segundo Joachim Riltcr, a rcpresentayao paisagistica co prolongamento c a trans forma-

Johannes ou Lucas Van Duetecum, Plaustrum belgicum, gravura em agua-forte e buri/ segundo P. Brueghe/, o Velho (ca. 1550-1560), per;a extra ida da serie Grandcs Palsagens.

35 . .lu~l~ !.ipse, De rotio11e cumfhtclu peregN11andi, carla a Philippe de Lannoy, l 57H. tradu ~.ida em/\ . 13run, Le dmisdes t'pi.Hres <le Upse traduites de Latin en Fran\·ols, l.ytm . 161 C), p. 17-33 ("Vide, inquam. ausi, iullica"). JC•..1. Rill~ !'. l.:md~dmt\ . i'.nr Funktinn des i\ sthcl ischcn in dcr modern G esell· •,d mll , Su/oio·AIIo•tltlt, h;lll~ liu l : Snh1~ : nnp Verlag. l ')XO(SC[\IIItda cdi\·;lu), p. 1·11- 1')0. < h\111111 H1111k1 p11hlu 1111 11111.1 II ,ldll\';1n ll .llll'l''" • h11'011 1p l\'la. d11 l" i111l'i l'll cdl1·nu tk sl<' II'S ioi, 1'111 il,l;tlo •, IIi, 1'1/ N, p 1 / ~ i{ ,


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Johwmes ou Lucas Van Duetecum, Prospectus Tyburtinus, gravura em agua-forre e buril segundo P. Brueghel, o Ve/lro (ca. 1550-1560), per,:a extraida da .wJrie Grandcs Paisagcns. Bibliotheque royal Albert 1''~ Cabinet des Estampes. Bmxelas.

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Johannes ou Lucas Van Duetecum, Euntes in Emaus, gravura em agrw-forte e lmril segundo P. Brueglrel, o Vellro (ca. 1550-1560}, pe((a extraida da serie Grandcs l'aisagcns. Bibliotheque royal Albert,.., Cabinet des Estampes, Bnrxelas.

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Johannes ou Lucas Van Duetecum, Hieronymus in deserto, gravura em aguaforte e buril segundo P. Brueghel, 0 Velho (ca. 1550-1560), pe((a extraida da serie Grandes Paisagens. Bibliotheque IUyal A lbert 1", Cabinet des Estampes, Bruxelas.

Johannes or1 Lucas Vmz Duetecum, Milites requiescentes, gravura em agua:forte e buril segundo P. Brueghel. o Velho (ca. 1550-1560), per,:a extraida da serie Grandcs Paisagcns. Bibliotheque royal Albert 1", Cabinet des Estampes, Bruxelas.


1\~, J•aisagc11s de lltlll..'l'.lll.'l lhl:un tin mundti hum:lllll 11:1 t iqucJ': 1 d~t•, M'IIS dctillhcs corogr:'tlictlS c topng,rt'dicos: cidadcs, aldcias, cast<.:-

na mct{tl(m1 (mas tambc111 no n:c.;urso l'orlll:il) do lciltro, 11111 tcatro no qual o scr humano c ao mesmo tempo ator c cspcctador, :10 lllc.;snto tempo interior c exterior it cena, considcrando-u <.:omo tnna imag<.:m. Talvez tenhamos alingido aqui, por meio clestc clisposilivo puradoxal, um dos recursos mais profundos do ato cartogrM-Jco modcrno, que consiste em fazer do mapa uma representa~cio, no sentido que Martin Heiddeger deu a este termo33 • A comunica<;:ao entre a cartografia c a experiencia paisagistica (seja esta direta, na villa, ou indireta, na pintura) nao se efetua, portanto, apenas no plano dos "conte(tdos", mas tambem no plano de um dispositive formal de percep<;:ao c de pcnsamento, eslruturado pela rela<;:iio sujeito/obj eto. Parece-nos possivel, entao, colocando-nos neste nfvel de comunicayiio, esclarccer a conccp<;:ao da Terra descnvolvida pelos cartografos da seguncla metade do seculo XVI, e essencialmente por Ortclius. Mais precisamente, c possivel vislumbrar nesta perspectiva formal as rcla<;:ocs mantidas entre a cartografia c a pintura de paisagens. 1\ssim, cstc dispositivo teatral, onclc a Terra c aprcscntada como uma imagcm e o homcm e visto ao mesmo tempo como participantc c exterior it cena, sc manifcsla na scric de estampas chamada Grandes Paisagens rcalizada por Peter Brucghcl antes de 1560, mas cujos esqucmas de composiyiio cspacial sc cncontram em tocla a obra futura do artista. A observa<;:iio de algumas pcyas desta scric nos da urn csclarccimento preeioso sobrc a conccp<;:ao da Terra da qual partilham o pintor e seu amigo cart6grafo 3·1•

33. Vcr, em particular, M.

llci dcg~;cr,

L'cpoquc des "conceptions du mondc", tr<Hitu,;;1o li·w1ccsa, Paris: Gallinwrd, 1962. l'nr cxcmplo: "0 proccsso limdamcnlal dos Tempos Modcrnos c a conquisH1 do mundo conw imagcm concciJida" (p. 123), c: "Sc, portanto, prccisamos o car:'tlcr da imagcm concchida do mundo como o lhto do cxistcntc SCI' rcprcscntado, lhz-sc ncccss;irio, para podcr aprccndcr plcnamcntc a csscncia modcrna da rcprcscnta~no, comprccndcr c scntir, a partir dcst;l no~,;iio utilizada de 'n:prcsentar', a lhr~ll original de nomina~,;ao dcstll palavra: trazer diantc de si rcconduzindo a si (vor siclt fum zu sic:IJ f1er Stel/eu). l'or ai, o cxbtenlc akan~,;a mna conshim:ia como objcto, c somcntc assim rccchc a nwrca do scr. 0 mundo tornado inwgcm conccbida c inscpar;'1vcl do cvcnto que 1hz do homcm um sul!iec/um em mcio ao cxistcntc" (p. 120-12! ). 34. 1\s Gram/e.\' Pai.mge11s li>ram gravadas c cditadas por l licronymus Cock, nos ;mos !555- 1556. 0 gravador introduziu algumas modifica~ucs nos dcsenhos de Brucghcl. Catherine Levesque cstaiJclcceu a corrcla ~,;~o cntn: as series de gravuras de paisagcm publicadus nos l'aiscs 13aixos nos scculos xv1 c XVII, c o descnvolvimcnto da cu hura cosmognilica que, na mcsma cpoca, estes 11aiscs conhccermn. Elu puc em rcl:u;iio, em particular, a scrie das Gm11cles Pai.mgem de Peter Brucghcl com us primciras lormula~,;ucs de Ortclius para o projcto do Thea/rum nos anos 1564-1 567. CCC. Levesque, Joumey lhmugh Lmulscape i11 Seventeenth Celli my 1/o//mu/. The 1/aarlem Print Series a11d Dutch lclenlily, Pcnnsylvannia: The.: Pcnnsylvannia Stale University Press, University Park, !994, cap. 1 • 2. Vcr tambcm J. Miillcr llofstcdc, Zur Interpretation vor Bruegel Landschat\: i\esthctischcr LandschallbegritT und sto'ischc WcltiJetrachtung, art. cit., p. 73-!42.

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1,,•,, l'i11:;, IIHHltn11has, llorcslas, campos cultivados, p{tssaros, mas tam -

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ill1111 11:1 divcrsidadc dos modos de utiliza<,:ao do cspa<,:o tcrrestrc pclo ••l'l hu111ano: rcbanlms guardados por paslores, semcador no campo In tHin. navios de di fcrcntcs tamanhos, carro<;:as puxadas por cavalos, 1'111Hponcscs, mercadorcs, soldados e peregrinos sao distribuidos na 'lllccssfio rigorosa clos pianos do panorama diante do qual o espectador cst{t situado. Pela reuniao destes objctos sob o olhar, a paisagem ·w 1:1i'. imagem do mundo, expericncia visual do mundo terrestre. 0 tlllllldo, mas tambem as diversas atividades humanas, bem como os lipos de investimcnto no espac,:o terrestre que as cxprimem (o comcr~.:i o, a agricultura, a guerra), se dcsdobram enciclopeclicamentc sob nossos olhos, como este vasto anfiteatro de que fala Plinio, o .lovem, llhcrlo pa.ra as lonjuras. Mas Brueghelnao se contenta em mostrar a Terra, ele a mostra e n constitui explicitamcntc como espetaculo observado, como objeto contemplado. A pai sagcm brucghcliana e, com efeito, caracterizada pc.;la maci<;:a prescnya de uma base no primeiro plano que avan((a sohrc o cspa<;:o diagonal do panorama terrestre. Clara divisao de dois pianos, instalando como uma ruptura do sentido da cxperiencia visual no proprio interior da imagem. Sobrc esta base do primeiro plano, alto Cl1l relac;:ao a paisagem, Brueghcl rreqiicntemente situa um observador do qual, em gcral, apenas se vccm as costas ou o perfil. 0 significado dcstas figuras de obscrvadorcs vai ah~m do simples artificio de composi<;:ao. Devc-sc considerar estes pcrs01iagcns como delegados do espcctador e do scu olhar dirigido para o munclo terrestre. Mais prceisamcnle, deve-se comprcender estes personagcns como reprcscntantcs de um pcnsamcnlo do que 6 o mundo c do que ea visao possivel do mundo. Brueghel coloca em ecna nao apcnas o mundo, mas a rela<;:ao visual entre um mundo e tu11 olhar. Ele dcsdobra graficamcnte lll11 rccurso tcatral no qual a paisagcm tcrrestrc ganha scu sentido de munclo para o homem que a contcmpla. Nao basta dizcr que a paisagem brueghcliana c a exprcssao gn'lfica do antigo lema da Terra "vista do alto". Trata-se de entender que, nesla cnccna<;:ao, a superf1cie da Terra c delibcradamente representada como uma imagem a ser contemplada. A Terra nao e apenas este cspa<;:o aberto a prescn<;:a engenhosa do scr humano, como moslram os diversos dctalhes reunidos pelo artista; ela propria e concebida c apresentada como espa<;:o do qual e preciso se afastar, ou em rela<;ao ao qual e preciso se clevar para apreende-la como imagem. Quem sao de f·ato estes obscrvadores, que colocam a questao do olhar que devc ser lan<;:ado sobre a Terra?. Quais sao suas oeupa<;:oes? Sao soldados, peregrines, viajantes: eles nao vem do Iugar de .ondc eles olham, cles ali chegam; tampouco eles moram ali, elcs passam. Ou entao, se eles


Niio Sl! pode considcrar Orlelius como aqucle que juslalllCIIIl! pcr111 ilc vcr "com os olhos" a Terrana sua lola lidade? Niio c de que, 110 rundo, cumprc o programa dos /\ntigos? 0 mapa-m(mdi, o atlas, 11ws tambcm o quadro de paisagcm, nao siio os suporlcs concrclos que penn ilcm realizar, dctuar, em bora no registro cia imagem, Ia I visiio g lobr~l? Niio se pode consiclcrar que a represcntac;:iio cartogrMica, assim como a representac;:ao pict6rica da paisagem, adquircm o valor de uma contcmplayiio filos6fica? Ortelius: " Mas o homem nasceu para contcmplar o mundo"2H. l'odc-se aproximar, nesta pcrspeetiva, as eoneepc;:oes do mapam(mdi c de "paisagem do mundo" do ideal de vida eontemplativa que, no mesmo momento, na ltalia, os te6ri cos cia villa desenvolvcm 2'1• Uma das propostas da vilcgiatura, segundo estes humanistas, e, com cleito, a contemplac;:ao; c a visiio da paisagem, nas lembranc;:as das cartas de Plinio, o JovemJ11, c uma das fonnas que a H:lieidade pocle tomar no 6eio, sob o registro do Iucus amoenu.1· 31 • Uma villa retirada no campo oferece ao humanista mais do que os prazcres simples de uma vida rural protcgida das ilusocs da cidade. Ela niio e somente a tentativa de preservar Lllnu forma de urbanidade nosjogos enos divertimentos virtuosos de que o campo c tcatro. Enfim, cia nao c somcntc o cem'trio de um retiro para o cstudo, dcdicado ;'t lcitura e <I obscrvayao da natureza. Ncla se ex prime um ideal de repouso mcditativo, no qual o ser humano pode se apoderar clas rcl;u;:ocs sccretas que o uncm ao cosmo, c scnlir sua cxistcncia, por assim dizcr, justificada.

2ll. Ortclius citil Cicero (/Ja Nalure;a clos /Jeuses, 11, 37). C ita~iio contida nmna das quntro vinhctas que guarncccm o 7j·pus orb is lermrwu a partir de I579. 29. c r. ll. Ruppn:chl, Villa. Zur Gcschichtc cim:s Ideals, Pmhleme tier Kwwwis.w!ll.,·du!fi, vol. 11, ll'wufltmgell des JICII'ac/iesisdJeu wul ulopischen, Walter De Gruytcr, llcrlim, 1966, p. 2 10-250; J. S. Ackerman, l.tl Villa. De Ia Nome 1111/ique ti I.e Corlmsier, tradu ~;1o li':mccsu, l'nris: llazan, 1997 (parl icutarmcntc os capitulos de 2 il 5, sobrc as conccp~iics romana c renascent isla di1 villa); II. 13 runon, lmagin:1irc du puy· sage ct"villcgiatura" dans l' ltul ic du XVI' sii:clc, Ugcia, 19-20, 1996/1997, p. 58-77. 30. Vcr, pur cxcmplo, a dcsc ri~,:iio du Villu Tusci , que comc~a com uma aprcscn· tu ~iio do sitio, "unfitcatro imcnso, como sti u naturczu podc li1zcr, uma vusta pli1nicic circ undudu por montnnhas, cli1s proprius coroadas por altos c nntigos bosqucs j ... J", c que Plinio fin:iliza assim: "Vt'>s tcrcis o maior prazcr em aprcci;u· o conjunto darcgiiio do i1ltu da montaniHI, pois o que vtis vcrcis ali nilo vos purcccri1 11111 campo, mas unles 11111 quadro de paisugem de umi1 grande bclcza. Esta varicdmlc, csta feliz d i sposit;~o. ondc qucr que os olhos pouscm, rcgozija-os" (/.ettres, v, VI, 13, tradm,:iio lhmccsa, Paris: Lcs 13cllcs Lcllrcs, v. II, 1927, p. 64).1\ckcrman assinala (/.ll Vi/Ill, op. cil., p. 372, n. 23) que ojimnam... pic/am de l'tinio c, para ccrtos comcntaristas, 11111 mapa. Estc modo de vcr paisagcns ,·omo sc clas l'osscm pintums atravcssa a hist6ria das rc la~ocs com a paisagcm. Ycr inl'ru capitulo 3. j I. Ver, para cst<l no~i\o, o cstudo cl{tssico de E. R. Cmtius, Lc pay sag~: ideal, La l.illcmlure europcenne etle Moyen tlge /a/in, tradu~i\o li·anccs:l, Paris: PUF, 1956, 1. 1, p. 301 -326.

1\ nli vidmk C<HliC111p la ti vnl'II COillfnL.:III IIn, 1111 visno da p11i~agct 11 , sua riqllcl.a. l:lll llnrlolo111CO Tat.:gio d:1 10 11111 :1 I(JI'Il l:l dL' 11111:1 vcrd a~k im viagcm, hem pr(>xima de 1:110, 110 scu descllvol-

'' ~L'll 1m·io c

villlcuto c na sua exprcssi"io, daqucla que 111apa-111L111di pdos amigos de Ortclius:

c dcscrita a propt'>situ do

Eslando na villa sozinho em 1ncu abrigo, [... [ s(J com a alma, scmmcxcl'tlualquc r corpo, imagino lodas as partes do Oceano, abralj:o toda csta bola rcdonda <JLIC •.c chama TcHa, dcscubro quantos mares a inundmn, quantos lagos a banham, quanws ilhas, portos, rccilcs, montanhas, plan icics, castclos, cidadcs, provincias c rcgiocs nc lu JlU IIC do

ex istctl1'1:!.

Taegio descreve uma paisagcm ou um mapa-m(mdi? Ele protonga uma tradi<;ao liter{ll'ia antiga? Tudo isto ao mesmo tempo, scm dt:tvida. Mas e preciso que se v~ja, nestas voltas ou aproximac;:oes, a operac;:ao subjacente de um dispositivo geral de percepyiio e de pensamcnto que, no seculo XVI, estrutura a relac;:ao mantida com a superficie da Terra. Eum novo tipo de experiencia da Terra que procura, no plano clas representac;:oes e dos discursos, os meios para sua formulac;:ao, freqlientementc se servinclo do univcrso dos modelos antigos (mas deslocanclo-o). Esta cstrutura de percepc;:ao e de pensamcnto co teatro. Sob esta palavra, a cartogralia , a pintura de paisagcm c a vilegiatura compartilham scus objetos c cliscursos, quando niio scus pr6prios mcios formais. A supcrl1eie da Terra c ali aprcscntada como uma totalidade harmoniosnmcntc ordcnada, na di vcrsidadc de suas rcgioes e de suas qualidadcs. Mas sobreludo cia sc ofcrccc (l disti\ncia, vista do alto, por 11111 observador que de certo modo lhc litz l~•cc, como se lhc tivcsse sido neccsstirio scparar-se dcla para mclhor compreender o que tambcm o une a cla. A Terra c aprescntada como um Todo do qual o ser humano participa c, de maneira concomitantc, como um espctt1culo diantc do qual clc est{t colocado. Paradoxo constitutive, sem d(1vida, mas pclo qual a Terra c o homem rcccbem seu cstatuto vcrdadciro, de 11111 !ado uma imagem, de outro !ado aquele que a contcmpla. Estrutura pnradoxal do sujcito c do objeto, que sc resume 32. B. Tacgio, /.a Villa. /Jialo~o. Mili:io, I559, p. 9 (citado por I I. llrunon, lmaginairc du paysagc et 'villcg.iaiUra' d;ms !'Italic du XVI' sicclc, art. cit., p. 74). 0 tcxto continui1 assim: "E niio conlcntc com cslas coisas baixas, al~o vilo nas asas do pc nsamcnto, c passando por todas as rcgiiics do ar c da cslcra do logo cntro no ccu c desIiz~m­ do pclo intclccto de cslcra em cslcra, c de uma intcligcncia punt a outra, cu me condu zo en tim ao proprio Deus. E dcpois, rcplcto de maravillws, com~¥0 a rctornar ordcnadnmcntc ;\ considcrao;:ao das coisas que Elc prmtuziu; c sub indo c dcsccndo dcsla mancil'il cu atinjo o pcrlcito conhecimento dcstc mundo. l'asso mcus dias em grnndc alcgri:~; a fclicidadc humana provcm dcsta contcmplao;:iio". Duns observao;:oes: a contcmpl;u;ilu de T<1cgio na villa nao c nada mais do que o pcrcurso da cosmologia cscolilstica; cslc "voo da alma" ccstruturado por umn altcrnflncia dl: olhan:s p:mt o alto c pmn buixo, que corrcspondc ;\ pr6pria natureza da ati tude do cosm6gralo no seculo xv1 (cr. II. Ilund ius, G. Mercator).


de Bles, Drueghel, mostram a paisagem como tun po~to avanc,:ndo da ordem do mundo a partir dos pianos de lundo. Mas o que e a Terra dentro deste teatro? E como ela c pcrccbida? Sublinhemos este ponto: a Terra, no mapa e na pintura de paisagcm que a representam, torna-sc tun objeto para um sujeito que eo seu cspcctador, difcrcntementc do mapa medieval, que conta uma hist6ria, c que, mais precisamente, insere a Terra, e o individuo que observa sua imagem, no diseurso, a mn s6 tempo fisico e teol6gico, da Criac,:1io do mundo 26 • i\ Terra medieval, ate no Liber Chronicarum de Hartamann Schedcl (1493), co ponto de chegada do discurso da Genese, assim como o ponto de parlida da hist6ria humana problematieamente oricntnda para sua Salvac,:ao ftnal. A Term c, ent1io, uma eonerec,:ao momentanea do Tempo, e o espac,:o, o intervalo de uma l-list6ria. Se esta dimensao temporal se mantcm prcscnte na cartografia e na pintura do inicio da modernidade, os acentos sao profundamente modificados. 0 cspac,:o e a Terra nao crista! izammais o Tempo, cles se torn am o quadro, o suporte, o teatro do scu desdobramento. 0 Tempo e a Hist6ria tornaramsc cspct{lculos. Passamos, num ccrto sentido, do munclo da Genese tlquelc do Salmo 104. 0 cspac,:o nao c mais a inscric,:iio do Tempo, nem a Terra o rcsultado de urn a Genese. Ele co i\berto, eta a eondic,:ao, no interior dos quais o Tempo c a Hist6ria dcsenvolvem seus Scntidos. Nesta mancira de dar um sentido a multiplicidade dos lugares colocando-os no interior de tml espac,:o universal, globalizante, cart6gralos C paisagistas do secu(o XVI sobrepocm ao pcnsamenlo dos Sa/mas a Ii9ao dos ehissicos. Os textos de Cicero, ou de PIinio, nos quais tais experiencias se desenvolveram, silo l'amiliarcs a Ortcl ius c ao eireulo de humanistas que ele freqi.icnta. Conli·ontemos, por cxcmplo, a descric,:ao de Jacob Van Suys com Cicero:

Henri mel de 8/es. 0 Paraiso. ca. 1550. Rijksmuseum, Amsterda.

Considcrc de inicio a Terr:1 inteira, colocada no centro do mundo, solida, eslcrica, coesa pclo clcilo da gnwidmle, n:vcslida de llorcs, i1rvorcs, colheilas, cuja incrivel abund:incia sc mcscln com u111:1 insacii1vcl divcrsid:1dc. i\cresccntc a islo o lrcscor das limles inesgoti1vcis, a limpidcz dos rios, o adorno vcr<kjanle de suas margens, a prol"undeza das cavcrnas, a saliGncia dos rochcdos, a altura das monlanhas que nos dominam, a imcnsidilo das planicies; acn:seenlc ainda os lilucs cscondidos de ouro c de prala c a <1uantidade inlinita de m:innore. Que cspccics variadas de animais domcslicos ou sclvagens! Que viios, que cantos de p:issaros! Que pastagens para os rcbanhos! Que anima~ilo nas llorcslas! Que dizcr cnlilo do gcncro humano'! Crimlo p:m1 cullivar a terra, cle nan pcrmile que cia seja rcsliluida ao cslado sclv:igem paw os :m imais lerozcs ou devastada pclo mnto; pclos scus cuidados rcsplandeccm os campos, as ilhns, as costas, adornudas com c<1sas c cidmlcs. Se pudcssemos vcr ludo islo com nossos olhos como vemos pclo pcns:uncnlo, ningucm, ao conlcmplar a terra inlcira, duvidaria da raziio dos dcuscs" . 26. Cf. n rcspcilo E. Edson, Mapping Space cmd Time. /loll' Medieval Mapmaker.,· viewed their World, Londres: The l3rilish Libmry, 1997. 27. Cicero, De Ia nature des dieiLr, 11, 39, tradu~ilo de E. 13rchicr, Les Sliiit:iens, Paris: Gall imard, 13ibliothcquc Plciade, 1962, p. 444-445.

Tobias Verhaecht, Paisagem Montanhosa com Rio. Musees royau.t des Beaus· Arts de Belgique, Bnaelas.


sc llll'llllll, IHI dcSl'ri.,:!io d~.: .Jacob V:111 S11ys, lllll pintor paisagista. 0 invl!nt(trin dcst:ritivo de .lueoh Van Suys transfhrma o 111apa, ao qua l em n.:alidadu sua dcscri((ilo su aplica inicialmcntc, num vasto quadro de paisagcm que o olhar pcrcorrc. Scm dttvida nilo c mais ncccss<irio, dcsdc cntilo, opor a grande cscala corografica e a pequena escala gcogra!1ca. 0 lllOSaico das Land~chqjien particulares e, por assim dizer, cnvolvido por lllll cspayO indelinidamcnte aberto aexplorayaO, 0 do CCUI11Cil0 universal, no interior do qual elas encontram seu Iugar e sua func;:ao. Na vcrdade, mais do que uma colcyiio de mapas no sentido eslri lo do tenno, Jacob Van Suys parcce descrcvcr uma "paisagem do mundo" ( Weltland~·chaji), que podcria tcr sido pintada por 1-lieroninws Bosch, Joachim Patinicr, 1-lerri met de Bles, ou Peter Brueghef23• Como num quadro destc gcnero, abre-sc no Theatrum de Ortclius tnn panorama cxaustivo do mundo visivel na superf1cic cia Terra, na riqueza dos seus conlettdos os mais eli versos. Na paisagem do mundo, como na colcyiio de mapas, cnconlra-sc a mesma lendcncia (i cnciclopcdin c a mcsma prcocupac;:iio de lazer dcsta cnciclopcdia uma expcricncia visual. Trata-sc, na cartografia c na pintura, de reunir, num pcqueno cspayo, nos limitcs de uma supcrticic de inscri<,:iio, a totalid:tde dos caractercs do mundo terrcstrc. Mas, do mcsmo modo que na paisagcm do mundo, esta prolusilo de obscrva((oes visuais possivcis, pclas quais sc distribui a cxpericncin gcogrMica da supcrf1cie da Terra, c simultancamcnte a manilcsta((fio co dcsdobramcnto scnsivcl da cxistcncia de uma ordcm providcnciaF1• Subjaccnlc ao olhar cartogrilfico c paisagistico, c dando-lhc talvc;.o: wn alcancc verdadciro, enconlra-sc o pcnsarncnto dos Sai/1/V.\' (os de lllllllCro 24, 33, 46, I04 sao OS mais fi·cqlicntcmcnle citaclos pclos cartogralos, entre os quais Ortclius): " Ide c contemplai os grandes lcitos de Deus, que cncheu a Terra de maravilhas"25• 0 que hit de singular nos quadros que rcprcsentam lais "paisagens do mundo" c cstc modo de encadcar c de cnglobar os acidentcs do cspac;:o (nrvorcs, rochas, construc;oes, rios) numa unidaclc que se descnvolve a partir do rundo, lllll rundo indcfi nidamcnte abcrto e que rcmctc a um espac;:o c a l1111 tempo c6smieos clcntro dos quais a hisloria humana c como que cvocada na sua rclatividadc. Palinier, met

A. Ortelius, Typus orbis terrarum, Antuerpia, 1570. Musee Plantin-Moretus, Cabinet d'Anvers, Anvers.

23. 11:11':1 a noc,;iln de ll'r:ltlwl<l.\·ch'!fi, vcr W. S. Gibson, op. cil. , J. MOller l lolstcdc, 7.ur lntcq)rctation von Brucgd L:mdschall: i\csthctischcr Landschallbcgri ll' und sto'ischc Wcltbctrachtung, :trl. cit.. bcm como R. L. Falkcnburg, .Joachim Palinir: The /.wul.m1pe a.1· an Image <!f'tile Pilgrimage (//'Lite. i\mstcrdam: John tJcnj:unins Pub lishing Company, 1988. 24. Cr. J. 13ialostocki, Die Gcburt dcr modcrncn Landschallsmalcrci, /Juliet in du Mu.wJe 11alional de Varsovie, 14, 1973, p. 6- 13. 25. Su/mo 46, colocado por Sebastien Fmnck no infcio do scu IVe /tlmch. Rccnconlra-sc esla mcstmt cilac,;flo no ii·ontisplcio do Epitome du Tiletilre du Mollflc• d 'I I hruham Ortelius, cwque/ onse represenle, tan! par.figures que dwracleres. la i 'I'II)'C' situation. llalure. et proprietes de Ia terre universel/e, rcatizndo por Phi lipp..: Ci:tl k . i\nlm!rpia, 1588.


supertlcie da Terra em fun~io da qual as rcgi5cs descrilas silo eonsidc· radas em grande escala, na diversidade c no detalhc de seus earactcrcs. A corografia e uma arte da aten9iio aos detalhes e uma arte do inventario, enquanto a geografia, tal qual definida no texto plolomaieo, trata a superficie da Terra, por assim dizer, por grandes massas ou grandes eonjuntos 18 . A eorografia e inventario minucioso das realidades pr6ximas, expressao da freqilentayao dos lugares eircundantes, mais do que abertura para horizontes longfnquos. Ela enumera e, como diz Apian, mostra todas as coisas c, ate mcsmo aquclas mcnorcs contidas ncstcs lugares, como cidadcs, portos mariti mos. popula~ocs, rcgiocs, cursos d'{tgua, c muitas outras coisas semclhantes, como cdilicios, cusas, ton·es 1''.

Mas eneste ponto mesmo, nesta aproxima9iio detalhada, as vezes dispersa, do mundo lerrestre em que consiste a corografia, que confluem em grande parte as perspectivas e as eonven9oes iconograficas da representayao paisagistica da natureza. 0 objeto do cor6grato e tambem aquele do pinlor de paisagem, tal qual o concebe Karel Van Mander, baseado em Plinio: Convcm nqui lalur-vos de l.udius, que vivcu soh o rcinado do imperador Augusto. Etc foi o primciro a inventar um modo de pintar tanto sobrc as paredes cxtcrnas como nas salas, dando prova de 11111 verdadciro tulcnto artistico. Suas milos h:'tbcis podiam pintar o que quer que lhssc, as choupanas, as litzcndus, os vinhcdos, as cstradas do campo, as llorcstas prolimdas, us ultns colim1s, os lagos, as torrcntcs, os rios, ns portos c as praias. Ncstns paisagcns, cle rcprcsentav<t pessons que sc distraiam nos passcios 21'.

18. Ci'. F. l.cstringant, Chorographic ct paysagc ft la Renaissnncc, l;·crire le mml· de ci Ia Renai.\',\'Ctnce. C<tcn: Parudigmc, 1993, ll. 49-6ll. 19. 1'. /\(limt, Cosmographie, Antucrpia, 1544, primcira parte, c:tp. I. 20. K. Van Mander, /let Scbilcler-/Joek..., Harlem, 1604, lol. 87 v. Rctomo aqui

a lradu~ilo aprescntada por C. Michel, Lu pcinture de paysagc en llollnnde au xvu• siccle: Lllll systcmc de signcs polyscmiqucs, em M. Col lol (dir.), op. cit., p. 216. Van Mander copia i'linio,l/isttiria Natural , XXXV,§ 116./\ palavra utilizada por Van Mander pant dcsignar a paisugcm c /antsc/wp, que traduz o latim topiario opera. Ludius, acresccnt:t Plinio, rinla tambcm cidadcs situadas iJ beira-mar. Para a questiio da rcprcsenta~iio da paisagcm no mundo romano, vcr principal mente E. W. Leach, The Uhetoric c~{Space. Litemry and Artistic Uepresenlulion c!f'Lancl.\·cape in Republiran and Augus-

/em l?ome, l>rinccton: Princeton University Press, 1988, particularmcnlc o capitu lo 2:

Loci et Imagines. The Development ot'Topographieal Systems in Roman Landsc<tpcs, p. 73-143, ondc o mnor abord:1 :t questilo das rcla~ocs entre o map:t c a paisagcm. Vcr tambcm A. Rouvcret, Pcinturc ct art de Ia rncm oirc: lc paysagc et I' allegoric dans lcs tableaux grccs ctromains, CNAI, 1982, p. 571-588, c I fistoire et imaginairc cle Ia pein/ure cmdcmne, Rome: 13ibliothcque des ccoles lhm~aises d'/\thenes et de Rome, 1989, p. 323 e scguintcs. Enumenwuo muito proxima em Vitruvio, VII, 5, a prop6sito das dccora~ocs topiarias: "Com cfeito, pintam-se portos, promont6rios, riachos, rios, fontcs, cslrcitos, sa.ntm\rios, bosques sugrados, montanhas, rcbanhos, pastores ... " (citado em 1\. Ruuvcrcl, up. cit., p. 325).

1\ (jiii.!Stil o n : lltl'tll, Ill) tflll.! fi()S .;lltlCCI'IIl!, C, 1111 Clll:ill!O, :1 Se!:\llillt ~: quul vis5o 011 conceilo dn 'l'erTn u corogralia en pinlttra de paisagcm tt os d:io accsso? (\:rlanten lc, csla dcslocac;iio da imagcm do mundo lctTcslre, na dcscric;flo c cvncac;<io de sew; trac;os partieularcs, pode scr l'llllsidcrnda ao mcsmo tempo uma abcrtura a proli.tsao do real c mcsmo uma lhtic;ao cspccifica da diversidade. Mas deve-se entao concluir que nao hit paisagcm se nao do que e proximo e do particular? Que a paisagcm, sqja no plano da rcpresentayao artistica, seja no da descriyao corogrilfica, recusa toda abertura de horizonte?

1)

t\ P/\ISAGEM COMO TEATRO DO MUNDO

De fato, no seculo xv1, a carlografia e a pintura de paisagem nao sc comunicam apenas pela escala da corografia. Um dos cvcntos mais significativos dcsta hist6ria e justamentc a aparit,:iio c 0 desenvolvimento concomitante da no9ao de uma "paisagem do mundo" e de uma nova representayao cartografica do ecttmcno (ou, como dizem os Iatinos, da orb is terrarum). A paisagem extravasa, cntao, os limites da regiao particular c coloca a qucstao cia aberturn do cspac;o tcrrestre e da relac;ao entre o que cslit aqucm c alcm do horizontc. Mais precisamente, n paisagem traduz visual e imaginariamcntc a promo9ao da geografia como discurso cspccifico, distinto da cosmografia, consagrado adcscriyiiO da Terra universal. E na perspcctiva da paisagem que a maior parte dos amigos do geogralo antuerpiensc /\braham Ortelius evoca o Thea/rum orbis terrarum nas p{tginas do seu Album amicomm. Segundo o cosm6grafo Jacob Van Suys:

c nas gravuras que Ortclius d cs~rcvc o vasto mundo !AI grapllikos

vastum Jlingen.¥

Ortefiu.1· orbemJ, as imensas ondas do mar, os goltos profundos que os pcnctnun, os

portos aos (1CS dos promont6rios c os rios cmutlcs que sc alastam vclozmcntc de sua Ionic limpida, os cimos :1 pique dos gr:mdes montes cr i~ados, as cidudes, os grandcs tcrritorios, os mercados, os burgos: tudo o que a supcrflcic bcm cullivada do mundo poe :1 lm:, etc nos poe sob os olltos c nos 1hz ama-loz'.

Nos encontramos ncstc texto a maior parte dos objctos enumerados por Pllnio como pertcnccntes a paisagcm22 . Ortelius organizou para o olhar a experiencia da divcrsidadc etas coisas terrestres. Ele 21. J. Van Suys, em/\. Ortclius, A/hum amiconmt, J. Purayc (cd.), Amsterdam: 1\. L. Van Gcndt, 1969, lol. 84 v. Modilico a tradu~ilo l'uraye, que nuo parcec satisliltoria t"c'cst en mots...") ["c em p:1lavras ..."j. Le-se, com cf'cito, na Description de Pays-Bas... deL. Guieciardini, na parte dcdicada a lingua namenga: "graplteill [...] ccomo nos dil.cmos em llmncngo, gravado, gravar, ou scju, talhar em cobrc corn o buril" (t radu~o lhmcesa de J. Jansson,/\mstcrdam, 1625, p. 34). 22. 0 texto de l'linio ebcm conhccido dos contcmporftncos de Ortclius, que dd(; sc serve pant rcdigir o elogio de Brucghcl, inserido no A/hum amicorum.

fUllS !e.\'

I

II~


pintorcs/carl6grafos alcmfics c nccrlandcs~.:s duo aos t~.:nnos Lwu/.1'(·//(.rfi landschap (ou OS itafianos a pafavra paese) quando, 110 seculo XVI, eles a empregam para designar o o~jeto que eles reprcsentam? C

PAISAGEM E COROGRAFIA Antes de adquirir uma significa9ao principalmente estetica, ligada ao desenvolvimento especifico de um genero de pintura a partir dos scculos XVII e XVfff 12, a palavra landschap (Landschaft, paese) possui uma significayao que se pode di ze rterritoria/ e geograjica. Tomada num scntido sobretudo jurfdico-politico c topografico, a paisagem e, de inicio, a provincia, a patria, ou a regiao''. Eneste sentido que o cart6grafo e matematico flamengo Gemma Frisius utiliza a palavra lantschap para designar os territ6rios que ele dcscreve 1'1• 0 proprio Abraham Ortelius, na edi9ao nccrlandesa do seu Theatrum orhis terrarum, chama os mapas regionais de besondere lanlaschappen' s. 12. Endossnrnos ncstc ponto o que diz 1'. Cnmporcsi: "No sccu lo xvr, niio sc conhecia a paisagcrn no scntido modcrno do tcnno, mas o 'pais', alga cqu ivalentc ao que C para nos, hojc, 0 lerriforio e, parn OS frtlllCCSCS, 0 envirmme/1/C/1/, fugnr Oll CSpa<,!0 considcrado do ponto de vista de suns caractcrfsticns lisic:1s, :\ lu7. de suns fonnas de t>ovoamcnto humano c dl! seus rccursus ccon<imicos. De uma matcrialidadc quasc tangfvcl, clc niio pertcncc :'1 csfcra cstctica Sl! niio de run modo muito sccundt1rio" (I'. Camporesi, op. cit., p.ll ). A paisagcm da lt:ilia. conform<! as dl!scriyiics tlcscnlwdas por Leandro Alberti, Tcofilo Folci1go, Francesco Guicciardini, ou Scipione Mercuri, c comcntud:rs por Cwnporcsi, c uma paisagl!m do tmbalho, uma paisagcm do uso, uma paisagl!m da sa(lde c do bcm vivcr. Os valorcs paisagisticos s;1o mcnos pitorcscos que pr:itieos. Nessc contcxto, a pais:1gcm c aprcsentada como "urn cspayo a scr aprl!endido em scus travos gcogr:ifico-cconiimicos csscnci:ris c sob seus aspectos humanos, com algo da scnsibilid:ldl! profissional do mcrcLrdor ou do agrimensor, mais do que conlcmplado dl! modo dcsinlercssado pclo incfi'1vcl prazer do cspfrito, consumido em docl!s pcrcursos sugcsti vos, em dcvancios indcvidos c injustificados ou, menos ainda, intcgrado em implica.,:ocs ligadas :'1 csf't:ra do cspirilo c da mcdit:ryiio rcligiosa" (idl!m, p.l2). 11:'1 uma nmmcl!, no cnlanto, como vercmos: esta comprccnsao da p:risagcm niio sc op11c :1 n:prcscnt:rcfio :utfstica. El:r apcnas Ihe dcsloca os accntos. 13. A hi st6ria da apariyfio d:r pal:rvra que dcsigna o conccito de paisagem nas difcrcntcs linguns europcias cst:i :rinda por scr cscrita. Rcmctemos :rqui, principalmcntc, a C. Franceschi, /Jumo/ pay.mge el dc.1· ses equil'lllen/.1' dan~ c:inq hiii!JIIC!.\' cumpricnnes, em M. Collot (dir. ), Le.1· l:.'l!icux du pay.1·age, 13ruxcllcs: Ousia, 1997, p. 75- 111 (bibliografia), bcm como a R. Grucnter, L:rndschafl. 13emcrkungcn zur Wo11-und 13cdcutungsgcsch ichtc, Gcrmcmi.~ch-Romanische Monatssdw!fi,nova scric,t. 111, I, 1953, p. 110-120. Vcr tambc111 J. 13. .l:rckson, Discovering the Vemw.:u/ar Lond~capc, New I Iaven: Yale University Press, 1984, p. 1-8. 14. Gcrnrm1 Frisius, Cosmographic 1!/i beschr(jvinghe der geheelder werclt van l'cfr11s lfpianu.\', cmderwerk gecorigeen van Gemma 1'/,ysio-Mathemafidcn ... mef

cliver.~chiJ boecxkens h(idii selven Gemma ... Antucrpia, 1545. fol. li ii'. Vcr larnbcm o titulo nccrlandcs do tratado de 1533 sobre u tri:mgulayilo (Libellu.1· cle locorum describendomm ralione .. .): Die maniere fe beshrijwn de plaersen emle Lcmfschappcn. Amsterdam, 1609. 15. II. Ortclius, Tl1caJre ofltoneef lfenbodems, Anlucrpia •. 1571, fbi. Av'.

t•,cog.t•Mica, a " paisagctll" nfio c dcfinidu de ink;io cxtcnsilo de Lllll lcrritilrio que sc dcscorlina num so olhar desde 11111 po11to de visla clcvado, segundo a lormula Lornada classica II partir tfo scculo XV II na hisl6ria da pinlura. Eta e entendida como ~·spayo objcti vo da cxislcncia, mais do que como vista abarcada por 11111 sujcito. !'\ ncsta pcrspectiva que ela e apresentada por Peter Albinus no comcyo da sua Cr6nica de Misnie em 1580. Para obter uma melhor tlcscrirrao de uma Landschaft, diz ele, Nl'NI II pcrs p~.:ctivn

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c ncccss:'rrio fazcr saber prcviamente em que parte do mundo, em que pais, em mcio a que povos, junto a que vizinhos, rnontanhns, cursos d'agua, llorcstas, c outros lugarcs noti1vcis, se encontra aquilo que em lntim se chama o sitium, c em alcmilo das Lager dm:r Lcmde.~• •.

A Landschaft (landschap, paese) se define pelo seu sitium, ou ao mesmo tempo por uma posiyao e por uma vizinhan9a caracteristicas. Por esla definiryao, Albinos redescobre Ptolomeu, que dcsigna como objelo do ge6grafo a analise da thesis (posiryao) e da phisis (natureza) dos lugares, mas tambem os historiadores gregos e Iatinos, bem como os aulores que celebram as cidades, pois, tanto uns quanto outros, estruluram suas descriyoes dos territ6rios em diferentes escalas em funyao destes dois itens 17 (posilio ou situs, narura). A Landschaji c de inicio llll1 Iugar que se define por vizinhanyas, humanas c naturais, que se pode designar como objetivas, e que podcm assim ser cartogratadas. Alem da mera considcrayao de sua posiyao relativa, a Landschqft sc define tambcm por um conjunto de propriedades, naturais c humanas, cujo inventftrio conslitui sua quafidade ou sua natureza pr6prias. A maneira pela qual Albinus define a Landschqft a identifica de Jato com o objelo da corograjia, ou seja, com um tipo de descriyao da s~.:ja,

16. I', Albinus, Meiuzni.vdu! Laud-unci /Jerg Clmmica... , Dresden, I589-1 590 (priml!irn cdi~iio: 1580), Livro 1, p.l: "Djcwdl Von notl!n ist so man voncincr gcwisscn L:rndschall\ zuschrcibcn gcdcnckl d:rs 1nnn zu 1nehrcr nachrichtung und vcrstendnis dcrsclbingcn bcschrcibung und dcr nolhwcndingcn ;mhcngcndcn hisloricn Auch dcm ausslendischcn Ieser zufclligc f'rrung ('!) missdculung odl!r zurn wcnigstcn vcrhindcrung im forthlcsennbzuwcnden und mrs dcm wegc zu rcumcn zuuor ('?) llerlich zuvorstehen gl!he in wclchc Thei l der Welt in wclchcm llcubtlandc untcr welch en Volckcrn ben wclchcn Nachbahrn Uergl!n Wasscrn Walden und andcrn nnmlhssten ortcn dicsl! lbige gclcgcn sen welches man im Latcin den Situm nennet und im Dcutschcn das Lager cincr Landes vcrdulml!schl!n ('?) lhn ... " Na margcm: "das Lager dcr Iande wird notwcndig in bcschreibungcn tlihrer gesctzl". 17. l'olfbio, Hist6ria.v, 111, 36-38, V, 21; l lip6crntes, Dos Arcs, das Agua.\' e dos Lugw·!,.l., c:rp. 1; Ji1lio Cesar, Gueri'CI da Gcilia, v, 57,111, 12, VII, 83; l'linio, o Vclho, 1-/islliria Narum!, II, 245. Ill, I08; Cicero, flerrinax, 117-119, l!lc. Vcr para tanto L. l'crnol, La /Uu!rorique de /'e/oge clans le mom/e greco-nmwin, l'aris: Etudes augustiniennl!S, 1993, t. I, segunda parte, cap. primciro- 11: "L'clogc des cites", p. 178-216.

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